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Introdução ao debate sobre a

metropolização
Uma chave de interpretação para compreender a organização contemporânea dos
espaços geográficos

Guy Di Méo

Tradução Aniel Lima dos Santos, Universidade de São Paulo

Resumos

Français English Português

La métropolisation est un phénomène universel caractérisé par la concentration, dans


des aires urbaines désormais fluides et ouvertes, d’un nombre croissant d’habitants
vivant au rythme de mobilités incessantes, utilisant les TIC et se consacrant de plus en
plus à la production de services. L’interconnexion de ces métropoles au sein d’un réseau
mondialisé en constitue l’une des originalités majeures. À la fois système productif
globalisé très efficace et processus nouveau de valorisation/occupation des espaces, la
métropolisation est aussi un instrument de classement des groupes sociaux au sein
d’espaces toujours plus fragmentés. Cette introduction pointe les principales questions
que posent aux sciences de l’espace géographique le processus de métropolisation et les
formes d’innovation tant sociale que spatiale qu’il suscite. Traduction de l’article
« Introduction au débat sur la métropolisation », publié sur le site Hal-Shs
http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00281654/fr/

Metropolization is a universal phenomenon characterized by the concentration of a


growing number of inhabitants in fluid and open urban areas. Those inhabitants live to
the rhythm of unceasing mobilities and use ICTs. Their activities are more and more
devoted to the production of services. One of the main original aspects of the
metropolises they live in is their interconnection within a global network.
Metropolization is both a very efficient global productive system and a new process of
space development/occupancy. It also provides a tool that can be used in order to
classify social groups within more and more fragmented spaces. This introduction
stresses the main questions linked to the process of metropolization and to the social
and spatial innovation forms it generates in the sciences of geographical space.
Traduction of « Introduction au débat sur la métropolisation », published on the site
Hal-Shs http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00281654/fr/

A metropolização é um fenômeno universal caracterizado pela concentração, em áreas


urbanas doravante fluidas e abertas, de um número crescente de habitantes, utilizando as
TICs e se dedicando cada vez mais ao setor de serviços. A interconexão destas
metrópoles no seio de uma rede mundializada constitui uma das maiores originalidades
desse processo. Sendo um sistema produtivo bastante eficaz e um processo novo de
valorização/ocupação de espaços, a metropolização é também um instrumento de
classificação dos grupos sociais no seio de espaços sempre fragmentados. Esta
introdução aponta as principais questões que se impõe às ciências que trabalham com o
espaço geográfico, o processo de metropolização e as formas de inovação tanto sociais,
quanto espaciais que ele suscita.

Tradução do artigo « Introduction au débat sur la métropolisation », publicado no site


Hal-Shs http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00281654/fr/

Como definir a metropolização?


Uma tensão entre processos específicos e genéricos
Mutações de todas as ordens ultrapassam a cidade
Uma nova economia política dos territórios
Conclusão provisória ou introdução: quais são as perspectivas científicas?
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Texto integral
Como definir a metropolização?

Pela etimologia e em escala pequena, a dos grandes espaços da superfície


terrestre, a metropolização se confunde com o desenvolvimento das “cidades-mães”.
Historicamente, desde os tempos pré-modernos são os interlocutores privilegiados de
outras cidades que elas controlam, dominam e as integram aos seus movimentos e suas
redes de trocas, as quais elas emitem serviços raros, ou mesmo estratégicos, contra
prestações ou bens mais banais, conhecidos com menor valor.

As metrópoles preenchem assim uma série de funções essenciais (políticas,


econômicas, culturais ou ideológicas); aquelas que concernem, no mais alto nível, o
governo dos homens, de suas atividades, de seus valores. Elas constroem uma rede
mundial, um tipo de tecido de centralidades combinando lógicas hierárquicas e
resilientes. De todo modo, elas se apóiam sobre conjuntos territoriais de porte variável,
ligados entre si por seu indispensável papel de intermediários. Assim, trata-se de uma
larga gama de áreas urbanas engrenando metrópoles assentadas no coração das regiões
que dividem os territórios nacionais até as metrópoles mundiais e as cidades globais que
governam o planeta.

Desde algumas décadas, trata-se de fato de « mães », sempre mais possessivas,


sempre mais hibridas e multirraciais, organizadoras maiores do espaço geográfico,
reproduzem a textura de uma toalha que gera enormes recursos; muitos dos quais nunca
antes produzidos pela humanidade. Esta constatação coloca um primeiro problema: se o
fenômeno adquire nos nossos dias uma amplitude universal, materializado pela difusão
das “manchas” urbanas que ele produz; metrópoles de países ricos e de países pobres,
aquelas mais poderosas e aquelas dominadas não portam o mesmo rótulo. Sabe-se que x
milhões de habitantes agrupados em uma aglomeração urbana nos países do Sul não
representam o valor econômico, o poder político e a capacidade informacional de seu
equivalente demográfico no Norte. Posto isto, pode-se abordar do mesmo modo umas e
outras? México e Nova York, de porte parecido, mas com o PIB (sem evocar outros
indicadores bem demonstrativos) mais do que o dobro da segunda em relação à
primeira, se classificam ambas na mesma categoria
Em maior escala, aquela de localidades que tendem progressivamente a se
regionalizar (regiões metropolitanas), a metropolização que não significa urbanização
stricto sensu, e nem se confunde totalmente com a globalização (global city de Saskia
Sassen), se observa a partir um nível mínimo de concentrações humanas mais ou menos
difusas. Trata-se de um mínimo pouco preciso, o de aglomerações de algumas centenas
de milhões de habitantes (se avizinhando a um milhão?) dispostos em torno de um ou de
vários centros urbanos... Até constituir conjuntos territoriais agrupando de uma a duas,
ou até três dezenas de milhões de indivíduos, dentre os mais expressivos entre eles.
Somemos que no interior do espaço metropolitano, a noção de “metapole” designaria,
segundo François Ascher, uma bacia única de emprego, de atividades e de habitat nos
espaços heterogêneos, não forçosamente contíguos, ultrapassando os limites ordinários
da cidade.

É importante lembrar, em todo caso, que a metropolização, nestas escalas do


local e do regional, se identifica com o consumo acelerado do espaço geográfico. Ela
permite freqüentemente formas de ocupação do solo mais diluídas e mais ruralizadas
que aquelas da cidade moderna e compacta de outrora. Não é neste sentido que certos
autores falam, aliás, não livres de alguns exageros aos olhos de um Europeu, do fim das
cidades? Independente do que elas sejam estas formas dinâmicas e circulatórias da
metropolização, planificadas ou espontâneas, senão caóticas, organizam novos tipos de
paisagens, de equipamentos e de habitats, de relações tanto sociais quanto espaciais, de
movimentação de habitantes, de atividades econômicas, de gestão e de apropriação de
lugares, de terrenos baldios ou esperando um novo uso, de modos de governança, de
transtorno também... Notar-se-á que neste universo em mutação, a inovação social,
territorial, política e econômica é freqüentemente aberta. Precisemos ainda que de
regionais a mundiais, as metrópoles são implacáveis maquinas de triar e de canalizar os
indivíduos assim como os grupos que elas acolhem. Em virtude de leis sociais que as
regem, elas distribuem, repartem homens e mulheres segundo seus meios econômicos,
por vezes em função de seus grupos étnicos e culturais, num espaço urbano fractal e
quase sem limites que expõe uma impressionante fragmentação morfológica e social.
Bem entendido, não foi necessário esperar os tempos contemporâneos ditos da
metropolização para descobrir a realidade e as elasticidades da segregação e de se
confrontar o problema da justiça social e espacial, que muito frequentemente as
metrópoles menosprezam abertamente. Entretanto, a metropolização confere por sua
vez uma nova amplidão, uma diversificação desproporcionalizada e espaços
incontestavelmente novos a estes fenômenos de segregação/segmentação de certo modo
antigos. Ela os conduz às suas convulsões, multiplicando de um lado os bunkers riqueza
(gated-communities e outras áreas de habitação completamente fechadas, retomaremos
este ponto) aos quais ela pode conceder uma autonomia política de gestão, isolando de
outro modo os guetos desfavorecidos, abandonados pelo poder publico.

Ao todo, o termo « metropolização » faz referência a processos. Ele caracteriza


tanto as formas quanto as funções e as dinâmicas dos maiores agrupamentos humanos
de nosso tempo. A questão da metropolização abre, portanto, um fabuloso campo para a
pesquisa em ciências humanas e sociais. Esta aqui se propõe alias, desde alguns anos, a
apreender suas formas, suas funções, de entender seus desafios de identificar seus
riscos, mas também suas promessas para o futuro de uma humanidade que a
metropolização polariza.
É este projeto, através de uma aproximação dos instrumentos e dos métodos
mobilizáveis para tanto, que explora, modestamente, o presente trabalho. Obviamente,
todas as urbanizações, todos os crescimentos e super-crescimentos periféricos das
cidades, todos os fenômenos observáveis da expansão urbana não ressaltam
forçosamente a metropolização. Em torno das cidades pequenas e médias (até as
aglomerações da ordem de 200 ou 300 000 habitantes na Europa e na América do Norte,
contando ainda de 500 000 a 1 milhão de habitantes da Índia e da China), a instalação
recente e invasiva de novos residentes não destaca forçosamente a metropolização.
Indiretamente, entretanto, mesmo nos casos destas entidades urbanas mais modestas, a
influência metropolitana é quase incontestável. Com efeito, a expansão demográfica do
número de aglomerações de porte moderado que se traduz pela periurbanização de seus
cidadãos e de uma parte de suas funções, assim como a instalação de novos habitantes
vindos de outros lugares, não é indiferente à posição destas cidades (pequenas ou
médias) na órbita ou não de uma metrópole regional, nacional, a fortiori, mundial. Ela
pode igualmente depender de sua situação no contato de várias áreas metropolitanas; até
mesmo de sua inscrição em um tecido metropolitano mais denso, como é o caso para as
faixa e manchas de metropolização continuas das megalópoles da Europa mediterrânea
e renana, do Nordeste americano, do Japão central, do litoral sul chinês, da bacia de
Londres e da Califórnia meridional, etc.

Estes fenômenos polimorfos de metropolização se circunscrevem no contexto de


uma temporalidade bem particular: pos-modernidade, até mesmo modernidade 3 do
geógrafo Jean- Paul Ferrier. Eles participam misturados da era da mundialização e do
global, do triunfo das técnicas da informação e da comunicação (TIC), da forte
influência do setor de serviços sobre toda a economia (pós-fordista), dos meios de
transportes rápidos, da mobilidade generalizada. Eles tiram partido e proveito de um
tempo contemporâneo onde as conexões topológicas, aquelas de fluxo percorrendo
redes interurbanas de sistemas de transportes/comunicações rápidas, constituídos à
imagem de flechas de um gráfico, perturbam ou pelo menos completam as
continuidades e as contigüidades topográficas. Às forças essenciais de proximidade que
se impunham no passado, soma-se doravante o beneficio de novas relações, hierárquicas
ou não, se tecendo entre cidades e conjuntos territoriais com pouco em comum. Um
autor como Jean-Paul Ferrier resume bem este propósito quando ele afirma que o termo
“metropolização” apenas designa o estado atual da territorialização das regiões do
mundo submissas intensas mutações de todas as ordens, qualquer que sejam suas
posições sobre um eixo países desenvolvidos/países em desenvolvimento.

Uma tensão entre processos específicos e genéricos

Nestas condições, mas será preciso retornar a este ponto, a metropolização


também concerne às aglomerações urbanas do Sul. Ela as toca segundo modalidades por
sua vez genéricas e específicas. A porção de umas e de outras se situa, aliás, no coração
das problemáticas da metropolização. Não se perguntou Rem Koolhaas se a cidade “não
evacua, no nos dias, a noção de identidades?”. Com efeito, se a identidade da cidade
deriva do aspecto material de sua história, do contexto patrimonial específico que ela
fornece, pode-se pensar como Koolhaas que esta memória identitária caminha
inelutavelmente para seu desgaste: “o passado terminará um dia por se tornar muito
pequeno para ser compartilhado e habitado por vivos”. Resta, entretanto, que a
identidade, o patrimônio, o espírito de uma cidade, de um lugar, de um território se
edificam permanentemente, sem tregua, em função de arranjos do presente, usando os
vestígios de um passado selecionado. Nestas condições, em que a “cidade (metrópole)
genérica” ganha terreno, em que suas mobilidades e suas novas conexões traçam os
rastros de uma metropolização cada vez mais uniforme e estereotipado... Isto não é
duvidoso. O que não impede que na ordem das representações, do ideal e dos símbolos,
mesmo reduzidos a signos discretos, a originalidade perdura e perdurará sem dúvida.
Melhor ainda, a ordem dos (novos) mundos metropolitanos parece ter necessidade desta
diferença cultural, oficialmente ressentida (discurso publico e científico) como uma
riqueza territorial, como um recurso de inovação e de desenvolvimento durável.
Somente, talvez, as novas metrópoles da Ásia, eventualmente da África, parecem
susceptíveis de admitir o princípio da tabula rasa a partir do qual se desencadearia a
metropolização e suas improvisações criativas.

Ademais, quem nos garante que as identidades metropolitanas continuarão a se


definir, como ainda é o caso hoje em dia, a partir do centro das cidades, a partir do
coração das metrópoles e de suas aglomerações? Há a forte aposta, e já se vê os sinais
de algumas premissas, que a identidade se forjará também na periferia, nas áreas novas
da metropolização. Neste nível, é conveniente colocar, de novo como R. Koolhaas, o
problema maior da contradição dos centros. Hoje estes são os lugares e os territórios
principais de significação identitária, por sua vez condenados à condição de espaços “o
mais antigo e o mais novo, o mais fixo e o mais dinâmico”, pressionados a uma
adaptação constante e custosa. Nestas condições, qual futuro é prometido? Será
necessário, como no coração da área metropolitana de Zurique, que camadas sucessivas
de centralidades (centros comerciais, bancos com seus cofres fortes, laboratórios e
escritórios) se acumulem nas profundezas do subsolo urbano? Tipo de réplicas invertida
de arranha-céu, tão típico em outras metrópoles.

Um campo de investigação se abre, portanto, seja a partir da observação de


metrópoles da Europa do Sul, da Ásia meridional ou daquelas que emergem também,
sobre suas formas próprias, no continente africano.

Nesta pesquisa, observam-se claramente as contradições que caracterizam tal


(sobre)modernidade e que complicam a leitura que fazíamos antigamente de uma
metropolização mais convencional, fundada sobre o comércio, a metropolização e o
imperialismo, a indústria igualmente. No seio das novas metrópoles, mais que no
coração de simples espaços urbanos e rurais de ontem, as lógicas resilientes (aquelas das
instituições e dos atores privados, das empresas, das relações sociais e dos poderes, dos
lugares de vida e de territorialidades) entram em conflito com as lógicas territoriais do
poder, da gestão publica, por vezes da identidade e do pertencimento. Na realidade,
estas lógicas globais de rede beneficiam-se, mais do que são prejudicadas, das tiranias
de uma proximidade necessária às populações mais frágeis (efeito de solidariedade)
como às atividades de produção e de pesquisa que exploram as inumeráveis facetas dos
recursos territoriais.

Além disso, se a metropolização reveste-se de algumas sólidas características


gerais, se ela acompanha o “rolo compressor” unificador da
mundialização/globalização, ela deve igualmente ter em conta os efeitos de contexto
que segregam seus inumeráveis lugares e territórios. Estes funcionam, com efeito, como
vários recipientes de singularidades: hibridações complexas de elementos culturais e de
relações sociais próprias à situação geográfica, à dosagem humana e à atmosfera
particular de cada metrópole como de cada lugar. Acrescentemos que pressões de
massa, aquelas que impõem as fortes densidades humanas, os planejamentos onerosos e
os custos públicos elevados que elas induzem, as normas coletivas e as formas de
regulação e até coerção que elas suscitam aparecem ligeiramente por toda a parte e
preocupam. Elas se chocam com aspirações de livre expressão e de independência que
manifestam as comunidades e os indivíduos sempre mais relutantes a se fundir na massa
(aumento do comunitarismo e do individualismo). Eles reclamam, com efeito, regimes
de gestão mais específicos, mais autônomos, mais participativos, tendo em conta estilos
de vida diferenciados coexistentes nas metrópoles.

Mutações de todas as ordens ultrapassam a cidade

A metropolização necessita, por conseguinte uma definição complexa, que não


poderia se limitar à constatação da construção de uma armadura mundial de centros de
decisão com alta especialização em atividades terciárias, hierarquizadas e
interconectadas; espécie de teia rica das 400 aglomerações mais que milionárias
desigualmente disseminadas na superfície do planeta. Certamente, do pequeno grupo de
“cidades globais” às inumeráveis metrópoles regionais, cujo contingente excede, aliás,
amplamente o clube das 400, esta rede mundializada existe efetivamente. Ela organiza e
canaliza os principais fluxos de poder, de informações, de conhecimento científico, de
capitais e de bens financeiros de nossa terra. Ele mistura com remarcável destreza as
realidades concretas e virtuais, largamente homogeneizadas e unificadas, formando a
face globalizada de nossa civilização contemporânea. Contudo, os efeitos dessa
metropolização não se atêm às 400 principais (ou mais) de uma tal rede. Eles tocam o
conjunto dos territórios... Primeiro porque a metropolização provoca uma mudança
radical (quantitativa e qualitativa) de todos os processos (em cadeia) de urbanização; em
seguida porque ela atua (embora de maneira mais indireta) sobre todos os
procedimentos de desconstrução e de recomposição ou de requalificação territorial que
se produzem no alcance de sua sombra, ou mesmo no desvio dos seus espaços mais
ativos.

Na palavra “metrópole”, sabe-se contem “póle” certamente, poli, a cidade, mas


também “pólo” (latim polus e grego polos), quer dizer o pivô sobre o qual gira uma
coisa, um centro e um eixo em torno do qual se desenvolve uma dinâmica, um
movimento; não são os pólos os dois pontos virtuais pelos quais passa o eixo de rotação
da Terra? Mas o “pólo” é também um ponto que atrai (pólo de atração) em um dado
campo magnético, metáfora possível de um espaço geográfico e social submisso às leis
físicas. Se ele atrai, é porque ele irradia, exerce influência sobre seu meio ambiente.
Esta atração descreve no espaço um gradiente; ela se atenua com a distância se ela não é
reativada por polarizações secundárias, por retransmissões do pólo ou metrópole. À
medida que a influência do pólo se esgota ou se reanima com a distância, ela engendra
jogos de escala que fundam novas unidades geográficas.

Algumas se identificam a formas espaciais territorializadas, funcionando do


local para o global. Elas se colocam por vezes como novas produções (bottom up) de
territórios intermediários lutando contra o caos dos espaços e de seus residentes moveis.
Outras, necessariamente mais fluidas, se desenham segundo uma estrutura de rede onde
os fluxos circulam principalmente em sentido inverso, do global para o local, ao ritmo
dos grandes movimentos de capitais, de informações e de inovações. Neste jogo up
down, a metrópole arrisca perder seu lugar, ele torna-se onipresente e inencontrável,
quase virtual.
Constata-se que este duplo movimento de polarização/difusão de fluxos de todas
as ordens ancora-se num duplo jogo de territorialização de proximidade e de conexão à
distância, de topografia e de topologia. Duplo jogo que descreve uma interação que
orquestram e conduzem as metrópoles, uma articulação que elas administram ao ponto
de se perguntar se, finalmente, elas não são feitas antes de tudo para isso. Este
movimento dialógico (ou dialético), como já foi evocado, revela a emergência de um
novo modo de produção econômico, (pós) ou (neo) fordista. Este ultimo marca a
hegemonia do capital financeiro, da inovação, da pesquisa, do virtual e do móvel, de
uma economia de serviços que comprime, sem suprimir por completo, aquela da
produção de bens.

Esta lógica econômica principal atribui um lugar de escolha às economias de


escala e de redes, mas também (contraditoriamente?) às economias mais sedentárias de
proximidade e de cluster, exigentes em externalidades situadas e culturais. Assim,
dedicando um culto às deslocalizações, procurando febrilmente novos recursos
(materiais, financeiros, humanos e culturais) ao preço de um tipo de nomadismo de seu
aparelho produtivo, bastante flexível, a economia contemporânea conserva os velhos
princípios capitalistas da concentração e da acumulação (aí compreendidos
espacializados), fatores de um policentrismo que não é somente metropolitano.

Mesmo que as metrópoles que se desenham na América Latina, na Ásia e na


África pareçam mais mutáveis que aquelas de outros grandes espaços continentais, com
suas populações instáveis, suas infra-estruturas inexistentes ou ameaçadas, por vezes a
ausência total de arquitetura, elas desenvolvem, entretanto, lugares e territórios de
proximidades transbordando vitalidade e inventividade social, econômica, política. Elas
se inscrevem também nas redes mundializadas ou prestes a tornarem-se. Na China do
Sul, a metropolização das duas margens do rio Pérolas é um testemunho disso. Lá, sobre
um perímetro de 300 a 400 kilometros, cinco ou seis aglomerações juntam-se para
formar, de Hong Kong a Macau, passando por Shenzhen, Guangzhou (antiga Cantão) e
Zuhai, uma metrópole em pleno crescimento, com mais de 12 milhões de habitantes.
Suas zonas econômicas especiais constituem “laboratórios de contida do capitalismo”
segundo a expressão bem acertada proposta por uma equipe de pesquisadores da
universidade de Harvard. O urbanismo e a construção de equipamentos (principalmente
auto-estradas) ali se revelam igualmente experimentais e aleatórios, apresentando
inacreditáveis distorções entre projeto e resultados construídos, estruturas concebidas e
apropriadas, interpretadas pelos atores e os usuários.

De forma ainda mais eloqüente, cita-se o caso do bairro de Alaba, situado a


Oeste de Lagos, na Nigéria, pelo qual passa três quartos do comércio de materiais
eletrônicos da África Ocidental, cuja maioria são produtos de ocasião. Fundado sobre a
proximidade e a aglomeração de inumeráveis ateliers e comércios, Alaba se coloca no
seio de uma vasta rede de trocas, da qual os outros nós importantes se chamam
Cotonou, Lomé, Accra, Abidjan, Niamey e Conakry, mas também Moscou, Mumbai,
Taipei, Singapura, Séoul e principalmente Dubai. Assim o bairro de Lagos localizado
sobre um entrecruzamento de mercados de bens eletrônicos só prospera em função de
ligações de proximidade amarradas por atores que sabem aliar comercio internacional à
produção de híbridos eletrônicos, o espírito da rede e o espírito do lugar. Todo isso
configura um impressionante complexo de inovação metropolitana instalado nos países
do Sul.
Em todos os casos, observa-se que partir do estatuto “cidade mãe”, cabeça e
matriz de rede, as diferentes declinações do termo “pole” ou “pólo” definem
centralidade e uma capacidade de atração, um princípio de organização e de colocar em
ordem o espaço geográfico gerido por forças sociais unificadoras, de manutenção em
co-presença de indivíduos e de grupos variados. Neste domínio do agrupamento dos
seres humanos e da localização das suas atividades, seja da organização do espaço, a
metrópole observada sob o ângulo da sua etimologia, ou seja da linguagem, multiplica
inegavelmente as capacidades e os efeitos elementares “polis”, da cidade stricto sensu.
Em uma palavra, ultrapassa-a de todas as formas. Para continuar no registro da
linguagem ou mais precisamente do vocabulário, convirá que a metropolização tenda a
alterar o sentido de expressões dicotômicas que predominavam habitualmente nas
análises urbanas clássicas: centro e periferia, espaço público e espaço privado, por
exemplo, etc. Estes binômios e estas divisões colocam hoje em dia questões e convidam
à discussão. É neste sentido que os “Atlas ecléticos” (os descritos em especial por
Stefano Boeri) propõem-se a procurar novas correspondências entre os elementos
espaciais metropolitanos, as palavras que utilizamos para nomeá-los e as imagens
mentais que projetamos sobre eles. De um ponto de vista metodológico, os ângulos de
observação sobre os espaços metropolitanos merecem, com efeito, serem alargados. Às
abordagens tradicionais privilegiadas pelo texto, o plano, o mapa, a fotografia ou o
esboço, todas as cientificas e supostamente objetivas, deve se acrescentar a perspectiva
do vivido de assuntos diversos, expressos a partir de olhares e outros sentidos, as
práticas e as linguagens que lhes traduzem. Estas dimensões inovadoras do vocabulário
e da exposição, do sentido sobre a “metropolidade” (neologismo que designa formas
novas de sociabilidade e espacialidade em meio metropolitano, caracterizados pela
afirmação, em especial, da autonomia individual) participam das novas representações
metropolitanas. O seu acolhimento e os indicadores que se pode tirar inscrevem-se
plenamente na gama dos instrumentos e os métodos que os investigadores do
laboratório ADES esforçam-se por forjar e promover (cf. o número coletivo da revista
Sudoeste Europeu intitulado: “Vivre Bordeaux, vivre la ville”). Colocará-se a hipótese
que sem um mínimo de compreensão do vivido humano, a nossa possibilidade de
conhecimento da evolução dos espaços metropolitanos, as condições da sua
durabilidade ambiental, social e econômica, a nossa capacidade de alterar a sua
organização e a sua gestão pelo ato de ordenamento correm o risco de permanecer carta
morta.

Uma nova economia política dos territórios

Além destas considerações geográficas, econômicas, sociais e ideológicas, a


metropolização comporta igualmente uma dimensão demográfica. Refere-se mais ainda
à economia política e à sua geografia. Ou seja, dois prismas de observação e de análise
fundamentais que a investigação, até agora, sem dúvida negligenciou demasiadamente.
Com efeito, o metropolização contemporâneo pode ser lida como um novo modo de
gestão espacial (ou geográfico) das massas humanas doravante urbanizadas. Do
desakota indonésio e dos corredores de metropolização e de industrialização asiáticos,
até as franjas de habitats isolados e por vezes marginalizados das metrópoles ocidentais,
passando pelos diferentes tipos de guetos sociais e étnicos, não é essencialmente
questão de canalização, controle, dominação e exploração dos grupos humanos
contemporâneos? Bairros fechados (gated-communities) de inúmeras metrópoles do
Norte e do Sul, até aos edgescities que constroem a metrópole emergente americana ou
árabe ( Dubai, por exemplo), não é questão de construir à parte, de proteger em excesso
os espaços de minorias sociais abastadas?

De maneira mais geral, poder-se-ia afirmar que a metropolização, no Norte


assim como no Sul, constitui um método espacial espontâneo de gestão das mobilidades
humanas. Recordemos que cada ano, cerca de 3 milhões de pessoas emigram no mundo
de um país a outro, o que não esgota uma mobilidade ainda mais considerável quando
conta-se os movimentos nacionais, longos mas tão mais efêmeros, cotidianos
notavelmente, ao ritmo dos quais deslocam-se as populações nos espaços
metropolitanos.

Neste contexto, a metropolização, mais além do que simples urbanização, cria e


preserva centralidades geográficas qualificadas, distinguidas, valorizadas e eficazes.
Frequentemente as inventa; as experimenta antes de caírem no domínio comum
urbanização vulgar. O ideal das sociedades metropolitanas contemporâneas parece
construir-se, particularmente na América do Norte, mas não somente, em redor do
conceito de enclave urbano ou suburbano. Isto pode ir dos “edifícios furtivos” do
arquiteto californiano Frank Gehry, luxo camuflado no meio de bairros degradados ou
pobres, até a estas fortalezas imobiliárias planificadas, detidas, governadas e
supervisionadas pelo setor privado em certas áreas suburbanas de metropolização. Tais
lugares protegidos tornam-se territórios onde a acumulação de riquezas efetua-se sem
obstáculo, com toda segurança, sob a vigilância de filmadoras, com o apoio de serviços
de seguranças musculosos que vêm reforçar barreiras físicas e eletrônicas. O surgimento
e a constituição destas ilhotas ocorrem em conjunto com o sucesso de uma nova classe
social procedente das tecnologias da informação, particularmente apta a comunicar no
virtual, a refugiar-se por trás da dupla barreira protetora dos sistemas de segurança e do
universo numérico. Paradoxalmente, o neoliberalismo que contribui para produzir o
metropolização e estas formas residenciais, gera com elas dos sistemas regulamentares
restritivos, ou mesmo coercivos, excedendo tudo o que o espírito americano, unido ao
individualismo, pudesse tolerar no passado. Estes enclaves homogêneos formam um
mosaico dos elementos atomizados, tendendo cada vez mais a ser separado, nas áreas
metropolitanas, por um oceano de espaços abandonados onde estão lado a lado zonas
desenvolvidas e abandonadas, sub-administradas. A área metropolitana Houston
constitui sem dúvida o protótipo de tal universo desregulado: disseminação incerta de
centros de lucros industriais e terciários, reduzidos de habitat protegido e privado
(cidade dentro da cidade, Clearlake é adequada e gerida pelo grupo Exxon) que
compartilha uma rede nebulosa de infra-estruturas edificadas sem ao menos um plano
diretor. A lógica de isenção fiscal e laisser-faire que reina na aglomeração conduzem a
uma proporção de espaços verdes cada vez mais baixa em todas as grandes
aglomerações americanas, bem como a condições ambientais mais medíocres. Em
contrapartida, o desenvolvimento das atividades e os benefícios aí atingem sua
plenitude, oferecendo, aqui e ali, diversificações econômicas para as quais não falta
interesse, nos domínios dos cuidados médicos (reservados, contudo aos mais abastados)
e a eletrônica, por exemplo.

Esta metropolização liberal, que progride por toda a parte, cria espaços
frequentemente efêmeros. Alias, pôde-se constatar acima que ela aprecia o princípio
urbanístico tabula rasa. É assim que em Houston, os espaços competem entre si,
excluem-se e renovam-se. De maneira ainda mais espetacular, em Detroit, na seqüência
da crise das indústrias do automóvel que estourou a partir dos anos 1960, uma grande
parte do centro cidade retornou ao estado do campo, a atividades agrícolas, ou mesmo
ilícitas, na pendência de novas destinações!

Estes diferentes exemplos tendem a mostrar que a iniciativa privada ou semi-


pública, a de atores econômicos ou mais estritamente sociais que investem das áreas
metropolitanas vagas, recicladas ou reapropriadas, produz sem dúvida desigualdades,
injustiças, mas também da auto-organização… Ou seja, a criatividade, a inovação em
ato. Não obstante, neste contexto de intensas mutações, a metropolização e os
procedimentos espaciais que ela gera, designam cada um, sedentário ou móvel, no seu
lugar, impostos pela ordem econômica e política, no âmbito de uma gigantesca luta de
posição que mobiliza os capitais econômicos e sociais, espaciais também diriam
geógrafos como o M. Lussault e J. Lévy. Ora, é justo esta luta de posição que constrói
os espaços sociais de hoje, os de um mundo que se urbaniza num ritmo acelerado.
Conseqüentemente, a metropolização constitui efetivamente um instrumento da
produção das injustiças sociais e espaciais. Contudo, contribui também para a regulação
das sociedades contemporâneas, principalmente organizando as modalidades do seu
acesso ao espaço. No Norte, observar-se-á que a metropolização fornece o único modo
concreto e prático de tratamento da imigração. Ela é banco de ensaios (as suas receitas
reproduzem-se seguindo todos os escalões do urbano) e sistema de triagem,
classificação e distribuição/repartição, relegação, fechamento ou abertura das massas
humanas em movimento. A esse respeito, traduz espacialmente desigualdades sociais
correspondentes a vontades políticas; desigualdades produzidas pelas novas regras
(políticas) da economia-mundo, sem contrapartidas, sem compensações realmente
equitativas. Porque elas gozam de uma forte integração de todas as ordens de poder
(políticos, econômicos, ideológicos), as metrópoles afirmam-se como campos de
produção e de experimentação eficazes das inovações sociais, econômicas, políticas,
culturais, territoriais… De um ponto de vista estritamente geográfico, a metropolização
oferece o espetáculo de uma reestruturação radical dos espaços urbanos. Produz
permanentemente novos, com uma surpreendente fecundidade. As áreas metropolitanas
confundem-se com os espaços de desconstrução das formas tradicionais da cidade.

Contudo, de maneira concomitante, elas geram inúmeras formas novas de


funções, de afetações, usos dos espaços, de paisagens também, ao mesmo tempo muito
concretos e virtuais, de realidades e de simulacros. Instauram reterritorializações
improváveis. No entanto, não é necessário enganar-se, as metrópoles realizam a
integração destas diferentes formas de poder apenas sobre curtas seqüências territoriais,
as dos seus centros, as dos enclaves de elevada valorização econômica e social… Para o
resto, seja a imensa maioria das superfícies metropolitanas, falta de instituições políticas
legais fora da intervenção mais ou menos distante das regiões e dos Estados, falta de
meios financeiros, é frequentemente o laisser-faire que prevalece. Ele coloca mais do
que nunca o problema da evolução, da durabilidade destes espaços metropolitanos que
uma territorialização (na acepção de uma melhor concordância dos territórios vividos e
de gestão) salvará talvez do caos.

Conclusão provisória ou introdução: quais são as perspectivas científicas?

No total, os espaços da metropolização registram, em suas extensões, as


repercussões múltiplas de ondas de choque diversas de amplitudes variadas: econômicas
e sociais em especial, mas também mais estritamente técnicos e tecnológicos; gerados
em todas as escalas, do local ao mundial. Isto gera fragmentações espaciais muito
complexas (fractais, com efeito), novas formas e novas paisagens urbanas ou
assimiladas, relações ambientais que reinventam a idéia de natureza suscitando ao
mesmo tempo a necessidade e o conceito, pelo menos ambíguo, da cidade duradoura,
sustentável. Isto cria poderes e sistemas de governança novos, atingidos pelo sinete das
exigências participativas ou, ao contrário, pelo destacamento mais completo no que diz
respeito à política. Estas exigências acompanham-se de valores, funções e combinações
territoriais até então desconhecidas. Isto dá forma a relações sociais e culturais de
hibridação e/ou de improvisação que surpreendem antes de infiltrarem-se em outras
esferas da sociedade. Isto produz também sistemas de comunicações e de transporte que
focalizam e absorvem uma parte importante da vida cotidiana dos metropolitanos:
universos de “não-lugares” que, do mesmo modo, domesticam e apropriam-se, como
pensa o antropólogo, Marco Augé neste caso. No total, o vasto tema do metropolização
abre um imenso campo de investigação ao qual o UMR de 5185 ADES participa. Não
tem a pretensão de abordar todas as facetas de um domínio multiforme que reúne alguns
dos principais desafios do nosso tempo.

Ela escolhe antes algumas entradas, alguns interstícios específicos que gravitam
ao redor das perguntas cruciais de meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, as
formas emergentes de territorialização e de reterritorialização, de governança, de
ociosidade espacial e de mobilidade, todas elas muito ligada, de perto ou de longe, a
metropolização.

Bibliografia
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Castells M. (1998), La société en réseaux : l’ère de l’information, Paris, Éditions


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Para citar este artigo

Referência electrónica

Guy Di Méo, « Introdução ao debate sobre a metropolização », Confins [Online],


4 | 2008, posto online em 13 novembre 2008, Consultado o 08 octobre 2011. URL :
http://confins.revues.org/5433 ; DOI : 10.4000/confins.5433
Autor

Guy Di Méo

Professeur, Université de Bordeaux, UMR 5185 ADES CNRS, g.dimeo@ades.cnrs.fr

Direitos de autor

© Confins

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