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Capitulo II – Santidade – VI (final)

Os gestos de Fernão Cabral durante os meses em que parte da santidade permaneceu


em suas terras bem poderiam sugerir, à primeira vista, que o senhor de escravos
passou a crer nos caraíbas tupinambá.
Fernão Cabral consentiu que os índios erigissem sua igreja a meia légua (ou cerca de
três quilômetros) da casa-grande de Jaguaripe.
Certamente era da sua propriedade a madeira utilizada para a feitura da cruz, do
confessionário e outros adereços que compunham o instrumental litúrgico da seita. A
manutenção do culto também foi de alçada de Fernão Cabral, "que amparava e
mandava as cousas necessárias", a exemplo das velas que mantinham as "candeias
acesas" dia e noite na igreja dos índios. Chegou a ponto de designar alguns de seus
serviçais para ajudar os índios no que fosse necessário, a exemplo de seu criado
Siqueira, a quem ordenava que fosse "espevitar as candeias do ídolo". Até mesmo os
"paninhos velhos" que adornavam o ídolo foram presentes de Fernão Cabral para
agradar os índios.
E certo que, recebendo tamanhas demonstrações de apoio na fazenda de Jaguaripe, a
santidade cresceu extraordinariamente em número de adeptos. índios escravos de
várias fazendas e engenhos do Recôncavo passaram a frequentar a Santidade de
Jaguaripe, alguns com a autorização de seus senhores, como no caso dos escravos
de Ambrósio Peixoto, genro de Fernão Cabral, a maioria como fugitivos índios que se
revoltaram contra seus senhores ou contra os jesuítas e acabavam migrando para
Jaguaripe. Não faltam notícias, ainda, sobre a adesão de negros da Guiné, mamelucos
e até brancos que se converteram à santidade e praticaram suas cerimônias.
A santidade se agigantava a olhos vistos no seu refúgio de Jaguaripe, incitando
revoltas, incendiando a Bahia.
Aumentava a santidade e crescia também a mão-de-obra disponível na fazenda de
Fernão Cabral, o senhor de Jaguaripe acobertava a santidade diziam "para adquirir
mais escravos" ou "para seu proveito temporal".
Talvez, Fernão Cabral procurasse ganhar tempo, protegendo e reverenciando a seita
enquanto aguardava o regresso de Tomacaúna com o restante da santidade, e como
precisava obter a confiança dos índios recém-chegados, não lhe seria possível pô-los
logo a trabalhar nas roças, submetendo-os ao cativeiro de que desejavam fugir.
Grave dilema o do senhor de Jaguaripe: manter acesa para os índios a ilusão de que
sua fazenda era a "terra da imortalidade" tupi e ao mesmo tempo, explorar o trabalho
dos nativos. É possível que, caso o restante da santidade viesse a ter mesmo a seu
engenho, Fernão Cabral, com o tempo destruísse a seita e cativasse todos os índios os
seguidores da santidade, os escravos alheios, os forros das missões, todos os inativos,
enfim, que se aglomeravam em Jaguaripe.
O certo, porém, é que Fernão Cabral perdeu completamente o controle da situação:
multiplicavam-se as fileiras de adeptos da santidade em seus domínios, e ele, em vez
de explorá-los como supostamente desejava, só fazia adular o clero indígena e render
culto ao seu ídolo. Não por acaso, há depoimentos de que o "gentio da seita"
costumava chamá-lo de Tupã, o herói-trovão que, no mito tupi, avisara Tamandaré do
dilúvio iminente, permitindo que o ancestral tupinambá se salvasse no alto da
palmeira.
Fernão Cabral não teve como resistir e assistiu, sabe se lá de que modo, à destruição
da santidade e de seu projeto megalómano de tornar-se o principal, se não o único
senhor de escravos da Bahia, dono de todos os índios, forros e guinés, governador de
todos os mamelucos, verdadeiro rei da Bahia.
No tocante aos índios, viram ruir num só momento, imóveis, sem esboçar reação
alguma, o antigo sonho de encontrar a Terra sem Mal nas bandas do mar, sonho a que
tinham renunciado ao se embrenhar nas matas com a chegada dos portugueses.
Sonho que por vezes reabilitavam, ao ouvir colonos ardilosos lhes dizer que era no mar
que ficava a terra do bem-viver. Na sua eterna luta contra a história, o mito sairia,
uma vez mais, derrotado.
O desafio teórico que a Santidade de Jaguaripe nos impõe é entender o caráter de seu
conteúdo católico-tupinambá.
Das descrições do movimento podemos pinçar os componentes que são expressão de
ambiguidade: o céu, o batismo, os nomes, as orações, as confissões, as reverências ao
ídolo e os objetos que compunham a igreja (altares, mesa, sacristia, pia de batismo,
água benta, castiçais de pau, livros de folhas de casca de árvore, cadeiras para
confessar mulheres, instrumentos musicais, rosários e cruzes).
Destes componentes tomamos o céu e o batismo, por reunirem mais elementos, a
partir dos quais podemos levantar algumas ideias.
Em sua pregação, a Santidade era o verdadeiro caminho para se chegar ao céu. Porém,
"a qual céu se referia a pregação? Ao paraíso cristão ou à terra sem mal?" (Vainfas,
1992). O autor admite a possibilidade de a noção do paraíso cristão ter sido integrada
ao universo simbólico da Santidade. Por outro lado, cita a parábola tupi
frequentemente enunciada pelo caraíba, de que não seria mais necessário trabalhar,
posto que, caso a Santidade triunfasse, os alimentos nasceriam espontaneamente da
terra ou seriam caçados pela ação das próprias flechas.
Isso o leva a concluir por uma "confusão entre os dois paraísos", justificada pela
heterogeneidade dos adeptos da seita, não só índios, mas também negros e brancos.
A cerimónia do batismo dos novatos era presidida pelo caraíba, que fazia uso de água
e de óleos no ofício. O nome do estreante era escolhido pelo chefe religioso e tanto
podia ser nome cristão como tupi. São nomes como Papa (o do caraíba), Mãe de
Deus (líder da Santidade em Jaguaripe), Santinho ou Santíssimo (auxiliar de Mãe de
Deus). Bispos e vigários são também nomeados, não ficando claro se estas nomeações
denotavam a reprodução da instituição clerical ou apenas o uso dos nomes, sem
os seus significados.
Em todo caso, embora a cerimônia do batismo fosse uma afirmação do ritual católico,
o seu significado era a negação do batismo cristão. Mas aqui se coloca uma questão:
esta negação levava de volta à condição indígena ou apontava para uma purificação
do ritual católico? Embora este evento possa ser visto como a negação do batismo
cristão, por outro lado ele pode ser percebido como um aperfeiçoamento deste
sacramento.
Nesse caso, o batismo não seria a negação dos preceitos do catolicismo. Seria a
negação da prática dos padres, considerada incongruente com os seus
preceitos doutrinários.
Enfim, tanto para o tema do céu como para o tema do batismo, é necessário uma
investigação mais profunda para que se possa perceber mais a contendo os sentidos
que tiveram.
Elementos mais genuinamente indígenas nós encontramos na virtude do caraíba de
falar com os espíritos, na separação entre homens, mulheres e crianças, durante os
cortejos que seguiam o líder, nos bailes, no uso da erva-santa, nas possessões, nos
cantos e nas defumações. Sobre esses componentes não há equívoco quanto a sua
origem nativa.

RESUMO

Podemos perceber que no inicio os tupinambás eram orientados pelo pajé que visitava
a aldeia de tempos em tempos a irem para o litoral, pois lá era a terra sem males, mas
no litoral acabaram encontrando os portugueses e foram escravizados e obrigados
pelos jesuítas a se converterem ao catolicismo, com o passar dos tempos os índios se
revoltam e começam a fugir para o sertão.
Nessa época ainda não havia os aldeamentos e os jesuítas iam a mata atras dos índios,
somente após a chegada de Anchieta é que a ordem se inverte e os índios são trazidos
novamente para o litoral para o que se chamava redução, novamente com a falsa
promessa de o litoral ser a terra sem mal.
A santaria nasce dessa mescla da crença indígena com o catolicismo, e o seu fundador
Antônio nada mais é que um índio que foi catequisado pelos jesuítas que foge e faz
essa mescla.
Alias a santaria de Jaguaribe foi destruída, mas de seu fundador que ficou na mata não
se tem notícia.
Apesar da derrota em Jaguaribe a santaria já havia se espalhado e cada dia que se
passava o numero de adeptos só aumentava pois, muitos gentios, escravos,
mamelucos, pagãos e etc. fugiam para os agrupamentos na mata que vieram a se
chamar quilombo (palavra de origem africana) e lá se juntaram aos índios.
A santaria que já recebia influencia católica começa a receber a influencia Bantu e com
o passar do tempo o rito vai se transformando e faz surgir novas religiões, sendo uma
delas o Calundu que será o nosso próximo estudo.

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