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Capitulo IV – Catimbó / Jurema I

“Senhores Mestres me firmem o ponto


Senhores Mestres me abram a mesa
Quero um ponto de trabalho
Quero um ponto de defesa”
As primeiras formas de elaboração do culto da jurema foram descritas pelos cronistas
e viajantes a partir do século XVI, e mais tarde, pelos holandeses, quando, viajando
pelo sertão, narraram a vida e a cultura do povo tapuia (índios).
Essas descrições tratam de rituais em que bebiam, fumavam, manipulavam ervas
naturais, invocavam seus antepassados, como elementos culturais inseridos nos
costumes de práticas vividas coletivamente.
Com o avanço do processo de colonização, a população indígena foi sendo incorporada
à sociedade nacional e, consequentemente, suas práticas culturais foram
reelaboradas.
As principais ideias apresentadas por estudiosos sobre a concepção e a prática do
catimbó nordestino, procurando compreender como foi o processo de reelaboração
do culto da jurema, indígena, coletivo, para o catimbó nordestino, e qual a concepção
assumida nesse contexto histórico, situando-o como parte de um processo dinâmico
de reelaboração das práticas culturais. O primeiro esboço do catimbó nordestino,
segundo Roger Bastide (1989: 243), surge nas origens da colonização, denominando-se
"santidade" (nos já estudamos).
Outra ideia sobre o surgimento do catimbó nordestino é apresentada por Cascudo
(1978), e aponta para o encontro das tradições indígena com a africana. Embora
Cascudo trabalhe com dados etnográficos posteriores ao contexto da santidade do
Jaguaripe, sua análise é importante por conter outros elementos que ampliam a
compreensão do catimbó. Segundo Cascudo, a diluição étnica do indígena, na segunda
metade do século XVIII, depois da expulsão dos jesuítas, contribuiu para a dispersão da
população indígena.
Do encontro desta com o negro africano, esboça-se a prática do catimbó, feitiçaria,
individual. O índio e o negro são os lados de um ângulo cujo vértice e o "mestre" do
catimbó.
No catimbó negro, havia a magia branca e no caboclo "a contaminação foi imediata e
contínua". Ainda segundo Cascudo (1978: 90), paralelamente à prática do catimbó,
feitiçaria individual, havia o " adjunto da jurema “, cerimónias simplificadas do culto
indígena, a dança coletiva tupi, realizada em segredo, com fins religiosos e
terapêuticos.
Uma dessas cerimonias foi observada por Koster (1942: 311) em 1816 entre os
membros de uma família que habitava uma plantação na região norte de Olinda.
Assim descreve Koster a reunião indígena:
Um grande vaso de barro estava no centro, ao redor do qual dançavam homens e
mulheres. O cachimbo passava de uns aos outros. Pouco depois, uma jovem indígena
disse, em grande segredo, a uma companheira, de classe diversa da sua, que fora
mandada dormir, dias antes, numa cabana das vizinhanças porque seu pai e sua
mãe iam beber jurema.
Segundo Bastide "o catimbó não passa da antiga festa da jurema, que se modificou em
contato com o catolicismo, a cerimónia descrita é indígena, possui uma função social,
embora já seja visível a penetração de elementos católicos. Para o autor, este seria um
modelo bastante próximo do catimbó, porém afirma que o catimbó começará a existir
somente após a desagregação desta primeira coletividade, quando nada mais
subsistirá da antiga solidariedade tribal, quando os mestiços estarão dispersos ou
urbanizados, presos nas malhas da nova estrutura social, de classes superpostas, onde
ocupam a base da escala. O catimbó é um culto individual e não mais social para onde
as pessoas vão para curar seus males físicos e espirituais.
Apesar da desintegração das populações indígenas e da concepção mágica do catimbó,
é possível esboçar, embora pobre e incipiente, uma mitologia para o catimbó.
Uma dessas explicações apresenta uma visão cristã quanto às origens do culto ao
afirmar que, antes do nascimento de Deus, a jurema era tida como uma árvore
comum, mas "quando a virgem, fugindo de Herodes, no seu êxodo para o Egito,
escondeu o menino Jesus num pé de jurema, que fez com que os soldados romanos
não o vissem, imediatamente, ao contato com a carne divina, a árvore encheu-se
de poderes sagrados", justificando, assim, que a força da jurema não é material, mas
espiritual, dos espíritos que passaram a habitá-la.
Outra explicação mitológica foi aquela transmitida pelos indígenas, e ensina a crença
na existência de um mundo sobrenatural (o "mundo do além") concebido como um
outro mundo natural, dividido cm reinos encantados, que se subdividem em
estados e esses, por sua vez, em cidades. Cada cidade é dirigida por três "mestres"
(entidades espirituais).
Um reino é formado por doze cidades, com trinta e seis "mestres", e compreende
dimensões, com topografia, serras, florestas, rios, população e cidades cuja forma,
algarismo e disposição ainda não foram fixados pelos "mestres" terrestres.
Cada "mestre" tem uma linha, que é o cântico que precede sua visita à terra este
"reinado" é formado, portanto, por chefes indígenas, almas das pessoas mortas, os
antigos catimbozeiros, espíritos católicos e espíritos negros.
O "mestre" é a entidade espiritual central dos catimbós nordestinos são catimbozeiros
falecidos que viveram na Terra.
Nas cerimónias de catimbó, também denomina-se mestre o dirigente de uma sessão,
que realizará seus trabalhos com a ajuda de um espírito assistente e um outro espírito
que preside a mesa ou sessão.
A ingestão da jurema permite ao descendente do pajé viajar pelo mundo sobrenatural,
a iniciação torna-se uma iniciação vegetal, a do segredo da bebida mágica.
A linha de cada mestre resume a ação sobrenatural, as excelências do poder e a sua
especialidade técnica, sem canto não há encanto todo feitiço é feito musicalmente.
Cada mestre possui fisionomia própria, gestos, voz, manias, predileções. Cada um
narra suas aventuras, conta seu nome e sua vida.
A linha é o canto entoado pelo mestre da mesa e continuado, por intermédio de sua
boca, pelo mestre do além, as linhas reproduzem a apresentação do mestre, a melodia
é privativa de cada um.
O canto é acompanhado apenas pela "marca", as linhas são brasileiras, na acepção de
uma soma de elementos diferenciados e fundidos, determinando a música socializada,
criada pela colaboração anónima e múltipla da população".
Os mestres do além, donos dos bons saberes, são de várias nações e raças; todos falam
português. São caboclos, indígenas; negros, escravos africanos; são mestres brancos,
catimbozeiros afamados; são mestiços, uns não têm história, outros narram sua vida.
O "mestre" possui a semente é o sinal de sua legitimidade e autenticidade, eficácia e
poder sobrenatural.
A semente é um nódulo, uma espécie de quisto pequeno um "mestre do além"
promete a um "mestre" a suprema oferta de uma "semente", prémio aos
merecimentos pessoais do devoto.
Outro "mestre do além" é encarregado de trazer a "semente" e colocá-la no corpo do
discípulo em hora e situação que este não sinta a operação, um dia o discípulo verifica
que possui a consagrada "semente" que o sagra "mestre".
Ao lado da ideia de um mundo sobrenatural, para onde a alma viaja durante o êxtase,
o catimbó é composto de outros elementos, como o uso da defumação para curar
doenças e o emprego do fumo para entrar em estado de transe.
A fumaça é expelida, ao contrário da pajelança que é absorvida, sendo o poder
intoxicante do fumo substituído pela ação da jurema.
Os estados mentais com agitação são tratados pelos catimbozeiros com sarro de
cachimbo e exorcismo de pinhão roxo.
Raspam o sarro de um cachimbo que já tenha sido empregado nos defumatórios e
colocam o resíduo obtido na língua do paciente.
Depois dão lhe uma surra com ramos de pinhão roxo...
Os rituais observados e estudados por Cascudo apresentam uma sequência que tem
início na liturgia, seguindo com a defumação o canto das linhas com a incorporação
das entidades.
Não existe uma indumentária especial, a organização interna do culto e a hierarquia
são muito simples e podem ser ocupadas por homens e mulheres, apresenta a
seguinte divisão: a) mestre, que preside o culto; b) discípulos-mestres, em pequeno
número, que aprendem e dentre os quais serão escolhidos futuramente os mestres; c)
discípulos, dos quais saem os discípulos-mestres; d) a irmandade, a comunhão dos
crentes; e) o criado, aquele que procura as raízes da jurema, que serve de agente de
ligação entre o sertão e o litoral.
Cascudo, por sua vez, observa uma divisão mínima entre mestre, auxiliares e corpo de
médiuns.
Para Bastide , a mística da mitologia, com suas divisões administrativas e uma
organização simples do culto, permite a coexistência de "seitas autónomas" e uma
"mobilidade religiosa".
O que conta "são os desejos ou as necessidades individuais, é a vida cotidiana com
suas doenças, seus romances de amor, seus ganhos, suas tristezas e seus sonhos de
um futuro melhor.

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