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Resistência indígena

MOMENTOS DA RESISTÊNCIA DOS NATIVOS FRENTE A "VERDADEIRA"


FÉ CIRSTÃ NO BRASIL COLONIAL

O principal interesse da coroa portuguesa, no sentido de "descobrir" novas terras, era o


de estabelecer novas rotas comerciais. O Brasil, Terra de Santa Cruz, Terra de Vera
Cruz, carregava estes nomes não por acaso. Os portugueses, desde à tomada de Celta
em 1415, carregavam consigo o espírito das cruzadas. As embarcações da expedição
cabralina trazia a cruz da Ordem de Cristo estampada em suas velas. D. Manuel I, então
rei de Portugal, era também Grão -- Mestre da Ordem de Cristo.

Em 1500, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, o Brasil foi batizado com a fixação
em terra da primeira cruz, seguida da reza da primeira missa, proferida, na ocasião, pelo
frei Henrique de Coimbra, um franciscano.

Portanto, a religiosidade sempre esteve presente no processo de colonização dos


portugueses.

Bahia, na primeira metade do século XVI

Os navegadores portugueses, além da beleza, encontraram também os homens gentios,


assim denominados por Manuel da Nóbrega, que representava um dos quadros da
Companhia de Jesus, fundada e 1534 por Inácio de Loyola. Era da incumbência de
Nóbrega a Missão no Brasil, além da educação dos filhos de colonos. Todas atividades
que a Companhia de Jesus realizava era peara glória de Deus, um lema dos soldados de
Cristo.

A primeira impressão deixada pelos nativos na visão dos viajantes era de que estes
homens gentios não possuíam qualquer vínculo religioso, ou seja, não adoravam
nenhum tipo de Deus, nenhuma santidade, ou até mesmo um ídolo. Voltaremos a tratar
deste aspecto mais afrente. No entanto, não demoraria muito tempo para que este
conceito elaborado pelos portugueses caíssem por terra.

Ronaldo Vainfas, um renomado estudioso de assuntos coloniais do Brasil, trata desta


dimensão da religiosidade dos índios deste período. Com muito brilhantismo e
competência, o autor reúne fontes fidedignas que nos revela à preocupação, por parte
dos portugueses - jesuítas, após terem se apercebidos da estrutura ritual religiosa contida
nos Tupinanbás -- tupi, tribo que iremos nos concentrar neste humilde trabalho.

Tentaremos demonstrar, modestamente, pelo menos algumas particularidades deste


assunto pouco explorado pela historiografia brasileira.

A principal tarefa dos portugueses - inacianos no Brasil seria a de "organizar" os índios,


trazê-los para a verdadeira fé cristã, para que assim, costumes como a poligamia, a
antropofagia, o andar sem roupas, dentre outros, fosses extirpados. Havia unanimidade
quanto ao entendimento, por parte dos jesuítas, que tal feito seria fácil, visto que,
segundo Nóbrega, estes nativos não adoram nenhum Deus, dizia ele: "são como papel
branco, onde podemos escrever à vontade", eram os tupinambás.

Entretanto, não demorou muito para os padres se conscientizarem quanto às


dificuldades que os aguardara, eles achavam que os índios eram governados sim, mas
pelo demônio, seria, portanto, um trabalho árduo e, sobretudo, perigoso.

O fato é que os jesuítas não tinham muito tempo para o feito "missionário", pois a
colonização precisava de mão -- de -- obra. Em Pernambuco no ano de 1530 a
colonização do açúcar já estava funcionando. Temos de um lado a resistência dos índios
e do outro as ambições escravistas, na ocasião, para engenhos de açúcar. A verdade é
que os índios ficaram entre os apresadores de escravos (mamelucos) e os padres
jesuítas. Estes últimos diziam para os pajés que eles, padres, eram os verdadeiros pajés,
diziam ainda que os índios não poderiam seguir os mamelucos, por outro lado, estes
apresadores também instaram os nativos para que não ouvissem os jesuítas.

Os índios ora ouviam os apresadores, ora os padres, mas em outras oportunidades não
ouviam nem um nem outro, travando assim, uma guerra que terminava com rituais
antropofágicos.

Os colonizadores, segundo Vainfas, ficaram impressionados com a descoberta de um


dos rituais dos tupis, denominado santidade. Para os índios esta santidade era a
constante procura da Terra sem Mal, um espaço sagrado, o tempo sagrado, que se
renova eternamente, sem conhecimento de sua origem e fim.

Essas descrições estavam presentes pela santidade Jaguaripe (movimento que


desenvolveu-se no recôncavo baiano, conforme veremos), um tipo de idolatria indígena,
minuciosamente estudada pelo autor. Era um movimento religioso do século XVI.
Vainfas diz que esta santidade era um mito, que se posicionava contra a história,
falaremos um pouco mais deste movimento daqui a pouco.

O que podemos ver é, na verdade, uma grande resistência, por parte dos nativos. Uma
resistência antiescravista que era absorvida por esta santidade tupi.

Nóbrega conhecera o rito da santidade, logo percebeu o perigo desta dimensão dos
nativos, descreveu em 1549 uma cerimônia denominada caraimonhaga, onde o pajé
pregava a cultura tupi, revelando para seus seguidores o vindouro "paraíso tupi", a Terra
sem Mal. Nóbrega chamou este momento de santidade, tal fenômeno, para ele, era
diabólico.

Reconhecendo as sérias dificuldades em "converter" os tupinambás ao cristianismo


católico, os jesuítas decidiram substituir a língua sagrada (latim) para estabelecer os
procedimentos cristãos por meio da língua tupi, ensinando-a com a ajuda de José de
Anchieta que transmitiu aos noviços da Companhia.

Era a denominada "língua geral", que abrigou praticamente todos episódios da


atividades cristãs daquele século. Os portugueses fizeram peças teatrais com referências
bíblicas, onde então demonizavam os chefes e os costumes indígenas, mostrando para
os nativos que o verdadeiro Deus esta com eles, nestas peças o "mal" era vencido pelo
bem que estava ao lado do homem branco.

"O catolicismo ensinado e dramatizado em "língua geral" e com base em imagens e


significados extraídos da cultura nativa podia ter lá sua eficácia, mormente com os
culumins -- as crianças que, pela tenra idade, estavam em condições melhores de
aprendizado. Tal método trazia, porém, grandes riscos, sobretudo o risco de o
catolicismo fosse assimilado à moda Tupi, canibalizado e devorado como no repasto
cerimonial.

A santidade contra a Igreja Católica e os Jesuítas.

Os que aderiam à santidade, aqui inclui-se "negros" da terra (escravos), posicionavam-


se contra os senhores e contra os brancos, questionando o Deus católico. O índio
Silvestre foi um personagem nesta condição, e acabou açoitado e posto em grilhões pelo
seu próprio senhor.

"Os índios zombavam dos padres e dos sacramentos por eles ministradas, alardeando
que a verdadeira fé era a sua, assim como deus era o seu ídolo, e santos os seus caraíbas.
{Quando os brancos iam ouvir missa} -- contou Álvaro Rodrigues -- {eles (os índios)
davam apupadas dizendo que os brancos andava muito tempo errados naquela erronia
de cristãos} (...), escrava de um ferreiro em Parpe, costumava zombar da hóstia
consagrada e do próprio Deus cristão" ...

Os adeptos da santidade ameaçavam os "nativos traidores" (índios) com as piores penas.


Na verdade, uma metamorfose punitiva, como chamou Vainfas, ameaçavam transformar
os resistentes em animais, pedras, paus, etc.

O mito da Terra sem Mal, conta o autor, revela o maior inimigo do índio: o homem
branco, os portugueses, o cativeiro, sua Igreja dos padres, a lei dos cristãos..., temos,
portanto, um sentido anticolonialista, O autor diz também que, paradoxalmente,
algumas dimensões do catolicismo também fora absolvido pela santidade, dizendo, por
exemplo, da semelhança havida entre a Terra sem Mal e o paraíso celestial cristão.

"a igreja dos índios -- diziam -- era a verdadeira santidade para ir ao céu, porque a dos
cristãos era falsa e não merecia que nela se acreditasse".
O fato é que praticamente todo o litoral brasileiro passou a conhecer este termo
santidade, e também seu significado. A busca da Terra sem Mal significava uma
"guerra" contra os portugueses, contra a escravidão, etc. A mais importante santidade
ocorreu no recôncavo baiano, liderada por Antônio, nome de batismo, ancestral dos
tupinambá. Esse líder de Jaguaripe, foi um dos exemplos práticos dos perigos da
tradução feita pelos jesuítas do catolicismo para ingua e o imaginário Tupi. Antônio
entoava cerimônias de batismo, nomeava papas, bailes tribais, orações, sua companheira
era chamada de Maria Mãe de Deus, estava, portanto, feita a fusão católica e indígena.

Em suma, a história demonstra as aproximações da Terra sem Mal dos tupis com as
alusões jesuísticas, os portugueses católicos que conseguiram enganar os "homens
gentios" dizendo sobre a Terra prometida (Jerusalém), quando na verdade, esta terra
fora travestida nas fazendas de escravos.

A perseguição do Santo Oficio de Lisboa contra Jaguaripe (idolatrias indígenas) e o


Acotundá (idolatrias negras)

O Santo Oficio tinha muito a fazer, conforme afirma Ronaldo Vainfas: "teria de
enfrentar não apenas interpretações heterodoxas do divino, mas múltiplos santos pelo
avesso". De acordo com o autor, a rigorosidade do Santo Oficio, em suas visitações
realizadas na "Bahia de todos os santos", apresentou-se menos intensificada com relação
aos negros, de acordo com relatos do Acotundá, tal comportamento, segundo Ronaldo,
deve-se principalmente com relação a escravidão que não podia, de forma alguma,
sofrer um enfraquecimento.

A perseguição frente aos cristãos novos

Diferentemente aconteceu com os judeus (cristãos novos) convertidos a força por D.


Manuel I em 1497 em Lisboa. Muitos destes fugiram para o Brasil, com receio da
inquisição instalada em Portugal entre 1536 e 1540.

Esta estratégia dos cristãos novos deu certo por um bom tempo, pois não havia presença
da inquisição na colônia. Evaldo Cabral de Mello evidencia que estes judeus foram
importantes para o desenvolvimento, sobretudo em Pernambuco, da açucarocracia,
termo adotado por este magnífico historiador.

O quadro mudou-se com a visitação em 1591 na Bahia e Pernambuco, enviado pelo


Santo Oficio de Lisboa, o visitador Heitor Furtado de Mendonça, para verificar
denúncias de heresia contra o catolicismo.

Judaizar em segredo, esta foi uma das inúmeras acusações proferidas por Heitor. Muitos
foram julgados e condenados à fogueira. Ana Rodrigues, moradora da Bahia foi
sentenciada, ficou trancada em Lisboa até sua morte chegar, segundo relatos, aos 100
anos de idade. Após seu enterro foi decretara sua condenação a fogueira, então
desenterram-na e queimaram seus ossos.

A perseguição atravessava o século XVII, os judeus eram criminosos à vista da época.


Vainfas revela que a força do judaísmo, com o passar do tempo, foi cada vez mais
enfraquecendo, demonstrando-se como cultos superficiais e secretos, como cerimônias
domésticas. Segundo o autor, "até mesmo o judaísmo acabou se cristianizando, à moda
católica, nessa época, transitando de uma cultura ode letras para uma economia de
gestos".

Vainfas diz ainda que os cristãos novos, devido a obrigatoriedade exercida pelos
"verdadeiros cristãos de Lisboa", de se seguir o catolicismo, adorando imagens, criou
uma revolta muito grande, revolta que muitas vezes era manifestada com maus tratos a
imagens de santos, por exemplo, a banalização do crucifixo. Para os "verdadeiros
cristãos" os judeus eram os piores hereges, para alguns estudiosos do assunto, afirma o
autor, os atos dos cristãos novos nada mais era do que vingança.

Contudo, a vida cotidiana dos colonos no novo mundo não fora nada tranqüila, muito
pelo contrário, seja os cristãos novos, seja os inacianos, todos viveram momentos de
angústia e indefinições, momentos de constante contato com as dificuldades ora
elaboradas por seus costumes, ora por seus inimigos de religião. A verdade é que tanto o
céu com o inferno eram atingidos com extrema facilidade, diante de tantas dificuldades
no dia -- a dia, os pedidos para santos e derivados eram inúmeros, bastava que um
destes pedidos não fossem atendidos para o espírito de rebeldia se manifestar contra os
ícones da fé católica cristã.

Referência bibliográfica:

VAINFAS, Ronaldo, A heresia dos índios -- catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial,


São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SOUZA, Luciana Beatriz, Vainfas Ronaldo, Brasil de todos os santos, coleção:


"Descobrindo o Brasil", Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2000.

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