Senhores Mestres me abram a mesa Quero um ponto de trabalho Quero um ponto de defesa” As primeiras formas de elaboração do culto da jurema foram descritas pelos cronistas e viajantes a partir do século XVI, e mais tarde, pelos holandeses, quando, viajando pelo sertão, narraram a vida e a cultura do povo tapuia (índios). Essas descrições tratam de rituais em que bebiam, fumavam, manipulavam ervas naturais, invocavam seus antepassados, como elementos culturais inseridos nos costumes de práticas vividas coletivamente. Com o avanço do processo de colonização, a população indígena foi sendo incorporada à sociedade nacional e, consequentemente, suas práticas culturais foram reelaboradas. As principais ideias apresentadas por estudiosos sobre a concepção e a prática do catimbó nordestino, procurando compreender como foi o processo de reelaboração do culto da jurema, indígena, coletivo, para o catimbó nordestino, e qual a concepção assumida nesse contexto histórico, situando-o como parte de um processo dinâmico de reelaboração das práticas culturais. O primeiro esboço do catimbó nordestino, segundo Roger Bastide (1989: 243), surge nas origens da colonização, denominando-se "santidade" (nos já estudamos). Outra ideia sobre o surgimento do catimbó nordestino é apresentada por Cascudo (1978), e aponta para o encontro das tradições indígena com a africana. Embora Cascudo trabalhe com dados etnográficos posteriores ao contexto da santidade do Jaguaripe, sua análise é importante por conter outros elementos que ampliam a compreensão do catimbó. Segundo Cascudo, a diluição étnica do indígena, na segunda metade do século XVIII, depois da expulsão dos jesuítas, contribuiu para a dispersão da população indígena. Do encontro desta com o negro africano, esboça-se a prática do catimbó, feitiçaria, individual. O índio e o negro são os lados de um ângulo cujo vértice e o "mestre" do catimbó. No catimbó negro, havia a magia branca e no caboclo "a contaminação foi imediata e contínua". Ainda segundo Cascudo (1978: 90), paralelamente à prática do catimbó, feitiçaria individual, havia o " adjunto da jurema “, cerimónias simplificadas do culto indígena, a dança coletiva tupi, realizada em segredo, com fins religiosos e terapêuticos. Uma dessas cerimonias foi observada por Koster (1942: 311) em 1816 entre os membros de uma família que habitava uma plantação na região norte de Olinda. Assim descreve Koster a reunião indígena: Um grande vaso de barro estava no centro, ao redor do qual dançavam homens e mulheres. O cachimbo passava de uns aos outros. Pouco depois, uma jovem indígena disse, em grande segredo, a uma companheira, de classe diversa da sua, que fora mandada dormir, dias antes, numa cabana das vizinhanças porque seu pai e sua mãe iam beber jurema. Segundo Bastide "o catimbó não passa da antiga festa da jurema, que se modificou em contato com o catolicismo, a cerimónia descrita é indígena, possui uma função social, embora já seja visível a penetração de elementos católicos. Para o autor, este seria um modelo bastante próximo do catimbó, porém afirma que o catimbó começará a existir somente após a desagregação desta primeira coletividade, quando nada mais subsistirá da antiga solidariedade tribal, quando os mestiços estarão dispersos ou urbanizados, presos nas malhas da nova estrutura social, de classes superpostas, onde ocupam a base da escala. O catimbó é um culto individual e não mais social para onde as pessoas vão para curar seus males físicos e espirituais. Apesar da desintegração das populações indígenas e da concepção mágica do catimbó, é possível esboçar, embora pobre e incipiente, uma mitologia para o catimbó. Uma dessas explicações apresenta uma visão cristã quanto às origens do culto ao afirmar que, antes do nascimento de Deus, a jurema era tida como uma árvore comum, mas "quando a virgem, fugindo de Herodes, no seu êxodo para o Egito, escondeu o menino Jesus num pé de jurema, que fez com que os soldados romanos não o vissem, imediatamente, ao contato com a carne divina, a árvore encheu-se de poderes sagrados", justificando, assim, que a força da jurema não é material, mas espiritual, dos espíritos que passaram a habitá-la. Outra explicação mitológica foi aquela transmitida pelos indígenas, e ensina a crença na existência de um mundo sobrenatural (o "mundo do além") concebido como um outro mundo natural, dividido cm reinos encantados, que se subdividem em estados e esses, por sua vez, em cidades. Cada cidade é dirigida por três "mestres" (entidades espirituais). Um reino é formado por doze cidades, com trinta e seis "mestres", e compreende dimensões, com topografia, serras, florestas, rios, população e cidades cuja forma, algarismo e disposição ainda não foram fixados pelos "mestres" terrestres. Cada "mestre" tem uma linha, que é o cântico que precede sua visita à terra este "reinado" é formado, portanto, por chefes indígenas, almas das pessoas mortas, os antigos catimbozeiros, espíritos católicos e espíritos negros. O "mestre" é a entidade espiritual central dos catimbós nordestinos são catimbozeiros falecidos que viveram na Terra. Nas cerimónias de catimbó, também denomina-se mestre o dirigente de uma sessão, que realizará seus trabalhos com a ajuda de um espírito assistente e um outro espírito que preside a mesa ou sessão. A ingestão da jurema permite ao descendente do pajé viajar pelo mundo sobrenatural, a iniciação torna-se uma iniciação vegetal, a do segredo da bebida mágica. A linha de cada mestre resume a ação sobrenatural, as excelências do poder e a sua especialidade técnica, sem canto não há encanto todo feitiço é feito musicalmente. Cada mestre possui fisionomia própria, gestos, voz, manias, predileções. Cada um narra suas aventuras, conta seu nome e sua vida. A linha é o canto entoado pelo mestre da mesa e continuado, por intermédio de sua boca, pelo mestre do além, as linhas reproduzem a apresentação do mestre, a melodia é privativa de cada um. O canto é acompanhado apenas pela "marca", as linhas são brasileiras, na acepção de uma soma de elementos diferenciados e fundidos, determinando a música socializada, criada pela colaboração anónima e múltipla da população". Os mestres do além, donos dos bons saberes, são de várias nações e raças; todos falam português. São caboclos, indígenas; negros, escravos africanos; são mestres brancos, catimbozeiros afamados; são mestiços, uns não têm história, outros narram sua vida. O "mestre" possui a semente é o sinal de sua legitimidade e autenticidade, eficácia e poder sobrenatural. A semente é um nódulo, uma espécie de quisto pequeno um "mestre do além" promete a um "mestre" a suprema oferta de uma "semente", prémio aos merecimentos pessoais do devoto. Outro "mestre do além" é encarregado de trazer a "semente" e colocá-la no corpo do discípulo em hora e situação que este não sinta a operação, um dia o discípulo verifica que possui a consagrada "semente" que o sagra "mestre". Ao lado da ideia de um mundo sobrenatural, para onde a alma viaja durante o êxtase, o catimbó é composto de outros elementos, como o uso da defumação para curar doenças e o emprego do fumo para entrar em estado de transe. A fumaça é expelida, ao contrário da pajelança que é absorvida, sendo o poder intoxicante do fumo substituído pela ação da jurema. Os estados mentais com agitação são tratados pelos catimbozeiros com sarro de cachimbo e exorcismo de pinhão roxo. Raspam o sarro de um cachimbo que já tenha sido empregado nos defumatórios e colocam o resíduo obtido na língua do paciente. Depois dão lhe uma surra com ramos de pinhão roxo... Os rituais observados e estudados por Cascudo apresentam uma sequência que tem início na liturgia, seguindo com a defumação o canto das linhas com a incorporação das entidades. Não existe uma indumentária especial, a organização interna do culto e a hierarquia são muito simples e podem ser ocupadas por homens e mulheres, apresenta a seguinte divisão: a) mestre, que preside o culto; b) discípulos-mestres, em pequeno número, que aprendem e dentre os quais serão escolhidos futuramente os mestres; c) discípulos, dos quais saem os discípulos-mestres; d) a irmandade, a comunhão dos crentes; e) o criado, aquele que procura as raízes da jurema, que serve de agente de ligação entre o sertão e o litoral. Cascudo, por sua vez, observa uma divisão mínima entre mestre, auxiliares e corpo de médiuns. Para Bastide , a mística da mitologia, com suas divisões administrativas e uma organização simples do culto, permite a coexistência de "seitas autónomas" e uma "mobilidade religiosa". O que conta "são os desejos ou as necessidades individuais, é a vida cotidiana com suas doenças, seus romances de amor, seus ganhos, suas tristezas e seus sonhos de um futuro melhor.