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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ANÁLISE DO FILME: A MISSÃO

AUTORES: CECILIA FELIX SANTOS


ELOIZA VIEIRA
HIGOR HENRIQUE DA SILVA
MARIA VIRGÍNIA TEIXEIRA TELES
VITORIA VIEIRA

TURMA: PSICOLOGIA 1º PERÍODO - MATUTINO


DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA CULTURAL
PROFESSORA: TATIANA MACIEL GONTIJO DE CARVALHO

19 DE AGOSTO DE 2020
O filme A missão, dirigido por Roland Joffé e escrito por Robert Bolt, obra
inglesa de 1986, baseada em fatos reais, trata do momento histórico em que os
jesuítas vieram para o então chamado “Novo Mundo”, com intuito de catequizar os
índios. Após a morte de um padre pelos nativos, o Irmão Gabriel (Jeremy Irons),
padre jesuíta é enviado para realizar a Missão de São Carlos. Ele embarca nessa
jornada, sem armas, apenas munido de sua fé e o desejo de evangelizar os povos
“selvagens” que ocupavam as novas terras pertencentes à Coroa Portuguesa. No
meio da floresta, cercado pelos nativos que lhe apontavam flechas e lanças, ele se
conecta com os índios guaranis através da música emitida por seu oboé. O jesuíta é
conduzido por eles até o local onde eles habitavam e assim inicia o processo de
evangelização daquele povo.

Uma das principais personagens é Rodrigo Mendonza (Robert De Niro), um


mercador de escravos que tem um desentendimento com seu irmão mais novo,
Felipe Mendonza ( Aidan Quin), por causa de Carlotta ( Cherrie Lunghi) que
acontece quando Rodrigo encontra a mulher que ama na cama com Felipe e os dois
acabam em um confronto que resulta na morte do irmão mais novo. No fim, Rodrigo
não é condenado pois, por se tratar de um duelo, não seria considerado um crime de
acordo com as leis vigentes na época. Entretanto, Rodrigo Mendonza condena a si
mesmo pelo ocorrido e se isola num mosteiro até se encontrar com o irmão Gabriel
que o com vida a ir juntos para a Missão de São Carlos.

Os índios que ele caçava e vendia como escravos, no primeiro contato,


desconfiaram do português, mas depois deram risadas durante um momento de
choro de Mendonza e acabaram aceitando-o. Pouco a pouco ele vai se
transformando até se tornar um colaborador na causa dos jesuítas.

O filme mostra, com o decorrer dos acontecimentos, que o território onde


localizava a Missão de São Carlos estava prestes a ser transferido aos espanhóis
que tinham uma visão diferente dos portugueses em relação aos nativos, que era
escravizar e não evangelizar. Houve muita discussão na corte portuguesa, na
tentativa dos jesuítas de apresentar os índios, considerados selvagens e
comparados a animais, como seres que aprendem e que podem ser civilizados.
Apesar de seus esforços, a decisão já estava tomada e as terras iriam ser
transferidas aos espanhóis, independente da visita do funcionário da corte
portuguesa até os locais onde ocorriam as missões. Para tentar salvar os nativos, os
jesuítas tentaram convencê-los a se retirarem das terras, mas não tiveram sucesso.
Com o apoio de Rodrigo Mendonza, que renuncia seus votos como jesuíta, os índios
permaneceram no assentamento da Missão de São Carlos e estavam dispostos a
lutar pelas terras. Já Padre Gabriel, fiel aos seus votos, permanece na missão. Entre
disparos de armas de fogo e flechadas, houve um grande confronto. Mendonza
morre com um tiro no peito após ajudar algumas crianças a se salvarem. Padre
Gabriel é morto, segurando um objeto cristão sagrado, juntamente com muitos
índios que permaneceram com ele durante a última missa. Os índios perdem a
batalha e aos poucos que sobreviveram e não foram capturados, a única saída foi
fugir para outras terras.

A narrativa cinematográfica retratou um fato histórico que ficou conhecido


como Guerras Guaraníticas (1753 – 1756). Desta forma, podemos observar os reais
acontecimentos históricos com intuito de conectarmos com o roteiro de Robert Bolt,
e possibilitando a percepção das semelhanças e as diferenças retratadas no filme.
Buscando uma análise antropológica podemos destacar o encontro de culturas
distintas e perceber a mentalidade eurocêntrica da época, que pensaria na Europa
como centro do mundo e como referência de um “povo civilizado”, em relação aos
povos menos evoluídos culturalmente. A Europa, desta forma, estaria num estágio
mais avançado na evolução, como descrito por Lewis Morgan, que a evolução da
humanidade passa por três estágios: selvageria, barbárie e civilização. Assim,
podemos perceber no filme, através da óptica de Morgan, este momento do
encontro de dois povos em diferentes estágios de desenvolvimento. Os índios,
retratados em alguns momentos como selvagens, estariam caminhando para a
barbárie onde se percebe em algumas cenas animais domesticados, objetos de
cerâmica, construções de casas com palha e barro e, que caracterizam este
período. Aos poucos, através da ação dos jesuítas, estavam se elevando a um novo
patamar na evolução. Sairiam das selvas e começam e estabelecer uma civilização,
começavam a aprender a cultura dos europeus.

A evolução estava acontecendo e alguns estavam relutantes em perceber tal


transformação, era mais interessante subjugar uma raça inferior utilizando-a como
mão de obra escrava, o que foi muito buscado como alternativa mais rentável que
escravos negros. A personagem Rodrigo Mendonza era um mercador de escravos,
o que foi mostrado em cenas de capturas de nativos e posteriormente sendo
vendidos. Podendo ver, também, índios com vestimentas “civilizadas”, numa posição
de trabalho servil. Não foi possível perceber a presença de personagens negros, os
escravos eram os índios. O papel que eles desempenharam nas fases iniciais de
colonização, como mão de obra, foi de muita importância, assim como a resistência
que se formava para proteger o território deles contra invasores que vieram do além-
mar.

A dificuldade para alguns cidadãos europeus, que se autoconsideravam


“melhores do que os índios”, de enxergá-los como seres com alma e cultura, em
outras palavras, considerados humanos, era muito grande. Na cena da corte, onde
seria decidido sobre a distribuição das terras entre portugueses e espanhóis, o que
acarretaria na expulsão dos índios e o fim das missões, eles foram retratados como
selvagens, pois se fossem humanos os animais da floresta já os teriam devorado.
Houve a tentativa, do jesuíta Gabriel, de persuadir os presentes com a apresentação
de uma criança indígena que cantou de forma belíssima, o que para alguns foi uma
surpresa, mas para outros não interessa se ela cantava, pois um pássaro também
poderia cantar e não era considerado humano. O que se percebe neste momento, é
realmente a mentalidade da época ou apenas os interesses financeiros nas terras,
utilizando-se de uma visão antropológica que definiria o que seria considerado
animal selvagem ou um ser humano, como forma de argumentar contra a
permanência indígena em seus territórios?

Os índios possuíam toda uma cultura, toda uma forma de ser e de se


expressar. Possuíam uma linguagem própria, o que possibilitava a comunicação
entre eles e a partilha de saberes. Em diversos momentos do filme podemos
observar todas estas características que são da cultura deles. Podemos ver os
instrumentos de sopro que utilizavam e tocavam em alguns momentos, em especial
nas comemorações. As pinturas corporais, que tinham um significado, destacando a
pintura para diferentes posições sociais que se ocupavam dentro da comunidade
indígena, como a pintura em vermelho na cabeça do líder, que tomava muitas das
decisões e era respeitado entre seu povo. Tal semelhança pode ser vista nos
europeus, que usavam de diferentes vestimentas, ou perucas, que denotava certa
posição hierárquica dentro da sociedade europeia. O uso de arco-e-flecha, que
apesar de ser um instrumento um pouco rudimentar, nos leva a pensar nas
características que nos tornam humanos, que nos diferenciam dos animais, essa
possibilidade de criar instrumentos e aperfeiçoá-los, que, em outros termos, é a
capacidade de criar e reproduzir cultura. Logo, não existia um padrão de sociedade,
mas diversos modos de existir.

O Culturalismo, que surgiu na década de 1930, que estabelece o método


comparativo e a formação de padrões culturais, a partir dos quais é possível
compreender as leis que regem o desenvolvimento das culturas, destacando a
característica da cultura como construção mental, nos permite perceber, no filme,
que a divisão das raças em grupos com ou sem cultura não fazia sentido algum. A
tentativa do espanhol de colocar o índio como um selvagem, um animal e sem alma,
é visto de outra forma na visão antropológica de Franz Boas, principal representando
do Culturalismo, assim como dos jesuítas que viam os índios como seres humanos
com habilidades tais quais os povos europeus. Os jesuítas, catequizaram os
indígenas, pois assim eles se humanizariam e ficariam mais próximo do que era um
padrão de civilização da época, usando vestimentas, aprendendo matemática,
linguagem, música, canto, violino, artesanato, religião e tudo o que a cultura
europeia pudesse oferecer. Os índios passaram por um grande processo de
aculturação, foram perdendo sua identidade cultural para subir na escala evolutiva.
Será que a cultura dos Guaranis foi levada em consideração durante esse
processo? Ou, tal qual um animal, foram realizadas tentativas de domesticação para
alcançar a “docilidade” humana? Em algum momento percebeu-se que eles
possuíam suas próprias formas de cultos e ritos?

Foi um grande trabalho, o desempenhado pelos jesuítas, como que se fez um


povo aceitar elementos de uma cultura “estranha”, como eles perceberiam a cruz ou
crucifixo, que tem um significado para os católicos, exemplo que podemos ver na
obra de Victor Meirelles, Primeira Missa no Brasil (1859), uma grande cruz ao
centro e envolta de portugueses e indígenas que pareciam não entender nada do
que estava acontecendo e qual o sentido daquilo, de padres num momento de
grande devoção, curvados diante de dois pedaços de madeira proferindo palavras
estranhas e levantando um cálice para o alto? Não poderia ter sentido algum se não
fosse para os portugueses que já tinham em si um sentido para cada símbolo
existente durante uma missa. A catequização foi uma difusora de cultura, em
destaque a cultura religiosa cristã. A cruz não tinha significado algum para os índios,
tanto que, nas primeiras cenas eles amarram um padre jesuíta e o jogam rio abaixo,
uma demonstração de desprezo pelas crenças cristãs que estavam sendo levadas a
eles. Então, como que o padre Gabriel consegue catequizá-los? Podemos afirmar
que com a música, um símbolo universal presente em diversas culturas, também
presente nos animais, algo que transpassa as fronteiras humanas, que desta forma
se fez uma ligação entre duas culturas distintas.

Podemos destacar, nesta significação, conceitos abordados na Cultura


Simbólica ou interpretativa, em que a civilização só existe em razão do
comportamento do simbólico, característico do homem. Muito se questionava qual a
diferença do homem e do animal, e a partir de estudos constatou que era uma
diferença qualitativa, ou seja, o cérebro do homem é maior, logo, ele tem o poder de
raciocínio e compreensão. Contudo, pode-se afirmar que o homem usa símbolos
para sobreviver. Esse símbolo é algo criado com grandes valores significativos para
os usuários, esse valor não é classificado como algo físico, mas sim algo abstrato
tendo grande importância para determinada cultura. A pintura utilizada pelos povos
nativos, tinham todo um significado, tanto no formato ou cor, era algo que tinha um
sentido dentro do contexto cultural em que estavam inseridos. Poderia ser uma
forma de expressão pra guerras, casamentos, rito de passagem, ou uma posição
social, como o líder da tribo, que nas cenas eras mostrado com pinturas na cabeça
diferentes dos demais, as expressões artísticas eram muito intensas.

Dentro da antropologia do simbólico existe ainda a classificação do signo, que


é caracterizado por algo com o valor já criado, ou seja, um objeto físico que também
possui grande valor para determinada cultura. O signo pode ser percebido nos
objetos católicos como a cruz, ou o corpo de cristo que o padre Gabriel segura
durante a última missa e importante destacar o momento de sua morte em que ele
cai com o objeto, que é sagrado para a religião católica e que antes não tinha
nenhum significado para os índios, mas um deles toma o objeto em mãos
levantando-o, assim como fazia o padre. Os símbolos são uma forma compreender
e de transmitir cultura para outras culturas.

O antropólogo brasileiro, Darcy Ribeiro, diz que, a matriz étnica do povo


brasileiro foi a confluência entre as populações indígenas, já existentes antes da
chegada dos colonizadores, o branco europeu (portugueses e espanhóis) e os
negros africanos trazidos no contexto do trabalho escravo no Brasil. Nossa cultura é
riquíssima, de uma imensa diversidade que foi herdada destes momentos da nossa
história e que não foi uma história bonita, mas sim escrita com sangue, suor, perda
de identidade e incertezas. Quando Altamirano (Ray McAnally), funcionário da Coroa
portuguesa, após o massacre dos Guaranis, tem um momento de culpa, se
questiona se foi certo o acontecido e recebe a resposta de que o mundo é assim e
logo responde: “Não! Nós fizemos o mundo assim, eu o fiz assim”. O ser humano faz
o mundo à sua maneira, cada um na sua forma de existir, não existe uma única
cultura, mas várias e cada uma delas contribui para que novas existências possam
surgir. Assim é a cultura, não algo fixo, mas algo em constante transformação. Como
teriam sido se, os ventos e o mar não tivessem levado os portugueses e espanhóis a
desembarcar nas terras dos povos indígenas? Como seria hoje a nossa cultura sem
influência do padrão cultural europeu e sem a evangelização dos jesuítas? Podemos
apenas imaginar os diversos caminhos que os índios teriam percorrido, por eles
mesmos, no desenvolvimento de sua identidade cultural.
Bibliografia:

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Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/evolucionismo-cultural-
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COHN, CLARICE. CULTURAS EM TRANSFORMAÇÃO: OS ÍNDIOS E A


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Available from<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
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