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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 171

dológicas geralmente existentes nos estudos seqüência reforçadora e, para diminuir ou para
com humanos e entre os estudos com huma- terminar um comportamento indesejável, a
nos e outros animais. A discussão de algumas extinção ou a punição deve ser utilizada. En-
das importantes variáveis a serem consideradas tretanto, a análise comportamental aplicada
foi apresentada e pode explicar pelo menos pode ampliar as alternativas de intervenção ao
parte das discrepâncias encontradas nos resul- considerar os comportamentos e as conseqüên-
tados com animais infra-humanos e humanos. cias que concorrem com o comportamento-alvo
de um indivíduo. Esta forma de análise enten-
de que o tempo ou o esforço despendido em
APLICAÇÕES DA RELAÇÃO alguém ou em alguma situação é determinado
DE IGUALAÇÃO pelas conseqüências dessa escolha em relação
ao contexto de reforçamento total que o indi-
Um dos relatos que confirma a adequa- víduo obtém.
ção da relação de igualação para descrever o Considerando-se que em um determina-
comportamento humano em um ambiente na- do período de tempo um indivíduo pode emi-
tural é bastante recente (Symons et al., 2003) tir uma quantidade finita de respostas e que a
e contesta estudos anteriores (por exemplo, distribuição das respostas será proporcional à
Carr e McDowell, 1980; McDowell, 1981). Este distribuição de reforços obtidos nas diversas
estudo foi realizado com um homem de 36 anos alternativas disponíveis, é possível predizer
com diagnóstico de Autismo e Retardo Mental aumento em um comportamento “desejável”
Profundo, que batia a mão na cabeça ou nas não só quando os reforços do comportamento
pernas com força. Os comportamentos de alvo forem aumentados, mas também quando
automutilação e de comunicação apropriada reforços de comportamentos concorrentes fo-
foram analisados em relação à freqüência de rem reduzidos e uma diminuição em um com-
interações com os profissionais (repreensão, portamento “indesejável” não só quando os
dica, elogio e contato físico), as quais seguiam reforços do comportamento-alvo forem sus-
esses comportamentos. A freqüência relativa pensos, mas também quando reforços de com-
de automutilação decresceu com o aumento portamentos concorrentes forem ampliados.
da freqüência relativa de reforçamento de co- Essas alternativas de intervenção são especial-
municações apropriadas, conforme a predição mente interessantes quando as conseqüências
da relação de igualação. do comportamento-alvo são dificilmente mo-
O comportamento de atletas, quando es- dificadas – terapeuta, pais, professores não têm
colhem entre diferentes tipos de jogadas, é um controle sobre a sua apresentação –, como no
contexto interessante para avaliar a relação de caso de reforçamento automático. Estenden-
igualação. A predição é de que, por exemplo, a do-se a igualação para os outros parâmetros
proporção de arremessos de 3 pontos por jo- de reforçamento, pode-se ampliar ainda mais
gadores de basquete deve igualar a taxa relati- as possibilidades de intervenção para mudan-
va de cestas de 3 pontos, ou seja, o total de ças na magnitude e na imediaticidade relati-
cestas de 3 pontos dividido pelas cestas de 2 e vas do reforçamento.
3 pontos. Vollmer e Bourret (2000) avaliaram Tomaremos como exemplo uma criança
essa predição da igualação e comprovaram que, com dificuldade de concentrar sua atenção em
para os 14 jogadores que jogaram mais tem- tarefas escolares e, que muitas vezes, tira no-
po, a distribuição de arremessos de 2 e 3 pon- tas ruins devido à baixa freqüência de se en-
tos na temporada universitária de basquete gajar nestas tarefas. O procedimento mais co-
igualou às cestas realizadas de 2 e 3 pontos. mum utilizado pela escola é a adição de repre-
A aplicação e a divulgação dos princípios ensão pelo professor ao comportamento
comportamentais básicos têm enfatizado que, indesejado do aluno. De acordo com a análise
para aumentar a freqüência de um comporta- baseada na Equação 3, pode-se formular a hi-
mento desejável, deve-se apresentar uma con- pótese de que a distribuição do comportamen-
172 ABREU, RIBEIRO & COLS.

to do aluno reflete o valor relativo que as tare- gum outro comportamento é modificada na
fas acadêmicas têm para ele. A repreensão da direção oposta (por exemplo, Ayllon, Layman
professora não adiciona reforçamento às tare- e Kandel, 1975; Ayllon e Roberts, 1974; Kirby
fas acadêmicas e muito menos reduz os refor- e Shields, 1972).
çamentos para comportamentos alternativos Outros exemplos de aplicação em situa-
(por exemplo, conversar, brincar), portanto a ção natural são apresentados no Capítulo 10
predição é de que o comportamento do aluno deste livro, que analisa o autocontrole como
não se modificará. Suponhamos que a repre- um tipo especial de comportamento de esco-
ensão seja realmente um estímulo aversivo para lha. A relevância do tema para a aplicação não
a criança; pode-se, então, pensar que, nesse deve ser negligenciada pelo psicólogo que tra-
caso, o valor reforçador das conseqüências para balha em contextos diferentes daquele no qual
outras respostas seria reduzido e o aluno pas- ocorre o comportamento-alvo do cliente. Se no
saria a prestar mais atenção. É comum, entre- consultório clínico a ênfase é dada ao compor-
tanto, em uma sala de aula com muitos alunos tamento-alvo, ele certamente saberá muito
que o comportamento indesejável seja conse- pouco sobre o valor relativo do reforçamento,
qüenciado pelo professor apenas esporadica- e sua intervenção será limitada pelo desconhe-
mente, e a possibilidade de punição passe a cimento de fatores determinantes. A aplicação
ser discriminada pela correlação com o olhar do princípio de igualação a cada caso não é
do professor. Na ausência dos estímulos dis- uma tarefa simples e possui limites metodo-
criminativos para a contingência que inclui lógicos, conforme alerta Borrero e Vollmer
repreensão, nenhuma mudança de comporta- (2002). Em seção anterior já explicitamos as
mento é esperada. Se o professor, por outro condições necessárias para que a igualação
lado, aumentasse o reforçamento para reali- ocorra em situações controladas (por exemplo,
zar tarefas acadêmicas (por exemplo, adequan- contingência para resposta de mudança, conc
do a dificuldade da tarefa às condições da crian- VI VI, comportamento estável). Essas condições
ça, criando formas para que o sucesso seja devem ser lembradas também em uma análise
enfatizado, utilizando reforçadores naturais) funcional de fenômenos que ocorrem em situa-
ou diminuísse as fontes de reforçamento alter- ção natural, pois serão fatores limitantes tam-
nativos (por exemplo, tirando os brinquedos bém para a sua aplicação.
ou os coleguinhas “reforçadores” do ângulo de
visão da criança), estaria aumentando o valor
relativo das conseqüências do comportamen- CONCLUSÃO
to desejável e, portanto, esperar-se-ia um au-
mento das respostas nas tarefas acadêmicas. A Lei da Igualação e seu desenvolvimen-
Note que a análise a partir da noção de iguala- to contribuíram muito para a formalização de
ção implica necessariamente que o valor relações organismo-ambiente na análise do
reforçador das conseqüências seja definido comportamento. Ao se trabalhar com a noção
pelos reforços obtidos e não pelos reforços pro- de escolha, ampliou-se o foco da análise das
gramados. No exemplo em questão, portanto, conseqüências de uma resposta para o contex-
se se trata de uma criança que não consegue to de reforçamento, que inclui as conseqüên-
aprender com a metodologia adotada, seu com- cias de respostas concorrentes. Com essa mu-
portamento dificilmente será bem-sucedido, dança, novos fenômenos foram descobertos, e
mesmo que a professora esteja decidida a, por interpretações diferentes foram desenvolvidas.
exemplo, elogiar o empenho dela freqüen- A relação de igualação, originalmente descrita
temente. Nesse caso, a mudança inicial depen- no comportamento de pombos, tem sido gene-
derá também do replanejamento das tarefas ralizada para diferentes espécies, comporta-
de forma individualizada. Vários estudos con- mentos e contextos diferentes. Entretanto, o
firmam as predições de aumento ou de dimi- modelo já apresenta várias evidências de des-
nuição no comportamento-alvo de estudantes vios (principalmente no comportamento huma-
quando a freqüência de reforçamento para al- no) e os dois parâmetros livres da Equação 3
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(definidos como constantes empíricas) variam Bacotti, A. V. (1977). Matching under concurrent fixed-
em função de diversos fatores (por exemplo, ratio, variable-interval schedules of food presentation.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 27,
história experimental, número de sessões, tipo 171-182.
de esquema, tamanho do COD, estímulos Baum, W. M. (1974a). Choice in free-ranging wild
discriminativos). Isto sugere que o modelo não pigeons. Science, 185, 78-79.
é completo, apesar de sua utilidade como ins- Baum, W. M. (1974b). On two types of deviation from
trumento para analisar e descrever um con- the matching law: Bias and undermatching. Journal of
the Experimental Analysis of Behavior, 22, 231-242.
junto de relações freqüentemente encontradas
Baum, W. M. (1975). Time allocation in human
no laboratório. Em decorrência disso, mode- vigilance. Journal of the Experimental Analysis of Be-
los matemáticos diferentes têm sido propostos havior, 23, 45-53.
(por exemplo, Killeen, 1982; Killeen e Fantino, Baum, W. M. (1979). Matching, undermatching, and
1990), mas nenhum deles é, ao mesmo tem- overmatching in studies of choice. Journal of the Expe-
po, tão simples e tão geral. rimental Analysis of Behavior, 32, 269-281.
Vários estudos com humanos têm confir- Baum, W. M. (1982). Choice, changeover and travel.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 38,
mado a possibilidade de aplicação e exempli- 35-49.
ficado de que forma essa ferramenta de análi- Baum, W. M. (1983). Matching, statistics, and common
se pode ser útil em contextos clínicos, esporti- sense. Journal of the Experimental Analysis of Behavior,
vos e escolares, com diversos outros ainda ne- 39, 499-501.
cessitando ser explorados. A pesquisa básica Baum, W. M.; Rachlin, H. (1969). Choice as time allo-
cation. Journal of the Experimental Analysis of Behavior,
avançou muito nesse assunto nas últimas dé- 12, 861-874.
cadas. A aplicação desse conhecimento é um Boelens, H.; Kop, P. F. M. (1983). Concurrent schedules:
acontecimento relativamente recente e com Spatial separation of response alternatives. Journal of
evidências de sucesso. No Brasil, nossa contri- the Experimental Analysis of Behavior, 40, 35-45.
buição tem sido significativa no que se refere à Borges, F. S. (2002). Comportamento de escolha em hu-
pesquisa básica, mas estudos sobre a aplica- manos: Um estudo da diferença entre dizer e fazer. Dis-
sertação de Mestrado não publicada, Universidade
ção desse conhecimento ainda são escassos. Católica de Goiás, Goiânia, GO.
Borrero, J. C.; Vollmer, T. R. (2002). An application of
the matching law to severe problem behavior. Journal
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