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Documento Sem Nome
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Estudo produzido pelo prof. Tércio Machado Siqueira, professor de Antigo Testamento da
FaTeo
O nome que a Bíblia Hebraica usa para denominar "páscoa" é pesah. Com a palavra pesah
o texto bíblico quer significar duas coisas:
O substantivo pesah/páscoa vem da raiz verbal psh que aparece três vezes nos relatos
pascais (Ex 12.13,23,27; ler também Is 31.5; 1 Rs 18.21,26). Assim, o verbo pasah passar
por cima, saltar por cima é o significado que prevalece nos usos deste termo pelos
escritores e escritoras da Bíblia. O Prof. Luiz Roberto Alves assim definiu o termo pesah/
páscoa:
"O verbo que dá base ao substantivo pesah tem o sentido de salto, movimento,
caminhada, travessia. Todas as palavras têm história e essa história corresponde às ações
dos homens e mulheres. Os hebreus juntaram à idéia do pesah vários
acontecimentos ligados à idéia de travessia" (Expositor Cristão, 2a. Quinzena, 1984,p. 12).
A origem da Páscoa
Falar de origem da Páscoa é entrar no campo das suposições, pois não há dados
suficientes que ajudam a esclarecer sobre essa celebração no período pré-mosaico.
Todavia, os textos do Antigo Testamento fornecem indicações que a Páscoa, em suas
origens, foi um ritual ou cerimônia que incluía as seguintes características:
a) O ritual era realizado no seio da família ou clã; não tinha altares, santuários e sacerdotes
ou qualquer influência do culto oficial;
c) O ato central desse ritual era o sacrifício de um jovem animal do rebanho de cabras
ovelhas;
d) A cerimônia ocorria no fim da primavera e início do verão (mês de abril), numa noite de
lua cheia;
f) Parece que o objetivo dessa cerimônia era pedir proteção divina, para a família e o seu
rebanho de animais menores contra o exterminador (no hebraico, maxehit - Ex 12.13, 23)
ou saqueador, bando de destruição (1 Sm 13.17; 14.15; Pr 18.9). O exterminador maxehit
pode ser qualquer tipo de agressor, desgraça, enfermidade, peste ou acidente que poderia
ocorrer com qualquer membro da família ou os seus animais.
g) Provavelmente, esse ritual foi celebrado por Abraão, Isaac e Jacó, pois eles eram
pastores. A cada ano, na primavera, quando o vento quente do deserto, anunciando o
verão, atingia e queimava as parcas pastagens das ovelhas, os pastores, suas famílias,
bem como os seus rebanhos eram obrigados a buscar outros lugares para dar de comer as
suas ovelhas.
b) Ao se fixar nas terras agrícolas, os israelitas aproximaram-se dos cananeus. Foi aí que o
povo do êxodo conheceu algumas festas relacionadas ao mundo agrícola. Entre essas
instituições estão as festas agrícolas, como Ázimos, Semanas e Colheitas.
c)Foi nesse período de difícil adaptação que se dá a integração da Festa dos Pães Ázimos
e a Páscoa. As duas celebrações ocorriam no mesmo período.
A cerimônia continuou a ser celebrada em família, mas a Páscoa deixou de ser um ritual
ligado à troca de favores divinos, para tornar-se uma memória da ação de Deus, salvando o
povo hebreu da escravidão.
Tirai,
Tomai um animal do rebanho segundo as vossas famílias e
Imolai a Páscoa.
Tomai alguns ramos de hissopo,
Molhai-o no sangue que estiver na bacia, e
Marcai a travessa da porta e
os seus marcos com o sangue que estiver na bacia;
Nenhum de vós saia da porta de casa até pela manhã
Comentando:
Segundo, Moisés instrui, com detalhes, os anciãos para preparar os elementos que
comporiam o ritual (v.21b-22).
Terceiro, Moisés fornece as razões para aquele ritual, bem como o uso do sangue de uma
ovelha e o hissopo (planta aromática - Nm 19.6; Sl 51.9): o motivo da festa é afugentar o
medo do vento exterminador que ameaça as casas do povo hebreu (v. 23).
Quarto, a ordem para celebrar a Páscoa tem uma dimensão profética. A Páscoa vai além da
contagem do tempo humano, cronológico. A celebração não encerra um simples
agradecimento, pela libertação da escravidão e a concessão da terra para morar, criar a
família e plantar para obter o alimento. A celebração possui a dimensão profética da
contínua presença salvadora de Deus junto ao seu povo. Jesus captou essa amplitude da
celebração quando disse: "Fazei isso em memória de mim... até que Ele venha" (1 Co
11.24b e 26b).
Sexto: os versos 27b-28 assinalam o cumprimento da ordem divina para celebrar a Páscoa.
Observações
(1) A prescrição sobre a celebração da Páscoa (Ex 12.21-28) é legitimada pelo editor do
livro de Êxodo. Assim, o cabeçalho deste capítulo (Ex 12.1) afirma que a prescrição da
Páscoa (12.21-28) é autorizada por Javé. Eis a sua lógica:
(2) A celebração continuava a ser celebrada em família. A Bíblia ensina que a família
constitui o fundamento para o projeto de sociedade que Deus propõe para a humanidade.
(3) Foram mantidos vários elementos na celebração: ovelhas e ramos de hissopo (erva
aromática). Evidentemente que houve algumas modificações, em razão da nova situação de
vida do povo, agora, vivendo em Canaã.
(4) Todavia, a antiga Páscoa foi "relida" e "re-significada". O antigo culto dos pastores semi-
nômades possuía a função de controlar as forças da natureza. Por exemplo, os povos
anteriores aos hebreus acreditavam que oferecendo em sacrifício o filho primogênito,
poderia controlar a bênção e a ira divina. Como na cerimônia da primitiva páscoa, os
pastores acreditavam que poderiam amenizar a ira divina do "vento destruidor".
(5) Na verdade, o povo bíblico tomou antigos costumes dos povos vizinhos e os converteu
em instrumentos de preservação e ensino da fé. No caso da Páscoa, o povo bíblico tomou
uma cerimônia pagã, que girava em torno de uma magia, e a transformou em um sinal da
presença salvadora de Javé. Em outras palavras, a nova celebração da Páscoa mostra que
a fé não é um dado doutrinário ou mágico, mas um gesto história de Javé.
Foi nesse momento que o povo bíblico tomou consciência que a sua fé em Javé não era
uma formalidade a mais entre os povos do Antigo Oriente. Javé não é definido pelo seu ser,
mas pela sua atuação na história: Ele ouviu o grito angustiado dos/as escravos/as do Egito
e providenciou os meios para a libertação deles (Ex 3-4);
A história da salvação do Egito não é ensinada, nas casas e nos cultos, como uma
doutrina, mas como um fato histórico, isto é, um milagre de Deus ocorrido na história de
seus pais;
A fé em Javé, através da celebração da Páscoa, tornou-se uma força transformadora;
do medo à coragem;
da magia a atos concretos da atuação de Javé;
da escravidão à liberdade.
O rei Josias (642-609 antes de Cristo) empreendeu uma ampla reforma no Reino de Judá
(O Reino de Israel já tinha sido destruído em 722 a.C.).
Durante o exílio na Babilônia, o povo exilado desenvolveu a esperança de que Javé poderia
libertar, de novo, Israel. Este tema é muito abordado pelo profeta anônimo do exílio, cujas
palavras foram editadas no livro de Isaías, capítulos 40 a 55.
Começou aparecer uma distinção entre Páscoa e Ázimos, como celebrações distintas:
Festa dos Ázimos: nos dias 1 a 7 do primeiro mês do ano;
Resumindo
A Páscoa pré-mosaica é marcada pelo medo do exterminador maxehit. O ritual tinha algo
de "magia" para afugentar os males. É bom lembrar que, nessa época, o povo sacrificava
os primogênitos recém-nascidos para ganhar favores divinos (conforme Gn 22);
O povo bíblico tomou todos os costumes e práticas pagãs e os passou pelo crivo da fé
javista. Tanto no sacrifício dos primogênitos (Gn 22), como no ritual da Páscoa, o povo
bíblico converteu tais cerimônias às práticas e confissões de fé javistas. Em ambas
situações, o medo prendia as pessoas e forçava-as a praticarem cerimônias inúteis e
criminosas. Foi Javé quem abriu os olhos do povo bíblico. Este se tornou um missionário
entre as nações para anunciar as boas novas: "Não temais! Eis que vos trago uma boa
nova que será para todo o povo" (Lc 2.10). A Páscoa anuncia o fim do medo e,
conseqüentemente, a confirmação da confiança em Deus.
A celebração da Páscoa não é uma cerimônia de nostalgia do passado; não é uma festa da
saudade onde heróis e heroínas são lembrados/as por seus atos de valentia; também não é
um ritual que procura romantizar o passado, lembrando e homenageando certas figuras da
história.
Na Bíblia, dois verbos sobressaem-se: "lembrar" e "esquecer". Quando a Bíblia apela para
que o povo lembre dos grandes atos de Javé (conforme Ex 13.3), ela está procurando
construir o futuro da nação. A memória dos grandes atos salvíficos de Deus mobiliza a fé da
sociedade e fortalece o povo para esperar as boas novas do Reino de Deus. Esquecer o
que Deus fez e faz significa a tragédia da humanidade.
Celebrar a Páscoa é resgatar os atos salvíficos de Deus no passado, acreditando que Ele
possa fazer o mesmo, entre nós, no dia de hoje. A memória do passado salvífico - seja da
libertação no Egito, seja da vida e obra de Jesus Cristo - restaura as forças dos/as crentes
celebrantes para o testemunho.
Na verdade, a memória carrega o sentido de redenção, seja dos atos salvíficos de Deus,
através da história, bem como a redenção das causas justas do passado. Assim, a memória
resgata tanto a vida e obra de Jesus como a luta dos pobres pela dignidade de viver. Pela
memória, redimimos o desejo e a luta deles. Assim, se esquecermos os desafios do povo
de Deus no Antigo Testamento, os ensinos de Jesus Cristo ou os anseios justos do povo
fiel, pomos a perder o sentido desses projetos. A intenção da celebração da Páscoa afirmar
que cada geração de celebrante tem o dever de pôr em prática os verdadeiros e justos
projetos das gerações do passado.