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ANÁPOLIS - GO
2018
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ANÁPOLIS - GO
2018
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BANCA EXAMINADORA
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Professor, Me. Mário Igor Shimura
Orientador
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Professor, Me. Marcos Flávio Portela Veras
Convidado
________________________________________________
Professor, Me. Ricardo Lopes Dias
Convidado
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Abstract: The religion develops a basal function in society and acts influencing individuals behavior.
In this sense, we seek to identify and understand in our work the elements that are in the construction
of the religious organization of the devotees of priest Cícero Romão Batista, in Juazeiro do Norte. We
observe that all the social construction of this city was developed around the main figure of Cícero
Romão Batista. From the miracle of the Beata Maria de Araújo, in which a communion wafer
ministered to her is transformed into blood, priest Cicero began to receive strong sanctions from
Catholic church. His history of rejection and excommunion of the Catholic church was used to make
him an icon of strong impact and spiritual power, massing many followers. Through the bibliographical
review and participant observation, we conclude that the process of construction of religious identity is
influenced by familiar tradition, by the vivid presence of symbols in the city of Juazeiro do Norte and by
the strong identification that the devotees find in the person of priest Cicero.
Key Words: identity, Devotee, Miracle, priest Cicero, Juazeiro do Norte, Tradition and Identification.
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Graduado em agronomia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em Teologia
pela Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Expecialização em Gestão de Negócios pela
Fundação Getúlio Vargas (MBA). Doutorando em Ministério pelo Centro Presbiteriano de Pós-
graduação AdrewJumper. galaorlinhares@gmail.com.
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Graduado em Teologia pela Unicesumar – Centro Universitário de Maringá e pelo Instituto
Missionário Palavra da Vida – Norte (IMPV). saulopnsilva@gmail.com.
3
Graduado em Engenharia Elétrica pelo Centro Universitário (CESMAC). Especialização em
Segurança Ambiental pelo Faculdade Estácio de Alagoas. ulissesguedes@yahoo.com.br.
4
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pós-graduado em nível
de especialização em Antropologia Cultural pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Pós-graduado em nível de especialização em Missão Urbana pela faculdade teológica Sul
Americana (FTSA). Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA).
Pesquisador pela Associação Social de Apoio Integral aos Ciganos (ASAIC).
amigosdosciganos@gmail.com.
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INTRODUÇÃO
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https://www.acidigital.com/noticias/estes-sao-os-10-paises-com-mais-catolicos-no-mundo-38163
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1 CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE
produzem obras de artes que as diferenciem de uma para a outra. Elas até podem
mudar o cenário de um ambiente, porém vão fazer utilizando o mesmo método em
outros ambientes.
O autor, portanto, conclui que “entre as formigas (e outros animais sociais)
existe sociedade, mas não existe cultura” (DAMATTA, 2010, p.53). As formigas não
possuem cultura porque no meio delas “não existe uma tradição viva,
conscientemente elaborada que passe de geração em geração, que permita
individualizar ou tornar singular e única uma dada comunidade relativamente às
outras” (DAMATTA, 2010, p.53). No caso do ser humano, é impossível separar
sociedade de cultura porque ambos dependem um do outro seja para constituir uma
sociedade, seja para estabelecer uma cultura.
Sobre a tradição como um fator importante para a constituição de uma
cultura, ele afirma que:
Sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas não
tem consciência do seu estilo de vida. E ter consciência é poder ser
socializado, isto é, é se situar diante de uma lógica de inclusões necessárias
e exclusões fundamentais, num exaustivo e muitas vezes dramático diálogo
entre o que nós somos (ou queremos ser) e aquilo que os outros são e,
logicamente, nós não devemos ser. (DAMATTA, 2010, p.53)
Assim como não dá para definir apenas a identidade olhando para si mesmo
como referência própria, só sabemos que somos aquilo porque nos deparamos com
o diferente. Portanto:
Pode-se dizer, portanto, que a religião aparece na história quer como força
que sustenta, quer como força que abala o mundo. Nestas duas
manifestações, ela tem sido tanto alienante quanto desalienante. É mais
comum verificar-se o primeiro caso, devido a características intrínsecas da
religião como tal, mas há exemplos importantes do segundo. (BERGER,
2003, p.112)
2 ASPECTOS DA RELIGIÃO
Não há religião sem experiência religiosa, isto é, sem que o homem tenha
experimentado pessoalmente, com maior ou menor intensidade, a realidade
de um poder superior ou de forças superiores que fundam e mantém a
existência do mundo e do próprio homem. (PIAZZA, 1976, p.11)
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Ainda nas palavras de Cássio Silva (2014, p.86), é o simbolismo que traz
sentido ao universo e facilita a comunicação da expressão religiosa. Os principais
fundamentos da religiosidade estão expressos nos mitos, pois são eles que
fornecem modelos para a prática religiosa.
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Segundo Cava (2014, p.69, 154), o termo “beata” era um título inaugurado e concedido, na década de 1860, por
Padre José Maria Ibiapina às mulheres piedosas que faziam parte de uma organização religiosa de freiras. Os
beatos eram a versão masculina das beatas, que viviam rezando, visitando enfermos, enterrando mortos e dando
recados em nome de Padre Cícero.
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Em quase todos os lares piedosos da época havia um retrato litúrgico popular trazendo o coração do Nazareno
visivelmente exposto, representando de maneira simbólica como se estivesse incendiado de amor pelos homens
e, ao mesmo tempo, despedaçado e sangrando por causa das feridas infligidas pelos pecados da humanidade e
pela indiferença a fé cristã. Esse quadro era conhecido pelo nome de Sagrado Coração de Jesus. Objeto de
grande devoção religiosa. (CAVA, 2014, p.56-57)
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ser substituído pelo catolicismo universalista de Roma, de acordo com Cava (2014, p.69-70).
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A exemplo do Novo Mensageiro do Coração de Jesus, editado pelos jesuítas na cidade do Porto. (NETO, 2009,
p.125).
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beata era realmente uma embusteira, que o “milagre”, era um truque, um embuste.
Então, Monsenhor Alexandrino fez três experiências em três dias, obrigou a
beata a ficar de boca aberta enquanto ele dava a comunhão e ela ficava de meia
hora a 40 minutos e não aconteceu nenhum sangramento nessas condições. Assim,
monsenhor Alexandrino concluiu, no segundo inquérito, que o milagre era um
embuste. Em 5 de agosto de 1892 Dom Joaquim determinou que Padre Cícero não
mais poderia pregar, confessar e orientar os fiéis.
Entretanto, as pessoas continuaram fazendo peregrinações a Juazeiro, isso
fez com que Dom Joaquim suspendesse definitivamente padre Cícero de todas as
suas ordens. Depois que o bispo o proibiu de pregar na igreja, Cícero passou a falar
aos devotos da própria janela de casa. Nesse ponto, inicia-se um processo de
comercialização de símbolos religiosos no vale do Cariri.
Esses símbolos (crucifixos, imagens trazidas por peregrinos, medalhinhas de
bronze com a efígie de Cícero) passaram a representar o milagre de Juazeiro,
tornando-se também objetos de culto. Tais acontecimentos trouxeram ao povo o
reconhecimento de que padre Cícero possuía poderes mágicos e espirituais, o que
provocou ainda maior revolta no bispo Dom Joaquim, por perceber que se
intensificava o catolicismo popular em sua jurisdição.
Conforme Neto (2009, p.192), o veredito da inquisição romana é datado em 4
de abril de 1894, reprovando os pretensos milagres e suspendendo as ordens de
padre Cícero e dos outros sacerdotes envolvidos no inquérito. A suspensão de
ordens de padre Cícero e dos outros padres soou mais do que simplesmente como
um castigo, para o povo foi como uma aprovação da verdade. As orientações
indicavam que eles deveriam negar tudo o que estavam dizendo, embora quem
espalhou que tinha acontecido um milagre em Juazeiro, que Jesus havia derramado
novamente o sangue pela salvação da humanidade, não foi padre Cícero, foram os
padres do Crato, inclusive foram eles os primeiros a organizar romarias para
Juazeiro.
Cava (2014, p.148) informa que, de março a outubro de 1898, padre Cícero
esteve em Roma para tentar revogar a pena que lhe foi imposta por Dom Joaquim.
Ele foi recebido várias vezes pela sagrada congregação e pode colocar toda a
questão que ele vinha vivendo e sofrendo. Depois de várias entrevistas, ele recebeu
a absolvição das penas que lhe tinham sido impostas e poderia voltar ao Juazeiro e
continuar a sua missão. Entretanto, quando voltou, Dom Joaquim pôs em dúvida a
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absolvição de Roma e, a partir de então, houve problemas muito mais sérios para
ele diante da não aceitação de Dom Joaquim da absolvição dada por Roma.
Tanto Neto (2009, p.275), como Cava (2014, p.153) apontam que no início do
século XX Juazeiro era para muitos observadores um centro de fanatismo religioso
e, para outros, o lugar onde morava um grande líder espiritual. A localidade crescia e
se tornava uma grande força econômica e política do vale do Cariri.
A corrente migratória para Juazeiro fez com que a cidade começasse a
ganhar um contingente populacional muito grande, esse foi o primeiro sinal da
explosão, tanto do aglomerado urbano, como das atividades inicialmente ligadas à
agricultura, ao artesanato e aos pequenos negócios de comércio. Muitas pessoas do
Nordeste fizeram a opção de residir em Juazeiro, que passou a crescer numa
atmosfera de profunda ebulição religiosa, um espaço sagrado de prática religiosa
popular. Padre Cícero ia se firmando cada vez mais como um líder daquela gente,
de modo a garantir, inclusive, que a sua vida política estava começando a partir
desse ponto, fato que floresceria quando da luta pela emancipação política da
cidade.
Os romeiros, que alimentavam crenças sobre o poder espiritual de padre
Cícero, dirigiam-se a Juazeiro, que se transformou em um espaço sagrado. O padre
não ficava passivo diante dos pedidos daquele povo sofrido, além de responder a
inúmeras cartas, costumava atender muitas pessoas em sua própria residência.
Nessa época ele já era chamado de “Padim Ciço” ou “Seu Padre” e todos se
consideravam seus afilhados. Padre Cícero inaugurou um movimento religioso
popular marcado pela construção de uma utopia de igualdade e de justiça social e
Juazeiro se transformou num território mítico e de busca de transformação espiritual.
A prosperidade econômica de Juazeiro foi responsável pela campanha da
autonomia municipal. Em 22 de julho de 1911 a Assembleia Estadual do Ceará
votou a lei 1.028 que dava autonomia municipal a Juazeiro e Cícero Romão Batista
foi seu primeiro prefeito, conforme nos relata Neto (2009, p.331). Juazeiro, que era
um pequeno povoado, dependente da cidade do Crato, transformou-se num dos
mais prósperos e populosos municípios do estado. Ficou patente o prestígio de
padre Cícero nessa sua nova fase de atuação pelos interesses do brasileiro e, nos
anos seguintes, padre Cícero transforma-se em um dos chefes políticos mais
importantes da história do Nordeste brasileiro.
Em toda a população da região do Cariri criava-se um sentimento de
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Padre Cícero, tanto nos folhetos de cordel, como em benditos (rezas cantadas pelos
devotos).
Ruas, praças e igrejas, prédios públicos e estabelecimentos comerciais, tudo
em Juazeiro homenageia Padre Cícero. Estão espalhadas estátuas, em diferentes
tamanhos, por toda a cidade, sendo a principal a estátua na colina do horto, que é
vista em toda a cidade. Para muitos, Juazeiro é considerada uma cidade sagrada,
devido a sua história que se confunde com a história de padre Cícero, como pode
ser observado na fala de um devoto: “quem mora em Juazeiro e não é devoto, não
merece morar aqui não” (José Francisco, 17 maio 2018).
Rosendahl (1999, p.233) considera que um espaço sagrado “é um campo de
forças e de valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o
transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência”. Nesse
sentido, o espaço sagrado de Juazeiro está permeado de uma linguagem cultural
ditada por uma riquíssima simbologia, que influencia e fortalece a crença em padre
Cícero. A definição de religião de Geertz (1989, p.67) enfatiza a importância do
sistema simbólico como o lado visível da religião:
orientação por várias paróquias, recomendando que não fosse aceito o nome de
Cícero para o batismo de crianças, dizendo que o nome estava arraigado a forte
fanatismo religioso. É certo, que em nome de padre Cícero surgiram muitos
extremismos, ao ponto de um beato de padre Cícero ter sido preso sob a acusação
de promover um boi a santo milagreiro. “Havia gente no sertão dizendo até que a
urina e as fezes do bicho, quando ingeridas ou esfregadas pelo corpo, curavam
todas as doenças” (NETO, 2009, p.436).
Ainda hoje, Juazeiro do Norte recebe por ano mais de dois milhões de
romeiros que vão em busca de graça. Diariamente, milhares de devotos se ajoelham
e rezam diante da imagem de padre Cícero, com fé na sua intercessão junto ao
Altíssimo, por isso, suplicam por graças, na esperança de serem socorridos por seu
padrinho. Os devotos costumam atribuir acontecimentos do dia-a-dia à proteção
mística que padre Cícero oferece, como é citado em uma entrevista, onde a devota
Denízia (17 maio 2018) diz que estava em Caruaru, sofrendo um afogamento e
pediu a padre Cícero que não deixasse que ela morresse e a trouxesse de volta a
cidade do padrinho. Uma criança pediu socorro e ela foi salva por uma pessoa que
apareceu no local.
Como retribuição às graças recebidas os devotos consideram que devem ter
algumas atividades destinadas a produzir esse efeito de proteção, como por
exemplo, todo dia vinte (20) de cada mês, que é o dia da morte de padre Cícero, os
devotos se vestem de preto e assistem a missa em sufrágio 11 à alma de padre
Cícero. O costume é adotado por pessoas de todas as idades, independentemente
de sexo e classe social. A missa é rezada às 06 horas da manhã na Capela do
Socorro, onde o padre foi sepultado, à qual comparece sempre uma imensa
multidão.
No processo de construção de identidade religiosa de padre Cícero, o
indivíduo percebe que ser devoto é ser valorizado por fazer parte de um grupo
social, o qual os devotos designam como “nação romeira”, cuja raiz é padre Cícero,
considerado um grande sábio, um orientador, um homem prudente. A devoção ao
padre traz ao devoto sua afirmação de identidade. O devoto compreende quem ele
é, afilhado de padre Cícero, e isso, intimamente, faz parte de sua identidade.
Em conversa com uma freira de uma ordem religiosa de Juazeiro, ela relata
que o governo do estado do Ceará observa o fenômeno padre Cícero como uma
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Uma oração que se faz a um morto. https://www.dicio.com.br/sufragio/
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora nossos estudos tenham tido por objetivo uma maior compreensão
dos elementos presentes na construção da identidade religiosa, temos consciência
da complexidade dos temas identidade e religião. Portanto, observamos a
possibilidade apenas de algumas aproximações interpretativas, mas distantes de
serem conclusivas.
Inicialmente, verificamos a forte contribuição que a estrutura familiar exerce
na formação da identidade religiosa dos devotos de padre Cícero Romão Batista.
Existe uma certa catequese que é iniciada desde a infância, onde os pais
comunicam aos filhos um sistema de regras, valores e costumes centrados no
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moderna, traços que também já podem ser observados mesmo em uma sociedade
como a de Juazeiro do Norte.
Em última análise, cabe a nós refletir se a atual religião contemporânea,
contextualizada por uma intensa oferta de bens de consumo, curas instantâneas,
milagres imediatos, uma religião que relativiza valores e padrões morais em troca da
barganha financeira, não seria novamente o retrato de uma sociedade em profunda
crise existencial, como foi observado na constituição histórica de Juazeiro do Norte.
Entretanto, essas sejam talvez ponderações para um próximo estudo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANDAL, Joël. Memória e identidade. Maria Letícia Ferreira, São Paulo: Contexto,
2011.
CAVA, Ralph Della. Milagre em Joaseiro. Tradução Maria Yedda Linhares. 3ª ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
MELLO, Luíz Gonzaga de. Antropologia Cultural: iniciação, teoria e tema. 13 Ed. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
NETO, Lira. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.