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Resumo: Partindo-se da concepção de habilidades e competências, destaca-se que o maestro de coro pode ser analisado a partir
de quatro categorias de competências: musical, vocal, pedagógica e administrativa. Neste artigo, explora-se a importância da
competência vocal, qualificada e quantificada a partir da opinião de 187 cantores e 6 (seis) regentes de 7 (sete) dos principais
coros da cidade de São Paulo. As conclusões reiteram a importância da competência vocal para o regente coral e implicações
para a formação e a concepção deste profissional.
Palavras-chave: regência coral, canto coral, habilidades e competências do regente.
The voice of maestro: does a choral conductor need to know how to sing?
Abstract: Starting from a conception of abilities and competences, the paper detaches that choral conductor can be analyzes
through four categories com competences: musical, vocal, pedagogical and managerial. In this work vocal competence is
researched, qualified and quantified starting from the opinion of 187 singers and 6 (six) maestros of 7 (seven) of the main
choir in São Paulo city, Brazil. The conclusions point out the importance of vocal competence for the choral conductor and
some implications for this professional qualification and conception.
Keywords: choral conducting, choral singing, conductor’s abilities and competences.
1. Introdução
Este trabalho procura discutir a importância do conhecimento teórico e prático relativo à voz –
especialmente, à voz cantada – no campo da regência coral. Embora se coloque como uma pergunta singela,
a necessidade de registrar a opinião de maestros de reconhecida competência sobre o tema revelou-se como
parte de uma pesquisa que busca a desconstruir certos mitos acerca da regência coral, ampliando a visão
desta atividade a partir da propositura de que o maestro é um profissional cuja atividade exige uma rede de
conhecimentos interdisciplinares, a qual, embora tenha como nó central a competência musical, constitui-se
de outros saberes, tais como os vocais, os pedagógicos e os administrativos.
A fim de quantificar e qualificar a opinião de maestros e coralistas sobre a importância da
competência vocal para o regente coral, foram aplicados questionários totalmente estruturados a regentes
e cantores de 7 (sete) coros da cidade de São Paulo-SP, sendo 6 (seis) grupos amadores e 1 (um) que pode
ser considerado semi-profissional (seus cantores são músicos já graduados ou em formação). Segundo os
procedimentos de coleta de dados, a pesquisa conjuga os caracteres de: estudo de casos múltiplos, definido
por Yin (2001) como o estudo de diversos casos em que se analisa cada caso separadamente, mantendo-se
unidades múltiplas de análise (o que não impedirá a obtenção de conclusões genéricas, atinentes a todos os
coros, a partir dos resultados obtidos em cada caso); pesquisa de campo, já que pretendeu ir ao locus de seu
objeto de estudo (a atividade coral) e colher, dentre seus agentes, os dados relevantes; pesquisa de opinião
exploratória, técnica de pesquisa social que visou a fornecer uma visão de determinados agentes acerca do
contexto organizacional no qual estão inseridos (GIL, 1995) – no caso, tais agentes são os regentes e coralistas.
Quanto ao número de coralistas respondentes em cada coro, a tabela abaixo especifica os respectivos dados.
Coro 1 2 3 4 5 6 7
Material coletado
Questionário para coralistas X X X X X X X
(nº de respondentes) (35) (27) (26) (30) (29) (5) (35)
Tabela 1 – Número de coralistas respondentes da pesquisa
critério: por exemplo, um médico pode ter competência técnica/ médica (habilidades de saber diagnosticar
a doença, saber prescrever o tratamento adequado, etc.) e competência interpessoal (habilidades de saber
interagir com o paciente, saber trabalhar em conjunto com médicos de outras especialidades, etc.), entre
outras. Será adotado, portanto, esse segundo entendimento quanto à relação entre habilidades e competências
(complexo orgânico de saberes e habilidades).
A partir dessa base conceitual, é possível serem destacadas quatro competências que compõem
a atividade da regência coral: a competência musical, a competência vocal, a competência pedagógica e a
competência administrativa.
A competência vocal de um regente coral pode ser delineada basicamente pela habilidade de saber
cantar, consistente no domínio da técnica vocal para o canto, combinada com conhecimentos teóricos em áreas
interdisciplinares, da música às ciências da saúde (fonoaudiologia, otorrinolaringologia, etc.), atinentes especialmente
a uma teoria do canto e aos fundamentos anatômicos e fisiológicos da voz (FUCCI AMATO, 2010a).
Destaca-se que: “O regente de coro é, principalmente, um educador musical [e vocal] e serve
de exemplo para seus coralistas que o percebem neste papel. Ele é o único professor de canto que a maioria
destes coralistas irão ter” (HERR, 1998: 56). Entretanto, é fato notável que os coralistas, sejam eles de coros
profissionais ou amadores, também recebem poucas informações acerca dos hábitos de higiene do aparelho
fonador e cultivo de saúde vocal.
Cabe lembrar que a grande maioria dos regentes corais não possui conhecimentos de técnica
vocal para o canto em grau minimamente aceitável; por isso, muitos deles têm a necessidade de trabalhar
com o apoio de um professor de técnica vocal ou preparador, que em muitos casos, é simplesmente um cantor
lírico, que, por sua vez, carece de formação básica referentes às especificidades do trabalho vocal em coros.
Ademais, muitos grupos vocais têm condições de manter apenas um regente, e, no caso de este desconhecer
as bases fisiológicas do canto, o coralista fica em uma situação de total desamparo com respeito à sua voz.
Em pesquisa que realizada por Behlau et al. (1991) junto a integrantes de um coro profissional da
cidade de São Paulo-SP, foi possível concluir que os cantores necessitavam de orientação fonoaudiológica e
possuíam atitudes de desrespeito às práticas de higiene e saúde vocal. Também foram detectadas atitudes vocais
inadequadas por parte do próprio regente do grupo, o que revela que o trabalho de conscientização a respeito
do uso adequado da voz se inicia pela atuação do próprio condutor do coral, refletindo o seu papel de educador.
Já Tepe et al. (2002) realizaram um estudo com jovens coralistas (de até 25 anos) e destacaram que mais da
metade dos investigados reclamaram de já terem sofrido problemas de saúde vocal, como rouquidão matutina
advinda de refluxo gastresofágico, fadiga crônica, insônia e tensão emocional. Foi concluído que deveria haver
um trabalho cooperativo em corais entre laringologistas e regentes, para que se desenvolvessem estratégias
educacionais para conscientização sobre os fatores indutores de saúde vocal nos cantores. Braga e Pederiva
(2007) realizaram uma pesquisa com membros de um coro lírico, concluindo que estes não consideravam seu
corpo como uma unidade (mente-físico-emoção) e possuíam pouca consciência a respeito da corporeidade. Tal
desconsideração relativa aos cuidados com o corpo acaba por provocar inclusive problemas na interpretação
realizada pelo cantor, nos âmbitos físico (por exemplo, a postura inadequada influi no esforço realizado na
emissão e na projeção vocal) e psicológico (o cantor acaba por desprezar seu principal instrumento, a voz, não
se importando em cometer abusos que a prejudiquem).
Finalmente, estudo recente sobre a saúde vocal dos regentes corais do estado de São Paulo revelou
que estes profissionais da voz e educadores músico-vocais costumam ter pigarro, rouquidão, garganta seca,
acúmulo de secreção na garganta, cansaço após a fala, cansaço após o canto e tensão na garganta. A maioria
não fuma, não bebe, não costumam gritar, não pigarreia, mas fala muito e come tarde da noite (REHDER;
BEHLAU, 2008). Essa atitude por parte dos regentes acaba afetando sua voz cantada e, podemos inferir, sua
atividade pedagógica durante os ensaios.
Portanto, como educador vocal que é, é requisito essencial do regente coral a habilidade de saber
cantar. Dessa habilidade e de seus conhecimentos teóricos na área (destacadamente tópicos de fisiologia
e anatomia vocal) decorre sua capacidade de desenvolver uma série de estratégias didáticas necessárias à
preparação técnico-vocal do coro e à conscientização dos cantores sobre saúde vocal (FUCCI AMATO, 2007).
4. Resultados e discussão
Saber cantar
O maestro tem essa habilidade 85,29 92,31 92,59 86,21 25 92,86 100
O maestro não tem essa habilidade, mas 8,82 7,69 0 3,45 50 3,57 0
ela não é essencial
Tabela 2 – Avaliação dos coralistas quanto ao regente ter habilidade vocal (em %)
Já os maestros, em geral, avaliaram como essencial para um regente de coro o domínio da técnica
vocal, como aponta a tabela a seguir.
Habilidade
Saber cantar pouco essencial essencial essencial essencial essencial essencial
importante
Tabela 3 – Avaliação dos regentes sobre a importância de um regente coral saber cantar
Na avaliação
do maestro, para um regente coral são
conhecimentos
teóricos de
Maestro 1 Maestro 2 Maestro 3 Maestro 4 Maestro 5 Maestro 6 Maestro 7
Voz (canto, muito essenciais essenciais essenciais essenciais essenciais essencial
fisiologia da voz) importantes
Tabela 4 – Avaliação da importância de conhecimentos teóricos em voz para um regente coral (na opinião dos maestros
entrevistados)
Há que se ressaltar que o domínio técnico do maestro deve sempre abranger invariavelmente a
técnica instrumental ou vocal, dependendo se dirige uma orquestra e/ ou um coro. Ao contrário do apontado
por Maximiano (2006), a habilidade de tocar um instrumento de orquestra (cordas, sopros, metais, percussão)
é também essencial ao maestro que intenciona reger grupos orquestrais. Por isso, na grade curricular das
graduações em Música (com habilitação em Regência), está contemplada a disciplina de instrumento de
orquestra por no mínimo dois semestres.
5. Conclusões
Este trabalho procurou explorar um senso comum no campo do canto coral: o de que o maestro
necessariamente precisa saber cantar. Tal noção é consensual com relação a todos os regentes corais que
realizam atividades de alta performance – compreendidas como aquelas em que o conjunto musical tem
a qualidade técnico-musical como objetivo maior de suas atividades, seja em coros amadores, seja em
profissionais. A qualidade vocal e musical do coro espelha, portanto, a competência vocal e musical de seu
maestro e eventual déficit no na (in)formação vocal do regente não pode ser totalmente compensado por uma
estanque divisão de trabalho entre maestro e professor de técnica vocal.
Apesar de consensual junto aos maestros, principalmente os que atuam junto a coros com o citado
perfil, a qualificação e a quantificação da importância do saber cantar junto aos principais protagonistas da
atividade coral – o maestro e os coralistas – teve uma razão de ser: contribuir para a desconstrução do mito
de que reger se resume à técnica gestual (visão comum nos cursos de graduação em regência) ou, pior, de
que consiste em um aleatório mover de braços – tal como parece a um leigo, inclusive autores da área de
administração que utilizam a figura do maestro como símbolo da gerência e da liderança de trabalho em equipe.
A importância do conhecimento teórico sobre voz, frequentemente desprezada na formação de
regentes corais, também teve sua importância reiterada pelos maestros que atuam junto a alguns dos grupos
vocais de excelência no cenário musical brasileiro. Mais esse dado teórico relevante para a (in)formação de um
regente coral é reiterado por esta pesquisa.
Referências
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