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FORTALEZA - CE
DEZEMBRO, 2017
MARIA CHRISTINA DOS MARTINS COELHO BESSA
FORTALEZA - CE
2017
Dedico este trabalho a meus pais, que me incentivam a seguir com as maravilhosas e
constantes descobertas da profissão que escolhi.
AGRADECIMENTOS
A meus pais, irmãos, sobrinhas, tios, primos e amigos pelo apoio e incentivo em
todos os momentos, especialmente à minha tia Ruth pelo apoio desde o início do mestrado;
The study of the sacred is a fertile and complex field of research that attracts the attention of
scholars from various fields of human endeavor. This curiosity about the theme of the sacred
is partly due to man's interest, as a finite being, to seek to understand and develop ways of
relating to what he considers to be transcendent. Under the prism of architecture, Juazeiro do
Norte, a city of the State of Ceará, is the target of pilgrimages throughout the year, being a
classic example of how man's relations with the transcendent can go beyond a sacred altar and
reach proportions that affect the urban landscape. Thus, this study has as general objective to
propose a methodology of work that directs architects and the public power in the planning of
the sacred city from the psychological, symbolic and physical dimensions in order to better
meet the needs of pilgrims and residentes. For the elaboration of this work, a priori was
carried out a careful bibliographical research about the thematic involved. The technical
subsidies collected served as a basis for the elaboration of the three chapters that compose this
study and where the issues considered relevant to the study proposal are explained and
discussed in the form of scientific articles. As part of the development process of these
articles, a qualitative research was carried out and a field study was carried out in Juazeiro do
Norte to observe the relationship between pilgrims and sacred places on pilgrimage days. The
methods of Kevin Lynch and Gordon Cullen were used for a reading of morphology and
landscape. Then a questionnaire was directed to the local inhabitants and pilgrims to get to
know their perceptions about the city of Juazeiro do Norte and confront them with the
structuring project "Roteiro da Fé", which composes the Local Urban Development Master
Plan.
2. REFERENCIAL TEÓRICO.............................................................................................25
2.1 Sagrado e Profano: conceitos...........................................................................................25
2.2. O surgimento das cidades sagradas................................................................................26
2.3 A memória coletiva...........................................................................................................28
2.4 A cultura de romaria e sua importância para os romeiros...........................................30
2.5 Crescimento urbano a partir da memória coletiva e das romarias..............................30
2.5.1 Santiago de Compostela, Espanha............................................................................32
2.5.2 Fátima, Portugal.............................................................................................................36
2.5.3 Aparecida do Norte, Brasil........................................................................................40
2.5.4 Meca, Arábia Saudita................................................................................................43
1. INTRODUÇÃO
O estudo do sagrado sempre atraiu a atenção e a curiosidade do ser humano, seja
ele adepto ou não de alguma crença. Essa relação com o transcendente mostra-se muitas vezes
forte e irracional, mas assume especial importância e influência na vida das pessoas religiosas,
na busca da proteção e paz interior. Assim, não somente os estudiosos da religião, mas
neurocientistas, filósofos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos e historiadores, entre
outros profissionais, vêm se aplicando a esse campo de pesquisa – conforme destaca Eliade
(2010), estudioso das questões referentes ao sagrado. Rudolf Otto, teólogo alemão
contemporâneo de Eliade, à frente das tradições religiosas do seu tempo, percebeu haver em
todas as religiões elementos que se assemelham e denominou-os racionais e irracionais
(SILVA; SILVA, 2014). Dentro do universo religioso, esses elementos
[...] direcionam o ser humano à vida religiosa e ao amor pelo sagrado. Esta questão é
melhor explicada na Bíblia Sagrada, no novo testamento, em que Deus é o senhor
dos céus – numinoso/ irracional, mas também pai – numinoso/racional. [...] Mas a
experiência do numinoso é diferente de qualquer outro sentimento de dependência.
É algo que transcende a realidade. (SILVA; SILVA, 2014.p. XX)
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1.1 Problemática
Cidades com espaços considerados sagrados tendem a ser polos econômicos por
conta do turismo religioso, que faz movimentar vários setores, como hotelaria, comércio e
artesanato. Diante dessa constatação, é conveniente indagar o seguinte: estão tais cidades
preparadas para receber intenso fluxo diário de pessoas? E de pessoas que têm percepção
completamente diferente, comparando uma com as outras? Como o romeiro, o turista
religioso e a população local vivenciam a cidade, cotidiana e sagrada?
Juazeiro do Norte, no Estado do Ceará, se encontra entre os exemplos de como
uma cidade pode sofrer impactos, sejam positivos ou não, no cotidiano de seus moradores.
Recebendo uma população anual flutuante de cerca de 1 milhão de romeiros, segundo dados
de Juazeiro do Norte (2000 A)2, a cidade evoluiu de uma pequena vila inexpressiva, na região
do Cariri, com poucas casas de taipa e uma pequena capela, para um forte polo econômico
localizado no sul do Estado (FIGURA 1), com um Produto Interno Bruto-PIB no valor de
3.221.109,00 reais e com uma população de 249.939 pessoas, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2010).
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Segundo dados de Juazeiro do Norte (2000A), a cidade recebe cerca de 1 milhão de romeiros por ano. Já o
site oficial da Prefeitura, acessado em novembro/2017, informa que a cidade recebe 2,5 milhões de romeiros
por ano. A Igreja Católica, por sua vez, afirma que registra apenas 10% dos romeiros (COSTA, 2017). Tais
informações mostram que não existem dados estatísticos que ofereçam números precisos de romeiros,
indicando também a forma empírica que os projetos são elaborados. Atualmente a Universidade Regional do
Cariri está iniciando estudos estatísticos para se ter um perfil mais exato dos romeiros.
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Fonte: Elaborado pela autora, 2017
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PDDU: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é um instrumento de gestão urbana que estabelece
objetivos e metas para o desenvolvimento das cidades, elaborado com a participação de vários setores da
comunidade e foca em “aspectos físico‐territoriais, econômicos, sociais, ambientais e humanos” buscando um
desenvolvimento ordenado das cidades (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A. p.8).
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1.2 Justificativa
Em que pese a aparente abordagem empírica do planejamento urbano de Juazeiro,
que não leva em consideração as vivências do homem religioso, o PDDU de Juazeiro do
Norte (2000A) deixa claro que a cidade deverá continuar crescendo valorizando seu caráter
sagrado: “Juazeiro do Norte deverá ser um importante centro de turismo religioso da América
Latina” (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A, p.10). Tal ambição leva a questionamentos tais
como: que diretrizes estão sendo levadas em conta para a manutenção dessa característica
religiosa? Tanto os romeiros quanto moradores locais estão sendo ouvidos quanto às suas
reais necessidades? Está havendo diálogo entre os atores envolvidos?
As dúvidas são pertinentes pois quando se trata de intervenções urbanas em
espaços sacralizados deve-se levar em consideração aspectos que vão além da economia e da
funcionalidade, pois o espaço sagrado incorpora valores simbólicos que extrapolam questões
práticas. E mesmo quanto a questões práticas, Juazeiro tem carências de infraestrutura voltada
ao atendimento dos romeiros, dos turistas e da população local.
O planejamento de uma cidade sagrada requer uma infraestrutura bem
dimensionada e implantada. Para se ter noção do que é necessário considerar em cidades de
valor sagrado, pode-se observar como parâmetro os equipamentos instalados no maior centro
de peregrinação do Brasil: o Santuário de Aparecida do Norte, em São Paulo. O Santuário
possui uma estrutura total de 142.865 m2, onde se distribuem vários equipamentos (TABELA 1)
para receber os 12 milhões de romeiros que visitam a cidade anualmente (SANTUÁRIO DE
APARECIDA, 2017).
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[...] um fenômeno religioso somente se revelará como tal com a condição de ser
apreendido dentro da sua própria modalidade, isto é, de ser estudado à escala
religiosa. Querer delimitar este fenômeno pela fisiologia, pela psicologia, pela
sociologia e pela ciência econômica, pela linguística e pela arte, etc... é traí-lo, é
deixar escapar precisamente aquilo que nele existe de único e de irredutível, ou seja,
o seu caráter sagrado.
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O valor religioso faz parte dos valores paisagísticos, que são qualidades atribuídas a um lugar de acordo com
suas características naturais e culturais e que foram se desenvolvendo no decorrer de sua história. Os valores –
religioso, simbólico, econômico, dentre outros – se formam a partir das ações comuns de um grupo, tornando
o lugar conhecido por isso. (NOGUÉ; SALA, 2006)
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elaborar ações urbanas realmente eficazes, que trarão melhorias à qualidade de vida dos
habitantes locais, maior suporte aos romeiros, além de alavancar a economia por conta do
turismo religioso.
Concorda-se, portanto, que a cidade não deve ser percebida apenas como algo
estático, pois se transforma constantemente e recebe influências de todos os lados, como
afirma Lynch (2011). Acredita-se que aceitar e buscar entender essa complexidade é
fundamental para se pensar e projetar a cidade. A riqueza cultural é a alma da cidade, é o que
dá vida às ruas, é o reflexo de hábitos e códigos de convivência humana. Com a cidade
sagrada não é diferente: o homem religioso tem uma vivência própria daquele lugar e projetar
a cidade sagrada requer conhecer o homem religioso e suas relações com o espaço.
1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo geral
Propor uma metodologia de trabalho que direcione arquitetos e o poder público
no planejamento da cidade sagrada a partir das dimensões psicológicas, simbólicas e físicas
de forma a melhor atender as necessidades de romeiros e moradores
1.4 Metodologia
O trabalho se desenvolveu respeitando as etapas metodológicas estabelecidas a seguir:
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo são apresentados conceitos gerais necessários à compreensão do
assunto abordado: o homem religioso e a cidade sagrada. A compreensão prévia deste
conteúdo é necessária para elaborar análises mais aprofundadas sobre o assunto, que serão
apresentadas nos capítulos 3 e 4 em formato de artigos científicos.
Eliade (1992) afirma ainda que a revelação de um espaço sagrado torna este lugar
um ponto fixo, que para o homem religioso é uma representação da fundação do mundo, é a
representação do Cosmos na Terra. É a diferenciação da relatividade do profano, que não
possui um ponto fixo, portanto, não funciona como ponto de orientação para o homem
religioso.
O sagrado, esse ponto fixo, é o lugar onde o homem se sente seguro e orientado
em meio ao caos do cotidiano, mesmo não compreendendo por completo as dimensões
daquilo que acredita ser sagrado. Eliade (1992) fala inclusive que o homem não religioso
encontra o sagrado em sua casa, por exemplo, pois lá pode ser o “Centro do Mundo” para ele.
Eliade (1992), e também Durkheim (1996), explicam que quando ocorre a hierofania, ou seja,
quando o sagrado se manifesta, aquele ponto se torna sagrado e a partir dele toda uma
comunidade cria suas regras e se desenvolve.
Pastro (2010), por sua vez, torna claro que primeiramente há uma experiência não
homogênea do espaço (caos), que é necessária para que o ponto fixo seja identificado no
interior do estado de caos, e para que haja um questionamento sobre o cotidiano, o profano.
Depois, há uma experiência homogênea no espaço (ordem), através da manifestação do
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sagrado, sendo este o ponto fixo em torno do qual a cidade crescerá. O sagrado e o profano,
portanto, são formas antagônicas, necessárias uma à outra e à vivência humana, e
fundamentais para o entendimento das relações do homem religioso com o lugar sagrado.
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Tabernáculo: palavra que vem do latim (diminutivo de taberna = morada) era o local da morada de Deus. Até
hoje, nas igrejas católicas, encontramos o “tabernáculo”, onde está conservada a hóstia, presença de Deus para os
católicos” (ROSA, 2014).
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o aspecto religioso, foi também usado como centro político e comercial6. A partir dos
ensinamentos atribuídos a Jesus Cristo, no Novo Testamento, o significado restrito que os
judeus atribuíam ao conceito de templo se ampliou, passando de um sentido meramente
humano, representado por uma construção material, para uma visão espiritual inovadora,
segundo a qual cada pessoa poderia atuar como templo, ao abrigar Deus em seu coração. Sob
a égide do Cristianismo, portanto, difundiu-se essa nova perspectiva religiosa para a ideia de
templo, sem que os cristãos, contudo, deixassem de buscar espaços onde pudessem se reunir
em assembleia, para prestar culto a Deus.
É importante observar que os primeiros cristãos se consideravam, eles próprios,
templos de Deus, reunindo-se como Igreja, ou seja, como corpo místico de Cristo, nas casas
dos próprios fiéis da comunidade. Não tiveram a preocupação de construir prédios específicos
para os cultos, inclusive porque tinham que se reunir em sigilo, devido às perseguições que
sofriam por parte do Império Romano, no início do Cristianismo. Os locais onde se reuniam
no anonimato funcionavam como “Casas de Igreja” ou “Casas de oração”. Somente após a
conversão do imperador Constantino I, o Cristianismo passa a ser reconhecido como religião
oficial do Império Romano, no ano de 313. A partir de então, a comunidade cristã passou a se
reunir publicamente em prédios e lugares sagrados destinados exclusivamente às práticas
religiosas. (MACHADO, 2007)
Alguns templos possuem desde características muito simples, como religiões de
tribos indígenas, até mais elaboradas, como os templos islâmicos. Todos, porém, têm em
comum um início a partir de um ponto, chamado por Eliade (1992) de “Centro do Mundo”,
onde o sagrado se manifestou e em torno do qual tribos se organizam e cidades evoluem.
Mesmo passados séculos da fundação de uma cidade a partir de um centro, quando muitos já
não lembram o porquê de tal início ou não creem na sua sacralidade, tudo continuará
funcionando em torno daquele ponto.
A romaria, como já dito, é uma das expressões culturais religiosas que se perpetua
por conta da memória coletiva. É uma viagem que se faz a algum lugar com valor sagrado,
cujo ponto de partida é a busca por uma experiência que transforme a alma do fiel e que
terminará na “meta do encontro, onde se conta alcançar o que se espera ou deseja: cura, saúde,
perdão” (SANTIDRIÁN, 1996, p.389). Cada religião – judaica, cristã, islâmica, hindu, dentre
outras – possui características próprias, refletidas em rituais que têm relação com os preceitos
religiosos de cada crença (SANTIDRIÁN, 1996).
Para Gomes e Ludovico (2015), o homem, desde os primórdios da humanidade, se
dirige a destinos considerados sagrados em busca de algo invisível: a reflexão sobre a própria
vida e o encontro de si mesmo. Através das meditações que são feitas durante o árduo
caminho das romarias, cheio de dificuldades, a pessoa vai refletindo sobre si, hábito que
marca profundas mudanças em sua vida. Esse caminhar também tem implicações espaciais,
pois faz surgir eixos de romarias, ao longo dos quais outras cidades vão se estruturando e
equipamentos vão sendo implantados, de acordo com as necessidades de romeiros e
habitantes.
As romarias podem ocorrer em qualquer cidade que tenha algum foco sagrado e
valor para o homem religioso, porém, existem casos especiais, considerando a circunstância
indubitável de quando o aspecto do sagrado propicia de forma excepcional o crescimento de
uma cidade, transformando-a em local de romaria, para o qual convergem pessoas do mundo
todo. Nesses casos, boa parte da economia e da infraestrutura das cidades são alavancadas em
torno do caráter religioso, que também propicia a valorização da cultura e história local,
levando, por exemplo, ao tombamento de bens materiais e imateriais e outras ações que
podem estar vinculadas ao planejamento urbano.
por pregar os ensinamentos do seu Mestre. Após sua morte, diz-se que seu corpo foi levado
de volta a Espanha e lá ficou desaparecido até o ano de 819, quando um eremita chamado
Paio o encontrou após ver uma chuva de estrelas que indicavam um bosque. Chegando lá, a
tumba do Apóstolo foi encontrada. Após a descoberta, o rei Alfonso II ordenou que fosse
construída uma capela, dando início às romarias a Santiago de Compostela, vindo pessoas
de vários países da Europa, fazendo desta uma das romarias mais conhecidas do mundo até
hoje (CATEDRAL DE SANTIAGO, 2017).
Segundo a Associação dos Confrates e Amigos dos Caminhos de Santiago de
Compostela, São Paulo – CACSC-SP (2017), os primeiros romeiros chegavam até a cidade
percorrendo a costa cantábrica. Para auxiliar os romeiros, foram sendo construídos no no
percurso equipamentos como hospedagens, capelas e hospitais, porém esta rota foi
abandonada no início dos anos 1000, e foram feitas outras rotas com o intuito de repovoar
alguns lugares do país.
Ainda segundo a CACSC-SP (2017), em 1075, se inicia a obra da catedral e, em
1122, o Papa Calixto II concede indulgências aos fiéis que peregrinassem à Compostela. Em
1139, surge o primeiro livro que descreve os caminhos que levavam à cidade e os povoados
que ofereceriam suporte aos romeiros. Em 1170, foi fundada a Ordem de Santiago, a qual
tinha por obrigação proteger os romeiros em seu caminho.
Ficando esquecido a partir do século XIII, os Caminhos de Santiago foram
redescobertos em 1965, quando Elias Valinã completou seu doutorado e incentivou o
retorno das romarias a Santiago e seu trabalho gerou frutos, pois as romarias retornaram e
os caminhos vindo de outros países europeus foram sendo organizados. Desde os anos 1980
Santiago de Compostela foi declarada Cidade Patrimônio da Humanidade pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura - UNESCO e hoje são inúmeras as
pessoas que fazem a romaria, oriundas de vários caminhos, mas dos quais os mais
conhecidos são o caminho Francês e o caminho Português.
No momento quando ocorreu a hierofania, ou seja, quando da descoberta do
túmulo do Apóstolo Tiago, quando pelo eremita Paio, posteriormente o acontecido fica
gravado na memória coletiva. Posteriormente, quando a Igreja avisa ao rei Afonso II sobre a
descoberta, este manda demarcar o lugar sagrado, tendo início a construção da capela, do
espaço sagrado, que se torna alvo das romarias (FIGURA 4).
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FIGURA 4 – Crescimento da cidade e dos eixos de romaria a partir do lugar sagrado, Catedral de Santiago
LEGENDA
Atualmente existem vários caminhos que levam a Santiago (FIGURA 5), mas os
mais conhecidos são os seguintes: o Francês e o Português. Tanto as duas vias quanto as
outras que levam à cidade são marcadas por setas amarelas indicativas que orientam os
peregrinos.
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retornar ao pensamento de Duque (2017), ao afirmar que o espaço sagrado não se restringe
ao local onde está a meta, mas se inicia, a partir do momento em que o fiel se propõe a fazer
a romaria.
LEGENDA
Da mesma forma que ocorre em outros locais de peregrinação, Fátima pode ser
caótica em datas festivas, como nos dias 13 de maio, porém, a infraestrutura e as ações da
administração fazem da visita ao lugar uma experiência tranquila, tendo em consideração que
a infraestrutura é bem organizada e oferece apoio ao romeiro.
Quanto às políticas públicas, segundo os Estatutos do Santuário disponibilizados
no Santuário de Fátima, existe uma preocupação em oferecer apoio a todos os visitantes, que
contam com os serviços de funcionários bem preparados para acompanhar pessoas doentes e
com deficiência física. Também existem ações culturais, onde se busca propagar não apenas a
devoção à Virgem Maria, mas também voltadas para perpetuar a cultura portuguesa, através
de festivais de dança típica e de culinária. Essas ações englobam também uma formação em
turismo, para que funcionários estejam aptos a receber bem os peregrinos e visitantes e
orientá-los quanto à hospedagem, horários das celebrações e das atrações, dentre outras
atividades. Junto à administração do santuário, a Prefeitura de Leiria promove o suporte e a
divulgação das peregrinações. (FATIMA, 2017)
Além do santuário, é possível também visitar seu entorno, onde existem outros
locais importantes para a história do lugar, como o poço onde o Anjo de Portugal apareceu às
crianças videntes. Segundo a Reitoria de Fátima, são distribuídos mapas com roteiros de
peregrinação por toda a cidade.
Todas essas ações de promoção no âmbito de políticas públicas são realizadas em
parceria com a Prefeitura de Leiria, o Reitor do Santuário, representando a Igreja Católica,
entre a população local que, incentivada pela Prefeitura, demonstra como essa integração
entre os setores envolvidos, permite que a experiência de peregrinação e turismo religioso em
Fátima seja agradável e segura, além de trazer benefícios a toda a comunidade.
Segundo Duque (2017), nos últimos anos tem crescido o número de romeiros que
fazem os caminhos para o Santuário, pondo-se em prática uma versão portuguesa dos
caminhos de Santiago. No site do santuário, é possível encontrar-se ainda, orientações aos
romeiros que vão caminhando, a partir de suas cidades de origem até o Santuário.
Segundo os boletins informativos divulgados por Fátima (2017), os caminhos
são equipados com indicações de Postos de Assistência, onde o romeiro pode pedir
informações e receber ajuda. Ao chegar no Santuário, o fiel pode se identificar no Albergue
do Peregrino, onde obterá refeição e dispor de um grande salão, onde podem se alojar. O
Santuário também oferece serviços de assistência de saúde aos romeiros, de centro de
estudos e de lojas de artigos religiosos, existentes no entorno do Santuário, onde é possível
encontrar facilmente hospedagem e restaurantes.
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LEGENDA
Santuário Nossa Senhora Aparecida
Basílica Velha
Porto de Itaguaçu
Rio Paraíba do Sul
Passarela que liga a Basílica Velha ao Santuário
FIGURA 11 – Seta com desenhos de peixes para imprimir no site e ser implantada no caminho da romaria
mesmo ano. Em um destes retiros, afirma Eliade (2011), Maomé teria tido uma visão do
anjo Gabriel, que lhe pede para propagar que Alá, o principal deus que a religião de seu
povo pregava, era o único deus. Por algum tempo Maomé segue com as visões e comenta
apenas com pessoas de seu círculo mais próximo, entre as quais a esposa e o primo Ali.
Porém, depois de escrever textos sagrados os quais pregavam que o anjo lhe pediu, passa a
sofrer perseguições em Meca, o que o levou a fugir para Medina, em 622, com seus
discípulos. Durante os oito anos que permaneceu em Medina, Maomé tornou-se chefe de
Estado, disseminou suas ideias e o Islamismo ganhou força.
Em 630, Maomé invade Meca e limpa a Kaaba das imagens dos deuses pagãos,
convertendo a cidade ao Islamismo. (SANTIDIÁN, 1996). A hierofania relacionada à
conversão de Meca ao Islamismo passou por distintas manifestações: a) em uma gruta
próximo a Meca, quando Maomé meditava e teve as visões do anjo Gabriel; b) quando
Maomé disseminou suas ideias em Medina e c) e, finalmente, quando ocorreu a demarcação
do lugar sagrado em Meca, quando foi instituído o monoteísmo.
Apesar da primeira manifestação de hierofania ter ocorrido fora de Meca, a
cidade se tornou o lugar escolhido para ser demarcado como lugar sagrado pois segundo
Eliade (2011.p.79), Maomé haveria tido outra visão do Arcanjo Gabriel, dizendo-lhe que o
mundo árabe deveria ter seu templo e que este deveria ser na Kaaba, pois acreditava-se que
este lugar havia sido construído por Abraão e seu filho Ismael. Outro motivo da escolha
desse lugar sagrado é de que quando ainda se praticava o politeísmo, acreditava-se que a
pedra negra havia sido enviada pelo próprio Alá, sendo esta a primeira manifestação do
sagrado.
Maomé faleceu em 632 e, após sua morte, as peregrinações à Meca continuaram,
porém, com uma devoção monoteísta, e com elas surgiram outros ritos que relembram toda
a vida do seu profeta e o que ele pregava. O Islã começou a se expandir e Meca continuou a
atrair peregrinos, não só da Arábia, mas de todo o mundo islâmico, consolidando a sua
expansão urbana em torno da kaaba (FIGURA 13).
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LEGENDA
Kaaba, construção onde está a pedra negra
Mesquita sagrada de al Masjid
O profeta pregava que todo muçulmano com saúde deveria ir à Meca pelos
menos uma vez na vida. Assim, o hajj7 à Meca constitui uma obrigação a ser cumprida e faz
parte de um ritual árduo e complexo, que envolve várias etapas e caminhadas (FIGURA 14).
7
Hajj: peregrinação em árabe. (SANTIDRIÁN, 1996)
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3. ARTIGO 1:
MORFOLOGIA URBANA E SACRALIDADE EM JUAZEIRO DO NORTE
RESUMO
Apresenta estudo sobre a evolução urbana e morfológica da cidade de Juazeiro do Norte com
o propósito de se compreender a conformação da cidade sagrada que lá se desenvolveu.
Expõe o modo como a cidade é morfologicamente observada e percebida pelo viés de sua
característica sagrada, tendo como suporte metodológico os métodos desenvolvidos por Kevin
Lynch e Gordon Cullen para apreensão da forma urbana. Além de expor o panorama urbano e
morfológico atual da cidade, o estudo descortina as decisões tomados, no âmbito do
urbanismo, pelo poder público municipal e suas consequências na qualidade de vida da
população nativa e na prática das romarias, tônica preponderante da cultura religiosa local. O
objetivo de toda essa compreensão é subsidiar as decisões e intervenções futuras dos gestores
públicos, que devem ser pautadas pelo respeito às características religiosas e à memória
coletiva do lugar.
Palavras-chave: Juazeiro do Norte. Morfologia urbana. Romarias.
INTRODUÇÃO
Fonte: Furlão, 2017
Acesso em: nov. /2017
coletiva, bem como para o desenvolvimento da cultura local e para a economia da cidade.
Uma análise da morfologia urbana local, principalmente dos bairros onde, no período das
grandes romarias, as atividades comerciais se intensificam, observa-se mais nitidamente o
processo de expansão do mercado sacro, por conta do seu valor sagrado para os romeiros e
turistas visitantes. Nessas ocasiões, o fluxo de pessoas nas ruas e igrejas impressiona,
permitindo compreender-se porque a cidade precisa pensar projetos coerentes com a sua
realidade.
Em face dessa problemática apresentada, propõe-se como objetivo geral deste
artigo, a elaboração de um estudo da morfologia urbana da cidade de Juazeiro do Norte, a
partir do seu valor sagrado. Para tanto, serão explicitados inicialmente, os aspectos históricos
da evolução urbana de Juazeiro do Norte, Ceará, permitindo que se compreenda como se
verificam as relações culturais e sociais inseridas na paisagem da cidade. A compreensão
dessa conjuntura resultou da apreciação dos dados coletados da análise da morfologia urbana,
sendo estes, por sua vez, enriquecidos pelo trabalho de observação in loco, como parte da
pesquisa de campo realizada durante as romarias de São Sebastião, em janeiro de 2017 e de
Nossa Senhora das Dores, em setembro de 2017. Assim, conseguiu-se avaliar as dimensões e
dinâmicas da cidade, através do método de Kevin Lynch e Gordon Cullen.
Como metodologia complementar, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, que
permitiu um maior entendimento do tema abordado. Finalmente, realizou-se uma pesquisa de
abordagem qualitativa, aproximando a pesquisadora do público alvo considerado, no caso os
romeiros. Segundo Minayo (2016), a pesquisa qualitativa permite uma melhor compreensão e
explicação das relações sociais.
Assim, no ano de 1872, Padre Cícero muda-se para o Arraial com sua família e
torna-se capelão da Capela de Nossa Senhora das Dores. Com seu carisma, humildade e
generosidade, o Padre Cícero começa seu trabalho pastoral na pequena comunidade.
Prestando assistência ao povo local, desde tratamentos de saúde até interferindo em situações
políticas, ele se torna o benfeitor da comunidade. Assume com firmeza o trabalho que lhe foi
confiado, sempre colocando à frente de todos os empreendimentos, o incentivo à fé.
(BARRETO, 2003)
Em pouco tempo, seu trabalho começou a gerar frutos e a comunidade passou a
vivenciar uma nova forma de organização social e econômica. O padre ganhou influência na
região, até que se tornou possível construir a Igreja de Nossa Senhora das Dores, ao lado da
antiga capela. Seguindo o exemplo do Padre Ibiapina, através de seu trabalho, foram
incentivadas as irmandades religiosas e as casas de caridade. Diante de tantas benfeitorias
vivenciadas por aquela comunidade que antes achava que tinha sido esquecida por Deus, e
também pelo que se considerou o milagre das chuvas durante a seca de 1888, alcançado
depois de muitas novenas dirigidas por Padre Cícero, a população de Juazeiro passou a
atribuir a Padre Cícero o título de santo.
Mas foi em 1889, que teve início a segunda grande fase de crescimento
econômico de Juazeiro, ocasião em que a vida de seu benfeitor sofreu uma grande mudança.
Segundo Barreto (2003), durante uma vigília clamando por chuvas, Padre Cícero ministrou a
comunhão à beata Maria de Araújo. O autor explica que a hóstia sofreu o milagre da
transmutação e virou sangue na boca da beata, tendo se repetido por toda a quaresma do
mesmo ano. Juazeiro passou a receber um grande número de romeiros que queriam falar com
o Padre responsável pelo milagre da transmutação, como é explicado no documento do PDDU
de 2000A:
A religiosidade fervorosa do povo logo transformou o local do ocorrido em palco de
romarias. Esse povo passou a venerar o Padre Cícero como um santo milagreiro e a
ele foram atribuídas várias curas. Os panos ensanguentados da boca da beata
também foram objeto de veneração. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A. p. 16)
que possibilita ao religioso a usar os recursos recebidos em benfeitorias na cidade, como por
exemplo a instalação de uma estação telegráfica e oficinas de relógio. As obras vão
desenvolvendo nas estruturas urbanas de Juazeiro, e, consequentemente, atraindo cada vez
mais empreendedores.
Com o passar dos anos, Juazeiro se torna um centro urbano consolidado na região
e registram-se os seguintes marcos históricos: transferência do cemitério para a Praça Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, em 1906, em 1907, com a aprovação do Padre Cícero, o Padre
Joaquim de Alencar Peixoto dá início à busca pela emancipação política de Juazeiro, que até
então ainda pertencia ao Município do Crato. Em 1911, Juazeiro é emancipado e Padre Cícero
se torna seu primeiro prefeito e, assim, teve início a sua carreira política, que seguiu pelo resto
de sua vida. Essa foi a prova de que ele exercia forte influência e era respeitado pelas várias
camadas da sociedade local (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A).
Em 1909, Juazeiro já contava com 17 ruas, quatro praças, três travessas, um beco
e uma população de 15.000 habitantes, que se dividia em vários ofícios como: artesãos,
farmacêuticos, lojistas, educadores, etc. (op. cit, 2000A)
Críticas por parte da aristocracia local e da Igreja pesaram sobre a pessoa do Padre
Cícero na proporção em que sua fama de santo defensor dos pobres aumentava. Cada vez
mais romeiros iam visitar o lugar, que já tinha fama de sagrado, e o comércio de Juazeiro
passou a ser dinâmico e rico com a instalação de fábricas de algodão, lojas, escolas e
farmácias. Com a seca de 1915, o Governo Federal financiou a construção do Açude dos
Carás, em 1926, foi inaugurada a estação de trem de Juazeiro e também foram inaugurados o
hospital e o matadouro. Em 1928, Juazeiro do Norte constituía um centro comercial
fervilhante, exportando rapadura, farinha, arroz, algodão, além de dispor de um rico comércio
de tecidos, ferragens, bolsas, fábrica de cigarros e oficina de sinos de bronze. O artesanato foi
outra atividade incentivada por Padre Cícero, o que tornou Juazeiro referência nos setores de
ourivesaria, artigos religiosos e couro. Em 1930, foi solicitado um ramal da via férrea para
Barbalha. Principalmente os anos de 1915, 1926 1930, foram importantes para a consolidação
do crescimento urbano de Juazeiro (CAVA, 2014).
Diante de tanta vitalidade econômica, Padre Cícero encomendou de Pelúsio
Correia de Macedo uma demarcação das futuras ruas e praças. Era o primeiro Planejamento
Urbano da cidade, mas foi mal dimensionado, pois previa apenas 46 ruas e 14 praças, o que
fez o projeto ficar defasado, já em 1924, pois a cidade já possuía 52 ruas (JUAZEIRO DO
NORTE, 2000A).
54
Até sua morte, em 1934, Padre Cícero realizou muito por aquele que antes era um
pequeno povoado esquecido pelo poder público. Com sua morte, foi decretado luto de três
dias em Juazeiro, Crato e Barbalha. Homem de espírito empreendedor, com habilidades de
diplomacia, humildade que respeitava o povo pobre e necessitado do sertão, Padre Cícero fez
florescer uma cidade de economia forte, que não parou de se desenvolver após sua morte.
Vale ressaltar que boa parte da expansão urbana de Juazeiro foi possível pela doação de terras
e dinheiro pelo próprio Padre, que destinou seus bens, tanto em vida quanto em testamento
para que a cidade continuasse se desenvolvendo (FARIAS, 2016).
Segundo Barreto (2003), após a morte do Padre Cícero, ficou claro que o trabalho
feito por ele naquela cidade teve continuidade e a fama de santo do “Padim” fez aumentar as
romarias para a cidade gerando peregrinações intensas aos locais por onde ele andou, como,
por exemplo, sua casa, a casa de veraneio no Horto e também as principais igrejas em
santuários religiosos, como a Igreja de Nossa Senhora das Dores (FIGURA 17).
A população continuou fazendo valer a fama de hospitaleira, acolhendo e
ajudando os romeiros, oriunda de todos os lugares do Estado e até de fora dele, todos em
busca de milagres ou para pagar promessas, criando na cidade uma realidade peculiar vista em
poucos lugares. Nesse ambiente de ajuda e acolhimento, os habitantes que tinham mais
condições passaram a doar terrenos para acolher os romeiros expandindo os limites urbanos
da cidade, o que levou a Igreja Católica a se organizar para as romarias e o governo a investir
em loteamentos, equipamentos públicos e a incentivar investimentos de iniciativa privada,
visando à expansão da cidade. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A)
55
Com esse aumento de investimentos públicos por conta das romarias e a economia
mais aquecida devido à implantação de novas indústrias, a partir da década de 1970, Juazeiro
vivencia um grande aumento populacional, o que faz com que o setor imobiliário comece a se
destacar, fazendo com que apareçam por toda a cidade loteamentos e conjuntos habitacionais
voltados a atender à população de baixa renda. Já as classes mais abastadas viram-se diante de
várias opções de empreendimentos imobiliários afastados do centro histórico da cidade, no
bairro chamado CRAJUBAR, local que consolidou a conturbação entre as cidades de Crato,
Juazeiro e Barbalha e onde investimentos da iniciativa privada estão sendo feitos com
frequência, como shoppings, centros comerciais e residências de alto padrão, inclusive em
condomínios fechados. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A).
O contexto delineado, demonstra que o crescimento urbano de Juazeiro do Norte
teve início com o bom aproveitamento do seu caráter sagrado, seu principal benfeitor, Padre
Cícero. Este, como religioso e político, soube bem propagar a tônica religiosa, pelas demais
instâncias geradoras de renda do município. Cabe ressaltar também que a expansão urbana da
cidade igualmente se deve à essa característica mística e teve como alavanca
desenvolvimentista construção de igrejas e o cemitério do Socorro. Hoje, cada bairro tem sua
igreja e elas se tornaram pontos de referência para as respectivas áreas. Constata-se ainda que
os picos de expansão urbana por que passou a cidade deve ser da mesma forma atribuída à sua
feição sagrada (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A).
Hoje, o que se observa em Juazeiro é um povo que ainda vive sob o lema “fé e
trabalho” iniciado pelo seu benfeitor Padre Cícero. Atualmente o município ocupa uma
posição de destaque no Estado, como um polo econômico que abriga centros empresariais de
negócios, serviços e industrias, sem abrir mão de sua característica mais marcante, que
continua sendo o fervor religioso.
3.2 Morfologia urbana e a rota sagrada de Juazeiro do Norte: análise segundo o método
de Lynch e Cullen
uma análise sensorial do lugar, a partir das percepções da autora sobre a cidade e os romeiros.
Tal delimitação foi feita, considerando-se que nelas se concentram os prédios de maior valor
histórico e sagrado e, portanto, constituem o foco principal das romarias.
Este capítulo visa, portanto, descrever as percepções da autora ao caminhar pela
cidade. Para tal análise, a autora visitou a cidade de Juazeiro do Norte, durante a Romaria de
São Sebastião em janeiro de 2017 e por ocasião Romaria de Nossa Senhora das Dores em
setembro de 2017.
A partir dessas considerações, a proposta deste capítulo consiste em proceder uma
análise mais aprofundada da morfologia urbana e da paisagem da cidade seguindo a
metodologia de Kevin Lynch (2011) e Gordon Cullen (2013). Acredita-se que tal
procedimento é fundamental para se projetar uma cidade agradável e coerente com seus
valores sociais, culturais e econômicos. No caso de Juazeiro do Norte, o valor religioso se
mostra o mais preponderante para a cidade. Lynch (op. cit.p.05) afirma que
“[...]potencialmente a cidade é em si um símbolo poderoso de uma sociedade complexa. Se
bem organizada em termos visuais, ela também pode ter um forte significado expressivo”. Ou
seja, a cidade é algo complexo, mas passivo de mudanças, porém, para tais mudanças serem
eficientes é necessário compreender o que já existe e o que está expressando.
Pensou-se em utilizar ambos os métodos de leitura da paisagem pois a autora
acredita que um complementa o outro. Lynch (op. cit) diz que a leitura da paisagem, a partir
de cinco elementos construtivos (vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos) forma-se uma
imagem coerente da cidade, levando o observador a compreender como ela se organizou e o
que ocorreu durante o seu processo de urbanização, tendo em vista construir o senso de
direção dos usuários. Essa forma de abordagem metodológica também permite ao observador
participar dos processos de criação de memórias e significados implícitos nessa paisagem.
Cullen (2013) associa aspectos semelhantes aos elementos construtivos de Lynch,
porém, acrescenta elementos que fazem parte da composição da paisagem, como por
exemplo, o jogo de luz e sombra, que passa a sensação de mistério em determinado lugar ou
em um local que detenha uma forte apropriação da comunidade, reunindo pessoas em
círculos animados de conversa. São três aspectos (óptica, local e conteúdo) que o autor
analisa no percurso estudado. O ponto de partida é a visão serial, que vai sendo construída ao
caminhar pelo percurso escolhido e cada ponto que atrai a atenção do observador é o
momento oportuno de aprofundar os três aspectos mencionados.
Ambos os outros fazem uma apreciação inicial sobre a área estudada, comentando
aspectos relacionados à sua história e os seus significados para a comunidade. De acordo com
58
o método desses autores, a análise mais aprofundada da área considerada só tem início depois
de preenchido o requisito de mensuração do valor cultural da área pretendida. Os aludidos
autores, também consideram que a cidade é um reflexo da percepção dos seus usuários. A
forma como as pessoas utilizam o espaço e que o vivenciam permite que as várias partes da
paisagem estabelecem um diálogo entre si, o que diz muito sobre o lugar estudado.
No tocante à leitura das áreas selecionadas para este estudo, primeiramente
observou-se os elementos da malha urbana segundo o método de Lynch (2011): vias, limites,
bairros, pontos nodais e marcos, por considerá-la mais abrangente.
As vias são o primeiro ponto observado pois é através delas que as pessoas
circulam e conhecem as cidades. No centro comercial de Juazeiro bem como no de outras
cidades há um grande número de transeuntes, que nas vias próximas aos pontos sagrados, o
número de pessoas transitando aumenta de intensidade. Quanto mais próximo dos
monumentos sagrados, maior o fluxo de pessoas circulando, ou sentadas em rodas, com o
comércio informal acontecendo. As ruas mais movimentadas no sentido Norte-sul são: a Rua
Padre Cícero, Rua São Pedro, Rua São José, Avenida Monsenhor Barreto e Rua Santa
Cecília; no sentido Leste-Oeste, o maior movimento fica na Rua da Matriz, na Avenida Dr.
Floro Bartolomeu e na Rua do Cruzeiro.
O caminhar é feito em uma malha de traçado xadrez, com calçadas estreitas e
casarões antigos, de gabarito baixo, direcionando o caminhar. Uma circunstância interessante
é defrontar-se em cada casa com comércios de objetos religiosos. Como são caminhos
frequentados por romeiros, as sensações vivenciadas são diferentes, por seu caráter sagrado.
Apesar de tais pontos estarem localizados principalmente nessa malha xadrez, por conta das
vivências do caminho, existe um cume nessas pequenas rotas, que representam as metas
atingidas, as quais, por sua vez, coroam cada trecho e constituem o auge do limite entre o
sagrado e o profano.
No que tange ao caminho do Horto, considera-se que este possui características
diferentes, por ser um caminho orgânico, cheio de significado e simbolismo, lembrando as
características das cidades medievais, que tinham caminhos tortuosos onde a cada curva fazia-
se uma nova descoberta e ao final do caminho alcançava-se o auge da peregrinação,
normalmente uma catedral (MUNFORD, 1998).
Na subida do Horto, as surpresas vão ocorrendo pelas curvas do caminho, onde
se encontram distribuídas pelo percurso as estações da Via Sacra, representadas por grandes
esculturas de bronze. Aas casas ladeiam com todo esse cenário a céu aberto, o terço vai sendo
rezado pelos romeiros, que iniciam a subida do Horto já de manhã cedo, quando ainda não
59
está tão quente. Essa providência é oportuna, uma vez que o caminho é estreito e pavimentado
com pedras, com poucas árvores e sem equipamentos para dar suporte aos romeiros (FIGURA
18). Para o homem religioso, esse sacrifício vivenciado na subida do Horto constitui um
momento importante, pois segundo a mentalidade dos penitentes, ajuda a expiar os pecados.
3
4 1
2
FIGURA 21- Rua São José e Rua Padre Cícero FIGURA 22 - com Av. Floro Bartolomeu
Fonte: Elaborado pela autora, 2017 Fonte: Elaborado pela autora, 2017
- Recintos: são os pontos nodais, pontos de encontro. Mais uma vez percebe-se isso nas ruas
citadas anteriormente, principalmente à tarde, quando as pessoas se reúnem na porta das
pousadas, na frente das igrejas, na Praça Padre Cícero;
- Delimitação do espaço: pode ser encontrada na Basílica, nas Igrejas do Sagrado Coração e
dos Franciscanos. Todas têm suas praças localizadas na frente da porta principal, cercadas por
arcos e grades de ferro. Outro exemplo de definição do espaço é a Praça Padre Cícero,
localizada no cruzamento da rua Padre Cícero com a Rua do Cruzeiro. É uma área que, por
sua vasta quantidade de árvores, constitui o centro cívico da cidade onde as pessoas se
aglomeram para assistir a shows culturais ou promovidas pela Igreja.
- Aqui e além, expectativa e barreiras: a imagem da cidade medieval é um exemplo desses três
elementos da paisagem. Em Juazeiro, pode-se identificar esse aspecto, principalmente no
caminho de aceso ao Horto. Na base do caminho, tem-se tem um vislumbre de como será o
restante do caminho; depois, na subida estreita de piso de pedra rústico e com suas barreiras
laterais formadas por casas, o visitante vai criando pequenos pontos de expectativa que se
renovam a cada estação da Via Sacra, mas à medida que vai subindo, mais se cria expectativa
de chegar à meta onde foi edificada a estátua do Padre Cícero. É uma caminhada que traduz o
sofrimento do romeiro que, neste caso se incorpora ao espírito religioso da penitência, que,
65
para eles, têm o valor de expiar os pecados. Para a autora, este trecho constitui o caminho
mais simbólico da cidade, por representar o verdadeiro significado religioso do sentido que o
romeiro busca encontrar em uma romaria, alcançando, ao final, a bênção do Padre Cícero.
(FIGURAS 23 e 24).
- Níveis: as áreas observadas são relativamente planas, sendo possível vivenciar caminhos de
subida e descida, apenas no trajeto do Horto. Os volumes arquitetônicos também não
contribuem muito para essa composição de alturas na paisagem. Normalmente, os prédios são
térreos ou com dois pavimentos acima, ficando as igrejas a cargo de trazer mais dinâmica à
paisagem.
- Silhuetas: são o limite do volume edificado, como os frontões neoclássicos e os gradis, que
se encontram com as linhas azuis do céu. São essas silhuetas mais altas, como a cúpula da
Igreja do Sagrado Coração de Jesus e a torre da Igreja de Nossa Senhora das Dores que
chamam a atenção se evidenciam e remetem o olhar para cima, são os marcos que orientam os
observadores no espaço.
Quanto ao terceiro aspecto, o conteúdo, Cullen (2013) explica que a composição
de cores, texturas, estilos arquitetônicos e escala são a constituição física da paisagem e
complementam as sensações que o observador sente ao caminhar.
- Cores, texturas e estilos arquitetônicos: observou-se que as casas mais antigas são em estilo
neoclássico, bem característico do período em que a cidade começou a se expandir. Alguns
desses prédios são mais atuais e não têm estilo arquitetônico definido. As cores são mais
neutras, apenas algumas casas como o “Solar dos Bezerra de Menezes”, localizado em frente
à Praça Padre Cícero, está pintado com uma cor azul mais forte. Outros, revestidos são em
cerâmica quadrada, em tons brancos e amarelos, dentre outras cores. Na parte mais comercial,
percebe-se que as placas com os nomes das lojas comerciais, criam um jogo de fachadas que
se pode considerar caótico.
- Exposição e isolamento: Identificar-se e este quesito, observando-se, a partir de vários
visuais do percurso, a serra onde fica localizada a estátua do padre Cícero. A sensação
causada é a mesma de que ela está isolada e que termina apena quando o observador consegue
alcançá-la de fato ao chegar no alto da mesma. Porém, para quem a observa de longe, a serra é
bem visível, porém, isolada, e parece impossível de ser alcançada. (FIGURA 25)
67
Cabe ressaltar que o método de Cullen (2013) apresenta vários elementos que
tornam a leitura da paisagem mais completa, porém, neste estudo, utilizou-se apenas os que
mais predominaram na paisagem da cidade.
Os limites do sagrado e do profano, nesse caso, representam matéria que deve
ser estudada antes que se proceda a qualquer intervenção urbana na cidade. Para o Romeiro,
essa distinção entre o que tem valor sagrado e o que não tem praticamente não existe,
considerando que Padre Cícero, em vida, andou por todos aqueles lugares. Portanto para os
romeiros, tudo é sagrado, embora conceba a ideia de que há pontos com maior valor sagrado
do que outros, como é o caso dos monumentos acima apresentados. Para o homem não-
religioso, esses limites estão mais claros, ou seja, bem delimitados.
A morfologia urbana da área delimitada para esse estudo constitui um reflexo do
que é a verdadeira alma dessa cidade, a saber: sua característica religiosa. A terminologia
“alma” aplicada aqui, justifica-se, considerando a cidade como um organismo vivo, que
reflete a vida de seu povo, sua história, sua cultura, expectativas e desafios. Tudo isso se sente
a cada caminho e a cada meta atingida, pois esse aspecto está refletido nas ruas, na arquitetura
e na infraestrutura urbana da cidade. É uma área em que se sente o valor sagrado, mesmo que
não se seja um homem religioso. Por isso, se torna é uma experiência rica e gratificante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão do espaço urbano é pauta importante a ser considerada por todos
os agentes participantes da construção desses lugares, especialmente os profissionais da
arquitetura, o que permitiria intervenções mais bem elaboraras nesses espaços. No caso de
Juazeiro do Norte, esse estudo mostrou-se mais interessante em razão do carácter sagrado nele
implícito. Tal circunstância aumentou mais alguns pontos a serem observados na morfologia
urbana, pois a memória coletiva aqui constitui aspecto que deve ser considerado no contexto
urbano, considerando estar impresso não só na vida da cidade, mas em seus habitantes, desde
a época de sua fundação.
Para o homem religioso, o sagrado está na memória, na tradição de pisar em um
solo sagrado, em caminhos tortuosos e ásperos que ajudam a expiar os pecados, que limpam a
alma e os aproxima de Deus. Consequentemente a natureza penitencial presente nos ritos das
romarias, propicia um pouco de felicidade nessa vida aos devotos que esperam alcançar
graças na caminhada. Barreto (2003) explica como se dá as relações do romeiro com a cidade
sagrada e como é importante observá-los:
69
custo ali existentes e destinados aos romeiros. A esse cenário se somam as casas mais antigas
da cidade, que ainda cumprem sua função residencial.
Essa leitura do espaço urbano mostrou-se fundamental para se empreender futuros
estudos, abordando-se, por exemplo, como devem ser feitas intervenções ou propostas no
plano diretor, de forma a que tais equipamentos realmente cumpram a função a que foram
destinados e tornem a experiência do sagrado mais tranquila, tanto para os romeiros, quanto
para os habitantes locais.
Ao se pensar em um espaço urbano justo, socialmente equilibrado, deve-se
considerar que a cidade é um grande ecossistema, com suas diversidades, principalmente
quando ela representa tanta importância para a memória coletiva, como é o caso das romarias.
Buscar esvaziar-se de preconceitos é fundamental para se compreender a
complexidade de uma cidade sagrada e de seus habitantes e visitantes. Assim, pode-se pensar
em um crescimento urbano justo, com investimentos bem distribuídos que visam, além do
lucro a qualidade de vida de todos. Tirar-se partido desse caráter sagrado e fazer-se
intervenções bem planejadas podem tornar Juazeiro uma referência mundial em turismo
religioso, fazendo jus à sua fama e, principalmente, honrando o trabalho de seu padroeiro e
benfeitor, Padre Cícero.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2003.
CAVA, Ralph Della. Milagre em Joaseiro. Ralph Della Cava; tradução Maria Yeda
Linhares. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
FORTALEZA. Fortaleza deve receber cerca de 380 mil turistas durante a alta estação.
Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/fortaleza-deve-receber-cerca-de-380-
mil-turistas-durante-a-alta-estacao. Acesso em out./ 2017.
COSTA, André. Romaria da Candeias começa neste fim de semana. Diário do Nordeste.
Fortaleza, Caderno Regional, p. 4, Janeiro. 2017.
CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. Gordon Cullen; tradução Isabel Correia e Carlos de
Macedo. 1ª ed: Lisboa, Portugal: Edições 70, 2013.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Mircea Eliade; tradução
Rogério Fernandes. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
FARIAS, Alberto. Padre Cícero e a invenção do Juazeiro. 3ª ed. Fortaleza: Tipografia Íris,
2016.
71
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.); DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu.
Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 31ed. Petrópolis: Vozes, 2016.
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas.
Lewis Mumford; tradução; Neil R. da Silva. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
72
4. ARTIGO 2:
ROTEIRO DA FÉ E A VIVÊNCIA DOS ROMEIROS
Maria Christina Dos Martins Coelho Bessa
Mestrado em Ciências da Cidade
Universidade de Fortaleza - UNIFOR
Fortaleza, 15 de novembro de 2017
RESUMO
As romarias à Juazeiro do Norte se perpetuaram como uma tradição para o povo nordestino,
levando, segundo dados divulgados pelo município de Juazeiro do Norte (2000), a um
contingente de 1 milhão de romeiros visitantes, anualmente. Para receber adequadamente esse
contingente de pessoas, o poder público vem executando obras de melhorias nas
infraestruturas da cidade e empreendendo outras ações como o projeto estruturante “Roteiro
da Fé”, destinado a criar uma infraestrutura voltada para orientar o deslocamento dos
romeiros pela cidade e organizar o centro da cidade. Este já se ressente com a alta assiduidade
de visitantes em épocas de grandes romarias, como a de Nossa Senhora das Candeias, que
ocorre anualmente em fevereiro. Porém, essas ações nem sempre são satisfatórias, o que é
preocupante, uma vez que, tanto romeiros quanto moradores da cidade sofrem constantemente
com falta de segurança, de equipamentos de serviços adequados e de infraestrutura urbana
básica, bem como saneamento básico deficiente. Assim, o objetivo geral deste estudo é
estabelecer parâmetros comparativos entre o projeto estruturante “Roteiro da Fé” com as
percepções dos romeiros e habitantes locais sobre a cidade de Juazeiro do Norte. Como
metodologia adotada, foi realizada, uma pesquisa documental sobre a proposta do projeto
estruturante “Roteiro da Fé” do PDDU de Juazeiro do Norte de 2000, buscando compreender
a sua concepção, para depois, analisar-se, através de entrevistas com moradores locais e
romeiros, quais suas percepções sobre a cidade. Assim, foi possível observar-se os pontos que
coincidem e os pontos que divergem, no tocante ao melhor aproveitamento do espaço urbano
na cidade sagrada.
Palavras-chave
INTRODUÇÃO
8
PDDU: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é um instrumento de gestão urbana que estabelece
objetivos e metas para o desenvolvimento das cidades, elaborado com a participação de vários setores da
comunidade e foca em “aspectos físico‐territoriais, econômicos, sociais, ambientais e humanos” buscando um
desenvolvimento ordenado das cidades (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A. p.8).
75
seria impulsionado, pois, nesses corredores, passariam a ser desenvolvidas atividades nas
áreas do comércio e habitação, o e que atrairia mais investimentos privados ao local.
Segundo dados divulgados pelo município de Juazeiro do Norte (2000B), a
convivência entre a população do lugar e as populações visitantes é caótica em dias de
romarias grandes, as quais podem durar até 5 dias. Um dos problemas acarretados por essas
romarias é a dificuldade de acesso aos serviços médicos, em casos de emergência, quando as
ambulâncias encontram dificuldade de circular, por exemplo. Isso ocorre, segundo a mesma
fonte, devido à falta de regulamentação por parte do poder público, uma vez que os espaços
públicos (vias e praças) ficam ocupados por ambulantes e por romeiros que caminham na
caixa de via, sendo que as calçadas, bem estreitas, ficam ocupadas por ambulantes e romeiros.
Estes costumam sentar-se sentam em bancos e cadeiras, em frente às pousadas e tudo isso fica
mais intenso, por conta do comércio já característico.
Outro problema é a quantidade de ônibus que levam os romeiros e que ficam
estacionados nas vias estreitas da cidade. Antes era comum o uso do pau-de-arara, que são
caminhões que transportavam as pessoas na parte traseira do veículo, porém esse meio de
transporte, que foi proibido pelo Departamento de Trânsito por ser considerado um meio de
transporte perigoso.
Em busca de organizar todo esse contingente de pessoas e usos, no “Roteiro da
Fé” propôs-se a implantação de corredores que ligariam os pontos de valor sagrado
localizados na área central, no bairro dos Salesianos e no bairro dos Franciscanos. Essas
galerias criariam eixos de circulação pedonal, que passariam por dentro de quadras, sendo
necessária a desapropriação de alguns lotes para a execução do projeto (FIGURA 27).
77
FIGURA 27 – Proposta de corredores pedonais do “Roteiro da Fé”. Em rosa são os corredores que
direcionariam os romeiros aos pontos sagrados.
FIGURA 28 – Nova tipologia arquitetônica que funcionaria como delimitação do “Roteiro da Fé”
FIGURA 29 – Nova tipologia arquitetônica que funcionaria como delimitação do “Roteiro da Fé”
9
IPTU: Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.
10
ISS: Imposto Sobre Serviço.
79
Conceição, estaria prevista uma saída próxima ao mercado que antecede a Igreja de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro.
FIGURA 30 – Trecho padrão do Roteiro da Fé
ROMEIRO 1 3 Melhorar áreas de lazer e calçadas que são estreitas e não tem aonde
sentar, além de equipamentos como banheiros públicos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi explicado no início deste artigo, existem tentativas efetivas por parte do
poder público em executar obras que propiciem a melhoria da qualidade de vida da população
de Juazeiro do Norte, bem como algumas ações voltadas para o bem-estar dos romeiros,
responsáveis pelo turismo religioso tão valorizado pela cidade. Porém, ao observar-se o que
vem sendo feito e o que se pretende fazer, percebe-se que os projetos abrangem iniciativas
que não solucionam o problema percebida a partir de uma visão ampla, fixando-se as ações de
modo global, pois a cidade não é apenas a área do centro.
83
Considera-se que romaria não é apenas uma viagem turística a um lugar sagrado:
ao contrário, diz respeito a uma cultura que se desenvolveu e que foi passada de uma geração
para outra; é, portanto, uma prática baseada e arraigada na fé de um povo simples, em sua
maioria, que só encontra em Deus e no Padre Cícero conforto espiritual e uma vida abençoada
necessidades, como afirma a historiadora Daniela Medina (2017):
Não é viagem, muito menos turismo convencional, mas uma cultura baseada no
sacrifício, que descende de aspectos seculares da religião. Da polêmica proibição
dos caminhões pau-de-arara até a hospedagem precária, o sacrifício é um caminho
para se aproximar de Deus e se limpar dos pecados. Para a estudiosa, romaria é um
ato de memória. “Os romeiros querem praticá-la como faziam quando crianças,
como aprenderam com os pais, por isso muitos almoçam nos mesmos restaurantes,
dormem nos mesmos ranchos e casas.
caminho que proporciona momentos de oração, é o local que resume o que é fazer uma
romaria: o sofrimento do caminho tortuoso, íngreme, sem sombra nem local para descansar
que culmina na meta do lugar sagrado, a Estátua do Padre Cícero, que está com as mãos em
posição de benção.
Outra questão é reconhecer-se que, se o romeiro verdadeiramente guarda em sua
memória os lugares por onde seus pais caminharam, pode-se entender o motivo pelo qual vai
querer repetir a experiência. Esse hábito, chamado memória coletiva é um processo natural
para o ser humano e, mais ainda, para o homem religioso, sendo desnecessário direcionar o
caminhar dessas pessoas, até porque cada grupo desenvolve um padrão diferente de circulação
e apropriação do espaço (MAÇANEIRO, 2011).
Um bom exemplo dessa negação a espaços que não tem valor sagrado para o
homem religioso é o Centro de Apoio ao Romeiro, hoje é denominado de Centro Multiuso,
pois se tornou obsoleto na cidade. A tentativa de concentrar serviços para os romeiros,
atraindo-os para um só lugar não funcionou pois não tem valor sentimental ou sagrado para
eles. Daí se questiona se os romeiros caminhariam dentro de tal perímetro demarcado ou se tal
tipologia não acabaria por acarretar a desvalorização dos marcos principais da paisagem, que
são os pontos já citados.
Outro ponto que deve ser comentado é que o projeto estruturante “Roteiro da Fé”
menciona em seu contexto que essa iniciativa trará vantagens econômicas ao poder público,
através da arrecadação de impostos. A questão que surge é saber se a sua aplicabilidade não
acarretaria, na área central, o fenômeno da gentrificação, que, em linhas gerais, é a
supervalorização de um território, antes degradado, que após reformas e investimentos se
torna um local com custo de vida caro, impossível de ser sustentado e que por isso, acaba por
excluir os antigos habitantes.
Aqui vale lembrar que o próprio PDDU menciona que a maioria dos romeiros são
de baixa renda, ou seja, não poderiam pagar por hospedagens na área central, local que, pelas
circunstâncias sagradas, atrai a maioria dos visitantes. Como eles suportariam um custo de
vida tão alto? Será que deixariam de fazer a romaria, por não terem condições financeiras ou
criariam outros núcleos em locais sagrados para ficar? Que consequências isso acarretaria?
São questões que surgem diante das informações oferecidas no projeto.
Concorda-se com a ideia de que a cidade é um complexo social vivo e dinâmico,
portanto está sujeita a receber novas intervenções, porém, estas devem ser coerentes com as
necessidades do local. Claro que o estado depende de impostos e dessa frequência de
85
visitantes, porém, os projetos devem ser bem pensados para que a vocação principal da cidade
seja preservada.
Acredita-se que os limites do sagrado e do profano devem ser estudados,
compreendidos, para que as ações sejam efetivas e positivas para todos os atores envolvidos
na vivência da cidade sagrada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fortaleza, Caderno Regional, p. 4, Janeiro. 2017.
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REFERÊNCIAS
LYNCH (2011)
SOUZA (2002)
QUARTA ETAPA
LYNCH (2011)
No capítulo 3, através da análise das cidades de Santiago de
Compostela, Fátima, Aparecida do Norte e Meca, apresentou-se
como os eixos de romaria se formam, levando os romeiros ao
QUINTA ETAPA
CULLEN (2013)
DURKEIM (1996)
REFERÊNCIAS
ELIADE (1992)
MAÇANEIRO (2011)
PASTRO (2010)
LYNCH (2011)
Nos capítulos 2 e 3, mencionou-se que, a partir da manifestação
da hierofania, um grupo de pessoas passa a se organizar, tendo
por consequência a formação de uma cidade. Os símbolos que se
desenvolvem a partir dos rituais, da cultura e da história desse
povo, vão determinar a forma que se vivencia em tal lugar. Já no
SEXTA ETAPA
Rua São Pedro Sagrado (Basílica Nossa Senhora das Dores), comercial, residencial e
lazer (Praça Padre Cícero e apropriação das calçadas como áreas de
convivência)
Rua São José Sagrado e institucional (Casa do Padre Cícero: Museu), comercial e
residencial.
Rua do Horto e Sagrado (caminho do Horto com via Sacra e Estátua do Padre Cícero e
Colina do Horto Igreja do Bom Jesus do Horto), residencial, comercial, institucional
(Casa de retiro do Padre Cícero) e lazer
Rua Floro Bartolomeu Sagrado (Basílica Nossa Senhora das Dores), comercial,
residencial, institucional (Casa Mãe das Dores – apoio à
Matriz)
QUINTA ETAPA
Rua Leão XIII Sagrado (do Sagrado Coração de Jesus e Igreja dos
Franciscanos), comercial, residencial
QUADRO 15 - Classificação de vias de maior fluxo segundo seu valor simbólico - ruas no sentido Norte/Sul
Rua Padre Cícero Alto valor simbólico
SEXTA ETAPA
QUADRO 16 - Classificação de vias de maior fluxo segundo seu valor simbólico - ruas no sentido
Leste/Oeste
Rua da Matriz Alto valor simbólico
Diante das informações coletadas, é possível obter uma melhor leitura da cidade,
o que permitirá ao poder púbico desenvolver ações coerentes com as necessidades e os
fluxos de romeiros, criando eixos de romaria hierarquizados, bem como delimitando essa
área de abrangência dos limites do sagrado, que, como se viu no caso de Juazeiro,
frequentemente expande-se dos limites geográficos dos bairros e até da cidade.
Assim, tornar-se-á possível também, proteger tais caminhos e a paisagem com
marcos simbólicos visualizada a partir desses circuitos, evitando criar descaracterizações ou
barreiras visuais, além de oferecer maior eficiência no atendimento dos usuários, através de
coerência na oferta de serviços e equipamentos públicos.
Apesar de ter sido aplicado em Juazeiro do Norte, acredita-se que essa
metodologia pode ser aplicada no estudo de qualquer cidade de valor sagrado. A intenção da
autora é que este seja o passo inicial que deveria ser adotado por projetistas e poder público
para a identificação de uma área com esse tipo de potencial, tornando o lugar trabalhado em
uma cidade que sustente seus valores sagrados e ofereça uma melhor experiência religiosa
aos romeiros além de uma melhor qualidade de vida aos habitantes locais.
97
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] Finalmente, a viagem conduz à cidade de Tamara. Penetra-se por ruas cheias
de placas que pendem das paredes. Os olhos não veem coisas, mas figuras de
coisas que significam outras coisas: o torquês indica a casa do tira-dentes; o jarro,
a taberna; as alabardas, o corpo de guarda; a balança, a quitanda. Estátuas e
escudos reproduzem imagens de leões delfins torres estrelas: símbolo de alguma
coisa – sabe-se lá o quê- tem como símbolo um leão ou delfim ou torre ou estrela.
Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar – entrar na viela
com carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte- e aquilo que é
permitido – dar de beber às zebras, jogar bocha, incinerar o cadáver dos parentes.
Na porta dos templos, veem-se as estátuas dos deuses, cada qual representando
seus atributos: a cornucópia, a ampulheta, a medusa, pelos quais os fiéis podem
reconhece-los e dirigir-lhes a oração adequada. Se um edifício não contém
nenhuma insígnia ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na organização da
cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a casa da moeda,
a escola pitagórica, o bordel. Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem
em suas bancas valem não por si próprias, mas como símbolos de outras coisas: a
tira bordada para a testa significa elegância; a liteira dourada, poder; os volumes
de Averróis, sabedoria a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade. O olhar
percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você
deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando
Tamara, não faz nada além de registrar nomes com os quais ela define a si própria
todas as suas partes.
Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que
contém e o que esconde, ao sair de Tamara é impossível saber. Do lado de fora, a
terra estende-se vazia até o horizonte, abre-se o céu onde correm nuvens. Nas
formas que o acaso e os ventos dão às nuvens, o homem se propõe a reconhecer
figuras: veleiro, mão, elefante... (CALVINO, Ítalo, 2002. p.17-18)
Em sua descrição, Marco Polo mostra como a cidade fala por ela mesma, como a
memória já estabelecida nos anos de história e evolução humana, criam uma linguagem
onde todos, mesmo os visitantes, compreendem. A posição dos prédios importantes é outro
ponto que chama a atenção, pois, segundo o autor, a Arquitetura fala por si, não sendo
necessárias placas para descrevê-los. Tamara é uma cidade imaginária, porém, ela
representa o que ocorre em cidades reais.
Seguindo esse raciocínio, pode-se perceber que a cidade fala por ela, pois é feita
pelo homem, que projeta na construção de vias e edificações seus anseios, necessidades, sua
cultura e tece sobre essa grande malha sua história. Saber compreender esse tecido urbano é
uma das incumbências do arquiteto e urbanista e de todos os gestores públicos e agentes
participantes da construção das cidades. Essa postura implica dizer que, para continuar a
expansão dessa malha, ou adaptá-la às necessidades que surgem com o passar dos anos, os
profissionais e gestores deverão executar ações planejadas de forma adequada.
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A autora acredita que este trabalho tem potencial para ser implantado em
cidades de caráter sagrado, seja no Brasil ou exterior, independente da crença religiosa
adotada. Pretende-se, como proposta de estudo futuro, considerar-se a elaboração de um
manual de diretrizes de zoneamento urbano, abrangendo propostas de condicionantes
urbanísticos específicos para esse tipo de área, bem como diretrizes de uso e ocupação do
solo, além da criação de planos de acessibilidade, bolsões de espaços livres,
estrategicamente implantados, parâmetros de conforto térmico, dentre outros. Todos esses
tópicos delineados deverão ser trabalhados e norteados na perspectiva do valor simbólico,
tão importante para o homem religioso e as cidades sagradas.
100
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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