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João Henrique de Almeida, William Ferreira Perez

Paus e pedras podem


machucar, mas palavras...
também! - Teoria das
molduras relacionais

João Henrique de Almeida


Universidade Federal de São Carlos

William Ferreira Perez


Paradigma Centro de Ciências do Comportamento

Dougher, M. J., Hamilton, D. A., Fink, B. C. & Harrington, J. (2007) Transformation of the discri-
minative and eliciting functions of generalized relational stimuli. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 88, 179-197.

“Abracadabra! ”
Palavra mágica prototípica usada por mágicos.

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

INTRODUÇÃO À ÁREA DE PES- che 2001; Perez, Nico, Kovac Fidalgo, & Le-
QUISA E CONTEXTUALIZAÇÃO onardi, 2013; Zettle, Hayes, Barnes-Holmes
DO EXPERIMENTO & Biglan, 2016). Essa perspectiva analítico-
-comportamental foi grandemente influen-
É amplamente disseminado na literatura de ciada pela explicação funcional da lingua-
fantasia medieval e em jogos que palavras, gem presente no Comportamento Verbal
frases curtas e textos faziam parte de rituais (Skinner,1957) e pelo estudo de relações
mágicos. Nesse contexto, poderosos magos derivadas entre estímulos, iniciado pelas
armazenavam seu poder por escrito em to- pesquisas sobre Equivalência de Estímulos
mos e pergaminhos. Uma vez que os sons (Sidman & Tailby, 1982; Sidman, 1994, 2000).
exatos fossem proferidos, coisas incríveis Nessa explicação da RFT, um tipo especí-
poderiam acontecer (Gygax & Arneson, fico de comportamento operante pode al-
1974). A palavra “Abracadabra” na epígrafe terar o modo como os estímulos adquirem
deste texto deriva de uma frase em Aramai- função a partir de relações arbitrárias deri-
co que significa “Eu crio quando eu falo” vadas entre estímulos. Elas são chamadas
(Lawrence, 1988). Obviamente, não iremos de arbitrárias, pois não dependem de carac-
explorar, neste capítulo, os efeitos das pa- terísticas físicas dos estímulos relacionados
lavras a partir da perspectiva da literatura (são baseadas em convenções); e são cha-
fantástica, sequer existem evidências cien- madas de derivadas pois, a partir de treinos
tíficas de que as essas podem alterar os diretos, inúmeras respostas não ensinadas
eventos do mundo físico. No entanto, par- diretamente podem ser observadas.
tindo de uma perspectiva analítico-com-
portamental, baseada em evidências em- Isso tudo é possível porque, desde mui-
píricas, falaremos do “poder” das palavras to pequenos, somos expostos a tarefas em
de funcionar como estímulos e, então, agir que relacionamos estímulos, e essas rela-
sobre as pessoas. Vamos explorar, neste ca- ções podem ser de diversos tipos, como:
pítulo, a “magia” que permite que palavras de similaridade (“esse tênis é parecido com
e frases (símbolos) afetem o comportamen- o meu”), de igualdade (“nossas camisetas
to, ou seja, afetem o que as pessoas fazem, são iguais”), de oposição (“doce é oposto a
pensam e sentem. salgado”), de comparação (“meu carrinho
é maior que o seu”), entre outras (Tornëke,
Para compreender esse efeito das palavras, 2010). Por questões práticas, vamos tomar
recorremos a uma explicação operante da o exemplo da comparação. Imagine uma
linguagem e cognição humana proposta criança aprendendo a comparar objetos.
pela Teoria das Molduras Relacionais (Re- Naturalmente, ao ser exposta às contingên-
lational Frame Theory ou RFT; de Rose & cias da comunidade verbal que modelam os
Rabelo, 2012; Hayes, Barnes-Holmes & Ro- repertórios linguísticos, a criança se depa-

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João Henrique de Almeida, William Ferreira Perez

ra com as palavras “maior” e “menor”. Ini- aplicadas para estabelecer relações de com-
cialmente, tais palavras são utilizadas para paração convencionadas pela comunidade
controlar respostas baseadas em proprieda- verbal. Esse tipo de aprendizagem descrita
des físicas dos estímulos. Diante de pergun- acima é uma parte do que chamamos de
tas e solicitações do tipo “Qual é o maior Treino de Múltiplos Exemplares, e aconte-
brinquedo de todos esses aqui?”, “Qual é a ce comumente de forma não planejada na
menor bola que você tem?”, “Pegue a bone- interação da criança e seus pais ou cuida-
ca menorzinha!”, “Pegue uma peça maior dores.
do quebra-cabeça”, as crianças aprendem a
comparar objetos sob controle do seu tama- Além de aprender relações especificamente
nho, volume ou peso. ensinadas, depois de inúmeras exposições,
a criança logo aprenderá a responder tam-
Uma questão curiosa, no entanto, é que as bém de acordo com novas relações que, em-
dicas contextuais “maior” e “menor” tam- bora não diretamente explicitadas, derivam
bém são frequentemente utilizadas para das inicialmente ensinadas. Tomando o
ensinar comparações que não se baseiam exemplo da comparação, ela aprenderá que
nas dimensões físicas dos estímulos, mas as respostas relacionais também são bidi-
em convenções da comunidade verbal. Por recionais, ou seja, que existe uma implica-
exemplo, quando for um pouco mais ve- ção mútua entre os estímulos relacionados:
lha, a criança aprenderá que a moeda de 50 logo, se um estímulo A é maior que B, B será
centavos tem valor maior, ainda que seja necessariamente menor que A. Ela apren-
menor do que a moeda de 25 centavos. Na derá, também, a combinar relações (impli-
escola, nas aulas de matemática, aprenderá cação combinatória) de tal modo que, após
que 0,000000001 é menor do que 1, embo- aprender que A é maior que B e B maior que
ra o primeiro número contenha muito mais C, poderá responder a novas relações, tais
algarismos. Assim, a criança aprende a res- como: A é maior que C e C é menor que A.
ponder adequadamente também a relações Por fim, aprenderá que estímulos relaciona-
arbitrárias de comparação, ou seja, rela- dos arbitrariamente podem ter suas funções
ções que não têm por base a comparação transformadas com base no tipo de relação
de dimensões físicas, mas dependem das implicada. Assim, se A é “bom”, logo B e C
contingências arranjadas para que dados podem ser ainda melhores!
eventos do mundo sejam tratados compa-
rativamente. Em contextos como esse, di- O fenômeno da Transformação de Fun-
zemos que as respostas relacionais podem ção1 pode ser definido como a propagação
ser arbitrariamente aplicadas a quaisquer de função de um estímulo para demais os
eventos do mundo. Em outras palavras, as estímulos relacionados. As funções trans-
dicas contextuais “maior” e “menor” são formadas podem ser de natureza muito

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

diversa, como funções discriminativas, portamentos humanos complexos. A seguir,


reforçadoras, punitivas, eliciadoras, entre descreveremos um estudo clássico da Teo-
outras. Tal fenômeno já foi exaustivamen- ria das Molduras Relacionais, de Dougher,
te comprovado por experimentos, princi- Hamilton, Fink e Harrington (2007), publi-
palmente em relações de similaridade (e.g., cado no Journal of Experimental Analysis
Bortoloti & de Rose, 2009; de Almeida & de of Behavior. Esse estudo investigou como
Rose, 2015; Dougher, Augustson, Markham, o estabelecimento de relações arbitrárias de
Greenway & Wulfert, 1994; Ferro & Valero, comparação (e.g., A< B < C) pode modular a
2008; Perez, Fidalgo, Kovac & Nico, 2015; frequência de respostas e a magnitude dos
Vervoort, Vervliet, Benett & Baeyens, 2014). respondentes eliciados na presença de da-
O mais importante a ser destacado a res- dos estímulos.
peito desse fenômeno é seu efeito em nos-
so comportamento: nós respondemos aos
estímulos que adquiriram “indiretamente” DESCRIÇÃO DOS EXPERIMEN-
uma determinada função de maneira seme- TOS
lhante a como responderíamos ao estímulo
que “possuía aquela função” originalmente, Experimento 1- Objetivo e Método
como veremos a seguir. A pergunta que precisava de resposta era a
seguinte: respostas relacionais de compara-
Essa maneira de responder aos estímulos ção podem transformar (ampliar ou reduzir)
na ausência de um treino direto modifica as funções evocativas e eliciadoras de um
completamente o nosso modo de interagir estímulo? Por exemplo: imagine que os es-
com o mundo. Uma vez que nos tornamos tímulos A, B e C são figuras abstratas com o
verbais, o significado ou a função de todos mesmo tamanho; em termos de proprieda-
os estímulos ambientais poderá também des físicas, um estímulo não é comparati-
depender de relações arbitrárias estabele- vamente maior do que o outro. No entanto,
cidas com diversos outros estímulos, além suponha que sejam estabelecidas relações
da aprendizagem direta. Essa possibilidade arbitrárias de comparação entre eles, con-
de aprender a partir de relações arbitrárias e vencionadas pelo experimentador: A é me-
responder a relações derivadas é importan- nor que o B, e B é menor que C (A<B<C).
tíssima para a explicação de diversos com- Dito isso, se o participante for ensinado a
emitir uma frequência de respostas estável
Para a Teoria das Molduras Relacionais, a Transferência de Funções
diante de B, diante de A observaremos uma
1

é um tipo de Transformação de Função. Os dois termos são utilizados


na literatura da área: Transferência quando diz respeito à propagação
de função considerando relações derivadas de similaridade; Transfor-
frequência de respostas menor e diante de
mação quando diz respeito às demais relações, como, por exemplo, C uma frequência maior do que em B? Ou,
oposição, comparação, diferença, etc (para um aprofundamento nessa
discussão, ver Dymond & Rehfeldt, 2000) ou ao efeito mais geral de ainda, se B for pareado a um estímulo in-
responder de uma forma não treinada diretamente a estímulos rela-
cionados. condicionado aversivo (e.g., choque) e pas-

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sar a eliciar uma resposta eletrodermal (ca- não deveria ser doloroso. O procedimento
racterística da reação de medo), será que A foi o seguinte: o gerador de choque possuía
irá eliciar uma resposta eletrodermal menor 10 níveis e, inicialmente, era colocado no
do que B? E, mais importante, será que C nível 7 para a administração de um choque
irá eliciar uma resposta eletrodermal ain- breve (50ms). Foi pedido aos participantes
da maior do que o estímulo pareado dire- que classificassem esse choque, dando uma
tamente com o choque (B)? O objetivo do nota de 1-10 (sendo 8 o nível desconfortá-
primeiro experimento foi responder exata- vel, mas não doloroso). Se os participantes
mente a essas questões. considerassem o choque de qualquer nível
diferente de oito, a intensidade era aumen-
Vinte um participantes universitários (12 tada ou diminuída e outro choque apre-
para o grupo experimental e 9 para o con- sentado. Quando a intensidade fosse con-
trole) foram recrutados e receberiam cré- siderada como oito, um segundo choque
ditos em disciplinas por sua cooperação. idêntico era apresentado para ver se essa
Para garantir que os participantes apresen- avaliação permaneceria estável. Quando
tariam índices eletrodermais mensuráveis o participante considerasse dois choques
pelo galvanômetro, foi realizado um teste idênticos consecutivos avaliados como oito
de “explosão do balão”.2 Considerando os 12 a ‘calibragem da intensidade’ esta etapa era
sujeitos do grupo experimental, três deles finalizada. Dos nove participantes do grupo
não obtiveram o critério exigido no teste e experimental, um deles foi eliminado, por
foram eliminados do estudo. avaliar todos os choques do gerador com
notas menores que oito. Assim, oito par-
Consequentemente, nove participantes se- ticipantes seguiram para a próxima fase.
guiram para a próxima etapa, de seleção da Sete outros participantes constituíram um
intensidade do choque. Essa tarefa serviu Grupo Controle. Esses realizaram todas as
para calibrar a intensidade individual do etapas do experimento, exceto o treino de
choque elétrico. Esse estímulo precisava ser múltiplos exemplares.
de intensidade forte e desconfortável, mas

2
O galvanômetro é um instrumento que serve para medir a diferença Treino de Múltiplos Exemplares
de potencial elétrico entre dois pontos. Não são todos os participantes
expostos à avaliação do índice eletrodermal que mostram um respon- Nesse treino, um de três estímulos sem
der suficiente para realização de experimentos. Isso se dá devido a di-
versas características individuais da pele dos participantes. Dessa for- sentido (A, B ou C) eram apresentados no
ma, é comum nesse tipo de experimento, inicialmente, expor o sujeito
a uma avaliação para certificar que será possível coletar os dados com
topo da tela juntamente de três estímulos
aquele participante. Um dos testes realizados, o de explosão do balão
(Levis & Smith,1987) é um dos mais comumente realizados, e consiste
de comparação idênticos, que só variavam
em apenas verificar o efeito no índice eletrodermal diante da explosão em seu tamanho (e.g., uma bola pequena,
de um balão, que estava sendo enchido pelo participante de olhos ven-
dados. Se a alteração possuir uma magnitude mínima, no caso do expe- uma média e uma grande), apresentados na
rimento aqui descrito de 2 micromhos, ele estaria apto a participar. Do
contrário, o participante seria descartado do experimento. parte inferior. Diante do estímulo A, a esco-

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

lha correta seria o estímulo de comparação Treino e teste de transformação


de menor dimensão; diante de B, a escolha evocativa da resposta de pressão à
correta seria o estímulo de comparação com barra de espaços do computador
dimensão média; e diante de C a escolha Nesta etapa, os participantes foram instruí-
correta seria o de maior dimensão - como dos a pressionar a barra de espaço do com-
pode ser visto na Figura 1. Antes de iniciar a putador em uma frequência estável na pre-
tarefa, o participante foi informado que de- sença do estímulo B (médio). Eles também
veria selecionar um dos estímulos na parte foram informados que deveriam pressionar
inferior da tela e receberia feedback sinali- a barra de espaços durante todo o tempo
zando se sua escolha havia sido correta ou em que esse estímulo fosse apresentado na
incorreta. Durante o treino, foram usados tela do computador e que não haveria ne-
múltiplos conjuntos de estímulos de mes- nhum feedback para essa resposta. Por fim,
ma forma, porém com tamanhos relativos foram avisados que, uma vez que a frequ-
diferentes .(e.g., triangulo pequeno, médio e ência estivesse estável, outros estímulos se-
grande; quadrado pequeno, médio e grande riam apresentados na tela do computador;
etc.). Depois de aprender a responder cor- sua tarefa era pressionar a barra na frequ-
retamente para 12 conjuntos de estímulos ência que achassem apropriada para cada
distintos, três novos conjuntos foram apre- estímulo apresentado na tela. Após essas
sentados em tentativas de teste, ou seja, instruções, por modelação, o experimenta-
sem feedback para as respostas dos parti- dor pressionava a barra uma vez por segun-
cipantes. O objetivo dessa fase era verifi- do durante 30 segundos, com o estímulo B
car que os estímulos A, B e C continuariam presente na tela do computador. Seguindo
evocar respostas de escolha do comparação essa tentativa, o participante foi solicitado
menor, mediano e maior, respectivamente, responder da mesma maneira que o expe-
mesmo quando novos estímulos eram apre- rimentador. As tentativas foram repetidas
sentados e o feedback era retirado. Caso os até que o participante respondesse três ve-
participantes apresentassem uma alta por- zes seguidas mantendo uma frequência de
centagem de acertos no teste ( > 96%), pros- respostas constantes (dentro de mais ou
seguiam para outra etapa do estudo. menos 10% das respostas na tentativa ante-
rior). Mantida a estabilidade da taxa de res-
posta, os participantes foram expostos aos
testes, em que o estímulo B foi apresenta-
do quatro vezes e sucedido pelos estímulos
Figura 1. Figura baseada na Figura 1 de Dougher et. al. (2007), exempli-
A, B (novamente) e C. Essa fase tinha por
ficando um dos conjuntos de estímulos de comparação presentes no objetivo verificar se participantes modifica-
treino de múltiplos exemplares. No topo encontram-se os estímulos
A, B e C que sinalizariam a escolha dos comparações com dimensões, ram a taxa de resposta de forma consistente
menor maior e média respectivamente. As posições dos comparações
variavam a cada tentativa. com o treino relacional realizado anterior-

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mente. Será que a taxa de pressão à barra estímulo B, de forma idêntica, foi apresen-
em A e em C foi, respectivamente, menor e tado no centro da tela o estímulo A; após a
maior se comparada a taxa apresentada na sua apresentação, um choque elétrico com
presença do estímulo B? Vamos descrever a metade da voltagem de B foi apresentado.
última etapa do procedimento e descobrire- Após novo intervalo de 90s, o estímulo C
mos os resultados a seguir. foi apresentado, mas sem nenhum choque.
A ordem foi sempre a mesma descrita aqui,
B por seis vezes, seguido de A, B e C. As-
Pareamento e teste transformação sim como na pressão à barra, será que os
de função eliciadora da resposta índices eletrodermais foram modulados de
galvânica da pele forma coerente com o treino relacional? Ou
Na última etapa, ocorreu o pareamento do seja, será que a ativação da condutância
choque elétrico com o estímulo B e o tes- elétrica da pele foi maior para C do que para
te de transformação de função eliciadora. B, mesmo na ausência de qualquer parea-
Nessa etapa, os participantes foram instru- mento direto de C com o choque?
ídos que estímulos seriam apresentados na
tela do computador e eles receberiam cho-
ques. Eles não precisariam fazer nada, ex- Resultados e Discussão
ceto prestar a atenção nos estímulos apre- Todos os oito participantes do grupo expe-
sentados. Após as instruções, o participante rimental aprenderam a tarefa relacional, ou
permanecia sentado por cinco minutos e seja, responderam consistentemente aos
seu índice eletrodermal era registrado por estímulos apresentados inicialmente no
esse período como linha de base. O estímu- topo da tela (A = escolha o menor; B = esco-
lo B deveria adquirir a função de um estí- lha o médio; C = escolha o maior). A primei-
mulo aversivo condicionado, graças ao seu ra medida de interesse foi a frequência de
pareamento consistente com um choque pressão à barra no teste que apresentava os
elétrico. Nesse pareamento, o estímulo B foi estímulos A, B e C. Para todos os oito par-
exibido por 30 segundos na tela do compu- ticipantes do grupo experimental, a taxa de
tador e quando removido, foi apresentado o resposta diante de A e C refletiu os efeitos
choque elétrico. Esse condicionamento foi do treino relacional, ou seja, a taxa apresen-
realizado por seis vezes. tada em A e em C foi menor e maior do que
em B. Para dois participantes, a diferença
Essas tentativas de condicionamento ti- foi pequena, mas ocorreu de forma coe-
nham intervalo entre tentativas de 90s, para rente com o treino realizado. Porém, para
que os índices de condutância da pele pu- os seis outros participantes, a diferença foi
dessem ser estabilizados. Após o intervalo bem grande, em alguns casos até dobrando
da última tentativa de condicionamento do a frequência de respostas ao se comparar A

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

com B e B com C. Um resultado totalmen- choque. Apenas um participante do grupo


te diferente foi observado nos dados dos controle mostrou respostas maiores em A
sete participantes do grupo controle. Esses do que em B e para B em comparação a C.
participantes realizaram todas as etapas do
experimento, exceto o treino de múltiplos Os resultados tanto da resposta de pressão
exemplares, ou seja, não aprenderam A < B à barra como dos índices eletrodermais fo-
< C. Apenas um dos sete apresentou dados ram realmente surpreendentes nesse estu-
coerentes com o treino relacional, com uma do. Podemos destacar apenas duas limita-
diferença mínima entre o número de res- ções nesse procedimento: a quantidade de
postas emitidas. tentativas nos testes de transformação de
funções e a ordem dos testes. Apenas uma
A segunda medida de interesse foi o resul- tentativa foi realizada para cada teste e
tado dos testes de índices eletrodermais sempre na mesma ordem, tanto no teste da
diante de A e C. Os índices foram obtidos resposta de pressão à barra (após a estabili-
subtraindo o menor índice eletrodermal ob- dade, uma tentativa de teste para cada es-
servado durante os 30 segundos que pre- tímulo, A, B e C), como também na medida
cederam a apresentação do estímulo do do índice eletrodermal (primeiro, uma para
maior índice durante os 30 segundos de A e, em seguida, uma para C).
apresentação do estímulo. Não custa lem-
brar que os choques elétricos apresentados Em relação as pressões à barra, os autores
com a retirada dos estímulos B e A ocorre- mencionam que poderiam ter realizado um
ram sempre depois desta medida ser efetu- número maior de tentativas de teste, con-
ada. Os oito participantes do grupo controle tudo isso não ocorreu. Em relação ao índice
responderam de forma coerente com o trei- eletrodermal, múltiplas apresentações po-
no relacional realizado. Os autores relatam deriam interferir nos respondentes obser-
que, diante da apresentação do estímulo vados, alterando a condutância da pele dos
C, muitos deles ficavam assustados, e um participantes; portanto, os autores decidi-
deles chegou a tentar remover os eletrodos ram por uma única tentativa de teste. Em
de choque do seu braço. Além disso, vários relação à ordem dos testes, os experimenta-
participantes desse grupo relataram que dores já estavam usando o limite eticamen-
acreditavam que receberiam um choque te permitido para o choque. Não apresen-
mais forte, após a apresentação do estímulo tar o choque seguido do estímulo durante o
C. Esse tipo de resultado não foi observado teste poderia gerar um processo de extinção
para nenhum dos participantes do Grupo respondente. Como teriam que apresentar
Controle. Para cinco dos sete participantes, um choque, e não poderiam dar um choque
a resposta de maior magnitude foi diante mais forte que o que seguia B (incômodo,
do estímulo B, diretamente pareado com o mas não doloroso), as únicas opções seriam

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apresentar um choque menor para A ou um arbitrárias de comparação entre círculos


choque de intensidade igual a B para C. A coloridos de mesmo tamanho. Esse treino
segunda opção poderia afetar as respostas tinha por objetivo estabelecer um “ranking
que seriam apresentadas em seguida diante de tamanho” entre quatro círculos colo-
do estímulo A. Por essa razão, C foi escolhi- ridos. Para isso, o estímulo A (menor) era
do para ser testado sempre por último. apresentado no topo da tela junto de dois
circulos apresentados na parte inferior.
Nesse primeiro experimento, os estímulos Como A representava a dica “escolha o
A, B e C exerceram o papel de dicas contex- menor”, as respostas corretas seriam as se-
tuais relacionais (nesse caso, de compara- guintes: o círculo verde seria menor que o
ção) sinalizando a seleção do estímulos de roxo, o roxo menor que o azul e o azul me-
comparação, menores, médios e maiores. nor que o vermelho (verde < roxo < azul <
Contudo, o treino relacional foi baseado vermelho). Uma representação dessas rela-
em propriedades físicas dos estímulos, já ções pode ser observada na Figura 2. Dessa
que os estímulos de comparação tinham forma, se estivessem presentes na tela ver-
dimensões diferentes. Para verificar se os de e roxo (sempre na presença do estímulo
mesmos estímulos A, B e C possibilitariam A, no topo), a escolha do círculo verde seria
o estabelecimento de relações arbitrárias seguida da apresentação da palavra “corre-
de comparação entre estímulos, o segun- to”, enquanto a escolha do roxo seguida da
do experimento foi realizado empregando palavra “incorreto”.
estímulos de comparação com dimensões
idênticas.

Experimento 2- Objetivo e Método


Treino de Múltiplos Exemplares
No Experimento 2, seis participantes uni-
versitários foram expostos a três etapas. Na
primeira delas, foi realizado um treino de
múltiplos exemplares exatamente igual ao
Figura 2. Figura baseada na Figura 4 de Dougher et al (2007), exem-
Experimento 1. plificando tentativas presentes no treino relacional do Experimento 2.
Na parte superior, tentativas de treino. Na parte inferior, tentativas de
teste.

Treino relacional com círculos colo- As tentativas foram apresentadas aleato-


ridos riamente. O treino foi realizado até que os
Nesta etapa, os estímulos A, B e C foram participantes respondessem de forma cor-
então utilizados para estabelecer relações reta a doze tentativas consecutivas. Depois

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

de atingir esse critério de aprendizagem, os tiplos exemplares ensinou aos participan-


participantes foram expostos a um teste. tes as seguintes dicas: “diante de A, escolha
Durante esse teste, um dos três estímulos o menor”, “diante de B, escolha o médio”,
A, B ou C seria apresentado no topo da tela, “diante de C, escolha o maior”. A partir do
com três dos quatro círculos na parte infe- ensino dessas dicas contextuais que passa-
rior. Nenhuma consequência foi apresenta- ram a evocar respostas de comparação ba-
da nesse teste. Os participantes deveriam seadas em propriedades físicas, foi possível
responder escolhendo o círculo relativa- ensinar relações de comparação não mais
mente “maior”, “menor” ou “médio”, a partir baseadas em dimensões físicas (o tama-
do ranking ensinado no treino anterior (ver- nho dos estímulos), e sim relações em uma
de < roxo < azul < vermelho). O teste apre- convenção determinada pela programação
sentava 18 tentativas, e caso o participante do experimentador. Por isso, dizemos que
respondesse a todas corretamente, seguiria a relação entre os círculos (que tinham o
para a terceira etapa. mesmo tamanho) eram relações arbitrárias
de comparação, e que as dicas contextuais
foram arbitrariamente aplicadas à situação
Teste de transformação de função com os círculos para estabelecer o ranking
evocativa da resposta de pressão à entre eles. A pergunta, agora um pouco
barra mais complexa, envolve saber se relações
A última etapa do Experimento 2, foi prati- arbitrárias de comparação “verde < roxo <
camente igual ao treino e teste de pressão a azul < vermelho” também determinariam
barra realizado no Experimento 1, com uma diferentes taxas de pressão à barra de espa-
pequena mudança: o estímulo que foi utili- ços na presença dos círculos.
zado para o treino de pressão à barra, não
foi o B, e sim o círculo roxo. Além disso, os No teste de pressão à barra, cinco dos seis
círculos verde e azul, foram utilizados no participantes responderam de forma coe-
teste, em vez dos estímulos A e B. rente com o treino relacional arbitrário es-
tabelecido entre os círculos, ou seja, frequ-
ências menores foram observadas diante do
Resultados e Discussão verde e frequências maiores diante do azul,
Os seis participantes foram capazes de re- se comparadas à frequência observada na
alizar o treino de múltiplos exemplares e presença do estímulo roxo. Apesar dos re-
também o treino relacional com os círculos sultados consistentes, os autores afirmam
coloridos. Esse tipo de procedimento é um que existe uma chance (muito pequena) de
análogo de como aprendemos a relacionar as funções transformadas nos experimen-
eventos do ambiente de modo arbitrário, tos 1 e 2 não serem baseadas em relações
baseado em convenções. O treino de múl- derivadas entre os modelos, mas em as-

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sociações com as características não arbi- Encerrada essa etapa, sem qualquer instru-
trárias dos estímulos de comparação. Para ção, novas tentativas foram adicionadas.
investigar a ocorrência dessa possibilidade, Tais tentativas já correspondiam ao teste
novos estímulos foram adicionados inves- dessa segunda fase. Essas tentativas novas,
tigando relações de comparações entre os tinham o mesmo formato da primeira fase
modelos. com os números, mas esses números foram
substituídos pelas dicas contextuais do trei-
no de múltiplos exemplares (A, B e C), o que
Experimento 3 - Objetivo e Método pode ser observado no segundo painel da
Treino de Múltiplos Exemplares Figura 4. Esse procedimento foi executado
O Experimento 3 foi conduzido com sete por 18 tentativas.
participantes e consistiu apenas de duas
fases. A fase inicial foi exatamente igual ao
treino de múltiplos exemplares dos Experi-
mentos 1 e 2. Figura 3. Figura baseada na Figura 7 de Dougher et al. (2007), exempli-
ficando as tentativas de testes do Experimento 3.

Após essas tentativas, novos estímulos


Teste arbitrário de relações de com- foram introduzidos, inicialmente como
paração comparações e, mais tarde, como mode-
Nesta etapa, os participantes foram expos- los. Nesse teste, os pesquisadores queriam
tos a tentativas que apresentavam, na parte verificar se os participantes iriam inferir
de cima da tela do computador, um núme- esse ranking de estímulos abstratos basea-
ro; na parte central um símbolo de “menor dos nas relações aprendidas anteriormen-
que”, “maior que” ou “igual”; e na parte in- te. Exemplos dessas tentativas finais estão
ferior três outros números. Uma represen- apresentados no terceiro e quarto painéis
tação dessas tentativas pode ser observada da Figura 4. As novas figuras adiciona-
no painel da esquerda da Figura 3. Os par- das iriam acrescentar novos elementos ao
ticipantes foram instruídos que deveriam ranking original, aumentando o número de
“ler” a tela, como se colocassem o núme- estímulos relacionados (A-- < A- < A < B <
ro na parte superior à esquerda do sinal e C < C+ < C++). A cada estímulo novo apre-
um dos números na parte inferior à direi- sentado nesse teste, apenas uma resposta
ta do sinal. Além disso, foram informados poderia ser considerada correta. Esse novo
que deveriam escolher o número na parte ranking foi apresentado em cinco tipos de
de baixo que tornasse essa “equação” ver- tentativas diferentes: (1) A<B<C; (2) A- < A <
dadeira. O critério de encerramento dessa B; (3) A-- < A- < A; (4) B< C <C +; (5) C< C+ <
fase foi que os participantes apresentassem C++. Cada tipo de tentativa foi apresentado
seis tentativas corretas consecutivamente. seis vezes sem nenhum feedback.

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

Resultados e Discussão DESDOBRAMENTOS


Todos os sete participantes realizaram o
treino de múltiplos exemplares. Eles ne- Demonstrações robustas dos efeitos da
cessitaram do número mínimo de estímu- aprendizagem de relações arbitrárias entre
los para aprenderem a função das três di- estímulos têm proporcionado à Teoria das
cas contextuais A, B e C. Na Fase 2 desse Molduras Relacionais, uma explicação fun-
procedimento, dois dos sete participantes cional de diversos comportamentos huma-
responderam corretamente a todas as ten- nos complexos (Zettle et al, 2016; Stewart,
tativas do teste. Outros três participantes 2015; Dymond & Roche, 2013; Barnes-Hol-
responderam corretamente a todas as ten- mes, Barnes-Holmes, McHugh & Hayes,
tativas de quatro dos cinco tipos de testes e 2004). Essas explicações têm proporciona-
apresentaram índices superiores a 80% no do a inserção, o estudo e a intervenção da
restante. Apenas um participante apresen- Análise do Comportamento em diversas
tou resultados menos consistentes nesses áreas relevantes da Psicologia. Uma des-
testes, acertando em média 72% das tentati- sas áreas é a aplicação clínica. A transfor-
vas e com três dos cinco tipos de tentativas mação de funções na perspectiva da RFT
com critérios abaixo de 80%. O resultado ro- tem proporcionado avanços importantes
busto e coerente com as tentativas testadas em estudos sobre Ansiedade (Luciano et
na etapa final desse procedimento mostra al, 2013; Luciano et al 2014), Delírios Perse-
que os procedimentos de treino relacional cutórios (Stewart, Hughes & Stewart, 2017),
estabeleceram relações derivadas entre os Ideação Suicida (Hussey, Barnes-Holmes
estímulos presentes no treino. Esse resul- & Booth, 2016), Anedonia Social (Vilarda-
tado permite, segundo os autores, observar ga, Estévez, Levin & Hayes, 2012), Desam-
que, além de transformar as funções como paro Aprendido (Hooper & McHugh, 2013),
notado nos experimentos descritos ante- entre outros. Além disso, a RFT tem sido
riormente, o procedimento realizado no Ex- aplicada na explicação funcional da psi-
perimento 3 permitiu o estabelecimento de copatologia (Dymond, Roche, & Bennett,
uma rede relacional arbitrária entre novos 2013; Wilson, Hayes, & Zettle, 2001), bem
estímulos. Esses novos estímulos nunca fo- como no desenvolvimento de propostas de
ram pareados ou apresentados juntamente modelos de intervenções clínicas (Törneke,
com os estímulos que possuíam diferenças 2010; Törneke, Luciano, Barnes-Holmes, &
em sua dimensão. Todas essas relações adi- Bond, 2016; Villatte, Villatte, & Hayes, 2016).
cionais foram estabelecidas arbitrariamen- Nesse último caso, a RFT tem sido uma fer-
te. ramenta importante no entendimento dos
efeitos comportamentais de diferentes téc-
nicas utilizadas na ACT (Acceptance and
Commitment Therapy, Hayes, Strosahl,

197
João Henrique de Almeida, William Ferreira Perez

Wilson, 1999), tanto em investigações in- donia (Villatte, Monestès, McHugh, Frei-
terpretativas (e.g., Foody, Barnes-Holmes, xa i Baqué, & Loas, 2008) e esquizofrenia
Barnes-Holmes, Törneke, Luciano, Stewart, (Villatte, Monestès, McHugh, Freixa i Ba-
& McEnteggart, 2014) quanto experimentais qué, & Loas, 2010) Diversos outros trabalhos
(e.g., Foody, Barnes-Holmes, Barnes-Hol- foram desenvolvidos para avaliar e intervir
mes, Rai, & Luciano, 2015; Foody, Barnes- na Tomada de Perspectiva sob a ótica da
-Holmes, Barnes-Holmes, & Luciano, 2013; RFT (e.g., Lovett & Rehfeldt, 2014; McHugh,
Luciano et al., 2014; Gil-Luciano, Ruiz, Val- Barnes-Holmes, & Barnes-Holmes, 2004;
divia-Salas, & Suárez-Falcón, 2016). Rehfeldt, Dillen, Ziomek, & Kowalchuck,
2007).
A RFT também tem sido utilizada para
abordar problemas relacionados ao desen- Outra área muito relevante em que o estudo
volvimento. Uma dessas temáticas é a In- desses fenômenos tem contribuído grande-
teligência, em que métodos baseados em mente é a das questões sociais, amplamente
responder relacional têm sido repetida- conhecidas por psicólogos cognitivos como
mente comprovados como efetivos para atitudes implícitas, permitindo o estudo de
melhora do desempenho em testes de QI preconceitos, estigmatização social e prefe-
(Cassidy, Roche, Colbert, Stewart & Grey, rências. A transformação de funções permi-
2016; Cassidy, Roche & Hayes, 2011; O´To- te uma explicação comportamental precisa
ole, Barnes-Holmes, Murphy, O´Connor & desses fenômenos sociais e diversos estu-
Barnes Holmes, 2009). Outro tema que, até dos permitiram a investigação e o desen-
recentemente, era investigado apenas por volvimento de instrumentos para mensu-
psicólogos cognitivos e recebeu uma inter- ração de sua força (Hughes, Barnes-Holmes
pretação comportamental via RFT, é a To- & Vahey, 2012; Barnes-Holmes, Murphy &
mada de Perspectiva. Os comportamentos Barnes-Holmes, 2010; Barnes-Holmes, Bar-
relacionados à tomada de perspectiva po- nes-Holmes, Stewart & Boles, 2010; Mizael,
dem ser entendidos resumidamente como a de Almeida, Silveira & de Rose, 2016).
capacidade de assumir a perspectiva de ou-
tro, permitindo inferir suas crenças, emo- Esses e muitos outros temas relevantes
ções e desejos (Carpendale & Lewis, 2006). têm sido investigados recentemente (e.g.
Esse repertório é de suma importância para analogias, regras e instruções, gerativida-
nossa vida social, e déficits nesses compor- de e desenvolvimento linguagem) a partir
tamentos têm sido correlacionados com da perspectiva da RFT (ver, Stewart, 2015).
problemas de relacionamento interpesso- Portanto, podemos entender que essa nova
al e até mesmo com autismo (e.g., Ranick, interpretação do comportamento verbal
Persicke, Tarbox, Kornack, 2013; Rehfeldt, tem permitido uma explicação integrada de
Dillen, Ziomek, & Kowalchuk, 2007) , ane- vários comportamentos humanos comple-

198
Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

xos, baseada na aprendizagem relacional (ainda mais) eventos com os quais nunca
derivada. Essa abordagem funcional da lin- tivemos uma experiência aversiva direta
guagem tem permitido a investigação ana- e também como eventos aversivos podem
lítico comportamental de vários temas que ser categorizados por comparação, tal como
por muito tempo foram acessíveis apenas observado nos procedimentos de exposição
aos leitores interessados em outras aborda- realizados em terapia.
gens psicológicas.
Os estudos da transformação de função
ainda não são tão numerosos, e, assim, al-
CONSIDERAÇÕES FINAIS gumas relações receberam pouca atenção
dos pesquisadores, como é o caso de rela-
O experimento de Dougher e colaboradores ções espaciais ou relações hierárquicas de-
(2007) pode ser considerado um marco im- rivadas. Novos trabalhos têm surgido com
portante para o estudo da aprendizagem re- uma velocidade muito grande, e o entendi-
lacional derivada. Esse trabalho, junto com mento da cognição humana a partir desses
inúmeros outros da mesma época (para parâmetros comportamentais tem capaci-
uma revisão, ver Dymond, May, Munnelly, tado a Análise do Comportamento com um
& Hoon, 2010), permitiu que analistas do instrumental novo e abrangente.
comportamento se aventurassem a inves-
tigar e explicar fenômenos relacionados à O avanço do estudo da aprendizagem de-
linguagem e à cognição antes circunscritos rivada, isto é, de como esse tipo de respon-
somente a outras abordagens da psicologia. der relacional derivado amplia as possibi-
Isso ocorreu, especialmente, pela compre- lidades de aprendizagem humanas, tem se
ensão dos processos comportamentais que apresentado recentemente como uma linha
permitem a aquisição indireta de funções de pesquisa muito promissora. Para alguns
de estímulo via participação em redes de pesquisadores, o desenvolvimento dessa
relações arbitrárias. Tal noção possibilitou explicação da linguagem e cognição huma-
que um olhar analítico-comportamental na pode representar uma maior integração
fosse legítimo também em situações nas das vertentes básicas e aplicadas da Análise
quais uma história de aprendizado direta, do Comportamento, como também maior
via pareamento ou contingências de refor- inserção e impacto na Psicologia em geral
ço, parecia ausente, sendo as causas atri- (Hayes & Bernes, 2004).
buídas à mecanismos mentais (cognitivos).
Uma estrapolação dos dados obtidos no es- Conhecer o “poder” que a linguagem pode
tudo de Dougher et al. (2007) permite, por exercer – ampliando enormemente nossa
exemplo, compreender como são constru- interação com o ambiente - é essencial para
ídas as fobias, como aprendemos a temer o entendimento completo das contingên-

199
João Henrique de Almeida, William Ferreira Perez

cias a que nós seres humanos somos ex- junto de cinco experimentos em que são
postos. Pode parecer “magia” algo extrema- avaliadas relações de comparação, similari-
mente não científico. Porém, a proposta da dade e oposição entre diferentes conjuntos
RFT, apesar de nova, possui evidências ro- de estímulos (pokémons, produtos fictícios
bustas e mostra como a ciência pode auxi- e prêmios potenciais) Os efeitos de trans-
liar no entendimento deste fenômeno, para formação de função foram evidentes para
alguns inacessível ou “fantástico”. Como um conjunto diferente de medidas compor-
toda perspectiva recente, sabemos que ain- tamentais, explícitas e implícitas.
da há muito a ser feito, então, mãos à obra!
Perez, Nico, Kovac, Fidalgo, & Leonardi,
(2013) e de Rose, & Rabelo (2012). Textos
PARA SABER MAIS introdutórios sobre a Teoria das Molduras
Relacionais em língua portuguesa.
Perez, de Almeida, & de Rose (2015). Nesse
estudo, os pesquisadores ensinaram redes
relacionais de similaridade e oposição e ob- REFERÊNCIAS
servaram resultados consistentes de trans-
formação de funções emocionais avaliadas Barnes-Holmes, Y., McHugh, L., & Barnes-
por instrumentos de avaliação implícita e -Holmes, D. (2004). Perspective-taking and
explícita. Theory of Mind: A relational frame accou-
nt. The Behavior Analyst Today, 5, 15–25.
Perez, Nico, Leonardi, & Kovac (2015).
Nesse estudo, os pesquisadores mostraram Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y.,
a transferência de função de dica contex- Stewart, I. & Boles, S. (2010) A sketch of the
tual relacional em um procedimento com implicit relational assessment procedure
diversas variações, demonstrando a flexibi- (IRAP) and the elaboration and coherence
lidade do controle contextual. (REC) model. The Psychological Record, 60,
527-542
Gil, Luciano, Ruiz, & Valdivia-Salas (2012).
Esse estudo é uma das proposições iniciais Barnes-Holmes, D., Murph, A., & Barnes-
para o estabelecimento de relações hierár- -Holmes, Y. (2010) The implicit relational
quicas entre estímulos. Além disso, ele in- assessment procedure: exploring the im-
vestiga os efeitos da transformação de fun- pact of private versus public contexts and
ções em diferentes níveis hierárquicos. the response latency criterion on pro-whi-
te and anti-black stereotyping among Irish
Hughes, Barnes-Holmes, De Houwer, de individuals. The Psychological Record, 60,
Almeida, & Stewart (submetido). Esse con- 57-66.

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Capítulo XII | Teoria das Molduras Relacionais

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