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(primeiras anotações)
Regina Bruno2
Nota introdutória
No curso das transformações da agricultura e da sociedade brasileira vimos emergir ao
longo das últimas décadas novos modos de conflituosidade entre classes e grupos
sociais dominantes e subalternos no campo. Novos confrontos entre grandes
proprietários de terra e empresários do agronegócio, e trabalhadores rurais sem terra,
agricultores familiares e seus mediadores. É sobre os transgênicos concebido como
espaço de conflito, de disputas e de embates entre os empresários do agronegócio e os
trabalhadores rurais sem terra de que trata este trabalho.
Procuro mostrar que o debate em torno da transgenia muito contribuiu para redesenhar
os temos das divergências entre os grupos e classes sociais no campo e para instituir
uma nova configuração entre adversários e aliados.
Devido, talvez, a todo um processo histórico de concentração fundiária e de
improdutividade, exclusão e violência, até recentemente o adversário do trabalhadores
rural era quase que exclusivamente o grande proprietário de terras, o latifundiário
tradicional ou moderno. De um modo geral, no processo de construção do adversário
dos trabalhadores rurais, os empresários do agronegócio não eram vistos como inimigo.
Exceto, talvez, para aqueles trabalhadores rurais e lideranças de base inseridas em um
processo de trabalho e de produção das cadeias agroindustriais. Hoje, e cada vez mais, o
agronegócio desponta como oponente dos trabalhadores rurais, dos Sem Terra e dos
agricultores familiares. O discurso recente das lideranças do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST e a fala dos representantes da Fetraf-Sul bem o
atestam.
Procuro também destacar que diante da polêmica em torno transgênicos novas questões
afloram e velhos temas assumem outras significações. Destacam-se o debate sobre o
papel da ciência e a natureza do progresso técnico nesse processo; a importância da
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O presente artigo teve como principal referências empíricas as informações da pesquisa intitulada
“Agronegócio, o despontar de um novo Príncipe?” por mim realizada, com o apoio e financiamento da
CLACSO. Dotação Movisen-Asdi 2002 e entrevistas realizadas com lideranças do agronegócio durante
a atividade de pesquisa sobre Reforma do Estado (CPDA).
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Socióloga. Professora do CPDA/UFRRJ.
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contra as normas trabalhistas adotadas pelos donos dos estabelecimentos”3, até a pressão
de representantes do agronegócio por um maior espaço e reconhecimento nas
negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Espero, com este trabalho, contribuir para um maior compreensão sobre a
natureza multifacetada das relações de poder e de dominação existentes no campo,
alimentadora de uma profunda desigualdade da sociedade brasileira.
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Folha Online 14/04/2004 - 22h00. Agricultores interditam entrada de supermercados no PI (José
Eduardo Rondon).
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não pode se dar ao luxo de concorrer com outros países altamente credenciados, se não
priorizar o fortalecimento daquilo que já é forte - a sua agricultura, utilizando-se de suas
vantagens comparativas e do handcap de recursos existentes”. Diferentemente de
momentos anteriores, não mais se lamentava sobre ineficácia econômica da agricultura, ao
contrário, a ‘empresarialização’ da atividade agrícola despontava como motivo de orgulho
e vaidade e todos exaltam os altos índices de crescimento do setor, apesar de a
responsabilidade sobre os possíveis ‘gargalos’ existentes ainda recair nos desacertos da
política governamental.
Também em nome de um novo padrão produtivo e da necessidade de potencializá-lo,
argumenta-se que o governo deveria, antes, concentrar-se na obtenção de recursos para a
ampliação da “logística” – considerada condição essencial da expansão do setor. Haveria
uma fronteira agrícola a ser expandida, que depende da ampliação de uma rede estratégica
de estradas e obras de infra-estrutura, mas que permanece a mesma devido à incapacidade
do governo de alocar os recursos necessários.
A nova linguagem de classe, – como veremos mais adiante, nova sobretudo porque
recoloca o tema da produtividade e da rentabilidade sob outros termos e significados –
centra todo o seu poder de fogo na denúncia de que a reforma agrária, preconizada pelo
governo, coloca em risco o patamar produtivo então alcançado pela “classe
empresarial”, sendo, portanto, irrealizável.
Como garantia da rentabilidade, a desqualificação dos trabalhadores rurais. Não é mais
a imagem do preguiçoso ou do “jeca-tatu” que está em questão, e, sim, a do incapaz de
apreender e usar os novos recursos tecnológicos, produto da modernização da
agricultura, que o momento da acumulação exige de todos.
Destacam-se também, a defesa do mercado como uma das condições para a construção
de uma nova institucionalidade e da redefinição de posições hegemônicas intra-elites; a
necessidade de uma visão “sistêmica” do desenvolvimento, o imperativo da qualificação
empresarial, Para os representantes dos agronegócio o liberalismo é uma demanda
histórica da classe empresarial brasileira”, contudo, segundo eles, os anos de
autoritarismo teriam sufocado qualquer possibilidade de “florescimento” da prática
liberal. Entretanto, ainda prevalece como elemento norteador da prática patronal a visão
de um Estado tutelar, protetor e provedor, assim como a cultura do favor, as relações
oficiosas e a revalorização de velhos recursos de patronagem. Aos olhos dos
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Sobre a ABAG ver (MORUZZI,1996, BRUNO, 1997 e SEVERINO,2003).
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Por agribusiness “todos os agentes que direta ou indiretamente encontram-se envolvidos com a
atividade agrícola e agroindustrial. Fazem parte do agronegócio as indústrias a montante e a juzante, os
produtores rurais, os armazenadores, transportadores, distribuidores agentes que coordenam ou afetam o
fluxo dos produtos (entre os quais o governo), bolsas de mercadorias e de futuro, bolsas de cereais, os
institutos de pesquisa e de geração de tecnologia, etc.
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Sobre crise de representatividade política e disputa pela liderança ver a recente análise de
MENDONÇA,2004. Ver também (BRUNO, 1988 e 2002), o importante estudo de (GOMES,1986), um
dos precursores da reflexão sobre a questão da representação patronal no campo e o trabalho de
(ZYBERSZTAJN,1998).
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Abag “Finalmente o agribusiness brasileiro tem sua representação” Abag. (Encarte distribuído no
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Rodrigues, Roberto. Competitividade Abalada. www.abag.
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Ele prega a produção de alimentos, fibras e biomassa a custos cada vez menores, com
produtos mais ricos e nutritivos, como uma necessidade absolutamente imperiosa, mas
pouco adianta sobre o assunto. Em contrapartida é quem mais imputa ao mercado o
poder de decisão e de definição na produção e consumo de plantas transgênicas: “o
mercado precisa sinalizar com clareza o que deseja, diz, “há uma corrente de
consumidores, especialmente da Europa, que ainda insiste em não aceitar produtos
transgênicos. No entanto, não há sinais claros de que esses consumidores constituam um
mercado capaz de pagar um diferencial de preço pelo não transgênico que compense seu
maior custo de produção. Se isso não ocorrer, o mercado mesmo definirá a ampliação
das culturas de transgênicas no Brasil, ainda que a lei não o permita.
Entretanto, considera péssimo “porque a ilegalidade não interessa a ninguém”, mas não
se pode revogar a lei da oferta e da procura, argumenta. E declara fundamental uma
clara definição do mercado quanto a seus interesses por um ou outro tipo de produto,
diferenciando os preços, pois, sob tal definição “os agricultores brasileiros poderão
decidir o que plantarão” diz.
Sobre os agricultores familiares, declara não conseguir entender o argumento de que a
biotecnologia comprometa a agricultura familiar ou os pequenos agricultores (pois), na
verdade, esses produtores já estão fortemente afetados pela falta de escala que inibe sua
rentabilidade, e, mais que isso, pela falta de uma política de renda mínima.
Um segundo argumento patronal a favor dos transgênicos assenta-se na lógica da
inevitabilidade e irreversibilidade das mudanças em curso. Para os representantes do
agronegócio, a tendência do mundo hoje seria a de aderir aos transgênicos e não há
como o Brasil não seguir este caminho. Sob essa perspectiva, haveria “uma
impossibilidade de inversão do quadro pois os alimentos transgênicos já estariam, há
pelo menos sete anos, presentes nas mesas brasileiras”. É o que afirma recorrentemente
Carlos Sporeto vice-presidente da CNA9.
A lógica da inevitabilidade procura a todo custo impor a impossibilidade de construção
de outras alternativas. A transgenia é uma fatalidade, dizem. Fatalidade que se apresenta
como auto-justificadora para escolhas que são essencialmente opções políticas. Fabio
Comparato já havia comentado a respeito da força da retórica da fatalidade presente nos
argumentos as elites empresariais brasileiras em defesa do liberalismo. Diz ele, “é como
se fosse uma força da natureza a qual nós somos impotentes. Eles dizem que não se trata
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Folha Online, 11.03.03 Encontro esquenta debate sobre produtos transgênicos (Cíntia Cardoso)
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Dentro dessa perspectiva o Programa PENSA (USP) apresenta-se como um dos mais expressivos
intelectuais orgânicos do agronegócio no Brasil.
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(sobretudo junto às populações mais pobres) mas que está sendo secundarizado pela
politização, o desconhecimento e polarização entre interesses multinacionais versus
interesses da nação, impedindo, assim, a percepção das alternativas tecnológicas e do
agronegócio, argumentam.
Ao mesmo tempo estaríamos lidando com novos dinamismos típicos de uma economia
globalizada e cada vez mais competitiva que está a exigir uma profunda e radical
mudança da base tecnológica, infinitamente superior ao padrão anterior, argumentam.
Os transgênicos fazem parte dessa estratégia, anunciam em uníssonos seus porta-vozes.
Uma retórica que amiúde também expressa o orgulho (e a arrogância) de quem, enfim,
após ‘tantos percalços e preconceitos’, está se constituindo como uma categoria social
portadora de um novo e moderno ethos empresarial, espelho e imagem de um mundo
cada vez mais globalizado e competitivo.
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Zylbersztajn, Décio e Machado Filho, Cláudio Antonio Pinheiro “Realidade e sonho no agronegócio
mundial” Revista Valor, julho, 2002.
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Também faz parte do embate, as enquetes e as pesquisas realizadas seja junto aos
produtores, seja junto à população que despontam como legitimadoras de posições. Por
exemplo, para Carlos Sporeto vice-presidente da CNA, a entidade realizou uma
“enquete e 70% dos produtores são favoráveis à transgenia”.
O lobby das entidades patronais privadas, encontram o seu complemento no apoio
institucional de representantes do atual governo. De há muito um ministro de Estado
não se declarava tão abertamente favorável aos propósitos e interesses de sua classe
como o fez recentemente Roberto Rodrigues, Ministro da Agricultura. Preocupado com
possíveis problemas para a safra de soja, convocou publicamente, durante cerimônia de
encerramento do 3º Congresso Brasileiro de Agribusiness, em São Paulo, os
empresários do setor de agronegócios a formarem um lobby para acelerar a votação do
projeto de lei de biossegurança 12.
O mundo moderno funciona em cima do que a opinião pública e o lobby é essencial
para as coisas funcionarem. É preciso fazer lobby sobre o Parlamento, (pois) sem a
aprovação dessa lei, o plantio de soja transgênica no país será considerado ilegal. Se não
houver lei, vai haver um vazio legal impedindo o plantio de soja, declarou Rodrigues
durante a solenidade. Ao que, Carlo Lovatelli, atual presidente da ABAG, informou que
o setor já estaria se mobilizando para aprovar um substitutivo ao projeto de
biossegurança em tramitação: “Já estamos fazendo lobby há bastante tempo!” E
arrematou: “São Pedro é o único que não empurra o prato com a barriga, não espera. A
partir de setembro, tem de colocar a semente na terra. Se não houver aparato legal e
alguma ferramenta jurídica, nós não vamos poder plantar soja transgênica a partir de
setembro”13, disse.
E recentemente, João Paulo Rodrigues da coordenação nacional do MST, aproveitou
reunião lançamento oficial do Plano Safra de 2004 para demandar mais recursos, cobrar
uma maior agilidade na reforma agrária e declarar-se preocupado com uma possível
liberação do plantio e da comercialização de transgênicos no governo Lula14.
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Folha Online, 25.06.04 “ Rodrigues pede lobby para garantir próxima safra de soja transgênica”
(Fabiana Futema)
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Folha Online, 25.06.04 “Rodrigues pede lobby para garantir próxima safra de soja transgênica”
(Fabiana Futema)
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Folha Online 29.06.2004. “Cobrado, Lula diz que MST deve reivindicar” (Eduardo Scolese).
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A questão dos transgênicos desponta, para o MST, em meio à reflexão sobre a questão
ambiental e a crítica à matriz tecnológica produtivista e economicista – responsável pela
exclusão social. Uma das preocupações é a necessidade de implementação, junto aos
assentamentos rurais, de uma nova matriz tecnológica e produtiva e a “preservação
socio-ambiental” da sociedade brasileira. Pelo resgate da produção orgânica em
oposição à produção convencional e pela instituição de novas e mais adequadas linhas
tecnológicas, reivindicam.
Segundo as suas lideranças, a luta do Movimento é fundamentalmente uma luta pela
preservação da natureza e da vida – “uma vida com dignidade”, afirmam. E a crítica aos
transgênicos é parte de uma luta política maior: “pela terra e a reforma agrária”; pela
garantia de acesso a “habitação, infraestrutura, créditos, assistência técnica, condições
de comercialização da produção, educação, saúde”; por “um novo modelo de
desenvolvimento” e também pela “transformação da sociedade”16.
A questão dos transgênicos também expressaria uma forma de dominação e de poder,
em especial das indústrias transnacionais e das grandes corporações. Significaria uma
visão estreita que aprofunda as desigualdades sociais.
Em resposta à defesa dos transgênicos como “solução para o problema da fome”,
apregoada pelas entidades empresariais, o argumento de que a fome, não é uma questão
de falta de alimentos e sim um problema relacionado á pobreza e ao não acesso à
recursos produtivos. Em resposta ao argumento sobre o aumento da produtividade,
vemos a idéia denúncia de que os transgênicos aumentam, sim, o faturamento das
multinacionais e impõe risco de contaminação geral a todos os cultivos e destruição da
biodiversidade, expressa uma desigualdade social. Contra o monopólio do comercio de
sementes por empresas transnacionais, a defesa das sementes como patrimônio dos
povos a serviço da comunidade: pela reprodução e acesso democrático ao uso das
sementes, reivindicam.
“Por um Brasil sem transgênicos”, significa, basicamente a demanda em favor da
soberania alimentar, valorização do ser humano, preservação e proteção da Natureza
como princípio e um projeto mais amplo de desenvolvimento”.
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www.mst.; www.viacampesina;
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Adversários e aliados
Conformando o campo de conflito polarizado em torno dos transgênicos, várias
entidades da sociedade civil, instituições públicas e experts se alinham aos trabalhadores
e empresários, muitos vezes, orientando o debate e potencializador das pressões e das
disputas. Orientando o debate, relatórios são elaborados, referendos são escritos e
comunidades científicas internacionais são interpeladas. Dentre os adversários e aliados
destacam-se, no patronal o Projeto PENSA de Agronegócio da Universidade de São
Paulo (USP) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA. Do lado
dos trabalhadores rurais, Sem Terra e agricultores familiares, a Via Campesina e a
Conferencia Nacional dos Bispo do Brasil CNBB.
Investido do poder que lhe outorga uma instituição pública especializada na geração de
tecnologia, para o diretor executivo da Embrapa o emprego da biotecnologia para novos
produtos e processos “é de fundamental importância estratégica” e a competitividade do
agronegócio brasileiro estará diretamente vinculada à sua capacidade de incorporar
tecnologias avançadas ao processo de produção, como por exemplo as plantas
trangênicas, diz.
Segundo ele, a transgenia poderá ajudar na redução das perdas de alimentos devido aos
ataques de insetos e fungos; na economia dos custos dos pesticidas, na conservação do
meio ambiente e poderá gerar grandes impactos para tornar a vida no planeta mais
agradável, em particular, argumenta, em um cenário reconhecidamente de escassez de
alimentos devido o aumento da população e da demanda mundial, aumento da renda dos
país asiáticos e possibilidade de retirada dos subsídios dos países desenvolvidos.
(PERES,2001:1)
Encerrando a sua análise ele classifica a revolução biotecnológica em quatro grandes
etapas inexoráveis. Uma primeira, de 1995, caracterizada pela introdução de plantas
tolerantes a herbicidas e ataques de insetos. A segunda onda, a etapa que vivemos, cujo
traço é a produção de cultivares de soja com menos gordura saturada e maiores teores
de proteína. As terceira e quarta etapa, contemplará sobretudo os produtos
farmacêuticos e as plantas-vacinas.
Peres ainda reivindica, na condição de porta-voz da Embrapa, a necessidade de
segurança alimentar e ambiental, a lei de biossegurança e a rotulagem, ou seja, o direito
ao consumidor de acesso à informação sobre a origem dos produtos.
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Tona, Nilciney. “ O MST e a questão ambiental” www.mst
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Considerações finais
Vivemos uma conjuntura nacional favorável aos transgênicos, sobretudo porque, no
Brasil, a transgenia encontra-se indissociávelmente ligada à idéia de uma
‘empresarialização’ da atividade agrícola e à valorização do poder econômico e
tecnológico do agronegócio – motivo de orgulho, vaidade e de exaltação, devido aos
altos índices de crescimento do setor, à sua garantia de geração de divisas para o
pagamento da dívida.
Os porta-vozes do agronegócio se autopercebem e são reconhecidos socialmente como
modernos e competitivos. A sua identidade social é construída a partir da combinação
de competitividade, autoridade, riqueza e influência: somos “os empresários
agroindustriais dotados do saber e do capital”, afirmam. Eles fundam o seu poder no
fato de se apresentarem como os principais responsáveis por colocar o país em posição
de destaque, dizem, e pelo superávit das exportações nos últimos anos.
E o atual governo reverencia a produtividade do setor e a sua capacidade de criar
divisas, enquanto omite-se com relação ao imenso custo social que tal padrão de
produção, produtividade e rentabilidade acarreta. Diz Delgado: “Em nome deste mítico
(o agronegócio), a propaganda oficial dedica maciças mensagens de associação do
agronegócio com a alta tecnologia, o desenvolvimento, e, porque não dizer, na
linguagem popular, a salvação da lavoura(...) No governo atual, em nome do
agronegócio e por muitas vias, continua-se a gerar providências e surpresas. Adota-se a
excepcionalidade à produção de transgênicos; bloqueou-se a legislação da biosegurança;
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paralisou-se a reforma agrária; e adiou-se a solução para a terra indígena diz Delgado
(2004:1)
O agronegócio, se de um lado, viabilizou uma acumulação sem precedentes e contribuiu
para a formação de uma nova retórica de classe, de outro, é herdeiro e tributário de todo
um processo histórico ligado à violência, ao mando, à baixa contratualidade das relações
de trabalho e à especificidade da aliança entre capital e propriedade da terra –
sustentáculo de nossa estrutura social e política e elemento central da polarização e dos
conflitos daí decorrentes (Martins, 1994 ).
Seus impasses e perfil retratam bloqueios históricos e impasses estruturais que se
atualizam juntamente com as transformações da sociedade. Só assim poderemos
entender, por exemplo, a fala de Roberto Rodrigues, ministro da agricultura do governo
Lula e reconhecidamente o principal porta-voz do agronegócio no Brasil que, diante da
revitalização das ocupações de terra e do alto de sua tribuna ministerial declarou: quem
tem e não defende o que é seu não merece ter, numa clara alusão ao reconhecimento da
violência patronal como prática de classe?
Guilherme Delgado mais uma vez tem razão ao afirmar que o modelo do agronegócio “
reforça a estrutura de dominação das elites (e) mistura a modernidade técnica com o
atraso das relações sociais” (in Salfatle e Pardini:2004,42). E arremata:
“Macroeconomia à parte, o velho tripé – pata de boi, esteira do trator, rifle do jagunço –
que pavimentaram a modernização conservadora do período militar poderá ser
relançado nu e cru se, à sociedade se impuserem todos os ônus e à elite todos os bônus
deste estranho negócio do agro”.(DELGADO, 2004:1)
Segundo ele, “a realidade do agronegócio brasileiro é, na verdade, uma grande
contradição, porque realiza a associação do grande capital agroindustrial e financeiro
com a grande propriedade fundiária, perseguindo um projeto de expansão agrícola e
territorial (lucro + renda da terra) de caráter fortemente excludente: dos índios, da
reforma agrária, do emprego da força de trabalho não qualificada, do meio ambiente
protegido, da função social da modernidade técnica a propriedade fundiária, etc.”
(DELGADO,2004:2).
Martins, ao discorrer sobre o ‘poder do atraso’, já havia afirmado a mesmo suposto,
segundo ele, diferentemente do modelo clássico, não houve, no Brasil, uma contradição
entre capital e renda fundiária, ao contrário, uma das peculiaridades da sociedade
brasileira é a aliança entre a renda da terra e o capital. Nosso processo histórico ‘casou
em uma figura única’ o grande proprietário de terras e o empresário, a renda e o lucro.
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Bibliografia de referência
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