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A Mítica Encantada da Jurema Sagrada

Hendrik Lúcio Oliveira van Dingenen*


Jéssica Emanuelly Santos Barboza da Silva*

RESUMO:

Essa apresentação tem como objetivo analisar a identidade sócio-religiosa das tendas
da Jurema Sagrada na Paraíba, relacionando-a com a figura mítica do Mestre Encantado. A
“energia” de antigos mestres juremeiros passa por rituais xamânicos de “en-cantamento” e é
simbolicamente representada pelo tronco da jurema, tornando-se “pedra fundamental” na
formação sócio-religiosa da unidade familiar na comunidade juremeira paraibana.
Metodologicamente, realizou-se pesquisa de campo, por meio de entrevistas com os líderes de
dois terreiros da Jurema sagrada em João Pessoa, Paraíba (Tenda de Jurema do Caboclo Sete
Flechas e Tenda de Jurema Sagrada Zé da Mata), e por meio da Antropologia Visual no
registro fotográfico de seus ritos e símbolos, como também do município de Alhandra, berço e
ponto central da religião citada. Dentre algumas observações constata-se que a Jurema Sagrada
paraibana, ao longo do seu processo de urbanização, quando passa de religião rural para
religião urbana e absorve elementos afro-brasileiros do Candomblé e Umbanda, bem como do
Espiritismo, mantém vivos os ritos e mitos de origem indígena, utilizando apenas a tradição
oral como fonte de transmissão.

Palavras chave: Jurema Sagrada. Encantado. Religião Afro-indígena-brasileira.

Graduandos em Ciências das Religiões, Licenciatura. UFPB. E-mails: dico73br@gmail.com /


emanuelly471@gmail.com
ABSTRACT:

This presentation has as to analyze the socio-religious identity of the tents of Sacred
Jurema in Paraíba, relating it to the mythical figure of the Spiritual guide. The "energy" of
ancient juremeiros masters undergoes shamanistic rituals of "enchantment" and is
symbolically represented by the trunk of the jurema, becoming a " foundation stone " in the
socio-religious formation of the family unit in the Jurema community of Paraíba.
Methodologically, field research was conducted through interviews with the leaders of two
Jurema Enchantment Temples in João Pessoa, Paraíba (Tent of Jurema do Cabloco Sete
Flechas and Tent of Sacred Jurema of Zé da Mata), and through the Antropology the
Enchantment Visual in the photographic record of its rites and symbols, as well as of the
municipality of Alhandra, sacred city, cradle and central point of the mentioned religion.
Among some of the observations, the sacred Jurema of Paraiba, during its urbanization
process, when it goes from rural religion to urban religion and absorbs Afro-Brazilian
elements from Candomblé and Umbanda, as well as from Spiritism, keeps the rites and myths
alive of indigenous origin, using only oral tradition as a source of transmission.

Keywords: Sacred Jurema. Charmed. Afro-Indian-Brazilian religion

Introdução

Religião nativa do Nordeste brasileiro, a Jurema Sagrada era cultuada pelos indígenas
locais em seus rituais de magia antes da chegada dos chamados “descobridores” e
colonizadores europeus. No desenrolar histórico das relações entre índios, africanos
escravizados refugiados e descendentes dos colonizadores, a Jurema Sagrada iniciou uma
dinâmica de hibridismo religioso com elementos de crenças afro-brasileira e espiritismo
europeu. Numa consequente urbanização e confrontada com sua criminalização, a religião
passou por processos de reformulação de seus ritos, mitos, símbolos e espaços sagrados. O
mito que identificamos como nuclear no presente trabalho, do Encantamento dos antigos
Mestres juremeiros em cujos túmulos plantava-se uma Jurema Preta, não só exemplifica essa
dinâmica como nos permite identificar uma prática de cunho xamânico com consequências
sociais palpáveis na fundação e organização dos templos de Jurema Sagrada atuais. Hoje em
dia o tronco, simbolizando o Mestre encantado, é utilizado na fundação de um novo espaço
sagrado da Jurema. Presente nesse momento da formação da comunidade nascente, torna-se
assim o mito a base da estrutura religiosa, nos moldes de familiaridade biológica, segundo a
ancestralidade espiritual – presente no tronco - do Pai ou Mãe de Santo que presidirá a tenda.

Mestres Encantados

A mítica do Mestre Encantado é descrita por diversos autores como um ser espiritual
cultuado inicialmente pelos indígenas. Para Pordeus (2012, p. 255) eles “foram espíritos que
tiveram uma vida e compreendem melhor os problemas”, tal definição é também expressa
pelos juremeiros, os mesmos tem essas entidades como aquele que ensina, o doutrinador, o
que passa conhecimento. Pordeus (2012, p.257) complementa dizendo que “O mestre do
juremeiro doutrina os juremados da Casa, ensinando-lhes os segredos da jurema”. .” Mas para
que tais seres possam continuar seus trabalhos eles passam por rituais espirituais para
encantar-se, estes rituais são feitos na cidade encantada localizada na praia de Tambaba,
Conde-PB.
Esses Mestres se encantam mas não perdem sua vida. Souza (2013 p. 6) afirma que
“Encantados são entidades que segundo a tradição, não morreram, mas antes se transformaram
noutra forma de vida, material ou espiritual”. O Mestre pode manter-se vivo, não mais
fisicamente, mas ter sua “energia viva”, a qual estaria presente nas cidades encantadas,
também descritas como a casa destes seres espirituais de muita força e sabedoria. As cidades
encantadas seriam representadas a partir do tronco da Jurema, árvore sagrada para a religião,
tal tronco teria o poder de abrigar o espirito do Mestre. O tronco também é utilizado no
sepultamento dos mestres, sendo plantado em seu túmulo. De forma simbólica o tronco
também serve como representação do mestre da casa, sendo guardado na tenda pelo líder
responsável.

Mito e Identidade

O Mito do Mestre Encantado vivido nas Tendas de Jurema pesquisadas é, como a


própria Jurema, fruto de um processo de hibridismo religioso, ou “atualização religiosa”, para
usar a expressão de Grünewald (2008, p. 6), e fundante da identidade religiosa dos templos em
questão, ao referir-se à relação do Pai ou Mãe de Santo e seus filhos espirituais com o Mestre
Encantado, experiência que se baseia nos laços familiares religiosos, do Pai ou Mãe de Santo e
filhos espirituais, com o Encantado simbolizado pelo tronco. Os templos visitados também
realizam práticas do Catimbó, reverenciam os orixás, cultuam o Deus cristão e relacionam a
Jurema com Jesus na narrativa da Fuga para o Egito. Nos explica o líder religioso do Ilê em
João Pessoa-PB que, à medida que a Jurema passa do meio rural, das matas, para o meio
urbano, as cidades, diversas narrativas e ritos entraram em “sincretismo” até se traduzirem no
culto atual.
Mas como o Mito do Mestre Encantado simbolizado pelo tronco se torna o
fundamento físico e espiritual da identidade desses templos, numa religião com elementos e
origens tão diversos? Para nos orientar nessa questão recorremos à cosmogonia vivida nesses
lugares e inicialmente percebemos a relação sóciorreligiosa dessas comunidades com os
“lugares” representados pelo tronco, que Sócrates Pereira (2011) descreve como
“...um mundo invisível, com divisões de reinos considerados encantados,
esses reinos possuem cidades, as quais tipograficamente existem rios, lagos,
campos, serras, e são habitadas por mestres detentores do conhecimento das
ervas e das raízes em cada cidade. Estes “encantados” são evocados através
de cantigas próprias, as quais chamam por seu nome, ou nome de suas
cidades, sejam chefes indígenas, antigos catimbozeiros, espíritos de negros
(escravos, senhores de engenho etc.), católicos, curandeiros etc.”
(FERREIRA, Sócrates Pereira. A Jurema Sagrada em João Pessoa: Um
Ritual em Transição, Dissertação (Mestrado), UFPB, 2011, p. 48)
Assim, a árvore da jurema “que dá nome a religião, é também utilizada para
denominar um complexo espacial conhecido como o Reino da Jurema, ou simplesmente
Juremal” (SOUZA, 2016, p. 103), habitados pelos antigos mestres juremeiros e no qual se
inserem a comunidades religiosas estudadas, através herança cultural e espiritual provinda de
seus Mestres Encantados, transmitidas oralmente, que os remete ao “reino” a que os
juremeiros estão ligados via seus Mestres.

Conclusão

Concluímos que a mítica do Encantado indicativa da identidade sóciorreligiosa


juremeira, em suas ressignificações desempenha papel fundamental nas Tendas de Jurema
pesquisadas, como referência de seu pertencimento dentro da cosmovisão nativa da Jurema
vivenciada nos templos pesquisados. A oralidade na transmissão desses entendimentos,
presentes principalmente nos pontos, no entanto, apresenta-se como desafio na construção de
um olhar panorâmico sobre a sócio-geografia religiosa da Jurema Sagrada. Esses Pontos, que
segundo Pordeus (2014) são “pequenos versos, as orações cantadas pelos personagens do
panteão, ocasião em que são narrados feitos, exaltadas personalidades, feitas referências à
fauna e à flora, evidenciadas qualidades mágicas e relatadas ações do cotidiano” não se
encontram grafados. Em uma conversa conosco, diversas vezes líder religioso manifestou
preocupação na preservação desses pontos, onde se revelam os mitos e ritos juremeiros
basilares da religião.
REFERÊNCIAS

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