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ThiagoESilva
CU LT U R A
Martins
Psicanálise e cultura:
umbanda e discurso psicanalítico
Thiago Silva Martins
Para Juranda
Resumo
Este artigo aborda os escritos de Sigmund Freud relacionados à cultura para, após uma contex-
tualização através de breve histórico da umbanda, realizar uma apreciação psicanalítica de alguns
elementos dessa religião afro-brasileira no laço social e, nesse movimento discursivo, situar o
discurso psicanalítico.
Palavras-Chave: Cultura, Discurso, Tabu, Magia, Religião, Psicanálise, Umbanda, Desejo, Incesto.
Freud não se ateve apenas à criação da efetua através do esforço coletivo (Freud,
psicanálise e ao seu objeto de estudo – o [1912-1913] 1974, p. 85).
inconsciente –, mas forneceu também
contribuição à antropologia social ao O interesse de Freud pela cultura
analisar os povos primitivos por meio do fez com que desenvolvesse, sob uma
estudo de trabalhos realizados por autores Weltanschauung científica, teorias que
como Frazer, Wundt, Westermarck, Tylor, lançaram luz sobre as manifestações do
Reinach, McLennan (citados em Totem sujeito na sua relação com a cultura. Em
e tabu), utilizando-se de sua teoria con- seu trabalho iluminista O futuro de uma
cernente ao aparelho psíquico. Portanto, ilusão Freud ([1927] 1974), distancia os
forneceu à antropologia uma visão psicoló- preceitos religiosos da realidade objetiva
gica de determinados fenômenos culturais através das teorias psicanalíticas acerca
primevos como o totemismo e os tabus, e do funcionamento dos processos mentais.
como os últimos persistem entre nós. Assim, toma as religiões como ilusões do
Essa interseção entre a psicanálise homem, abastecidas por seus desejos,
e a antropologia social resultou em sua sobretudo por desconsiderarem o teste de
obra intitulada Totem e tabu ([1912-1913] realidade – processo psíquico secundário –
1974), na qual Freud demonstra os pontos em nome da fé religiosa.
de concordância entre as práticas do tabu No seu ensaio O mal-estar na civiliza-
e os sintomas obsessivos. ção ([1930] 1974) Freud enuncia as três
No entanto, Freud nos explica que o fontes geradoras do mal-estar humano
tabu não é uma neurose e sim uma insti- – o corpo, o mundo externo e as relações
tuição social: humanas –, que promovem desamparo
no homem e o impelem a buscar conforto
A divergência reduz-se, em última análi- nas religiões como uma solução para sua
se, ao fato de as neuroses serem estruturas angústia frente ao real.
associais; esforçam-se por conseguir, por Ao falar de psicanálise e cultura
meios particulares, o que na sociedade escolheu-se uma religião afro-brasileira
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 80 • p. 101 – 108 • dez. 2020 101
Psicanálise e cultura: umbanda e discurso psicanalítico
1. “Cavalos” são indivíduos mediúnicos que são pos- 3. É importante informar que, segundo “pai” Washing-
suídos por um espírito desencarnado. Cada “cavalo” é ton, existem várias formas de “amarração” variando de
portador da sabedoria dos espíritos que recebe. acordo com a intenção do solicitante. Cada “amarração”
2. De acordo com Dalgalarrondo (2008, p. 129), cada possui elementos e rituais distintos para o seu feitio.
terreiro tem sua própria identidade, marcada pela 4. O “ebó” tem as mesmas características da “amarração”
“história de vida” da mãe ou pai de santo que o lidera. citadas na nota anterior.
MÍTICO
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