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Microeconomia 2 Nota de Aula 1

MICROECONOMIA 2
Departamento de Economia, Universidade de Brası́lia
Notas de Aula 1 – Graduação
Prof. José Guilherme de Lara Resende

1 Equilı́brio Geral com Trocas


1.1 Introdução

Na teoria de equilı́brio parcial, estudamos o funcionamento do mercado de um bem isoladamente.


Agora vamos estudar o funcionamento de uma economia como um todo. De modo geral, a demanda
e a oferta de um bem dependem não somente do preço deste bem, mas também dos preços de outros
bens da economia. Essa relação de dependência entre os mercados torna o estudo de uma economia
mais complicado. Esse estudo é chamado equilı́brio geral.
A ideia da mão invisı́vel de Adam Smith pode ser interpretada como uma sociedade formada
por indivı́duos com interesses próprios interagindo por meio de trocas de bens e serviços leva a uma
situação de equilı́brio eficiente:

“Every individual...generally, indeed, neither intends to promote the public interest, nor
knows how much he is promoting it. By preferring the support of domestic to that of
foreign industry he intends only his own security; and by directing that industry in such
a manner as its produce may be of the greatest value, he intends only his own gain, and
he is in this, as in many other cases, led by an invisible hand to promote an end which
was no part of his intention” (Adam Smith, A riqueza das Nações, Livro IV, Capı́tulo
II, p. 477).

Veremos que essa ideia está relacionada ao conceito de eficiência de Pareto e ao Primeiro Teorema
do Bem-estar.
Outras questões importantes com relação a este tópico são:

• Definição: o que é um equilı́brio.

• Existência: sob que condições podemos garantir que um equilı́brio existe.

• Unicidade: sob que condições o equilı́brio será único.

• Estabilidade: desvios do equilı́brio tendem ao equilı́brio ou não.

Walras no final do século XIX argumentou a existência de equilı́brio nos moldes de demanda
igual à oferta. Porém há um erro na argumentação de Walras. Esse erro foi apontado e corrigido por
Wald em 1935, que provou a existência de equilı́brio sob condições bastante restritivas (utilidades
separáveis, utilidade marginal decrescente para todos os bens, etc). Debreu e Arrow (1954) e
McKenzie (1954) provaram a existência de equilı́brio em um mercado competitivo, sob condições
bem mais gerais do que as de Wald.

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A hipótese fundamental no estudo de equilı́brio geral é a de mercados competitivos. Isso implica


que os agentes da economia (consumidores e firmas) são tomadores de preços.
Hipóteses Comportamentais. A hipótese de mercados competitivos pode ser posta como:

1. Para cada bem, existe um grande número de firmas e consumidores atuando no seu mercado;

2. Consumidores maximizam a utilidade, sujeita à restrição orçamentária, onde tomam os preços


dos bens como dados;

3. Firmas maximizam lucros, dada a sua tecnologia e tomando os preços dos insumos e dos bens
produzidos como dados.

Outras hipóteses importantes são referentes a ausências de:

1. Custos de transação,

2. Externalidades,

3. Bens públicos,

4. Problemas de informação.

Vamos supor nesta seção que não exista um mercado formal (ou seja, que não exista um sistema
de preços). Logo, todas as interações entre os diversos agentes da economia são realizadas por meio
de trocas voluntárias (“barter economy”).
Também não lidaremos neste momento com a questão de produção. Cada indivı́duo da economia
recebe uma dotação inicial de bens. Vamos representar pelo vetor ei ∈ Rn+ a dotação inicial dos n
bens do consumidor i, i = 1, . . . , I.
O caso de dois indivı́duos e dois bens, I = 2 (nesse caso vamos representar os dois consumidores
por A e B, para facilitar a notação) e n = 2, pode ser analisado graficamente por meio da caixa de
Edgeworth.
A dotação total de uma economia, eT , é a soma das dotações iniciais dos indivı́duos da economia.
No caso de dois consumidores e dois bens, temos que eT = eA + eB , onde ei = (ei1 , ei2 ), i = A, B.

Definição: Caixa de Edgeworth. A caixa de Edgeworth é uma representação gráfica dessa


economia, onde cada ponto da caixa possui quatro coordenadas, duas referentes ao indivı́duo A e
duas referentes ao indivı́duo B.

A dimensão (o tamanho) da caixa é definida pela dotação total de bens na economia. Um ponto
na caixa representa uma possı́vel distribuição de dotação entre os participantes da economia, sem
desperdı́cios. Todas as possı́veis distribuições de bens na economia estão representadas na caixa.

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eB
1 
0B
s
Bem 2
?

eA s s s eB
2 2
e = (eA , eB )
6

s
0A -
eA Bem 1
1

Para completarmos a caracterização dessa economia, temos que especificar as preferências in-
dividuais. Representamos estas preferências por meio de funções de utilidade. Supondo que todas
as preferências sejam bem comportadas, obtemos um mapa de curvas de indiferença que preenche
a caixa de Edgeworth, para cada indivı́duo.

eB
1 
0B
s

eA s s s eB
2 2
e= (eA , eB )
6

s
0A -
eA
1

Suponha que existam I indivı́duos e n bens. Cada indivı́duo é representado por uma relação de
preferência i (ou, equivalentemente, por uma utilidade ui ) e uma dotação inicial ei . Vamos denotar
por I o conjunto dos consumidores, I = {1, . . . , I}. A coleção E = (ui , ei )Ii=1 representa uma
economia de trocas (ou economia de trocas puras ou economia de trocas simples, sem produção).

Definição: Alocação. Vamos denotar por e = (e1 , . . . , eI ) a distribuição de dotações na economia


e por x = (x1 , . . . , xI ) uma alocação dessa economia. Portanto, uma alocação para a economia E
atribui uma cesta de bens para cada consumidor dessa economia.

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Definição: Alocação Factı́vel. Dizemos que a alocação x = (x1 , . . . , xI ) é factı́vel se ela exaure
a dotação total de cada bem na economia. Logo, para cada bem, a quantidade consumida é igual
ao total disponı́vel. O conjunto das alocações factı́veis, denotado por F (e), é dado por:
( I I
)
X X
i i
F (e) = x | x = e
i=1 i=1

Para o caso de dois consumidores, A e B, a alocação x = (xA , xB ), com xA = (xA A


1 , x2 ) e
xB = (xB B
1 , x2 ), será factı́vel se:

Bem 1: xA B A B
1 + x1 = e1 + e1
Bem 2: xA B A B
2 + x2 = e2 + e2

1.2 Eficiência de Pareto

Dizemos que uma alocação factı́vel é Pareto-eficiente se não for possı́vel melhorar (estritamente)
pelo menos um indivı́duo sem piorar ninguém.

Definição: Alocação Pareto-Eficiente. A alocação factı́vel x ∈ F (e) é Pareto-eficiente (ou


Pareto-ótima ou eficiente de Pareto) se não existir nenhuma outra alocação factı́vel y ∈ F (e) tal
que yi i xi , para todo i ∈ I, e yj j xj , para pelo menos um j ∈ I (em termos de utilidade:
ui (yi ) ≥ ui (xi ), para todo i ∈ I, e uj (yj ) > uj (xj ), para pelo menos um j ∈ I).

Dado que as trocas na economia são feitas de forma voluntária, se a economia se encontra
em uma alocação Pareto-eficiente, não será possı́vel mudar essa alocação. Portanto, as alocações
Pareto-eficientes são candidatas naturais ao equilı́brio da economia.
Observações sobre o Critério de Pareto:

• Uma outra maneira de interpretar: alocações de recursos em que não é possı́vel fazer com
que todos melhorem ou que não é possı́vel fazer com que alguém melhore sem que pelo menos
uma outra pessoa piore são alocações Pareto ótimas.

• Alocações eficientes de Pareto são alocações em que todos os ganhos de troca se exauriram.
Logo não existem mais trocas mutualmente vantajosas para serem feitas.

• Em geral há um conjunto grande de pontos Pareto ótimos em uma economia. Dizer que a
economia deve estar em um ponto Pareto ótimo é um juı́zo de valor, mas o mais fraco juı́zo
de valor que se pode fazer a respeito da situação da economia.

• O critério de Pareto apenas diz que não deve haver perdas ou desperdı́cios na economia, ele
não diz nada sobre a distribuição de riqueza de uma sociedade. Se a sociedade partir de
uma dotação inicial de recursos muito desigual, é provável que a alocação de equilı́brio seja
também desigual, mesmo sendo eficiente.

Definição: Curva de Contrato. A curva de contrato é o conjunto de todas alocações Pareto


eficientes da economia. Essa curva também é chamada conjunto de Pareto.

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0B

?
Curva de
Contrato
s
s

s
e = (eA , eB )
6

0A -

Para o caso de dois consumidores, A e B, uma alocação eficiente de Pareto pode ser vista como
uma alocação onde um dos agentes está tão bem quanto possı́vel, dada a utilidade do outro agente.
Se as utilidades dos dois agentes forem bem comportadas, então as alocações factı́veis no interior
da caixa de Edgeworth em que as TMS dos dois agentes são iguais definem as alocações Pareto
eficientes, ou seja, a curva de contrato.
Portanto, em uma alocação Pareto eficiente, as taxas marginais de substituição entre dois bens
devem ser iguais entre os consumidores (se não fosse o caso, existiria alguma troca que melhoraria
um dos consumidores sem piorar o outro – observe a figura acima). Note que isso vale para utilidades
bem comportadas e alocações no interior da caixa de Edgeworth.

Exemplo: Suponha dois consumidores, A e B, que possuem dotações iniciais representadas por
eA = (exA , eyA ) e eB = (exB , eyB ), e utilidades Cobb-Douglas denotadas por:

uA (xA , yA ) = xαA yA1−α e uB (xB , yB ) = xβB yB1−β

Igualando a TMS dos dois consumidores, obtemos:


αyA βyB
T M SA (xA , yA ) = = = T M SB (xB , yB )
(1 − α)xA (1 − β)xB
Lembrando que toda alocação Pareto eficiente é factı́vel e que as alocações factı́veis satisfazem
xA + xB = eTx e que yA + yB = eTy , obtemos:

αyA β(eTy − yA )
=
(1 − α)xA (1 − β)(eTx − xA )
Resolvendo essa equação, encontramos yA em função de xA , de modo que define a curva de contrato.
Suponha que as utilidades dos dois indivı́duos são iguais (logo, α = β). Então a última expressão
acima se torna: !
αyA α(eTy − yA ) eTy
= ⇒ yA = xA ,
(1 − α)xA (1 − α)(eTx − xA ) eTx
ou seja, a curva de contrato será uma reta, qualquer que seja a utilidade Cobb-Douglas considerada
(isso não ocorrerá se as utilidades dos dois indivı́duos forem distintas).

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Definição: Conjunto de Possibilidade de Utilidade. O conjunto de possibilidade de utilidade


(CPU) ilustra combinações de utilidades possı́veis de serem obtidas, dados os recursos da economia.
Na fronteira da CPU são representadas combinações de utilidades geradas por alocações Pareto
eficientes. Mais ainda, toda alocação Pareto eficiente possui uma representação da utilidade gerada
na fronteira de possibilidade de utilidade (FPU).

uB
6

Fronteira de
 Possibilidade
de Utilidade

-
uA

Vamos definir um conceito ainda mais forte do que o de alocações Pareto eficientes. Dada uma
alocação factı́vel qualquer, vamos assumir que coalizões (grupos de indivı́duos) que possam obter
uma alocação melhor entre si, então eles realizam trocas para alcançar essa melhora. Esta ideia é
formalizada nos conceitos a seguir.

Definição: Bloqueio. Seja S ⊂ I uma coalizão de consumidores. Dizemos que S bloqueia a


alocação factı́vel x ∈ F (e) caso exista uma alocação y tal que:
i i
P P
1. i∈S y = i∈S e , e

2. yi i xi para todo i ∈ S, com pelo menos um j ∈ S tal que yj j xj .

Uma alocação para a qual não existe nenhuma coalizão que a bloqueie, ou seja, em que para
todo S ⊂ I não exista y ∈ F (e) tal que yi i xi para todo i ∈ S, com pelo menos uma preferência
estrita, é chamada alocação não bloqueável.
Note que alocações ineficientes são bloqueadas pela coalizão formada por todos os indivı́duos
da economia (S = I). Logo, toda alocação não-bloqueável é Pareto-eficiente (a volta não é válida
em geral).

Definição: Núcleo. O conjunto das alocações não bloqueáveis, denotado por C(e), é chamado
núcleo da economia E.

As alocações no núcleo de uma determinada economia de trocas puras são as candidatas naturais
para serem alcançadas por meio de uma sequência de trocas voluntárias. Porém para isso ocorrer
há um exigência informacional gigantesca para cada participante da economia.

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1.3 Equilı́brio em Economias de Trocas

Vamos supor a partir de agora que as transações são efetuadas em mercados competitivos,
onde cada consumidor maximiza o seu bem-estar, dados os preços que observa. Vamos continuar
assumindo que não exista produção na economia. Logo, cada consumidor recebe uma dotação
inicial de bens, que pode ser vendida e daı́ usada para adquirir outra cesta de bens.
Portanto, o sistema de preços é o instrumento alocativo de uma economia de mercado. Ele
determina o valor de cada dotação inicial e, consequentemente, quais cestas de bens estão dentro
da possibilidade de consumo de cada indivı́duo.
Suponha I consumidores, I = {1, . . . , I} denota o conjunto dos I consumidores. Suponha
também que as preferências i de cada consumidor i ∈ I são representadas por uma função de
utilidade ui bem comportada (contı́nua, estritamente crescente e estritamente quasecôncava).
O problema do consumidor i, no caso de dois bens apenas, é:

max
i i
ui (xi1 , xi2 ) s.a. p1 xi1 + p2 xi2 ≤ p1 ei1 + p2 ei2 ,
x1 ,x2

onde ei = (ei1 , ei2 ) é a dotação inicial do consumidor i.


Resolvendo o problema do consumidor, encontramos a sua demanda xi (p, p · ei ), onde para
o caso de dois bens temos que xi (p, p · ei ) = (xi1 (p, p · ei ), xi2 (p, p · ei )). Note que a renda do
consumidor agora é endógena e depende dos preços vigentes na economia.


0B
@
@
@ ?
@
@ xA
@s
@
@
@s
xB @ @
e = (eA , eB )
@s
@
@
@
6 @
@
@
0A -
obs: xi : demanda bruta de i, i = A, B

Observe que no sistema de preços representado na figura acima, cada um dos dois consumidores
está maximizando a sua utilidade dada a restrição orçamentária que enfrenta, em que essa restrição
é determinada pelo sistema de preços. Porém, a economia não está em equilı́brio: há um excesso
de oferta do bem 1 e um excesso de demanda do bem 2.

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Vimos que o nı́vel de preços representado na figura acima não iguala a demanda à oferta, para
nenhum dos dois bens. Nesse caso, dizemos que os mercados não se equilibram ou se exaurem.
Logo, a economia está em desequilı́brio. O equilı́brio será obtido via ajuste de preços, que faz
com que a demanda se iguale à oferta para todos os bens da economia. Essa situação é chamada
equilı́brio de mercado, ou equilı́brio competitivo, ou equilı́brio Walrasiano. Preços que alcançam o
equilı́brio são chamados preços de equilı́brio. A alocação resultante é chamada alocação de equilı́brio
(ou alocação de equilı́brio Walrasiano).

Definição: Excesso de Demanda Agregada. A função de excesso de demanda (ou excedente


de demanda) agregada do bem k é definida como:
I
X I
X
zk (p) = xik (p, p i
·e)− eik .
i=1 i=1

O vetor de excesso de demanda agregada é:

z(p) = (z1 (p), . . . , zn (p)) .

Observe que zk (p) = 0 equivale a:


I
X I
X
xik (p, p ·e)=i
eik
i=1 i=1

Então, aos preços p, se zk (p) = 0, a demanda de mercado pelo bem k iguala a oferta de mercado
desse bem. Se z(p) = 0, onde 0 = (0, . . . , 0) denota o vetor de zeros, então os mercados de todos
os bens estão em equilı́brio.

Definição: Equilı́brio. O vetor de preços p∗ é um equilı́brio Walrasiano se z(p∗ ) = 0.

Propriedades da Função Excesso de Demanda. Se para cada consumidor i ∈ I, ui é bem-


comportada, então, para todo p  0, temos que:
1. (Continuidade) z(·) é contı́nua em p. Se um preço varia em uma quantidade pequena, o
excesso de demanda agregada varia por uma quantidade pequena. O excesso de demanda
será contı́nuo se as demandas individuais forem contı́nuas. Também, se cada consumidor
for tomador de preço e sua demanda for pequena em relação à demanda de mercado, então
mesmo que a demanda individual seja descontı́nua, a demanda agregada poderá ser contı́nua.

2. (Homogeneidade) z(αp) = z(p), para todo α > 0. Apenas preços relativos importam –
podemos normalizar os preços e usar um numerário. Logo, não podemos determinar o valor
dos preços absolutos de equilı́brio da economia. Se existem n preços na economia, apenas
n − 1 preços serão independentes. No caso de dois bens, podemos normalizar um deles em 1
e apenas encontrar o preço relativo de equilı́brio do outro bem.

3. (Lei de Walras) p · z(p) = 0. O valor do excesso de demanda agregada é sempre zero,


quaisquer que sejam os preços de mercado. Consequentemente, se existem n mercados na
economia, e n − 1 mercados estão em equilı́brio, então necessariamente o último mercado
estará em equilı́brio. Portanto, para o caso de dois bens, precisamos verificar o equilı́brio
apenas para um dos mercados (uma vez que se um mercado estiver em equilı́brio, o outro
automaticamente também estará em equilı́brio).

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Um vetor de preços é um equilı́brio se a demanda agregada se igualar à oferta agregada em


todos os mercados da economia. A questão fundamental é sobre a existência de equilı́brio, ou seja,
sob quais condições podemos garantir a existência de um vetor de preços tal que os consumidores
maximizem a sua utilidade, dados esses preços, e demanda agregada iguala oferta agregada? O
próximo teorema responde essa questão.

Teorema de Existência de Equilı́brio. Se as utilidades de cada consumidor forem bem-


comportadas e se a dotação total de cada bem for positiva, então existirá (pelo menos) um vetor
de preços p  0 tal que os mercados de todos os bens estejam em equilı́brio.

Definição: Alocação de Equilı́brio Walrasiano. Seja p∗ um equilı́brio Walrasiano para a


economia E = (i , ei ). O vetor x(p∗ ) é chamado uma alocação de equilı́brio Walrasiano, onde
temos que:

1. (Maximização dos Consumidores) x(p∗ ) = (x1 (p∗ , p∗ · e1 ), . . . , xI (p∗ , p∗ · eI )) é o vetor com


as cestas ótimas de cada consumidor, quando os preços são p∗ e a renda do consumidor i,
i = 1, . . . , I, é p∗ · ei ;

2. (Equilı́brio) Os mercados de todos os bens estão em equilı́brio:


X X
xik (p∗ , p∗ · ei ) = eik , ∀k = 1, . . . , n.
i∈I i∈I

xB∗
1 
0B
@
@
@
@ ?
@
@
@
@
@
s
@ Alocação de equilı́brio
xA∗
2
@s xB∗
2
@
@
@
@
@
@se
@
6 @
@
s @
0A -
xA∗
1

A caixa de Edgeworht ilustrada na figura acima mostra um vetor de preços de equilı́brio, que
leva os consumidores A e B, a partir de suas dotações iniciais, representadas no ponto e na caixa,
à alocação de equilı́brio x = (xA∗ , xB∗ ), na qual ambos os consumidores estão maximizando o seu
bem-estar e os mercados dos dois bens estão em equilı́brio.

José Guilherme de Lara Resende 9 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


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2 Economias com Produção


2.1 Introdução

Vamos introduzir firmas no modelo de equilı́brio geral desenvolvido anteriormente. A produção


e, portanto, a oferta agregada, são consequências do comportamento maximizador de lucros das
firmas. Logo, a quantidade de bens disponı́veis para consumo não será mais fixa e dependerá da
decisão de produção das firmas. O lucro das firmas é distribuı́do aos consumidores, os proprietários
das firmas. Vamos caracterizar firmas por meio da tecnologia de produção que possuem. Na análise
de equilı́brio geral é mais conveniente representar a tecnologia de uma firma usando o conceito de
conjunto de possibilidade de produção, em vez de representá-la usando o conceito de função de
produção.
Suponha que existam J firmas. O conjunto de possibilidade de produção da firma j, denotado
por Y j ⊂ Rn , com n bens, é o conjunto de todas as combinações de insumos e produtos disponı́veis
para a firma. Um vetor yj ∈ Y j é chamado plano de produção. Vamos usar a convenção de que
se o bem k for um insumo lı́quido (a firma usa mais desse bem do que é capaz de produzir), a
coordenada k de yj será negativa (ykj < 0). Se o bem k for um produto lı́quido da firma (a firma
produz mais desse bem do que o consome no processo produtivo), então a coordenada k de yj será
positiva (ykj > 0).

x2
6

Conjunto de
Possibilidade de
* Produção (convexo)





 




-
x1

Dado o vetor de preços p ≥ 0, a firma j escolhe o plano de produção que maximiza lucros:
max p · yj (1)
yj ∈Y j

Esse problema é similar ao problema de maximização de lucros em termos de funções de produção,


só que agora escrito em termos de conjuntos de possibilidade de produção.
Propriedades da função lucro e oferta ótima. Se o conjunto de possibilidade de produção
(CPP) Y j satisfizer certas condições, então, para todo vetor de preços p  0, a solução do problema
da firma (1) acima será única e contı́nua (denotada por yj (p)). Além disso, a função lucro, Πj (p) =
p · yj (p), será bem-definida e contı́nua.
O vetor yj (p) é chamado função de oferta da firma j, em sentido amplo, já que engloba não
somente os bens que a firma produz, mas também os bens que a firma utiliza como insumos.

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2.2 Eficiência Técnica e FPP

Suponha que existam dois produtos, X e Y , produzidos por duas firmas distintas, que usam
dois fatores de produção, capital, K e trabalho, L. Suponha que as quantidades de capital e
trabalho estão fixas. Podemos construir uma caixa de Edgeworth para produção, onde uma firma
é representada no vértice sudoeste da caixa e a outra firma é representada no vértice noroeste
da caixa. Representamos as isoquantas de ambas as firmas na caixa. Pontos de tangência destas
isoquantas representam pontos de eficiência produtiva ou eficiência técnica. Podemos então definir
uma curva de contrato para a produção.


02

Curva de
s Contrato
s para Produção

01 -

Observe que na curva de contrato para a produção, as taxas marginais de substituição entre
os insumos são iguais para ambas as firmas. Logo, em pontos de eficiência técnica, as taxas
marginais de substituição entre dois insumos quaisquer são iguais entre firmas, mesmo que estas
firmas produzam bens diferentes (assumindo funções de produção bem comportadas e alocações
no interior da caixa). Podemos construir o seguinte conceito a partir da curva de contrato para a
produção:

Definição: A fronteira de possibilidade de produção (FPP) mostra a quantidade máxima do bem


Y que a sociedade pode produzir, para qualquer quantidade do bem X produzida.

Pontos na FPP representam a quantidade máxima do bem X que pode ser produzida para certa
quantidade do bem Y . Pontos que estão sobre a FPP, tais como o ponto B na figura abaixo, são os
pontos de eficiência técnica ou eficiência produtiva. Pontos no interior da FPP, tais como o ponto
A na figura abaixo, são ineficientes no sentido técnico. Nos pontos sobre a FPP, a taxa marginal de
substituição técnica entre dois insumos é igual para todas as firmas, quaisquer que sejam os bens
que elas produzam, assumindo que a tecnologia de produção seja “bem-comportada”.
Podem existir pontos de eficiência técnica que não representem alocações Pareto eficientes.
Porém, toda alocação Pareto eficiente está necessariamente associada a um ponto de eficiência
técnica.

José Guilherme de Lara Resende 11 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


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Bem Y
6
Fronteira de Possibilidade de Produção




sB

sA

-
Bem X

A FPP tem inclinação negativa devido à escassez de recursos. Se estamos no ponto B na figura
acima e queremos produzir mais do bem X, precisamos abrir mão de um pouco de bem Y (a
sociedade realoca alguns dos recursos usados na produção de Y para a produção de X). Portanto,
a escassez de fatores de produção implica que a FPP é negativamente inclinada.

Definição: O custo marginal do bem X é o custo de produzir uma unidade adicional de X,


expresso em unidades do outro bem que deixa de ser produzido:

dY
CM gX,Y = −
dX F P P

O formato da curva da FPP reflete como o custo marginal de um bem muda com a quantidade do
outro bem sendo produzida. Esse custo de oportunidade marginal da FPP é chamado taxa marginal
de transformação dos bens. Essa taxa mede a taxa pela qual um bem pode ser transformado em
outro, no sentido de que os fatores de produção são realocados da produção de um dos bens para
a produção do outro bem.
Portanto, o custo marginal de produção de um bem em termos de outro bem é dado pela
inclinação da FPP. Uma FPP com inclinação constante (isto é, uma reta) significa que este custo
marginal é constante, independente da quantidade produzida. Uma FPP côncava significa que este
custo marginal aumenta quanto mais desse bem é produzido. Ou seja, quanto maior a produção
de vinho, para produzir mais um litro de vinho, temos que abrir mão de uma quantidade maior de
pão.

José Guilherme de Lara Resende 12 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


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2.3 Equilı́brio

Os consumidores são modelados como antes, por meio de uma função de utilidade e de uma
dotação inicial, que inclui bens ou serviços que o consumidor oferece ao mercado, como trabalho,
por exemplo. Com a inclusão de firmas na análise, precisamos descrever a distribuição dos lucros
dessas firmas na economia. Vamos denotar por θij a fração da firma j que o consumidor i detém.
Devemos ter que:
X
0 ≤ θij ≤ 1, ∀i ∈ I, j ∈ J , e θij = 1, ∀j ∈ J .
i∈I

Um consumidor possui duas fontes de renda: a sua dotação de bens e serviços e a quantidade
de ações de firmas que possui. A restrição orçamentária do consumidor i se torna então:
X
p · x i ≤ p · ei + θij Πj (p) = mi (p),
j∈J

onde mi (p) denota a renda do consumidor i. O problema do consumidor i é portanto:

max
i n
ui (xi ) s.a. p · xi ≤ mi (p) (2)
x ∈R+

Resolvendo este problema, encontramos as demandas ótimas dos consumidores, o que permite
calcular a demanda de mercado.
Com a introdução das ações das firmas, completamos a caracterização da economia, que pode
ser denotada por E = (ui , ei , θij , Y j )i∈I,j∈J (chamada economia de propriedade privada).
A função excesso de demanda agregada do bem k é agora dada por:
X X j X
zk (p) = xik (p, mi (p)) − yk (p) − eik ,
i∈I j∈J i∈I

e o vetor de excesso de demandas é denotado por:

z(p) = (z1 (p), . . . , zn (p)) .

O vetor de funções excesso de demanda agregada definido para economias com produção con-
tinua satisfazendo as mesmas três propriedades que eram satisfeitas no caso de uma economia de
trocas puras: 1) continuidade, 2) homogeneidade, e 3) lei de Walras. Essas propriedades possuem
as mesmas interpretações e implicações que vimos anteriormente.
Considere a economia de propriedade privada E = (ui , ei , θij , Y j )i∈I,j∈J . Suponha que cada util-
idade individual satisfaz certas propriedades (por exemplo, é bem-comportada) e que o conjunto de
possibilidade de produção de cada firma satisfaz certas
Phipóteses (por exemplo, apresenta retornos
decrescentes de escala). Suponha também que y + i∈I ei  0 para algum vetor de produção
agregada.
Nesse caso, podemos garantir que existe pelo menos um vetor de preços p∗  0 tal que o vetor
de excessos de demanda seja igual a zero, z(p∗ ) = 0. A alocação de equilı́brio para uma economia
com produção deve descrever além das cestas de consumo de cada indivı́duo, os planos de produção
ótimos de cada firma.

José Guilherme de Lara Resende 13 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

Definição: Alocação de Equilı́brio. Seja p∗ um equilı́brio para E = (ui , ei , θij , Y j )i∈I,j∈J . O


par de vetores (x(p∗ ), y(p∗ )) é uma alocação de equilı́brio Walrasiano, onde temos que:
1. (Maximização dos Consumidores) x(p∗ ) = (x1 (p∗ ), . . . , xI (p∗ )) é o vetor com as cestas ótimas
de cada consumidor, quando os preços são p∗ e a renda do consumidor i, i = 1, . . . , I, é mi (p∗ );
2. (Maximização das Firmas) y(p∗ ) = (y1 (p∗ ), . . . , yJ (p∗ )) é o vetor com os planos de produção
ótimos de cada firma j, quando os preços são p∗ ;
3. (Equilı́brio) Os mercados de todos os bens estão em equilı́brio:
X X X j
xik (p∗ ) = eik + yk (p∗ ), ∀k = 1, . . . , n.
i∈I i∈I j∈J

A figura abaixo ilustra uma situação de equilı́brio, considerando uma economia com um único
consumidor. Observe que se a condição de tangência não for satisfeita, isso significa que a taxa
na qual o consumidor está disposto a trocar um dos bens pelo outro é diferente da taxa na qual
esse bem pode ser transformado no outro. Então existe a possibilidade de melhorar o bem-estar do
consumidor, ao se rearranjar a produção. Portanto, se a condição de tangência não for satisfeita, a
alocação não será Pareto eficiente.

Bem Y
6

FPP
@
@
@
@
Y∗ @s
@

@
@
@ Curva de Indiferença
@
@
@
@
@ Nı́vel de Preços
de Equilı́brio
-

X Bem X

Observações Importantes:
• A figura acima deixa claro que nem todo ponto de eficiência técnica será Pareto eficiente, mas
todo ponto Pareto eficiente será tecnicamente eficiente.
• Uma alocação Pareto eficiente satisfaz as seguintes três condições:
1. Eficiência nas trocas: As taxas marginais de substituição entre quaisquer dois bens
devem ser iguais.
2. Eficiência técnica ou produtiva: Para todas as firmas, as taxas técnicas de substituição
entre quaisquer dois insumos devem ser iguais.
3. Eficiência no mix de produtos: A taxa técnica de transformação entre dois bens deve
ser igual à taxa marginal de substituição dos consumidores.

José Guilherme de Lara Resende 14 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

Exemplo 1. Suponha uma fronteira de possibilidade de produção para os bens X e Y representada


pela equação cX 2 + dY 2 = e. A função de utilidade do agente representativo desta economia é
uma Cobb-Douglas u(X, Y ) = X α Y β . Então a taxa marginal de substituição (TMS) entre os dois
bens, em valor absoluto, é:
∂u(X, Y )/∂X αY
|T M S| = =
∂u(X, Y )/∂Y βX
Já o valor absoluto da taxa marginal de transformação (TMT) entre os dois bens pode ser encon-
trado usando o Teorema da Função Implı́cita, definindo f (X, Y ) = cX 2 + dY 2 − e:

dY ∂f (X, Y )/∂X cX
dX = ∂f (X, Y )/∂Y = dY

Igualando o valor absoluto da TMS ao da TMT, obtemos:


  r !
αY cX βc βc
= ⇒ Y2 = X2 ⇒ Y = X
βX dY αd αd

Note que se α = β e c = d, então a solução ótima consiste em X = Y . Os valores de X e Y podem


ser encontrados substituindo a relação ótima derivada acima entre X e Y na FPP, cX 2 + dY 2 = e:
s
2
βcX αde αde
cX 2 + = e ⇒ X2 = ⇒ X∗ =
αd αcd + βc αcd + βc

A quantidade ótima de Y pode ser obtida usando aprelação ótima entre X e Y acima e o valor
ótimo de X encontrado acima, o que leva a Y ∗ = βce/(αcd + βc). Já os preços de equilı́brio
podem ser encontrados fazendo px /py = |T M S(X ∗ , Y ∗ )| = |T M T (X ∗ , Y ∗ )|, o que resulta em:

αY ∗ cX ∗
r
px px αc
= ∗
= ∗
⇒ =
py βX dY py βd

Voltando ao caso em que α = β e c = d, então px /py = 1.

Exemplo 2: Economia de Robinson Crusoe. Suponha uma economia com dois bens, formada
por apenas um indivı́duo e uma firma. A utilidade do consumidor é:

u(h, y) = h1−β y β ,

com 0 < β < 1. Vamos supor que a dotação inicial do consumidor é eT = (T, 0). A tecnologia da
firma é descrita pela função de produção y = hα , com 0 ≤ h ≤ b, b > T e 0 < α < 1. O problema
da firma é:
max phα − wh,
h≤0

onde p é o preço do bem final e w é o salário. A solução do problema da firma resulta em:
1
 αp  1−α α
 αp  1−α
hf = e yf =
w w
O lucro ótimo é:   1
1−α  αp  1−α
π = π(w, p) = w ≥ 0.
α w

José Guilherme de Lara Resende 15 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

O problema do consumidor é:

max h1−β y β s.a. py + wh = wT + π(w, p).


h,y≥0

A solução do problema do consumidor é:


   
c wT + π(w, p) c wT + π(w, p)
h = (1 − β) e y =β
w p

Como apenas preços relativos importam, vamos normalizar p∗ = 1. Pela lei de Walras, basta
verificarmos a condição de equilı́brio de um dos mercados para determinar o preço w de equilı́brio.
No mercado h, temos que hf + hc = T resulta em:
 1−α
f c ∗ 1 − β(1 − α)
h +h =T ⇒ w =α .
αβT

José Guilherme de Lara Resende 16 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

3 Bem-Estar Social
3.1 Eficiência de Pareto

Vimos que o princı́pio básico de eficiência usado em economia é o critério de Pareto, que
formaliza a ideia de que se na situação social A um indivı́duo fica melhor e nenhum fica pior
comparado à situação B então a situação A é melhor para a sociedade do que a situação B. Ou,
se na situação social A, todos os membros da sociedade estão melhores comparados à situação B,
então, a situação A é melhor para a sociedade que a situação B. O critério ou princı́pio de Pareto
também pode ser formalizado da seguinte maneira.

Definição: Uma alocação social A é Pareto-dominada pela alocação B se a alocação B é factı́vel


e nenhum agente fica pior, e pelo menos um fica melhor, na alocação B que na alocação A.

Definição: Uma alocação factı́vel é Pareto ótima (ou eficiente de Pareto) se não é Pareto-dominada
por nenhuma outra alocação factı́vel.

Uma alocação eficiente de Pareto satisfaz as seguintes três condições (“em situações bem-
comportadas”:
• Eficiência nas trocas: as taxas marginais de substituição entre quaisquer dois bens devem ser
iguais.
• Eficiência produtiva: para todas as firmas, as taxas técnicas de substituição entre os insumos
devem ser iguais.
• Eficiência no mix de produtos: a taxa marginal de transformação entre dois bens deve ser
igual à taxa marginal de substituição dos consumidores.

3.2 Os Dois Teoremas de Bem-Estar

O Primeiro e o Segundo Teoremas do Bem-Estar são resultados cruciais sobre bem-estar em


economias de mercado. Os dois teoremas respondem à pergunta em que sentido e sob quais
condições mercados competitivos levam à eficiência econômica e quando qualquer situação de
eficiência pode ser alcançada por um mercado competitivo.

Primeiro Teorema do Bem-Estar. Toda alocação de equilı́brio Walrasiano é Pareto-ótima.

O Primeiro Teorema do Bem-Estar afirma que todo equilı́brio Walrasiano satisfaz o critério de
Pareto, ou seja, todo equilı́brio em concorrência perfeita é Pareto ótimo. Logo, não existe nenhum
rearranjo de recursos (ou seja, nenhuma mudança na produção ou no consumo) tal que alguém
possa melhorar sua situação sem ao mesmo tempo piorar a situação de outro. Portanto, o mercado
agindo sozinho alcança uma situação de equilı́brio Pareto ótima, mesmo com cada agente econômico
agindo de modo egoı́sta, no sentido de buscar apenas o seu próprio bem-estar. Este resultado está
relacionado com a famosa “mão invisı́vel ” de Adam Smith. Observe que a alocação de equilı́brio
pode ser bastante desigual e ainda assim ser Pareto eficiente.

Segundo Teorema do Bem-Estar. Sob certas hipóteses, se x é Pareto-eficiente, então x é


uma alocação de equilı́brio Walrasiano para algum preço p de equilı́brio, após uma redistribuição
adequada de dotações iniciais.

José Guilherme de Lara Resende 17 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

O Segundo Teorema Fundamental do Bem-Estar diz que, “sob certas condições”, toda alocação
Pareto ótima pode ser obtida pela economia de mercado, por meio de uma redistribuição adequada
das riquezas iniciais dos agentes.
Portanto, o teorema implica que qualquer alocação Pareto-ótima pode ser atingida por meio
do mecanismo de mercado descentralizado, ou seja, não é necessário haver um planejador cen-
tral. O próprio mercado pode alcançar a alocação desejada, sendo necessária somente a correta
redistribuição de recursos na economia. Neste sentido, é possı́vel dizer que o segundo teorema do
bem-estar permite a separação dos problemas de eficiência econômica e de distribuição dos bens na
sociedade.
O segundo teorema do bem-estar supõe uma série de hipóteses para a sua validade. As mais
importantes e restritivas são relacionadas a questões de convexidade. Primeiro, as preferências dos
consumidores devem ser convexas. Segundo, o conjunto de produção de cada firma deve ser convexo
(é possı́vel relaxar esse requerimento, mas devemos ter que o conjunto de possibilidade de produção
agregado da economia seja convexo). Isso elimina a possibilidade de que o teorema seja válido na
presença de retornos crescentes de escala (pelo menos de maneira geral para toda a economia).
Falhas de mercado são situações que invalidam os teoremas de bem-estar. Em particular, se
alguma falha estiver presente, não podemos afirmar que a alocação de recursos e bens alcançada
por uma economia de mercado satisfaça o critério de eficiência de Pareto.
Exemplos de falhas de mercado:

• Bens Públicos;

• Externalidades;

• Poder de mercado;

• Informação Imperfeita.

3.3 Alocações Justas

Seja x = (xA , xB ) uma alocação qualquer. Dizemos que o indivı́duo i inveja a cesta do indivı́duo
j caso ele prefira a cesta de j à sua própria cesta. Por exemplo, dizemos que o indivı́duo A inveja
a cesta de B caso uA (xB B A A A
1 , x2 ) > u (x1 , x2 ).

Definição: Alocação Equitativa. Uma alocação equitativa é uma alocação para a qual nenhum
indivı́duo inveja a cesta de outro indivı́duo.

Definição: Alocação Justa. Uma alocação justa é uma alocação equitativa e eficiente.

Podemos mostrar que sempre existirá pelo menos uma alocação justa: a alocação de equilı́brio
obtida de uma divisão igualitária de recursos será uma alocação justa.

José Guilherme de Lara Resende 18 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

Leitura Recomendada
• Varian, caps. 31 - “Trocas” e 32 - “A Produção”.
• Pindick e Rubinfeld, cap. 16 - “Equilı́brio Geral e Eficiência Econômica”.
• Nicholson e Snyder, cap. 13 - “General Equilibrium and Welfare”.

Exercı́cios

1. Desenhe a caixa de Edgeworth para as economias descritas abaixo, ilustrando as dotações


iniciais, as curvas de indiferença que passam por essas dotações e as alocações descritas nos
itens.
(a) Economia 1: uA = xA A B B B A B
1 x2 , u = x1 x2 , e = (3, 7), e = (7, 3). Alocações: (x , x ) =
A B
A B A B
((2, 5), (8, 5), (x̃ , x̃ ) = ((0, 3), (10, 7), (x̂ , x̂ ) = ((6, 6), (6, 6).
(b) Economia 2: uA = xA A
1 x2 , u
B
= min{xB B
1 , x2 }, e
A
= (4, 5), eB = (11, 5). Alocações:
(xA , xB ) = ((12, 3), (3, 7), (x̃A , x̃B ) = ((10, 5), (5, 5), (x̂A , x̂B ) = ((3, 6), (2, 7).
(c) Economia 3: uA = xA A B B B A B
1 + x2 , u = min{x1 , x2 }, e = (4, 5), e = (6, 15). Alocações:
(xA , xB ) = ((5, 8), (5, 12), (x̃A , x̃B ) = ((10, 5), (0, 15), (x̂A , x̂B ) = ((3, 13), (7, 7).
2. Para as economias descritas nos itens da questão anterior, responda:
(a) Quais alocações são factı́veis?
(b) Descreva a curva de contrato para cada uma dessas economias. Ilustre graficamente a
curva de contrato na caixa de Edgeworth.
(c) Descreva as alocações no núcleo de cada uma dessas economias. Ilustre graficamente o
núcleo na caixa de Edgeworth.
3. Suponha uma economia com dois consumidores, A e B, com utilidades definidas sobre cestas
1/2 1/2
de dois bens, x e y, denotadas por uA (xA , yA ) = xA yA e uB (xB , yB ) = xB yB . As dotações
iniciais de A e B são eA = (6, 4) e eB = (4, 6).
a) Desenhe a caixa de Edgeworth para essa economia, ilustrando as dotações iniciais.
b) Descreva os conjuntos das alocações factı́veis e das alocações Pareto eficientes. Descreva
as alocações que estão no núcleo desta economia.
c) Determine os preços de equilı́brio para esta economia.
d) Normalize o preço do bem y em 1. Mostre que para os preços de equilı́brio encontrados
no item anterior, temos que de fato demanda iguala oferta no mercado dos dois bens.
4. (NS) Suponha que existam apenas três bens, denotados por x1 , x2 e x3 , em uma economia
sem produção. As funções de excesso de demanda agregada pelos bens 2 e 3 são:
3p2 2p3
z2 (p) = − + − 1,
p1 p1
4p2 2p3
z3 (p) = − − 2.
p1 p1
(a) Mostre que essas funções são homogêneas de grau zero nos preços.
(b) Use a Lei de Walras para mostrar que se z2 (p) = z3 (p) = 0, então z1 (p) também deve
ser igual a zero. Você consegue calcular z1 (p) usando a lei de Walras?
(c) Resolva esse sistema de equações para encontrar os preços relativos de equilı́brio p2 /p1
e p3 /p1 . Qual é o valor de equilı́brio de p3 /p2 ?

José Guilherme de Lara Resende 19 Equilı́brio Geral e Bem-Estar


Microeconomia 2 Nota de Aula 1

5. (P1-2/18) Suponha uma economia com dois consumidores, A e B, com utilidades definidas
sobre cestas de dois bens, x e y, denotadas por uA (xA , yA ) = x2A yA2 e uB (xB , yB ) = xB yB . As
dotações iniciais de A e B são eA = (12, 8) e eB = (8, 12).

a) Desenhe a caixa de Edgeworth para essa economia, ilustrando as dotações iniciais.


b) Descreva os conjuntos das alocações factı́veis e das alocações Pareto eficientes. Descreva
as alocações que estão no núcleo desta economia.
c) Determine os preços de equilı́brio para esta economia.
d) Normalize o preço do bem y em 1. Mostre que para os preços de equilı́brio encontrados
no item anterior, temos que de fato a demanda é igual à oferta no mercado dos dois
bens.
e) Calcule a alocação de equilı́brio Walrasiano. Ela é uma alocação justa? Explique intu-
itivamente a razão da sua resposta.

6. (PS-2/18) Considere uma economia sem produção com dois bens, x e y. Suponha que existam
apenas dois indivı́duos, A e B, com funções de utilidade dadas por uA (x, y) = xy 2 e uB (x, y) =
min{x, y} e dotações eA = (10, 20) e eB = (20, 10).

a) Descreva o conjunto de alocações factı́veis, o conjunto de alocações Pareto-ótimas e o


núcleo dessa economia.
b) Determine as funções de demanda dos dois consumidores.
c) Determine a relação de preços de equilı́brio.
d) Normalizando o preço do bem y em 1, verifique que de fato os dois mercados se equilibram
aos preços encontrados no item c).
e) Determine a alocação de equilı́brio e verifique se ela é justa.

7. (P1-1/19) Suponha uma economia com dois consumidores, A e B, com utilidades definidas
sobre cestas de dois bens, x e y, denotadas por uA (xA , yA ) = x2A yA2 e uB (xB , yB ) = xB + yB .
As dotações iniciais de A e B são eA = (6, 4) e eB = (4, 6).

a) Desenhe a caixa de Edgeworth para essa economia, ilustrando as dotações iniciais.


b) Descreva os conjuntos das alocações factı́veis e das alocações Pareto eficientes. Descreva
as alocações que estão no núcleo desta economia.
c) Determine os preços de equilı́brio para esta economia (dica: lembre-se que no equilı́brio,
os preços relativos serão iguais às taxas marginais de substituição em valor absoluto para
os dois consumidores).
d) Calcule a alocação de equilı́brio Walrasiano. Ela é uma alocação justa? Explique intu-
itivamente a razão da sua resposta.

José Guilherme de Lara Resende 20 Equilı́brio Geral e Bem-Estar

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