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BAIXINHA, O ILÁ DE SEU TUPINAMBÁ NA

FLORESTA DE JURAMIDAM: NARRATIVAS DE


MEMÓRIAS DE UMA OPERÁRIA DA FÉ.
Cleris Renta Gomes Golzio
Mestranda do Programa de Pós- Graduação na Universidade Federal do
Rio de Janeiro- UNIRIO
Introdução:

Essa pesquisa se propõe a contribuir sob a


perspectiva da Memória Social, sobretudo a
partir da interlocução entre o Santo Daime e
a Umbanda, e do estudo da trajetória
espiritual e das narrativas de memória da
Mãe Baixinha da Oxum, uma ialorixá
pioneira no Brasil na prática da união entre
essas duas religiões, implementada em sua
comunidade religiosa Flor da Montanha em
Lumiar, distrito de Nova Friburgo – RJ.
A pesquisa pretende analisar o processo de A pesquisa é aderente ao campo de estudos em
conformação religiosa da mãe Baixinha, Memória Social, em articulação às referências das
dialogando com as referências bibliográficas, Ciências Sociais sobre temas como: religião,
religiosidade, pluralismo, sincretismo e transmissão
sobre a memória e religião, com o material religiosa. ​
coletado durante a pesquisa de campo e com
as experiências pessoais vivenciadas. O legado
deixado por Mãe Baixinha envolve A metodologia utilizanda: a História Oral e uma
componentes materiais simbólicos e aproximação construtiva e interdisciplinar com a
etnografia e autopesquisa, considerando que sou
espirituais, o espaço/tempo, os ritos, as membro integrante da Flor da Montanha e
narrativas e as memórias compartilhadas.​ Pesquisadora. ​

​ ​
Fundamentação Teórica
Significado de memória enquanto elemento integrante da Pierre Nora afirma que, “A memória é a vida, sempre
construção social e coletiva;​ carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
O filósofo Maurice Halbwachs afirma que as “lembranças permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do
permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, esquecimento, inconsciente de suas deformações
ainda que trate de eventos em que somente nós estivemos sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,
envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece susceptível de longas latências e de repentinas
porque jamais estamos sós”. (HALBWACHS, 2013, p. 30)​ revitalizações.” (NORA 1984, p. 9).​Ainda segundo Nora,
De acordo com Assmann, as memórias dos indivíduos e das "todos os corpos constituídos, intelectuais ou não, sábios ou
culturas são construídas por meio da comunicação não, apesar das etnias e das minorias sociais, sentem a
mediante o uso de imagens, da língua, de rituais; e sua necessidade de ir em busca de sua própria constituição, de
encontrar suas origens. ” (1984, p.17).​
organização dá-se com as práticas culturais e com outras
formas de armazenamento externos, instrumentos Dentro dos autores que propõem a relação sincrônica entre
fundamentais para garantir o acesso de futuras gerações à memória e identidade. Esta pesquisa traz referenciais como
memória do grupo​ Stuart Hall (2006), (VIEIRA E GOMES (2016).


Em Lumiar, distrito de Nova Friburgo, região serrana
do estado do Rio de Janeiro, há um legado, um templo,
uma igreja e uma comunidade que entoa o cantar da
África no Brasil e o perfume da Amazônia no Sudeste.
É Umbanda e Santo Daime, e é também a memória de
uma mãe de santo que uniu em um mesmo espaço essas
duas religiões sincréticas, herdeiras de várias religiões.
Trata-se da comunidade "Tenda Espírita Flor da
Montanha", uma nova expressão religiosa, pautada por
manifestações de realidades sagradas singulares.
Mãe Baixinha, não só foi uma mulher à frente do seu terreiro da religião umbandista por
ela criado, mas também estava no comando de uma doutrina daimista, que mesmo com
grande participação das mulheres, em geral é dirigida por homens
O Santo Daime é uma religião que surgiu em meados de
1930, na cidade de Brasiléia, no Acre, região Norte do Brasil.
Foi fundada pelo Maranhense Raimundo Irineu Serra, que
migrou para a Floresta Amazônica como soldado da
borracha e se tornou reconhecido pelos seus seguidores
como Mestre Império Juramidam. O Santo Daime traz em
suas características tradições tipicamente brasileiras,
sincréticas, nas quais se congregam elementos do
cristianismo, do espiritismo e das tradições afro-brasileiras
que, por sua vez, agregam inúmeras e exuberantes
representações da natureza. Entre suas práticas está o uso
da bebida enteógena ayahuasca em seus rituais religiosos
A Umbanda é por definição para
maioria dos estudiosos, como uma
religião sincrética, pois compõe-se de
influências africanas, europeias e
indígenas, mostrando-se capaz, ainda
na atualidade, de incorporar vários
recortes de outros sistemas de crenças.
Na década de 1980, o Daime teve sua expansão para
diversas regiões do Brasil e do mundo, sob a liderança
do Padrinho Sebastião.Mãe Baixinha da Oxum uniu em
seus trabalhos espirituais essas duas linhas religiosas,
Santo Daime e Umbanda, com tradições tipicamente
brasileiras e originalmente sincréticas, em sua
comunidade em Lumiar, Distrito de Nova Friburgo -RJ.
Arlete Pereira Coutinho, Mãe Baixinha da Oxum, ou,
simplesmente, Mãe Baixinha, como gostava de ser
chamada, começou sua jornada espiritual muito
criança em Pirapitinga, interior de Minas Gerais
Com a expansão da Doutrina do Santo Daime para o sudeste e a
vinda do Padrinho Sebastião para conhecer as igrejas que se
formavam no Rio de Janeiro, voltou a participar do ritual, ocasião
na qual conheceu o Padrinho, e desse encontro surgiu uma
aproximação e forte amizade. A partir desse encontro, em uma
gira realizada em Lumiar (RJ) com a presença do Padrinho
Sebastião, foi firmada uma aliança entre a Umbanda e o Santo
Daime, a pedido do Caboclo Tupinambá, guia e mestre da Mão
Baixinha. Nesta gira, a entidade pediu para que fosse levantada
uma casa para se estudar o Daime e a Umbanda juntos. De modo
que, fraternalmente, os filhos da Umbanda crescessem
aprendendo à luz do Daime e os filhos da Doutrina, igualmente,
crescessem aprendendo a trabalhar com os caboclos e todos os
guias da Umbanda.
Mãe Baixinha faleceu em novembro de 2014
deixando um legado de grande importância na linha
da cura, assistência social e trabalhos espirituais.
Tais como, tratamentos, ritos, receitas, remédios e
aconselhamentos, não só em sua comunidade "Flor
da Montanha", mas em todo o entorno de Lumiar.
Sendo referência para as demais casas da Doutrina
do Santo Daime, no Brasil e no exterior como a
primeira Igreja/terreiro fora da Amazônia a unir as
duas Doutrinas religiosas, Umbanda e Santo Daime.
Conclusão
Toda a trajetória da Mãe Baixinha, seus valores e elementos simbólicos
que nutrem a memória coletiva do seu grupo religioso, e que vem
sendo apropriados e reapropriados através da oralidade e do seu
acervo memorialístico/audiovisual, tornam essas narrativas
importantes registros, ou fragmentos de sua memória religiosa no
tempo presente. Especialmente ao compreendermos que religiões com
características populares e sincréticas, como o Daime e a Umbanda, são
construídas e perpetuadas a partir da maleabilidade dos processos de
diálogos, de conversação, na interação entre as pessoas com suas
memórias, seus registros orais e escritos e sua fé.
Referências bibliográficas​
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural.​

Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.​

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro 2013​

LIRIO, Alba. Baixinha: Biografia de uma operária da fé. Rio de Janeiro, 2011​

MOREIRA, P. and MACRAE, E. Eu venho de longe: Mestre Irineu e seus companheiros. Salvador EDUFBA, 2011, 592 p. ​

NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1996). Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo. São Paulo: EDUSP. ​

NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993 ​

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