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A Realidade Empírica
Por fim, alguns professores tem se deparado, cada vez mais, com a dificuldade
de se abordar o tema do evolucionismo nas escolas onde estudam alunos evangélicos de
tendência mais fundamentalista. Ao defenderem o criacionismo e a interpretação literal
da Bíblia, esses alunos criam situações muitas vezes difíceis de superar.
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Termo usado por Vagner Silva (2007) para caracterizar a oposição ferrenha de determinadas
denominações do movimento neopentecostal, que rechaçam veementemente a possibilidade do diálogo
inter-religioso no que se refere à aceitação de práticas comuns à religiões afro-brasileiras, inclusive
demonizando as entidades espirituais que compõem o panteão dessas religiões.
O Plano Conceitual
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Uma perspectiva funcionalista da religião é comum às Ciências Sociais. Desde Durkheim
invariavelmente trabalhos acadêmicos abordam a religião a partir de sua função socializadora,
determinante, coerciva, coercitiva, alienante, etc.
Uma perspectiva compreensiva reconhece, antes de mais nada, que numa
determinada situação em que posicionamentos religiosos afloram, sempre irão haver
pré-noções envolvidas. No caso aqui tratado, tanto por parte dos alunos, como por parte
dos professores e agentes educacionais que a vivenciam. Isso gera também um
problema de compreensão com o qual devemos lidar: mesmo o pesquisador que se
propõe a analisar essas situações e suas variáveis deve ter em mente que ele próprio
também parte de pré-noções que delimitam seu objeto de estudo, a começar pela ideia
de religião a que ele se apega como referência.
A ideia de religião como uma dimensão humana que pode ser analisada como
uma instância isolada, destacada do contexto cultural no qual se insere, emerge do
pensamento ocidental moderno, racional e positivista. A partir dessa perspectiva,
existem não apenas maneiras divergentes de se tentar conceituar o que seja religião 3,
como diferentes formas, pessoais e muito próprias, de se vivenciar uma experiência
religiosa.
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Em O Objeto da Ciência da Religião Horizontes e Limites de um Conceito, aula preparada pelo
professor Frederico Pieper para a disciplina Teoria da Religião, ministrada no Programa de Pós-
graduação em Ciência da Religião da UFJF, 2018/1, é possível entender a limitação do(s) conceito(s) de
religião e a relativização da validade de se utilizar o conceito “religião” de uma forma universalizante.
mobilizam simultaneamente. Dessa forma, a religião é uma dimensão da natureza
humana que adquire a qualidade de dar sentido infinito ao finito. Segundo o autor, esse
traço da natureza humana não se refere apenas às tradições religiosas, mas a um sentido
profundo da vida, atribuído em diferentes momentos históricos e de diferentes formas.
Essa reflexão sobre o sentido da religião para a vida das pessoas ajuda a
compreender o aspecto “incondicional”, nas palavras de Tillich, assumido pela religião
na definição de normas de conduta dos fiéis. Para ele, a incondicionalidade é uma
característica primordial da religião que, no caso específico representado pela
resistência em participar de atividades escolares tidas como impróprias, se sobrepõe às
imposições normativas dos currículos escolares e às propostas didático-pedagógicas
elaboradas formalmente pelas instituições de ensino.
Além dos valores pessoais e subjetivos de sentido atribuídos à religião por seus
praticantes serem determinantes na definição de padrões culturais, como ressaltado por
Tillich (1995), outros autores se dedicaram a enfatizar o aspecto mais “objetivável” da
religiosidade como possibilidade plausível de estudo. Esses aspectos são importantes
para a compreensão do fenômeno religioso como um todo. A partir de sua dimensão
visível e mensurável, podemos avaliar as implicações do referido fenômeno na
formação de convicções e determinação de posturas comportamentais de grupos
religiosos e sujeitos filiados a esses grupos.
Desse modo, o autor conduz sua linha de pensamento por um sentimento mais
essencialista da religião, se contrapondo assim ao sentido funcionalista,
tradicionalmente privilegiado pelas ciências sociais. Por esse enfoque original sua obra
foi considerada precursora da fenomenologia da religião. Por sua originalidade Otto
também foi criticado, tanto porque seria mais um filósofo da religião do que um
fenomenólogo, como porque sua fenomenologia estaria mais voltada para a teologia,
não podendo assim ser respeitada enquanto ciência.
O certo é que, desde que foi publicado, O Sagrado vem servindo de referência
obrigatória por ampliar a compreensão do fenômeno religioso em suas especificidades.
A obra foi concebida em meio ao pensamento científico vigente de sua época, que
reconhecia como incontestável a superioridade do aprimoramento intelectual europeu,
da mesma forma que o modelo ocidental de civilização como o resultado de um
processo evolutivo pelo qual a humanidade tenderia naturalmente a passar.
Para ele, a diferenciação das coisas concebidas pelo homem, sejam elas “reais ou
ideais”, em dois gêneros opostos, o sagrado e o profano, é uma característica comum a
todas as crenças religiosas conhecidas. Esse seria por excelência o traço distintivo do
pensamento religioso: “a divisão do mundo em dois domínios que compreendem, um,
tudo o que é sagrado, outro, tudo o que é profano” (DURKHEIM, 2003, p. 19).
Ao descrever as características gerais pelas quais o sagrado se diferencia do
profano, Durkheim considera que as coisas sagradas são comumente tidas como
hierarquicamente superiores em dignidade e em poderes às coisas profanas. Também o
homem, “quando este é apenas um homem e nada possui, por si próprio, de sagrado,
ocupa, em relação às coisas sagradas, uma situação inferior e dependente” (ibidem).
Essa classificação das coisas do mundo como sagradas ou profanas é absoluta,
não existindo, segundo o autor, duas categorias de coisas tão profundamente
diferenciadas na história do pensamento humano e tão radicalmente opostas uma à
outra. Mesmo que a forma de oposição entre as referidas categorias possa não ser a
mesma e variar de religião para religião, a diferenciação fundamental, entretanto, seria
universal (idem, p.20).
Eliade acreditava que a sociedade moderna estaria passando por uma crise de
“dessacralização” do mundo. Dessa forma, as hierofanias seriam cada vez menos
frequentes e o homem moderno estaria se distanciando cada vez mais do que ele definiu
como o “homo religiosus”, uma característica essencial do ser humano, presente no
homem primitivo e que estaria se extinguindo na modernidade.
Aqui aparece mais uma vez, mesmo que indiretamente, a ideia equivocada de
um “evolucionismo cultural”. Apesar do incontestável processo de secularização
iniciado com o Iluminismo e da crescente e irreversível laicização das instituições
estatais, um movimento de reafirmação da religiosidade cada vez mais difuso e
difundido em diferentes setores da sociedade eclode vigorosamente, em proporções
variáveis, em diversas partes do mundo.
Esses conflitos podem ser vistos a partir de uma perspectiva que reconheça aí a
busca por afirmação identitária em um contexto pós-moderno que propicia a emergência
de fundamentalismos religiosos, ou então como uma disputa por “clientes” eventuais em
um panorama que configuraria o campo religioso brasileiro atual a partir de uma lógica
capitalista de mercado.
Entretanto, uma perspectiva original sobre esses conflitos pode ser pensada à luz
de uma abordagem fenomenológica e normativa que, sem desconsiderar as implicações
sociais, culturais e históricas do fenômeno religioso, privilegie sua dimensão mais
íntima, particular e existencial. Essa seria a especificidade e o diferencial do campo de
estudos abarcado pela Ciência da Religião em relação às demais Ciências da
Humanidade.
BIBLIOGRAFIA