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http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806057590158
D E L T A
RESUMO
ABSTRACT
Introdução
“Ô, sora, quando é que fica pronto aquele documentário que vocês
fizeram da gente?”
“Vai passar na TV?”
Nestes tempos em que os economistas ditam como deve ser “a
escola” (pública) (por exemplo, Pessôa, 2014), olhemos situadamente
uma escola pública de ensino fundamental, localizada na periferia de
uma capital brasileira, que desde os anos oitenta construiu um projeto
político-pedagógico (doravante PPP) em que todos os alunos podem
aprender. E todos quer dizer todos os que chegam, sem triagem. Todos
os que chegam – e que ali ficam. Nessa escola, PPP não é apenas um
documento, mas um conjunto de ações em diversas atividades políticas 3
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Pedro Vilela-Ardenghi & Ana
de Moraes Garcez, Lia Raquel
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4. Nos dados analisados em Garcez e Melo (2007: 12-16), as crianças de uma turma de
primeiro ano do primeiro ciclo em 2006 apresentam em conselho participativo o que apren-
deram sobre hábitos para evitar o desperdício de água, isso em resultado do projeto que
vinham realizando sobre a importância da água e do consumo racional desse recurso.
5. Os critérios e procedimentos de geração, segmentação e transcrição adotados aqui estão
6 detalhadamente apresentados e discutidos em Garcez, Bulla e Loder (2014: 266-274).
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10 (1,8)
11 Lívia: [[tu é o cinco.
12 Wilson: [[vamos sentar aonde Daniel,
13 (1,2)
14 Wilson: a gente tamos decidin[do] ((Daniel vai para o seu grupo))
15 Lívia: [lá do] lado do Leo. ((para Daniel))
16 Lívia: não não tem decidir
17 (0,6)
18 Wilson: então vou ficar sozinho
19 (1,2)
20 Laura: oh sora o Wilson é o um
21 Wilson: ah meu Deus por favor manda essa guria
22 calar a boca
23 (1,4)
24 Lívia: quem,
25 (0,4)
26 Wilson: a La::ura[:]
27 Lívia: [to]do mundo viu que tu é desse grupo
28 todo mundo viu que tu não queres esse
29 gru:[po]
30 Diego: [al]i tá o um [ó::]
31 Laura: [o:] Wil[son vem aqui com a gente]
32 Lívia: [aí não ( )]<alguém decidiu
33 aqui> qual o grupo que iria ficar,
34 (0,6)
35 Lívia: alguém pôde di[zer professora e]u quero sentar=
36 Laura: [o Wilson vem com a gente]
37 Lívia: =com aquela lá porque aquela lá é minha amiga
38 e eu gosto de trabalhar mais com ela,
39 (.)
40 Lívia: então porque que tu, só tu v[ai pod]er escolher com=
41 Laura: [so:ra]
42 Lívia: =onde tu quer ficar
43 Wilson: (º º) ((olhando para baixo))
44 (.)
45 Lívia: bo[m em]tão tu vai ter que subir
46 Laura: [sora]
47 (.)
48 Laura: bota lá o Wilson comigo a: Paula e a: Meire
49 (0,2)
50 Lívia: hum,
51 (.)
52 Laura: comigo e a Paula
53 (1,1)
54 Laura: quer ir,
55 (0,7)
56 Wilson: onde
57 (.)
58 Laura: comigo a Paula e a Meire
59 (1,3)
60 Lívia: e aí Wilson,
61 (3,5)
62 Lívia: tu recebeu um convite quer ir?
63 (1,5)
64 Lívia: quer ir?
65 (1,8)
66 Lívia: então não tem [grupo]
67 Wilson: [vou pen]sar
68 Lívia: não tem vou pensar.
69 (0,8) 7
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01 Lívia: e tu,
02 (1,1)
03 Lívia: vai ficar vai subir
04 (1,1)
05 Lívia: então pode ir subindo pega a tua mochila e vai lá
06 pra Silvana
07 (0,4)
08 Wilson: não não vou ( )
09 (3,9)
10 Wilson: >a senhora deixa eu sentar em outro grupo<
11 Livia: qual o grupo que tu quer sen[tar],
12 Wilson: [no] que me convidaram
13 (0,5)
14 Lívia: senta.
15 (3,2)
16 Wilson: ( ) sentado lá,
17 Lívia: ahn,
18 Wilson: tem gente lá,
19 (.)
20 Lívia: tu tem dúvidas ( )
21 (0,4)
22 Wilson: tenho
23 (.)
24 Lívia: ( )
25 (0,4)
26 Wilson: nesse daqui, ((ele aponta para um outro grupo))
27 (0,6)
28 Lívia: lá. ((apontando para o grupo que o convidou))
29 (0,4)
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E também estas:
→ 81 Lívia: não é onde eu quero sentar (0,3) é onde
82 eu coloquei sentado por acaso ninguém
83 escolheu por quê que tu quer escolher,
2006, 2012). Mesmo quando Wilson utiliza uma forma linguística que
poderia ser considerada desprestigiada e passível de correção, Lívia
não torna tal fato relevante para a discussão, ou seja, a fala do aluno é
considerada legítima e oportuna.
→ 14 Wilson: a gente tamos decidin[do] ((Daniel vai para o seu grupo))
15 Lívia: [lá do] lado do Leo. ((para Daniel))
16 não não tem decidir
10. Tiveram apoio do CNPq, pelo que agradecemos, os projetos de pesquisa “A organi-
zação do reparo conversacional, intersubjetividade e controle social” (2002-2005, pro-
cesso 551226/2002-1), “Reparo, intersubjetividade e controle social: conversa cotidiana
e fala-em-interação de sala de aula” (2005-2008, processo 305339/2004-4) e “Interação
social e etnografia do projeto político-pedagógico da escola pública cidadã” (2006-2008,
14 processo 400872/2006-4).
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11. Na sua revisão de estudos que sustentam a sua compreensão de aprendizagem, Garcez,
Frank & Kanitz (2012) baseiam-se em larga medida nesses relatórios de pesquisa. 15
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12. Segue atual a discussão não só de métodos etnográficos, mas da metodologia interpre-
tativa, que é feita pelo autor neste texto já antigo, reproduzido em diversas publicações,
também em tradução ao espanhol. É particularmente relevante aqui pela disseminação
e influência que teve no Brasil a partir de encontros de estudos realizados pelo autor no
Brasil em meados de 1991, dos quais participaram, entre outros, Luiz Paulo da Moita
18 Lopes, Marilda Cavalcanti e Stella Maris Bortoni-Ricardo.
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17. Na discussão que fazem sobre análise de narrativas em cenários profissionais na área
da saúde, Bastos e Biar (neste volume) parecem também adotar essa perspectiva quando
afirmam que a “simplicidade da proposta de análise” que adotam “propicia a troca de
inteligibilidades entre os campos teóricos e profissionais, o desenvolvimento de um
vocabulário conjunto de trabalho e problematizações diversas sobre a natureza situada e
interacional dos dados gerados em campo”. 25
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aula com quem sabe fazer e faz isso tão bem quanto é possível fazer.
Tudo isso é a etnografia que mencionamos aqui, experiência trans-
formadora.
A própria história da etnografia, rebento do colonialismo europeu,
fez com que seu desenvolvimento se voltasse para o exame constante
das lentes do analista e para os perigos da síndrome do colonizador.
Entendemos que, se o conhecimento que produzimos em Linguística
Aplicada se faz constantemente sobre práticas de linguagem em cená-
rios, e se tem compromisso de relevância social, é preciso praticar e
desenvolver olhares circunstanciados e a reflexividade metodológica,
como neste número temático.
Recebido em outubro de 2014
Aprovado em outubro de 2014
E-mails: pedmgarcez@gmail.com;
liaschulz@gmail.com
Referências bibliográficas
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