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I Seminário Nacional

Poderes e Sociabilidades
na História.
UFPE – Recife, 03 a 07 de novembro de 2008

A PROCURA DO MILAGRE: A ROMARIA AO SANTUÁRIO DE SÃO SEVERINO


DOS RAMOS NA CIDADE DE PAUDALHO – PE
Aline Cristina Pereira de Araújo Ramos *

Resumo:
Este artigo se propõe a fazer uma análise a respeito da romaria a São Severino dos Ramos, a
partir da História Cultural, sendo de fundamental importância para este estudo uma leitura das
visões dos autores Carlos Steil e Berger. A romaria feita ao Santuário tem como principal
finalidade, inicialmente, o agradecimento pela graça alcançada por parte dos fiéis ou apenas a
confirmação da devoção dos mesmos ao santo. A romaria ao local sagrado constitui uma
tradição, alimentada desde a tenra infância do devoto. Observaremos o Santuário através da
devoção do romeiro, do turismo religioso e a crença do poder da imagem. A experiência da
romaria está centrada na participação e no compromisso religioso e é uma característica cultural
de um povo, o qual mantém uma “velha” tradição de procura do sagrado. Quando o homem elege
uma imagem como santa, lhe dá um valor de cura e realização de milagres.

Palavras Chaves:
Romaria, Turismo Religioso, Santuário, São Severino do Ramos

Abstract:

This article intends to analyze the religious travels to São Severino dos Ramos, from a Cultural
History point of view, being important to this study the reading of the authors Carlos Steil e
Berger. The religious trip to the sanctuary has, as its principal function, the showing of the
gratitude of the believers, or only the confirmation of the devotion to that saint. The religious trip
to that sacred place is a tradition that exists since the early childhood of the believer. We will
look to this sanctuary through the believer’s devotion, the religious tourism and through the belief

*
Graduanda do 4º período de História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: acparamos@hotmail .com
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in the power of the image. The experience of the religious trip is centered in the participation and
in the religious commitment and is a cultural feature of one nation, that tries to keep an “old”
tradition of the search for the sacred. When the man elects an image as a saint, he gives it a value
of healing and miraculous acts.

Key-words:
Religious Journey, Religious Turism, Sanctuary, São Severino do Ramos

INTRODUÇÃO

O homem se vê limitado diante do mundo, procurando colocar valor no sobrenatural.


Acredita-se que este, por sua vez, tornará sua vida mais fácil. Quando o homem elege uma
imagem como santa, é dado um valor de cura, de realização de milagres. Porém, existe uma troca
entre o devoto e o santo. O devoto, quando recebe sua graça, cria uma conexão com seu protetor
e quanto mais receber, mas acreditará na imagem. Com isso, ele passará para as outras pessoas
que aquela imagem tem poderes e, conseqüentemente, o santo ganhará mais devotos.
A romaria é a ida do devoto ao local onde se encontra o seu padroeiro. Esta é uma tradição
passada de geração em geração. No entanto, a peregrinação ao local santo também é uma forma
de lazer e diversão.
O santuário de São Severino dos Ramos encontra-se no engenho dos Ramos, localizado na
Cidade de Paudalho, zona da mata norte de Pernambuco. Ele é um grande centro de romaria.
Dentro de seu território é possível encontrar elementos da cultura popular misturando-se com
elementos de cunho religioso.
O santuário encontra-se em um momento muito significativo. Existe um interesse das
autoridades em se criar, dentro de seu espaço, atrativos para o segmento do “turismo religioso” e,
dessa forma, trazer mais capital para a cidade. Esse interesse se dá porque muitos dos peregrinos
que visitam o santuário o fazem apenas como forma de lazer.

O sentido da fé: A romaria e devoção na atualidade.


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A fé é a busca do homem para dar sentido a sua existência pressupondo-se que se originou
de um ser divino. Coexistindo uma ligação com o sobrenatural, o homem procura colocar valores
de poder a imagens e objetos. Esse, por sua vez, o ajudará na realização de seus desejos e
expectativas.
De acordo com Azzi, a romaria: é a visitação que o povo faz ao Santuário ou centro de
devoção, seja como expressão de veneração ao santo, seja como cumprimento de promessas pelas
já recebidas (AZZI, 1977 APUD MARINHO, 2008. 33-34). A ida ao Santuário trata-se de uma
busca do sagrado. A jornada geralmente é vivida como um ritual de purificação e aproximação
(STEIL, 1996:104)
Através das romarias é possível compreender transformações que estão ocorrendo no
contexto social e religioso na atualidade. Estas oferecem um vasto conjunto de signos, símbolos e
ritos que os romeiros utilizam para lidar com as novas situações colocadas pela modernização.
(STEIL, 1996:59)
Na perspectiva de Alba Marinho, a experiência da romaria está centrada na participação, no
compromisso religioso e é uma característica cultural de um povo, o qual mantém uma velha
tradição, passada de pai para filho (MARINHO, 2008:34). Berger, teorizando sobre essa
característica social, observou, que: toda atividade humana está sujeita ao hábito. Essa ação é
freqüentemente repetida pelo grupo que o faz. Esse grupo, ao criar o hábito, o passa entre os
membros caracterizando esse processo; desta forma institucionalizam o hábito dentro do grupo e
as ações habituais são partilhadas pelos participantes (BERGER, 2000: 77-79).
A romaria ao local sagrado é uma tradição alimentada desde a infância do devoto. Cria-se
o costume de procurar, nos momentos de angustia, o Santo do qual se é devoto. O homem se vê
limitado diante dos seus problemas e condicionado a procurar o santo nas horas de aflição. Logo,
ele o procurará e pedirá sua ajuda, tendo por pretensão conseguir sua intervenção junto a Deus.
Na visão de Steil, “a romaria conecta o conteúdo universal do catolicismo ao local e situa o
seu significados num espaço concreto que se torna portador de mitos que tecem as narrativas que
circulam em torno do Santuário” (STEIL, 1996:23).
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Nem sempre no local da romaria existem todas as liturgias comuns ao catolicismo


tradicional. Em alguns locais, ocorre um sincretismo religioso, podendo ser encontrados
elementos de religiões afro-brasileiras dentro de ambientes inicialmente católicos.
Para Pereira, a devoção propriamente dita pertence à esfera das camadas populares
economicamente mais pobres e com baixo grau de escolaridade que, de alguma forma, sofrem
algum tipo de violência física, moral, social ou psicológica. Outra característica é que ela se
manifesta, de certa forma, independentemente da Igreja institucionalizada (PEREIRA, 2003:)1
O romeiro cria uma ligação com o ambiente a partir do momento em que o local sagrado
representa seu objeto de devoção. O local da devoção faz com que ele se sinta mais próximo do
seu Santo e de Deus (STEIL, 1996:23).

Existe uma fidelidade entre o santo e o devoto, entretanto, esta tem como alicerce a
realização dos milagres. O devoto quando recebe sua graça cria um vinculo e enquanto
estiver acontecendo isso ele continuará acreditando . Se uma das partes falha, esse
vínculo se rompe, se perdendo a credibilidade. A sala dos milagres funciona como um
"termômetro"; se o espaço está repleto de ex-votos2 e continua recebendo novas peças,
é sinal que o santo continua fazendo milagres e merece a crença do devoto. Se ocorrer
o contrário, é indício de que está ocorrendo uma crise na crença e o santo corre o risco
de perder espaço na devoção. (PEREIRA, op. cit.)

Os ex-votos são testemunhas das graças alcançadas e conseqüentemente, dos pedidos feitos.
Portanto, eles terminam por fazer parte da demonstração da fé. Ao analisar transformações nos
ex-votos deixados nos Santuários, percebe-se uma mudança de desejos e expectativas do devoto.
Por conseguinte, notam-se transformações sócio-culturais que estão acontecendo na atualidade,
dentro de nosso contexto social. Isso faz com que a análise de tais ex-votos seja relevante para os
que buscam uma melhor compreensão dessas modificações sociais e culturais.
O romeiro se vê como alguém que está em busca de Deus, acreditando que através das
romarias poderá encontrar as respostas e o socorro para as suas necessidades. Desde o perdão

1
Para mais informações acessar o site: http://www.pucsp.br/rever/rv3_2003/t_pereira.htm
2
Ex-votos são tipos variados de representações materiais que indicam que a graça foi alcançada pelo
devoto Esses materiais são deixados nos santuários como forma de agradecimento pela graça recebida.
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para seus pecados até a conquista de bens materiais o romeiro procuraria o santo por interesse,
como forma de conseguir seus desejos.

Confiante no poder divino e ciente de suas limitações, enquanto ser humano, o romeiro
segue um conjunto de práticas e ritos religiosos, que fazem parte, entre outras coisas,
as orações, as cantorias, as novenas, o rosário, os benditos e a doação dos ex-votos. A
multiplicidade dessas práticas religiosas, demonstra que, a religiosidade popular
continua proporcionando ao romeiro formas de catarse, maneiras de lidar com as
adversidades da vida (CARVALHO; NASCIMENTO; ROAZZI, 2005:2)

O romeiro acredita que para ser merecedor da graça do santo ele deverá se sacrificar. A ida
ao Santuário deve ser penosa, dolorosa, sacrificante, pois só dessa forma demonstrará sua fé e
devoção. O romeiro deve demonstrar sua fé através do sacrifício, demonstrando um real
compromisso com o santo.
A experiência da romaria está centrada na participação, no compromisso religioso e é uma
característica cultural de um povo, mantendo uma velha tradição como procura do sagrado.

Santuário de São Severino do Ramos –Paudalho –PE

A imagem de São Severino Mártir encontra-se na Capela de Nossa Senhora da Luz do


Engenho Ramos, a qual está localizada a 3 km da sede do município de Paudalho, cidade da zona
da mata norte de Pernambuco. A imagem é reverenciada tanto por moradores do município
quanto por pessoas de outras localidades. Os romeiros e devotos o designam carinhosamente
como São Severino do Ramos devido ao engenho no qual se encontra. O Santuário é destino de
muitos visitantes advindos da própria cidade ou de cidades e Estados circunvizinhos.
Não se sabe ao certo a origem da imagem, mas reza a tradição que um dos filhos de uma
das antigas proprietárias do engenho era sacerdote. Este fez uma viagem à Europa e trouxe como
presente a sua mãe a imagem. De acordo com Soares “até meados do século XIX existia na igreja
um grande caixão de zinco em que veio a milagrosa imagem” (SOARES, 1990: 107)
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Existem divergências sobre a identidade da imagem. Segundo Alba, é desconhecida a data


de chegada da imagem ao Engenho Ramos, assim como é incerta sua identidade ( MARINHO,
2008: 107). Porém, para Soares, a imagem venerada no Engenho Ramos é a do Mártir Severino
que foi soldado do Imperador Romano Maximiliano Hércules. O imperador foi um grande atroz
dos cristãos e Severino como cristão não conseguiu ficar a serviço do Imperador que perseguia
seus irmãos de fé. Assim, acabou por desertar e foi perseguido pelo Imperador. Quando
capturado negou-se a renegar sua fé, sendo morto e tornando-se um mártir do cristianismo
(SOARES. 1990: 108-109).
A imagem foi trazida dentro de um caixão de zinco e representa um homem em tamanho
natural. Por essa característica, começou a se espalhar a noticia na cidade que, no Engenho
Ramos, jazia um cadáver dentro de um caixão, levando assim centenas de pessoas à capela.
Antes de ser colocado um vidro para proteger a imagem, ela era freqüentemente espetada pelos
romeiros, por acreditarem que sangraria. Relatam que as vestes do santo ficaram tão deterioradas
que foi necessária a confecção de uma nova roupa vermelha. Entretanto, garantem que a anterior
era azul. (MARINHO, 2007: 4).
Os romeiros elegeram são Severino como seu protetor, como o herói que ira protegê-los de
todos os males. Os mártires são em certa medida os sucessores dos heróis e, como estes,
possuem uma coragem exemplar (DUBY, 1989: 121). . Podemos ressaltar essa visão de São
Severino como protetor de toda a moléstia dos seus seguidores, ao analisarmos sua oração:

Vale-me meu São Severino, proteja os seus Romeiros que vêm de longe
buscar os milagres verdadeiros, afastai do nosso lar olhos grandes e
macumbeiros. Quem tem fé neste Santo que possui esta Oração, não sofrerá
acidente nem também contradição. Tem as bênçãos Jesus e da Virgem da
Conceição. São Severino do Ramos livrai dos 3 dias de escuro e de vinda da
Besta Fera me botai num lugar seguro, defendei-me do inimigo e protegei o
meu futuro.

A romaria feita ao Santuário tem como objetivo, inicialmente, o agradecimento da graça


alcançada por parte dos fiéis ou apenas a confirmação da devoção dos mesmos ao santo. Na visão
de Steil, “a romaria conecta o conteúdo universal do catolicismo ao local e situa os seus
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significados num espaço concreto que se torna portador de mitos que tecem as narrativas que
circulam em torno do Santuário” (STEIL, 1996:23).
O fluxo de romeiros que visitam o Santuário é contínuo, no entanto a maior quantidade de
romeiros que o freqüentam é aos domingos. O maior contingente de pessoas é no período do mês
de setembro até a chegada do Domingo de Ramos. Já que não se sabe com certeza a identidade
do santo, a população escolheu como dia de comemoração maior o Domingo de Ramos, domingo
anterior à data de crucificação de Jesus, provavelmente pelo santo ser encontrado no engenho
Ramos (MARINHO, 2008:101).
Observa-se que o maior fluxo de romeiros ocorre no verão, possivelmente esse costume foi
criado pela péssima estrutura que se tinha para se chegar ao engenho. Em período chuvoso era
intransitável a via de acesso ao engenho e ainda ocorria da antiga ponte ficar ilhada. Dessa
forma não existia a possibilidade da visitação ao Santuário.
A proliferação de devoção ao santo ocorreu a partir do “início do século XX, período em
que a capela do engenho foi ampliada, quando São Severino passou a ter um altar próprio,
acontecimento indicador de plena estabilização das romarias” (MARINHO, 2008: 49).
O primeiro relato encontrado sobre um milagre conferido a São Severino em terras
pernambucanas vem do ano de 1854. Provavelmente este não foi o primeiro e, seguramente, a
vinda da imagem do Santo precede esta data. O primeiro trecho da ferrovia que ligava Recife a
Pau d`Alho tinha sua estação de parada localizada no Engenho Ramos, bem ao lado da sua
capela. É possível que a partir daí tenha propagado a devoção. Provavelmente esta difusão tenha
uma estreita ligação com a construção da linha férrea, o que justificaria a necessidade da
ampliação da capela alguns anos depois, em 1906 (MARINHO, 2008:49).
No entanto, essa construção da estação perto da Igreja pode demonstrar algo diferente do
indicado por Alba. Segundo ela, já existia um fluxo de romaria ao santuário e pelo fato da estação
ter sido construida próximo à capela, foi aumentado o fluxo da romaria. Porém já deveria existir
uma crença nos poderes da Imagem que se encontrava na Igreja e conseqüentemente a procura do
Santo.
As romarias feitas ao Santuário são realizadas das mais variadas formas: grandes ou
pequenas, organizadas ou espontâneas, a pé, a cavalo, de ônibus, bicicletas, motocicletas, em
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paus-de-arara. Quando se procura São Severino, o faz com a intenção de demonstrar a gratidão
pela graça alcançada ou de ratificar sua devoção (CARVALHO, 2000:3)
Os romeiros de São Severino mesmo enfrentando, em alguns momentos, dificuldades
econômicas não deixam de realizar sua romaria, pois esse momento é uma realização pessoal.
Inclusive, como para os romeiros sua ida deve ser um sacrifício para assim demonstrar sua
devoção, ele enfrentará todas as dificuldades e irá ao Santuário (CARVALHO; NASCIMENTO;
ROAZZI, 2005:3)
As romarias são geralmente organizadas de forma espontânea, através do fretamento de
ônibus, sem a intermediação de agências de viagens. Os romeiros realizam sua própria expedição
ao engenho a fim de demonstrarem sua devoção ao santo (MARINHO, 2008:35)
Segundo Carvalho, muitas pessoas que realizam a romaria ao Santuário fazem porque
possuem diversos problemas pessoais de diferentes ordens e anseiam pela intervenção divina na
resolução de tais questões. Realizam assim um tipo de comércio com Deus. O pedido nem
sempre é feito com fé, mas sim por hábito. Esses romeiros insistem no pedido sem demonstrar
muita fé, amor, e a submissão que normalmente acompanha o pedido (CARVALHO, 2000: 21).
Os Romeiros clamam a São Severino para que ele seja seu interlocutor com Deus, na
esperança que o Santo os interceda e dessa forma conseguirem realizar seus pedidos. Os pedidos
feitos podem ser classificados em três categorias:
Referentes às causas naturais – secas, enchentes; as que são originadas pela
sociedade – o desemprego, a pobreza, a fome, a violência, os crimes, a falta de acesso
à saúde e a educação, entre outros; e as que devem, sobretudo, a condição de
fragilidade do próprio homem, frente aos problemas decorrentes do mundo em que vive
– vícios de álcool ou drogas, violência doméstica, dissolução de
famílias.(CARVALHO; NASCIMENTO;ROAZZI, 2005:2)

As práticas realizadas no Santuário de São Severino ultrapassam os rituais de tradições


puramente católicas . Estes rituais estão além dos permitidos pela igreja, uma vez que, inclui os
rituais pagãos, as supertições, as crendices populares e o fanatismo religioso. Os romeiros que
freqüentam o Santuário realizam sua peregrinação, ano após ano, começando desde a sua infância
até sua idade mais avançada, devido a sua devoção. Vivenciam os mesmos rituais, seguem sua
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peregrinação religiosa com a mesma essência e finalidade inicial. Suas práticas ultrapassam os
limites de um simples evento religioso, e através desses momentos, os romeiros podem vivenciar
sua fé, participando de uma celebração coletiva em que todos se renovam (CARVALHO;
NASCIMENTO; ROAZZI, 2005: 1-2)
A área da romaria não se restringe apenas a capela; ao lado dela encontra-se o “museu dos
milagres”3·, onde estão objetos que testemunham os milagres alcançados. Existe um variado
acervo de ex-votos como demonstração da graça alcançada: partes do corpo humano em gesso e
madeira, estatuetas de animais e imagens de bebês de plástico ou gesso. Ainda existe um grande
acervo de fotos que pode ser encontrado dentro de uma caixa na própria igreja ou no “museu dos
milagres”. Dentre essas fotos, curiosamente existe uma grande quantidade de fotos de animais,
em agradecimento pela aquisição do próprio animal pela família ou a cura do mesmo. Podem ser
encontrados ainda santinhos de candidatos. “Os votos colocam os romeiros em movimento e são
o motor permanente de criação, perpetuação e vitalidade das romarias” (STEIL: 1996:104)
Em torno do Santuário podem ser encontrados os mais diversos artigos sendo
comercializados. Esses produtos vão desde gêneros alimentícios até objetos artesanais que
possuem ligação com a imagem do santo.

O turismo religioso no Santuário de São Severino do Ramos

De acordo com Andrade o turismo religioso é: O conjunto de atividades com utilização


parcial ou total de equipamentos e a realização de visita a lugares ou regiões que despertam
sentimentos místicos e/ou suscitam a fé, a esperança e anos fiéis de qualquer tipo ou em pessoas
vinculadas à religião (ANDRADE APUD CARVALHO; NASCIMENTO; ROAZZI, 2005:2)
Para os autores Carvalho, nascimento e Roazzi, a romaria feita a São Severino do Ramos
não é só um momento de comunhão entre o devoto e o Santo, mas também é uma forma de
diversão e turismo para os participantes. Em torno do Santuário, existem atrativos populares e
bares. Os romeiros em sua grande maioria são pessoas de baixa renda e não têm possibilidades

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Local onde se encontra os ex-votos deixados a São Severino do Ramos.
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de realizarem viagens como forma de diversão, com isso, a sua visita ao santuário é para eles
uma forma de lazer. (CARVALHO; NASCIMENTO; ROAZZI, 2005:2).

O “turismo religioso”, como discurso tende a desconsiderar as motivações religiosas


para a viagem e se concentrar no fenômeno do deslocamento e, mais especificamente,
na necessidade que esse deslocamento traz em termos de estrutura de transporte,
hospedagem e alimentação (ABUMANSSUR APUD MARINHO, 2008: 49).

Os visitantes não se vêem como turistas, mas sim como romeiros. O termo “turismo
religioso” é utilizado no contexto político-administrativo institucionais, que tem explicito
interesse econômico dentro do espaço econômico e percebe que o Santuário é um espaço no qual
existem possibilidades reais dentro do contexto turístico. (MARINHO, 2008: 152)

O turismo religioso popular origina-se das peregrinações populares, que são


constituídas, na maioria das vezes, da população carente, que por fatores políticos,
sociais, econômicos e culturais não dispõem de meios eficazes de comunicação, e
embora esses meios existam, sua condição social não lhes permite acesso a eles e,
mesmo assim, é mantida uma “comunicação” com Deus e com o “mundo espiritual”
através dos santos de sua fé no místico e no sobrenatural. Daí a existência de um
turismo religioso popular que estabelece relações no âmbito do lazer, com a
religiosidade, e vincula-se com as práticas culturais e com entretenimento que são
fundamentais para sociabilidade.( FILHO LUCENA, 2003:99)

O visitante do Santuário em alguns casos realizam a peregrinação apenas com o intuito de


visitar o local, se divertir e interagir com os elementos profanos que existem ao redor, pois
percebe no território um local divertido e possível de diversão.
No entanto, os visitantes não ficam no local por mais de um dia, pois não existe hospedaria.
Essa é uma questão que está sendo muito discutida atualmente. O Santuário encontra-se dentro
de um território particular e essa característica faz com que exista toda uma disputa pelo
território.
Percebendo no Santuário a possibilidade de criação de um real turismo religioso o atual
prefeito, juntamente com a Diocese, tem proposta para a melhoria do Santuário e assim criar um
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maior permanecia. O prefeito possui projetos que visam melhorias na infra-estrutura do


Santuário, para que assim sejam oferecidas melhores condições aos romeiros possibilitando uma
maior permanência no engenho, conseqüentemente gastando mais e gerando maior renda.
Contudo, a família proprietária do engenho não tem o menor interesse em vender a propriedade e
com isso iniciasse uma disputa pelo território.
Por trás dessa disputa existem esses novos conceitos do “turismo religioso”, pois este é um
setor na economia que está em crescimento e quando bem realizado traz melhorias para os locais
onde são realizados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos o Santúario de São Severino do Ramos observamos a existênca de


particularidades. A crença à imagem está intimamente ligada ao simbolismo, o povo o fez santo.
Porque como não se sabe a sua verdadeira identidade foram os atores sociais que o criaram. No
momento em qual legitimaram a imagem a nomeando de São Severino do Ramos, criaram sua
identidade.
Para entendermos a crença a São Severino do Ramos devemos verificar a sua produção,
legitimação e significado para aqueles que nele acreditam, analisando a criação da devoção à
imagem pelos atores que a faz. Como disse Berger: se quisermos entender o significado do
universo simbólico, devemos compreender a história de sua produção (BERGER, 2000: 1996).
Outra particularidade do Santuário é o fato de ele encontrar-se dentro de uma propriedade
privada, ou seja, o santo possui “dono”. Com isso não podem ser usufruidas todas as
possibilidades econômicas do Santuário, através do “turismo religioso”. Essa questão acabou por
criar uma disputa pelo Santuário entre a Prefeitura de Paudalho e os proprietários do Engenho
Ramos. O prefeito tem projetos de melhorias para o Santuário, as quais possibilitariam maior
fluxo de renda para a cidade. Contudo, para isso ser feito, o Engenho deve ser desapropriado e os
Proprietários não têm interesse em vender as terras. Tamanha é a importância dessa questão
entre o povo de Paudalho, que em 2006 o atual a governador do Estado de Pernambuco, Eduardo
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Campos, com o interesse de conseguir o apoio dos Paudalhenses, fez como promessa de
campanha, em um discurso na cidade, a desapropriação do Santuário.

REFERÊNCIAS

BERGER, Peter L. A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do


conhecimento. 19ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

CARVALHO, Adriany Rosa de Matos. Perfil dos Romeiros de São Severino dos Ramos: um
estudo exploratório. Trabalho apresentado no 5º Congreso Latinoamericano de Ciencias de la
Comunicación –ALAIC, Chile, 2000.

CARVALHO, Adriany; NASCIMENTO, Alexandro; ROAZZI, Antonio. Religiosidades


populares e a experiência do lazer: um estudo com romeiros de São Severino dos Ramos a
partir da Teoria das Facetas. Trabalho apresentado no 18º: Congresso Brasileiro de Ciências de
Comunicação, Rio de janeiro, 2005.

FILHO LUCENA, Severino Alves de. Turismo religioso popular: um cenário


folkcomunicacional. Revista Internacional de FOLKCOMUNICAÇÃO. , n° 1, 2003

MARINHO, Alba Lúcia da Silva. O sagrado na teia das redes geográficas do turismo em
Pernambuco: Um estudo sobre o Santuário de São Severino Paudalho – Pernambuco. Recife:
UFPE, 2008. 175 p, Tese (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade
Federal do Recife, 2008.
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PEREIRA, José Carlos. A Linguagem do Corpo na Devoção Popular do Catolicismo. IN.


Revista do Estuda da Religião da Pós-graduação em Ciências da Religião – PUC. São Paulo, vol.
3, 2003. http://www.pucsp.br/rever/rv3_2003/t_pereira.htm

SOARES, Severino. Paudalho: Terra dos Engenhos. Recife: Avellar, 1990.

STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias. Petrópolis: Vozes, 1996.

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