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Fundamentação Teórica
Significado de memória enquanto elemento integrante da Pierre Nora afirma que, “A memória é a vida, sempre
construção social e coletiva; carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
O filósofo Maurice Halbwachs afirma que as “lembranças permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do
permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, esquecimento, inconsciente de suas deformações
ainda que trate de eventos em que somente nós estivemos sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,
envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece susceptível de longas latências e de repentinas
porque jamais estamos sós”. (HALBWACHS, 2013, p. 30) revitalizações.” (NORA 1984, p. 9).Ainda segundo Nora,
De acordo com Assmann, as memórias dos indivíduos e das "todos os corpos constituídos, intelectuais ou não, sábios ou
culturas são construídas por meio da comunicação não, apesar das etnias e das minorias sociais, sentem a
mediante o uso de imagens, da língua, de rituais; e sua necessidade de ir em busca de sua própria constituição, de
encontrar suas origens. ” (1984, p.17).
organização dá-se com as práticas culturais e com outras
formas de armazenamento externos, instrumentos Dentro dos autores que propõem a relação sincrônica entre
fundamentais para garantir o acesso de futuras gerações à memória e identidade. Esta pesquisa traz referenciais como
memória do grupo Stuart Hall (2006), (VIEIRA E GOMES (2016).
Em Lumiar, distrito de Nova Friburgo, região serrana
do estado do Rio de Janeiro, há um legado, um templo,
uma igreja e uma comunidade que entoa o cantar da
África no Brasil e o perfume da Amazônia no Sudeste.
É Umbanda e Santo Daime, e é também a memória de
uma mãe de santo que uniu em um mesmo espaço essas
duas religiões sincréticas, herdeiras de várias religiões.
Trata-se da comunidade "Tenda Espírita Flor da
Montanha", uma nova expressão religiosa, pautada por
manifestações de realidades sagradas singulares.
Mãe Baixinha, não só foi uma mulher à frente do seu terreiro da religião umbandista por
ela criado, mas também estava no comando de uma doutrina daimista, que mesmo com
grande participação das mulheres, em geral é dirigida por homens
O Santo Daime é uma religião que surgiu em meados de
1930, na cidade de Brasiléia, no Acre, região Norte do Brasil.
Foi fundada pelo Maranhense Raimundo Irineu Serra, que
migrou para a Floresta Amazônica como soldado da
borracha e se tornou reconhecido pelos seus seguidores
como Mestre Império Juramidam. O Santo Daime traz em
suas características tradições tipicamente brasileiras,
sincréticas, nas quais se congregam elementos do
cristianismo, do espiritismo e das tradições afro-brasileiras
que, por sua vez, agregam inúmeras e exuberantes
representações da natureza. Entre suas práticas está o uso
da bebida enteógena ayahuasca em seus rituais religiosos
A Umbanda é por definição para
maioria dos estudiosos, como uma
religião sincrética, pois compõe-se de
influências africanas, europeias e
indígenas, mostrando-se capaz, ainda
na atualidade, de incorporar vários
recortes de outros sistemas de crenças.
Na década de 1980, o Daime teve sua expansão para
diversas regiões do Brasil e do mundo, sob a liderança
do Padrinho Sebastião.Mãe Baixinha da Oxum uniu em
seus trabalhos espirituais essas duas linhas religiosas,
Santo Daime e Umbanda, com tradições tipicamente
brasileiras e originalmente sincréticas, em sua
comunidade em Lumiar, Distrito de Nova Friburgo -RJ.
Arlete Pereira Coutinho, Mãe Baixinha da Oxum, ou,
simplesmente, Mãe Baixinha, como gostava de ser
chamada, começou sua jornada espiritual muito
criança em Pirapitinga, interior de Minas Gerais
Com a expansão da Doutrina do Santo Daime para o sudeste e a
vinda do Padrinho Sebastião para conhecer as igrejas que se
formavam no Rio de Janeiro, voltou a participar do ritual, ocasião
na qual conheceu o Padrinho, e desse encontro surgiu uma
aproximação e forte amizade. A partir desse encontro, em uma
gira realizada em Lumiar (RJ) com a presença do Padrinho
Sebastião, foi firmada uma aliança entre a Umbanda e o Santo
Daime, a pedido do Caboclo Tupinambá, guia e mestre da Mão
Baixinha. Nesta gira, a entidade pediu para que fosse levantada
uma casa para se estudar o Daime e a Umbanda juntos. De modo
que, fraternalmente, os filhos da Umbanda crescessem
aprendendo à luz do Daime e os filhos da Doutrina, igualmente,
crescessem aprendendo a trabalhar com os caboclos e todos os
guias da Umbanda.
Mãe Baixinha faleceu em novembro de 2014
deixando um legado de grande importância na linha
da cura, assistência social e trabalhos espirituais.
Tais como, tratamentos, ritos, receitas, remédios e
aconselhamentos, não só em sua comunidade "Flor
da Montanha", mas em todo o entorno de Lumiar.
Sendo referência para as demais casas da Doutrina
do Santo Daime, no Brasil e no exterior como a
primeira Igreja/terreiro fora da Amazônia a unir as
duas Doutrinas religiosas, Umbanda e Santo Daime.
Conclusão
Toda a trajetória da Mãe Baixinha, seus valores e elementos simbólicos
que nutrem a memória coletiva do seu grupo religioso, e que vem
sendo apropriados e reapropriados através da oralidade e do seu
acervo memorialístico/audiovisual, tornam essas narrativas
importantes registros, ou fragmentos de sua memória religiosa no
tempo presente. Especialmente ao compreendermos que religiões com
características populares e sincréticas, como o Daime e a Umbanda, são
construídas e perpetuadas a partir da maleabilidade dos processos de
diálogos, de conversação, na interação entre as pessoas com suas
memórias, seus registros orais e escritos e sua fé.
Referências bibliográficas
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro 2013
LIRIO, Alba. Baixinha: Biografia de uma operária da fé. Rio de Janeiro, 2011
MOREIRA, P. and MACRAE, E. Eu venho de longe: Mestre Irineu e seus companheiros. Salvador EDUFBA, 2011, 592 p.
NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1996). Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo. São Paulo: EDUSP.
NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993