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O ETERNO

PROBLEMA
DO RIO LEÇA
Como conciliar a proteção da economia e
empregos locais com a sustentabilidade Vasco Carneiro, Turma 4
ambiental? Nº: 202108438
Várias são as gerações, incluindo a minha, que sempre se depararam com um
Rio Leça às cores, repleto de objetos como pneus ou eletrodomésticos a boiar, emissor
de cheiros nauseabundos, um rio, enfim, totalmente inapto para se dar um mergulho ou
para se refrescar num dia de verão. Várias são as gerações, incluindo a minha, que
sempre ouviram as promessas políticas para a resolução do problema, promessas essas
que, quando não foram mesmo esquecidas, revelaram-se francamente incapazes de
solucionar a questão. Por que será que, então, é tão complicado solucionar este
problema ambiental? É partindo deste ponto que desenvolverei este trabalho.

Passo, então, ao assunto sobre o qual versa o trabalho: as externalidades.


Englobando-se num dos problemas que a função de afetação do Estado tenta solucionar,
as externalidade são efeitos ou repercussões, resultantes de uma atividade económica,
que beneficiam ou prejudicam terceiros não envolvidos na atividade em causa, e,
portanto, estando isentos, à partida, pelo sistema de preços, de qualquer pagamento (no
caso de se tratar de uma externalidade positiva, ou seja, uma externalidade que resulta
num aumento não projetado do bem-estar total ) ou recompensação (no caso de se tratar
de uma externalidade negativa, na qual o custo social excede o custo privado efetuado
na atividade económica). Este é, com efeito, um dos mais antigos e mais importantes
problemas económicos, não só por gerar, sobretudo nos tempos modernos, boa parte dos
problemas e desafios com que nos deparamos (como é o caso da educação e cultura,
mas também da poluição, por exemplo), mas também por se relacionar e, até, agravar
outros problemas de âmbito macroeconómico, como é o caso das desigualdades.

É por demais evidente que o problema elencado neste trabalho versa as


externalidades de tipo negativo. Tal como se refere em Economia e Política Uma
abordagem dialéctica da escolha pública, CRUZ, José Manuel Neves, Coimbra
Editora, 2008, pág. 29, “[…] o exemplo clássico [das externalidades] é o da fábrica de
papel que polui o rio […]”. Curiosamente, este exemplo paradigmático, é a realidade de
centenas de milhares de pessoas do Grande Porto. Primeiramente enquadremos, no
entanto, o problema em questão. A poluição do rio Leça dá-se, sobretudo, devido a dois
fatores: a que é causada pelas pessoas, e a que é causada por diversas indústrias
envolventes. É sobre a segunda causa, que é, há muito tempo, a principal delas, que
versam as maiores preocupações.

O mercado por si só, ao não contemplar no seu sistema de preços as partes


lesadas com a situação, acaba por ter óbvias dificuldades em resolver este tipo de
questão. Há aqui um ponto também importante de referir: as externalidades são
causadas por um bem privado, mas os seus efeitos têm características de bem público,
como não rivalidade (ou seja, o aumento do “uso” do bem/efeito tem custo marginal
zero) e não exclusão (a limitação de acesso ao bem/efeito é bastante difícil). 1Acresce a
esta situação o facto de que, tal como ocorre na maioria das vezes, também nos casos de
poluição ambiental normalmente a externalidade tem um custo marginal crescente, ou
seja, a cada nova unidade de produção, o custo social a esta associado aumenta
proporcionalmente. Este fator permite-nos chegar às soluções mais obvias e, com efeito,
mais recorrentes: estabelecer-se cotas de produção ou impostos ao consumo e/ou
produção dos mesmos. É importante aqui referir que no caso do rio Leça, existe,
obviamente, uma vasta legislação nacional e europeia (como é o caso da Diretiva
2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010,
relativa às emissões industriais) que regulam estes problemas. Estamos, portanto,
perante um problema de fiscalização e aplicação da lei. Mas focando-nos na vertente
teórica da questão, podem-se analisar ambas as propostas. No primeiro caso,
estabelecer-se-iam limites de produção de modo a reduzi-la até ao ponto em que os
benefícios resultantes compensem os prejuízos sociais. Esta solução acarreta alguns
problemas, como por exemplo o facto de ter um âmbito de aplicação muito mais
sectorial do que genérico, bem como não ter em conta ou até desincentivar as inovações
tecnológicas que permitam produzir mais, poluindo menos. Já no que se refere ao
estabelecimento de um imposto sobre cada unidade vendida (imposto Pigou), traria um
efeito parecido aos standards, isto é, ao aumentar os custos de produção de cada
unidade, produzir-se-á e consumir-se-á menos, reduzindo-se os custos sociais até ao
ponto em que os benefícios privados os compensassem. Esta solução não é, também,
perfeita, pelo faco da ação política geralmente ser mais atrasada face às inovações
tecnológicas, exigindo do Estado um conhecimento muito profundo sobre o contexto
envolvente, sob pena de se beneficiar as empresas tecnologicamente menos dinâmicas2.

Chega-se aqui ao principal problema apresentado: como conciliar a proteção da


economia e empregos locais com a sustentabilidade ambiental. Pensemos nos efeitos
sociais de ambas as medidas. Imagine-se Rosa, uma trabalhadora de uma das confeções

1
Economia e Política Uma abordagem dialéctica da escolha pública, CRUZ, José
Manuel Neves, Coimbra Editora, 2008, pág. 37
2
Ibid. pág. 46 e 47
causadoras da poluição no rio. A empresa, ao depara-se com a perda de rendimentos
resultantes das medidas impostas, vê-se na necessidade de cortar no ordenado, ou, até,
despedir Rosa. São bastante espectáveis as dificuldades que esta trabalhadora terá de
suportar. E pense-se também noutra dimensão do problema: a redução dos salários dos
trabalhadores foi generalizada, ou seja, os que não foram despedidos, tiveram cortes
salariais. Joaquim, dono de uma roulotte de comida localizada à beira da hipotética
fábrica, e que costumava servir vários almoços aos trabalhadores da mesma, vê o
número de clientes reduzir-se substancialmente, não só devido aos despedimentos, mas
porque também os trabalhadores que sofreram cortes salariais consumirão,
naturalmente, menos. Resumindo, para além do facto de ser quase impossível ter todos
os dados em conta, também são vários os possíveis efeitos nocivos que a tentativa de
solucionar uma externalidade negativa pode levar, e creio que até se poderá dizer que a
ação estatal para solucionar certas externalidades é ela própria também causadora de
outras externalidades. Deste modo, o leque de soluções apresentadas deve ter em conta
estes “novos” problemas elencados em cima a título de exemplo, podendo ser tomadas
medidas como o fornecimento de formações e cursos técnico-profissionais aos
trabalhadores lesados, para que estes possam ser reabsorvidos pelo mercado de trabalho,
por exemplo. Por outro lado, podem ser aplicadas outras soluções menos danosas, como
o estabelecimento de subsídios às empresas por cada unidade que deixa der ser
produzida. Esta solução, porém, seria um fator de atração de empresas para um setor
poluente.

Como se pode verificar, são várias as dificuldades associadas a este tipo de


problemas, e que contribuem para a fraca melhoria do rio nos últimos anos.3 A elas
devem-se acrescentar a pressão que muitas das indústrias exercem sobre os decisores
políticos, bem como o fraco benefício eleitoral que porventura possa haver. Não há, no
entanto, problemas impossíveis, sendo que, com uma maior consciencialização popular,
bem como com o aumento dos meios de fiscalização existentes, é possível imaginar as
futuras gerações a usufruírem de algo que foi privado às gerações atuais e passadas: um
rio Leça despoluído. A resposta a este tipo de problemas deverá, então, necessariamente
passar por uma intervenção inteligente do Estado, que se articule com o progresso e
evolução tecnológica, bem como com uma efetiva fiscalização das medidas aplicadas.

3
Ver, por exemplo: https://www.jn.pt/local/noticias/porto/matosinhos/populacao-junto-ao-leca-
ainda-sonha-com-um-rio-despoluido-13531203.html
Referências Bibliográficas

 CRUZ, José Manuel Neves, Economia e Política Uma abordagem


dialéctica da escolha pública, Coimbra Editora, 2008
 SAMUELSON, Paul Anthony, Economics, Douglas Reiner, 19ª edição
 APOLINÁRIO, Marisa; O Estado regulador, Almedina, 2016

Imagem da Capa: www.etcetaljornal.pt

Acesso à Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de


novembro de 2010, relativa às emissões industriais:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?
uri=CELEX:32010L0075&from=DE

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