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Forum Sociológico

Série II
17 | 2007
Envelhecimento activo. Um novo paradigma

Da Ecologia Geral à Ecologia Humana


Francisco Carvalho

Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/sociologico/1680
DOI: 10.4000/sociologico.1680
ISSN: 2182-7427

Editora
CICS.NOVA - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa

Edição impressa
Data de publição: 1 Janeiro 2007
Paginação: 127-135
ISSN: 0872-8380

Refêrencia eletrónica
Francisco Carvalho, « Da Ecologia Geral à Ecologia Humana », Forum Sociológico [Online], 17 | 2007,
posto online no dia 01 janeiro 2007, consultado o 01 maio 2019. URL : http://journals.openedition.org/
sociologico/1680 ; DOI : 10.4000/sociologico.1680

© CICS.NOVA
DA ECOLOGIA GERAL À ECOLOGIA HUM ANA 127

DA ECOLOGI A GERAL À ECOLOGI A HUMANA

Francisco Carvalho
Dout or em Relações I nt ernacionais ( Ecologia Hum ana) , Cesnova ( francisco.carvalho@fcsh.unl.pt )

Resumo

Apesar da ancest ralidade e perenidade das relações Hom em -Am bient e o seu t rat am ent o cient ífi co
t ardou, sendo preciso chegar- se ao início do século passado para que t al com eçasse a alt erar- se.
Desde ent ão, t olerada, nuns casos, senão m esm o quase ignorada ou rej eit ada, nout ros casos,
condicionada não raro pelo biologism o e o ant ropocent rism o ext rem ados, um as vezes ident ifi ca-
da com a Geografi a e out ras com a Sociologia, designadam ent e, out ras ainda com o capít ulo ou
ext ensão da Ecologia Geral, a Ecologia Hum ana foi int eressando cient ist as das várias disciplinas,
suscit ando convergências e, por aí, obj ect o de reorient ação. Assim , após a década 70 do século
XX, ret om ada a ideia de pont e que j á t inha ocorrido no início desse século, encarado em defi nit ivo
o Hom em na sua globalidade biocult ural, clarifi cado o obj ect o de est udo no cont ext o do diálogo
Hom em - Hom em , Hom em -Am bient e e int roduzidos aperfeiçoam ent os de m et odologia, chega- se
aos dias de hoj e em que a Ecologia Hum ana é ent endida com o um a nova disciplina, um novo nível
de pensam ent o, que procura int erpret ar os com port am ent os da biosfera e da sociosfera. Nest e
art igo equaciona- se o porquê da Ecologia Hum ana, a lent a m at uração que conheceu at é ao seu
ent endim ent o na act ualidade.

Pa la vr a s- ch a ve : Ecologia, Ecologia Hum ana, evolução, ecossist em a hum ano

Abstract

The relat ion bet ween t he Hum an race and t he Environm ent is ancest ral and perm anent , yet it s
scient ifi c st udy is quit e recent . Only at t he beginning of t he last cent ury som e evolvem ent s occur
on t he fi eld. Since t hen t he Hum an Ecology has originat ed different at t it udes: sim ply t olerat ed by
som e, ignored and rej ect ed by ot hers, som et im es condit ioned by radical biologic and ant hropocen-
t ric views, som et im es perceived as Geography or Sociology, or viewed as a branch of t he global
Ecology. However, all t hese percept ions called t he at t ent ion of t he scient ifi c com m unit y, which
originat ed som e convergence and re- orient at ion effort s. As a result , and aft er t he 70 s decade of
t he last cent ury, som e fundam ent al evolvem ent s occurred. The idea of t he bridge t hat was present
at t he beginning of t he cent ury was recovered. A global biocult ural approach was adopt ed t o look
at t he hum an race. The st udy obj ect of t he relat ions Hum an being / Hum an being and Hum an
being / Environm ent was clarifi ed. Met hodological im provem ent s were int roduced. Present ly t he
Hum an Ecology is seen as a new scient ifi c fi eld, a new level of t hought t hat fi ght s t o underst and
t he behaviours of t he biosphere and sociosphere. This paper quest ions t he foundat ion of Hum an
Ecology and t he slow evolut ion it had unt il t oday.

Ke yw or ds: Ecology, Hum an Ecology, Evolut ion, Hum an Ecossyst em .

Porque não a Ecologia da espécie deve principalm ent e a int rodução de um a concepção
humana? dinâm ica e evolut iva do t em po.
O t er m o Ecologia com eçou por ser ut iliza-
A Ecologia enquant o ciência rem ont a aos fi nais do por Haeckel em 1866, na sua “ Mor fologia geral
do século XI X, destacando- se de entre os precursores do indiv íduo” ex plicando ent ão que a oekologie
m ais próxim os t ant o Hum boldt , cuj o “ Ensaio sobre t inha por obj ect o descr ev er a t eia de r elações
a geografi a das plant as”, considerado o prim eiro sis- com plex as que ligam os ser es v ivos ao am bient e
tem a de classifi cação das form as biológicas, contribuiu que os r odeia, com pr eendendo em sent ido lat o
para a post erior am pliação do espaço de observação o que Dar w in cham ara t odas as “ condições de
científi ca à escala planetária, com o Darwin, a quem se ex ist ência”.

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Haeckel propôs out ras defi nições, m orm ent e na nossa disciplina a espécie hum ana convert e- se
em 1868, quando ao ligar a t radição da Biogeogra- em grupo de referência ( auto-ecologia ou ecologia
fi a à Econom ia da Nat ureza, concebe a “ oekologie antropocêntrica) . Ou sej a, por um lado, o Hom em ,
ou distribuição geográfica dos indivíduos ” com o com o qualquer out ro indivíduo, é part e int egrant e
“ a ciência do conj unt o das relações dos indivíduos da ecosfera e assim é encarado, o que não dist in-
com o m undo am bient e ext erior, com as condições gue a Ecologia Hum ana da Ecologia geral. Porém , e
orgânicas e inorgânicas da exist ência; o que se cha- sim ult aneam ent e, a sua fl exibilidade em t erm os de
m ou a economia da natureza, as relações m út uas condut a, a capacidade para cont rolar as respect ivas
de t odos os indivíduos vivos num único e m esm o vizinhanças im ediat as e para desenvolver cult ura
lugar, a sua adapt ação ao m eio que os envolve, a independent em ent e do am bient e, são m aiores do
sua t ransform ação pela lut a para viver [ …] ” ( Acot , que as dos outros organism os ( Odum , 2001) . E assim
1988: 44) . Pode dizer- se que em Haeckel a Ecologia é t ido com o obj ect o de est udo, o que diferencia a
const it ui- se at é cert o pont o no quadro cient ífi co e nossa disciplina da Ecologia geral.
ideológico da Econom ia da Nat ureza, dos equilíbrios Sem esquecer que a espécie hum ana é het e-
nat urais e da adapt ação dos seres vivos às suas rot rófi ca, há, ainda, que at ent ar na sua grande
condições de exist ência ( Acot , 1988) . m obilidade, caract eríst ica que leva Nazaret h ( 1996:
Desde ent ão a Ecologia conheceu signifi cat ivas 146) a referir que não se t rat a de “ espécie norm al-
alt erações. Com eçando por ser m ais descrit iva que m ent e localizada num det erm inado espaço, m as de
analít ica e espacialm ent e localizada, prim eiro na um a espécie que se encont ra em t odas as alt it udes
Europa, depois no Novo Mundo, é hoj e em dia cada e em t odas lat it udes, dest ruindo, por vezes, os
vez m ais universal. Por out ro lado, t endo sido m ais ecossist em as nat urais”.
est át ica que dinâm ica e m ais cent rada no est udo das Conj ugadam ent e com a m obilidade é t am bém
plant as que no est udo dos anim ais, é nos nossos de realçar a fl exibilidade das m ot ivações e papéis,
dias ent endida com o o ram o do saber que est uda por vezes confl it uant es, dos seres hum anos na vida
as condições de exist ência dos seres vivos e as de relação, o que rem et e para a pert inent e, quant o
int eracções, de t oda e qualquer nat ureza, ent re act ual, int errogação de Acot ( 1988, cont ra- capa) -
t odos os seres vivos e os seus am bient es, est udo “ m udarão as relações dos hom ens com a nat ureza
esse com base na abordagem sist ém ica. sem que m udem as relações dos hom ens consigo
A m oderna Ecologia é t am bém encarada num a próprios?” Est am os de fact o perant e um a “ espécie
perspect iva evolut iva, com a qual se procura explicar m uit o especial”, que m ais t arde ou m ais cedo t eria
com o os seres vivos se m odifi caram e diversifi caram de ser abraçada pela Ecologia cient ífi ca ( Nazaret h,
ao longo do t em po e os m ecanism os que levaram a 1996a) . Com o é que t al sucedeu?
essa m odifi cação, passando a incluir- se o Hom em no
processo evolut ivo e, port ant o, a considerá- lo part e Os primórdios
int egrant e da biosfera ( Avelar e Pit é, 1996) .
Ainda assim , a Ecologia Hum ana só a part ir da A despeit o da universalidade e da perenidade
década de 70 do século XX foi adquirindo aut onom ia das relações Hom em -Am biente, só na últim a centúria
cient ífi ca. E porque seria assim ? Ou sej a, exist indo é que essas int eracções foram equacionadas no plano
a Ecologia dos peixes ou a Ecologia das aves, cient ífi co, culm inando um percurso com avanços e
porque não a Ecologia da espécie hum ana? Afi nal, recuos, cont rovérsias e equívocos, t ant o no cam po
nest a t am bém int ervêm fact ores biót icos, com as das ciências nat urais com o ent re os cient ist as sociais
suas relações int raespecífi cas e int erespecífi cas, e ( Borden, 1991; UNESCO, 1986; Young, 1983) .
fact ores abiót icos, que int erferem na Ecologia das Para m elhor se ent ender t al evolução, há que
plant as e dos anim ais. recuar ao início do século XX e const at ar com o,
O que sucede é que o ser hum ano pert ence a ent ão, as ciências nat urais abriram o cam inho à
um a espécie m uit o peculiar, biologicam ent e pouco Ecologia Hum ana. Nessa alt ura, com efeit o, t em as
dot ada, vulnerável às doenças, que possui capaci- com o sim biose, com pet ição, lut a pela sobrevivên-
dade de com unicar com grande efi cácia, de alt erar cia, dom inação, evolução e com unidade com o um a
o am bient e nat ural e de const ruir am bient es. Ora, unidade, at é aí de int eresse exclusivo de ecólogos
os am bient es const ruídos são com plexos e diver- da nat ureza, passaram a int eressar t am bém os
sifi cados, int egram elem ent os t ão diferent es com o cient ist as sociais.
a fam ília, a habit ação, os t ransport es, o t rabalho, A essa pont e que assim se est abelecia procu-
a or ganização social, a act iv idadade polít ica, a rando encont rar sem elhanças ent re os problem as
religião, as em oções, os valores. Com o diria Lessa est udados pelos biólogos e os cient ist as sociais,
( 1984) , o Hom em é o único grupo zoológico dot ado seguiu- se nos anos 20 um a out ra concepção de Eco-
de espirit ualidade. logia Hum ana que no ent ant o aparecia ident ifi cada
Acresce que enquant o na Ecologia geral t odas com a Geografi a Hum ana ( Barrows, 1923) . É a fase
as espécies t êm o m esm o int eresse ( sinecologia) , do est udo da diversidade dos com port am ent os no

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espaço e das diferent es respost as sociais e cult urais “ Enquant o a biologia for pr incipalm ent e
ao m eio que na época m ais fascinam os est udiosos ensinada e desenvolvida com base em funda-
da Ecologia Hum ana. m ent os individualist as ou apenas agregat ivos,
Ainda nos anos 20 é feit a a dist inção ent re fac- com um reconhecim ent o ligeiro ou insufi cient e
t ores biossociais e psicossociais e reconhecida a sua da dim ensão com unit ár ia, os est udant es das
int erdependência recíproca, no âm bit o da t ent at iva ciências v izinhas cont inuarão a ut ilizar e só
de classifi car os am bient es, com a qual se inicia um a aceit ar os conceit os m ais ant igos e em conse-
aproxim ação à visão m oderna da Ecologia Hum ana quência irão at rasar a int egração das ciências
( Machado, 1984; Nazaret h, 2004) . É t am bém na biológicas e das ciências sociais”.
década de 20 que aparece pela prim eira vez um estudo
referenciado à Ecologia Hum ana sobre os esquim ós Tal advert ência/ apelo de Adam s surge quando
polares do Noroest e da Gronelândia publicado em a Sociologia am ericana desenvolvia vast a act ividade,
1921 1 na revist a Ecology, da aut oria de Ekblaw e no sobret udo at ravés da “ escola” de Chicago, t am bém
qual esse geólogo e bot ânico analisa sob um a pers- referenciada por “ grupo” de Chicago, com o Acot pre-
pect iva global as relações ent re um a ant ropocenose fere dizer ( 1988: 170 e segs.) , para a dest rinçar da
e os am bient es biót ico e abiót ico ( Acot , 1988) . escola de Ecologia biológica forj ada na Universidade
Se bem que inovadora, a abordagem de Ekblaw de Chicago. De fact o, a part ir dos fi nais da década
passou quase despercebida na época, o que de de 20 um grupo de sociólogos de Chicago, com des-
rest o acont eceu com out ras t ent at ivas para incluir t aque para Park, Burguess, McKenzie e discípulos,
o est udo da espécie hum ana no âm bit o da Ecologia publicam t rabalhos im port ant es de Sociologia Urbana
cient ífi ca. Foi o caso de um seu cont em porâneo, o ( Brandão, 2003; Coulon, 1997) . No ent ant o, o papel
ent om ologist a Forbes, a quem se deve a publicação, do am bient e físico foi subest im ado, sendo a at enção
t am bém na Ecology, em 1922, de um art igo com o centrada nos factores sociais e culturais, um a vez que
titulo “A hum anização da ecologia” ( e subtítulo “ Todas para eles o cam po próprio da Ecologia era o biót ico
as form as de vida em relação com o am bient e” ) , e o da Ecologia Hum ana ou Social o nível cult ural. A
onde o aut or chega a sugerir que “ poderia ser út il part ir daí a Ecologia Hum ana chega a ser circunscrit a
para nós ecólogos t ent ar ver o que é que as rela- à condição de com ponent e da Sociologia, havendo
ções hum aníst icas da ecologia são act ualm ent e” aut ores que a consideravam “ um bilicalm ent e ligada
( Young, 1988: 17) . à sociologia” ou m esm o com o “ um a das sociologias”
Em bora no art igo de Forbes subsist isse algum a ( Gonçalves, 1969: 91- 92) .
am biguidade, j á que relevava em últ im a inst ância de Ainda sobre a m at uração da Ecologia Hum ana
um a Ecologia Aplicada, houve, porém , um a preocupa- dest aca- se a designada “ escola de ecologia cult u-
ção em sublinhar que as relações Hom em -Am bient e ral”, surgida nos Est ados Unidos e onde pont ifi ca
eram indissociáv eis da Ecologia, ao considerar St weard, cuj os t rabalhos publicados na segunda
que o ser hum ano “ é t am bém um indivíduo e os m et ade da década de 30 levaram nos nossos dias
indivíduos const it uem um a part e do seu am bient e” Crognier ( 1994: 14) a apont á- lo com o “ prom ot or
( Acot , 1988: 168- 169) . Forbes considerava que o de um a et nologia em que am bient e e cult ura est ão
sist em a ecológico m undial devia com preender a em cau salidade r ecípr oca”. Já an t es, Man n er s
espécie hum ana enquant o espécie dom inant e, o ( Young, 1983) , credit ara- o com o um pioneiro de
que para a época const it uia um avanço e um apelo um a “ ecologia cult ural”, que aj udou a “ m udar a face
a um a abordagem holíst ica, em bora em brionária, a da ant ropologia”, t ant o do pont o de vist a t eórico e
despeit o de o cont ext o cient ífi co de referência ainda m et odológico com o em t erm os de int rodução desse
não ser propício. neologism o no m eio académ ico.
Na realidade, a invest igação nos dom ínios da Par a o zoólogo e an t r opólogo St ew ar d, o
Ecologia, sobret udo da Ecologia Veget al, encon- am bient e t inha um papel act ivo nos fact os cult urais,
t rava- se em expansão, excluindo provisoriam ent e m as respeit ava ant es de t udo ao que Crognier cham a
o Hom em com o obj ect o de est udo, enquant o ao “ núcleo cult ural”, const it uído pela Econom ia e a
nível da m et odologia e prát ica do ensino da Biolo- t ecnologia. Um a sua m onografi a sobre um grupo de
gia t ardava a t ransm issão de saberes que propor- aborígenes do sem iárido Oest e Am ericano, edit ada
cionassem um a real aproxim ação ent re cient ist as em 1938, veio a ser reconhecida com o um clássico,
da nat ureza e cient ist as sociais, com o haveria de em bora a clareza do conceit o de cult ura ecológica
reconhecer nos m eados da década de 30 o acadé- não fosse ao t em po com plet am ent e conseguida,
m ico de Chicago Adam s, grande adept o da Ecologia o que levou St eward a clarifi car o seu pont o de
Dinâm ica e im pulsionador da Ecologia Anim al. Para o vist a sobre a cult ura ecológica ao dist anciar est a
ent endim ent o da sua posição, expressa num art igo do det erm inism o geográfi co, num a t ent at iva para
de 1935 sobre a relação ent re a Ecologia Geral e a equilibrar o am bient e com considerações sobr e
Ecologia Hum ana, vale a pena at ent ar- se na seguint e cult ura, procurando assim encont rar um int erface
passagem ( Young, 1983: 88) : ent re am bient e cult ural e am bient e nat ural.

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Com ent ando o cont ribut o de St eward, dado relações Hom em -Am bient e t er perm it ido ret irar a
o int eresse e a infl uência que cedo suscit ou ent re Ecologia do dom ínio quase exclusivo da Biologia
os ant r opólogos, Vay da e Rappapor t escr ev em e da Geografi a, cont inuava a cair- se não raro no
em 1968 sobre “ ecologia, cult ura e não cult ura” ext rem o opost o.
quest ionando- se acerca das razões da diversidade Foi o que sucedeu ao preconizar- se um a Ecologia
de com port am ent os hum anos face à dom est icação Hum ana que funcionasse com o sínt ese de t odas as
de anim ais e à agricult ura, bem com o da criação ciências sociais, com o advogou Bews nos anos 30,
e adopção de rit uais de m at ança de anim ais ( por- em bora lhe sej a reconhecida um a preocupação em
cos) na Nova Guiné ( Young, 1983) . Nesse sent ido, obser var o am bient e- função- indivíduo com o um
Vayda e Rappaport , em bora apreciem em St eward t odo int egrado 2 , bem com o o seu alert a quant o aos
as t ent at ivas de r igor analít ico, discor dam das event uais efeit os da am plit ude desse ram o do saber
conclusões, dado o grau de inevit abilidade de cor- poderem vir a t orná- lo t am bém difuso, ou m esm o
relação encont rada ent re cert os t raços cult urais e incoerent e. Foi, ainda, o que haveria de acont ecer ao
cert as adapt ações causais pondo m esm o em causa a advogar- se que o obj ect o da ecologia fosse cent rado
exist ência de correlações signifi cat ivas, vão advogar no est udo de áreas m arginais adj acent es de várias
o que cham am de “ ecologia unifi cada”, no sent ido disciplinas, na sequência de um a propost a apre-
da ut ilização de unidades da Ecologia Biológica para sent ada no t erm o da I I Guerra por Wirt h, t am bém
cam po de est udo. ele oriundo do grupo de Chicago, com o form a de
O aspect o m ais act ual da “ ecologia cult ural” cont rariar a t ent at iva de expansionism o que parecia
de St eward, será o da at enção a dar à análise das subj acent e em Bews ( Young, 1988) .
relações de um grupo cult ural com o seu am bient e Tudo isso, porém , redundaria num a perspect iva
de relação. É assim que Crognier ( 1994: 14, 16) de abordagem im prat icável, pois o que se propunha
considera haver em Ant ropologia um a convergência at ingia a int egridade de cada um a das disciplinas e
de pont os de vist a com os avanços da Biologia das redundava em prolixidade, saindo assim prej udicada
populações, que sim ult aneam ent e “ vai preconizar o a visão de globalidade e de afi rm ação do próprio
est udo aprofundado do ser hum ano considerado não cam po de acção da Ecologia Hum ana.
ao nível da espécie, nem do indivíduo, m as na sua Refl exo do expost o foi a procura de reavaliação
associação gregária e funcional que é a população”, da abordagem ecológica pelas Ciências Sociais, em
ent endida com o “ o elem ent o hum ano de um a bioce- part icular pela Sociologia, com o result ado de crít icas
nese e por consequência de um ecossist em a”. cont undent es iniciadas com Alihan, aut ora de Cons-
pectus of the ecological approach ( Young, 1988: 103
Tempos de indefinição e segs) , publicado em 1938. No essencial a aut ora
quest ionava a legit im idade das Ciências Sociais,
Na sequência do grupo de Chicago com o da em especial da Sociologia, ut ilizarem conceit os e
“ escola de ecologia cult ural”, com o ainda e por m ét odos da Ecologia Veget al e Anim al t al com o era
ext ensão durant e a I I Guerra ou m esm o no perí- prat icado pelo grupo de Chicago.
odo que im ediat am ent e se lhe sucedeu, são em Em reacção a essas crít icas, Cat t on e Dunlap
geral inconsequent es as t ent at ivas para int egrar ( 1983) haveriam de referir m ais t arde que os soció-
nas Ciências Sociais conceit os e m ét odos de um a logos que enveredaram pela abordagem da Ecologia
Ecologia Geral em expansão no panoram a cient ífi co Hum ana com eçaram por perder força e desse m odo
da época. m ut ilaram t oda um a geração de cient ist as sociais
Part icularm ent e os anos 40- 60 correspondem int eressados no t em a da Ecologia, para depois se
a um período incaract eríst ico, que variou ent re um lançar em num ant r opocent r ism o ex t r em ado, ao
ant ropocent rism o ext rem o e um a visão redut ora da pont o de ser defendido que os com port am ent os
Ecologia, inspirada em concepções det erm inist as hum anos não necessit avam de qualquer referência
sobre a infl uência do am bient e sobre o Hom em , ao am bient e, que a Sociologia t radicional podia expli-
o que suscit ou reacções diversas, incluindo indife- car t udo sem recorrer a out ras disciplinas3 . Convirá
rença e condescendência, no cam po das Ciências dizer que Alihan não rej eit ou a Ecologia Hum ana;
Nat urais e no das Ciências Sociais. Por um lado, apont ando, isso sim , para um a reconcept ualização.
o crescent e int eresse dos cient ist as sociais pelo O seu clam or foi sobret udo cont ra os ecólogos da
est udo das relações Hom em -Am bient e provocou época, pelo grande apego m anifest ado relat ivam ent e
reservas ent re os biólogos ecologist as, t ant o m ais à Sociologia tradicional, bem com o pela inconsistência
que esse ent usiasm o levou a que fosse excluído o e falência em com preenderem o verdadeiro e real
papel dos am bient es abiót ico e biót ico, perdendo- se signifi cado dos seus próprios post ulados, incluindo
assim a perspect iva holíst ica que hoj e caract eriza a dist inção com um ent re com unidade com o nível
a Ecologia Hum ana. Mas, por out ro lado, t am bém biót ico e sociedade com o nível cult ural da organiza-
ent re os cient ist as sociais surgiram reacções, j á que ção hum ana. Para Alihan os sociólogos da Ecologia
apesar do int eresse da invest igação cient ífi ca pelas ader iram na época dem asiado ao det er m inism o

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am bient al e paradoxalm ent e negaram - no out ras A despeit o do “ novo paradigm a ecológico”
t ant as vezes o que, no seu ent ender, era revelador ensaiado por Cat t on e Dunlap, o m esm o m ereceu
da pouca convicção que os anim ava. Alihan parece críticas centradas na própria operacionalização do que
igualm ent e t er em vist a a posição de cert os ecólogos se propunha, face ao elevado grau de abst racção do
biologist as ao reprovar t am bém a falt a de conside- axiom a de que part e o referido paradigm a, levando
ração pelos fact ores volit ivos da espécie hum ana, But t el ( 1986) a propor um a t eoria part icular da
sublinhando a diferença ent re os seres hum anos e Sociologia Am bient al para superar as generalizações
os dem ais seres vivos, não apenas no cont role que daqueles aut ores ( Cardeira, 1996) .
t êm do am bient e com o na vont ade de o fazer. Post er ior m ent e, ainda no t ocant e ao t rat a-
O que perpassa no que vem sendo t rat ado são m ent o pela Sociologia das quest ões am bient ais,
as consequências dos det erm inism os de sinal con- Beck e Giddens pr econizam um a ar t iculação ent r e
t rário e m ais ou m enos acent uados, que assim se as dim ensões sociais e nat urais perant e os pr oble-
iriam m ant er ainda durant e anos, condicionando a m as de r isco ecológico com que se confr ont am as
afi rm ação da Ecologia Hum ana. Mesm o as t ent at ivas sociedades cont em por âneas, no quadr o da “ socio-
então feitas, com realce para Hawley, Quinn e Duncan, logia de risco” ( Ascher, 2000) . Mas, a ret om a desse
t odos eles soció logos de Chicago, que se est enderam int erface ent re as Ciências da Nat ureza e as Ciências
at é à década de 80, para “ ( re) habilit ar” a Ecologia Sociais, é algo que j á se inser e na fase act ual de
Hum ana, cont inuavam a subvalorizar a im port ância afi r m ação da m oder na Ecologia Hum ana.
dos am bient es abiót ico e biót ico nas ant ropocenoses A década de 70 m arca na realidade um pont o de
( Carvalho, 2007; Nazaret h, 2004) . viragem em direcção à m oderna Ecologia Hum ana.
A Ecologia Hum ana iria cont inuar a ser ainda Com ela são lançados os fundam ent os de um a nova
ident ifi cada com a Sociologia, num a alt ura em que fase caract erizadora da disciplina na act ualidade,
est a perm anecia im pregnada de um a cert a t radição os quais num a prim eira aproxim ação nos parecem
m arcada pelo ant ropocent rism o e pelo cept icism o bem refl ect idos na posição de Odum , um m ist o de
face ao biologism o. im perat ivo alert a cont ra a dualidade reinant e ( ant ro-
pocent rism o versus biologism o) e de cont agiant e
Transição para a moderna Ecologia apelo para a convergência de act uações, expressa
nos t erm os seguint es:
Ent ret ant o, depois da explosão, em 1945, da
prim eira bom ba at óm ica e das consequências desse “ Chegou o m om ent o de o hom em adm i-
desast re ecológico, Ehrlich ( 1971) lança um alert a nist rar t ant o a sua própria população com o
sobre os efeitos acum ulados da explosão dem ográfi ca os recursos de que depende, dado que pela
na biosfera, refl ect ido no livro int it ulado signifi ca- prim eira vez na sua breve hist ória se encont ra
t ivam ent e por Bomba “P” ( P de população) e, logo perant e lim it ações defi nit ivas, e não pura-
depois, em 1972, vem o Clube de Rom a pugnar m ent e locais. O ordenam ent o do ecossist em a
pela im posição de lim it es ao crescim ent o, cuj os e a ecologia hum ana aplicada t ornaram - se
fundam ent os no ent ant o suscit am crít icas e reservas assim novos em preendim ent os que requerem
( Sauvy, 1974; Tam am es, 1983; Jacob, 1999) . a fusão de um conj unt o de disciplinas e de
De qualquer form a, conj ugava- se um conj unt o m issões que at é agora t êm sido prom ovidas
de circunst âncias conducent es ao crescendo do int e- independent em ent e um as das out ras” ( Odum ,
resse pelo est udo das relações Hom em -Am bient e, 2001: 812) .
nem sem pre isent o do que Young cham a de algum
“ provincianism o” e “ chauvinism o”, pat ent eado não Vale a pena dizer ainda que Odum , na sequência
rar o por sociólogos, ant r opólogos e geógrafos, da posição recém - t ranscrit a, const ant e da 3.ª edição
sobret udo, de par com biólogos, t em perado pelos ( 1971) dos seus Fundamentos de Ecologia, não só
cont ribut os de out ros cult ores desses ram os do reforça a exigência do papel de pont e ent re as Ciên-
saber que procuram sublinhar a im port ância da cias Nat urais e Sociais num art igo na revist a Science,
int erdisciplinaridade. em 1975, com o, segundo Acot ( 1988: 133- 134) ,
Já quase no t erm o dos anos 60 perfi la- se a assinala a em ergência da Ecologia com o um a nova
t ent at iva de afi rm ação de um a Sociologia Am bien- disciplina cient ífi ca de m at riz int egradora, incluindo
t al, prot agonizada por Cat t on e Dunlap ( Young, a espécie hum ana nesse processo. Clym er ( Young,
1983) . É assim que para ult rapassar os post ulados 1983: 4) sobressai no cont ext o do ressurgim ent o
ant ropocênt ricos inform adores das relações Hom em - concept ual em ergent e, ao considerar que um a “ nova
Am bient e, o que aqueles aut ores cham am “ para- sínt ese da inform ação exist ent e é necessária em
digm a da excepcionalidade hum ana”, contrapõem um ordem a int egrar conceit os de ecologia hum ana”.
“ novo paradigm a ecológico”, t om ando por axiom a a
dependência das sociedades hum anas relat ivam ent e
aos ecossist em as nat urais.

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A Ecologia Humana na actualidade sist em a - am bient e const it uído pelo universo biót ico,
abiót ico e social relat ivam ent e ao Hom em .
Na década de 70 a Ecologia Hum ana em erge Há, assim , dois sistem as em perm anente interac-
com o um a pont e ent re as Ciências da Nat ureza e ção. O sistema-homem recebe com o inform ações as
as Ciências Sociais, levando Odum ( 2001: 812) a alterações ocorridas no sistema-ambiente. Por sua vez,
reconhecer: “Agora [ ...] , quase t odas as disciplinas a descodifi cação das inform ações recebidas proces-
e profi ssões, t ant o no cam po das ciências com o no sa-se consoante o patrim ónio (genético, im unoquím ico,
das hum anidades, est ão ávidas por encont rar na int elect ual, cult ural e afect ivo) de cada um de nós. A
área da ecologia hum ana um cam po com um de elaboração da acção/ respost a t am bém depende de
encont ro”. factores que variam em cada sistem a-hom em . Assim ,
Tam bém Lessa ( 1984: 10- 11) se referiu à posi- a respost a do sist em a- hom em ao sist em a- am bient e
ção seguida nos anos 70 no cont ext o da afi rm ação pode t raduzir- se em alt erações no próprio sistema-
da Ecologia Hum ana: -homem, t ais com o reacções vasculares ( t erm or-
regulação) , im unit árias e com port am ent ais, ou no
“ Um a Assem bleia Geral das Nações Unidas sistema-ambiente, m orm ent e t raduzidas em int er-
( 1972) vinha de insist ir que a Terra era um a venções no m eio envolvent e, com o a const rução de
só, [ …] e que a coexist ência harm ónica do abrigos cont ra int em péries, clim at ização, diversas
Hom em com a Nat ureza era a quest ão funda- form as de agricult ura, urbanização, alt erações do
m ent al dest e fi m do século [ …] Mas sent ira- se regim e polít ico…
surpreendida por não haver em nenhum país Nest as condições, a Ecologia Hum ana deixa
um a escola superior que preparasse quadros de ser encarada com o ext ensão, prolongam ent o
adequados [ …] Falt ava um a pedagogia. Paris, ou capít ulo da Ecologia Geral ou de out ra ciência;
Geneve e Toulouse encarregaram - se ent ão de com o sínt ese de t odas as ciências, est udo de áreas
elaborar sobre um t ronco com um de conheci- m arginais das várias disciplinas ou som at ório de
m ent os, um program a pilot o pluridisciplinar. det erm inadas áreas de diferent es ciências ou com o
Cr iou- se um Cent r o Eur opeu de Ecologia um m ovim ent o de opinião. Tal com o explica Nazaret h
Hum ana. Out ras Universidades [ …] vieram ( 2004: 65) , na act ualidade é defi nida:
j unt ar- se. A Organização Mundial de Saúde
cham ou a si a condução fi nal de um cert ifi cado “ [ …] com o o estudo das relações, em tem po
int ernacional de Est udos e cinco anos depois e espaço, ent re a espécie hum ana e as out ras
[ …] fez reunir um a dúzia de peritos para instalar com ponent es e pr ocessos do ecossist em a
um Grupo Coordenador de Ecologia Hum ana. de que é part e int egrant e. O seu obj ect ivo é
Só que ao procurar enquadrá- lo [ …] houve conhecer a form a com o as populações hum a-
prim eiro que a reclassifi car, a redefi nir [ …] nas concebem , usam e afect am o am bient e,
Concordaríam os que o fi m da Ecologia Humana bem com o o t ipo de respost as exist ent es às
era “ o estudo do homem na sua Circunstância m udanças ocorridas no am bient e biológico,
“ , - ent endendo nós por “ Circunst ância” a adi- social e cult ural”.
ção da Nat ureza com a Sociedade; e que o seu
est udo requeria um dom ínio m uit o grande de Trata- se de um a ciência de base hum ana, aberta
Biologia, de Ant ropologia, de Sociologia e de à t ransversalidade e à com plexidade das problem át i-
Hist ória das Civilizações diferent es [ …] e com cas que est uda, int erdisciplinar, na confl uência ent re
essas chaves se abririam depois horizont es as Ciências da Nat ureza e as Ciências Sociais, ligando
t ão vast os [ …] “ . o part icularm ent e nat ural e o part icularm ent e social,
que rej eit a predições det erm inist as. Ela int roduz um a
Com o ent ender ent ão a Ecologia Hum ana na nova dim ensão na concept ualização da Ecologia, qual
act ualidade? é a hum anização dos com port am ent os do Hom em ,
Na act ualidade é ret om ada a perspect iva global enquant o result ant es da dinâm ica das int eracções
ensaiada no início do século XX e int roduzem - se ent re si, com os am bient es com que se relaciona e
aperfeiçoam ent os de ordem m et odológica ( Nazaret h, dest es relat ivam ent e ao ser hum ano ( Lam y, 2001;
1993, 1996; 2004) . O Hom em é defi nit ivam ent e Jaquard, 2004) .
encarado na sua t ot alidade com pósit a, ou sej a,
enquant o sist em a de órgãos e funções, dot ado de Singularidade da Ecologia Humana
inst int os e de int eligência, possuidor de um pat rim ó-
nio genét ico e cult ural, inserido num m eio form ado A Ecologia Hum ana t em pois obj ect o de est udo,
por elem entos bióticos, abióticos e sociais. Quer dizer, m et odologia e obj ect ivos prospect ivos.
a t ot alidade hum ana é sim ult aneam ent e t ot alidade O obj ect o de est udo é, com o se disse, const i-
biológica e t ot alidade cult ural, - t ot alidade com plexa, t uído pelas int eracções perm anent es e recíprocas
no dizer de Morin ( 1999) . Por out ro lado, t em os o Hom em -Am bient es ( nat ural e const ruído) .

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Ainda que a m et odologia e as t écnicas de nalidade do seu cam po de int eresse, corrent es de
observação e análise em Ecologia hum ana sej am pensam ent o, diversidade das abordagens, subli-
igualm ent e as em pregues por out ras disciplinas, a nhando que sendo um a disciplina que “ convoca os
sua singularidade e vocação int erdisciplinar/ t ransdis- seus conceit os direct ores das ciências da nat ureza,
ciplinar, em prest am - lhe a part icularidade da ênfase é aliás um a Ecologia que at ribui um a im port ância
na abordagem holíst ica, que part ilha com a Ecologia det erm inant e aos cont ext os cult urais e sociais e que
Geral, relat ivam ent e às problem át icas obj ect o de em razão disso cobre um dom ínio híbrido”.
est udo sob novos e diferent es paradigm as. Ora, a Já Cam pbell ( 1988) , discorrendo sobre o plano
abordagem holíst ica supõe a ut ilização da m et odo- prát ico das perspect ivas com que o est udo dos seres
logia sist ém ica, que na expressão de Rosnay ( 1995: hum anos é encarado em Ecologia Hum ana, apont a
12) é sim bolizada no “ m acroscópio” ( macro= grande para o efeit o duas corrent es: cult ural e social. A
e skopein= observar) , esse inst rum ent o im aginário corrent e cult ural est uda com o a cult ura de um grupo
que, cit a- se, “ fi lt ra os porm enores, am plia o que hum ano se adapt a aos recursos nat urais do am bient e
os liga, põe em evidência o que os aproxim a”, qual e à exist ência de out ros grupos hum anos. A corrent e
olhar concept ual que nos possibilit a perceber, reco- social, por seu t urno, invest iga os m ot ivos que con-
nhecer e descrever as form as globais. I sso porque, duzem à est rut ura social de um grupo hum ano a ser
com o result a do expost o, a Ecologia Hum ana lida o result ado do am bient e global do grupo.
com o “ infi nit am ent e” com plexo, no que t al signifi ca Num out ro plano, Olivier ( 1981: 12- 13) afi rm a
de variedade, com plem ent aridade, concorrência, que a Ecologia pode ser considerada sob os ângu-
incert eza, ant inom ia. los do curt o e do longo prazos. Assim , o ângulo
Por seu t urno, a sua “ prim eira m issão” - a do curt o prazo “ refere- se às nossas condições de
expressão é de Crognier ( 1994: 5) - é “ m elhor vida, saúde, equilíbrio, e result ados perniciosos da
conhecer os seres hum anos para m elhor os servir ”. poluição ( st ress) ”, est ando “ est reit am ent e associada
Dizendo de out ra form a, o seu obj ect ivo fundam ent al à dem ografi a, à sociologia, à higiene e à m edicina
é conciliar os com port am ent os da sociosfera com prevent iva, assim com o à defesa da nat ureza” Sobre
os da biosfera. Assim , t endo em cont a a dinâm ica a Ecologia de longo prazo e report ando ao ângulo
das int eracções, a Ecologia Hum ana “ est uda cada seguido no t rabalho cit ado, esclarece aquele aut or
vez m ais num a perspect iva global os diferent es que não se t rat a apenas das “ repercussões im ediat as
‘clim as’ que act uam no hom em - físico, quím ico, do m eio sobre nós próprios, m as da infl uência m ais
biológico, sociológico, económ ico, t écnico, cult ural, longínqua sobre os nossos descendent es”.
espirit ual...” ( Nazaret h, 1996: 149) . Quer se t rat e da Ecologia Cult ural ou da Ecologia
À luz dest e enquadram ent o t em os, pois, que Social, quer se fale da Ecologia de curt o ou de longo
durante dem asiado tem po o Hom em esteve arredado prazos, a Ecologia Hum ana preocupa- se cada vez
do obj ect o de est udo da Ecologia, a despeit o dos m ais com a observação e a análise da t eia de relações
efeit os acum ulados recíprocos das suas int erven- ext rem am ent e com plexas - a “ im percept ível rede de
ções nos am bient es que o rodeiam - físico, social, relações hiper- com plexas”, na expressão de Lefèvre-
cult ural. Prat icam ent e só a part ir dos anos 70 é que - Wit ier - que ligam o Hom em ao Hom em e o
os pont os de vist a dos cient ist as nat urais e sociais Hom em ao Am bient e plural ( físico, quím ico ou
com eçaram a fundir-se num consenso quanto ao papel biológico, social e cult ural) , apoiando- se no m ét odo
da Ecologia Hum ana no diálogo Hom em - Hom em e sist ém ico.
Hom em - Nat ureza. A propósit o, Di Cast ri ( Chabaud, Acerca da Ecologia part icular à nossa espécie,
1984: 173) , após interrogar- se sobre se a “ ecologia é o m esm o Lefèvre-Wit ier sust ent a que ela é ant es de
um a ciência da nat ureza ou um a ciência do hom em ”, t udo “ um a form a de pensam ent o onde se im põe em
logo responde: “ De um a e out ra, m as não de um a perm anência o relat ivism o, a com paração, a proba-
nat ureza que exclua o hom em , nem de um a hum a- bilidade, o t odo para com preender um obj ect o”, a
nidade desligada da natureza. Ciência, seguram ente, qual, partindo de diferentes abordagens disciplinares,
m as que só poderá afi rm ar- se na m edida em que inicia um passo m et odológico, t endo em cont a as
aqueles que a prat icam se sint am profundam ent e dinâm icas das int eracções biocult urais nos ecossis-
responsáveis quant o ao fut uro da hum anidade”. t em as. E logo a seguir precisa que essa int egração
Assim , depois de ter sido recusada com o ciência, “ perm it e um a at it ude cient ífi ca de abert ura a cam pos
a Ecologia Hum ana é agora considerada por alguns de conhecim ent o at ravés do est udo do equilíbrio
com o um pleonasm o, j á que, com o refere Lam y dinâm ico nos ecossist em as onde o hom em est á ele
( 1995: 292) , “ a ecologia não poderia ser senão próprio im plicado ou é neles im plicado”.
hum ana”, at é porque “ o hom em é part e int egrant e A abert ura que a Ecologia possibilit a leva Deléa-
do sist em a biosférico t ot al, sim ult aneam ent e seu ge ( 1993: 254) a afi rm ar que ela incit a- nos “ a sair de
habit ant e e m anipulador ”. Out ros, com o Crognier oposições estéreis entre reducionism o e holism o, aná-
( 1994) , interrogam - se sobre se haverá um a ou várias lise e sínt ese, confl it o e cooperação”. Já Acot ( 1988:
“ ecologias hum anas”, em razão da m ult idim ensio- 244- 245) sust ent a que para lá das “ sensibilida-

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des singulares, das escolas de pensam ent o e dos m ult iplicadas, infl uem nas condições ecológicas do
com prom et im ent os polít icos, a hist ória da ecologia Planet a? ( Carvalho, 2007) .
e a do ecologism o convidam - nos a refl ect ir sobre Em j eit o de rem at e e acom panhando Lam y
a hipót ese da exist ência de um vínculo ent re a ( 2001) , assim possa a Ecologia Hum ana cont ribuir,
em ergência de novas relações ent re os hom ens e da ciência à ét ica, para um a consciencialização
a nat ureza e de novas relações ent re os hom ens colect iva.
consigo próprios”.
Notas
Conclusão
1
1921 é t am bém apont ado na lit erat ura com o ano do
Durant e t em po o Hom em est eve arredado do aparecim ent o do t erm o Ecologia Hum ana, num t rabalho
de Park e Burguess sob o t ít ulo An introduction of the
obj ect o de est udo da Ecologia, apesar dos efeit os
science of sociology onde o t erm o é ut ilizado ( Hawley,
acum ulados das suas int ervenções nos am bient es 1975: 21 e segs.) .
de relação. 2
Nesse sent ido, Bews, cit ado por Hawley, em bora repor-
O reconhecim ent o e a afi rm ação da Ecologia
t ando à Ecologia geral, salient a: ”O meio, a função e o
Hum ana foram condicionados pelos paradigm as do indivíduo constituem juntos o que pode ser chamado a
det erm inism o am bient al e do possibilism o ant ro- tríade biológica fundamental. Essa tríade tem que ser
pocênct rico. Prat icam ent e só a part ir dos anos 70 estudada como um todo completo, e este estudo é o que
do séc. XX é que os pont os de vist a dos cient ist as se quer dizer essencialmente com a palavra ecologia‟
nat urais e sociais com eçaram a fundir - se num ( 1975: 23) .
consenso quant o ao papel da Ecologia Hum ana 3
Era t al a polém ica que St ouffer, escrevendo em 1940
no diálogo Homem-Homem e Homem-Natureza. sobre “ oport unidades de int ervenção”, responde a Alihan
A Ecologia deixou de im plicar apenas as Ciências dest e m odo: ”Livre-se dessa coisa não sociológica - ‘o
espaço’ e substitua-a por uma coisa sociológica, isto é
Nat urais, passando a int eressar as Ciências Sociais,
substitua-a por ‘oportunidades de intervenção’ “ ( Young,
daí em ergindo a Ecologia Hum ana. 1983: 94- 95) . Daí à prevalência de que o “ que não é
Trat a- se de um a Ecologia aplicada a um a espé- sociológico, ent ão est á errado” era um passo.
cie específi ca - o Hom em , m as encarado com o um
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Sociológico
FORUM

N.º 17 (II Série, 2007)


pp. 127-135

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