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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ


UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO – VRPG
MESTRADO PROFISSIONAL EM CIÊNCIAS DA CIDADE
 

O HOMEM RELIGIOSO E A CIDADE SAGRADA

MARIA CHRISTINA DOS MARTINS COELHO BESSA

FORTALEZA - CE
DEZEMBRO, 2017
MARIA CHRISTINA DOS MARTINS COELHO BESSA

O HOMEM RELIGIOSO E A CIDADE SAGRADA

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado


Profissional em Ciências da Cidade da
Universidade de Fortaleza como requisito
parcial para a obtenção do Título de Mestre em
Ciências da Cidade

Orientador: Prof. Dr. Antônio Martins da Rocha Júnior

FORTALEZA - CE
2017
Dedico este trabalho a meus pais, que me incentivam a seguir com as maravilhosas e
constantes descobertas da profissão que escolhi.
AGRADECIMENTOS

A Deus Pai, Filho e Espírito Santo, fonte de sabedoria e inspiração; à Bem


Aventurada Virgem Maria, modelo de doçura, confiança e auxílio sempre presente; ao Padre
Cícero, que, como religioso e político marcou a história de Juazeiro do Norte, em seu tempo e
até hoje, deixando um lastro de fé em Deus e de existência ativa, totalmente dedicada aos
mais necessitados;

A meus pais, irmãos, sobrinhas, tios, primos e amigos pelo apoio e incentivo em
todos os momentos, especialmente à minha tia Ruth pelo apoio desde o início do mestrado;

A meu orientador, Antônio Martins da Rocha Júnior, pela dedicação em suas


orientações para a elaboração deste trabalho;

À professora Cristina Maria Aleme Romcy, coordenadora do mestrado e colega de


trabalho, pelo apoio e ideias que me direcionaram;

Aos professores do mestrado pelas contribuições, orientações e apoio;

Aos colegas de mestrado, especialmente Nicole e Raquel pelo apoio


principalmente nos momentos mais complicados.

A aluna Sophia Pinheiro pela ajuda na montagem dos mapas.


“Deus nunca deixa um trabalho sem recompensa
nem uma lágrima sem consolação. ”
Padre Cícero Romão Batista
RESUMO

O estudo do sagrado é um campo de pesquisa fértil e complexo, que atrai a atenção de


estudiosos de várias áreas de atuação humana. Essa curiosidade pela temática do sagrado se
dá, em parte, pelo interesse do homem, enquanto ser finito, buscar compreender e desenvolver
formas de relacionar-se com o que ele considera transcendente. Sob o prisma da arquitetura,
Juazeiro do Norte, cidade do Estado de Ceará, é alvo de romarias o ano inteiro, sendo um
exemplo clássico de como as relações do homem com o transcendente podem ir além de um
altar sagrado e atingir proporções que afetam o ordenamento e a paisagem urbana. Assim, este
estudo tem por objetivo geral propor uma metodologia de trabalho que direcione arquitetos e
o poder público no planejamento da cidade sagrada a partir das dimensões psicológicas,
simbólicas e físicas de forma a melhor atender as necessidades de romeiros e moradores. Para
a elaboração deste trabalho, realizou-se a priori, uma criteriosa pesquisa bibliográfica acerca
da temática envolvida. Os subsídios técnicos colhidos serviram de embasamento para a
elaboração dos três capítulos que compõem este estudo e onde se encontram explanadas e
discutidas na forma de artigos científicos, as questões consideradas relevantes à proposta do
estudo. Como parte do processo de desenvolvimento desses artigos incluir-se-á a realização
de uma pesquisa de abordagem qualitativa e posteriormente, um estudo de campo em Juazeiro
do Norte, para observar se a relação entre os romeiros e os lugares sagrados em dias de
romaria. Foram utilizados os métodos de Kevin Lynch e Gordon Cullen para uma leitura da
morfologia e da paisagem. Em seguida aplicar-se-á um questionário direcionado aos
habitantes locais e romeiros para se conhecer as suas percepções sobre a cidade de Juazeiro do
Norte e confrontá-las com o projeto estruturante “Roteiro da Fé”, que compõe o Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano local.

Palavras-chave: Cidade Sagrada. Juazeiro do Norte. Romarias. Padre Cícero


ABSTRACT

The study of the sacred is a fertile and complex field of research that attracts the attention of
scholars from various fields of human endeavor. This curiosity about the theme of the sacred
is partly due to man's interest, as a finite being, to seek to understand and develop ways of
relating to what he considers to be transcendent. Under the prism of architecture, Juazeiro do
Norte, a city of the State of Ceará, is the target of pilgrimages throughout the year, being a
classic example of how man's relations with the transcendent can go beyond a sacred altar and
reach proportions that affect the urban landscape. Thus, this study has as general objective to
propose a methodology of work that directs architects and the public power in the planning of
the sacred city from the psychological, symbolic and physical dimensions in order to better
meet the needs of pilgrims and residentes. For the elaboration of this work, a priori was
carried out a careful bibliographical research about the thematic involved. The technical
subsidies collected served as a basis for the elaboration of the three chapters that compose this
study and where the issues considered relevant to the study proposal are explained and
discussed in the form of scientific articles. As part of the development process of these
articles, a qualitative research was carried out and a field study was carried out in Juazeiro do
Norte to observe the relationship between pilgrims and sacred places on pilgrimage days. The
methods of Kevin Lynch and Gordon Cullen were used for a reading of morphology and
landscape. Then a questionnaire was directed to the local inhabitants and pilgrims to get to
know their perceptions about the city of Juazeiro do Norte and confront them with the
structuring project "Roteiro da Fé", which composes the Local Urban Development Master
Plan.

Palavras-chave: Sacred city. Juazeiro do Norte. Pilgrimage. Padre Cícero


LISTA DE SIGLAS

CASCSC – SP Confrades e Amigos dos Caminhos de Santiago de Compostela, São Paulo


IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PIB Produto Interno Bruto
UNWTO United Nations World Tourism Organization
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Localização de Juazeiro do Norte, Ceará.


FIGURA 2 – Procissão Nossa Senhora das Dores, setembro de 2017.
FIGURA 3 – Caminho de Aparecida. Caminho percorrido de Alfenas, MG à Aparecida do
Norte, SP.
FIGURA 4 – Crescimento da cidade e dos eixos de romaria a partir do lugar sagrado,
Catedral de Santiago.
FIGURA 5 – Caminhos de Santiago de Compostela.

FIGURA 6 – Capela das aparições.


FIGURA 7 – Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
FIGURA 8 – Crescimento da cidade de Fátima em volta do local da hierofania.
FIGURA 9 – Itinerário Jubilar no Santuário de Fátima. 1: Pórtico do centenário, 2: Capela das
Aparições, 3: Túmulo dos pastorinhos-Basílica de Nossa Senhora de Fátima e 4: Capela do
Santíssimo Sacramento-Basílica da Santíssima Trindade.

FIGURA 10 – Santuário de Nossa Senhora Aparecida, SP. Crescimento em torno da


hierofania.
FIGURA 11 – Seta com desenhos de peixes para imprimir no site e ser implantada no
caminho da romaria
FIGURA 12 – Mapa disponibilizado no Guia do Caminho de Aparecida
FIGURA 13 – Crescimento da cidade de Meca a partir da hierofania.
FIGURA 14 – Percurso feito durante a romaria à Meca

FIGURA 15 – Fiéis se deslocam durante hajj

FIGURA 16 – Padre Cícero Romão Batista

FIGURA 17 – Evolução urbana de Juazeiro do Norte

FIGURA 18 – Desenho do caminho do Horto, aproximando-se da estátua do Padre Cícero

FIFURA 19 – Desenho da Av. Padre Cícero com Av. Floro Bartolomeu

FIGURA 20 - Análise da morfologia e paisagem de Juazeiro Cícero


FIGURA 21 - Rua São José e Rua Padre Cícero

FIGURA 22 - com Av. Floro Bartolomeu

FIGURA 23– Início do caminho do Horto: expectativas e barreiras.


FIGURA 24 – Marcos na paisagem: estátua do Padre Cícero no Horto. Meta

FIGURA 25 – Colina do Horto


FIGURA 26 – Solar dos Bezerra de Menezes na Rua Padre Cícero
FIGURA 27 – Proposta de corredores pedonais do “Roteiro da Fé”. Em rosa são os corredores
que direcionariam os romeiros aos pontos sagrados.

FIGURA 28 – Nova tipologia arquitetônica que funcionaria como delimitação do “Roteiro da


Fé”

FIGURA 29 – Nova tipologia arquitetônica que funcionaria como delimitação do “Roteiro da


Fé”

FIGURA 30 – Trecho padrão do Roteiro da Fé


LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Santuário de Aparecida em números


TABELA 2 – Respostas dos moradores de Juazeiro do Norte
TABELA 3 – Respostas dos romeiros de Juazeiro do Norte
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Primeira etapa da Metodologia


QUADRO 2 – Segunda etapa da Metodologia
QUADRO 3 – Terceira etapa da Metodologia
QUADRO 4 – Quarta etapa da Metodologia
QUADRO 5 – Quinta etapa da Metodologia
QUADRO 6 – Sexto passo da Metodologia
QUADRO 7 – Primeira etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte
QUADRO 8 – Segunda etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte
QUADRO 9 – Terceira etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte 
QUADRO 10 – Quarta etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte
QUADRO 11 – Quinta etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte
QUADRO 12 – Uso do solo nas ruas no sentido Norte/Sul
QUADRO 13 – Uso do solo nas ruas no sentido Leste/Oeste
QUADRO 14 – Sexta etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte
QUADRO 15 - Classificação de vias de maior fluxo segundo seu valor simbólico - ruas no
sentido Norte/Sul
QUADRO 16 - Classificação de vias de maior fluxo segundo seu valor simbólico - ruas no
sentido Leste/Oeste
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................14
1.1 Problemática......................................................................................................................16
1.2 Justificativa........................................................................................................................19
1.3 Objetivos.........................................................................................................................23
1.3.1 Objetivo geral.................................................................................................................23
1.3.2 Objetivos específicos......................................................................................................23
1.4 Metodologia.......................................................................................................................23

2. REFERENCIAL TEÓRICO.............................................................................................25
2.1 Sagrado e Profano: conceitos...........................................................................................25
2.2. O surgimento das cidades sagradas................................................................................26
2.3 A memória coletiva...........................................................................................................28
2.4 A cultura de romaria e sua importância para os romeiros...........................................30
2.5 Crescimento urbano a partir da memória coletiva e das romarias..............................30
2.5.1 Santiago de Compostela, Espanha............................................................................32
2.5.2 Fátima, Portugal.............................................................................................................36
2.5.3 Aparecida do Norte, Brasil........................................................................................40
2.5.4 Meca, Arábia Saudita................................................................................................43

3. ARTIGO 1: MORFOLOGIA URBANA E SACRALIDADE EM JUAZEIRO DO


NORTE................................................................................................................................48
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................48
3.1 Evolução urbana da cidade de Juazeiro do Norte: compreendendo o contexto
sociocultural da cidade...........................................................................................................50
3.2 Morfologia urbana e a rota sagrada de Juazeiro do Norte: análise segundo o método
de Lynch e Cullen....................................................................................................................56
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS.....................................................................................70
4. ARTIGO 2: ROTEIRO DA FÉ E A VIVÊNCIA DOS ROMEIROS............................72
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................72
4.1 Projeto Estruturante “Roteiro da Fé”............................................................................75
4.2 A percepção do romeiro sobre Juazeiro do Norte.........................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................85

5. PROPOSTA DE METODOLOGIA DE TRABALHO.............................................86

5.1 Aplicação da metodologia em Juazeiro do Norte......................................................91


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................97
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................100
14 

1. INTRODUÇÃO
O estudo do sagrado sempre atraiu a atenção e a curiosidade do ser humano, seja
ele adepto ou não de alguma crença. Essa relação com o transcendente mostra-se muitas vezes
forte e irracional, mas assume especial importância e influência na vida das pessoas religiosas,
na busca da proteção e paz interior. Assim, não somente os estudiosos da religião, mas
neurocientistas, filósofos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos e historiadores, entre
outros profissionais, vêm se aplicando a esse campo de pesquisa – conforme destaca Eliade
(2010), estudioso das questões referentes ao sagrado. Rudolf Otto, teólogo alemão
contemporâneo de Eliade, à frente das tradições religiosas do seu tempo, percebeu haver em
todas as religiões elementos que se assemelham e denominou-os racionais e irracionais
(SILVA; SILVA, 2014). Dentro do universo religioso, esses elementos
[...] direcionam o ser humano à vida religiosa e ao amor pelo sagrado. Esta questão é
melhor explicada na Bíblia Sagrada, no novo testamento, em que Deus é o senhor
dos céus – numinoso/ irracional, mas também pai – numinoso/racional. [...] Mas a
experiência do numinoso é diferente de qualquer outro sentimento de dependência.
É algo que transcende a realidade. (SILVA; SILVA, 2014.p. XX)

No âmbito da Arquitetura e das cidades, o sagrado leva à constituição de lugares


especiais, pois transforma objetos que são parte do mundo natural em algo de ordem
diferente, alterando as relações do homem com os espaços livres e construídos. A influência
do sagrado nas cidades é um campo merecedor de atenção e fértil em possibilidades de
estudo, pois, em muitos casos, confere um impacto direto das romarias1 no cotidiano da
população residente nos locais de peregrinação.
A dinâmica das romarias promove um fluxo turístico de grande importância
econômica para os lugares considerados sagrados. Segundo dados da United Nations World
Tourism Organization - UNWTO (2014), o turismo religioso movimentou, no ano de 2014,
cerca de 300 milhões de pessoas no mundo, gerando uma renda de 18 bilhões de dólares. São
valores altos e mostram a relevância do assunto, fazendo-se pensar em como os locais
visitados pelos romeiros organizam suas infraestruturas para receber populações sazonais ou
                                                            
1
  Romaria, segundo Ferreira (2010), significa ir à Roma, fazer uma peregrinação de caráter sagrado; peregrinar
significa ir em lugares distantes, ir em romaria a lugares santos. Romeiro ou peregrino é pessoa que peregrina.
Por se tratar de palavras sinônimas, este trabalho utiliza as definições romaria e romeiro, pois são termos mais
utilizados no Nordeste do Brasil. Por ser um termo utilizado por cristãos, quando for abordado o assunto da
cidade sagrada dos muçulmanos, Meca, será utilizado o termo peregrinação.  

 
15 

flutuantes, as quais, dependendo dos períodos, dobram de tamanho em relação à população


fixa desses lugares.
Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela, Fátima e Meca são alguns dos
exemplos de cidades que convivem diariamente com essa realidade, e, no Brasil, pode-se citar
Aparecida do Norte, em São Paulo, e Belém, no Pará. A primeira recebe um contingente de
12 milhões de romeiros por ano, segundo Santuário de Aparecida (2017); Belém recebeu, em
2017, por ocasião do evento conhecido como Círio de Nazaré, 2 milhões de romeiros e
turistas, segundo noticiou site Globo G1 (2017).
O caráter sagrado de algumas cidades ocasionou o surgimento do turismo
religioso, onde se observa a interação de três tipos de participantes: o romeiro, o turista
religioso e a população local (COSTA E DINIZ, 20--?]. Os primeiros são aqueles que vão ao
lugar sagrado em busca de graças, de um milagre em suas vidas e, para eles, mesmo que não
haja infraestrutura satisfatória, não há problema, pois, o sofrimento faz parte do crescimento
espiritual. Já o turista religioso participa das festividades de forma menos fervorosa,
usufruindo também de tudo o que o local oferece aos visitantes, no âmbito da cultura e lazer.
Quanto aos habitantes locais, estes veem nas festividades uma forma de ganhar a vida,
movimentar a economia da cidade, mas também sofrem com o descaso do poder público em
relação ao atendimento de suas demandas.
Os três tipos de participantes do turismo religioso reagem, portanto, de modo
distinto. Segundo Costa e Diniz (20--?. p. 83), no caso do visitante romeiro/fiel, eles se
comportam da seguinte forma nas romarias:
[...]se desloca para o espaço-tempo sagrado para orar/rezar, pagar promessas, buscar
bênçãos, sofrer, contemplar, participar de romarias, fazer pedidos. Este visitante está
fortemente ligado ao evento, participando ativamente, conhecendo seus sentidos,
seus códigos e seus símbolos. O consumo muitas vezes não é seu principal objetivo,
sendo uma ação marginal. Suas relações com o evento sagrado são de entrega
simbólica, pois é um importante momento (talvez o último de sua vida) de renovar
seus contratos com a divindade.

O visitante turista, por sua vez, é um consumidor de espetáculo, é agente de um


sistema completamente exógeno e alienado em relação ao sistema em questão – conforme
explicam Costa e Diniz [20--?]. Diferentemente do romeiro, o turista religioso não se
compromete com o evento nem com as aspectos culturais e símbolos que o envolvem o
evento. Trata-se do turista que participa como observador do evento principal, porém, não se
envolve emocionalmente nem se prende aos compromissos relacionados ao evento.
No caso do morador da cidade, ele está em permanente contato com o espaço-
tempo sagrado, sentindo diuturnamente os efeitos produzidos pelos visitantes na economia e
16 

no espaço urbano. Da interação ou conflito entre os distintos participantes do turismo


religioso, emerge um mercado em expansão, que necessita de maiores discursões entre
gestores e comunidades de modo a torná-lo não só mais rentável, mas também uma forma de
perpetuar culturas e beneficiar as comunidades locais nos âmbitos social, econômico e
espacial (UNWTO, 2017).

1.1 Problemática
Cidades com espaços considerados sagrados tendem a ser polos econômicos por
conta do turismo religioso, que faz movimentar vários setores, como hotelaria, comércio e
artesanato. Diante dessa constatação, é conveniente indagar o seguinte: estão tais cidades
preparadas para receber intenso fluxo diário de pessoas? E de pessoas que têm percepção
completamente diferente, comparando uma com as outras? Como o romeiro, o turista
religioso e a população local vivenciam a cidade, cotidiana e sagrada?
Juazeiro do Norte, no Estado do Ceará, se encontra entre os exemplos de como
uma cidade pode sofrer impactos, sejam positivos ou não, no cotidiano de seus moradores.
Recebendo uma população anual flutuante de cerca de 1 milhão de romeiros, segundo dados
de Juazeiro do Norte (2000 A)2, a cidade evoluiu de uma pequena vila inexpressiva, na região
do Cariri, com poucas casas de taipa e uma pequena capela, para um forte polo econômico
localizado no sul do Estado (FIGURA 1), com um Produto Interno Bruto-PIB no valor de
3.221.109,00 reais e com uma população de 249.939 pessoas, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2010).

                                                            
2
 Segundo dados de Juazeiro do Norte (2000A), a cidade recebe cerca de 1 milhão de romeiros por ano. Já o 
site oficial da Prefeitura, acessado em novembro/2017, informa que a cidade recebe 2,5 milhões de romeiros 
por  ano.  A  Igreja  Católica,  por  sua  vez,  afirma  que  registra  apenas  10%  dos  romeiros  (COSTA,  2017).  Tais 
informações  mostram  que  não  existem  dados  estatísticos  que  ofereçam  números  precisos  de  romeiros, 
indicando também a forma empírica que os projetos são elaborados. Atualmente a Universidade Regional do 
Cariri está iniciando estudos estatísticos para se ter um perfil mais exato dos romeiros. 
17 

FIGURA 1 – Localização de Juazeiro do Norte, Ceará

 
Fonte: Elaborado pela autora, 2017

O ascendente ciclo de crescimento econômico da cidade foi impulsionado pelo


status de lugar sagrado que Juazeiro do Norte assumiu devido à popularidade e ao trabalho
político e religioso do seu principal benfeitor, Padre Cícero Romão Batista. Para se ter uma
noção da grandiosidade dos eventos religiosos que ocorrem em Juazeiro, Fortaleza, a capital
do Estado, esperava receber em julho de 2017 cerca de 380 mil turistas (FORTALEZA,
2017), enquanto Juazeiro previa receber 400 mil romeiros somente da Festa de Nossa Senhora
das Candeias, ocorrida em fevereiro de 2017 (COSTA, 2017). Da mesma forma, segundo
informações de Juazeiro do Norte (2017), a romaria de Nossa Senhora das Dores em setembro
de 2017 recebeu 80 mil romeiros (FIGURA 2).
18 

FIGURA 2 – Procissão Nossa Senhora das Dores, setembro de 2017

Fonte: Elaborada pela autora, 2017

A tônica do sagrado como fator promotor do crescimento urbano impulsionou este


estudo. A escolha por Juazeiro do Norte como objeto a ser estudado parte da premissa de que
a ênfase do sagrado, que vem favorecendo economicamente o município, não seja
descaracterizada por projetos urbanos mal concebidos, que desvirtuem a vocação principal da
cidade: atrair o turismo religioso.
Muitas das ações desenvolvidas pelo poder público para Juazeiro, entretanto, se
baseiam apenas em aspectos racionais e práticos, como é o caso de projetos estabelecidos pelo
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano-PDDU3 de Juazeiro do Norte, sancionado em
2000. As diretrizes do PDDU levaram a alterações espaciais e ao estimula de usos e
atividades visando a valorização do setor turístico, mas que descaracterizaram aspectos
sagrados da cidade. E esses aspectos são a base econômica do município, que fazem
movimentar um setor de serviço que apresenta 86,56% do PIB, de 3.221.109 reais – segundo
dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará-IPECE (CEARÁ, 2016)

                                                            
3
  PDDU:  Plano  Diretor  de  Desenvolvimento  Urbano  é  um  instrumento  de  gestão  urbana  que  estabelece 
objetivos  e  metas  para  o  desenvolvimento  das  cidades,  elaborado  com  a  participação  de  vários  setores  da 
comunidade e foca em “aspectos físico‐territoriais, econômicos, sociais, ambientais e humanos” buscando um 
desenvolvimento ordenado das cidades (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A. p.8).
19 

Diante de tal contextualização, observa-se como problemática a ser considerada


neste estudo a necessidade de pensar a cidade sagrada a partir das vivências e reclamos do
homem religioso. Sem essa compreensão, os projetos podem não se adequar à realidade do
lugar, trazendo consequências desastrosas ao meio urbano, afetando o crescimento ordenado
da cidade e refletindo negativamente na vida da população local, dos romeiros e turistas.

1.2 Justificativa
Em que pese a aparente abordagem empírica do planejamento urbano de Juazeiro,
que não leva em consideração as vivências do homem religioso, o PDDU de Juazeiro do
Norte (2000A) deixa claro que a cidade deverá continuar crescendo valorizando seu caráter
sagrado: “Juazeiro do Norte deverá ser um importante centro de turismo religioso da América
Latina” (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A, p.10). Tal ambição leva a questionamentos tais
como: que diretrizes estão sendo levadas em conta para a manutenção dessa característica
religiosa? Tanto os romeiros quanto moradores locais estão sendo ouvidos quanto às suas
reais necessidades? Está havendo diálogo entre os atores envolvidos?
As dúvidas são pertinentes pois quando se trata de intervenções urbanas em
espaços sacralizados deve-se levar em consideração aspectos que vão além da economia e da
funcionalidade, pois o espaço sagrado incorpora valores simbólicos que extrapolam questões
práticas. E mesmo quanto a questões práticas, Juazeiro tem carências de infraestrutura voltada
ao atendimento dos romeiros, dos turistas e da população local.
O planejamento de uma cidade sagrada requer uma infraestrutura bem
dimensionada e implantada. Para se ter noção do que é necessário considerar em cidades de
valor sagrado, pode-se observar como parâmetro os equipamentos instalados no maior centro
de peregrinação do Brasil: o Santuário de Aparecida do Norte, em São Paulo. O Santuário
possui uma estrutura total de 142.865 m2, onde se distribuem vários equipamentos (TABELA 1)
para receber os 12 milhões de romeiros que visitam a cidade anualmente (SANTUÁRIO DE
APARECIDA, 2017).
20 

TABELA 1 – Santuário de Aparecida em números

MOVIMENTO ANUAL DE VISITANTES VAGAS DE ESTACIONAMENTO


EQUIPAMENTOS

2012 11.114.639 Ônibus 2.000 Centro de Eventos 18.331 m²


2013 11.856.705 Carros de passeio 3.000 Área do estacionamento 285.000 m²
2014 12.225.608 Bolsões de motos 602 Cidade do Romeiro 110.567 m²
2015 12.112.583 Bicicletas 526 Áreas verdes 395.000 m²
2016 11.701.889 Motorhomes e trailers 24 Centro de Apoio ao Romeiro (380
Receptivo para cavalos 1 lojas) 36.877 m²

Fonte: Santuário de Aparecida do Norte


Acesso em: set/2017

Além da grande infraestrutura, que envolve vários tipos de equipamentos, existem


vários caminhos de romaria que levam à Aparecida, como pode se observar em sites na
internet (FIGURA 3), onde grupos organizam romarias similares aos Caminhos de Santiago
de Compostela.

FIGURA 3 – Caminho de Aparecida, de Alfenas, MG, à Aparecida do Norte, SP.

Fonte: Caminho de Aparecida


Acesso em: Set/2017

Essa movimentação envolvendo equipamentos de valor sagrado é algo que


ultrapassa a compreensão usual. Estudiosos no assunto, como Mircea Eliade e Emille
Durkheim, explicam em suas obras o porquê de tudo o que envolve o caráter de sagrado deva
ser estudado de forma diferente. Eliade (2010, p. 1) afirma que:
21 

[...] um fenômeno religioso somente se revelará como tal com a condição de ser
apreendido dentro da sua própria modalidade, isto é, de ser estudado à escala
religiosa. Querer delimitar este fenômeno pela fisiologia, pela psicologia, pela
sociologia e pela ciência econômica, pela linguística e pela arte, etc... é traí-lo, é
deixar escapar precisamente aquilo que nele existe de único e de irredutível, ou seja,
o seu caráter sagrado.

Observa-se, deste modo, que a compreensão do sagrado é importante no


planejamento de uma cidade com tal valor4. Daí porque, e tendo por referência o caso de
Juazeiro do Norte, julga-se importante que o poder público local, para alcançar o objetivo de
tornar tal cidade em um importante centro de turismo religioso, encontre coerência em suas
propostas, compreendendo a realidade e, consequentemente, as necessidades de uma cidade
sagrada.
Com relação a Juazeiro do Norte, os dados colhidos neste estudo revelam que o
poder municipal procurou requalificar, ao longo dos anos, os espaços de peregrinação e os
marcos sagrados: a Zona Central da cidade e o Horto (alto da serra do Catolé, onde se
encontram a estátua gigante do Padre Cícero, a sua antiga casa de veraneio e a nova Igreja do
Bom Jesus do Horto). Nesse sentido, uma das propostas constantes no PDDU de Juazeiro do
Norte (2000B) é o projeto estruturante denominado “Roteiro da Fé”, conjunto de ações que
visam organizar a Zona Central da cidade. A proposta do PDDU é adaptar a Zona Central à
realidade contemporânea, recuperando áreas degradadas, de modo a oferecer melhor
infraestrutura aos romeiros e à população local. Dentre as melhorias propostas no projeto
estruturante “Roteiro da Fé”, está a desapropriação de edificações para a construção de um
corredor de edificações que visam direcionar o caminhar dos romeiros. Já para a Comunidade
do Horto, outro ponto de visitação intensa de romeiros, segundo o PDDU, existe projetos de
melhorias em saneamento básico.
Do projeto “Roteiro da Fé” foram implantadas somente placas indicativas com a
função de direcionar os romeiros e turistas para os pontos de valor sagrado que se localizam
no Centro da cidade. O projeto está parado, porém existem outros projetos em andamento,
como a reforma que a Prefeitura planeja para a praça Padre Cícero e a construção de um
Centro Cultural, que não estão previstas no PDDU.

                                                            
4
 O valor religioso faz parte dos valores paisagísticos, que são qualidades atribuídas a um lugar de acordo com 
suas características naturais e culturais e que foram se desenvolvendo no decorrer de sua história. Os valores – 
religioso, simbólico, econômico, dentre outros – se formam a partir das ações comuns de um grupo, tornando 
o lugar conhecido por isso. (NOGUÉ; SALA, 2006) 
22 

Outro projeto que se logrou implantar foi o Centro de Apoio ao Romeiro,


construído Pela Prefeitura – com apoio do Governo do Estado – com o objetivo de oferecer,
em um só espaço, serviços de comércio, saúde e informações aos romeiros. Em razão da
pouca frequência de romeiros, pois o edifício fica fora do circuito tradicional de romarias, o
local passou a ser denominado Complexo Multiuso, com serviços ainda direcionados aos
romeiros, mas, também, à população nativa. Por ser subutilizado, passará a abrigar a sede do
poder executivo e suas secretarias, além de continuar com as atividades atuais, segundo
informa a Prefeitura (JUAZEIRO DO NORTE, 2017).
Tais projetos, dentre outros que a atual gestão planeja executar, mostram que
existem tentativas de potencializar o turismo religioso de Juazeiro do Norte, mas a questão é
saber se tais projetos seriam realmente viáveis e eficientes. A cidade faz parte da identidade
cultural da gente sertaneja, que compartilha laços culturais e emocionais e promove um fluxo
considerável de visitantes. Juazeiro do Norte, portanto – como de resto qualquer cidade de
cunho sagrado –, deve estar apta a sediar tal realidade e os gestores públicos são os
responsáveis por oferecer o máximo de suporte aos protagonistas principais do cenário social:
a população local, os romeiros e os turistas. Tudo isso para que essas raízes culturais sejam
preservadas e todos possam colher os bons frutos que esse tipo de empreendedorismo pode
gerar.
O turismo religioso deve ser visto, portanto, como uma experiência agradável para
todos os atores sociais envolvidos e fator de vitalidade econômica e cultural da cidade
visitada. Existem cidades sagradas onde o planejamento e gestão urbana podem servir de
exemplo a Juazeiro do Norte, como os casos de Fátima, em Portugal, Santiago de
Compostela, na Espanha, e Aparecida do Norte em São Paulo e Belém do Pará, ambas no
Brasil. Nessas cidades houve uma boa integração de ações entre o poder público, a Igreja e os
peregrinos, fato que não ocorre de modo satisfatório em Juazeiro do Norte. De um lado está o
poder público, com suas ações que buscam melhorar a qualidade de vida de romeiros e da
população local; de outro, está a Igreja Católica, que assume a organização dos eventos e a
viabilização e equipamentos de apoio. Mesmo buscando trabalhar em conjunto, existe, em
Juazeiro do Norte, descompasso entre o poder público e a Igreja, gerando projetos mal
planejados e sem eficiência. (OLIVEIRA, 2008)
Diante de tal complexidade, este trabalho tem como primícias mostrar que as
cidades são organismos complexos, mutantes e vivos e isso ocorre por um simples motivo: o
homem é o ator principal, que a constrói e a transforma constantemente, de acordo com suas
necessidades. Apenas depois dessa compreensão é que o poder público estará apto para
23 

elaborar ações urbanas realmente eficazes, que trarão melhorias à qualidade de vida dos
habitantes locais, maior suporte aos romeiros, além de alavancar a economia por conta do
turismo religioso.
Concorda-se, portanto, que a cidade não deve ser percebida apenas como algo
estático, pois se transforma constantemente e recebe influências de todos os lados, como
afirma Lynch (2011). Acredita-se que aceitar e buscar entender essa complexidade é
fundamental para se pensar e projetar a cidade. A riqueza cultural é a alma da cidade, é o que
dá vida às ruas, é o reflexo de hábitos e códigos de convivência humana. Com a cidade
sagrada não é diferente: o homem religioso tem uma vivência própria daquele lugar e projetar
a cidade sagrada requer conhecer o homem religioso e suas relações com o espaço.

1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo geral
Propor uma metodologia de trabalho que direcione arquitetos e o poder público
no planejamento da cidade sagrada a partir das dimensões psicológicas, simbólicas e físicas
de forma a melhor atender as necessidades de romeiros e moradores

1.3.2 Objetivos específicos


1.3.2.1 Analisar a morfologia urbana cidade de Juazeiro do Norte considerando os lugares
sagrados vivenciados pelos romeiros;
1.3.2.2 Conhecer como o romeiro, o turista religioso e a população local vivenciam o
cotidiano e a sacralidade de Juazeiro do Norte;
1.3.2.3 Analisar as ações da Prefeitura Municipal com relação ao turismo religioso de
Juazeiro do Norte.

1.4 Metodologia
O trabalho se desenvolveu respeitando as etapas metodológicas estabelecidas a seguir:

a) Fundamentação e bases teóricas: procedimentos de pesquisa bibliográfica e


documental que permitiu um panorama geral da realidade estudada, fundamental
para a compreensão ampla do tema abordado. Na pesquisa bibliográfica foram
analisados diversos autores e suas posições quanto ao tema abordado; a pesquisa
documental foi focada em leis, dados estatísticos, revistas, jornais, periódicos,
dentre outros.
24 

b) Modo de abordagem: interpelação qualitativa por permitir maior compreensão e


aproximação do grupo a ser estudado, no caso os romeiros e habitantes da cidade
de Juazeiro do Norte. Foi desenvolvida em duas etapas: a) participação ativa do
pesquisador, incluindo observações in loco das romarias, atentando para os
significados, crenças e valores do universo estudado e b) entrevistas com romeiros
e habitantes de Juazeiro do Norte, visando conhecer suas percepções sobre a
cidade. O propósito da abordagem qualitativa foi compreender as relações do
homem com o lugar.
25 

2. REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo são apresentados conceitos gerais necessários à compreensão do
assunto abordado: o homem religioso e a cidade sagrada. A compreensão prévia deste
conteúdo é necessária para elaborar análises mais aprofundadas sobre o assunto, que serão
apresentadas nos capítulos 3 e 4 em formato de artigos científicos.

2.1 Sagrado e Profano: conceitos


Em termos gerais, sagrado é tudo o que representa algo divino, é a manifestação
do Divino na Terra em algum objeto, lugar e, algumas vezes, pessoas. Já o profano é o
comum, o cotidiano. Eliade (1992) explica que o sagrado é uma representação do Cosmos, é a
ordem, é o “Centro do Mundo”; o profano é o caos, é o dia a dia, é o comum. São duas formas
de vivenciar o mundo e uma só existe devido à outra.

[...] o sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, duas


situações existenciais assumidas pelo homem ao logo da história. Esses modos de
ser no mundo não interessam unicamente à história das religiões ou à sociologia, não
constituem apenas o objeto de estudos históricos, sociológicos e etnológicos. Em
última instância, os modos de ser sagrado e profano dependem das diferentes
posições que o homem conquistou no Cosmos e, consequentemente, interessam não
só ao filósofo, mas também a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões
possíveis da experiência humana. (ELIADE, 1992, p.14 e 15)

Eliade (1992) afirma ainda que a revelação de um espaço sagrado torna este lugar
um ponto fixo, que para o homem religioso é uma representação da fundação do mundo, é a
representação do Cosmos na Terra. É a diferenciação da relatividade do profano, que não
possui um ponto fixo, portanto, não funciona como ponto de orientação para o homem
religioso.
O sagrado, esse ponto fixo, é o lugar onde o homem se sente seguro e orientado
em meio ao caos do cotidiano, mesmo não compreendendo por completo as dimensões
daquilo que acredita ser sagrado. Eliade (1992) fala inclusive que o homem não religioso
encontra o sagrado em sua casa, por exemplo, pois lá pode ser o “Centro do Mundo” para ele.
Eliade (1992), e também Durkheim (1996), explicam que quando ocorre a hierofania, ou seja,
quando o sagrado se manifesta, aquele ponto se torna sagrado e a partir dele toda uma
comunidade cria suas regras e se desenvolve.
Pastro (2010), por sua vez, torna claro que primeiramente há uma experiência não
homogênea do espaço (caos), que é necessária para que o ponto fixo seja identificado no
interior do estado de caos, e para que haja um questionamento sobre o cotidiano, o profano.
Depois, há uma experiência homogênea no espaço (ordem), através da manifestação do
26 

sagrado, sendo este o ponto fixo em torno do qual a cidade crescerá. O sagrado e o profano,
portanto, são formas antagônicas, necessárias uma à outra e à vivência humana, e
fundamentais para o entendimento das relações do homem religioso com o lugar sagrado.

2.2. O surgimento das cidades sagradas


O homem pré-histórico era nômade, não tinha relações afetivas com os lugares e
nem obrigação de se fixar em determinada área, mudando de lugar de acordo com as
necessidades. Somente a partir do Paleolítico foi que os homens começaram a enterrar seus
mortos e a visitá-los em certas temporadas para lhes prestar homenagens. Os cemitérios e as
cavernas funcionavam como locais de rituais, surgindo, assim, as cidades sagradas e as
romarias. (MUNFORD, 1998). A “cidade dos mortos”, deste modo, antecede a “cidade dos
vivos”, indicando a importância que o ser humano atribui ao sagrado, que atua como base
formadora das cidades, ditando regras de vida para as comunidades que vão surgindo.
Munford (1998, p.16) acentua o valor do sagrado para as cidades:

O primeiro germe da cidade é, pois, o ponto de encontro cerimonial, que serve de


meta para a peregrinação: sítio ao qual a família ou os grupos de clã são atraídos, a
intervalos determinados e regulares, por concentrar, além de quaisquer vantagens
naturais que possa ter, certas faculdades “espirituais” ou sobrenaturais, faculdades
de potência mais elevada e maior duração, de significado cósmico mais amplos do
que os processos ordinários da vida. E, embora possam ser ocasionais e temporários
os desempenhos humanos, a estrutura que os suporta, quer seja uma gruta
paleolítica, quer seja um centro cerimonial maia, com sua altiva pirâmide, será
dotada de uma imagem cósmica mais duradoura.

O respeito devotado pelos primeiros grupos sociais ao espaço sagrado, conforme


reconhece Machado (2007), foi mantido pelas civilizações surgidas nos períodos seguintes,
como as do Egito e Grécia, indicando que a humanidade sempre sentiu necessidade de
sacralizar alguns espaços, tornando-os locais privilegiados de encontro com a divindade.
MACHADO (2007, p.14) acrescenta que “Todos os povos, todas as culturas, em todos os
lugares e em todas as épocas, não importando a religião e o grau de desenvolvimento técnico
e intelectual, dedicaram lugares especiais para vivenciar o sagrado”.
Com o tempo, o espaço sagrado foi passando por transformações, mas ocupando
sempre lugar de destaque na vida do homem, mesmo quando este, abandonando as antigas
cavernas, passou a edificá-lo dentro dos centros urbanos. O culto tornou-se uma prática e,
com o advento das religiões politeístas, cada comunidade era detentora de um templo, erigido
para homenagear a sua divindade protetora. A entrada ao templo era restrita a funcionários e
sacerdotes, pois representava a morada dos deuses, e, portanto, considerado um lugar sagrado.
27 

A cultura judaica, berço do Cristianismo, desenvolveu uma percepção religiosa


diferente dos pagãos, acerca do espaço sagrado. Os judeus primitivos acreditavam no Deus
que caminhava junto com o povo e que, portanto, estava presente onde o povo estivesse. Por
serem nômades, os hebreus, primeira denominação atribuída aos judeus, escolhiam um local
de culto, nos lugares aonde iam fixando acampamento. Esse local era indicado pelo patriarca
do grupo, que teria a orientação divina, e nele era edificado um altar com o propósito de
permitir a comunicação com Deus. Esse espaço tornava-se sagrado, mesmo que
temporariamente, até a próxima mudança de local, onde deveria ser construído um novo altar
(GN 12:7-8).
No Livro do Êxodo (Ex 40:1-31), encontra-se narrada a experiência religiosa
vivida pelo profeta Moisés, a quem Deus orienta a construir um santuário ou tabernáculo5
para abrigar a Arca da Aliança, o objeto em que as tábuas dos dez mandamentos e outros
objetos sagrados teriam sido guardados. O povo tinha grande respeito por esse santuário, que
se encontrava dentro da tenda de Moisés e esta era denominada de “Tenda da Reunião”, por
abrigar a caixa com as tábuas da lei divina, que também era vista como veículo de
comunicação entre Deus e seu povo escolhido, bem como era o local onde Moisés se
comunicava com Deus.
A vida nômade de Moisés e dos hebreus que o acompanhavam, somente tem fim
– segundo a tradição bíblica, presente no Livro do Êxodo (Antigo Testamento) – com a
chegada à Terra Prometida, após transcorreram quarenta longos anos de caminhada pelo
deserto. Acredita-se que os quarenta anos descritos na Bíblia são uma linguagem simbólica e
que o percurso demorou a ser percorrido pois os hebreus não aceitaram logo a ideia de que
Canaã era a Terra Prometida, sendo assim castigados por Deus e tendo passando anos
vagando pelo deserto passando privações até chegarem a seu destino. Lá eles edificaram suas
cidades e construíram uma vida sedentária, passando, só então, a se constituir como uma
nação, a nação de Israel, e a configurar-se como um povo, o povo judeu.
Quanto à tenda com a Arca da Aliança, esta permaneceu como santuário do Deus
de Israel na terra, até Salomão, filho do rei Davi, assumir o trono e construir o Templo de
Jerusalém como casa permanente para o Deus de Israel, em Omã (1Cr 17:1-6). O templo
seria, para os judeus, a morada definitiva de Deus na Terra, mas que, entretanto, extrapolando

                                                            
5
Tabernáculo: palavra que vem do latim (diminutivo de taberna = morada) era o local da morada de Deus. Até
hoje, nas igrejas católicas, encontramos o “tabernáculo”, onde está conservada a hóstia, presença de Deus para os
católicos” (ROSA, 2014).
28 

o aspecto religioso, foi também usado como centro político e comercial6. A partir dos
ensinamentos atribuídos a Jesus Cristo, no Novo Testamento, o significado restrito que os
judeus atribuíam ao conceito de templo se ampliou, passando de um sentido meramente
humano, representado por uma construção material, para uma visão espiritual inovadora,
segundo a qual cada pessoa poderia atuar como templo, ao abrigar Deus em seu coração. Sob
a égide do Cristianismo, portanto, difundiu-se essa nova perspectiva religiosa para a ideia de
templo, sem que os cristãos, contudo, deixassem de buscar espaços onde pudessem se reunir
em assembleia, para prestar culto a Deus.
É importante observar que os primeiros cristãos se consideravam, eles próprios,
templos de Deus, reunindo-se como Igreja, ou seja, como corpo místico de Cristo, nas casas
dos próprios fiéis da comunidade. Não tiveram a preocupação de construir prédios específicos
para os cultos, inclusive porque tinham que se reunir em sigilo, devido às perseguições que
sofriam por parte do Império Romano, no início do Cristianismo. Os locais onde se reuniam
no anonimato funcionavam como “Casas de Igreja” ou “Casas de oração”. Somente após a
conversão do imperador Constantino I, o Cristianismo passa a ser reconhecido como religião
oficial do Império Romano, no ano de 313. A partir de então, a comunidade cristã passou a se
reunir publicamente em prédios e lugares sagrados destinados exclusivamente às práticas
religiosas. (MACHADO, 2007)
Alguns templos possuem desde características muito simples, como religiões de
tribos indígenas, até mais elaboradas, como os templos islâmicos. Todos, porém, têm em
comum um início a partir de um ponto, chamado por Eliade (1992) de “Centro do Mundo”,
onde o sagrado se manifestou e em torno do qual tribos se organizam e cidades evoluem.
Mesmo passados séculos da fundação de uma cidade a partir de um centro, quando muitos já
não lembram o porquê de tal início ou não creem na sua sacralidade, tudo continuará
funcionando em torno daquele ponto.

2.3 A memória coletiva


Compreendendo como as cidades sagradas surgem, aparece uma questão a ser
discutida: como a cultura de romaria a esses lugares de lugar sagrado e os hábitos do homem
religioso vêm se perpetuando por séculos?
                                                            
6
Essa alteração na finalidade do Templo, segundo narrativa do Novo Testamento (Jo 2:13-25), levou Jesus
Cristo e seus discípulos a expulsarem os cambistas da Casa de Deus, acusando-os de tornar o local sagrado numa
cova de ladrões através de suas atividades comerciais.
 
29 

Segundo Maçaneiro (2011) e diante das informações apresentadas anteriormente,


pode-se concluir que o espaço sagrado se configura, primeiramente, a partir da manifestação
da hierofania; posteriormente, esta fica marcada na memória de um sujeito ou de um grupo e,
em seguida, ocorre a demarcação de tal lugar como espaço sagrado, que será para onde o
homem religioso voltará periodicamente.
Esse retorno ao lugar sagrado é uma característica do homem religioso. Para
Maçaneiro (2011, p.13), “[...] várias religiões se expressam pelo ‘emblema’ do caminho e da
‘travessia’” e isso ocorre pois acredita-se que o esforço do caminho e os desafios superados
são essenciais para o aprendizado e crescimento espiritual. Portanto, caminhar, fazer romaria
até o espaço onde se acredita que ocorreu a manifestação do sagrado é uma necessidade do
homem religioso. Os desafios da caminhada e da vida religiosa geram sentimentos como
fascínio, temor, afeto para com os companheiros de vida e abrem janelas para novas vivências
e experiências. A partir desse conjunto de emoções é que surgem as memórias e “[...] da
memória surgem ritos memoriais ou comemorativos, com seus sinais, períodos e movimentos
próprios” (MAÇANEIRO, 2011, p.16)
Nessa jornada ao lugar sagrado e, no cotidiano do homem religioso, a vida em
comunidade é essencial. Coulanges (2009) fala sobre como as famílias se reuniam para adorar
um deus e como comunidades começaram a surgir, a partir do momento em que entendiam
que o deus que adoravam era o mesmo. A união que surgia, a partir daí, era forte, onde todos
se ajudavam e não permitiam que estrangeiros entrassem na comunidade. Isso demonstra
como os valores religiosos formavam laços fortes entre as pessoas.
Willaime (2012, p.195) propõe que a religião é “uma atividade social regular que
emprega representações e práticas relativas à vida, à morte, à felicidade e à infelicidade,
associada a um poder carismático que se refere a entidades invisíveis”. E por ser uma
atividade social – continua Willaime (2012) – a religião é algo comunitário, onde os laços que
se firmam e os códigos que se criam se manifestam através de cultos ou rituais. Costa (2009)
complementa que esses rituais reforçam em determinado grupo a presença da divindade
adorada, e a frequência desses cultos fortalecem a crença e contribuem para a união dos fiéis.
A partir dessa união de fiéis em torno do lugar onde ocorreu a hierofania, o lugar
sagrado é delimitado e se constrói em volta dele o santuário que se tornará o ponto fixo para
onde os fiéis retornarão. Esse ponto fixo se estrutura em um espaço sagrado que se torna a
meta para onde o homem religioso retorna periodicamente e onde deposita suas memorias. É
onde, segundo Maçaneiro (2011), dá-se acesso ao que é misterioso, à divindade que certo
grupo cultua. Inúmeros são os exemplos de espaço sagrado no mundo, independentemente de
30 

religião e, em qualquer parte, o homem religioso segue o mesmo padrão de romaria:


aglomeração (comunidade), caminhada (romaria) e meta (espaço sagrado, templo), refletindo
na conformação morfológica dos núcleos urbanos.

2.4 A cultura de romaria e sua importância para os romeiros

A romaria, como já dito, é uma das expressões culturais religiosas que se perpetua
por conta da memória coletiva. É uma viagem que se faz a algum lugar com valor sagrado,
cujo ponto de partida é a busca por uma experiência que transforme a alma do fiel e que
terminará na “meta do encontro, onde se conta alcançar o que se espera ou deseja: cura, saúde,
perdão” (SANTIDRIÁN, 1996, p.389). Cada religião – judaica, cristã, islâmica, hindu, dentre
outras – possui características próprias, refletidas em rituais que têm relação com os preceitos
religiosos de cada crença (SANTIDRIÁN, 1996).
Para Gomes e Ludovico (2015), o homem, desde os primórdios da humanidade, se
dirige a destinos considerados sagrados em busca de algo invisível: a reflexão sobre a própria
vida e o encontro de si mesmo. Através das meditações que são feitas durante o árduo
caminho das romarias, cheio de dificuldades, a pessoa vai refletindo sobre si, hábito que
marca profundas mudanças em sua vida. Esse caminhar também tem implicações espaciais,
pois faz surgir eixos de romarias, ao longo dos quais outras cidades vão se estruturando e
equipamentos vão sendo implantados, de acordo com as necessidades de romeiros e
habitantes.
As romarias podem ocorrer em qualquer cidade que tenha algum foco sagrado e
valor para o homem religioso, porém, existem casos especiais, considerando a circunstância
indubitável de quando o aspecto do sagrado propicia de forma excepcional o crescimento de
uma cidade, transformando-a em local de romaria, para o qual convergem pessoas do mundo
todo. Nesses casos, boa parte da economia e da infraestrutura das cidades são alavancadas em
torno do caráter religioso, que também propicia a valorização da cultura e história local,
levando, por exemplo, ao tombamento de bens materiais e imateriais e outras ações que
podem estar vinculadas ao planejamento urbano.

2.5 Crescimento urbano a partir da memória coletiva e das romarias


Referiu-se que desde os primórdios da humanidade, o homem adquiriu o hábito de
retornar sazonalmente a locais considerados sagrados em determinada comunidade. Foi assim
que teve início o fenômeno das romarias. O retorno frequente do visitante propiciou o
31 

surgimento de muitas cidades, dando limites às suas fronteiras e propiciando o seu


desenvolvimento cultural e econômico, construindo sua história através dos séculos, por conta
dessa feição sagrada.
Porém, foi no período da Idade Média, que o hábito de se fazer romarias a lugares
sagrados aumentou. Após a mãe de Constantino, Helena, viajar para a Terra Santa, em busca
da relíquia da cruz de Cristo, Jerusalém se tornou então um local popular de peregrinação. Foi
nesse período ainda, da história da Igreja Católica que se verificou a canonização de mais
santos, sendo comum peregrinos viajarem pela Europa em certos períodos festivos, para rezar
diante de relíquias, em busca de milagres. (READ, 2001)
Sob essa égide da fama de lugar sagrado que muitas cidades cresceram e tanto as
populações locais quanto o clero e a realeza, perceberam que esse era um campo fértil, a ser
bem administrado, devido ao caos e aos transtornos causados pelas romarias. Assim, era
comum encontrar-se feiras e hospedarias tanto nas cidades quanto pelo caminho percorrido
pelos romeiros.
Segundo Read (2001), foi nesse período que surgiram os Cavaleiros Templários,
uma ordem de monges guerreiros que faziam a segurança de romeiros até a Terra Santa, além
de oferecerem hospedagem, tanto pelo caminho, quanto quando os visitantes chegavam ao seu
destino. Foram também os templários que inventaram o conceito de banco, quando os
romeiros entregavam seu dinheiro quando iniciavam as romarias e iam fazendo retiradas
durante o percurso. Outras ordens, como os Cavaleiros Hospitalários da Ordem de São João
também ofereciam segurança e, nos hospitais, tanto acolhiam romeiros doentes quanto lhes
oferecia abrigo.
Foram esses os primeiros passos verificados na história, onde vários atores se
uniram visando a promoção das romarias, onde gestores públicos, atuando em parceria com as
organizações religiosas e população envolvida, começaram a se unir para proporcionar um
melhor conforto e segurança aos romeiros, além de propiciar melhorias econômicas às
cidades.
Com o passar do tempo, foram surgindo, nos quatro cantos do mundo, cidades que
se tornaram lugares de peregrinação, como Santiago de Compostela, na Espanha, Fátima, em
Portugal, Aparecida do Norte, no Brasil, e Meca, na Arábia Saudita. Assim, surgiu uma nova
categoria de turismo: o turismo religioso que Andrade apud Costa e Diniz (20--?) afirma ser
uma forma diferente de vivenciar a cidade:
32 

Andrade define turismo religioso como “o conjunto de atividades, com utilização


parcial ou total de equipamentos e a realização de visitas a receptivos que expressam
sentimentos místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade aos crentes ou
pessoas vinculadas a religiões” (Andrade, 2000 apud COSTA e DINIZ, p.83).

No que tange ao turismo religioso, pode-se observar três tipos de participantes: o


romeiro, o turista religioso e a população local. Os primeiros são aqueles que vão ao lugar
sagrado em busca de graças, milagre em suas vidas e, para eles, mesmo que não haja
infraestrutura local, não há problema, pois, o sofrimento faz parte do crescimento espiritual.
Já o turista religioso participa das festividades de forma menos fervorosa, usufruindo também
de tudo o que o local oferece aos visitantes, tais como cultura e lazer. Quando aos habitantes
locais, estes tanto veem as festividades, como uma forma de ganhar a vida, movimentar a
economia da cidade, mas também se ressentem quando existe descaso do poder público
quanto as necessidades básicas de seus habitantes.
Esse tipo de turismo envolve vários aspectos sociais, culturais e a história de um
povo. Trata-se aqui de se considerar que as crenças que fazem parte da sociedade não
modificam com o passar do tempo, fazem parte da memória coletiva. Assim, a cidade
contemporânea deve lidar com essa realidade e, devendo os gestores oferecer o máximo de
suporte possível para que essas tradições sejam preservadas e todos os atores envolvidos
colham os frutos dessa realidade.
A seguir, serão apresentados casos de cidades sagradas onde a cultura religiosa,
perpetuada pela a memória coletiva, é responsável pela conformação dos espaços urbanos:
Santiago de Compostela, na Espanha, Fátima, em Portugal, Aparecida do Norte, no Brasil, e
Meca, na Arábia Saudita.
Ressalta-se que a escolha dessas cidades foi norteada pela consideração feita por
Duque (2017), onde o autor afirma que os romeiros de Fátima, ao percorrerem o caminho
rumo à cidade santa, acabam por expandir os limites do sagrado, caminhos estes que se
irradiam a partir do ponto onde ocorreu a manifestação do sagrado, criando eixos de romaria
ao longo dos quais são implantados equipamentos de apoio que vão surgindo para dar
suporte aos romeiros. Portanto, as cidades escolhidas têm em comum os caminhos que os
romeiros percorrem rumo aos santuários, oriundos de outras cidades, sendo tal prática
repetida sazonalmente, reproduzindo o que o homem religioso fazia desde o paleolítico.

2.5.1 Santiago de Compostela, Espanha


A história conta que São Tiago (Santiago), apóstolo de Jesus, foi para a Espanha
após a ressureição de Jesus Cristo. Anos depois retornou a Jerusalém, porém foi martirizado
33 

por pregar os ensinamentos do seu Mestre. Após sua morte, diz-se que seu corpo foi levado
de volta a Espanha e lá ficou desaparecido até o ano de 819, quando um eremita chamado
Paio o encontrou após ver uma chuva de estrelas que indicavam um bosque. Chegando lá, a
tumba do Apóstolo foi encontrada. Após a descoberta, o rei Alfonso II ordenou que fosse
construída uma capela, dando início às romarias a Santiago de Compostela, vindo pessoas
de vários países da Europa, fazendo desta uma das romarias mais conhecidas do mundo até
hoje (CATEDRAL DE SANTIAGO, 2017).
Segundo a Associação dos Confrates e Amigos dos Caminhos de Santiago de
Compostela, São Paulo – CACSC-SP (2017), os primeiros romeiros chegavam até a cidade
percorrendo a costa cantábrica. Para auxiliar os romeiros, foram sendo construídos no no
percurso equipamentos como hospedagens, capelas e hospitais, porém esta rota foi
abandonada no início dos anos 1000, e foram feitas outras rotas com o intuito de repovoar
alguns lugares do país.
Ainda segundo a CACSC-SP (2017), em 1075, se inicia a obra da catedral e, em
1122, o Papa Calixto II concede indulgências aos fiéis que peregrinassem à Compostela. Em
1139, surge o primeiro livro que descreve os caminhos que levavam à cidade e os povoados
que ofereceriam suporte aos romeiros. Em 1170, foi fundada a Ordem de Santiago, a qual
tinha por obrigação proteger os romeiros em seu caminho.
Ficando esquecido a partir do século XIII, os Caminhos de Santiago foram
redescobertos em 1965, quando Elias Valinã completou seu doutorado e incentivou o
retorno das romarias a Santiago e seu trabalho gerou frutos, pois as romarias retornaram e
os caminhos vindo de outros países europeus foram sendo organizados. Desde os anos 1980
Santiago de Compostela foi declarada Cidade Patrimônio da Humanidade pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura - UNESCO e hoje são inúmeras as
pessoas que fazem a romaria, oriundas de vários caminhos, mas dos quais os mais
conhecidos são o caminho Francês e o caminho Português.
No momento quando ocorreu a hierofania, ou seja, quando da descoberta do
túmulo do Apóstolo Tiago, quando pelo eremita Paio, posteriormente o acontecido fica
gravado na memória coletiva. Posteriormente, quando a Igreja avisa ao rei Afonso II sobre a
descoberta, este manda demarcar o lugar sagrado, tendo início a construção da capela, do
espaço sagrado, que se torna alvo das romarias (FIGURA 4).
34 

FIGURA 4 – Crescimento da cidade e dos eixos de romaria a partir do lugar sagrado, Catedral de Santiago

LEGENDA

Catedral de Santiago de Compostela, Espanha


Cidade cresceu em torno da catedral
Caminhos que levam à cidade

Fonte: Google Earth, 2017. Editado pela autora

Atualmente existem vários caminhos que levam a Santiago (FIGURA 5), mas os
mais conhecidos são os seguintes: o Francês e o Português. Tanto as duas vias quanto as
outras que levam à cidade são marcadas por setas amarelas indicativas que orientam os
peregrinos.
35 

FIGURA 5 – Caminhos de Santiago de Compostela

Fonte: Diários de Compostela, 2017

O sistema colaborativo retratado abrange o aspecto de que, ao ter início a


romaria, seja qual for o caminho escolhido dentre os países participantes, o fiel deve se
registrar em uma das igrejas cadastradas, o que representa outro aspecto interessante, pois
evidencia uma ação em parceria entre as paróquias da Igreja Católica. Ao receber a
credencial do romeiro, este é contemplado também com um mapa que o guiará na jornada,
contendo indicações de albergues, e diretrizes de como agir durante a caminhada. Em cada
etapa cumprida, o romeiro recebe carimbos que ao final da jornada, comprovará sua
participação na romaria e este receberá indulgência plenária da Igreja (CACSC-SP, 2017).
No caminho é possível também encontrar-se pontos de apoio onde se pode
dispor do serviço de táxis que transportam até à cidade seguinte aqueles que não têm mais
condições de caminhar, bem como é possível recorrer-se a auxílio médico (MIETTO, 2017).
Santiago de Compostela construiu uma rede de colaboração que vence
fronteiras, mostrando que, ao trabalhar ao trabalharem em grupo, os agentes envolvidos nas
romarias, aqui representados por moradores, poder público e Igreja Católica, é possível criar
uma cultura de romaria segura e organizada.
Mas o que chama a atenção em Santiago de Compostela são as dimensões
geográficas que o aspecto sagrado atinge, ultrapassando os limites não só da cidade, que se
desenvolveu em torno da catedral, mas também os limites do país, invadindo outros países,
onde foram se desenvolvendo comunidades que ofereciam suporte aos romeiros, o que faz
36 

retornar ao pensamento de Duque (2017), ao afirmar que o espaço sagrado não se restringe
ao local onde está a meta, mas se inicia, a partir do momento em que o fiel se propõe a fazer
a romaria.

2.5.2 Fátima, Portugal


A cidade de Fátima, em Portugal, fica localizada a aproximadamente 70
quilômetros ao norte de Lisboa, a capital do país, fazendo parte do distrito de Santarém.
Segundo Duque (2017, p.13), a cidade cresceu a partir de “um conjunto de acontecimentos ou
experiências religiosas concretas”, deixando de ser uma cidade sem expressão, em um local
isolado e árido, chamado Cova da Iria, para se tornar uma cidade que “[...] surgiu do nada, a
partir exclusivamente de vários acontecimentos epifânicos especiais. ” (DUQUE, 2017. p.13).
Segundo o mesmo autor, a cidade viu seu cotidiano mudado por conta dos
acontecimentos do dia 13 de maio de 1917, quando três crianças, Lúcia, Jacinta e Francisco,
tiveram uma visão de Nossa Senhora na Cova da Iria. Nos meses seguintes, de maio até
novembro do mesmo ano, ocorreram outras aparições, o que atraiu pessoas das cidades
vizinhas para o local, onde buscavam ver a Mãe de Cristo e pedir graças. Segundo os
Estatutos do Santuário de Fátima (Fátima, 2006), Nossa Senhora pediu que fosse erigida uma
capela no local das aparições e que lá se tornasse um lugar onde as pessoas pudessem
encontrar conforto em Cristo. Diante de tal pedido e movido pela fé do povo, a cidade foi se
desenvolvendo e hoje abriga um complexo chamado de Santuário de Nossa Senhora de
Fátima.
Foi em torno dessa capela que toda a cidade se desenvolveu, onde ocorreu a
hierofania. Hoje, milhares de visitantes e peregrinos têm acesso a um complexo que engloba a
capela histórica, construída em 1917 (FIGURA 6), os seguintes espaços: a Basílica de Nossa
Senhora do Rosário de Fátima (FIGURA 7) e a Basílica da Santíssima Trindade, uma grande
praça central - onde se agrupam multidões -, um setor administrativo, área com
confessionários, uma área comercial com restaurantes, lojas de produtos religiosos entre
outros, além de hotéis, hospital etc. A administração do Santuário fica a cargo de um Reitor,
que é eleito pelo Bispo de Leiria-Fátima e mais um conjunto de bispos.
37 

FIGURA 6 – Capela das aparições

Fonte – elaborado pela autora, 2010

FIGURA 7 – Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima

Fonte – Elaborado pela autora, 2010


Além do santuário, é possível também visitar seu entorno, onde existem outros
locais importantes para os fiéis, tais como o poço onde se acredita ter o Anjo de Portugal
aparecido às três crianças videntes, compondo também esse local o espaço sagrado.
Em resumo, a hierofania ocorreu no local onde se afirma que Nossa Senhora
apareceu e onde, posteriormente, a comunidade passou a se reunir, buscando experimentar
daquela manifestação sagrada, criando-se, assim, uma memória de grupo. Finalmente ocorreu
a demarcação do lugar sagrado com a construção da Capelinha das Aparições e em torno dela,
o espaço sacralizado foi se expandindo em função da frequência de fiéis, conformando o
Santuário e a própria cidade, que cresceu em torno dele (FIGURA 8).
38 

FIGURA 8 – Crescimento da cidade de Fátima em volta do local da hierofania.

LEGENDA

Santuário de Nossa Senhora de Fátima, Portugal.

Capela das Aparições, onde ocorreu a hierofania.

Fonte: Google Earth, 2017. Editado pela autora

Em decorrência do centenário das aparições, no presente ano de 2017, é possível


encontrar no site do Santuário um Itinerário Jubilar (FIGURA 9) de romaria dentro do
santuário, onde os fiéis podem rezar não apenas na capela das Aparições, mas, também, nas
duas Basílicas. Essa caminhada ocorre na grande praça que funciona como o local onde os
fiéis se aglomeram e por ele se direcionam no santuário.
FIGURA 9 – Itinerário Jubilar no Santuário de Fátima. 1: Pórtico do centenário, 2: Capela das Aparições, 3:
Túmulo dos pastorinhos-Basílica de Nossa Senhora de Fátima e 4: Capela do Santíssimo Sacramento-Basílica da
Santíssima Trindade.

Fonte: Santuário de Fátima, 2017


39 

Da mesma forma que ocorre em outros locais de peregrinação, Fátima pode ser
caótica em datas festivas, como nos dias 13 de maio, porém, a infraestrutura e as ações da
administração fazem da visita ao lugar uma experiência tranquila, tendo em consideração que
a infraestrutura é bem organizada e oferece apoio ao romeiro.
Quanto às políticas públicas, segundo os Estatutos do Santuário disponibilizados
no Santuário de Fátima, existe uma preocupação em oferecer apoio a todos os visitantes, que
contam com os serviços de funcionários bem preparados para acompanhar pessoas doentes e
com deficiência física. Também existem ações culturais, onde se busca propagar não apenas a
devoção à Virgem Maria, mas também voltadas para perpetuar a cultura portuguesa, através
de festivais de dança típica e de culinária. Essas ações englobam também uma formação em
turismo, para que funcionários estejam aptos a receber bem os peregrinos e visitantes e
orientá-los quanto à hospedagem, horários das celebrações e das atrações, dentre outras
atividades. Junto à administração do santuário, a Prefeitura de Leiria promove o suporte e a
divulgação das peregrinações. (FATIMA, 2017)
Além do santuário, é possível também visitar seu entorno, onde existem outros
locais importantes para a história do lugar, como o poço onde o Anjo de Portugal apareceu às
crianças videntes. Segundo a Reitoria de Fátima, são distribuídos mapas com roteiros de
peregrinação por toda a cidade.
Todas essas ações de promoção no âmbito de políticas públicas são realizadas em
parceria com a Prefeitura de Leiria, o Reitor do Santuário, representando a Igreja Católica,
entre a população local que, incentivada pela Prefeitura, demonstra como essa integração
entre os setores envolvidos, permite que a experiência de peregrinação e turismo religioso em
Fátima seja agradável e segura, além de trazer benefícios a toda a comunidade.
Segundo Duque (2017), nos últimos anos tem crescido o número de romeiros que
fazem os caminhos para o Santuário, pondo-se em prática uma versão portuguesa dos
caminhos de Santiago. No site do santuário, é possível encontrar-se ainda, orientações aos
romeiros que vão caminhando, a partir de suas cidades de origem até o Santuário.
Segundo os boletins informativos divulgados por Fátima (2017), os caminhos
são equipados com indicações de Postos de Assistência, onde o romeiro pode pedir
informações e receber ajuda. Ao chegar no Santuário, o fiel pode se identificar no Albergue
do Peregrino, onde obterá refeição e dispor de um grande salão, onde podem se alojar. O
Santuário também oferece serviços de assistência de saúde aos romeiros, de centro de
estudos e de lojas de artigos religiosos, existentes no entorno do Santuário, onde é possível
encontrar facilmente hospedagem e restaurantes.
40 

2.5.3 Aparecida do Norte, Brasil


O Santuário de Nossa Senhora Aparecida, localizado em Aparecida-SP, é,
segundo seus administradores, o maior santuário do mundo dedicado à Nossa Senhora. A
cidade recebe 12 milhões de romeiros por ano, em uma área de mais de 1,3 milhões de
metros quadrados, que dispõe de infraestrutura grandiosa.
A fabulosa devoção à santa em Aparecida teve início em 1717, quando três
pescadores, Felipe Pedroso, João Alves, e Domingos Garcia teriam sido encarregados de
conseguir peixe para o banquete que o governante da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá
ofereceria ao Conde de Assumar, governante da capitania de São Paulo e Minas de Ouro em
passagem pela região. (BOFF, 2017).
Segundo narrativa de Boff (2017), os pescadores procuraram por muito tempo e
não conseguiram peixe algum no rio Paraíba do Sul. Em uma última tentativa, no Porto de
Itaguaçu, o pescador João Alves jogou a rede de pesca e desta vez veio o corpo de uma
imagem, que pela posição dos braços julgaram que fosse uma imagem de Nossa Senhora.
Quando atiraram a rede mais uma vez, mais afastado da primeira descoberta, a cabeça da
imagem veio na rede de pesca. Depois disso, os pescadores fizeram uma nova tentativa e,
desta vez, a rede veio cheia de peixes.
Após o retorno dos pescadores a suas casas, a imagem foi concertada e a
comunidade passou a se reunir semanalmente na casa de um dos pescadores, Felipe Pedroso,
para rezar para a Mãe de Deus. A devoção foi aumentando, motivando a construção, em 1740,
de uma capela para abrigar a imagem. Em 1745, foi inaugurado o primeiro Santuário em
homenagem à Santa, onde hoje é o centro da cidade de Aparecida. Em 1844, o Santuário foi
fechado, pois estava desabando; porém, em junho de 1888, no morro do Cruzeiro, foi
inaugurada a matriz, que recebeu o título de Basílica e hoje é conhecida por Basílica Velha.
Em 1954, foi lançada a pedra fundamental da construção da nova Basílica, próximo às
margens do rio onde a imagem foi encontrada, ocorrendo o início das obras em 1955 –
seguindo o projeto do arquiteto Benedito Calixto de Jesus – e a inauguração somente em
1982 (SANTUÁRIO DE APARECIDA, 2017).
Assim como ocorreu nos casos anteriores, a cidade de Aparecida surgiu a partir do
fenômeno da hierofania. A fé consolidada em torno do encontro da imagem de Nossa Senhora
da Conceição Aparecida no curso do rio Paraíba do Sul consolidou também um núcleo urbano
demarcado por lugares sagrados (FIGURA 10).
41 

FIGURA 10 – Santuário de Nossa Senhora Aparecida, SP. Crescimento em torno da hierofania.

 
 
LEGENDA
 
Santuário Nossa Senhora Aparecida
  Basílica Velha
Porto de Itaguaçu
Rio Paraíba do Sul
Passarela que liga a Basílica Velha ao Santuário

Fonte: Google Earth, 2017. Editado pela autora.

Atualmente, segundo dados informativos de Aparecida (2017), a cidade está


preparada para receber romeiros do mundo todo. São quase 143 mil m² de área construída no
santuário, além de equipamentos de apoio, distribuídos em um Complexo Turístico Religioso,
que compreende o Porto Itaguassu, a Basílica Velha, o monumento histórico-religioso, um
Presépio Permanente de 7 mil m² e do Morro do Cruzeiro, de onde sai a procissão na Semana
Santa e onde foram instalados bondinhos que se ligam à Basílica. Para recepcionar os
romeiros, existe um estacionamento com capacidade para 6000 veículos. Existe também o
Centro de Apoio ao Romeiro, com 380 lojas, praça de Alimentação, 874 sanitários,
ambulatório, fraldário e o Hotel Rainha do Brasil (SANTUÁRIO DE APARECIDA, 2017).
42 

Como os outros exemplos citados, Aparecida do Norte cresce em torno da fama


de sagrada e, no seu entorno, são oferecidos diversos equipamentos que permitem uma
maior comodidade aos romeiros, porém, existe uma modalidade de romeiros, oriundos de
outras cidades, que realizam suas romarias a pé.
São inúmeras as páginas disponibilizadas na internet, onde se pode escolher
itinerários, mas os mais comuns são os caminhos que ligam as cidades de Minas Gerais à
Aparecida. Na página “Caminho de Aparecida”, o romeiro encontra orientações de onde
retirar suas credenciais de romeiro, que será o documento que registrará sua peregrinação,
através de carimbos em cada hotel credenciado que passar. O caminho da romaria é
marcado por setas, com arte gráfica sugerindo o desenho de peixes (FIGURA 11), que
indicam o caminho. Tais placas são um serviço prestado pelos romeiros, para ajudar os
futuros fiéis em caminhada.

FIGURA 11 – Seta com desenhos de peixes para imprimir no site e ser implantada no caminho da romaria

Fonte: Caminho de Aparecida, 2017

Ao final da romaria, o fiel deverá mostrar sua credencial, na Secretaria de


Pastoral do Santuário de Aparecida, onde receberá o Certificado de Conclusão da Romaria.
O site Caminho de Aparecida (2017), disponibiliza também mapas (FIGURA 12),
orientações de preparação e de caminhada, orientações como andar em fila indiana na
estrada e caminhar sempre no acostamento e em grupo, para fins de segurança.
43 

FIGURA 12 – Mapa disponibilizado no Guia do Caminho de Aparecida

Fonte: Caminho de Aparecida, 2017

2.5.4 Meca, Arábia Saudita


Meca é considerada a cidade mais sagrada no mundo para os muçulmanos,
indivíduos que aderem ao Islã, religião monoteísta articulada pelo Alcorão – um texto que
contém, para os seus seguidores, a palavra literal de Deus (Alá) – e pelos ensinamentos e
exemplos normativos de Maomé, considerado pelos fiéis o último profeta de Deus.
Maomé nasceu em Meca, em 570, e tornou-se um próspero homem de negócios
e fiel à religião politeísta que dominava a Arábia Saudita naquela época. Quando Maomé
nasceu, Meca já era uma cidade sagrada, pois nela se encontrava a Kaaba, grande
monumento em forma de cubo, que abriga a pedra negra que, segundo a tradição árabe, teria
vindo do espaço, enviada por Alá, o deus superior dentre os outros de sua religião politeísta.
Em função de sua sacralidade, Meca recebia muitas peregrinações, sendo também uma
cidade forte no âmbito comercial. (ELIADE, 2011).
Em 595, com 25 anos, Maomé inicia a prática de retiros espirituais ao conhecer
esse hábito com um primo cristão de sua esposa Khadija, com a qual casou-se naquele
44 

mesmo ano. Em um destes retiros, afirma Eliade (2011), Maomé teria tido uma visão do
anjo Gabriel, que lhe pede para propagar que Alá, o principal deus que a religião de seu
povo pregava, era o único deus. Por algum tempo Maomé segue com as visões e comenta
apenas com pessoas de seu círculo mais próximo, entre as quais a esposa e o primo Ali.
Porém, depois de escrever textos sagrados os quais pregavam que o anjo lhe pediu, passa a
sofrer perseguições em Meca, o que o levou a fugir para Medina, em 622, com seus
discípulos. Durante os oito anos que permaneceu em Medina, Maomé tornou-se chefe de
Estado, disseminou suas ideias e o Islamismo ganhou força.
Em 630, Maomé invade Meca e limpa a Kaaba das imagens dos deuses pagãos,
convertendo a cidade ao Islamismo. (SANTIDIÁN, 1996). A hierofania relacionada à
conversão de Meca ao Islamismo passou por distintas manifestações: a) em uma gruta
próximo a Meca, quando Maomé meditava e teve as visões do anjo Gabriel; b) quando
Maomé disseminou suas ideias em Medina e c) e, finalmente, quando ocorreu a demarcação
do lugar sagrado em Meca, quando foi instituído o monoteísmo.
Apesar da primeira manifestação de hierofania ter ocorrido fora de Meca, a
cidade se tornou o lugar escolhido para ser demarcado como lugar sagrado pois segundo
Eliade (2011.p.79), Maomé haveria tido outra visão do Arcanjo Gabriel, dizendo-lhe que o
mundo árabe deveria ter seu templo e que este deveria ser na Kaaba, pois acreditava-se que
este lugar havia sido construído por Abraão e seu filho Ismael. Outro motivo da escolha
desse lugar sagrado é de que quando ainda se praticava o politeísmo, acreditava-se que a
pedra negra havia sido enviada pelo próprio Alá, sendo esta a primeira manifestação do
sagrado.
Maomé faleceu em 632 e, após sua morte, as peregrinações à Meca continuaram,
porém, com uma devoção monoteísta, e com elas surgiram outros ritos que relembram toda
a vida do seu profeta e o que ele pregava. O Islã começou a se expandir e Meca continuou a
atrair peregrinos, não só da Arábia, mas de todo o mundo islâmico, consolidando a sua
expansão urbana em torno da kaaba (FIGURA 13).
45 

FIGURA 13 – Crescimento da cidade de Meca a partir da hierofania.

LEGENDA
Kaaba, construção onde está a pedra negra
Mesquita sagrada de al Masjid

Fonte: Google Earth, 2017. Editado pela autora

O profeta pregava que todo muçulmano com saúde deveria ir à Meca pelos
menos uma vez na vida. Assim, o hajj7 à Meca constitui uma obrigação a ser cumprida e faz
parte de um ritual árduo e complexo, que envolve várias etapas e caminhadas (FIGURA 14).

                                                            
7
 Hajj: peregrinação em árabe. (SANTIDRIÁN, 1996) 
46 

FIGURA 14 – Percurso feito durante a peregrinação à Meca

Fonte: Canossa, 2017. Autor: Arthur Daraujo


Segundo Canossa (2017), a peregrinação começa com uma purificação na Miqat,
que são postos sagrados localizados perto de Meca. Estes locais estão equipados de forma a
permitir que os fiéis tomem banho, façam a barba e cortem o cabelo e as unhas, e depois
vistam roupas, e estando assim finalmente aptos a seguirem para a cidade sagrada de Meca.
Já em Meca, os fiéis devem seguir para a grande mesquita e dar sete voltas em
torno da Kaaba, e, se possível, beijá-la. Ainda segundo a mesma autora, os peregrinos devem
cumprir um rito de ir e voltar sete vezes entre os montes Safa e Marwah, trecho este que hoje
se encontra integrado à grande mesquita (FIGURA 15). Depois os peregrinos seguem para a
cidade de Mina, dormindo no caminho, em tendas instaladas pelo governo. No dia seguinte,
os fiéis devem recolher pedras que serão atiradas em um rito conhecido como apedrejamento
nos percursos seguintes em paredes montadas também pelo governo, para evitar acidentes. Os
ritos seguem por vários dias e finalizam em Meca, onde novamente dão sete voltas em torno
da Kaaba. (CANOSSA 2017)

FIGURA 15 – Fiéis se deslocam durante hajj

Fonte: G1, 2015. Autor da foto: Mosa’ab Elshamy


47 

Nos caminhos percorridos no hajj, segundo Canossa (2017), é possível deparar-se


com equipamentos que atendem às necessidades dos fiéis, como os locais onde fazem a
purificação, antes da peregrinação, e as tendas instaladas no deserto, para o pernoite dos
peregrinos. Outras medidas, como o alargamento de pilares para apedrejamento, são uma das
tentativas do governo saudita de trazer segurança à peregrinação.
Porém, segundo o site G1 (2015), mesmo com milhões de dólares gastos pelo
governo em planos de mobilidade, infraestrutura e tecnologias de controle de pessoas, em
2006, 346 peregrinos morreram durante esse rito e no ano de 2015, em um caso bem mais sério,
717 pessoas morreram e 805 pessoas ficaram feridas devido ao grande número de pessoas
aglomeradas no local do apedrejamento.
O acidente ocorreu na Rua 204, que é um dos principais eixos de circulação de
peregrinos pois os leva para Jamarat, onde é realizado o ritual de apedrejamento em três grandes
pilares, aos quais os fiéis têm acesso caminhando por túneis e vias elevadas, para facilitar a
circulação de pessoas (G1, 2015).
Diante dos dados apresentados, percebe-se que o Governo Saudita vem tomando
atitudes para trazer mais segurança, mas este é um dos casos que necessitam do conhecimento
prévio dos ritos e dos seus riscos, e cabendo a elaboração de projetos que realmente tragam
segurança aos peregrinos e habitantes locais. Aparentemente, o Governo Saudita está interessado
nesses investimentos, mas o que se requer aqui, é ter em vista soluções mais eficientes e efetivas
para os problemas, seria um investimento maior na relação de entendimento entre poder público e
os demais agentes sociais envolvidos, tais como os comerciantes locais, habitantes, peregrinos e os
líderes religiosos.
Um exemplo do que já é feito nesse sentido é no que diz respeito ao ritual onde, antes,
cada fiel abatia uma ovelha fazendo memória ao ritual feito por Abraão e que hoje, foi substituído
por tickets que o fiel compra e os açougueiros fazem o abate e, se responsabilizam de doar a carne
para os pobres. Essa foi uma forma interessante que os comerciantes encontraram de controlar os
problemas que surgiam durante esse ritual (CANOSSA 2017).
Nos quatro casos apresentados, percebe-se que a memória coletiva foi
responsável não apenas para a perpetuação da cultura religiosa, mas também pela fundação
de núcleos urbanos consolidados, que se expandiram no decorrer dos anos, por conta do seu
valor sagrado.
48 

3. ARTIGO 1:
MORFOLOGIA URBANA E SACRALIDADE EM JUAZEIRO DO NORTE

Maria Christina Dos Martins Coelho Bessa


Mestrado em Ciências da Cidade
Universidade de Fortaleza - UNIFOR
Fortaleza, 10 de julho de 2017

RESUMO

Apresenta estudo sobre a evolução urbana e morfológica da cidade de Juazeiro do Norte com
o propósito de se compreender a conformação da cidade sagrada que lá se desenvolveu.
Expõe o modo como a cidade é morfologicamente observada e percebida pelo viés de sua
característica sagrada, tendo como suporte metodológico os métodos desenvolvidos por Kevin
Lynch e Gordon Cullen para apreensão da forma urbana. Além de expor o panorama urbano e
morfológico atual da cidade, o estudo descortina as decisões tomados, no âmbito do
urbanismo, pelo poder público municipal e suas consequências na qualidade de vida da
população nativa e na prática das romarias, tônica preponderante da cultura religiosa local. O
objetivo de toda essa compreensão é subsidiar as decisões e intervenções futuras dos gestores
públicos, que devem ser pautadas pelo respeito às características religiosas e à memória
coletiva do lugar.
Palavras-chave: Juazeiro do Norte. Morfologia urbana. Romarias.

INTRODUÇÃO

Juazeiro do Norte, cidade localizada na região do Cariri, sul do Estado do Ceará, é


um grande exemplo de como o sagrado pode direcionar o crescimento urbano de uma cidade.
Juazeiro evoluiu de uma pequena vila - com algumas casas de taipa e uma pequena capela,
distribuídas em apenas duas ruas -, para um forte polo econômico regional (CAVA, 2014). O
crescimento da cidade se deu graças à sua condição de lugar sagrado, imagem construída em
torno do trabalho de seu benfeitor e administrador visionário, Padre Cícero Romão Batista
(FIGURA 16).
49 

FIGURA 16 – Padre Cícero Romão Batista

 
Fonte: Furlão, 2017
Acesso em: nov. /2017

Em função da condição de lugar sagrado, um grande número de romeiros se dirige


à cidade, O elevado número de romeiros é comentado no Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano - PDDU de Juazeiro do Norte (2000A), onde se divulga que, anualmente, a cidade
recebe aproximadamente 1 milhão de romeiros. No mesmo documento, é estabelecida
inclusive uma comparação com a capital cearense, afirmando que esta recebe menos visitantes
anualmente do que Juazeiro.
A comparação que Juazeiro do Norte (2000A) faz com a capital cearense,
Fortaleza, quanto ao fluxo de visitantes anuais, parece proceder. Durante todo o ano, a cidade
de Juazeiro do Norte recebe romeiros. Segundo Costa (2017), estavam sendo esperados 400
mil romeiros para a romaria de Nossa Senhora das Candeias de 2017. Esta ocorre no início de
fevereiro e é a maior do ciclo anual de romarias. Enquanto isso, no mês de julho do mesmo
ano, período de alta estação para o turismo, Fortaleza, a capital do Estado de Ceará, esperava
receber cerca de 380 mil turistas (FORTALEZA, 2017). Considerando que, além da romaria
das Candeias, no calendário religioso de Juazeiro verifica-se ainda, a Romaria de Nossa
Senhora das Dores, no mês de setembro; Romaria de Finados ou Romaria do Padre Cícero, no
mês de novembro, além de outras romarias distribuídas durante o ano inteiro, o número de
romeiros na cidade é efetivamente bem significativo.
A partir dos dados acima apresentados, percebe-se que a cidade de Juazeiro do
Norte encontra no valor sagrado um ponto fundamental para preservação da memória
50 

coletiva, bem como para o desenvolvimento da cultura local e para a economia da cidade.
Uma análise da morfologia urbana local, principalmente dos bairros onde, no período das
grandes romarias, as atividades comerciais se intensificam, observa-se mais nitidamente o
processo de expansão do mercado sacro, por conta do seu valor sagrado para os romeiros e
turistas visitantes. Nessas ocasiões, o fluxo de pessoas nas ruas e igrejas impressiona,
permitindo compreender-se porque a cidade precisa pensar projetos coerentes com a sua
realidade.
Em face dessa problemática apresentada, propõe-se como objetivo geral deste
artigo, a elaboração de um estudo da morfologia urbana da cidade de Juazeiro do Norte, a
partir do seu valor sagrado. Para tanto, serão explicitados inicialmente, os aspectos históricos
da evolução urbana de Juazeiro do Norte, Ceará, permitindo que se compreenda como se
verificam as relações culturais e sociais inseridas na paisagem da cidade. A compreensão
dessa conjuntura resultou da apreciação dos dados coletados da análise da morfologia urbana,
sendo estes, por sua vez, enriquecidos pelo trabalho de observação in loco, como parte da
pesquisa de campo realizada durante as romarias de São Sebastião, em janeiro de 2017 e de
Nossa Senhora das Dores, em setembro de 2017. Assim, conseguiu-se avaliar as dimensões e
dinâmicas da cidade, através do método de Kevin Lynch e Gordon Cullen.
Como metodologia complementar, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, que
permitiu um maior entendimento do tema abordado. Finalmente, realizou-se uma pesquisa de
abordagem qualitativa, aproximando a pesquisadora do público alvo considerado, no caso os
romeiros. Segundo Minayo (2016), a pesquisa qualitativa permite uma melhor compreensão e
explicação das relações sociais.

3.1 Evolução urbana da cidade de Juazeiro do Norte: compreendendo o contexto


sociocultural da cidade

Geograficamente, Juazeiro do Norte está localizado no sul do Estado do Ceará, na


região conhecida como Vale do Cariri. Fazendo fronteira com as cidades do Crato, Barbalha e
Caririaçu, criou-se ali em pleno sertão nordestino um forte polo econômico, do qual, Juazeiro
do Norte é considerado o mais proeminente, mas que coexiste em harmonia com seus
vizinhos, uma vez que cada um tem o desenvolvimento econômico voltado para um setor
diferente. Com uma população de 249.939 habitantes, em 2010, a cidade registrou um PIB de
3.221.109 reais, ficando atrás apenas de Fortaleza, Maracanaú, Caucaia e Sobral. (IBGE
2010)
51 

Segundo dados obtidos das fontes municipais consultadas, Juazeiro do Norte


(2000A), a cidade cresceu com a fama de “Capital da fé” e isso determinou o traçado
urbanístico e a arquitetura do local, que têm várias igrejas como marco na paisagem, entre as
quais a Igreja de Nossa Senhora das Dores e a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, além do
marco principal da cidade, que é a estátua do Padre Cícero, erguida no alto do Horto.
A história de Juazeiro tem início com a chegada de João Bezerra Monteiro e
Caetana Romeira de Sá, provenientes do município de Icó, que estava em declínio econômico,
e se estabeleceram no Sítio Moquém, situado no Município do Crato, na margem direita do
rio Salgadinho. Com o tempo, o lugar ficou conhecido como “Sítio Joaseiro”, nome esse que
remetia às três árvores frondosas de Juá, cujas sombras acolhiam quem passava pelo local e
que hoje corresponde à praça em frente à igreja de Nossa Senhora das Dores.
Com localização central na região do vale do Cariri, o “Sítio Joaseiro” sempre foi
local de grande circulação de transeuntes: visitantes, comerciantes e pessoas que viajavam
para a feira do Crato. Muitas vezes, acontecia de se aglomerarem muitos visitantes na praça
em frente à capela, onde faziam pequenas feiras. Outras vezes, alguns desses viajantes
acabavam por arranjar trabalho com as famílias do Sítio e lá fixavam moradia. Devido a esse
intenso fluxo de pessoas, o padre Pedro Ribeiro, descendente de João e Caetana e que assumiu
a propriedade do sítio, fundou, em 1827, a Capela Nossa Senhora das Dores, com a intenção
de prestar assistência religiosa aos habitantes locais e às pessoas provenientes dos municípios
vizinhos, viajantes e comerciantes que passavam com frequência pelo local. Assim, foi se
consolidando o aglomerado urbano de Juazeiro, que nessa época possuía apenas 2000
habitantes dos quais alguns moravam nos arredores do sítio e outros moravam nas 32 casas
existentes no núcleo central. A uma infraestrutura limitava-se a uma capela e uma escola,
distribuídos em duas ruas. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A)
Após a morte do Padre Pedro Ribeiro, Juazeiro passou algum tempo sem dispor
de um capelão. Em datas importantes para o catolicismo, como Páscoa e Natal, vinham padres
do Crato, sempre convidados por habitantes locais. Assim, segundo Barreto (2003), foi na
celebração da missa de Natal de 1871, que Padre Cícero Romão Batista chegou a Juazeiro. O
que ele encontrou foi um lugar sem recursos financeiros e sem assistência religiosa.
A situação no lugar era tão difícil, que, celebrada a missa, o padre estava decidido
a deixar o lugar na manhã seguinte, de volta à sua terra, o Crato. Mas Padre Cícero teve um
sonho durante a noite, onde segundo Barreto (2003), viu o próprio Jesus Cristo pedindo que
ele cuidasse daquele povo humilde e desamparado.
52 

Assim, no ano de 1872, Padre Cícero muda-se para o Arraial com sua família e
torna-se capelão da Capela de Nossa Senhora das Dores. Com seu carisma, humildade e
generosidade, o Padre Cícero começa seu trabalho pastoral na pequena comunidade.
Prestando assistência ao povo local, desde tratamentos de saúde até interferindo em situações
políticas, ele se torna o benfeitor da comunidade. Assume com firmeza o trabalho que lhe foi
confiado, sempre colocando à frente de todos os empreendimentos, o incentivo à fé.
(BARRETO, 2003)
Em pouco tempo, seu trabalho começou a gerar frutos e a comunidade passou a
vivenciar uma nova forma de organização social e econômica. O padre ganhou influência na
região, até que se tornou possível construir a Igreja de Nossa Senhora das Dores, ao lado da
antiga capela. Seguindo o exemplo do Padre Ibiapina, através de seu trabalho, foram
incentivadas as irmandades religiosas e as casas de caridade. Diante de tantas benfeitorias
vivenciadas por aquela comunidade que antes achava que tinha sido esquecida por Deus, e
também pelo que se considerou o milagre das chuvas durante a seca de 1888, alcançado
depois de muitas novenas dirigidas por Padre Cícero, a população de Juazeiro passou a
atribuir a Padre Cícero o título de santo.
Mas foi em 1889, que teve início a segunda grande fase de crescimento
econômico de Juazeiro, ocasião em que a vida de seu benfeitor sofreu uma grande mudança.
Segundo Barreto (2003), durante uma vigília clamando por chuvas, Padre Cícero ministrou a
comunhão à beata Maria de Araújo. O autor explica que a hóstia sofreu o milagre da
transmutação e virou sangue na boca da beata, tendo se repetido por toda a quaresma do
mesmo ano. Juazeiro passou a receber um grande número de romeiros que queriam falar com
o Padre responsável pelo milagre da transmutação, como é explicado no documento do PDDU
de 2000A:
A religiosidade fervorosa do povo logo transformou o local do ocorrido em palco de
romarias. Esse povo passou a venerar o Padre Cícero como um santo milagreiro e a
ele foram atribuídas várias curas. Os panos ensanguentados da boca da beata
também foram objeto de veneração. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A. p. 16)

Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica passa a investigar a veracidade do


“milagre da transmutação” e Padre Cícero começa a dar explicações sobre o ocorrido, a
população local e de cidades vizinhas começam a fazer peregrinações a Juazeiro. Para acolher
os romeiros, surgem os abrigos para romeiros e o núcleo urbano aumenta por conta da
população imigrante, que passa a se estabelecer no povoado. (CAVA, 2014)
Segundo Farias (2016), romeiros, coronéis e pessoas influentes começaram a fazer
doações de terrenos e em dinheiro ao Padre Cícero e o comércio religioso passa a florescer, o
53 

que possibilita ao religioso a usar os recursos recebidos em benfeitorias na cidade, como por
exemplo a instalação de uma estação telegráfica e oficinas de relógio. As obras vão
desenvolvendo nas estruturas urbanas de Juazeiro, e, consequentemente, atraindo cada vez
mais empreendedores.
Com o passar dos anos, Juazeiro se torna um centro urbano consolidado na região
e registram-se os seguintes marcos históricos: transferência do cemitério para a Praça Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, em 1906, em 1907, com a aprovação do Padre Cícero, o Padre
Joaquim de Alencar Peixoto dá início à busca pela emancipação política de Juazeiro, que até
então ainda pertencia ao Município do Crato. Em 1911, Juazeiro é emancipado e Padre Cícero
se torna seu primeiro prefeito e, assim, teve início a sua carreira política, que seguiu pelo resto
de sua vida. Essa foi a prova de que ele exercia forte influência e era respeitado pelas várias
camadas da sociedade local (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A).
Em 1909, Juazeiro já contava com 17 ruas, quatro praças, três travessas, um beco
e uma população de 15.000 habitantes, que se dividia em vários ofícios como: artesãos,
farmacêuticos, lojistas, educadores, etc. (op. cit, 2000A)
Críticas por parte da aristocracia local e da Igreja pesaram sobre a pessoa do Padre
Cícero na proporção em que sua fama de santo defensor dos pobres aumentava. Cada vez
mais romeiros iam visitar o lugar, que já tinha fama de sagrado, e o comércio de Juazeiro
passou a ser dinâmico e rico com a instalação de fábricas de algodão, lojas, escolas e
farmácias. Com a seca de 1915, o Governo Federal financiou a construção do Açude dos
Carás, em 1926, foi inaugurada a estação de trem de Juazeiro e também foram inaugurados o
hospital e o matadouro. Em 1928, Juazeiro do Norte constituía um centro comercial
fervilhante, exportando rapadura, farinha, arroz, algodão, além de dispor de um rico comércio
de tecidos, ferragens, bolsas, fábrica de cigarros e oficina de sinos de bronze. O artesanato foi
outra atividade incentivada por Padre Cícero, o que tornou Juazeiro referência nos setores de
ourivesaria, artigos religiosos e couro. Em 1930, foi solicitado um ramal da via férrea para
Barbalha. Principalmente os anos de 1915, 1926 1930, foram importantes para a consolidação
do crescimento urbano de Juazeiro (CAVA, 2014).
Diante de tanta vitalidade econômica, Padre Cícero encomendou de Pelúsio
Correia de Macedo uma demarcação das futuras ruas e praças. Era o primeiro Planejamento
Urbano da cidade, mas foi mal dimensionado, pois previa apenas 46 ruas e 14 praças, o que
fez o projeto ficar defasado, já em 1924, pois a cidade já possuía 52 ruas (JUAZEIRO DO
NORTE, 2000A).
54 

Até sua morte, em 1934, Padre Cícero realizou muito por aquele que antes era um
pequeno povoado esquecido pelo poder público. Com sua morte, foi decretado luto de três
dias em Juazeiro, Crato e Barbalha. Homem de espírito empreendedor, com habilidades de
diplomacia, humildade que respeitava o povo pobre e necessitado do sertão, Padre Cícero fez
florescer uma cidade de economia forte, que não parou de se desenvolver após sua morte.
Vale ressaltar que boa parte da expansão urbana de Juazeiro foi possível pela doação de terras
e dinheiro pelo próprio Padre, que destinou seus bens, tanto em vida quanto em testamento
para que a cidade continuasse se desenvolvendo (FARIAS, 2016).
Segundo Barreto (2003), após a morte do Padre Cícero, ficou claro que o trabalho
feito por ele naquela cidade teve continuidade e a fama de santo do “Padim” fez aumentar as
romarias para a cidade gerando peregrinações intensas aos locais por onde ele andou, como,
por exemplo, sua casa, a casa de veraneio no Horto e também as principais igrejas em
santuários religiosos, como a Igreja de Nossa Senhora das Dores (FIGURA 17).
A população continuou fazendo valer a fama de hospitaleira, acolhendo e
ajudando os romeiros, oriunda de todos os lugares do Estado e até de fora dele, todos em
busca de milagres ou para pagar promessas, criando na cidade uma realidade peculiar vista em
poucos lugares. Nesse ambiente de ajuda e acolhimento, os habitantes que tinham mais
condições passaram a doar terrenos para acolher os romeiros expandindo os limites urbanos
da cidade, o que levou a Igreja Católica a se organizar para as romarias e o governo a investir
em loteamentos, equipamentos públicos e a incentivar investimentos de iniciativa privada,
visando à expansão da cidade. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A)
55 

FIGURA 17 – Evolução urbana de Juazeiro do Norte

Fonte: Juazeiro do Norte, 2000. Editado pela autora.


56 

Com esse aumento de investimentos públicos por conta das romarias e a economia
mais aquecida devido à implantação de novas indústrias, a partir da década de 1970, Juazeiro
vivencia um grande aumento populacional, o que faz com que o setor imobiliário comece a se
destacar, fazendo com que apareçam por toda a cidade loteamentos e conjuntos habitacionais
voltados a atender à população de baixa renda. Já as classes mais abastadas viram-se diante de
várias opções de empreendimentos imobiliários afastados do centro histórico da cidade, no
bairro chamado CRAJUBAR, local que consolidou a conturbação entre as cidades de Crato,
Juazeiro e Barbalha e onde investimentos da iniciativa privada estão sendo feitos com
frequência, como shoppings, centros comerciais e residências de alto padrão, inclusive em
condomínios fechados. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A).
O contexto delineado, demonstra que o crescimento urbano de Juazeiro do Norte
teve início com o bom aproveitamento do seu caráter sagrado, seu principal benfeitor, Padre
Cícero. Este, como religioso e político, soube bem propagar a tônica religiosa, pelas demais
instâncias geradoras de renda do município. Cabe ressaltar também que a expansão urbana da
cidade igualmente se deve à essa característica mística e teve como alavanca
desenvolvimentista construção de igrejas e o cemitério do Socorro. Hoje, cada bairro tem sua
igreja e elas se tornaram pontos de referência para as respectivas áreas. Constata-se ainda que
os picos de expansão urbana por que passou a cidade deve ser da mesma forma atribuída à sua
feição sagrada (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A).
Hoje, o que se observa em Juazeiro é um povo que ainda vive sob o lema “fé e
trabalho” iniciado pelo seu benfeitor Padre Cícero. Atualmente o município ocupa uma
posição de destaque no Estado, como um polo econômico que abriga centros empresariais de
negócios, serviços e industrias, sem abrir mão de sua característica mais marcante, que
continua sendo o fervor religioso.

3.2 Morfologia urbana e a rota sagrada de Juazeiro do Norte: análise segundo o método
de Lynch e Cullen

O estudo apresentado sobre a evolução histórica e o contexto sociocultural da


cidade de Juazeiro do Norte, pode ser considerado a etapa preliminar da análise morfológica e
da paisagem da cidade, levando em conta inicialmente, a sua localização geográfica, bem
como as suas condições climáticas, econômica e social.
Para a realização de uma análise morfológica e paisagística mais detalhada, foram
selecionadas as áreas do Centro histórico e do Horto. Estas áreas delimitadas comportaram
57 

uma análise sensorial do lugar, a partir das percepções da autora sobre a cidade e os romeiros.
Tal delimitação foi feita, considerando-se que nelas se concentram os prédios de maior valor
histórico e sagrado e, portanto, constituem o foco principal das romarias.
Este capítulo visa, portanto, descrever as percepções da autora ao caminhar pela
cidade. Para tal análise, a autora visitou a cidade de Juazeiro do Norte, durante a Romaria de
São Sebastião em janeiro de 2017 e por ocasião Romaria de Nossa Senhora das Dores em
setembro de 2017.
A partir dessas considerações, a proposta deste capítulo consiste em proceder uma
análise mais aprofundada da morfologia urbana e da paisagem da cidade seguindo a
metodologia de Kevin Lynch (2011) e Gordon Cullen (2013). Acredita-se que tal
procedimento é fundamental para se projetar uma cidade agradável e coerente com seus
valores sociais, culturais e econômicos. No caso de Juazeiro do Norte, o valor religioso se
mostra o mais preponderante para a cidade. Lynch (op. cit.p.05) afirma que
“[...]potencialmente a cidade é em si um símbolo poderoso de uma sociedade complexa. Se
bem organizada em termos visuais, ela também pode ter um forte significado expressivo”. Ou
seja, a cidade é algo complexo, mas passivo de mudanças, porém, para tais mudanças serem
eficientes é necessário compreender o que já existe e o que está expressando.
Pensou-se em utilizar ambos os métodos de leitura da paisagem pois a autora
acredita que um complementa o outro. Lynch (op. cit) diz que a leitura da paisagem, a partir
de cinco elementos construtivos (vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos) forma-se uma
imagem coerente da cidade, levando o observador a compreender como ela se organizou e o
que ocorreu durante o seu processo de urbanização, tendo em vista construir o senso de
direção dos usuários. Essa forma de abordagem metodológica também permite ao observador
participar dos processos de criação de memórias e significados implícitos nessa paisagem.
Cullen (2013) associa aspectos semelhantes aos elementos construtivos de Lynch,
porém, acrescenta elementos que fazem parte da composição da paisagem, como por
exemplo, o jogo de luz e sombra, que passa a sensação de mistério em determinado lugar ou
em um local que detenha uma forte apropriação da comunidade, reunindo pessoas em
círculos animados de conversa. São três aspectos (óptica, local e conteúdo) que o autor
analisa no percurso estudado. O ponto de partida é a visão serial, que vai sendo construída ao
caminhar pelo percurso escolhido e cada ponto que atrai a atenção do observador é o
momento oportuno de aprofundar os três aspectos mencionados.
Ambos os outros fazem uma apreciação inicial sobre a área estudada, comentando
aspectos relacionados à sua história e os seus significados para a comunidade. De acordo com
58 

o método desses autores, a análise mais aprofundada da área considerada só tem início depois
de preenchido o requisito de mensuração do valor cultural da área pretendida. Os aludidos
autores, também consideram que a cidade é um reflexo da percepção dos seus usuários. A
forma como as pessoas utilizam o espaço e que o vivenciam permite que as várias partes da
paisagem estabelecem um diálogo entre si, o que diz muito sobre o lugar estudado.
No tocante à leitura das áreas selecionadas para este estudo, primeiramente
observou-se os elementos da malha urbana segundo o método de Lynch (2011): vias, limites,
bairros, pontos nodais e marcos, por considerá-la mais abrangente.
As vias são o primeiro ponto observado pois é através delas que as pessoas
circulam e conhecem as cidades. No centro comercial de Juazeiro bem como no de outras
cidades há um grande número de transeuntes, que nas vias próximas aos pontos sagrados, o
número de pessoas transitando aumenta de intensidade. Quanto mais próximo dos
monumentos sagrados, maior o fluxo de pessoas circulando, ou sentadas em rodas, com o
comércio informal acontecendo. As ruas mais movimentadas no sentido Norte-sul são: a Rua
Padre Cícero, Rua São Pedro, Rua São José, Avenida Monsenhor Barreto e Rua Santa
Cecília; no sentido Leste-Oeste, o maior movimento fica na Rua da Matriz, na Avenida Dr.
Floro Bartolomeu e na Rua do Cruzeiro.
O caminhar é feito em uma malha de traçado xadrez, com calçadas estreitas e
casarões antigos, de gabarito baixo, direcionando o caminhar. Uma circunstância interessante
é defrontar-se em cada casa com comércios de objetos religiosos. Como são caminhos
frequentados por romeiros, as sensações vivenciadas são diferentes, por seu caráter sagrado.
Apesar de tais pontos estarem localizados principalmente nessa malha xadrez, por conta das
vivências do caminho, existe um cume nessas pequenas rotas, que representam as metas
atingidas, as quais, por sua vez, coroam cada trecho e constituem o auge do limite entre o
sagrado e o profano.
No que tange ao caminho do Horto, considera-se que este possui características
diferentes, por ser um caminho orgânico, cheio de significado e simbolismo, lembrando as
características das cidades medievais, que tinham caminhos tortuosos onde a cada curva fazia-
se uma nova descoberta e ao final do caminho alcançava-se o auge da peregrinação,
normalmente uma catedral (MUNFORD, 1998).
Na subida do Horto, as surpresas vão ocorrendo pelas curvas do caminho, onde
se encontram distribuídas pelo percurso as estações da Via Sacra, representadas por grandes
esculturas de bronze. Aas casas ladeiam com todo esse cenário a céu aberto, o terço vai sendo
rezado pelos romeiros, que iniciam a subida do Horto já de manhã cedo, quando ainda não
59 

está tão quente. Essa providência é oportuna, uma vez que o caminho é estreito e pavimentado
com pedras, com poucas árvores e sem equipamentos para dar suporte aos romeiros (FIGURA
18). Para o homem religioso, esse sacrifício vivenciado na subida do Horto constitui um
momento importante, pois segundo a mentalidade dos penitentes, ajuda a expiar os pecados.

FIGURA 18 – Desenho do caminho do Horto, aproximando-se da estátua do Padre Cícero

Fonte: Elaborado pela autora, 2017

Esse caminhar é muitas vezes incompreendido pelas pessoas não-religiosas, mas,


quando se vivencia essa experiência, a percepção do espaço muda. Uma subida que é
realmente desconfortável e cansativa, ganha um sentido novo e as paradas, nas cinco estações
da Via Sacra, vão permitindo que se renovem as forças, enquanto que a ansiedade com a
descoberta de novos marcos sagrados vai aumentando. Ao fim da ladeira íngreme, é possível
visualizar a meta: a estátua gigante do “Padim” Padre Cícero.
As casas do entorno expressam a cultura simples do sertão do estado do Ceará,
com baixo gabarito e de arquitetura simples, entrando em contraste com os equipamentos
mais novos incluídos pela prefeitura e pelo Governo do Estado, para dar suporte às romarias.
Desses equipamentos, o mais marcante é o Centro de Apoio ao Romeiro, um grande
equipamento, marcante na malha urbana, tanto por suas dimensões e, quanto pela arquitetura
60 

contrastante com o entorno, principalmente por estar em frente ao Santuário de Nossa


Senhora das Dores, monumento de valor inestimável aos romeiros.
Quanto aos limites e bairros, observou-se no centro da cidade uma delimitação de
natureza não física, mas decorrente desta tônica do sagrado. A circulação de pessoas pelas
vias que ligam os marcos considerados sagrados, ali existentes, estabelece, uma barreira
imaginária, cujos limites são imperceptíveis, mas propiciam orientação aos romeiros. Por
conta dela, o limite geográfico do bairro se expande, de tal modo que os observadores não
percebem quaisquer mudanças no número de romeiros que prestam seus cultos devocionais,
seja no centro, seja nas igrejas dos franciscanos e salesianos, uma vez que esses religiosos
possuem também seus marcos socializados.
Os pontos nodais, segundo Lynch (2011) são os focos ou marcos visuais nas vias
que ajudam no direcionamento das pessoas e, a partir deles elas direcionam seu caminhar.
São pontos de conexões e encontros de pessoas. No centro da cidade foram identificados
alguns pontos nodais que estão marcados no mapa (FIGURA 20): na Av. Floro Bartolomeu
com Av. São Pedro (1), com a Av. Padre Cícero (2) e com a Rua São José (3). Na Rua São
José com a rua do Cruzeiro (4) e na Av. Monsenhor Barreto (5) e na base da rua do Horto
(6).
O ponto nodal da Av. Floro Bartolomeu com a Av. Padre Cícero (FIGURA 19) é
um dos que chamam mais atenção ao observador, pois nele existe um fluxo intenso de
pessoas por conta do comércio, por ser uma avenida que cruza a cidade e por ser ponto de
convergência para dois pontos de valor sagrado para os romeiros: Igreja Nossa Senhora das
Dores e caminho para a Casa do Padre Cícero.
FIFURA 19 – Desenho da Av. Padre Cícero com Av. Floro Bartolomeu

Fonte: Elaborado pela autora, 2017


61 

Já os marcos da cidade envolvem principalmente essas áreas e, a partir do Centro,


é possível observá-los, inclusive os marcos do Horto e dos Salesianos. Segundo Lynch
(2011) os marcos dão identidade ao local e ajudam as pessoas a se direcionarem no lugar.
Ficam guardados na memória coletiva e, em um momento de distração, são o que contribuem
na orientação do observador. No Centro, os marcos principais são a Basílica de Nossa
Senhora das Dores e a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Mas o marco mais
conhecido da cidade á a Estátua do Padre Cícero, localizada no alto do Horto. A cúpula da
Igreja do Sagrado Coração nos Salesianos também chama atenção na paisagem. Percebe-se
que são marcos relacionados ao sagrado.
Não se pode deixar de mencionar a existência de outros marcos construídos em
épocas posteriores aos já mencionados, cabendo nesse sentido uma preocupação da autora,
em face do reconhecimento de que estão competindo, em alguns visuais da paisagem, com os
marcos mais antigos e de valor simbólico. O primeiro a ser citado é o Centro de Apoio ao
Romeiro, denominado atualmente de Centro Multiuso, que se localiza em frente à Basílica de
Nossa Senhora das Dores. O marco chama a atenção por suas dimensões não apenas no
contexto de outros equipamentos existentes na malha urbana, mas também por quem chega
vindo da cidade de Caririraçu, vindo do sentido Norte-Sul, onde ele cria uma barreira física e
visual, que não permite a visualização da Basílica até que se chegue próximo a ela.
Outro marco que se sobressai na paisagem é a nova Igreja do Bom Jesus do Horto.
Construída no alto do Horto, próximo à estátua do Padre Cícero, ela se torna um marco na
paisagem e compete com a própria estátua do religioso, no horizonte visual de quem chega
à cidade, por Barbalha e Crato. O mapa a seguir (FIGURA 20), desenvolvido pela autora a
partir de visitas feitas ao local, apresentam os pontos descritos anteriormente:
62 

FIGURA 20 - Análise da morfologia e paisagem de Juazeiro   

3
4 1
2

Fonte: Elaborado pela autora


63 

O método de Cullen (2013), acrescentando em complementaridade à análise,


permite ao pesquisador uma percepção mais aprofundada dos elementos que compõem a
paisagem, como foi explicado anteriormente, onde se observou três aspectos da paisagem:
ótica, local e conteúdo.
A análise que se procedeu com a adoção desse método foi iniciada, seguindo o
primeiro aspecto considerado, ou seja, quanto à ótica, através da visão serial. Conforme o
autor propõe, foi escolhida inicialmente a rota a ser analisada. Esta rota foi traçada onde se
percebeu a maior circulação de romeiros, e que já tinha sido identificada na observação
inicial proposta pelo método de Lynch.
Na visão serial, identificou-se os pontos que Cullen (2013. p.11) comenta como
pontos de interesse que surgem na paisagem: “[...] a paisagem urbana surge na maioria das
vezes como uma sucessão de surpresas ou revelações súbitas”. Para o autor, uma cidade sem
essas revelações, sem esses contrastes e marcos na paisagem, são cidades sem características,
são “amorfas”, sem expressão.
Levando em conta tal explicação, a autora, na condição de observadora ativa da
paisagem, percebeu que, na rota escolhida, os pontos que mais atraiam o olhar e causando a
surpresa referida pelo aludido autor, foram justamente os pontos de valor sagrado, como a
Igreja do Sagrado Coração de Jesus, a Basílica de Nossa Senhora das Dores e a Igreja de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e, mais ainda, no caminho do Horto, onde a cada curva,
tem-se um vislumbre ou da cidade, no pé da serra, ou da estátua do Padre Cícero,
principalmente ao se chegar ao fim do caminho. A partir da escolha desses pontos de
observação, passou-se a estudar aspectos do local e conteúdo, que Cullen (2013) subdivide
em vários tópicos. Aqui foram apontados alguns dos que foram considerados mais relevantes,
nos trechos escolhidos da paisagem:
Quanto ao aspecto local, o autor explica que o mesmo está relacionado às reações
que despertam em relação à posição no espaço, da composição do conjunto e as sensações
que causam no usuário, ao descobri-lo (CULLEN, 2013.p.11-12). A seguir, estão listados os
pontos que chamaram a atenção neste quesito:
- Território ocupado e apropriação do espaço, apropriação pelo movimento: principalmente
nas proximidades dos pontos de valor sagrado. (FIGURAS 21 e 22)
64 

FIGURA 21- Rua São José e Rua Padre Cícero FIGURA 22 - com Av. Floro Bartolomeu

Fonte: Elaborado pela autora, 2017 Fonte: Elaborado pela autora, 2017

- Recintos: são os pontos nodais, pontos de encontro. Mais uma vez percebe-se isso nas ruas
citadas anteriormente, principalmente à tarde, quando as pessoas se reúnem na porta das
pousadas, na frente das igrejas, na Praça Padre Cícero;
- Delimitação do espaço: pode ser encontrada na Basílica, nas Igrejas do Sagrado Coração e
dos Franciscanos. Todas têm suas praças localizadas na frente da porta principal, cercadas por
arcos e grades de ferro. Outro exemplo de definição do espaço é a Praça Padre Cícero,
localizada no cruzamento da rua Padre Cícero com a Rua do Cruzeiro. É uma área que, por
sua vasta quantidade de árvores, constitui o centro cívico da cidade onde as pessoas se
aglomeram para assistir a shows culturais ou promovidas pela Igreja.
- Aqui e além, expectativa e barreiras: a imagem da cidade medieval é um exemplo desses três
elementos da paisagem. Em Juazeiro, pode-se identificar esse aspecto, principalmente no
caminho de aceso ao Horto. Na base do caminho, tem-se tem um vislumbre de como será o
restante do caminho; depois, na subida estreita de piso de pedra rústico e com suas barreiras
laterais formadas por casas, o visitante vai criando pequenos pontos de expectativa que se
renovam a cada estação da Via Sacra, mas à medida que vai subindo, mais se cria expectativa
de chegar à meta onde foi edificada a estátua do Padre Cícero. É uma caminhada que traduz o
sofrimento do romeiro que, neste caso se incorpora ao espírito religioso da penitência, que,
65 

para eles, têm o valor de expiar os pecados. Para a autora, este trecho constitui o caminho
mais simbólico da cidade, por representar o verdadeiro significado religioso do sentido que o
romeiro busca encontrar em uma romaria, alcançando, ao final, a bênção do Padre Cícero.
(FIGURAS 23 e 24).

FIGURA 23– Início do caminho do Horto: expectativas e barreiras.

Fonte: Elaborado pela autora, 2017

FIGURA 24 – Marcos na paisagem: estátua do Padre Cícero no Horto. Meta

Fonte: Elaborado pela autora


66 

- Níveis: as áreas observadas são relativamente planas, sendo possível vivenciar caminhos de
subida e descida, apenas no trajeto do Horto. Os volumes arquitetônicos também não
contribuem muito para essa composição de alturas na paisagem. Normalmente, os prédios são
térreos ou com dois pavimentos acima, ficando as igrejas a cargo de trazer mais dinâmica à
paisagem.
- Silhuetas: são o limite do volume edificado, como os frontões neoclássicos e os gradis, que
se encontram com as linhas azuis do céu. São essas silhuetas mais altas, como a cúpula da
Igreja do Sagrado Coração de Jesus e a torre da Igreja de Nossa Senhora das Dores que
chamam a atenção se evidenciam e remetem o olhar para cima, são os marcos que orientam os
observadores no espaço.
Quanto ao terceiro aspecto, o conteúdo, Cullen (2013) explica que a composição
de cores, texturas, estilos arquitetônicos e escala são a constituição física da paisagem e
complementam as sensações que o observador sente ao caminhar.
- Cores, texturas e estilos arquitetônicos: observou-se que as casas mais antigas são em estilo
neoclássico, bem característico do período em que a cidade começou a se expandir. Alguns
desses prédios são mais atuais e não têm estilo arquitetônico definido. As cores são mais
neutras, apenas algumas casas como o “Solar dos Bezerra de Menezes”, localizado em frente
à Praça Padre Cícero, está pintado com uma cor azul mais forte. Outros, revestidos são em
cerâmica quadrada, em tons brancos e amarelos, dentre outras cores. Na parte mais comercial,
percebe-se que as placas com os nomes das lojas comerciais, criam um jogo de fachadas que
se pode considerar caótico.
- Exposição e isolamento: Identificar-se e este quesito, observando-se, a partir de vários
visuais do percurso, a serra onde fica localizada a estátua do padre Cícero. A sensação
causada é a mesma de que ela está isolada e que termina apena quando o observador consegue
alcançá-la de fato ao chegar no alto da mesma. Porém, para quem a observa de longe, a serra é
bem visível, porém, isolada, e parece impossível de ser alcançada. (FIGURA 25)
67 

FIGURA 25 – Colina do Horto

Fonte: elaborado pela autora, set. 2017


- Publicidade: como a rota estudada está localizada no centro da cidade, é comum encontrar-
se nas fachadas dos prédios placas com os nomes dos comércios ou placas de publicidade,
principalmente na Rua São Pedro. Cullen (2013. p.87) afirma que esta é uma questão que gera
discussões entre arquitetos e urbanistas, pois muitos não consideram essas placas como
objetos de arquitetura, porém, o autor comenta que estes elementos fazem parte da paisagem e
criam marcos visuais, como acontece na Times Square, em Nova Iorque.
- Guardas e gradeamentos: com uma tipologia neoclassicista comum predominante no
caminho analisado, observou-se a frequência do uso de pequenas varandas, nas fachadas
principais das casas, sendo que estas são resguardadas por guarda-corpos em ferro
trabalhados, característicos desse estilo. Por ter sido analisada a área histórica da cidade,
percebeu-se que a tipologia dos lotes não trazia recuos frontais, como foi dito anteriormente,
sendo comum o uso de tais varandas. Porém, em algumas casas do percurso, as que possuíam
algum recuo estavam cercadas por grades, estabelecendo um limite entre o público e o
privado. (FIGURA 26)
FIGURA 26 – Solar dos Bezerra de Menezes na Rua Padre Cícero

Fonte – Elaborado pela autora, set. 2017


68 

Cabe ressaltar que o método de Cullen (2013) apresenta vários elementos que
tornam a leitura da paisagem mais completa, porém, neste estudo, utilizou-se apenas os que
mais predominaram na paisagem da cidade.
Os limites do sagrado e do profano, nesse caso, representam matéria que deve
ser estudada antes que se proceda a qualquer intervenção urbana na cidade. Para o Romeiro,
essa distinção entre o que tem valor sagrado e o que não tem praticamente não existe,
considerando que Padre Cícero, em vida, andou por todos aqueles lugares. Portanto para os
romeiros, tudo é sagrado, embora conceba a ideia de que há pontos com maior valor sagrado
do que outros, como é o caso dos monumentos acima apresentados. Para o homem não-
religioso, esses limites estão mais claros, ou seja, bem delimitados.
A morfologia urbana da área delimitada para esse estudo constitui um reflexo do
que é a verdadeira alma dessa cidade, a saber: sua característica religiosa. A terminologia
“alma” aplicada aqui, justifica-se, considerando a cidade como um organismo vivo, que
reflete a vida de seu povo, sua história, sua cultura, expectativas e desafios. Tudo isso se sente
a cada caminho e a cada meta atingida, pois esse aspecto está refletido nas ruas, na arquitetura
e na infraestrutura urbana da cidade. É uma área em que se sente o valor sagrado, mesmo que
não se seja um homem religioso. Por isso, se torna é uma experiência rica e gratificante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão do espaço urbano é pauta importante a ser considerada por todos
os agentes participantes da construção desses lugares, especialmente os profissionais da
arquitetura, o que permitiria intervenções mais bem elaboraras nesses espaços. No caso de
Juazeiro do Norte, esse estudo mostrou-se mais interessante em razão do carácter sagrado nele
implícito. Tal circunstância aumentou mais alguns pontos a serem observados na morfologia
urbana, pois a memória coletiva aqui constitui aspecto que deve ser considerado no contexto
urbano, considerando estar impresso não só na vida da cidade, mas em seus habitantes, desde
a época de sua fundação.
Para o homem religioso, o sagrado está na memória, na tradição de pisar em um
solo sagrado, em caminhos tortuosos e ásperos que ajudam a expiar os pecados, que limpam a
alma e os aproxima de Deus. Consequentemente a natureza penitencial presente nos ritos das
romarias, propicia um pouco de felicidade nessa vida aos devotos que esperam alcançar
graças na caminhada. Barreto (2003) explica como se dá as relações do romeiro com a cidade
sagrada e como é importante observá-los:
69 

Numa visão de conjunto, o que chama a atenção, antes de mais nada,


não é o Juazeiro, não é o Padre Cícero, são os romeiros. São eles Igreja dos simples,
dos humildes. Juazeiro se tornou o Santuário dos Pobres, pela riqueza de seus
romeiros. O rosto romeiro aqui é Igreja viva. Não o alcançam aqueles que guardam
deles somente a fotografia. É preciso senti-los, conviver com sua experiência,
experimentar seus sentimentos. Só faz romaria quem alimenta a fé, sua fé. Crer para
os romeiros é acreditar no poder, na bondade, na misericórdia de Deus. Como Deus
é inefável, valem suas pessoas. (BARRETO, 2003. p.55)

Conforme já se mencionou, a cidade está em sistemática transformação, porém, os


limites do sagrado e do profano devem ser estudados e compreendidos para que quaisquer
ações a serem empreendidas pelo poder público sejam de fato efetivas e positivas para todos.
Os limites do que é sagrado e profano dentro da morfologia desse centro histórico, são
importantes de serem respeitadas ao se realizarem qualquer intervenção na malha urbana e
portanto, devem ser considerados nos estudos morfológicos.
A paisagem, o traçado urbano, a arquitetura, a geografia, o contexto social e
econômico, e consequentemente, a morfologia urbana de Juazeiro do Norte viabiliza a
percepção da tônica presente em todos esses elementos. Ao desvelar a face do sagrado, a
cidade revela, ao mesmo tempo, de que forma este contribui para o seu surgimento. Essa
leitura do espaço, inclusive de seu valor sagrado, é, portanto, algo complexo e rico em
simbolismo fazendo com que até o homem não-religioso, se detenha para aguçar a
curiosidade nas descobertas que faz nos caminhos percorridos.
Em resumo, observou-se que a cidade dispõe de uma malha urbana de traçado
ortogonal e que o seu desenvolvimento se deu irradiando-se a partir do centro histórico, ou
seja, mais precisamente da Igreja de Nossa Senhora das Dores. O centro também é a área de
maior adensamento urbano e pelos eixos das ruas Padre Cícero e São Pedro, que nortearam o
início da implantação no centro, é possível seguir pelo sentido Norte-Sul, rumo às cidades
vizinhas: Barbalha, Crato e Caririaçu.
Esse traçado iniciou-se na margem direita do Rio Salgadinho, na área conhecida
como Tabuleiro Grande, uma vez que na margem esquerda se encontra a Serra do Catolé,
mais conhecida atualmente como Colina do Horto, onde está erigida a estátua gigantesca, em
homenagem ao Padre Cícero e que hoje constitui o maior marco da paisagem da cidade, não
apenas pelo valor afetivo, mas também por trazer volume à paisagem, a qual, sem ela, seria
completamente plana. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A)
A zona central é marcada também por grande adensamento de pessoas, em razão
das atividades que abrange: comércio, romaria e residências. O comércio já é característico
das áreas centrais e se soma ao grande contingente de romeiros que se concentram nessa área,
por seu valor sagrado, o que justifica a grande quantidade de pousadas ou ranchos de baixo
70 

custo ali existentes e destinados aos romeiros. A esse cenário se somam as casas mais antigas
da cidade, que ainda cumprem sua função residencial.
Essa leitura do espaço urbano mostrou-se fundamental para se empreender futuros
estudos, abordando-se, por exemplo, como devem ser feitas intervenções ou propostas no
plano diretor, de forma a que tais equipamentos realmente cumpram a função a que foram
destinados e tornem a experiência do sagrado mais tranquila, tanto para os romeiros, quanto
para os habitantes locais.
Ao se pensar em um espaço urbano justo, socialmente equilibrado, deve-se
considerar que a cidade é um grande ecossistema, com suas diversidades, principalmente
quando ela representa tanta importância para a memória coletiva, como é o caso das romarias.
Buscar esvaziar-se de preconceitos é fundamental para se compreender a
complexidade de uma cidade sagrada e de seus habitantes e visitantes. Assim, pode-se pensar
em um crescimento urbano justo, com investimentos bem distribuídos que visam, além do
lucro a qualidade de vida de todos. Tirar-se partido desse caráter sagrado e fazer-se
intervenções bem planejadas podem tornar Juazeiro uma referência mundial em turismo
religioso, fazendo jus à sua fama e, principalmente, honrando o trabalho de seu padroeiro e
benfeitor, Padre Cícero.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Pe. Francisco Murilo de Sá. Padre Cícero. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola,
2003.

CAVA, Ralph Della. Milagre em Joaseiro. Ralph Della Cava; tradução Maria Yeda
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mil-turistas-durante-a-alta-estacao. Acesso em out./ 2017.
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Fortaleza, Caderno Regional, p. 4, Janeiro. 2017.

CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. Gordon Cullen; tradução Isabel Correia e Carlos de
Macedo. 1ª ed: Lisboa, Portugal: Edições 70, 2013.

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Rogério Fernandes. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FARIAS, Alberto. Padre Cícero e a invenção do Juazeiro. 3ª ed. Fortaleza: Tipografia Íris,
2016.
71 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Juazeiro do


Norte: senso de 2010. Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=230730&search=ceara|juazeiro-
do-norte. Acesso em nov./2017.

JUAZEIRO DO NORTE. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Juazeiro do Norte:


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LYNCH; Kevin. A imagem da cidade. Kevin Lynch; tradução Jefferson Luiz Camargo. 3ª
Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
MACHADO, Regina Céli de Albuquerque. O local de celebração: arquitetura e liturgia. 2.
ed. São Paulo: Paulinas, 2007.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.); DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu.
Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 31ed. Petrópolis: Vozes, 2016.
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas.
Lewis Mumford; tradução; Neil R. da Silva. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
72 

4. ARTIGO 2:
ROTEIRO DA FÉ E A VIVÊNCIA DOS ROMEIROS
Maria Christina Dos Martins Coelho Bessa
Mestrado em Ciências da Cidade
Universidade de Fortaleza - UNIFOR
Fortaleza, 15 de novembro de 2017

RESUMO

As romarias à Juazeiro do Norte se perpetuaram como uma tradição para o povo nordestino,
levando, segundo dados divulgados pelo município de Juazeiro do Norte (2000), a um
contingente de 1 milhão de romeiros visitantes, anualmente. Para receber adequadamente esse
contingente de pessoas, o poder público vem executando obras de melhorias nas
infraestruturas da cidade e empreendendo outras ações como o projeto estruturante “Roteiro
da Fé”, destinado a criar uma infraestrutura voltada para orientar o deslocamento dos
romeiros pela cidade e organizar o centro da cidade. Este já se ressente com a alta assiduidade
de visitantes em épocas de grandes romarias, como a de Nossa Senhora das Candeias, que
ocorre anualmente em fevereiro. Porém, essas ações nem sempre são satisfatórias, o que é
preocupante, uma vez que, tanto romeiros quanto moradores da cidade sofrem constantemente
com falta de segurança, de equipamentos de serviços adequados e de infraestrutura urbana
básica, bem como saneamento básico deficiente. Assim, o objetivo geral deste estudo é
estabelecer parâmetros comparativos entre o projeto estruturante “Roteiro da Fé” com as
percepções dos romeiros e habitantes locais sobre a cidade de Juazeiro do Norte. Como
metodologia adotada, foi realizada, uma pesquisa documental sobre a proposta do projeto
estruturante “Roteiro da Fé” do PDDU de Juazeiro do Norte de 2000, buscando compreender
a sua concepção, para depois, analisar-se, através de entrevistas com moradores locais e
romeiros, quais suas percepções sobre a cidade. Assim, foi possível observar-se os pontos que
coincidem e os pontos que divergem, no tocante ao melhor aproveitamento do espaço urbano
na cidade sagrada.

Palavras-chave

Juazeiro do Norte. Roteiro da Fé. Romeiros.

INTRODUÇÃO

Juazeiro do Norte, cidade localizada no sertão nordestino, ao sul do Estado do


Ceará é um dos exemplos de como o caráter do sagrado pode determinar e imprimir esse valor
em todo o processo de construção e desenvolvimento urbano. A cidade se celebrizou graças
aos benfeitos do Padre Cícero Romão Batista, homem de fé e visionário, natural do Crato, que
adotou Juazeiro como sua terra. A partir de um sonho que teve, onde dizia ter recebido uma
mensagem de Jesus Cristo, resolveu se estabelecer na cidade e ajudar aquele povo pobre e
esquecido.
73 

Em suas tentativas iniciais de organizar a cidade, já ganhou respeito e carinho da


população local. Mas o que alavancou o crescimento local foi um evento em particular, onde
segundo Cava (2014), durante uma vigília pedindo por chuva, no ano de 1889, ao ministrar a
comunhão à beata Maria de Araújo, a hóstia transformou-se em sangue. Esse pode ser
considerado o marco propulsor do que se denomina hierofania, que, segundo Eliade (1992), é
quando o sagrado se manifesta em algum objeto ou lugar. A partir daí a cidade se viu palco de
romarias de pessoas, oriundas de cidades vizinhas que vinham a Juazeiro do Norte para pedir
a benção ao “Padrinho Cícero” e sua intercessão junto a Jesus Cristo e à Virgem Maria.
A prática das romarias a Juazeiro do Norte se perpetuou como uma tradição
principalmente do povo nordestino, levando, segundo dados divulgados por Juazeiro do Norte
(2000A), um contingente de 1 milhão de romeiros anualmente à cidade. Mas, principalmente
nas romarias de Nossa Senhora das Candeias, que segundo Costa (2017), levou
aproximadamente 400 mil romeiros para Juazeiro, no início de fevereiro em 2017, o fluxo de
visitantes só aumenta, sendo o motivo pelo qual esta romaria é considerada a maior do ciclo
anual de romarias.
Para receber adequadamente esse contingente de pessoas, o poder público vem
executando obras de melhorias nas infraestruturas da cidade, como, por exemplo, o Centro de
Apoio ao Romeiro, hoje denominado de Centro Multiuso. O problema é que tais intervenções
parecem ineficazes e, em dias de romaria verifica-se a falta inclusive de água e luz na cidade,
esse dado é alarmante, em se considerando que o contingente populacional local é de 249.939
habitantes, conforme senso de 2010 (IBGE, 2010), e, com as romarias, chega a dobrar, como
ocorre em fevereiro de 2017.
Outros problemas, tais como: ineficiência na recepção aos romeiros e turistas,
falta ou má qualidade de hospedagem, principalmente nos chamados ranchos, que são
hospedagens de baixo valor localizadas principalmente no centro da cidade, bem como a
inexistência de saneamento básico adequado, além dos problemas de mobilidade urbana, por
conta de vias estreitas onde carros e romeiros concorrem por um espaço provocam transtornos
sociais tanto para romeiros quanto para os moradores locais. (JUAZEIRO DO
NORTE,2000B).
74 

As intervenções parecem ser realizadas de forma empírica, não chegando a


soluções realmente proveitosas. O próprio PDDU8 da cidade, implantado em 2000 critica tais
intervenções, por considerar tentativas falhas do poder público de criar novos marcos
religiosos na cidade com o intuito de organizar as romarias e retirar os romeiros das ruas
estreitas da cidade:
As intervenções urbanísticas e arquitetônicas recentes, na tentativa de criar novas
referências religiosas para a cidade, não têm conseguido se apresentar para a
comunidade pela sugestão memorial e qualidade do espaço, mas somente pela
monumentalidade e bizarrice da intervenção, como, por exemplo, o Centro de Apoio
ao Romeiro. (JUAZEIRO DO NORTE,2000A, p. 50)

Os projetos continuam com tais tentativas incoerentes com as necessidades locais,


a julgar pelos dados divulgados na página da prefeitura local, pois contemplam propostas de
teleférico, projetos paisagísticos e até de um novo centro cultural. Porém, as críticas
convergem em maior intensidade para o Projeto Estruturante “Roteiro da Fé”, estabelecido no
PDDU de Juazeiro do Norte, sancionado em 2000.
Acredita-se que buscar compreender a forma como os romeiros vivenciam a
cidade sagrada é um ponto chave para que tais projetos tenham a eficiência almejada. O
homem religioso desenvolve relações diferentes com o lugar sagrado, vivenciando-o de forma
intensa, em busca de graças ou expiação dos pecados (SANTIDRIÁN, 1996). Portanto, o
objetivo geral deste estudo diz respeito a estabelecer parâmetros comparativos entre o Projeto
Estruturante “Roteiro da Fé” e as percepções dos romeiros e habitantes da cidade de Juazeiro
do Norte, tendo em vista compreender as concordâncias e as dissonâncias no tocante ao
melhor aproveitamento do espaço urbano na cidade sagrada.
Como metodologia adotada, primeiramente foi feita uma pesquisa documental
sobre a proposta do projeto estruturante “Roteiro da Fé” do PDDU de Juazeiro do Norte de
2000, compreendendo como ele seria implantado na cidade, para depois, analisar através de
entrevistas com moradores locais e romeiros quais suas percepções sobre a cidade. Assim, foi
possível observar os pontos que se coincidem e os pontos que divergem quanto às
necessidades do espaço urbano na cidade sagrada.

                                                            
8
  PDDU:  Plano  Diretor  de  Desenvolvimento  Urbano  é  um  instrumento  de  gestão  urbana  que  estabelece 
objetivos  e  metas  para  o  desenvolvimento  das  cidades,  elaborado  com  a  participação  de  vários  setores  da 
comunidade e foca em “aspectos físico‐territoriais, econômicos, sociais, ambientais e humanos” buscando um 
desenvolvimento ordenado das cidades (JUAZEIRO DO NORTE, 2000A. p.8). 
75 

4.1 Projeto Estruturante “Roteiro da Fé”


Partindo do pressuposto de que o centro histórico das cidades é onde reside
basicamente a identidade do lugar e que, em Juazeiro do Norte, é onde se encontram os
principais pontos de visitação por parte dos romeiros, foi neste local que o poder público, em
seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, resolveu investir no planejamento do Projeto
Estruturante “Roteiro da Fé”.
Tal projeto abrange uma série de ações públicas e privadas, que têm por objetivo
revitalizar a área central de Juazeiro do Norte, propiciando melhorias de infraestrutura, não
apenas para os moradores da área, mas também para os romeiros. Estes se concentram em
maior intensidade, nessa área, por ser o lugar onde estão localizados os pontos de maior valor
sagrado da cidade, tais como: a Basílica de Nossa Senhora das Dores, a Igreja de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, onde o corpo de Padre Cícero foi sepultado, o cemitério antigo,
e a casa onde Padre Cícero viveu seus últimos anos. A Igreja do Sagrado Coração de Jesus e a
Igreja de São Francisco ficam, respectivamente, nos bairros Salesianos e Franciscanos, que
compõem também os eixos de circulação dos romeiros. (JUAZEIRO DO NORTE, 2000B)
Outro intuito do projeto estruturante convergiu para a restauração da zona central,
e para o fortalecimento do comércio já tão característico dessas áreas centrais. Entre os outros
objetivos elencados no Projeto Estruturante, encontram-se os seguintes:
 Fortalecer o núcleo central;
 Ordenar os usos institucionais promovendo uma maior significância de seus
espaços;
 Possibilitar a implementação de novos usos contemporâneos na zona central da
cidade;
 Ampliar o estoque habitacional nas proximidades da zona central;
 Habilitar a população para o uso habitual do centro, animando a vida cultural;
 Aumentar a atratividade da zona central com a criação de novos espaços públicos;
 Criar atrativos de desenvolvimento na zona urbana existente para conter a “fuga” de
atividades urbanas para outras áreas em processo de autoconsolidação em novo
centro urbano (região do triângulo);
 Aumentar as áreas de uso público com pluralismo de atividades em seu entorno;
 Propiciar mais conforto para os romeiros e turistas durante as romarias e em todo o
ano;
 Tornar viável a convivência das romarias com os diversos tipos de atividades
comerciais, com segurança;
 Fortalecer a relação da zona central com os demais bairros da cidade, preservando o
caráter de centro convergente regional daquela área;
 Criar maior comunicabilidade, acessibilidade e legibilidade entre os principais
centros de peregrinação religiosa, dispersos na zona central.
(JUAZEIRO DO NORTE, 2000B.P.17)

Para atingir tais objetivos, o projeto propõe a criação de um corredor interligando


os principais pontos de romaria da cidade e, com isso, acreditando-se que o turismo religioso
76 

seria impulsionado, pois, nesses corredores, passariam a ser desenvolvidas atividades nas
áreas do comércio e habitação, o e que atrairia mais investimentos privados ao local.
Segundo dados divulgados pelo município de Juazeiro do Norte (2000B), a
convivência entre a população do lugar e as populações visitantes é caótica em dias de
romarias grandes, as quais podem durar até 5 dias. Um dos problemas acarretados por essas
romarias é a dificuldade de acesso aos serviços médicos, em casos de emergência, quando as
ambulâncias encontram dificuldade de circular, por exemplo. Isso ocorre, segundo a mesma
fonte, devido à falta de regulamentação por parte do poder público, uma vez que os espaços
públicos (vias e praças) ficam ocupados por ambulantes e por romeiros que caminham na
caixa de via, sendo que as calçadas, bem estreitas, ficam ocupadas por ambulantes e romeiros.
Estes costumam sentar-se sentam em bancos e cadeiras, em frente às pousadas e tudo isso fica
mais intenso, por conta do comércio já característico.
Outro problema é a quantidade de ônibus que levam os romeiros e que ficam
estacionados nas vias estreitas da cidade. Antes era comum o uso do pau-de-arara, que são
caminhões que transportavam as pessoas na parte traseira do veículo, porém esse meio de
transporte, que foi proibido pelo Departamento de Trânsito por ser considerado um meio de
transporte perigoso.
Em busca de organizar todo esse contingente de pessoas e usos, no “Roteiro da
Fé” propôs-se a implantação de corredores que ligariam os pontos de valor sagrado
localizados na área central, no bairro dos Salesianos e no bairro dos Franciscanos. Essas
galerias criariam eixos de circulação pedonal, que passariam por dentro de quadras, sendo
necessária a desapropriação de alguns lotes para a execução do projeto (FIGURA 27).
77 

FIGURA 27 – Proposta de corredores pedonais do “Roteiro da Fé”. Em rosa são os corredores que
direcionariam os romeiros aos pontos sagrados.

Fonte: Juazeiro do Norte, 2000B

Segundo Juazeiro do Norte (2000B), essas galerias serviriam como via


processional para os romeiros, bem como constituiria o local onde ocorreriam as
manifestações artísticas e culturais, além de abrigar áreas com equipamentos públicos, como
quadras e equipamentos de ginástica. Para direcionar o olhar dos visitantes, pensou-se em
adotar uma nova tipologia arquitetônica com térreo e três pavimentos (FIGURAS 28 e 29).
Tais tipologias de uso misto abrigariam o comércio, no térreo; as oficinas e os escritórios no
primeiro pavimento, ficando para uso residencial os dois últimos pavimentos. Tal tipologia
deveria respeitar as fachadas de prédios históricos.
78 

FIGURA 28 – Nova tipologia arquitetônica que funcionaria como delimitação do “Roteiro da Fé”

Fonte: Juazeiro do Norte, 2000B

FIGURA 29 – Nova tipologia arquitetônica que funcionaria como delimitação do “Roteiro da Fé”

Fonte: Juazeiro do Norte, 2000B

Os dados de Juazeiro do Norte (2000B.p.29) divulgam ainda, que tal perímetro


sofreria uma valorização imobiliária, o que, segundo o PDDU, seria bom, pois implicaria em
maior arrecadação de tributos para o poder público, por conta do aumento e arrecadação das
taxas de IPTU9 e de ISS10.
Esse corredor contemplaria, em seu perímetro, as seguintes edificações de valor
sagrado frequentadas pelos romeiros: Igreja Nossa Senhora das Dores, Casa do Padre Cícero,
localizada na Rua São José: a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no bairro Salesianos e
Igreja de São Francisco no Bairro Franciscanos. Ao fim do corredor da rua Nossa Senhora da

                                                            
9
 IPTU: Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. 

10
 ISS: Imposto Sobre Serviço. 
79 

Conceição, estaria prevista uma saída próxima ao mercado que antecede a Igreja de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro.
FIGURA 30 – Trecho padrão do Roteiro da Fé

Fonte: Juazeiro do Norte, 2000B


Acima (FIGURA 30), percebe-se que, no corredor proposto, ficariam as
edificações como elementos de parede em ambos os lados, e os estacionamentos ficariam nas
bordas. Observa-se que foi utilizada arborização e a instalação de equipamentos urbanos,
como: bancos, quadras e parquinhos.

4.2 A percepção do romeiro sobre Juazeiro do Norte


Se a cidade é construída pelas pessoas e se torna uma expressão de um povo,
julgou-se apropriado aplicar, neste estudo, como procedimento metodológico complementar,
a técnica da entrevista. Aplicou-se um questionário de três perguntas junto aos usuários,
moradores e romeiros, para formular-se o entendimento de como funciona a cidade e o que
estes esperam do poder público para obterem uma melhor qualidade de vida.
Foram elaboradas as três perguntas seguintes, direcionadas aos moradores e aos
romeiros sobre suas percepções sobre a cidade:
1) Qual o local de maior valor sagrado para você?
2) Quais as outras atividades que você faz além das obrigações religiosas? (Romeiros)
Como você vivencia a cidade durante as romarias? (moradores)
3) O que você acha que poderia ser melhorado na estrutura atual da cidade?
80 

As respostas foram agrupadas em duas tabelas, uma para moradores (TABELA 2)


e outra para romeiros (TABELA 3):
TABELA 2 – Respostas dos moradores de Juazeiro do Norte.
1 Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro pois é aonde o Padre Cícero
está enterrado
MORADOR 1 2 Viaja para Fortaleza pois a cidade fica caótica
3 Melhorar a qualidade da infraestrutura, fornecimento de água e luz e a
salubridade do Centro da cidade.
1 Caminho e colina do horto com a estátua do Padre Cícero
2 Evita o centro da cidade na época de grandes romarias
MORADOR 2 3 Crescimento desordenado da cidade e especulação imobiliária e falta de
investimentos no centro da cidade, além da infraestrutura ruim oferecida
aos romeiros
1 Praça Padre Cícero pois foi aonde a cidade nasceu
MORADOR 3 2 Evita o Centro da cidade em épocas de grandes romarias
3 Melhorar o atendimento aos romeiros e oferecer melhor infraestrutura à
cidade
1 Caminho e colina do Horto com a estátua do Padre Cícero
2 Caminhar pela cidade e conversar com os moradores do centro e do
MORADOR 4 Caminho do Horto. Participa das romarias
3 Melhorar organização da cidade e oferecer melhor apoio aos romeioros
principalmente no caminho do Horto
1 Caminho e colina do Horto com a estátua do Padre Cícero
MORADOR 5 2 Frequenta pouco o Centro da cidade em épocas de grandes romarias
3 Melhorar infraestrutura urbana e os serviços aos romeiros
principalmente serviços de saúde
1 Igreja dos Salesianos
2 Evita andar pelo centro em romarias grandes por conta da falta de
MORADOR 6 segurança e do caos
3 Deveria ter uma maior fiscalização quanto aos serviços oferecidos aos
romeiros pois aumentam os preços nas romarias. Melhorar segurança
pública
1 Basílica Nossa Senhora das Dores
2 Sai da cidade em época de grandes romarias e visita a família em
MORADOR 7 Fortaleza.
3 Melhorar espaços públicos, aumentar estacionamentos e fornecimento
de água e luz na cidade
Fonte: elaborado pela autora, 2017
81 

TABELA 3 – Respostas dos romeiros de Juazeiro do Norte.


1 Igreja Nossa Senhora das Dores

2 Compras no centro da cidade e descansar nas praças

ROMEIRO 1 3 Melhorar áreas de lazer e calçadas que são estreitas e não tem aonde
sentar, além de equipamentos como banheiros públicos

1 Toda a cidade é sagrada

2 Caminhar pelo Centro e pelo Horto e conversar com moradores e outros


romeiros
ROMEIRO 2
3 Melhorar limpeza e organização no recebimento aos romeiros e dar
melhor infraestrutura de apoio como restaurante popular

1 Caminho do Horto e Estátua do Padre Cícero

ROMEIRO 3 2 Visitar cidades vizinhas e caminhar pelo centro da cidade conversando


com os outros romeiros e moradores locais

3 Melhorar higiene da cidade, principalmente do centro e do Horto e


melhorar apoio ao romeiro com equipamentos melhores de lazer e apoio
como banheiros e hospedagem adequada

1 Caminho do Horto e Estátua do Padre Cícero

2 Visitar cidades vizinhas e Geopark do Araripe. Encontrar com amigos


que moram em Juazeiro.
ROMEIRO 4
3 Melhorar a recepção aos romeiros e melhorar apoio como
estacionamento

1 Caminho do Horto e Estátua do Padre Cícero

ROMEIRO 5 2 Visitar cidades vizinhas e Geopark do Araripe

3 Melhorar infraestrutura como estacionamentos, apoio de informações,


limpeza e infraestrutura do evento como ambulatórios.

1 Igreja de São Francisco pois é devoto do santo

ROMEIRO 6 2 Visitar amigos e parentes

3 Melhorar infraestrutura como praças, banheiros, refeitórios.

1 Caminho do Horto e Estátua do Padre Cícero

ROMEIRO 7 2 Caminhar na cidade e fazer compras no centro da cidade

3 Serviços de apoio como banheiros, lactários e enfermarias.

Fonte: elaborado pela autora, 2017


82 

Diante das respostas apresentadas, percebeu-se que, tanto para os moradores


quanto para os romeiros, o ponto de maior valor sagrado reconhecido é o Caminho do Horto e
a estátua do Padre Cícero. Os outros locais tais como a Igreja de Nossa Senhora das Dores,
Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Igreja dos Salesianos e Igreja dos Franciscanos
também aparecem. Porém, percebe-se que a estátua do Padre Cícero, como benfeitor e
padrinho do povo é bastante venerada e contribui para a sua maior valorização o fato de ser
vista no alto do Horto, ornada pela paisagem, o que não ocorreria no caminho oferecido pelo
“Roteiro da Fé”.
Outro indício de reconhecimento do valor sagrado dessas instâncias é que o
Caminho do Horto e o local onde está a estátua do Padre Cícero são muito frequentados. Isso
justifica que sejam bem equipados com serviços de apoio, como banheiros públicos,
lanchonetes populares, muita arborização e bancos. A comunidade que cresceu nesse eixo de
romaria é muito pobre e o caminho tem péssima pavimentação.
Outro fator digno de nota é que os habitantes locais evitam em sua maioria o
centro da cidade, em períodos de romarias maiores e alguns chegam até sair da cidade por
conta do caos. Por isso, os moradores apontaram a necessidade de serem implementadas
melhorias na infraestrutura da cidade e que deveria haver maior incentivo do poder público no
tocante à qualidade dos serviços, além de maior organização. Outra preocupação diz respeito
ao deficitário serviço oferecido aos romeiros. Interessante foi constatar que os próprios
habitantes têm consciência de que o transtorno causado pelas romarias é algo natural que deve
ser respeitado, pois a cidade lucra com os visitantes.
Percebe-se que, de modo geral, as romarias são importantes tanto para os
moradores locais, quanto para os romeiros e ambos têm um carinho pela cidade e pelo seu
fundador, o que é demonstrado na forma como vivenciam a cidade e no reconhecimento de
que ela deve ser bem tratada para se desenvolver valorizando a sua característica sagrada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi explicado no início deste artigo, existem tentativas efetivas por parte do
poder público em executar obras que propiciem a melhoria da qualidade de vida da população
de Juazeiro do Norte, bem como algumas ações voltadas para o bem-estar dos romeiros,
responsáveis pelo turismo religioso tão valorizado pela cidade. Porém, ao observar-se o que
vem sendo feito e o que se pretende fazer, percebe-se que os projetos abrangem iniciativas
que não solucionam o problema percebida a partir de uma visão ampla, fixando-se as ações de
modo global, pois a cidade não é apenas a área do centro.
83 

Considera-se que romaria não é apenas uma viagem turística a um lugar sagrado:
ao contrário, diz respeito a uma cultura que se desenvolveu e que foi passada de uma geração
para outra; é, portanto, uma prática baseada e arraigada na fé de um povo simples, em sua
maioria, que só encontra em Deus e no Padre Cícero conforto espiritual e uma vida abençoada
necessidades, como afirma a historiadora Daniela Medina (2017):
Não é viagem, muito menos turismo convencional, mas uma cultura baseada no
sacrifício, que descende de aspectos seculares da religião. Da polêmica proibição
dos caminhões pau-de-arara até a hospedagem precária, o sacrifício é um caminho
para se aproximar de Deus e se limpar dos pecados. Para a estudiosa, romaria é um
ato de memória. “Os romeiros querem praticá-la como faziam quando crianças,
como aprenderam com os pais, por isso muitos almoçam nos mesmos restaurantes,
dormem nos mesmos ranchos e casas.

Este estudo revestiu-se de especial importância para a autora, levando em conta


que descortinou novos conhecimentos, no campo da arquitetura voltada para o lugar sagrado.
A pesquisa de campo permitiu que se conhecesse o sentido das romarias, para o povo local,
quando para os romeiros comprovando-se que o êxito dos projetos na área da Arquitetura e
Urbanismo implica em que o pesquisador se aproxima da realidade a ser trabalhada.
Ficou patenteado que a leitura do espaço urbano e da paisagem urbana é
importante e em casos de cidades com valor sagrado é mais importante ainda, pois a vivência
de cada lugar é diferente.
Fazendo-se uma análise dos aspectos em que a vontade do povo e a vontade
política coincidam no “Roteiro da Fé”, percebe-se que estes dizem respeito à escolha dos
marcos visuais sagrados, a saber: a Igreja de Nossa Senhora das Dores, a Casa do Padre
Cícero, na Rua São José; a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; a Igreja Sagrado
Coração de Jesus, no bairro Salesianos e a Igreja de São Francisco, no Bairro Franciscanos. A
primeira percepção quanto a esse “roteiro” de caminhada é que este foi uma forma de afastar
os romeiros de uma área problemática, principalmente nos eixos já movimentados das ruas
Padre Cícero e São Pedro.
Porém, esse caminhar “forçado” por corredores estreitos esqueceu do marco
principal da cidade que é o Horto onde está a Estátua do Padre Cícero e que tem grande valor
sentimental para os romeiros, considerando que tal tipologia arquitetônica, com três
pavimentos, criaria barreiras visuais do ponto de vista do pedestre, a este marco da cidade.
Outro problema é que o projeto não contempla o caminho do Horto, que abriga
uma comunidade muito humilde mas que tem grande importância para o romeiro, uma vez
que nas casas no caminho, segundo Juazeiro do Norte (2000B), as portas ficam abertas com
os seus altares dando acesso aos romeiros e formando, junto às estátuas da Via Sacra, um
84 

caminho que proporciona momentos de oração, é o local que resume o que é fazer uma
romaria: o sofrimento do caminho tortuoso, íngreme, sem sombra nem local para descansar
que culmina na meta do lugar sagrado, a Estátua do Padre Cícero, que está com as mãos em
posição de benção.
Outra questão é reconhecer-se que, se o romeiro verdadeiramente guarda em sua
memória os lugares por onde seus pais caminharam, pode-se entender o motivo pelo qual vai
querer repetir a experiência. Esse hábito, chamado memória coletiva é um processo natural
para o ser humano e, mais ainda, para o homem religioso, sendo desnecessário direcionar o
caminhar dessas pessoas, até porque cada grupo desenvolve um padrão diferente de circulação
e apropriação do espaço (MAÇANEIRO, 2011).
Um bom exemplo dessa negação a espaços que não tem valor sagrado para o
homem religioso é o Centro de Apoio ao Romeiro, hoje é denominado de Centro Multiuso,
pois se tornou obsoleto na cidade. A tentativa de concentrar serviços para os romeiros,
atraindo-os para um só lugar não funcionou pois não tem valor sentimental ou sagrado para
eles. Daí se questiona se os romeiros caminhariam dentro de tal perímetro demarcado ou se tal
tipologia não acabaria por acarretar a desvalorização dos marcos principais da paisagem, que
são os pontos já citados.
Outro ponto que deve ser comentado é que o projeto estruturante “Roteiro da Fé”
menciona em seu contexto que essa iniciativa trará vantagens econômicas ao poder público,
através da arrecadação de impostos. A questão que surge é saber se a sua aplicabilidade não
acarretaria, na área central, o fenômeno da gentrificação, que, em linhas gerais, é a
supervalorização de um território, antes degradado, que após reformas e investimentos se
torna um local com custo de vida caro, impossível de ser sustentado e que por isso, acaba por
excluir os antigos habitantes.
Aqui vale lembrar que o próprio PDDU menciona que a maioria dos romeiros são
de baixa renda, ou seja, não poderiam pagar por hospedagens na área central, local que, pelas
circunstâncias sagradas, atrai a maioria dos visitantes. Como eles suportariam um custo de
vida tão alto? Será que deixariam de fazer a romaria, por não terem condições financeiras ou
criariam outros núcleos em locais sagrados para ficar? Que consequências isso acarretaria?
São questões que surgem diante das informações oferecidas no projeto.
Concorda-se com a ideia de que a cidade é um complexo social vivo e dinâmico,
portanto está sujeita a receber novas intervenções, porém, estas devem ser coerentes com as
necessidades do local. Claro que o estado depende de impostos e dessa frequência de
85 

visitantes, porém, os projetos devem ser bem pensados para que a vocação principal da cidade
seja preservada.
Acredita-se que os limites do sagrado e do profano devem ser estudados,
compreendidos, para que as ações sejam efetivas e positivas para todos os atores envolvidos
na vivência da cidade sagrada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, André. Romaria da Candeias começa neste fim de semana. Diário do Nordeste.
Fortaleza, Caderno Regional, p. 4, Janeiro. 2017.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Juazeiro do Norte:


sendo de 2010. Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=230730&search=ceara|juazeiro-
do-norte. Acesso em: nov./2017.

JUAZEIRO DO NORTE. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Juazeiro do Norte:


Prefeitura do Município de Juazeiro do Norte, 2000A.

JUAZEIRO DO NORTE (cidade). Projeto estruturante “Roteiro da Fé”. Juazeiro do Norte:


Prefeitura do Município de Juazeiro do Norte, 2000B.

MAÇANEIRO, Marcial. O labirinto sagrado: ensaios sobre a religião, psique e cultura.


São Paulo: Paulus, 2011.

MEDINA, Daniela. Ranchos de romeiros: tradição e persistência. Cariri Revista. Disponível


em: http://caririrevista.com.br/ranchos-de-romeiros-tradicao-e-persistencia/. Acesso em
ago./2017.

SANTIDRIÁN, Pedro R. Dicionário básico das religiões. Aparecida: Editora Santário, 1996. 
86 

5. PROPOSTA DE METODOLOGIA DE TRABALHO

Diante das informações apresentadas sobre a cidade sagrada e dos dados


coletados a partir do estudo da morfologia e paisagem de Juazeiro do Norte, seguido de uma
análise do “Roteiro da Fé” e das percepções dos romeiros sobre a cidade, tornou-se
possível, segundo já foi apresentado como objetivo geral deste trabalho, propor uma
metodologia de trabalho que direcione arquitetos e o poder público no planejamento da
cidade sagrada a partir das dimensões psicológicas, simbólicas e físicas de forma a melhor
atender as necessidades de romeiros e moradores.
Para tanto, será elaborada uma metodologia, que, diferente do “Roteiro da Fé”,
não contemple apenas uma ligação entre os marcos sagrados da cidade através de corredores
estruturados por uma nova tipologia arquitetônica, mas que também integre ao sagrado
novas redes de infraestrutura urbana condizentes com as necessidades identificadas em cada
área.
A metodologia desenvolvida possui seis etapas, as quais foram pensadas a partir
das referências apresentadas anteriormente neste estudo, e tais etapas estão dispostas em
quadros. Na primeira linha do quadro, descreveu-se o objetivo da etapa a que se refere o
quadro, na segunda linha, foram citadas as referências bibliográficas que ofereceram os
subsídios para o desenvolvimento de cada etapa e, na terceira linha, explica-se a relevância
desta etapa para o processo da metodologia. A seguir seguem os quadros anunciados:

QUADRO 1 – Primeira etapa da Metodologia


Identificar o local onde ocorreu a hierofania. Em seguida, analisar
OBJETIVO como se deu o processo de aglomeração de pessoas e, finalmente,
como ocorreu a escolha do lugar sagrado.
DURKEIM (1996)
PRIMEIRA ETAPA

REFERÊNCIAS ELIADE (1992)


MAÇANEIRO (2011)
PASTRO (2010)
Conforme apresentado no capítulo 2, nos itens 2.1 e 2.3 deste
trabalho, percebe-se que tal etapa é fundamental para entender
onde se iniciou a devoção no lugar sagrado e, consequentemente,
RELEVÂNCIA
o início da cidade. Esse conhecimento permitirá que se avalie as
dimensões que o sagrado alcançou na cidade e como se deu essa
expansão, indicando também os espaços sagrados secundários.
Fonte: elaborado pela autora
87 

QUADRO 2 – Segunda etapa da Metodologia


OBJETIVO Elaborar um estudo sobre o contexto histórico, cultural e
econômico do lugar. 

COSTA (2009) 

COULANGES (2009)
REFERÊNCIAS
MACHADO (2007) 
SEGUNDA ETAPA

MUNFORD (1998) 

WILLAIME (2012)

No capítulo 2, subcapítulos 2.2 e 2.3, foi explanado como as


cidades surgiram, a partir de uma manifestação sagrada. Foi
explicado também que o contexto cultural é capaz de influenciar
RELEVÂNCIA tanto o espaço sagrado quanto a formação e o crescimento das
cidades. Acredita-se que, assim, será possível obter-se indícios
dos ritos criados no decorrer da história e a forma de apropriação
e uso dos espaços públicos por parte dos romeiros e habitantes.
Fonte: elaborado pela autora

QUADRO 3 – Terceira etapa da Metodologia


OBJETIVO Elaborar um estudo da morfologia e paisagem urbana da cidade
sagrada. 

REFERÊNCIAS LYNCH (2011) 

CULLEN (2013)
TERCEIRA ETAPA

No capítulo 4, foi apreciada a importância de se elaborar o estudo


da morfologia e paisagem de uma cidade de valor sagrado.
Através de tal análise identificar-se-á como se deu o crescimento
da cidade, qual foi o tipo de traçado urbano que se estabeleceu,
RELEVÂNCIA bem como os locais de maior apropriação por parte dos usuários,
o uso do solo, a identificação de eixos de maior intensidade de
circulação de romeiros, além das relações desenvolvidas nesses
espaços por conta do aludido valor sagado, dentre outros
aspectos. Esta leitura torna-se fundamental para apreender a
dinâmica da cidade sagrada e como ela se estrutura em
consequência disso.
Fonte: elaborado pela autora
88 

QUADRO 4 – Quarta etapa da Metodologia


Elaborar um questionário e aplicá-lo junto aos romeiros e
OBJETIVO moradores locais, conhecendo as suas percepções sobre a cidade
sagrada, bem como reconhecendo as suas necessidades quanto
aos equipamentos públicos, para um melhor desenvolvimento das
atividades religiosas nos períodos de romarias. 

COSTA E DINIZ (20--?)

CULLEN (2013) 
REFERÊNCIAS
LYNCH (2011) 

SOUZA (2002)
QUARTA ETAPA

No capítulo 3, explicou-se a importância de o poder público


firmar parcerias com a população local e instituições religiosas,
de forma a promover a melhoria desses eventos. Verificou-se
que, através da melhoria da oferta de serviços para os romeiros,
de uma maior organização dos eventos religiosos, e de bons
RELEVÂNCIA investimentos na infraestrutura urbana, oferece-se mais qualidade
de vida nessas cidades de valor sagrado, e por consequência, uma
melhor satisfação na experiência religiosa. Já no capítulo 5
explanou-se a importância de se conhecer as percepções e
vivências dos romeiros e habitantes locais, bem como os seus
anseios, o que proporcionará a elaboração de projetos mais
eficientes e coerentes com a realidade local.
Fonte: elaborado pela autora
89 

QUADRO 5 – Quinta etapa da Metodologia


Identificar as vias onde ocorre o fluxo mais intenso de romeiros,
OBJETIVO com o intuito de analisar quais as atividades e uso do solo que se
desenvolve nesses eixos de circulação. 

COSTA E DINIZ (20--?)


REFERÊNCIAS CULLEN (2013) 

LYNCH (2011)
No capítulo 3, através da análise das cidades de Santiago de
Compostela, Fátima, Aparecida do Norte e Meca, apresentou-se
como os eixos de romaria se formam, levando os romeiros ao
QUINTA ETAPA

lugar sagrado. Viu-se também como surgem equipamentos e


serviços para dar suporte aos romeiros. Posteriormente, no
capítulo 4, demonstrou-se, através dos métodos de Kevin Lynch e
Gordon Cullen, a possibilidade de marcar os pontos de maior
RELEVÂNCIA apropriação dos espaços livres, por parte dos usuários. Percebeu-
se também que podem ser identificadas outras características,
como os pontos nodais, os marcos visuais, os pontos de maior
valor sentimental para os romeiros e habitantes. Outra questão
importante a se identificar, diz respeito às vias de maior fluxo de
romeiros e quais atividades são desenvolvidas nesses eixos, de
forma a melhor atender os fiéis. Este tipo de informação contribui
para o entendimento de como esses espaços são utilizados, qual a
relevância para o processo das romarias e como se deve organizar
os parâmetros urbanísticos em tais eixos de circulação.
Fonte: elaborado pela autora
90 

QUADRO 6 – Sexto passo da Metodologia


OBJETIVO Classificar as vias de maior fluxo de circulação de romeiros com
relação ao seu valor simbólico.
COSTA (2009) 

CULLEN (2013) 

DURKEIM (1996)
REFERÊNCIAS
ELIADE (1992)
MAÇANEIRO (2011)
PASTRO (2010)
LYNCH (2011)
Nos capítulos 2 e 3, mencionou-se que, a partir da manifestação
da hierofania, um grupo de pessoas passa a se organizar, tendo
por consequência a formação de uma cidade. Os símbolos que se
desenvolvem a partir dos rituais, da cultura e da história desse
povo, vão determinar a forma que se vivencia em tal lugar. Já no
SEXTA ETAPA

capítulo 4, segundo Lynch e Cullen, foi explicado que os lugares


de maior ou menor apropriação por parte da comunidade,
determinam a distribuição de equipamentos, usos do solo e
inclusive, por sua intensidade de uso, podem tornar-se marcos
visuais na paisagem urbana. Portanto, através da identificação das
RELEVÂNCIA vias de maior fluxo de romeiros, dos marcos visuais e da
apropriação dos espaços públicos, torna-se possível elaborar uma
classificação das vias de maior intensidade de uso por parte dos
romeiros, tendo sido estes dados identificados na leitura
morfológica e da paisagem do lugar. Para tanto, pensou-se em 3
categorias: alto valor simbólico, médio valor simbólico e baixo
valor simbólico. Cada uma dessas categorias, foram
dimensionadas através do cruzamento das seguintes informações
que deverão ser analisadas durante a aplicação: intensidade de
fluxo nas vias dos eixos de romaria, diversidade de serviços
oferecidos, locais de maior apropriação e locais de maior valor
simbólico.
Fonte: elaborado pela autora
91 

Acredita-se que a metodologia desenvolvida para o presente estudo permitirá o


desenvolvimento de condicionantes urbanísticos específicos para cada classe de via, sendo
possível determinar o tipo de uso do solo adequado a tais regiões e parâmetros como
gabarito, acessibilidade, dentre outras ações.

5.1 Aplicação da metodologia em Juazeiro do Norte


A metodologia acima descrita pode ser aplicada a qualquer cidade, em qualquer
lugar do mundo, e tendo como referência qualquer doutrina religiosa, porém, no presente
trabalho, escolheu-se aplicá-la na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará.

QUADRO 7 – Primeira etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte


Identificar o local onde ocorreu a hierofania, em seguida, analisar
OBJETIVO como se deu o processo de aglomeração de pessoas e, finalmente,
como ocorreu a escolha do lugar sagrado.
A cidade teve o primeiro momento de hierofania quando Padre
Cícero afirmou que após o sonho onde Jesus Cristo pedia que
cuidasse de seus filhos, iniciou os trabalhos paroquiais trazendo
PRIMEIRA ETAPA

melhorias e apoio para a população da cidade. A partir do respeito


que ele adquiriu diante comunidade, somado à devoção à Nossa
Senhora das Dores, deu-se início a um agrupamento cada vez maior
APLICAÇÃO de seguidores. Posteriormente, foi iniciada a construção da nova
igreja da comunidade em homenagem à Santa, a quem creditavam os
milagres de chuva em meio à seca do sertão nordestino.
Posteriormente, com outro milagre, onde a hóstia se tornou sangue
na boca da beata Maria de Araújo, a cidade se viu diante de um
crescimento de dimensões ainda maiores, deixando de ser sagrada
apenas para as pessoas da comunidade e passando a ser conhecida
em todo o mundo.
Fonte: Elaborado pela autora
92 

QUADRO 8 – Segunda etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte


OBJETIVO Elaborar um estudo sobre o contexto histórico, cultural e econômico
do lugar. 

Quanto ao contexto histórico, Juazeiro fica em meio ao sertão e era


habitada por uma população muito pobre e desassistida pelas
SEGUNDA ETAPA

autoridades. Chega então um padre que resolve olhar por eles e


mostrar que poderiam ter um futuro mais digno se dedicassem suas
APLICAÇÃO vidas à fé e ao trabalho. Além disso, o padre dava conselhos sobre a
natureza, oferecia remédios naturais que curava doenças, que muitas
vezes eram causadas apenas por falta de higiene, além de rezar junto
do povo pedindo por chuva. Em meio a tanta pobreza, o povo
começou a criar forças para mudar, e encontrando apoio nas mãos de
Padre Cícero, ocorreu o crescimento esplendoroso de uma cidade em
meio ao sertão nordestino.
Fonte: Elaborado pela autora

QUADRO 9 – Terceira etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte


OBJETIVO Elaborar um estudo da morfologia e paisagem urbana da cidade
sagrada. 
TERCEIRA ETAPA

No capítulo 4, elaborou-se uma análise morfológica da cidade de


Juazeiro, onde se identificou a partir de que ponto a cidade cresceu,
APLICAÇÃO seu tipo de traçado urbano, os locais onde ocorre uma maior
apropriação por parte dos romeiros, os usos do solo nas ruas de
maior fluxo e relações desenvolvidas nesses espaços por conta do
valor sagado.
Fonte: Elaborado pela autora
93 

QUADRO 10 – Quarta etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte


Elaborar um questionário e aplicá-lo junto aos romeiros e moradores
OBJETIVO locais, conhecendo as suas percepções sobre a cidade sagrada, bem
como reconhecendo as suas necessidades quanto aos equipamentos
públicos, para um melhor desenvolvimento das atividades religiosas
nos períodos de romarias. 
QUARTA ETAPA

No capítulo 5, foi possível perceber através de entrevistas com a


comunidade, como as romarias são importantes não apenas para os
romeiros, mas também para os habitantes da cidade. Ambos têm um
APLICAÇÃO carinho muito grande pelo lugar e por seu fundador, o que é
demonstrado na forma que vivenciam a cidade e na forma como
acham que ela deve ser tratada, independente dos problemas que
ocorrem nesta demonstração de fé.
Fonte: elaborado pela autora

QUADRO 11 – Quinta etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte


Identificar as vias onde ocorre o fluxo mais intenso de romeiros,
OBJETIVO com o intuito de analisar quais as atividades e uso do solo que se
desenvolve nesses eixos de circulação. 
QUINTA ETAPA

Como analisado no capítulo 4, foi observado que as vias de maior


fluxo na cidade durante as romarias são: Rua Padre Cícero,  Rua São
Pedro, Rua São José, Avenida Monsenhor Barreto, Rua do Horto, Rua da
APLICAÇÃO Matriz, Rua Floro Bartolomeu, Rua do Cruzeiro, Rua São Francisco, Rua
Santa Luzia, Rua Leão XIII. Para uma melhor compreensão, as ruas foram
divididas de acordo com sua direção, sentido norte/sul e sentido
leste/oeste. Após a identificação das vias de maior fluxo de pessoas, fez-se
um levantamento de seus respectivos usos (QUADROS 11 e 12) 

Fonte: elaborado pela autora


94 

QUADRO 12 – Uso do solo nas ruas no sentido Norte/Sul


Sagrado (Basílica Nossa Senhora das Dores e Igreja do Sagrado
Coração de Jesus), comercial, residencial, institucional (Centro
Rua Padre Cícero Multiuso e Colégio dos Salesianos), serviços de hospedagem (ranchos)
e lazer (Praça Padre Cícero e apropriação das calçadas como áreas de
convivência por parte dos moradores e romeiros que mantêm o hábito
de sentar nas calçadas para conversar)
QUINTA ETAPA

Rua São Pedro Sagrado (Basílica Nossa Senhora das Dores), comercial, residencial e
lazer (Praça Padre Cícero e apropriação das calçadas como áreas de
convivência)

Rua São José Sagrado e institucional (Casa do Padre Cícero: Museu), comercial e
residencial.

Avenida Residencial, comercial, institucional (escola pública), serviços de


Monsenhor Barreto hospedagem (ranchos) e lazer

Rua do Horto e Sagrado (caminho do Horto com via Sacra e Estátua do Padre Cícero e
Colina do Horto Igreja do Bom Jesus do Horto), residencial, comercial, institucional
(Casa de retiro do Padre Cícero) e lazer

Fonte: elaborado pela autora

QUADRO 13 – Uso do solo nas ruas no sentido Leste/Oeste


Rua da Matriz Sagrado (Basílica Nossa Senhora das Dores), comercial,
residencial, serviços de hospedagem (ranchos) e lazer
(Praça da Matriz)

Rua Floro Bartolomeu Sagrado (Basílica Nossa Senhora das Dores), comercial,
residencial, institucional (Casa Mãe das Dores – apoio à
Matriz)
QUINTA ETAPA

Rua do Cruzeiro Comercial, residencial e lazer (Praça Padre Cícero)

Rua São Francisco Comercial, serviços (terminal de ônibus), serviços de


hospedagem (hotel) e lazer (Praça Padre Cícero)

Rua Santa Luzia Sagrado (Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e


cemitério), comercial, residencial, serviços de hospedagem
(ranchos) e lazer (Praça em frente a igreja)

Rua Leão XIII Sagrado (do Sagrado Coração de Jesus e Igreja dos
Franciscanos), comercial, residencial

Fonte: elaborado pela autora


95 

QUADRO 14 – Sexta etapa da Metodologia aplicada em Juazeiro do Norte


OBJETIVO Classificar as vias de maior fluxo de circulação de romeiros com
relação ao seu valor simbólico.
SEXTA ETAPA

Após a identificação das vias de maior fluxo de circulação de


romeiros, indicação dos locais de maior apropriação por parte dos
romeiros e população local, demonstrando seu valor simbólico, foi
APLICAÇÃO
feita uma classificação quanto a estes valores: alto valor simbólico,
médio valor simbólico e baixo valor simbólico. Para uma melhor
compreensão, as ruas foram divididas de acordo com sua direção, sentido
norte/sul e sentido leste/oeste (QUADROS 14 e 15.) 

Fonte: elaborado pela autora

QUADRO 15 - Classificação de vias de maior fluxo segundo seu valor simbólico - ruas no sentido Norte/Sul
Rua Padre Cícero Alto valor simbólico
SEXTA ETAPA

Rua São Pedro Baixo valor simbólico

Rua São José Médio valor simbólico

Avenida Monsenhor Barreto Baixo valor simbólico

Rua do Horto Alto valor simbólico

Fonte: elaborado pela autora

QUADRO 16 - Classificação de vias de maior fluxo segundo seu valor simbólico - ruas no sentido
Leste/Oeste
Rua da Matriz Alto valor simbólico

Rua Floro Bartolomeu Médio valor simbólico


SEXTA ETAPA

Rua do Cruzeiro Baixo valor simbólico

Rua São Francisco Baixo valor simbólico

Rua Santa Luzia Alto valor simbólico

Rua Leão XIII Médio valor simbólico

Fonte: elaborado pela autora, 2017


96 

Diante das informações coletadas, é possível obter uma melhor leitura da cidade,
o que permitirá ao poder púbico desenvolver ações coerentes com as necessidades e os
fluxos de romeiros, criando eixos de romaria hierarquizados, bem como delimitando essa
área de abrangência dos limites do sagrado, que, como se viu no caso de Juazeiro,
frequentemente expande-se dos limites geográficos dos bairros e até da cidade.
Assim, tornar-se-á possível também, proteger tais caminhos e a paisagem com
marcos simbólicos visualizada a partir desses circuitos, evitando criar descaracterizações ou
barreiras visuais, além de oferecer maior eficiência no atendimento dos usuários, através de
coerência na oferta de serviços e equipamentos públicos.
Apesar de ter sido aplicado em Juazeiro do Norte, acredita-se que essa
metodologia pode ser aplicada no estudo de qualquer cidade de valor sagrado. A intenção da
autora é que este seja o passo inicial que deveria ser adotado por projetistas e poder público
para a identificação de uma área com esse tipo de potencial, tornando o lugar trabalhado em
uma cidade que sustente seus valores sagrados e ofereça uma melhor experiência religiosa
aos romeiros além de uma melhor qualidade de vida aos habitantes locais.
97 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No livro As cidades invisíveis, Ítalo Calvino (2002) apresenta as histórias do


viajante veneziano Marco Polo, onde o protagonista descreve para o imperador Kublai Khan
as cidades que visitou. Dentre as várias descrições, uma chama a atenção: a cidade de Tamara:

[...] Finalmente, a viagem conduz à cidade de Tamara. Penetra-se por ruas cheias
de placas que pendem das paredes. Os olhos não veem coisas, mas figuras de
coisas que significam outras coisas: o torquês indica a casa do tira-dentes; o jarro,
a taberna; as alabardas, o corpo de guarda; a balança, a quitanda. Estátuas e
escudos reproduzem imagens de leões delfins torres estrelas: símbolo de alguma
coisa – sabe-se lá o quê- tem como símbolo um leão ou delfim ou torre ou estrela.
Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar – entrar na viela
com carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte- e aquilo que é
permitido – dar de beber às zebras, jogar bocha, incinerar o cadáver dos parentes.
Na porta dos templos, veem-se as estátuas dos deuses, cada qual representando
seus atributos: a cornucópia, a ampulheta, a medusa, pelos quais os fiéis podem
reconhece-los e dirigir-lhes a oração adequada. Se um edifício não contém
nenhuma insígnia ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na organização da
cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a casa da moeda,
a escola pitagórica, o bordel. Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem
em suas bancas valem não por si próprias, mas como símbolos de outras coisas: a
tira bordada para a testa significa elegância; a liteira dourada, poder; os volumes
de Averróis, sabedoria a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade. O olhar
percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você
deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando
Tamara, não faz nada além de registrar nomes com os quais ela define a si própria
todas as suas partes.
Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que
contém e o que esconde, ao sair de Tamara é impossível saber. Do lado de fora, a
terra estende-se vazia até o horizonte, abre-se o céu onde correm nuvens. Nas
formas que o acaso e os ventos dão às nuvens, o homem se propõe a reconhecer
figuras: veleiro, mão, elefante... (CALVINO, Ítalo, 2002. p.17-18)

Em sua descrição, Marco Polo mostra como a cidade fala por ela mesma, como a
memória já estabelecida nos anos de história e evolução humana, criam uma linguagem
onde todos, mesmo os visitantes, compreendem. A posição dos prédios importantes é outro
ponto que chama a atenção, pois, segundo o autor, a Arquitetura fala por si, não sendo
necessárias placas para descrevê-los. Tamara é uma cidade imaginária, porém, ela
representa o que ocorre em cidades reais.
Seguindo esse raciocínio, pode-se perceber que a cidade fala por ela, pois é feita
pelo homem, que projeta na construção de vias e edificações seus anseios, necessidades, sua
cultura e tece sobre essa grande malha sua história. Saber compreender esse tecido urbano é
uma das incumbências do arquiteto e urbanista e de todos os gestores públicos e agentes
participantes da construção das cidades. Essa postura implica dizer que, para continuar a
expansão dessa malha, ou adaptá-la às necessidades que surgem com o passar dos anos, os
profissionais e gestores deverão executar ações planejadas de forma adequada.
98 

Porém, para essa compreensão ser completa, os agentes pensantes da cidade


deverão acatar também os reclamos dos seus moradores, sem os quais as cidades não
existiriam. Assim, acredita-se que, conciliando-se o estudo técnico do tecido urbano aos
anseios dos seus usuários, obter-se-ão projetos mais completos, duradouros, sustentáveis,
resilientes e com maior raio de abrangência.
As cidades de valor sagrado detêm uma característica diferente, pois são
vivenciadas pelo homem religioso, que desenvolve relações alheias a outros aspectos
cotidianos. Para este, o que importa é sua relação com o local que acredita ser sagrado, não
importando as circunstâncias ou o que mudou em torno de tal lugar com o passar dos anos.
A cidade de Juazeiro do Norte é um desses casos especiais, principalmente por
estar localizada em uma das regiões mais pobres do país, castigada por longos períodos de
estiagem, porém, contraditoriamente, em um lugar que muitos julgam não ter um futuro
promissor é onde justamente o o povo sofrido do nordeste brasileiro encontra conforto nas
tribulações da vida.
O verdadeiro milagre, em Juazeiro, parece ser justamente essa esperança que
não acaba, sentimento esse plantado pelo “padim” Cícero, assim carinhosamente chamado
pelos seus devotos. A autora vivenciou durante suas visitas às romarias várias manifestações
desse carinho, quando romeiros, com os olhos marejados, se despediam olhando para a
estátua de seu protetor, disposta no alto da colina do Horto, e davam um ‘até logo’, pedindo-
lhe a bênção.
A autora acredita que o poder público deve pensar na população local ao projetar
esses espaços. Isso significa dizer que deverá se preocupar em propiciar bem-estar social a
esse povo humilde, que com o pouco que tem contribui financeiramente para a cidade e
contribui para sua fama de sagrada reconhecida em todo o mundo.
Ao propiciar boa acolhida aos romeiros implica em procurar ver a questão
também através de sua ótica religiosa, sem impor-lhe rotas forçadas. O sagrado e o profano,
como diz Eliade (1992), são duas forças antagônicas que se complementam, uma não
existindo sem a outra e isso deve ser refletido no planejamento de projetos nesse tipo de
cidade.
Acredita-se que as propostas apresentadas poderão constituir subsídios úteis aos
gestores públicos locais, que desenvolverão projetos que respeitam a morfologia da cidade e
não agridam a paisagem simbólica destas. Existem outros aspectos que deverão ser
estudados futuramente, para propiciar uma maior firmeza na manutenção de uso e ocupação
do solo, minimizando os conflitos de interesses.
99 

A autora acredita que este trabalho tem potencial para ser implantado em
cidades de caráter sagrado, seja no Brasil ou exterior, independente da crença religiosa
adotada. Pretende-se, como proposta de estudo futuro, considerar-se a elaboração de um
manual de diretrizes de zoneamento urbano, abrangendo propostas de condicionantes
urbanísticos específicos para esse tipo de área, bem como diretrizes de uso e ocupação do
solo, além da criação de planos de acessibilidade, bolsões de espaços livres,
estrategicamente implantados, parâmetros de conforto térmico, dentre outros. Todos esses
tópicos delineados deverão ser trabalhados e norteados na perspectiva do valor simbólico,
tão importante para o homem religioso e as cidades sagradas.
100 

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOFF, Lina. Aparecida: 300 anos de romaria em prece. 1ª ed. São Paulo: Paulinas, 2017.

CALVINO. Ítalo. As cidades invisíveis. Italo Calvino; tradução Diogo Mainardi. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.

CAMINHO DE APARECIDA. Mapa de peregrinação a Aparecida do Norte. Disponível


em: http://www.caminhodeaparecida.com.br/?act=pagina&page=mapa. Acesso em:
nov./2017.

CEARÁ. Perfil Municipal: Juazeiro do Norte. IPECE – Instituto de Pesquisa e estratégia


Econômica do Ceará, 2016.

CONFRADES E AMIGOS DOS CAMINHOS DE SANTIAGO DE COMPOSTELA, SÃO


PAULO – CACSC – SP. A história do caminho. Disponível em:
https://www.santiago.org.br/index.php. Acesso em: nov/2017.

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