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A DITADURA DO MAU-HUMOR
São Paulo
2
2018
RUBEN PIROLA FILHO
A DITADURA DO MAU-HUMOR
AGRADECIMENTOS
A Deus e Pai do meu Senhor Jesus, a quem amo e sirvo, e que me curou do
meu mau-humor e que me ajuda a me manter assim e com olhos de graça diante de
Aos meus amados pais (mãe e à memória do meu velho, inspiração e exemplo
Davi e Felipe, que me fazem olhar para o futuro com esperança e ...graça.
Aos meus companheiros de trabalho cristão – muitos dos quais estão presentes
nesta pesquisa e que muito deram de si para viabilizarem uma igreja cristã coerente
com o seu chamado e missão neste país, e da minha comunidade A Casa da Rocha,
que me apoia e me isentou de muitos dos meus afazeres para este trabalho.
profunda gratidão, em especial à minha orientadora profa. Dra. Lidice Meyer Pinto
nesses dois últimos anos e em especial, ao apoio e incentivo da minha amiga profa
Sueli Silva.
Sola Scriptura, sola Fide, sola Gratia, solus Christus, soli Deo gloria!
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RESUMO
ABSTRACT
This study analyzed the development of a new posture and consequently a new
language of religious propaganda emerged in the Brazilian evangelical movement
during the period of the military regime, more humorous and better contextualized
culturally. It was a qualitative research, based on references in the movement, which
had a crucial importance at that time, bringing a contribution in the arts –music,
puppet animation, graphic arts, print communication and also in the development of
a new generation of believers – establishing new patterns of behavior and languages
within the scope of religious experience. The methodological procedures adopted
were mainly recording the observations with photos, musical recordings, audio
records and interviews. The theoretical basis of the study was primarily based on the
references of sociology and the anthropology of religions, arts and communication.
Analyzes and interpretations of the data revealed that humor and religion should not
be separated or viewed as irreconcilable. It was also possible, from the analyzes
carried out, to perceive a permanent tension between humor and institutionalized
religion, especially among those who still wish to remain in power within the religious
field, even at the expense of their ideals and profession of faith. The humor that
makes a speech light, also threatens those who cannot see lightness or naturalness
in relation to the Immanent, the Godhead. The analysis also revealed that humor can
be a powerful ally in communicating the values of spirituality and the Christian
religion. Those who took advantage of it, managed to gather more followers, touching
the Brazilian culture much more effectively, even before they even had access to
mass media.
Sumário
Introdução......................................................................................................11
história.................................................................................................14
XVI......................................................................................................33
vivência do sagrado.............................................................................85
sua cultura...........................................................................................87
juventude...........................................................................................114
4. Considerações finais....................................................................................156
Referências Bibliográficas......................................................................................163
Apêndice................................................................................................................167
9
Lista de figuras
Introdução
enxergam a sua onipresença mesmo que nos interlúdios cômicos de uma vida levada
à sério.
Esta pesquisa pretende analisar como o humor foi usado como linguagem – na
como uma afronta à vida penitente do fiel, apesar das afirmativas e registros bíblicos
resistência ao clima que perdurara mais de uma década, o humor emerge com força,
ainda mais para o mau humor que se instaurou após a deflagração do golpe militar.
Apesar disso, este trabalho questiona como o humor se apresenta na relação com o
1
O termo movimento cristão protestante e evangélico brasileiro, utilizado nessa dissertação, tem uma
definição sociológica que se refere ao campo religioso formado pelas denominações cristãs nascidas na e
descendentes da Reforma Protestante europeia do século XVI, ou pertencentes ao ramo do protestantismo
histórico (Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista e Batista). Embora utilizemos aqui
também o termo igreja evangélica, tanto para o protestantismo histórico como também para o ramo
pentecostal: Congregação Cristã do Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo,
Deus é Amor, Casa da Benção e Universal do Reino de Deus, (MARIANO, 1999, p. 10). Nesta análise,
destacamos dentro deste último grupo, a denominação das Assembleia de Deus como a maior e mais antiga
denominação.
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apontamos as crises geradas por uma postura até incoerente no meio evangélico e
protestante com as suas próprias bases de fé, e que antecederam um novo tempo
na sua espiritualidade.
surgiram nos anos anteriores ao período do nosso estudo na Europa e nos Estados
espiritualidade e mais ainda poderoso, numa contextualização nunca antes vista, dos
intervenientes que protagonizaram uma nova era, que souberam aliar valores
e que estiveram na gênese de uma arte cristã evangélica, reformada autóctone, tais
ex-humorista e escritor, que já nos idos de 1950 já fazia humor nos palcos do país;
organização de grupos musicais que recebiam treinamento e que por sua vez,
reproduziam o modelo nas suas igrejas, e talvez, o maior incentivador de uma nova
com ritmo e poesia nacionais, com participação em mais de 300 produções musicais,
O humor sempre foi visto como uma ameaça ao sagrado, uma profanação no
institucionalizada. Mas essa é uma marca do ser humano, nos diferenciando dos
outros animais. O humor revela uma necessidade humana de sentir bem, prazer e
ele sempre buscará ser parte do seu meio e de estabelecer uma relação de troca
Ele não só faz rir, mas também incomoda, no sentido em que afronta e o faz
com poder tal que também aproxima até pessoas de posições e ideias conflitantes.
Colson (2002) afirma ainda que o humor pode ser construído pelo falante ao
refere. As funções do humor são discutidas nos estudos de Freud (1905) que sugere
que seu objetivo seja: a) fazer do ouvinte/leitor um aliado contra a pessoa de quem
se deseja expressar julgamento hostil - o prazer provocado pelo riso faz com que ela
(2000) chega a atribuir ao humor um caráter político, em que a sua ocorrência pode
conflitos.
Na sua obra sobre o Riso, Berger, percebe que esse modo de interpretar a vida,
tão natural como ato de enxergar, vendo, claro, para além do que se vê. Ele define
atribuído ao homem, o autor, citando ainda Henri Bergson, na sua obra O Riso (Le
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Jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão, às 13h53 do dia 28/11/2017
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belo. Ele afirma que essa natureza não é apenas um processo fisiológico, mas
que a experiência cômica, assim como a estética (talvez como uma variante desta)
dirigido ao infortúnio dos outros refletiria a nossa suposta superioridade, ideia que
pode ser encontrada em autores como Platão, Aristóteles, Thomas Hobbes e outros.
[1905]), que analisa o humor e o riso em termos de uma função catártica, isto é, em
termos da liberação de energia psíquica que ocorre quando rimos de algo que, de
ela envolve (ou gera) uma percepção distintiva da realidade. O que provoca o riso é
incongruência.
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incongruência subjacente que possa ser observada, acima e para além das
Ele afirma na sua obra, que é possível que o senso de humor perceba,
de situar-se fora de si. Ele é o único animal capaz com capacidade de ação e não
ter um corpo colapsa, o corpo assume o controle e tanto o riso quanto o choro
manifestam essa queda, num processo que não é apenas físico, mas também
incongruência no nosso dia a dia, como por exemplo, quando, num culto, na igreja,
em meio ao mais solene dos momentos e isso, não pode ser experimentado por um
chimpanzé.
sério, é a percepção mais séria dessa vida, mesmo quando caminha “longe demais”,
que as encarnam. Isto, é claro, tem a resistência dos que interpretam os textos
sagrados e falam em Nome de Deus. Não é por acaso que os ditadores não admitem
Henri Bérgson em "O riso - ensaio sobre a significação do cômico", afirma que
o riso tem um caráter social e o homem está no centro dessa manifestação, sendo o
fio condutor do humor e o seu riso o dos outros e sobre os outros - é uma forma de
libertação.
multidão medíocre de homens privados da razão”, observa Alberti (1999, pg. 45).
Bakthin afirma
3
Charge é a modalidade do desenho gráfico carregado de leitura crítica, ideológica, e onde, diferente do
cartum, se permite que identifique personalidades e fatos pontuais e não simplesmente representam situações
do cotidiano.
4
Quem disse isso? Folha de São Paulo, 26.02.06.
19
Idade Média. Pelo contrário, o riso supõe que o medo foi dominado.
O riso não impõe nenhuma interdição, nenhuma restrição. Jamais o
poder, a violência, as autoridades empregam a linguagem do riso. (pg
78)
encontrava saúde no riso. Para Aristóteles, "O homem é o único ser vivente que ri".
cristã, sempre foi visto com reservas e não poucos autores são unânimes em negar
ao juízo divino não parecem aceitar bem a afronta que o humor representa. A virtude
tal como a define a religião cristã não permite o riso como o faz algumas religiões
Cordeiro de Deus, o Cristo. Pois o pensador e filósofo alemão certamente tinha isso
Berger chegou a afirmar que “não parece haver nenhuma história geral do
A constatação que “o cristianismo é pouco propício ao riso” e que ele não seria
natural nessa religião, séria por excelência, Georges Minois - o autor de História do
Riso e do Escárnio – afirma categórico que as suas origens, os seus dogmas e a sua
da cultura judaica.
Aliança”, há registros, que afirmam que o Todo Poderoso afinal, também ri de toda
verso 4: “Do seu trono nos céus o Senhor põe-se a rir e caçoa deles”, ou do 37, verso
13: “o Senhor, porém, ri dos ímpios, pois sabe que o dia deles está chegando”, ou
sua reação de escárnio, diante dos povos inimigos: “Mas tu, Senhor, vais rir deles;
numa patente reação de falta de crédito à palavra do Altíssimo, não consta que
15).
No livro do profeta Isaías que como todo profeta, replicava seriamente a palavra
do seu Deus, há o registro mais que irônico, atribuída ao Deus dos hebreus
exclusividade do divino em que, termina numa ironia impensável para alguém que
fosse uma declaração de um fiel, certamente enfrentaria ele a fúria dos sacerdotes,
séculos, questionou-se se Jesus teria ou não alguma vez rido, uma vez que não se
encontra em todo o texto do Novo Testamento, um só registro sobre isso. Sobre ter
chorado, há memória e foi incluída, em João 11, capítulo 35, mas não de um riso do
Messias sequer. Contra ele, há registros de terem dele rido quando afirmou, em
22
Lucas 8:34 e 35, “Ela não está morta, mas dorme", sobre uma menina que jazia já
sem vida, pouco antes de tê-la ressuscitado. Ou quando nos seus últimos momentos
Deus, o Escolhido’".
aparece naquele que foi o seu primeiro milagre relatado, num casamento, em Caná
da Galiléia e não há qualquer nota afirmando que ele lá esteve para “oficializar” as
bodas, como parecer registrar que o seu único e plausível propósito foi o de divertir-
se com os demais convidados, para além dos noivos e, quando acabou o vinho –
Outra parte da vida de Jesus, mostra-nos o seu mais fino humor, também no
adultério, tal como exigia a lei de Moisés, escreve algo na areia. Ato contínuo,
pergunta qual dos presentes estaria sem pecado, então que fosse o primeiro a atirar
pedra contra a pecador e volta ele a escrever com o dedo na areia. O que teria Jesus
escrito na areia? Seria uma lista de pecados que, por certo sabia daqueles zelosos
da vida alheia? Fato é, que não sobrou um, além dele e da mulher, que, para além
de livrar-se do martírio, ainda recebeu dele nada além de um conselho: “vai-te, e não
peques mais!”, no verso 11. Se não houve registro de risos naquele episódio,
também não seria demais imaginar que quem quer que o tivesse assistido, como o
3:3: “Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão escarnecedores
zombando e seguindo suas próprias paixões”. O texto parece nos afirmar que uma
das marcas dos condenáveis dos “últimos dias”, seria a do humor, sendo ela,
O escárnio e o riso, afinal, fazem-nos crer que nas escrituras estão sempre
associados aos que se opõem à virtude e à santidade exigida aos cristãos fiéis. Mas
ao lermos com atenção, mesmo não havendo registros sobre Jesus ter rido, as suas
Se no início, a igreja era uma comunidade de iguais, que vivia, segundo o relato
do livro dos Atos dos Apóstolos, no capítulo 2, verso 46: “Todos os dias, (...). partiam
o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade
de coração”, gerava no povo à sua volta “simpatia”, em que nos parece claro que
essa “alegria” com que viviam, denotava bom-humor e era marca daquela nova fé
Pelo ano 300 da nossa era, os pais da Igreja, como São João Crisóstomo,
não provinham de Deus, mas eram emanações do diabo, por isso, Bakthin, citando
Reich, afirma
possível a alegria “frívola” do riso, da porta para fora, eram comuns, além dos
(risus paschalis), celebração popular muito livre e consagrada pela tradição. Mas
havia ainda as festas religiosas onde se tinha um aspecto cômico popular, como na
Festa do Templo, acompanhadas por feiras, cortejos onde se exibia anões, monstros
e animais diversos.
A palavra carnaval é vem, ao que tudo indica, do latim, carnis levale, cujo
significado seria algo como “retirar a carne”. O significado está relacionado com o
jejum durante a quaresma e também com o controle dos prazeres mundanos. Isso
demonstra uma tentativa da Igreja Católica de enquadrar uma festa pagã bastante
comum nas festas e que está ligado ao carnaval, era o caráter de subversão de
papéis sociais e até, por conta das festas de origem greco-romana, como os
bacanais, festas dedicadas ao deus do vinho, Baco (ou Dionísio, para os gregos),
VIII, com a criação da quaresma, tais festas passaram a ser realizadas nos dias
anteriores ao período religioso. A Igreja pretendia, dessa forma, manter uma época
penitência religiosa.
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Mas nenhuma dessas festas ficavam sem uma organização cômica, com os
viviam, mais do que apenas o assistiam, dentro da única lei possível que durava o
seu período, o da liberdade. O carnaval era assim uma segunda vida do povo,
antes dela estavam separados. O riso ali não era produzido diante de um fato,
isolado, mas era patrimônio de todos. Seria essa uma amostra de uma sociedade
uma obra de Aristóteles sobre o riso é guardada a sete chaves num mosteiro.
o riso não pode ser uma forma universal de concepção do mundo; ele pode
referir-se apenas a certos fenômenos parciais e parcialmente típicos da vida
social, a fenômenos de caráter negativo; o que é essencial e importante não
pode ser cômico; a história e os homens que a encarnam (reis, chefes de
exército, heróis) não podem ser cômicos; o domínio do cômico é restrito e
específico (vícios dos indivíduos e da sociedade); não se pode exprimir na
linguagem do riso a verdade primordial sobre o mundo e o homem, apenas o
tom sério é adequado; e por isso que na literatura se atribui ao riso um lugar
entre os gêneros menores, que descrevem a vida de indivíduos isolados ou
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gênero, que possuía um papel muito importante nessa época, pelas suas
pacientes no tratamento das doenças. Outra fonte da filosofia do riso nessa época
era a célebre fórmula de Aristóteles: "O homem é o único ser vivente que ri" –
(Aristóteles, Sobre a alma - De partibus animalium, livro III, cap. X). A terceira fonte
e mesmo vitorianos, a história do humor pode bem revelar os dilemas de cada época.
dos “anos de chumbo” da recente ditadura dos anos 1970, mais de 70% da temática
existencial tomou lugar dos assuntos políticos, de resistência e outros não pessoais.
marcos e fundamentos para um crescimento sem igual das suas hostes ao utilizar o
humor, a crítica, a ironia para desbancar nas décadas seguintes a religião, ou a sua
vertente, predominante. O humor desde sempre surge como uma rebelião ao drama
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humano. Uma afronta ao sofrimento. Mas não foi sempre bem quisto, especialmente
fenômeno bastante conhecido. Trata-se desse riso subversivo de que falam tantas
Não cremos haver maior piada que o fato de o Messias, em hebraico: משיח,
milênios, que restauraria a glória de Israel e o levaria a um patamar jamais visto pela
Anti-Ele-mesmo.
de onde viria o “Esperado das Nações”, entretanto, Jesus, acaba por vir de uma
virgem, engravidada pelo próprio Espírito Divino e José, que era em última análise o
não era o seu pai (Mat. 1:18-23). Na narrativa, acabou ele por ser adotado, num
gesto que para o D’us dos hebreus, certamente tem ainda maior valor do que o
nascimento natural, posto que ele próprio já relativizara a relação filial natural,
quando afirmou “Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que
cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que essa se
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desta lógica, surge o primeiro grande empecilho para que os judeus nele pusessem
sua fé, uma grande e escandalosa anedota, dessas que surpreende quem espera
dos palcos e em honra, pompa e circunstância, como um rei, mas chega a este
mundo, pobre, perseguido e exilado e ainda por cima, oriundo de uma região
periférica à história bíblica, marginal à vida religiosa dos hebreus. E parece estar-se
nas tintas com a lógica e previsões humanas, numa suprema e tremenda gozação,
Testamento, o Supremo cumpre com as suas promessas, mas fá-lo, como uma
Ao ser esperado pelos hebreus com todo o seu poder, o Messias escandaliza-lhes a
maior é o que mais serve e não aquele que é mais servido (Lucas 22:26). Num
aponta para a criança como um ideal, aliás, um requisito supremo para quem deseja
aspirar a entrada aos céus: “Chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e
disse: ‘Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como
ser traduzido por “de coração simples, pronto a revelar sua real condição, sem
e exemplifica ele próprio, o seu ideal – na sua lógica e suprema anedota – “mata-se
o santo para fazer viver o pecador”, e não o que sempre fez – e faz - a religião.
vê-se que Jesus é achado em mais registros em tavernas e mesas do que nos
templos, mais nas sombras condenadas do que nas luzes da religião. E mais: parece
nunca estar à vontade no meio dos líderes religiosos, quanto cercado de gente ruim:
em Mateus 11:19). Além disso, nunca usava de palavras duras contra o errado, o
do Imanente. Seu humor sarcástico era destilado para com os doutores da lei,
expondo-lhes as posturas incoerentes de quem pregava, exigia, mas não vivia, como
os “cães do verdureiro”, que nem comiam o produto à venda, nem deixavam que
dele se aproximassem para comer, ou como, nas palavras do Messias, esperado por
Israel, afirma: "Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês fecham o
Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar
aqueles que gostariam de fazê-lo”, em Mateus 23:13. Apesar disso, como um pai
amoroso que prefere rir-se da rebeldia ou teimosia dos filhos a destruí-los, era assim
que parece ter reagido aos “exigentes para com a vida alheia” em toda a sua vida.
uma geração adúltera e perversa”, em Mateus capítulo 12, verso 39, num possível
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tempo algum, ou houve quem, em religião alguma, apresentara como ele, o Divino,
o Imanente, o Numinoso supremo, como ...pai – o “Pai Nosso”. Num tempo em que
possivelmente, os judeus até lavavam a boca para referir-se a Deus - mesmo sem
se a Deus como “meu Pai”, não só impressionou seus discípulos, como chocou ainda
pelo fato de utilizar a palavra aramaica Abbá, visto esse termo fazer parte do balbucio
infantil. Ora, tal feito, era para o judaísmo algo tão impensável como desrespeitoso.
Invocar o Supremo com um nome tão familiar era abominável. Na realidade, Jesus
abriu o caminho para a intimidade com Deus. Foi algo único e inaudito “Jesus ter
tomado essa iniciativa e falar a Deus como uma criança fala com o seu pai, com
simplicidade, intimidade e sem temor, o que foi seguido pelos seus discípulos e
estimulado por Paulo nas suas cartas (Gálatas 4:6 e Romanos 8:15). E que pai é juiz
e não amigo dos filhos? Qual pai não se permite e aos seus filhos o humor? Se ele
se apresentou como a Imagem do Deus-Pai, como então, esse Pai, teria reagido à
falta de fé de Pedro, como Jesus fez ao chamá-lo para fora do barco e com ele
sucumbiu, e não o repreendeu, porém não deve ter deixado disfarçar um sorriso
maroto, com toda a comicidade daquela experiência. Do contrário, como teria agido
um ser que a tudo lhe era descortinado, como os instantes e o tempo futuro e a
expressado diante da insistente apelação das irmãs de Lázaro quando este estava
sabendo que iria ressuscitá-lo no espaço de algumas horas, ou dias, como no caso?
irremediabilidade da morte. Mas a piada disso, como quem ri de uma anedota, cuja
definição pressupõe uma narrativa cujo final quebra a sua lógica e nos cria uma crise
resolvida pelo riso, ele ...chorou. E aquele choro permaneceu, lá no tal verso, o único
que ficou como história e certificação de que o “Filho de Deus” jamais sorriu, mas
pelos séculos seguintes. Mas fica claro, patente, inconteste, supormos o contrário -
quando Jesus, num humor fino, desses melhores dos nossos dias, responde a uma
querendo o provar: “"Com que autoridade estás fazendo estas coisas? Quem te deu
É certo que o mais fino humor fica patente neste episódio, como previsível nos
é a reação que tiveram, não só os discípulos, o povo à volta que assistia o embate
(e cuja presença está contida na narrativa sobre o medo dos religiosos à resposta
que dariam), como a de Jesus, que não deve ter conseguido evitar uma boa risada.
33
campo, nas disputas pelo capital simbólico, o humor surge como uma ameaça ao
luterana ou reformada já não cabe mais 5. Assim, para manter-se o status, o nomos,
normatização das relações. Ao menos era o que se supunha nos limites da religião.
cristianismo faz a apologia da humildade, mas essa virtude não suscita hilariedade”
(CERBELAUD. 1996, p. 56), Minois afirma que segundo o autor, essa visão, contrária
ao humor que ameaça a fé permanece rechaçada pelas esferas do poder. Ele afirma
Aliás foi durante o século XVI que o poder da Igreja, e do clero foi afrontado ao
5
Um dos pilares capitais do pensamento reformado, é a teologia do “sacerdócio universal”, isto é, todos podem
chegar-se à Deus Pai, somente pela intermediação do sacrifício de Jesus, o Cristo, dispensando-se a
intermediação da Igreja, dos Santos, ou dos ...sacerdotes profissionais, ou do clero.
34
usou com esmero dois artifícios fantásticos dignos de séculos mais à frente – a
imprensa e o humor.
ruas, feiras livres, e tabernas, copiado – sem direitos e livremente por pessoas
também das cópias feitas pelas prensas – recém-inventadas - como arma) tornando
O melhor é que o humor serve como veículo propagador mais do que a má-
notícia. Pois o riso faz até dos retratados, dos escarnecidos, os seus maiores
maiores aliados na disseminação das suas ideias, nas bulas, nos atos, nas
de Paris recentemente. Este feito, foi capaz de espalhar por toda a Alemanha as
cristandade da época 6.
6
The Economist magazine - Social media in the 16th Century - printed edition.17 de dezembro de 2011
35
Figura 1 - Como “Roma produz os seus bispos” na ótica de Lutero e Cranach – o demônio defeca-os
simplesmente.
36
poder. Como extensão, defenderam ainda a ideia de que o cristão seria, um “operário
vocação visando a glória de Deus. O dualismo sagrado x profano não teria assim
diante
de matriz reformada, acabando por sacrificar alguns dos seus mais caros ideais, por
contrária à religião, não conseguiu ficar imune ao humor, como aliás, também não o
Europa também não estavam assim tão distantes da efervescência política no Brasil
O governo de João Goulart havia sido encerrado à força por líderes civis e
ameaça era algo que assustava o ocidente, muito graças à polarização política fruto
da guerra fria. Além disso, os que apoiavam o movimento, sonhavam também com
ressaltar, que o golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano,
meios de comunicação.
39
desencanto com a fé era previsível, pelas muitas divisões no seu campo - das quais
expurgos, eram germinados. “Conflitos” é o que Bordieu conceitua como “uma forma
reacionária a mudanças.
posição nítida em relação à luta de classes: em que não era possível negá-la e não
tomar partido em favor das classes exploradas. Segundo ele, tentar situar-se neste
“lugar” significa uma ruptura radical com o modo de viver, de pensar, de comunicar
tensões, de lutas por poder dentro de cada campo. Isso se manifesta, por exemplo,
40
quando novas pessoas, novas ideias, buscam legitimar sua posição em relação a
um grupo ou a uma normativa dominante, que, por sua vez, tenta defender a sua
pessoas que detém o capital simbólico específico desse campo, composto por
altura, ter ideias progressivas era o mesmo que ser herege, numa posição que tudo
especificamente, conservadora.
mais pela tradição dos pais, ou pelo reforço da solidariedade do grupo da vizinhança
mais e mais confrontada pela cultura de massas chegada pelo rádio ou TV, e
dessas tecnologias.
simbolicamente pela proximidade com o poder, pois para o autor, tarefa mais
à parte da luta política, e os que viam a aspiração por uma “Igreja dos pobres”
durante o Vaticano II, convocado pelo Papa João XVIII, e na Conferência de Medellín
que ecoava desde os concílios. Por outro lado, as CEB´s revelavam a possibilidade
do povo na Igreja Católica. A teologia que dava suporte ao ativismo religioso nessas
libertários de líderes como os Freis Leonardo Boff, Frei Beto, de Carlos Mesters, de
7
O termo protestantismo, utilizado nessa dissertação, tem uma definição sociológica que se refere ao
campo religioso formado pelas denominações cristãs nascidas na e descendentes da Reforma
Protestante europeia do século XVI, ou pertencentes ao ramo do protestantismo histórico (Luterana,
Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista e Batista). Embora utilizemos aqui também o
termo igreja evangélica, tanto para o protestantismo histórico como também para o ramo pentecostal:
Congregação Cristã do Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo,
Deus é Amor, Casa da Benção e Universal do Reino de Deus, (MARIANO, 1999, p. 10).
42
libertário seria assimilado à luz das ideias de Niebhur, Richard Shaull e Rubem Alves.
Para não “expor” o fiel das igrejas protestantes, evangélicas aos “perigos” da
de dominação social de uma classe sobre a outra, para Berger a religião remeteria
afirma que, nesse sentido, a religião seria legitimadora. O mundo social é chamado
o nomos seria a ordem sagrada que se reafirma frente ao caos. No seu trabalho “O
Dossel Sagrado - Elementos para uma teoria sociológica da religião”, afirma que
Não se sabe com exatidão, sobre o engajamento real dos evangélicos, tanto
mas era nítida a polarização dentro dos seus quadros, e de uma franca maioria
terem que cuidar das “coisas do alto”. Assim, ser um fiel protestante, evangélico, ou
não-católico, era ser de direita e sustentador do regime. Era mister lutar contra o
ameaça real pairava sobre a nação. Nas igrejas protestantes, o que mais se ouvia
era uma exegese malfeita de Romanos, capítulo 13, verso 1: “Todos devem sujeitar-
as autoridades que existem foram por ele estabelecidas”. Nessa interpretação, até o
voto na oposição era considerado “pecado” (pelo Ato Institucional Número Dois, de
disputavam votos. A ARENA era chamada de "A situação" e o MDB de "A oposição").
44
mesmo com flagrante desrespeito aos direitos humanos, Magali Cunha afirmou
viram-se obrigadas a optar ora por uma comunidade conservadora, cada vez mais
legalista, como forma de manter o seu capital simbólico, que já não respondia às
demandas seculares, ora por outra mais engajada nas questões seculares, porém
Havia uma crise em curso e as igrejas viram uma barreira erguer-se entre elas
relações de força entre agentes e instituições que têm em comum possuir o capital
também no campo religioso que como aponta Bordieu, tinha sua parcela de
responsabilidade:
46
Rubem Alves chegou a escrever sobre o pretenso liberalismo que deveria ser
século XIX para o século XX, mas que de nenhum modo se fez presente na maioria
artigo, em que pôs em xeque a noção de que o protestantismo tivesse uma estrutura
Bíblia, bandeira histórica desde a Reforma do século XVI deveria conter uma suposta
A Igreja Católica, com sua estrutura aparentemente rígida, permite o lugar para a
assim a unidade católica. Daí, concluiu que, no protestantismo, “os cismas não são
protestantismo no país.
Assim como a sua falta de humor, de leveza, numa postura e pregação cada
Dentro das igrejas históricas, sempre até mais progressistas que o ramo
Deus). De acordo com esses órgãos, jornais oficiais das suas respectivas
Em 1968, a Igreja Metodista brasileira, passara por uma crise sem precedentes
8
ALVES, Rubem. A ideologia do protestantismo. Rio de Janeiro. Cadernos do ISER, n. º 8, abril de
1979
48
com temas que circulavam nas cartilhas dos movimentos sociais que tomavam conta
bíblicos eram ilustrados com fotografias e, de maneira pioneira, com humor através de
de perigo.
assistencial, de ação social, era logo vista entre eles como uma posição político-
subjetiva e ligada aos céus, não ao chão. “Nós não somos deste mundo” era o jargão
9
Charge e cartum (do inglês cartoon) – são termos sinônimos, e se referem a desenhos jornalísticos
de caráter crítico e humorístico, geralmente satirizando personagens, fatos e situações da atualidade.
Mas também há diferenças – sutis, mas importantes – entre elas. Em primeiro lugar, chama-se charge,
termo importado da língua francesa “carga”, um sinônimo de crítica violenta, num uso figurado do
sentido militar de “carga” ou “ataque” e é o desenho onde se pode reconhecer uma pessoa ou
situação, portanto é uma crítica carregada de pessoalidade. Mas chamamos também cartum de
história em quadrinhos, quando ultrapassa um desenho só mas desenvolve uma narrativa sequencial
– que também pode ser encontrado menor, ao que chamamos “tirinha”, geralmente em publicações
periódicas, em três ou quatro quadros.
49
Essa divisão, fruto de uma visão histórica, separava a vida “sagrada” daquela
caracteriza o sagrado é o fato de estar apartado das coisas cotidianas. Mircea Eliade,
na sua obra “O Sagrado e Profano”, separa as percepções entre uma e outra esfera
e afirma que para o homem das sociedades arcaicas, “a vida como um todo é
santificação, mas o resultado é quase sempre o mesmo: a vida é vivida num plano
as suas experiências são sempre religiosas, pois o seu mundo é sagrado (ELIADE,
seja pela sua exposição ao “mundo”, pela cultura de massas, ou pelo êxodo para os
grandes centros e ele não sabia mais como “juntar” o sagrado ao seu dia a dia e às
demandas da sua vida, cada vez mais complexa e em turbulência num mundo em
Berger, afirma uma relação entre o profano e o sagrado e não uma dicotomização
entre ambos. Para ele, o profano é afetado pelo sagrado na medida em que este
último, sendo legitimado e reverenciado como verdade suprema, evita o caos que se
evidenciaria no caráter profano das rotinas da vida cotidiana (Berger, 1985). Essa
pelas igrejas.
Usarski cita Nathan Söderblom, que afirma, que “numa cosmovisão dualista, o
10
Cf. USARSKI, Frank. Constituintes da Ciência da Religião, Cinco ensaios em prol de uma disciplina autônoma.
P. 40
51
estado de natureza pura que precisa de uma adição de graça, ou, além de suas
trouxe a visão que as coisas humanas são independentes das divinas, apesar de
homem vive com o sagrado e com o profano ao mesmo tempo. Partindo dessa
um ato sagrado, enquanto trabalhar era o lado profano. Mas essas realidades eram
eram os monges, o clero, pois não se envolviam com “assuntos mundanos”. Na ótica
vida, o conceito de sacerdócio versus leigos (o sagrado versus profano) deu lugar à
do que o trabalho manual ou cultural, pois tudo deve ser feito para a glória de Deus.
Apesar disso, essa herança dualista, que separava o sagrado do profano, de origem
grega e católica (de Aquino), imperava até no meio protestante, evangélico. As suas
devocional nas casas e ao proceder exemplar, mas nada que significasse envolver-
52
Miguel dos Santos, corroborando para tal pensamento, tão corrente entre os
Era essa, precisamente, a pregação quase que oficial no ramo evangélico, cuja
missão maior passava longe da realidade e dos desafios da sociedade, que não de
ordem existencial, da esfera da espiritualidade. A maior batalha então, era para ser
dos fiéis. Via-se mais “sermões de prova”, que aplicações que diziam respeito à vida
Para ilustrar bem essa postura de distanciamento da realidade de vida dos fiéis,
ou “terroristas” que é como o governo chamava, dos assaltantes de bancos aos seus
alguns a Thomas Jefferson, outros a Napoleão Bonaparte, foi por bons anos,
por detrás dos militares, general Golbery do Couto e Silva 11 que apesar do status de
11
Golbery do Couto e Silva, foi um general e geopolítico brasileiro, e um dos criadores do Serviço
Nacional de Informações (SNI). Durante o governo de Ernesto Geisel, a partir de março de 1974, foi
o responsável pela chamada política que marcou o início do processo de abertura política.
54
sociais, presentes não apenas na imprensa “chapa branca” dos presbiterianos (e não
só!), como “nos sermões e nas lições para a Escola Dominical desde há muito tempo,
desaparecera da vida dos seus fiéis (?) herdeiros protestantes do Brasil do século
XX, dos seus líderes e dos púlpitos. Como bem observaria anos mais tarde, na errata
nuances não tão perceptíveis a este, mas bem recebidos pelos fiéis. O mesmo
Ele explicava aqui como além de surgir nesses momentos de ruptura da ordem
o curso das tradições e explicar o mundo conforme a sua visão particular ou, no caso,
sua tradição, geralmente uma sub-cultura que pouco dizia respeito à vida cotidiana,
cheia de uma preconceituosa com relação à tudo que vinha de fora, do “mundo”, que
Nessa linha, os grupos não só os que nasciam dentro das igrejas cresciam,
velhas fórmulas, simplistas ou superficiais. Uma certa “burrice” oficial, do arbítrio, dos
jovens pediam por mudanças em novos arranjos que via-se nascer. Foi a época de
maior poder dos leigos, aos conjuntos de música não tradicionais que fugiam dos
de evangelismo que, nas ruas onde atuavam, não tinham a tutela da “velha-guarda”
escapar da censura que a tudo selecionava, num esforço sacerdotal para descobrir-
marginalidade inspira uma perspectiva cômica” (BERGER, 2017., pg. 24). Millôr
57
versão oficial, mas não consegue evitar uma caricatura”. Há aí, algum tipo de
na figura do bobo da corte e da comédia formal. Para Berger, parece que o mesmo
humor e sua adaptação a um período histórico que se julga superior a todos os outros
desencantado gerou as suas próprias incoerências e o humor pode ser uma delas,
desencantamento, e também uma reação a ele. E foi assim que a sociedade refinou
professor de escola dominical e evangelista auxiliar de pastor que junto com a sua
postura de típico líder pentecostal, servia na sua congregação, mas militava com
58
(IB) e Metodista (IM), viam nos seus quadros, vozes que divergiam e alinhavam-se
oficial da IPI, Aldroaldo José de Almeida, registrou na sua tese de doutorado, que
12
ARAÚJO, Helciane de Fátima Abreu. Memória, mediação e campesinato: as representações de
uma liderança sobre as lutas camponesas da Pré-Amazônia maranhense. Manaus: Edições UEA,
2010.
13
CONCEIÇÃO, Manoel da. Essa terra é nossa: depoimento sobre a vida e as lutas de camponeses
no Estado do Maranhão. Petrópolis: Vozes, 1980.
59
em maio de 1964, recém dirigido pelo Rev. Boanerges Ribeiro que governaria com
Nos anos seguintes, foi uma voz incômoda tendo denunciado o regime por
violações aos direitos humanos à órgãos internacionais, tendo fundado, junto com
Jan Rocha e Luiz Eduardo Greenhalgh, o Comitê de Defesa dos Direitos Humanos
14
Brasil Presbiteriano, maio de 1964, p. 7 apud SOUZA, Silas de. Presbiterianismo no Brasil. In:
SILVA, Elizete; SNTOS, Lyndon de Araújo; ALMEIDA, Vasni de (orgs.). Op. Cit., p. 206.
60
No seu número 11, do ano 90, o Estandarte trouxe um artigo cheio de fino humor de
resistência. Na edição, citando um texto Leonardo Boff, padre católico, Ercília Ferraz
da IPI de Bauru, São Paulo, faz uma referência à truculência com que o regime lidava
contra os seus opositores: “Jesus não morreu naturalmente, foi condenado sem
n’O Jornal Batista, onde ele e Hélcio da Silva Lessa eram os responsáveis. Ele
que vale ressaltar, pois a defesa de uma prática evangélica ecumênica entre os
61
metodistas coincidiu, na maioria das vezes, com ações mais engajadas do ponto de
vista político e social protagonizadas por estas duas igrejas. Vale também dizer que
situação nacional sob a ótica evangélica, tanto dentro quanto fora dos arraiais
metodistas. Nas suas páginas, publicaram artigos nomes como Rubem Alves,
Mas se a denominação que teve homens como bispo emérito Isaías Fernandes
ilustrações, bem à frente das demais publicações, sérias demais para talvez, não
geralmente aos cartuns, pois entendia que sua força, por ser temporal, de consumo
– bimensal – da publicação, isso quando tudo corria bem. Mesmo com a resistência
círculos religiosos.
fino humor, contando dentre os seus articulistas mais proverbiais nesse assunto e
cristãos espalhados pelo país. O bispo Cavalcanti influenciou gerações com a sua
tarde, admitiu que voltou a fazer humor após ter ouvido o anglicano numa
conferência e depois de anos numa luta contra o que achava ser um desvio na sua
nome foi inspirado na famosa Encíclica Pacem in Terris. A Revista era destinada ao
para as esquerdas durante o Regime Militar, que lutavam pelas liberdades individuais
e pelo retorno ao Estado democrático e de direito. Como principais nomes dos seus
articulistas, estavam Waldo César, Moacyr Felix, Rubem Alves e Alceu de Amoroso
artista gráfico Laan Mendes de Barros que por muitos anos foi editor de arte das
ilustrações alternativas sobre a cultura brasileira, e até hoje conhecido pela sua
Um dos mais expressivos feitos que liga o humor a uma das mais
chamados de chumbo da ditadura com uma repressão mais severa por parte dos
militares.
país e pelos grandes nomes do humor nacional e mundial que por ali passaram.
Figura 3 - Cartaz criado por Glauco Vilas-Boas, para o VI Salão de Humor de Piracicaba em 1979, talvez
traduzindo o cuidado com o que haveria de vir, no lado de fora, ao término – iminente do período de exceção.
Outra das maiores vozes discordantes do regime político, foi o Rev. Roberto
Vicente Themudo Lessa (1941 – 2005), pastor tido como um dos pilares da Igreja
Igreja (SRSI). Esta conferência histórica reuniu alguns dos principais intelectuais
brasileiros da época, como Celso Furtado, Paul Singer, Rubem Alves e Gilberto
processo revolucionário pelo qual o Brasil passava, bem como a participação cristã.
Nos anos seguintes, até partir como exilado para a Europa pelo regime, esse
cartunista foi um dos mais expressivos nomes do humor feito por cristãos
Claudius editou sua arte nos mais importantes jornais e revistas alternativos
15
O Pasquim foi um semanário alternativo brasileiro, editado de 1969 a 1991. Nascido no cenário da
contracultura da década de 1960 teve seu apogeu na oposição ao regime militar. Chegou a mais de
200 mil exemplares em meados dos anos 1970, feito considerável para uma publicação tida como
marginal, tendo se tornado um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro. Nascido com
uma temática comportamental O Pasquim se tornou mais politizado à medida que aumentava a
repressão da ditadura, principalmente após a promulgação do ato institucional no 5 que suprimiu o
estado de direito. O Pasquim, que foi um dos principais porta-vozes da resistência, viu passar pela
sua redação, além dos seus fundadores, como o cartunista Jaguar e os jornalistas Tarso de Castro,
Sérgio Cabral, nomes como Ziraldo, Millôr, Manoel "Ciribelli" Braga, Miguel Paiva, Prósperi, Claudius,
Fortuna, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa, Carlos Leonam e Sérgio Augusto, e também dos
colaboradores eventuais Ruy Castro e Fausto Wolff.
66
Ibase, atuou com Betinho, o irmăo do Henfil, e no Cecip, foi parceiro de Eduardo
Autor de vários livros, a maioria deles voltados para temas ligados à educaçăo
e à saúde, ele teve sua obra como cartunista reunida em “Claudius”, livro prefaciado
por Jânio de Freitas e enriquecido com artigos de Millôr Fernandes, Cássio Loredano
e Ferreira Gullar.
No cartum a seguir, o primeiro à esquerda, uma crítica com alusão ao DOPS 16,
órgão temido por prender e, nas suas dependências, torturar e até matar presos
16
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 30 de dezembro de 1924, durante o
Estado Novo e mais tarde, relançado no Governo Militar. O órgão, que tinha a função de assegurar e
disciplinar a ordem militar no país, foi instituído em 17 de abril de 1928 pela lei nº 2304 que tratava de
reorganizar a Polícia do Estado.
67
da Disney, tal como vemos até hoje, nos anos 1970. Gaúcho de Paraí, Rio Grande
intitulada Cacique, enquanto produzia charges e tiras para o jornal Correio do Povo,
começou sua carreira, a convite do pastor William Schisler Filho para ilustrar a revista
“Bem-Te-Vi”, da Igreja Metodista, por isso, acabou por vir residir-se em São Paulo,
69
em 1967. Dois anos depois foi trabalhar na Editora Abril, onde desenhou e escreveu
para a revista “Recreio”. Lá criou o cawboy Kactus Kid e participou do Projeto Tiras
com o indiozinho Tibica. Na editora, colaborou ainda nas revistas “Pancada, Patota
Canini dava pistas a respeito da sua fé, nos personagens e histórias que criava:
“O Tibica foi publicado em vários jornais do país. Ele era tinha uma consciência
fiz porque sou evangélico, como contraponto do verdadeiro Doutor Fraude (Freud),
que é ateu”. Quando entrevistado, não escondia: “Eu sou crente mesmo, sabe?”;
“Quero conhecer o que puder sobre Deus cada vez mais”. Gostava dos hinos
tradicionais, e em carta que enviou à Ultimato 17 em 2001, disse: “Como alguém que
se criou cantando belos hinos tradicionais, como ‘Quão bondoso amigo é Cristo’,
‘Santo, Santo, Santo’ e tantos outros, é com tristeza que tenho acompanhado a
que ele conseguiu no traço. Em meia dúzia de traços ele resolvia tudo” - comentou
17
Revista com sede na cidade mineira de Viçosa, na Zona da Mata, foi fundada em 1968 como um
tabloide de oito páginas em papel jornal, e é de cultura cristã reformada. Como editora, começou a
publicação de livros em 1993, tendo hoje mais de 150 títulos em catálogo.
18
Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/346/morre-o-cartunista-renato-canini>
Acesso em: 05 out. 2017.
70
traço fino, diferente e despojado”. O editor do último livro dele, “Pago pra Ver”
(IEL/Corag, 2012), ressaltou a sua humildade: “Ele é genuíno o tempo todo. Embora
disso. Porque, na verdade, não se gaba de nada”. Ele era avesso a novidades
alguns feitos em papel de rascunho e “tratados” por meio de cortes e cola no papel.
Não gostava nem de viagens curtas. Confessou que nem sequer conheceu o Rio,
Figura 9 - A luz no fim do túnel - possivelmente uma referência ao projeto – secreto– de desenvolvimento de
um artefato atômico pelas Forças Armadas na década de 1980, sob a ótica de Canini.
Figura 10 - A briga do cristão Canini contra o pensamento do ateu Freud, no seu personagem “Dr. Fraude”
72
liberdades civis e na sua crítica ao pai da psicanálise, Sigmund Freud, ateu confesso.
Cláudio Marra, outro pastor presbiteriano que dedicou muitos anos da sua vida a
revistas, com milhões de exemplares mensais, tais como toda a linha de Walt Disney,
Comics. Marra começou sua carreira na Editora Abril em 1969, como letrista das
73
publicações Disney e não demorou muito para chegar topo, ao cargo de Chefe de
sairia para plantar igrejas na África do Sul. De volta ao país, ainda em 1976, retomou
a carreira nos quadrinhos, tendo permanecido até 1989 –testemunhando muitas das
transformações sofridas pelo setor. Hoje, o pastor Cláudio Marra serve como escritor
acabou por estabelecer uma apatia entre a juventude e que acabou por ser
preenchido nos anos 1970 por organizações paraelesiásticas, que já tinham surgido
por volta dos anos 1950 e pelos grupos musicais que surgiram como alternativa para
a atuação da juventude.
Nesse momento, grupos até mesmo dentro das igrejas já tinham adquirido a
moldando sua pregação numa forma mais próxima do público, menos pesada,
menos erudita teologicamente que os sacerdotes que ainda não se davam conta das
mudanças à sua volta, mas totalmente adaptadas e entendidas pelos fiéis, ou pelo
19
Disponível em: <http://www.deusnogibi.com.br/entrevistas/claudio-marra/> Acesso em: 13 out.
2017.
74
surge uma revolução simbólica. O mesmo autor conclui citando Karl Marx que
lugar de culto, fazendo valer a frase de John Wesley, pregador inglês: “O mundo é a
minha paróquia”.
75
pelo domínio do modo de exercício da ação religiosa era o que Bordieu nominava.
vinham como fruto de uma pregação que fugia ao “normal” e que reconheciam sua
podiam viver esse novo modo de fé, mas é fato que já no final ali, nesses anos de
a surgir, mais presentemente se fazia ver, como aponta Lísias Nogueira Negrão:
eclesiástico com novas visões de ser igreja, que se dividem e subdividem em vários
o tipo de conflitos que Bordieu chama de “uma forma particular da luta pelo
Grupos que queriam mudanças nas igrejas ocupavam espaços de vanguarda, nem
sempre fáceis de perceber pelos membros das igrejas pouco afeitos às questões e
partir desse período. Cunha nomina no seu “A explosão gospel” (2007), grupos – em
várias áreas da cultura - que deram voz aos membros que ansiavam por uma
que surgiriam mais adiante, simplesmente por terem percebido os anseios de uma
polarização ideológica que pouco, ou nada dizia respeito à sua sede por um Deus
sociais eram mais rígidos e inflexíveis. O mundo tinha mais certezas. A passagem
se considerar mais livres para agir conforme seus desejos. Mas essa liberdade não
responsabilidade por esses atos e joga aos indivíduos a responsabilidade pelos seus
no vácuo deixado quando a ditadura, ou o regime de exceção que uniu o Brasil todo
num projeto político que se resumia a nada mais que a esperança de que, ao
acabarem com o projeto militar de poder, o país, o mundo, a vida seria outra. Ao
acabar o alvo-comum contra o qual todos lutavam, o mundo seria diferente. Nada
mesmo ainda antes que o primeiro governante civil fosse empossado na presidência,
compositores brasileiros Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, em que este último
havia composto o refrão "Pai, afasta de mim este cálice / de vinho tinto de sangue",
numa óbvia alusão à agonia de Jesus Cristo no Calvário, tendo a ambiguidade (cálice
/ cale-se) sido imediatamente percebida por seu parceiro. Esse elaborado jogo de
música, mas não tendo conseguido, puderam lançá-la apenas em 1978, e nela, o
cinema e nos Quadrinhos, a grande massa da população descobrira afinal, que tinha
um corpo, uma alma e que era afinal, de carne e osso e havia uma outra parte nessa
história que precisava ser cuidada e que não era apenas a da nação.
Essa era a época da novela Malu Mulher (escrita e dirigida por Daniel Filho
do país, a Rede Globo), que retratava a condição da mulher brasileira no final dos
anos 1970 através do cotidiano de Malu, uma personagem que encarnava temas
classe média), divorciada e mãe de uma menina de 12 anos, num enredo mais do
que atual para a época, embora tivesse negada a existência a não ser pela maneira
superficial e preconceituosa com que era tratada nos púlpitos da igreja protestante,
tradicional ou pentecostal.
USP, aponta na sua obra “Shazan, que mais de 70% das HQ do período da ditadura
em 1970, tinham como o terror como temática); mas os enredos começavam a mudar
O artista Angeli (Arnaldo Angeli Filho, São Paulo, 1956), por exemplo,
cartunista do jornal Folha de São Paulo na época, lança uma série de personagens
de bom senso, cujas histórias giram em torno de suas manias e desejos e cuja
personalidade podia ser resumida na sua profissão de fé: “do cristianismo gosto
das convulsões sociais no planeta) que o teria deixado órfão e sem bandeiras
democracia que dava os primeiros passos para voltar a andar. Seu fiel seguidor na
cartunista também surgido no jornal Folha de São Paulo, lança em 1981, o Geraldão,
com a mãe - com quem tem uma relação neurótica- e continuou virgem até o fim da
sua publicação, na morte prematura do seu autor. Geraldão bebe, fuma muito, vive
crítica social, tema presente em toda essa produção, surgem com sucesso de público
e crítica, como “A Hora da Estrela” (1985, com roteiro de Alfredo Oroz, Suzana
ganhadora do Urso de Prata, de Berlin; “Eles Não Usam Black-tie” (1980, com roteiro
namorada Maria que se casam ao saber que a moça está grávida, um movimento
grevista e um pai, um velho militante sindical que passou três anos na cadeia durante
“Pro dia Nascer Feliz” (Roberto Frejat, 1982); “Meu Bem Querer” (Djavan, 1980) e
tantos outros sucessos, trocavam a “luta” política, pela paixão, o amor, os conflitos e
humor, não para fazer rir, mas como crítica, na ironia, no questionamento das
Dar sabor ao saber, tudo sério, triste, era o que se pretendia no âmbito da
teologicamente correta segundo o tipo ideal criado por Alves, à moda weberiana,
normal que tenha sempre sido vista como perigosa para a manutenção da ordem. E
propaganda religiosa começa a alterar-se e a sair dos púlpitos e já não estava presa
aos limites do que definiam por sagrado. Sagrado era alcançar pessoas e atendê-las
sobretudo, com o riso, a ironia, capaz de “lerem” a vida e os desafios que lhes trazia.
pregação “ortodoxa”, o apelo era agora “Deus o chama como está”. Era a leveza da
Deus, mas rejeitava a sua “embalagem” dos seus representantes – fossem eles
igrejas ou religiosos – com a sua carranca e peso. Afinal, nas décadas seguintes,
popularizou mais tarde, quando já em 1980, estimativas calculavam que 10% das
2007, p.11) viria na sequência. O que mudou primeiro, foi a linguagem. E a postura,
mais leve, mais solta, que manifestava uma divindade mais próxima, menos
evangélica. Minois pergunta “Se ele é, de fato, Deus do amor, deve ser também Deus
84
do humor. Deus é humorista ou, não é?”. 20. O autor já havia avaliado que o
monoteísmo estrito exclui o riso do mundo divino. E questiona “do que poderia rir um
Ser todo-poderoso, perfeito, que se basta a si mesmo, sabe tudo, vê tudo e pode
tudo?” 21
20
MINOIS, Georges. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Editora Unesp, 2003. p.573
21
Idem. p.111
85
O final dos anos 1950, e chegando ao seu apogeu com o movimento hippie na
atingiu não somente a Europa, como chegou aos Estados Unidos, e ficou conhecido,
numa leitura sociológica, como contracultura. Ele possuía um teor social, artístico,
amor, a natureza, como forma de tornar a liberdade, a sua mais forte característica.
espírito, de luta pela paz e ainda, a valorização das minorias e levantando-se contra
transcendental e outras.
O slogan “paz e amor” (peace and love) ou ainda, “faça amor, não faça guerra”
(make love not war), trazia na proposta, uma vida de valorização e prática
Mas foi um movimento cristão, nascido como uma reação ao movimento Hippie:
(CCM), que contava com bandas como The Second Chapter of Acts, A Band Called
David, All Saved, Freak Band, Petra, Love Song, Servant, Stryper, Resurrection
Band, , The Joyful Noise,... e a promover músicos como Barry McGuire, o guitarrista
Phil Keaggy, Dion Di Mucci, Randy Stonehill, Randy Matthews, Paul Stookey (ex-
integrante da banda de folk Peter, Paul and Mary), Andraé Crouch (and The
alternativo de vida, chegaram a dar vida à movimentos que juntavam a cultura hippie
missionários vindos dos EUA e da Alemanha, que inspiraram uma nova concepção
de música cristã. E a não ser no aspecto musical, mais contemporâneo, nada mais
provocou, e ainda assim, apenas no âmbito das igrejas evangélicas. Mas foram nos
anos 1970, que grupos musicais e bandas apresentaram mudanças musicais, tais
87
mercado de consumo de música que foi denominada de “gospel” por aqui (o termo
cultura
chamamos por aqui, evangélica, sempre foi o proselitismo e, para isso, tocar a
cultura sempre foi um desafio. Do movimento dos primeiros protestantes, seja ele de
investiram na educação, seja pela criação de escolas, colégios, seja pelo contato
pessoal, onde não se dependesse só da ação do clero, nas igrejas como no esforço
trocou a emoção pela razão – seja pela exigência da leitura dos textos bíblicos, seja
pregação enfrentou desafios novos, até que finalmente obtivessem eles o sucesso
hermeticamente fechados a isso. É certo que não procuravam saber o papel do riso
da oratória era buscado, a erudição, não só bíblica, mas acadêmica, mas não o
“rebaixar-se”, falar a linguagem do povo simples, que sempre fez a maioria do povo
e, no que toca ao nosso estudo, fazer piada com o que não se pode mexer, o
populares e chulos não deixa de inquietar a elite social e intelectual. Falar com os
subversão social espreita” (MINOIS, 2003, p. 409 e p. 410). É totalmente aceito, que
há um papel social no riso, mas é certo que naquela época, a igreja evangélica não
se apercebia disso.
às terras tupiniquins, não só já havia constatado o humor dos nativos, quando da sua
vinda ao Brasil do século XVI, em 1556, para se juntar com o propósito evangelizador
na “França Antártica”, como ainda registrou o fato no seu História de uma viagem
feita ao Brasil. Ele afirma que para sua surpresa, chegando de uma Europa séria e
fanática, foi constatar que para os índios naturais da terra, o rir era coisa normal e
feito à toda hora. É um “povo que foge à melancolia”, e acrescenta: “eles detestam
seu relato se este estado natural deles seria de uma hilaridade permanente? “Eles
só fazem rir”. Se uma piroga virasse, o que fatalmente faria desesperar um europeu,
eles “começavam a rir tão alto que nós os vemos e ouvimos soprar e troar sobre a
89
água como uma tropa de soldados” 22. Minois cita o relato e descreve mais uma
experiência de Léry
Uma vez, Jean de Léry julga que se preparavam para comê-lo, mas
era um engano, que suscita grandes gargalhadas. Outra vez, os
índios apressam-se em matar e comer uma mulher; Jean de Léry,
caridoso, propõe-se a batizá-la, mas ela lhe ri na cara. “ela rindo de
novo, foi golpeada e morreu desta maneira”. Foi uma alegre refeição.
Será que o autor tinha consciência da incongruência do seu gesto?
Jean de Léry fica perplexo. (MINOIS, 2003, p. 294)
protestante não tinha como alcançar as ruas com a pregação racional e fria dos
europeus de Genebra ou das Europas. Era preciso mais. Era preciso sair-se dos
limites dos templos e falar a língua do povo, tocar a sua cultura, uma cultura em
O humor, desde sempre parece ser mesmo marca da cultura nacional fazendo
pelos “de fora”, e naqueles tempos em que o descompasso do que a ditadura vivia
cumprir com a sua vocação proselitista, desejava alcançar a sociedade e não seria
com uma linguagem importada, distante que conseguiria atingir o seu objetivo. Junto
com o desconforto de uma geração inteira de fiéis diante de uma sociedade que a
22
J.DE LÉRY, Histoire d’un voyage em terre de Brésil. Le Livre de Poche: ed. F. Lestringant, 1994, p.300
90
Talvez, sem a crise, teria se acomodado, mas os tempos exigiam-lhe outra postura.
Henfil 23, o grande nome do humor e do cartum nacional, defende que todo
mundo tem talento, mas ele é sempre fruto da necessidade, o que define como
poder - e até contra a censura (mesmo que aplicado ao desenho, à arte gráfica) -
O humor gráfico tem uma coisa interessante, ele marca muito! Você
quando lê um artigo e gosta, você pode lê-lo mais três a quatro vezes.
Quando gosta de uma música você pode escutá-la mil vezes. Você
pode ver mil vezes o mesmo gol. Já o desenho de humor, a coisa
gráfica, você só vê uma vez. (Mata) na primeira. (HENFIL / SOUZA,
1985, p.76 e 77)
23
Henrique de Souza Filho, mais conhecido como Henfil (1944 — 1988), foi um cartunista, quadrinista,
jornalista e escritor brasileiro, Henfil criou em 1970 a revista Fradim, que tinha como marca registrada o
desenho humorístico, crítico e satírico, com personagens tipicamente brasileiros. Trabalhou também com
cinema, teatro, televisão e literatura, mas ficou marcado mesmo por sua atuação nos movimentos sociais e
políticos brasileiros.
91
entrar em cena. Ele aliás, separa as coisas, reduzindo a sua própria capacidade de
O que Henfil dizia era talvez, que a expressão artística, ou qualquer que fosse
ainda, não seria diferente. E o humor poderia ser, como cremos nesta pesquisa, ser
religião, como uma arma de dois gumes e destruir a ideia que há um divórcio entre
o riso e a fé.
92
Essa onda de renovação estética das artes, não apenas na música, não ficou
Brasil, ela acabou por influenciar e a interagir nas propostas de origem pentecostal
que já estavam aqui desde os anos 1950 a 1960, quando da sua primeira leva que
mais simples, o humor e a descontração na vivência da fé. Magali Cunha, cita o caso
protestante e
movimentos pentecostais não fica restrito à periferia das cidades, que é como ficou
patente por anos, com a pecha de uma “fé de gente simples”, mas foi “retocada”,
93
aqui se estabeleceram, a partir dos anos de 1950 e 1960, que buscavam alcançar
uma nova cultura dentro das igrejas. Líderes que se formaram nos acampamentos,
ou nos seus institutos bíblicos, eram reconhecidos como mais versáteis e adaptáveis
criatividade.
- em espaços públicos, algo ainda hoje, não comum nas igrejas, que preferem
24
Palavra que vem de eclesia, (igreja) e o prefixo [par(a)-], do grego “pará”: junto de; ao lado de - e está
relacionada a atividades que coexistem com o ministério eclesiástico. Sua característica é conectar pessoas
com a fé, evangelizar, ou fazer prosélitos, mas não têm por objetivo rivalizar-se às igrejas e denominações,
apesar de organizarem-se com independência em relação a elas. Buscam levar o Evangelho para cultura sem
levar a igreja-instituição, a estrutura, apesar de incentivarem o novo fiel a buscarem-na e a ela se integrarem.
Apesar a independência, vêm-se como cooperadores, como braços complementares à obra das igrejas e não
concorrentes.
94
inusitados tais como praças, ginásios, escolas, teatros, e até em igrejas – mas de
uma forma não usual – sempre com atuação musical, teatro, pantomimas, bonecos,
... Alguns deles chegaram a fundar institutos bíblicos ou seminários teológicos que
buscavam formar líderes com uma visão bem mais arrojada, ou descolada das
origem.
da Aliança Bíblica Secundarista, ele mesmo influenciado por anos de atuação num
que falaremos mais tarde, afirmou que estes “movimentos trouxeram uma lufada de
ar num período difícil da vida nacional, do qual as igrejas não estavam isentas”
(informação verbal) 25
missionários que vieram ao Brasil trabalhar entre os índios em 1952, com a criação
25
Entrevista concedida por BOMILCAR, Nelson. Entrevista 2 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (38,21 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
95
as igrejas, eram muito tradicionais, inclusive nas artes e rigorosos para com o
Sobre esse tradicionalismo que era a marca do crente tradicional, Magali Cunha
afirma que
nos meados dos anos 1970 o grupo Elo e a sua editora, que fugia e muito desses
do Youth For Christ, surgida nos Estados Unidos, como uma iniciativa espontâneas
nascimento, tendo à frente, Dr. Torrey Johnson e tendo como primeiro obreiro, que
é como chamam nas igrejas evangélicas, um pregador novato, o jovem Billy Graham.
Em 1947, surgem por aqui seus primeiros missionários, mas foi somente em 1954,
é que chegam para a fundação do movimento no país, o casal Paul e Jane Overholt,
época em todo o mundo para este fim 26. Além do seu trabalho nos esportes,
Outra digna de menção foi a Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo (hoje,
chamada de CRU Brasil), fundada nos Estados Unidos por Bill Bright (1921-2003)
espalhando por todo o país, um folheto chamado “As quatro leis espirituais”, com
formato pouco maior que um cartão de visitas fechado e em poucas páginas, tanto
26
Disponível em <http://www.mpc.org.br/sobre-a-mpc-brasil> Acesso em 25 out. 2017
97
que foi por anos acusado por muitos, de “reduzir e simplificar demasiadamente o
evangelho”.
quer que houvesse concentração de pessoas, saia pelo país, e em parceria com
pequeno folheto. Ainda hoje de mais de um milhão, deles são distribuídos por igrejas
e organizações 27.
International, nos Estados Unidos, e aqui, em 1963, com o “sonho de ver uma igreja
saudável, ao alcance de todo brasileiro, que possa levar o evangelho de Jesus Cristo
de 2000, por razões óbvias, diante da dificuldade histórica que o nome “Cruzada”
América que usavam jovens para o trabalho de pregação – sua energia, sua
e uma dinâmica de discipulado aplicado por Kemp e sua esposa, de início – repetisse
o modelo, treinasse líderes das novas gerações de igrejas, não importando a sua
27
Disponível em <http://cru.org.br/nossa-historia> Acesso em 25 out. 2017
28
Disponível em <http://sepal.org.br/historia> Acesso em 25 out. 2017
98
comportadas e de ritmos tradicionais, e, num espaço de uns dois anos, deram lugar
à uma contextualização não apenas de conteúdo, mas de forma, com ritmos bem
congregações onde parecia que “música que agrada a Deus era a americana”. Como
Música brasileira tinha uma raiz africana e, como se cristalizou por muito tempo,
ritmos de matriz africanos, ou que cheirasse aos profanos nordestinos, como o baião,
o frevo, o xaxado, eram coisa de gente profana, não santa. Ou numa outra
interpretação, a cultura protestante não podia ter humor algum. Era racional demais.
era digno de Deus”. Não faltaram nesse período, guerras pretensamente teológicas
sobre que instrumento musical – além dos ritmos – era ou não digno de Deus, ou
canções americanas, para partirem de algum ponto e que os deixasse livres dos
hinos centenários tradicionais que se cantavam nos cultos das igrejas, solenes
29
Entrevista concedida por KEMP, Jaime. Entrevista 1 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São Paulo,
2017. 1 arquivo .mp3 (23,8 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta dissertação
100
espaço para o surgimento alguns anos depois, de uma cultura gospel, de mercado,
de novos cânticos.
30
Idem
31
“Um hino ressoa ao Senhor” – letra Mattathias Gomes dos Santos (1931) e música, de Charles Hutchinson
Gabriel
101
Era comum afirmar-se que muitos dos clássicos hinos eram cantados sem que
ninguém soubesse do que se tratava, como neste caso, “fragoso alcantil”, eram
cultura ao povo, que os VPC, pouco a pouco vieram a se firmar, deixando o conceito
de que não havia um protestantismo brasileiro, mas no Brasil, como aliás, Mendonça
defendia
Como se pode falar numa igreja brasileira, sem que se toque a cultura, traga
elementos culturais na sua expressão e vivência? Pois nos anos da ditadura, isso
era um peso a mais, para além do erro histórico da “aculturação” protestante de fora.
Falar-se em igreja brasileira, era algo perigoso, pela pressão por ignorar-se o que
original, conforme registra Burke 32. Ele já havia incluído a congregação nos cantos
cultura do povo, trazia-o para mais do que uma atuação meramente passiva nos
serviços religiosos. E sem emoção, sem humor, que aliás, é marca do povo
brasileiro. Entretanto, aqui ainda, nas igrejas, isso feria a “santidade” de Deus, afinal,
o altíssimo, exige santidade e ...ordem. Essa era e devia ser, a marca das
32
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Média 2. Ed. São Paulo: Cia das Letras, 1999. P. 246-249.
33
Entrevista concedida por KEMP, Jaime. Entrevista 1 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São Paulo,
2017. 1 arquivo .mp3 (23,8 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta dissertação
103
Jasiel Botelho, fundador dos Jovens da Verdade faz coro com Kemp e não vê
como desassociar a espiritualidade do humor. Ele afirma ser impossível sim juntar
exteriores, que são capazes de “adestrar”, mas não transformar o interior, a forma
Sim, porque hoje eu divido, o Tim Keller 34 foi quem ajudou a gente a
ver isso: separar religiosidade do evangelho. O evangelho é livre, por
exemplo, você pode fazer uma charge de Deus, Deus não fica
ofendido, Deus está acostumado a sofrer, na religiosidade, o deus
religioso é o mesmo deus do muçulmano. Quando você diz “não leve
o nome de Deus em vão”, não é questão do humor, é questão de
você não brincar com Deus, não levá-lo à sério, não é o brincar com
ele, porque Deus é pai e se há uma coisa que o pai mais gosta de
fazer com os seus filhos, e vice-versa, é brincar. Por isso eu digo que
hoje eu tenho a liberdade de brincar com Deus porque ele é meu Pai.
(informação verbal) 35
e hoje, raras são as igrejas que não os têm no palco, à frente da congregação e as
cariz reformada.
34
Timothy Keller (1950), um dos mais famosos oradores e escritores presbiterianos da atualidade. Natural da
Pensilvânia, com formação acadêmica na Bucknell University, no Gordon-Conwell Theological Seminary e no
Westminster Theological Seminary, foi por anos pastor da Redeemer Presbyterian Church, em Manhattan,
igreja que fundou em 1989 e esteve no Brasil
35
Entrevista concedida por BOTELHO, Jasiel. Entrevista 3 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (36,25 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
104
Naqueles anos, a missão que veio de um americano lançara novos talentos que
da época.
36
Sérgio Paulo Muniz Pimenta (1954 - 1987), foi um cantor, compositor, multi-instrumentista e arranjador de
música popular brasileira cristã. Foi um importante compositor evangélico nas décadas de 70 e 80
37
Idem
38
Guilherme Kerr Neto (1953), é cantor, compositor, produtor musical, multi-instrumentista, arranjador
brasileiro, e reconhecido como um dos músicos mais conceituados da música brasileira cristã. Hoje vive nos
Estados Unidos, como pastor de igreja
39
Entrevista concedida por BOMILCAR, Nelson. Entrevista 2 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (38,21 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
105
imaginava a integração dos novos convertidos à fé, alcançados com uma mensagem
vinham para as igrejas, o prosélito encontrava outro “produto”, como nos afirma
Letônia, na zona leste da cidade de São Paulo, com poucas opções de integração
40
Idem
41
Mauro de Oliveira (1954), jornalista, compositor, humorista e manipulador de bonecos
106
Quem quer que se atrevesse a ousar com o uso do humor nas pregações ou
na condução dos serviços religiosos era malvisto. Tanto na igreja tradicional que
insistia num formalismo silencioso, reverente, como nas, bem menos rigorosa com
esses aspectos, pentecostais, ser cristão era ser sério. Sobre isso, Bomilcar afirma
Reverendo não deve rir, e eu acho que a gente tem que reconhecer
esses precursores que chutaram a porta, um deles sem sombra de
dúvida também, início dos anos 70 é Jasiel Botelho 43, que na minha
opinião deveria que ter permanecido mais nessa vertente, mas teve
que transitar em outras vertentes pra conseguir ganhar o direito de
fazer, de chegar nos encontros e congressos de pastores pra poder
fazer a sua pintura anual... Mas assim, o que nós publicamos hoje?
O que temos de publicação hoje nessa questão? Dificílimo! Agora
como você vai fazer piada pra você rir da fé? Dos que tem fé? Do
ambiente da fé? Ainda hoje o humor parece que não bate bem com
o sagrado. No culto não é bem-vindo, mas se for na hora do bolo lá
em baixo (nos anexos aos templos) aí pode, você percebe? É um
negócio doido isso. É aquela dicotomia ainda, o momento espiritual,
momento sacro, agora é o momento secular e momento espiritual! E
eu me pergunto, os reformadores tinham humor? Não usavam o
humor nas suas mensagens que impactaram tanto? Não usavam pra
que enxergassem as loucuras que estavam fazendo? Com certeza
sim! Nem a ótica histórica eles conseguem colocar por esse prisma,
aí um cara que é extremamente lúdico que caminha no universo da
fantasia, da metáfora como C. S. Lewis. Ele tem que fazer um
caminho por fora. (informação verbal) 44
42
Idem
43
Jasiel Botelho (1948). É pastor evangélico, missionário da SEPAL, e fundador e atual presidente da Missão
“Jovens da Verdade.
44
idem
107
numa solução ainda mais drástica, a mudança de igreja, ou pela adesão à alguma já
45
Seminário Presbiteriano José Manuel da Conceição, em Jandira-SP
46
Josafá Vasconcelos, paulista (nascido em 1948) e um dos fundadores dos Jovens da Verdade, junto com Jasiel
Botelho. É pastor da Igreja Presbiteriana da Herança Reformada em Salvador; foi Presidente do Presbitério da
Bahia; conferencista reformado no Brasil e exterior; foi membro da Comissão de Evangelização da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Conferencista, autor e tradutor de diversos artigos publicados
47
Reverendo presbiteriano Amílcar Borba, foi presbítero (1972-1981), e ordenado pastor pelo Presbitério
Unido de São Paulo em 15/03/1981, tornando-se co-pastor da IP Unida-São Paulo-SP. Em março de 1986
tornou-se pastor titular desta igreja até dezembro/1990. A partir daí dedicou-se integralmente ao ministério
de campanhas evangelística em todo o país. Faleceu no dia 22 de março de 2012.
108
É certo que, como afirma Berger, esses eram os profetas da vez, que
poder, fora, na sociedade civil, domada pelo regime militar, quanto nas comunidades
religiosas, pelas mãos de líderes que, segundo Jasiel Botelho, cediam às suas
O poder teme, porque o poder não quer ser criticado de jeito nenhum.
Agora imagine o poder político! E o poder eclesiástico? As lideranças,
os pastores, nós os pastores não aceitamos ser criticados,
principalmente os líderes. O maior problema da liderança é o
narcisismo, é a vaidade, é a soberba. Quanto mais um líder é forte,
quanto mais ele é famoso o líder, mais ele é intocável, ele é o
“ungido”, ele não pode ser criticado de jeito nenhum. Se nós, pobres
mortais não podemos, imaginem esses caras que são semideuses,
entendeu? (informação verbal) 49
Nesse caminho por fora, esses “marginais” que optaram por um caminho não
os seus projetos – ou “missão” que, cria-se, fora inspirada por Deus. Bomilcar afirma
“todos acabaram investindo naquilo que acreditam, todos os projetos iniciais foram
na grande maioria das vezes bancados pelos próprios que acreditavam no projeto”.
48
Entrevista concedida por BOTELHO, Jasiel. Entrevista 3 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (36,25 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
49
Idem
109
E a explosão que o Brasil assistiria nos anos seguintes a esse começo de arranque
Bomilcar concorda
elasticidade maior na sua morfologia. Mas não bastava o rigor com a doutrina, o
tarefa, a sua urgência e incluía um esforço por uma metodologia nova e criativa.
Nela, a cultura – não bíblica - deveria ser confrontada pelas escrituras, mas não se
uma contra a outra, mas buscar pontos de contato entre elas e mais
50
Entrevista concedida por BOMILCAR, Nelson. Entrevista 2 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (38,21 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
110
Mas se o pacto foi assinado pela maioria esmagadora das igrejas históricas
presentes no nosso país, a observância do que assinaram não foi assim tão simples,
na conduta e prática que se viu. O cenário continuaria por muito, parecido àquele
que Jean de Lery encontrou, de um lado a cultura tupiniquim – simples, leve, bem-
Maurão, o pioneiro e até hoje humorista, tem seu ponto de vista e afirma que
pelos “desvios” de conteúdo, pelo rigor com a forma, com raras exceções como aliás,
ele encontrou
51
Disponível em < http://aliancaevangelica.org.br/quem-somos/lausanne/85-pacto-de-lausanne-1974>
Acesso em 30 out. 2017
111
presbiteriano Evandro Silva também sentiu na pele a “pecha de gente não séria”,
especialmente por ter vindo do circo, dos programas de rádio e dos shows de stand-
up 53, ao lado de gente que se consagrou e fez história no humor do país como Moacir
Nossa”.
Silva conclui sobre o que seria um erro histórico, de abordagem, em que entre
Você não pode ir pra lá e tacar aquela coisa maçante! Por isso é que
eu saí da igreja, daquele negócio, daquele evangelho sem graça... A
igreja de hoje é esta: quer mais o discurso bem embalado do que o
conteúdo dele. Termos teológicos, etc, ...mais do que a alma do
crente, a vida do fiel. A nossa pregação tem de ser mudada, tem de
ser mais objetiva, menos escolástica, ela tem de ser a prática do
evangelho na vida diária. Nós protestantes acabamos com a emoção,
ficou aquele trem que não se entende. O que o Aleluia de Handel,
52
Entrevista concedida por OLIVEIRA, Mauro. Entrevista 4 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (30 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
53
Stand Up comedy é um espetáculo de humor, apresentado por uma única pessoa, onde não existe nenhum
tipo de personagem. Geralmente as apresentações de stand up comedy buscam trazer um texto original, com
temas do cotidiano das pessoas. Nas apresentações de stand up, o artista não usa nenhuma ferramenta, como
cenários, caracterização, acessórios, não conta piadas prontas, é apenas baseado nas observações do dia-a-
dia.
112
tem a dizer para nós, além da melodia, de ser uma peça clássica da
música sacra? (informação verbal) 54
pessoas, como por exemplo, nas parábolas que ele usava contar, como um recurso
Veja, Jesus tinha humor nas suas parábolas. Aquilo tudo era causo.
E chamava a atenção do povo. Eles estavam tentando apanhar Jesus
em algo, e ele vem com essa: “Um cara tinha cem ovelhas...”, aquilo
não tinha nada a ver com o que eles estavam falando, os caras
devem ter pensado: “Uai, ninguém estava aqui falando de ovelhas...”
(informação verbal) 55
e como crê que Jesus contaria hoje a Parábola do Filho Pródigo 56 aos seus
ressentira com a volta do irmão à casa da família, num clima mais contextualizado,
mais contemporâneo
mas a gente conta (as parábolas) assim, com a voz empostada, com
palavra que não comunica, que não pega nada em ninguém, a gente
tem de contar assim: “este safado, ficou dentro de casa, ruim que
nunca lembrou do irmão dele!!!”. Você tem de mexer com o couro do
sujeito (na cultura dele) e ele dizer: “Meu Deus, eu sou esse cara! Eu
tô aqui nessa igreja há trinta anos e nunca fiz nada”, mas se você
pregar daquele jeito, nos clássicos, ... Meu Deus, o Evandro é doido,
você viu o que ele falou? Por isso eu admiro você ter levantado esta
questão. Tanta gente surgiu naquele tempo, falando e ensinando os
jovens a falar a linguagem das ruas, o Jaime Kemp, o Josafá
54
Entrevista concedida por SILVA, Evandro. Entrevista 5 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (1h42 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
55
Idem
56
Lucas 15:11-32
113
diferente daquela restrita aos templos e à liturgia “apertada” dos serviços religiosos.
própria prática da vida cristã nas gerações que viriam. E produziram uma fé mais
cristão evangélico, ou “crente”, já não era assim tão “quadrado”, nem fariseu – aquele
religioso que fugia não só do estilo profano dos demais – só tinha valores dos quais
57
Entrevista concedida por SILVA, Evandro. Entrevista 5 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (1h42 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
114
acampamentos.
foi em 1885, nos Estados Unidos, que a ACM - Associação Cristã de Moços - de
Nova Iorque - levou os seus membros para uma viagem de oito dias para o Orange
corte de cabelo militar, já no ano seguinte graças a esse detalhe, o evento foi
acampamento da ACM-EUA.
exportado pelos Estados Unidos para outros continentes. Por esta razão temos hoje
comparado aos retiros de carnaval que eram realizados antes da chegada de tal
registros oficiais descrevem mais a sua realização do que a forma como foram
Pelo que se percebe pelo menos até a década de 70, manter os jovens e
carnaval”.
pelos Batistas, seguidos ainda pelos Jovens da Verdade na região de São Paulo.
do povo hebreu, onde uma pessoa acusada do que hoje chamaríamos de homicídio
onde os jovens (e não só) tinham uma nova visão da “santidade” do Altíssimo. A isso,
americana por força da cultura dos missionários), esportes, num mesmo espaço (a
58
Deuteronômio capítulo 19, versos de 1 a 10
117
cristão e não mais um prédio. E o respeito e devoção a Deus era algo para ser vivido
todo dia, em todo o lugar e não mais num espaço físico determinado.
estruturas quase sempre modestas, o participante tinha uma visão tão leve quanto
espiritualidade e a divindade era apresentada como algo próximo da vida dos fiéis
afirma que
propostas que parecia muito subjetiva e distante dos participantes que passavam
59
Canção religiosa popular – ou corinho - na época, de autoria desconhecida, de letra simples e acompanhada
por coreografia, pelo levantar e assentar do público
60
Entrevista concedida por BOTELHO, Jasiel. Entrevista 3 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (36,25 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
119
É corrente que nos anos de 1960 a 1980, muitos líderes reconhecidos no meio
raramente, até da sua conversão neles. Foi ali, nesses espaços, em que a cultura
popular era o desafio a ser lido e transformado pelos valores que aprendiam e não
mais algo do qual fugir-se. O céu ficava mais perto do chão, da vida do jovem fiel e,
em “Religiosidade no Brasil”
sacerdócio universal, por exemplo, do que as igrejas, nas quais a posição oficial era
a de manter seus membros longe das questões que desafiavam o país. Era comum
sociedade. Sagrado não era a atividade, sagrado era o cristão e onde estivesse e o
que fizesse, seria uma consequência disso. Não havia apoio à máxima: “cristão não
se envolve com este mundo”, em geral o que se ouvia era que “as atividades do
cristão na sociedade têm tanto valor quanto o trabalho dos religiosos”, tanto pregado
naqueles anos. Nas atividades desenvolvidas, estava o teatro, o palco, tanto para
esquetes de humor61.
61
Esquete é uma peça de curta duração, geralmente de caráter cômico, produzida para teatro, cinema, rádio
ou televisão. O termo em Inglês com o mesmo significado é “sketch”. Têm cerca de 10 minutos de duração e
são onde atores ou comediantes possuem forte capacidade de improvisação. Os temas para os esquetes são
variados, mas geralmente incluem paródias sobre política, cultura, sociedade e, não raramente, nesses
acampamentos, também a religião.
121
ver tratada pela religião, as suas questões mais profundas, até de forma bem-
longe do cotidiano.
caminho de volta para casa. E o calendário desses eventos, aguardados o ano todo.
É bom frisar, que apesar do rigor das igrejas evangélicas, não era raro
anexo às salas de culto, tais como pavilhões, salões sociais, onde junto com salas
de aula, havia um palco para celebrações e também encenações. Ali era o lugar
próprio para os cultos de mocidade, o único espaço “neutro” onde se podia cantar
122
manifestação mais que proibida num espaço como os dos cultos e até, nalguns
acampamentos. E afirma
3.5. Uma nova linguagem no ritual do serviço religioso – odres novos para
vinho novo
religião ou seita.
62
Corinhos eram músicas alternativas aos hinários tradicionais e centenários que se usavam nas igrejas, de
melodia simples e forte tom emocional, originadas nas reuniões avivalistas nos EUA a partir do século XIX, e
trazidas ao Brasil nos anos 1950 por pentecostais e instituições paraeclesiásticas. Eram o tema musical dos
acampamentos e retiros.
63
Entrevista concedida por BOTELHO, Jasiel. Entrevista 3 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (36,25 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
123
O que “toca” o homem? E será que o do campo será o mesmo que o da cidade?
E o que diremos dos jovens, de uma geração que se formava em plena revolução de
liturgia romana
“De todos os ídolos, ele não conhecia nenhum tão grotesco como
aquele no qual o sacerdote evocava Cristo em suas mãos pela
124
Mas como seria a liturgia que regularia uma reunião familiar, na presença do
pai? Seria a mesma numa família italiana? E numa tribo indígena? O que é um clima
É difícil tratar desse assunto – honra e respeito – nos dias de hoje, ou no dos
liturgia dos seus cultos e serviços, em algo mais livre e mais, portanto, criativo,
que estas tivessem acolhida em algum lugar que os suportasse. Era a exemplificação
da assertiva bíblica que afirma “não se acondiciona vinho novo em odres velhos” 64.
Cristo, ao ganharem novos adeptos, era comum verificar que não conseguiam estes
se adaptar nas igrejas para onde eram dirigidos. Era como se houvessem vendido
um peixe que não era encontrado depois nas igrejas. A pregação do “venha como
Bomilcar afirma
64
Mateus 9, versos 16 e 17
65
Hino da Harpa Cristã nº 446, do hinário da A Harpa Cristã é o hinário oficial das Assembleias de Deus no
Brasil, lançada originariamente, em 1922
126
surgiram no país, igrejas que transformaram o ambiente dos seus serviços religiosos.
Se no meio tradicional, das igrejas históricas isso era algo impensável (a Igreja
Foursquare Gospel Church, pastor Harold Willians, natural de Los Angeles – EUA,
auxiliado por um pastor latino americano, que promovia celebrações menos formais,
Exemplo maior dessas liturgias não engessadas, e que marcou época – e escola –
foi a “Igreja do Tio Cássio” ou Igreja Cristo Salva, que apesar de ter ficado restrita a
66
Entrevista concedida por BOMILCAR, Nelson. Entrevista 2 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (38,21 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
127
poucas congregações até hoje, marcou época e é emblemática pelo motor das suas
cidade, em 1974.
Fruto da sua paixão pessoal e no que afirmava ser chamado divino, Tio Cássio
Planalto Paulista, onde está até hoje, mesmo após a sua morte em 1998.
indiscutível por acolher gente rejeitada fez escola e até hoje é referenciado pela
acomodações – da sua própria residência à casa onde mais tarde seria a sua igreja,
divino
“não consigo nem cuidar dos meus filhos, vou cuidar dos filhos dos
outros?” 67
67
Entrevista concedida pelo Tio Cassio a Revista Vinde em novembro de 1998. nota 34.
128
vinham ter contato com um evangelho que apresentava um Deus que os aceitava de
fato, como eram – com cabelos compridos, de calças desbotadas ou coloridas, ... –
e onde não eram recriminados por isso. O “Tio Cássio”, muitos ainda hoje
abandonado.
assentavam ao chão (não havia cadeiras ou bancos) e para além das músicas que
“indignos” nas suas igrejas de origem. Na hora da oferta, eram todos desafiados a
Silveira Neto na sua pesquisa sobre a teologia defendida na Igreja Cristo Salva,
afirma
Fato é que a Igreja Cristo Salva, foi acompanhada de perto e apoiada por
o pão – de pastores, tais como os presbiterianos Rer. Caio Fábio Araújo Filho e Rev.
Antônio Elias, Pr. Enéas Tognini, Pr. Carlos Alberto Bezerra, Pr. Carlos Alberto
Marketing de SP, jovens pastores como Adhemar de Campos, que mais tarde viria
Shedd 68.
68
Russell Philip Shedd (1929 -2016) foi um teólogo e escritor evangélico e missionário da Missão Batista
Conservadora no Sul do Brasil, fundador das Edições Vida Nova e professor de faculdades e escolas teológicas.
Era membro da Igreja Bíblica Evangélica da Comunhão (IBEC) e escreveu dezenas de obras reconhecidas e foi
membro de comissões de traduções da Bíblia.
130
escolas, praças, universidades, colégios, igrejas pelo país foram formados ali, tais
especialmente os mais jovens - e não forçar o povo para uma liturgia, acabou por
reformada – a fé na obra vicária de Cristo é que salva e não as obras de uma criatura
aos mais pobres (ou de envolvimento com as “coisas desse mundo”, como vimos
fruto da obra vicária do Cristo, e não há obra humana que se a compre, então na
podia ocupar da salvação das almas, não dos corpos, ...e por aí afora. Na negação
do que era ser-se católico apostólico romano, passava-se por cima da teologia
reformada, para o que Alderi de Matos, hoje historiador oficial da Igreja Presbiteriana
131
do Brasil, reconhece que até aos dias de hoje, existe um substrato histórico
A igreja evangélica era mantida longe da realidade e isso produziu por anos,
assistencial, tornando-a alvo de críticas de dentro e de fora dele. Afinal, era parte de
um país onde boa parcela da população vivia abaixo da linha da pobreza, e que vive
que ainda tem a marca da corrupção e da injustiça, e onde são tão poucas as vozes
de cristãos que levantam sua voz contra todo esse "status quo". Mas como denunciar
comerciais ou iniciativas que produzissem lucro, marca do mercado gospel que iria
recurso que a bancasse. Mas nem sempre isso era aceito. O formato bem-
comportado, ou sério, prevalecia não sem uma censura do que saia dos artistas.
69
Começamos na ilustração e arte editorial e no cartum de propaganda evangélica em 1979 com a publicação
de histórias em quadrinhos que vinham encartadas na Revista Elo, com o personagem “Juvenal o crente quase
normal”, com críticas ao padrão de espiritualidade da época e com algum ensino
70
Revista de conteúdo cristão evangélico, bimestral que durou por seis números, de 1979-1980, com tiragem
de 30 mil exemplares, em policromia e num ineditismo para a época, era interdenominacional, mantida por
assinaturas e o investimento dos donos de uma grande empresa de consultoria e publicações para a área
contábil em São Paulo-SP
71
Aliança Pró-evangelização de Crianças - APEC é um ministério dedicado à alcançar crianças. Fundada pelo
Rev. Jesse Irwin Overholtzer, em 1937, em Chicago, Illinois, Estados Unidos. No Brasil, foi fundada em 1941
72
Entrevista concedida por BOMILCAR, Nelson 2 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São Paulo, 2017.
1 arquivo .mp3 (38,21 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta dissertação
133
“mundo”, tudo o que não estava circunscrito ao espaço do “sagrado”, tentava-se frear
As artes estavam censuradas do lado de fora, mas dentro das igrejas, o máximo
tradicional.
empreendimento inédito, uma editora que lança uma revista, talvez uma das
evangélico, sem estar ligado a uma igreja ou corrente, sem cor denominacional, a
Editora Musical e Literária Elo. Fruto do investimento dos sócios – de origem batistas
ou da Igreja dos Irmãos 74 - de uma editora voltada ao mercado jurídico tributário, que
editava na época o Mapa Fiscal, aventurou-se pelo mercado evangélico, com livros
também inéditos para a época através da Banda Elo, que era liderada pelo filho do
73
Entrevista concedida por BOTELHO, Jasiel. Entrevista 3 [out. 2017]. Entrevistador: Ruben Pirola Filho. São
Paulo, 2017. 1 arquivo .mp3 (36,25 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice desta
dissertação
74
Também chamados de Darbistas embora muitos de seus membros rejeitem qualquer nomenclatura. No
Brasil são mais conhecidos como Casa de Oração ou Igreja dos Irmãos, Irmãos Unidos ou Irmãos Livres. Os
primeiros irmãos eram membros da ala evangélica da Igreja da Inglaterra e oriundos de igrejas protestantes
livres que começaram a se reunir na Irlanda e Grã-Bretanha. Um dos seus primeiros líderes foi John Nelson
Darby, que pretendia restaurar um cristianismo simples e expunha a Bíblia com um paradigma teológico
dispensacionalista.
134
cores e em papel couchet. Era a primeira grande investida rumo ao mercado que
alavancaria milhões e que, mesmo nos anos de crise, posteriores aos anos 1980,
agremiações.
Figura 12 -Visões de jornais da época: (da esquerda para direita) Jornal Mensageiro da Paz, órgão oficial das
Assembleia de Deus, de 1944 e ao lado, sua edição de 1979; O Jornal Batista, órgão máximo da denominação,
de 1978 e por último, a Revista Ultimato, outra pioneira, 1979. As publicações geralmente eram impressas em
uma cor, a não ser em ocasiões especiais, quando ganhavam algum luxo extra. Mas geralmente eram de uma
estética limpa, no melhor estilo baseado em forma – função – e sem maiores arrojos com a arte
135
Figura 14 - As ilustrações que, pioneiramente, abusavam da metáfora visual, linguagem vinda da publicidade e
que se utilizava do humor
136
dos fiéis, do modelo-padrão dos que eram arregimentados pelas igrejas: o sujeito
que não bebia, não fumava, tinha hábitos espartanos de vida, num padrão ascético
por fora, mas por dentro não havia assimilado bem a ética e a virtude do “novo-
normal”, criado por este pesquisador e Paulo Gonçalves Borges Júnior, ambos de
Presbiteriano do Sul.
Figura 16 - As histórias em quadrinhos vinham encartadas ao meio da publicação, em papel diferente, kraft,
para se destacar do conteúdo - sério e mais "respeitoso à linha editorial" e, claro, ao público.
138
Ainda que o nome original não tenha sido aprovado pelos editores – “Juvenal -
o crente cara-de-pau”, seu humor foi assimilado logo de início e a sua aceitação
garantida não só pelos jovens como pelos mais maduros e tradicionais, alcançados
pela publicação.
incongruência em que vivia o cristão – de reta doutrina, como era chamado por
constatação entre o que se vivia e o que se afirmava crer. Citado por Minois, afirma
Robert Favre,
O riso não é nem divino nem diabólico; é uma arma, e todas as armas
são boas contra os adversários da verdadeira fé (MINOIS, 2003, p.
297)
Figura 17- As histórias vinham com referências bíblicas para um melhor aproveitamento do leitor, na
melhor prática reformada de confiança no livre-exame dos textos bíblicos.
140
Figura 18 - Nas aplicações dos textos bíblicos, situações corriqueiras da vida em comunidade
Figura 19- A defesa da fé num encarte da Revista Elo, contra as heresias da negação do criacionismo
141
Apesar do sucesso e do seu ineditismo, a editora não durou mais do que por
ano e meio, encerrada após a trágica morte do seu líder (e esposa, um filho e a sua
babá), num acidente de carro, Jayro Gonçalves, o Jayrinho, que deixou canções que
naquela época dos anos 1970 e 1980, pela linguagem da publicidade e propaganda,
Figura 22 - Exemplo de folhetos de persuasão e de propaganda religiosa, que até hoje é usado com a mesma
estética, pelas igrejas evangélicas. E ao lado, um de 1984 já num estilo despojado, coloquial e bem-humorado
que começava a surgir (copyright Sociedade Bíblica Ebenézer e por último, de autor desconhecido)
143
acabou preso, até tornar-se um cristão e passado por uma casa de recuperação, que
desde sempre se mostrou para além do seu valor social na reabilitação de jovens
religioso.
de rock cristão do Brasil a alcançar notoriedade nacional (e que também passou pela
Igreja do Tio Cássio). Foi autor de músicas em ritmos nacionais tais como o Baião,
para além do rock. Mas o artista era tão admirado quanto atacado sem dó pelos que
não apenas usar-se acordes não “santos”, conforme a cultura ainda importada de
matrizes europeias e norte americanas, mas também por falar a língua das ruas. Ele
era o “crente” condenado pelo pecado inominável pelos tradicionalistas por chamar
a parousia 75, de “show”, que todo olho verá e diante do que, todo joelho haverá, um
dia, de se dobrar.
75
Palavra grega usada com o sentindo de presença ou vinda. Seu uso indicava a presença ou chegada de um
rei ou governante. No Novo Testamento ela é usada designar a segunda vinda de Cristo à Terra, primeiramente
para os fiéis e depois para todo o mundo.
144
E nisto, Janires foi um mestre. Na sua música “Etc e tal”, Janires expõe sua
dos crentes (não faça isto, não faça aquilo... não vá ao cinema...), ao rigor do
Embaixo, da ponte
Jesus, Jesus
Em cima da ponte
Em cima da ponte
Escrito em mural
Não vá ao cinema!
Etc e tal
1981, não bastasse o ritmo mais do que condenável, em que o seu testemunho de
linguagem de fazer corar qualquer cristão da época pelo seu humor e sarcasmo.
Meu paletó listrado era de uma listra só (de uma listra só)
Metralhadoras e canhões
E lampião e lamparina,
Filosofia de malandro:
Tá sobrando iniquidades
Eu pregava cartaz
Eu comprava um "spray"
Após sair do Rebanhão, mudou-se para Belo Horizonte, cidade onde passou a
compositor genial na forma de testemunhar a fé. Uma das suas canções fazia o
76
“Liberdade não é uma calça desbotada...”, música e letra de autoria de Janires, composta e cantada pelos
finais dos anos 1960 e início dos anos 1970, com grande sucesso, embora jamais tenha composto a discografia
do autor.
148
maneira nada convencional, além do ritmo, o samba, inovador pra época, e hoje
Tudo aquilo não valeu nada, minha alma ainda estava perdida
Religião pode ser uma boa, mas nem sempre faz um bom papel
Por mais bonitinha que seja não leva ninguém para o céu
Mas a leveza e o escárnio já eram vistos nas canções que se, não eram
cantadas nas igrejas, nos cultos, eram presença constante nos acampamentos e
desconhecido.
É a reunião dominiqueira
Da mocidade independente
É a reunião dominiqueira
Da mocidade independente
dos meados de 1970, em São Paulo e desde lá tem sido um dos grandes da música
gravadas por Vencedores Por Cristo, Expresso Luz, Família Maranata, Carlos Sider,
77
A Bíblia, geralmente, na época era encontrada invariavelmente com capa na cor preta!
150
MILAD, entre outros intérpretes. Na sequência do seu trabalho inovador e com cheiro
bem brasileiro, tem gravado hinos tradicionais tocados em viola caipira e sanfona e
em canções com uma linguagem fora do convencional. Mas foi no “O samba enredo
de Moisés, o gago”, tão improvável quanto condenável, que revelou a sua verve em
Então, Deus deu ordem para Moisés: vá falar, meu filho, com o Faraó!
A Salvação!
protestante, do fiel evangélico da altura. Nela, Barros retrata uma ocorrência muito
religião, mais por uma postura ascética do que pelas suas convicções de fundo
teológico aquela em que não se consumia bebidas alcóolicas, não se fumava, não
se dançava ou jogava-se jogos de azar, mas quem nem por isso demonstrava
composição, ele mostra como práticas abomináveis eram reduzidas a quase nada,
Terra, que acabou por fundar uma nova denominação – a Igreja Sal da Terra - após
uma crise entre o grupo, e a IPB, nos anos de 1985, por insistirem numa liturgia mais
livre, e práticas não convencionais, com arte e humor no alcance dos jovens daquela
cidade universitária, ainda que, vale ressaltar, não tenham sido acusados de negar
Cidade onde aliás, uma congregação presbiteriana, já trazia o humor numa das
peças mais tradicionais das igrejas tradicionais, o boletim semanal. Nele, pode-se
ainda hoje esperar avisos, convites, a agenda da congregação e, como não podia
bíblico ou uma exortação pastoral. Em 1978, o humor era usado sem reservas,
mesmo numa igreja tradicional, a ironizar uma fábrica de cigarros, num mero pedido
mineiro” - trazia uma mensagem pastoral nada convencional, com humor e cartuns.
E assim, o formalismo dava lugar ao coloquial, ao tratamento não tão formal e mais
próximo, não apenas do cidadão comum, do membro da igreja, como aos “de fora”.
Figura 24- A adoção de mais leveza – no design e no tratamento coloquial, nas capas de boletins – os dois
primeiros, da Igreja Presbiterianas Independente, do Bairro da Bela Vista, em São Paulo-SP, de 1969 e de
Osasco-SP, de 1984 e o exemplo do humor, no Boletim da Igreja Presbiteriana Jardim Karaíba, em Minas
Gerais, de 1984
155
Naqueles anos, parecia que o crime maior era insurgir-se contra um rigor que
passava longe da teologia, mas ficava restrita à forma como a desenvolviam. Não
bastava crer (ou endossar-se uma profissão de fé, uma doutrina ou credo) tinha de
parecer-se ou agir como um seu adepto (segundo uma rigidez estética própria) e
isto, não raríssimas vezes significava na defesa desse posicionamento, como vimos,
evangélico.
156
4 - Considerações Finais
Não temos razão para duvidar que uma nova postura tomou conta da pregação
nela, o humor foi determinante não só como linguagem - na estética, nas artes - mas
como postura.
Mesmo produzido pelos críticos da fé que, por esta via, castigam os excessos
por seu uso bastante fecundo pelos membros de agremiações e igrejas, mais
comprometidos com a causa. Fato é, que essa postura foi acelerada em seu poder
mais dinâmica, leve e, portanto, mais próxima do cidadão. Além disso, ela impediu
sociais, retiros ou acampamentos – onde haveria outra divindade, aquela mais bem-
apenas fez surgir uma ortodoxia morfológica capaz de sacrificar, de uma só vez a
dizia haver, fundadas pela Reforma do século XVI, foram deixadas de lado: o
157
sacerdotal, clerical nas mãos não de todos, mas apenas de alguns; o templo como
espaço sagrado, embora feito por mãos humanas, reduzindo o Todo Poderoso Deus
aos seus limites e não mais dentro do fiel, feito templo de carne-e-ossos; o culto
comunidades por não terem ganho a capacidade de inovar, até os dias de hoje –
deixando de lado o que o riso tem de melhor nas suas funções sociais, na sua textura
para alguém rir de algo que lhe pareça engraçado, é preciso coibir
próprio, o tenha feito como alguém igual, humilde e, segundo cremos, com palavras
inusitadas, como a de contar histórias ou até de pedir ajuda, um copo d’água, como
no caso do encontro com a mulher samaritana, esquecendo-se que ele, afinal, nunca
usara de rigor contra o penitente pecador, o quebrantado de alma. Ele foi aquele que
revelou Deus como Pai, ou Aba-Pai, e não apenas como o Supremo Legislador e
Senhor, diante de quem todos se calam. Mas afinal, que pai não se permite e aos
seus filhos o humor, o riso? Para manter-se o status, o nomos, não se permitiram ao
o “mundo”, com o povo, com o leigo, alvo da pregação, numa cosmovisão cristã
míope pela qual enxergavam e queriam que o rebanho visse, tudo à volta. Ora, isso
O humor combina sim, com a religião, pois serve também como uma arma
contra a vaidade e o orgulho e contra uma sisudez que caracteriza a religião, não
estratégia eficaz para a tomada de consciência dos limites, podendo permitir até,
como queiramos chamar podem ser comparados à professores – aqueles que têm o
e cidadão, como podem eles desempenhar tal função? Seguindo e exigindo dos seus
experiências que então lhes pareciam mais sensatas, mais alegres, mais ...bem-
interessante. Foi preciso uma mudança de conduta. Como aliás, descreve-a bem
coisa que mais tarde, os movimentos mais novos, tais como os pentecostais, neo-
pentecostais e livres, souberam usar com maestria e colheram muitos frutos, tendo
crescido bem mais que os seus antecessores no Brasil, sobretudo a partir de meados
dos anos 1970, gente que possivelmente se descobriu como “pastor da alegria”.
Sem isso, a sociedade a verá com reservas, não será afetada e permanecerá
fechada, mantendo sob suspeição toda atividade (onde falta o humor), segundo
concluiu Bergson
Por isso, o humor sendo parte da vida humana, também é parte da experiência
reformada, se render à suprema condição, posta por Jesus, o Cristo da história, para
se entrar no reino dos céus: "Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se
Mateus capítulo 18, verso 3? Que criança, afinal, não é despida de orgulho, vaidade,
ou de guardas para com o outro, sendo simples e por isso mesmo, bem-humorada,
aspiração humana, que não só podemos ver na proposta do Cristo dos Evangelhos,
como bem nos traduz Leonardo Boff 78: “Todo menino quer ser homem. Todo homem
quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino”.
78
Pseudônimo de Genézio Darci Boff (1938), teólogo católico, escritor e professor universitário brasileiro,
expoente da Teologia da Libertação no Brasil e conhecido internacionalmente por sua defesa dos direitos
humanos
162
Cremos que o Todo Poderoso ainda pretende ser visto como ...mais leve, mais
Ou como até nos chama à atenção um antigo provérbio budista, “o humor tem
de ser vivido e não um apêndice, uma estratégia apenas. Ele nasce a partir da
criatividade”.
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evangélico no Brasil. São Paulo: Ed. Mauad – 2007
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165
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sobre o Ministério Tio Cássio. São Paulo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista,
2012
THOMPSON, Bard. Liturgies of the Western Church. New York: New American
Library, 1961
166
APÊNDICE
para servir de forma mais eficaz. Em 1998, Jaime Kemp fundou, oficialmente,
Jaime, você vê humor na fé cristã? Muito. Além do meu grande amigo Ari
Veloso 79que usou muito o humor no seu ministério, principalmente pelo fato de ele
ser palmeirense e de “enfiar a faca” nos corintianos, eu uso muito, não apenas no
esporte, mas em situações familiares, nos seminários com casais, com jovens,
também uso muito no namoro, então é uma ferramenta tremenda e nós precisamos
ser mais gente autêntica no púlpito. Às vezes eu penso que a gente acha que o
79
Ary Velloso era bacharel em Teologia, pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e mestre em Teologia,
pelo Dallas Seminary (Estados Unidos), foi fundador da Igreja Batista do Morumbi, também atuou como
professor na Faculdade Teológica Sul Americana e durante anos foi missionário da SEPAL.
168
pastor sobe lá com toga, perfeito, que não tem problemas, não tem pecados ou se
lugares onde tenho visto mais isso, é na maior igreja do Brasil, que são as
Assembleias de Deus, por que às vezes estes homens – agora está mudando – mas
os homens que são os caciques e eles criaram então algo que até no palco, só entra
lá com terno, e gravata e nem pensar em pregar com uma camisa aberta, heim?
Então, você acha que o humor traz uma humanidade? Tira o orgulho, eu
diria, que quando você consegue dar risada de si mesmo, melhor ainda. Às vezes
quando ele erra, como eu que já tenho quase 50 anos, o povo dá uma risada, como
uma piada e isso deixa o povo mais relaxado, eles podem dar risada do Jaime, das
Vencedores por Cristo, onde é que o humor entrou? As duas primeiras equipes
ensinando, mas logo eu percebi que o brasileiro tem uma comunicação melhor,
sendo mais solto, não funcionava aquela coisa da bateria pra lá, os instrumentos
separados, coisa formal, como um coral, isso não funcionava. Não que julgo isso
errado, nem sou contra, mas enfim, não era o jeito brasileiro, nem era importante
para o nosso ministério. Então o que é que eu vejo? Tinha geralmente um que
brincalhão, então até rolava uma piada sobre ele. Então, isso produzia um efeito de
formal, especial, ok! Mas para os cultos, domingo após domingo, na igreja, tivemos
aquele órgão que você bombava para poder sair o som, então realmente houve
humor, que antigamente, e até hoje, nalguns contextos, nunca se solta uma piada
ou alguma expressão para dar-se uma risada, alguns pastores que sabiamente
Você quando começou o trabalho com os jovens por aqui, já tinha essa
quando começamos com sambinhas. Sabe, sambinha era aquela coisa do carnaval,
dizíamos não, não. E sabe onde aprendi isso? Eu estava em Caruaru-PE num
domingo, fazendo um seminário lá, e no sábado de manhã, estando livre, fui pra
auditório de mais de mil pessoas ao redor deles na praça. Quando eu cheguei lá,
eles estavam cantando sobre o Filho Pródigo. Um contava uma parte da história e
170
o outro entrava e continuava, bem no ritmo, eles estavam cantando, rimados e tudo,
quando eu percebi o quanto o povo estava colado a eles, àqueles dois homens! Aí
cultura e usar isso para pregar o evangelho e isso era 1970. Porque veja bem,
anos ainda estávamos aprendendo tudo. E eu percebi que Deus havia dado ao
brasileiro muita música e capacidade de compor música e letra. E isso foi com João
Alexandre, e Guilherme Kerr, Nelson Bomilcar 80, esses caras,... E eu disse: “Senhor
então temos visto como Deus comunica ainda hoje através disso.
que Jesus contava? Ora, ...(risos). Dizem que Jesus nunca deu uma risada. Que é
isso, gente?! Que é isso?! Ontem mesmo, eu estava em Brasília e contei a história
da mulher adúltera, aí quando os líderes religiosos disseram: “A lei diz que esta
mulher precisa ser apedrejada, o que é que o senhor diz?!”. Então Jesus não falou
nada. Ele começou a escrever na areia e eu penso que ele escreveu os pecados
deles, depois levanta, olha na cara deles e diz: “Aquele que não tem pecado, que
atire a primeira pedra!”. Isso tem humor. Eu acho que ele deu muita risada. Quando
estava com os discípulos, eles faziam festa, tomaram vinho, cantaram e falavam os
problemas do ministério daquele dia e, eu acho que isso é coisa tremenda, o humor.
80
Músicos e compositores conhecidos da igreja evangélica no Brasil
171
Você acha que ali, na época em que a igreja evangélica falou a linguagem
do povo ela começou a crescer? Sim, absolutamente. Porque veja bem, quando
de Santo Amaro, e nós somos batistas, heim? Fomos lá e o reverendo Jacó Silva
era o pastor, homem de Deus, mas ele era muito formal. Quando fomos lá num
acampamento, ele apareceu de terno preto e gravata. Parece que ele dormia com
terno, não tinha pijama. E sabe que eu aprendi a amar aquele homem? Ele era uma
falar piadas durante a pregação só, era pecado dar uma risada na congregação.
For Christ, e a Palavra da Vida, e montões de ministérios. E você sabe que o Jasiel 81
tem uma capacidade de dar risada e de criar um ambiente tremendo, Deus tem
usado este homem. Ele escreveu aqueles ditados para encontros de pastores...
dos nomes mais revolucionários das artes cristãs no Brasil. Você vê esse
modelo se repetir depois dos Vencedores? Oh! Sim. Muito. Qualquer um dos
discipulados, tem isso que deixamos. Você não pode pedir que o povo fique
sentado 10 horas no banco duro da igreja, sem soltar, sem que seja alguma coisa
81
Jasiel Botelho, pastor e humorista presbiteriano, fundador do movimento Jovens da Verdade
172
brincalhona, não gosto de usar a palavra brincalhão com a Palavra de Deus, mas
de si mesmas. Às vezes o pastor erra, mas ele disfarça, como quem diz: “Não tinha
erro ali” ...Ora, ele precisa assumir o erro e dizer logo: “Eu sou um pecador miserável
apresentar?”, eu digo logo duas frases: “Jaime, um pecador miserável.”, “Mas salvo
pela graça de Deus”. Não preciso de títulos, não preciso de nada. E logo de cara,
passei, sendo autêntico e ao mesmo tempo, até deixar o povo dar risada, cair no
chão de tanta risada. Está ótimo então, por que está comunicando a verdade de
uma maneira fácil, e não de uma maneira chata. O humor não compromete a
algum ar fresco pra igreja que era muito formal, com muito medo de tudo. Olha, vou
lhe dar uma ilustração. Fomos ao interior, ainda com os Vencedores, e chegamos
lá à tarde para fazermos culto à noite, Igreja Presbiteriana, ok? E as meninas tinham
um conjunto, de calças compridas, mas bem bonito assim, bem decente, quando o
pastor chegou pra mim nervoso, uma hora antes de começarmos, já tínhamos
uniforme?” Eu disse: “Sim, mas estão em São Paulo”, (nós estávamos no interior!).
Então ele me disse: “É que nós fizemos uma regra, que mulher não pode subir no
palco sem saias”. E sabe o que fizemos? Deixamos as meninas e formamos rápido
um quarteto de homens e a igreja ficou louca! E disseram: “Por que fizemos essa
173
que as igrejas fazem regras que não têm nada a ver. Só serve para atrapalhar. Não
têm nada de doutrina, de bíblico. Geralmente usos e costumes não têm base bíblica.
São invenções eclesiásticas dos homens (risos). Apesar de tudo, Deus está fazendo
hinos tradicionais e canções dos Estados Unidos, por que era o contexto, mas logo
eu percebi, espere, não que ela não comunicasse, qualquer música comunica,
porém ritmos, por exemplo, hoje, depois de tanto tempo, Vencedores tem uns 15:
reggae, bossa-nova, country, rock, esse tipo sertanejo, ihhh!!! Recentemente fomos
pra Portugal e fizemos um show lá – tem pastor que não gosta da palavra show –
mesmo – e aquela comunicação foi tremenda. Às vezes tem-se a ideia que tem de
ser música traduzida, não, pode usar, mas também não precisa usar, inclusive
temos tanta música boa, bonita... às vezes cantamos ainda “Nas estrelas vemos Sua
mão”, essa talvez seja exceção à regra, que era do Ralph Carmichael 82...
E então não havia nada de ideológico quando você trouxe essas coisas
porção de coisas. Por exemplo, lá em Portugal você tem aquela música triste, o
fado, pois eu fui a um restaurante onde tinha o fado e saí chateado. Pra mim foi
terrível, mas para o povo português, aquilo mexe muito, então gente, nós temos que
82
Compositor e arranjador americano de música pop secular e música cristã contemporânea, sendo
considerado um dos pioneiros do último gênero, além do pai do rock cristão.
174
respeitar e no Brasil, o evangelho porque saia deste tipo de ambiente, eles achavam
eles diziam: “isso tira toda a espiritualidade do culto”, e eu falava - “que é isso? O
que é espiritualidade, então? Porque, se tira, alguma coisa está errada com a nossa
sobre humor é importante. É bom fazer um livro e põe na mão dos pastores,
especialmente, bem, não quero bater, pois Deus está fazendo muita coisa, mas
estudo sobre sexo. Ih!!! É proibido. Ih!!! E eu falava de futebol, e esse era outro
problema! Mas veja, essa semana passada estive em Brasília numa grande igreja
piadas sobre isso e aquilo e eles choraram no final do seminário, então você vê que
consegue alcançar o coração sendo autêntico. E o pastor tem de aprender não falar
(anos 1960/70...), vocês falavam de política sobre os jovens nas suas equipes?
Ok, nós fomos treinados antes de vir pro Brasil, ou qualquer país, nós da Overseas
Cruzade 83, número 1, você não critica a questão política. Hoje em dia eu estou
quebrando a regra porque Deus nos tem dado autoridade e de vez em quando eu
solto algo sobre a corrupção política do Brasil, agora, mas respeitar a cultura. Me
lembro do meu mentor. Ele me dizia: “Jaime, o diferente não é errado”. Pode ter
83
Hoje, SEPAL, organização de treinamento de pastores e líderes de tradição no país
175
algumas coisas erradas mas você não pode ficar comparando culturas,
Mas não tinha uma pregação do tipo: Crente não se envolve com política?
Houve sim, alguns contemporâneos, mas eu sempre achei que temos de ser sal e
luz em qualquer lugar. Veja só o Alex Dias Ribeiro 84, esses dias soltou um livro
o Emerson Fittipaldi 85... ele estava como sal e luz entre eles.
Então esse incentivo tinha entre os jovens? Tinha, e não era algo de os
evangélica? É uma tristeza! Por causa daquilo de muitos pastores dizerem “Não,
vocês não podem entrar lá e mexer com isso!”, Não, sal e luz devem estar onde a
escuridão está! Se não tem sal na sopa, vamos por sal na sopa. Até hoje, há muito
pastores nos púlpitos mas não na sociedade. Me lembro do Alex Dias Ribeiro,
quando saiu da Fórmula 1 e foi pra Atletas de Cristo e ia pra uma igreja batista onde
o pastor era seu parente, não me lembro o nome, mas ele não podia pregar lá pois
ele não usava terno. O pastor já morreu, mas foi mudando com o tempo. Temos
ainda essa ideia que as coisas do mundo não podem entrar na igreja, agora o
84
Ex-campeão Brasileiro de Fórmula Ford, vice-campeão inglês e europeu de F3, número 1 no ranking dos
pilotos brasileiros em 1973. Na Formula 1, ele disputou dez corridas entre 1976 e 1977, e diretor, por anos,
dos Atletas de Cristo, organização cristã que reunia atletas de todas as modalidades no país e ex-integrante
das equipes de Vencedores por Cristo
85
Um dos pilotos mais vitoriosos da história brasileira, e foi o primeiro brasileiro a se tornar campeão
mundial de Fórmula 1 e em categorias de ponta no automobilismo internacional, abrindo portas para vários
compatriotas. Fittipaldi foi bicampeão da Fórmula 1 em 1972 e 1974, campeão da Fórmula Indy em 1989[2] e
bicampeão das 500 milhas de Indianápolis em 1989 e 1993.
176
** Entrevista dada por KEMP, Jaime. Entrevistador: Ruben Pirola Filho, realizada nas
conceituados da música cristã brasileira. Foi integrante dos Vencedores por Cristo,
Nelson também mantém carreira solo, e algumas parcerias com o cantor João
Alexandre.
Como foi que você começou o seu trabalho? Iníciei meu trabalho missionário em
1973, seis meses depois da minha conversão em julho de 1972, acho que comecei levando
a rua pra igreja, tanto que pelo meu meu jeito de vestir, era convidado a assistir o culto na
galeria.
O que exatamente você trazia da rua? Ora, a herança da música, MPB e o rock,
duas heranças culturais brasileiras, na expressão dos cânticos, da música, e a igreja não
estava acostumada com isso. Eu transitava entre esses dois caminhos. Eu sentia que eu
era o cara que os jovens usavam, numa igreja tradicional Batista leta 86, eu era o cara que
eles empurravam pra frente para tomar as pancadas, eles queriam fazer mudanças e então,
86
Com membros oriundos da Letônia
177
eu era aquele que chegava com cabelo comprido, chinelão, bolsa à tiracolo e o diácono
me convidava pra assistir o culto na galeria da igreja, pois destoava dos crentes da época.
Essa era uma ferramenta sua de propaganda, ou era sua vida mesmo? Não era a
minha dinâmica normal. A minha vida foi sempre ligada à música, a minha mãe, foi
contemporânea de Inezita Barroso, a primeira música que toquei na igreja foi “A marvada
da pinga”, e os caras rachando o bico. A minha mãe era cantora do rádio, da rádio São
Paulo, naquele tempo os programas eram feitos lá, com auditório, era crooner da orquestra,
lá, ela cantava nos musicais, e converteu-se ouvindo programa de rádio, então ela trouxe
toda essa herança dos programas de rádio, deu nomes pra duas filhas com letras de Dorival
Caymmi sabia tudo sobre ele, cantava as modas de viola, das duplas caipiras de Limeira,
de onde também fui criado, então era assim, cantar música caipira era rir o tempo todo
(risos).
Naquela época parece que era menos melancólico. É isso. Música caipira, mesmo,
da gema, mas por favor, não era sertanejo universitário, nada a ver, você ia pra coreto, ver
os caras lá, duelando e rindo um do outro e o outro fazendo piada do outro, era bem-
humorada a música.
Você fez parte dos Vencedores? Fui treinado em Vencedores por Cristo, em 1974,
tinha um músico lá, que me convidou, da Igreja Batista, recomendado por meu cunhado,
que hoje é pastor, e lá eu tive contato com essa geração do Guilherme Kerr 87, as grandes
referências, e ele trouxe essa veia da ciências humanas, da poesia, e brincavam que eles
diziam que eu era o cara que chegava pra fazer as pessoas rirem, inclusive das suas
próprias ambiguidades.
87
Nascido em Araraquara-SP, em 1953, é cantor, compositor, produtor musical, multi-instrumentista, arranjador
brasileiro, e reconhecido como um dos músicos mais conceituados da música brasileira cristã
178
por iniciativa ...não, a iniciativa foi do Jaime, ele foi quem fundou. Ele era missionário da
SEPAL 88, pegou todos os missionários naquelas primeiras equipes e, depois, lá na 11ª
Mas na teologia, sempre foram ortodoxos? Sim, sempre foram ortodoxos, apesar
Quan, Osmar Ludovico 89, com a cabeça fora do ambiente da igreja assim como os outros
E qual é a importância da sua geração para a igreja daquela época e que igreja
vocês encontraram? Por um lado, eu encontrei uma igreja totalmente reprimida, além de
refletir o momento de ditadura que nós vivíamos, onde não se podia pensar, ou se pensasse
teria que pensar igual como o seu líder eclesiástico, que normalmente defendia que a igreja
deveria estar separada do estado, mas eles estavam defendendo o status quo e o governo
daquele momento. Então era uma comunidade extremamente medrosa, pois perdia seus
líderes que eram entregues para tortura, ao DOI-CODI 90, era triste, líderes entregando
lideres brasileiros ...mas houve um outro movimento que distencionava tudo isso, que eram
Palavra da Vida, Jovens para Cristo, Mocidade para Cristo, Vencedores por Cristo, Aliança
Profissional para Cristo. Esses movimentos estavam repletos de jovens, porque não tinham
outro lugar pra pensar, não tinha lugar pra você ter prazer, não tinha lugar pra você pra se
88
Serviço de Evangelização para a América Latina, braço da OCI, então Overseas Cruzade International, hoje
One Challenge International, uma missão cristã de desenvolvimento e apoio à líderes e pastores.
89
Ex-missionários da SEPAL
90
Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão
subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o
golpe militar de 1964. Destinado a combater inimigos internos que, supostamente, ameaçariam a segurança
nacional, como a de outros órgãos de repressão brasileiros no período
179
alegrar, era só repressão, repressão, repressão e nesses espaços que aconteceu nos
Estados Unidos no Movimento de Jesus 91, que também foram as grandes vertentes de arte,
os pintores começam a surgir, gente fazendo o humor, gente cantando coisas da terra, não
tornaram refrigério dessa repressão toda, a ponto de que as noites mais celebradas nesses
encontros, entre os estudos bíblicos, devoção, treinamento, eram as noites dos esquetes,
“você vai ser humorista?”, e até podia ser, isso era um prato cheio, mas ninguém
Você pregava nas ruas também? Também, fazia a lida direto. Trabalhei com Aliança
Bíblica Universitária e a Secundarista nove anos, tinha até uma herança pentecostal,
mentoreado pela tia Arlete, pelo Valdir Nascimento, no nascimento do Desafio Jovem 92 no
Brasil, então nós fazíamos o tempo todo, ao ar livre, e você tinha de fazer de tudo, não só
tocar.
Você via alguma crise quando esse pessoal que era alcançado nas ruas vinha
para as igrejas? Não conseguia. Por que literalmente como você definiu, a igreja que me
acolheu de herança Leta, se parecia com uma espaçonave, não tinha nada a ver com a
realidade, eu não sei como ia me integrar num negócio desse, e os caras pensavam, “você
dá bem para cantar no coro”, e me “jogaram” pra cantar no coro da igreja, pois era o único
Mas a essência era a mesma, mas a forma,... A essência era a mesma, mas parece
que tinha um vento a favor aí: a igreja ainda não estava ainda formatada na questão do
91
Jesus Movement foi um movimento cristão estabelecido em oposição ao Movimento Hippie, da filosofia de
paz e amor a partir de drogas e sexo praticados de modo livre.
92
É uma organização social cuja finalidade é a prevenção, recuperação e reinserção social de dependentes de
álcool e outras drogas. O Desafio Jovem, ou Teen Challenge nasceu nos Estados Unidos da América no ano de
1958, através dos Revs. David Wilkerson e seu irmão Don Wilkerson
180
evangelicalista que aconteceu nos EUA, Reino Unido, Alemanha, onde todo mundo queria
pregar o evangelho, então era “só Jesus Cristo salva”, chamando pecadores ao
Jesus eram músicas chamando pessoas pra considerar o evangelho, então a chavinha era
evangelização, depois que essa chavinha mudou, com esse negócio do worship, da
adoração, tanto que os hippies que se converteram que faziam parte do movimento de
Jesus (Jesus Movement), geraram o primeiro movimento junto com a Vineyard 93 em 79, e a
Maranata Music antes, no início dos anos 70, esses caras Chuck Girard’s e Jay Truax faziam
parte de um grupo chamado Love Song, da Calvary Chapel, que fundou a Christian
Contemporary Music. Esses caras abriram o leque pra criatividade, eles começaram a fazer
música de adoração e fundaram a Maranata Music que se tornou pelo menos 15 anos antes
de serem transformados numa igreja, era o espaço de criatividade, você via gente que fazia
coreografia, dança, dramaturgia de teatro, era impensável, mas acontecia nas chácaras,
nos sítios você via , com o pastor Chuck Smith, que acolheu essa turma, e acontecia nos
O formalismo da igreja da época então era muito grande? Ah! Experimente você
contar uma piada! “O Senhor está presente no Seu Santo Templo”. Ordem é fundamental
e reverência, ora, o humor não faz parte desse caminho da reverência, então ele tinha que
ser reprimido aonde ele se manifestasse. Outra válvula de escape era o rádio, o que se
conseguia fazer nos programas de rádio não se conseguia fazer no dia a dia da igreja, o
Maurão cresceu nisso, nesse pano de fundo, fazendo coisas de rádio, e outras vertentes. A
época por exemplo, era a da rádio novela, do humor feito ali, e aquela, ainda fruto dos anos
93
Associação de igrejas locais independentes, criado em 1974, por Kenn Gullikson, nos EUA que se espalhou
pelo mundo.
181
ditadura aquele era o local onde se conseguia rir, mas eu não podia rir de nada que fosse
A igreja evangélica ainda não tinha entrado na mídia, mas rádio era mais fácil,
antes desse boom de mercado que facultou a igreja esses espaços antes fechados,
você cita o trabalho era de rua? Com certeza, escolas acampamentos e rádio, essas eram
primeiro cartunista de humor evangélico, na minha lembrança foi você, Rubinho. Na minha
Lacerda Franco (e São Paulo). Nesse mesmo período o pessoal da APEC , convidou-me
para fazer alguns cassetes pra que eles pudessem evangelizar as crianças, fiz um o primeiro
pra uma questão de “conversação”, pra depois de fato fazer outros projetos pro universo
das crianças, uma outra linguagem – eles tinham que evangelizar os evangelizados antes!
E quando apresentei o projeto, que eles disseram que não seria recusado, não permitiram,
tentei fazer alguma coisa de fato com a linguagem das crianças, uma coisa mais lúdica, e
não permitiram. Toda essa linguagem era vista pelo canto de olhos lamentavelmente,
sempre, sempre.
Essa época foi o estopim da explosão da igreja, você também faz essa leitura?
Foi. Os anos 70 são de fato um divisor de águas, o pessoal, nos anos 80 já começou com
algumas barreiras quebradas, principalmente em relação ao mundo das artes, eu acho que
os anos 70 foram fundamentais para se chutar as portas - é possível fazer arte aqui, é
possível usar a dramaturgia, é possível usar a poesia, é possível pintura, é possível a música
contextualizada com as nossas heranças culturais, é possível fazer o humor, é possível fazer
cinema, que ainda hoje é uma área embrionária. Nesses cinquenta anos progrediu-se, já
tem gente fazendo bons documentários, conheci boa gente cristã nessa área,
182
premiadíssima no mercado, mas tentando fazer algo na igreja e não consegue. Têm de
fazer fora!
Alguém fora da “caixinha”, que consegue fazer as coisas com humor, solta, leve,
irreverente não é gente bem-vista, na sua opinião? Claro. Ainda hoje continua sendo
vista com desconfiança pela igreja. fosse em reverência, se fosse reverente, se fosse
reverendo talvez você conseguisse alguma coisa mais eclesiástico, entendeu? (risos)....
Reverendo não deve rir, e eu acho que a gente tem que reconhecer esses precursores que
chutaram a porta, um deles sem sombra de dúvida também, início dos anos 70 é Jaziel
Botelho 94, que na minha opinião deveria que ter permanecido mais nessa vertente, mas teve
que transitar em outras vertentes pra conseguir ganhar o direito de fazer, de chegar nos
encontros e congressos de pastores pra poder fazer a sua pintura anual... (risos). Mas
assim, o que nós publicamos hoje? O que temos de publicação hoje nessa questão?
Dificílimo! Agora como você vai fazer piada pra você rir da fé? Dos que tem fé? Do ambiente
da fé? Ainda hoje o humor parece que não bate bem com o sagrado. No culto não é bem-
vindo, mas se for na hora do bolo lá em baixo (nos anexos aos templos) aí pode, você
reformadores tinham humor? Não usavam o humor nas suas mensagens que impactaram
tanto? Não usavam pra que enxergassem as loucuras que estavam fazendo? Com certeza
sim! Nem a ótica histórica eles conseguem colocar por esse prisma, aí um cara que é
94
É pastor presbiteriano, cartunista e é conhecido por pintar quadros durante as pregações me congressos de
pastores. Foi também um dos fundadores dos Jovens da Verdade
95
(1898—1963), foi um professor universitário, escritor, romancista, poeta, crítico literário, ensaísta e apologista
cristão britânico. Durante sua carreira acadêmica, foi professor e membro do Magdalen College, tanto da
Universidade de Oxford como da Universidade de Cambridge. Ficou conhecido por seus trabalhos envolvendo a
apologia cristã
183
Nesse caminho por fora, esses “marginais” que optaram por um caminho não
não? Todos acabaram investindo naquilo que acreditam, todos os projetos iniciais foram
na grande maioria das vezes bancados pelos próprios que acreditavam no projeto.
De certa forma essa explosão não foi institucional? Não, passou longe disso, a
igreja cresceu pela marginalidade, e com humor na marginal. A sinagoga sempre foi muito
imprópria pro humor, eu imagino que se os vendilhões do templo tivessem trazido algum
coisa pro humor da época , aí acho que eles teriam sido expulsos duas vezes. Seriam
recolhidos os gibis.
Parece então que o templo aceita o vendilhão, mas não aceita o piadista? É isso
aí! Mais ainda, como se o humor não coubesse na espiritualidade! Esse é um negócio
louco.
Deus é humorado, para você? Ôpa, sempre. Ele deve chorar muito com a raça
humana, mas Ele deve rir muito das loucuras que a gente faz, e não precisava fazer! Ele vê
A palavra Graça cabe em muita coisa, Deus deve rir-se em vez de jogar um raio.
Rei Salomão, tentando descrever ele em relação a família, ou falando sobre o amor, qual
das 700 (esposas) que eu preciso escrever? (risos).... Volto a dizer, não é só a questão do
humor, falo a questão da arte, isso deveria ser estudado no início da fé cristã, princípios
Deus criou todas as coisas e viu que era bom, que maravilha agora vou descansar,
desfrutem, e se Deus quisesse criar mais alguma coisa que nós não temos conhecimento,
Ele não poderia fazer isso hoje? Olha aqui, criei uma abelhinha diferente, e resolvi também
184
criar no nono dia! Aí não pode, Ele pensa o universo através da criatividade, Ele é o Criador!
Ele pensa o universo através da criatividade. Me lembro uma vez numa igreja que não vou
citar agora, o pastor estava falando, e conduzindo o culto e as pessoas tampando a boca e
dando risada, e ele olhava pra esposa, tentava ajeitar o paletó, vendo que tinha alguma
coisa errada, e daqui a pouco a esposa apontou pra que ele olhasse pra trás, no batistério
estava o filho dele fazendo caretas pro público, e a turma rindo muito, e a turma não se
esquece desse culto, desse momento de humor, que foi naquele culto, da mensagem
ninguém se lembra, mas daquele momento engraçado ninguém esqueceu mais! Foi a
melhor coisa do culto! Sinceramente, não acho que isso tudo vá mudar, ainda mais nesse
momento que estamos vivendo de tanta intolerância, se você quiser cutucar as pessoas
com uma piada, os caras vêm pra cima de você, batendo em você porque você insinuou,
estão perdendo o humor, o que tinha, está se perdendo. Se você ouvir um momento de
humor vindo da mídia, por exemplo José Simão, toda semana tem uma ou duas piadinhas
A Reforma lidou com isso tudo – peitou o poder e questionou o fato de serem
irretocáveis, irreparáveis, intocáveis... – você acha que perdemos essa veia? A leitura
que faço é a seguinte: a grosso modo, são poucos os reformadores de hoje com o conteúdo
que foi proposto na Reforma, as pessoas foram seletivas com o que quiseram preservar da
reforma dentro das suas confissões, estruturas denominacionais. Então o que interessava
pra frisar entre os batistas, entre os presbiterianos, os metodistas ainda com alívio do vento
de avivamento de John Wesley 96, ainda que um pouquinho diferente numa tônica mais de
serviço na periferia, assim cada um hoje das denominações confessionais, elas pegaram
alguma coisa que interessava, imagine que eu posso falar, só pra nós aqui, né? Que a Igreja
Adventista tem uma veia na reforma? Meu, se pegar ali, tem muita coisa que você assinaria
96
(1703 —1791) foi um clérigo anglicano e teólogo cristão britânico, líder precursor do movimento metodista
e, ao lado de William Booth, um dos dois maiores avivacionistas da Grã-Bretanha.
185
em baixo, você vê que tem lá a questão da lei, a questão do sabático, ainda você se
estranha, mas tem outras coisas que os caras concordam, aí você fala, aqui os caras são
hereges, mas espera um pouquinho tem outros aqui que não consideram várias outras
que foram deixados de lado pela igreja reformada, dentro das igrejas históricas? A
eclesiástico, não tinha nada a ver, era uma coisa absolutamente separada. E não é, tanto
que a igreja protestante usufruiu do estado e do poder pra manter a sua relevância num
isso no período? Quer fazer piada todo domingo, você vai numa igreja confessional ou da
Assembleia de Deus, e chega lá na frente, olha para as cadeiras e começa a dar risada,
kuakuakuakua..., olha aqui sacerdócio real de todos os santos, kuakuakua...Tem que ter lá
separado os sacerdotes, e os leigos lá sentados! Porque que você não fica sentado aqui,
se você quiser ir lá pra frente te chamam, você tem que estar aqui com o povo, não eu tenho
que por lá pra distinguir! Distinguir o quê?? Você fica dando tiro no pé! Negando o
sacerdócio real, você está fortalecendo a estrutura eclesiástica, e dizendo para os caras,
vocês continuam leigos sim! E estão a nosso comando! E aí só podemos rir. Os caras estã
cuspindo num ponto de fé, todos somos iguais. Mas tem que ter essa distinção, e é só
assim que nós conseguimos manter a ordem, fazem essa defesa! Opa, opa, já ouvi isso,
onde? Em 64 comecei a ouvir isso aqui! Quem tem que manter a ordem, cara pálida?!
Fora a noção de templo, como espaço sagrado, não? É por isso que esses caras
se você propuser qualquer coisa que extrapola o templo, a igreja nas ruas, eles não sabem
186
onde colocar a mão! Porque eles só sabem andar e transitar dentro da estrutura
eclesiástica, você fala igreja aberta, igreja pra servir, ser sal e luz, a turma desconversa,
inventa uma agenda pra segurar a turma cada vez mais dentro. Você Rubinho, que conhece
bem esse país, você já viu na agenda lá de qualquer igreja, semana missionária, semana
não sei o que lá, e assim mês das artes? A igreja como promotora de artes, como espaço
pra qual tipo de manifestação eclesiástica, isso é sagrado na nossa agenda anual, onde
você vê isso? Um pastor recomendando uma exposição de arte, você não vê! Significa o
seguinte, tem muito artista, tem muito humorista, tem muito dançarino, o cara consegue
escrever um documento, desculpa aí hem, dizendo que não pode expressão corporal? Mas
pode continuar na loja maçônica, isso não afeta a fé cristã, tá certo, as dancinhas ainda não
estão boas, a roupinha é inadequada, mas você só aprende a dançar e a ter expressão
corporal de qualidade, dançando, fazendo! Pra você aprender a pintar, e usar as técnicas,
você vai ter que pintar! Ainda chego em cidades e tenho certeza, dessas duas perguntas
não vou escapar: - “você ainda ouve música secular?” Segunda: “você apoia artista que
toca na noite?” Todo fim de semana peço que não me façam essas duas perguntas, mas
eu tenho que responder! Na minha conversão, João Batista foi Tim Maia, e a parteira foi Rita
Lee! Eu chego e digo: “eu tenho de dar o meu testemunho: foram as duas músicas deles
que Deus começou a tocar no meu coração, e chamar a atenção a necessidade que eu
tinha!” Eu não quero escandalizar, mas era esse o meu testemunho, e eu não posso mentir!
(risos).
três filhos.
pastor, demorei, foi nos anos 1980, mas como ministério mesmo, foi quando me
Então o J.V. seria uma espécie, um filho do Palavra da Vida? Sim, um filho
do Palavra da Vida. Eu fiquei cinco anos com eles, aprendi sobre acampamentos e
conjunto americano que chegou, com balde, aí nós copiamos e criamos o contra-
balde brasileiro 98. Muita gente pensa que nós é que o inventamos, mas não foi não.
97
Instituto "José Manuel da Conceição" (JMC), também chamado de Seminário Menor, funcionou em Jandira,
SP, de 1928 a 1970, e era mantido pela Igreja Presbiteriana do Brasil.
98
Um balde no chão, com uma corda que era mantida esticada por um cabo de madeira que, à medida que
“tocado”, e esticado em maior ou menor pressão, emitia sons graves imitando assim, os contra-baixos
188
nós fomos muito influenciados pelo Palavra da Vida, mas era uma outra realidade,
com o Ary Bollback, não com o Haroldo Reimer, a diferença entre eles era muito
começo, quando eu cheguei ao Palavra da Vida, eles brincavam muito, tinham muito
esporte, tinha muito esquete, e a questão da esquete foi uma descoberta para mim.
Mas era um humor não evangélico, era o humor pelo humor. Era stand-up, e eu
fazia isso, mas eu não sabia. Eu cuidei da noite de esquete, a noite do humor, e era
só esquete naquele tempo. Depois é que introduzi música e outras coisas mais e
era um show. Eu fiz até a música de abertura dessa noite de esquete do PV. E eu
me realizei, todo aquele dom de humor, saiu. Mas aí eu percebi que quando era pra
pregar, dar testemunho, eles não contavam comigo, porque eu era brincalhão. E aí
contavam com outros. E isso também no JMC, onde eu estudava. Tinha a caravana
caravana de pregadores, quero dizer, eram muito sérios. Mas o pior não foi isso, o
pior foi quando a gente começou o Jovens da Verdade, e os Jovens da Verdade foi
99
Josafá Vasconcelos, paulista (nascido em 1948) e um dos fundadores dos Jovens da Verdade, é pastor da
Igreja Presbiteriana da Herança Reformada em Salvador; foi Presidente do Presbitério da Bahia; conferencista
reformado no Brasil e exterior; foi membro da Comissão de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Conferencista, autor e tradutor de diversos artigos publicados
189
período em que entrou um líder, presbiteriano, presbítero 100 muito sério chamado
Amílcar Ovídio Borba 101, aí ele foi o nosso guru espiritual e aí foi cortando a gente
seminário, eu fui convidado para pastorear a primeira igreja 102, aí eu tive de mudar
totalmente. Agora imagina: eu tinha de vestir toga genebrina pra pregar, além de
terno e gravata, toda aquela tradição da igreja, o respeito aos idosos e tal e eu
conclui que fiquei com uma dupla personalidade. Eu brincava, né, mas tinha hora
que eu ficava sério. A Ivone 103, acha que eram melhor as minhas pregações quando
eu era mais sério, entendeu? Mas eu fui ficando esquizofrênico, eu leio assim.
Mas você não vê uma esquizofrenia também na igreja nessa relação até
hoje? Sim, com certeza, uma loucura. Mas aí, eu fui a um congresso em Lima, no
Peru, e sabe quem me ajudou? O Robinson Cavalcanti 104. Ele foi preletor nesse
congresso, o Clade II 105 e eu estava lá e pensei, esse cara num congresso tão
100
Presbítero (do grego "ancião" ou "sacerdote" usado no cristianismo) no Novo Testamento refere-se a um
líder nas congregações cristãs locais, com referência ao "presbyteros" grego significando ancião/senhor e
"episkopos" significando administrador. Entre os presbiterianos, indivíduo eleito pela congregação para dirigi-
la e ser seu chefe espiritual.
101
Reverendo presbiteriano Amílcar Borba, foi diácono (1966-1972), presbítero (1972-1981), e ordenado
pastor pelo Presbitério Unido de São Paulo em 15/03/1981, tornando-se co-pastor da IP Unida-São Paulo-SP.
Em março de 1986 tornou-se pastor titular desta igreja até Dezembro/1990. A partir daí dedicou-se
integralmente ao ministério de campanhas evangelística em todo o país. Faleceu no dia 22 de Março de 2012.
102
Primeira Igreja Presbiteriana Independente (IPI) de SP, a Catedral da Igreja na Nestor Pestana, em São Paulo-
SP, onde foi pastor de jovens por 3 anos (de 1985 a 1987). Jasiel é formado em Teologia pelo Seminário
Presbiteriano Independente, de 1980 a 1984.
103
Ivone Botelho, esposa de Jasiel é mestra em Teologia, além de ser formada em Letras. É diretora acadêmica
da Faculdade Latino Americana de Teologia Integral (Flam), professora de Missiologia e mentora de Jovens.
104
Edward Robinson de Barros Cavalcanti foi bispo da Diocese Anglicana de Recife (1944-
2012). Teólogo, acadêmico, participou da fundação (1970) da Fraternidade Teológica Latino-americana (FTL),
onde integrou, por sete anos, a sua Comissão Executiva. Integrou, também, a Comissão de Convocação do
Congresso de Lausanne (1974), e a Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial (LCWE), por quatro
anos, bem como a Comissão Teológica da Aliança Evangélica Mundial (LCWE), na Unidade “Ética e Sociedade”.
Deixou livros e artigos em centenas de publicações.
105
Congresso Latino Americano de Evangelização, organizado pela Fraternidade Teológica Latino Americana,
em 1979
190
importante, internacional, vem pregar e o tempo todo ele brinca, ele é irônico, então
é possível isso.
pegadinhas que ele faz, mas muito no Velho Testamento. No Velho Testamento é
claro. Um dos clássicos do humor no Velho Testamento é quando Elias fala assim:
“grita mais alto, pode ser que ele pode ter saído, ou tá no banheiro!”. Isso aí é humor
(risos) de primeira, né? Fora as outras coisas né? Então, o Robinson me ajudou
muito e aí depois, nós passamos seis meses na Inglaterra, aprendendo inglês e nas
lições, todas elas tinham uma charge, e você tinha de interpretar a charge e o humor
Caio 106 convidou o John Stott 107 pra vir pra cá pregar e eu estava lá pintando e tal, e
ouvindo o John Stott e ele contava as histórias deles, de humor, mas o pessoal não
ria e aí eu falei, caramba, eu acho que o pessoal não está entendendo, aí eu fiz pela
primeira vez charges, desenhos, ilustrando o que o John Stott tinha falado e eu colei
deixavam entrar e o responsável disse: “ponha noutro lugar senão vai dar
106
Caio Fábio D'Araújo Filho, mais conhecido como Caio Fábio (1955) é um escritor, psicanalista e ex-pastor
presbiteriano brasileiro. Foi o fundador e presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), é líder e
mentor do Movimento Caminho da Graça (sediado em Brasília), grupo que possui subestações espalhadas pelo
Brasil e pelo mundo
107
John Robert Walmsley Stott, CBE (1921 – 2011) foi um pastor e teólogo anglicano britânico, conhecido como
um dos grandes nomes mundiais evangélicos. Foi um dos principais autores do pacto de Lausane, em 1974. Em
2005, a revista Time classificou Stott entre as 100 pessoas mais influentes do mundo tendo publicado mais de
40 livros e centenas de artigos, além de outras contribuições à literatura cristã.
191
esse dom de desenhar o humor, não só a piada, mas o humor. Aí, no Congresso
algumas charges de missões. Uma boa charge foi da “Janela 10X40” 108 aí eu fiz uma
janela, com umas missionárias na janela e embaixo, escrito o que é Janela 10X40?
missionárias queriam me matar, né? Aí eu quis me redimir e fiz outra charge – o que
a surpresa, que o diretor da Mundo Cristão, que é uma editora assim séria, né?
Olhou e disse: -“Jasiel, vamos publicar essas charges!”. Ali é que eu vi o valor do
humor, né? Eu pensei, “puxa vida, uma editora tão séria evangélica, querendo
publicar charge de humor!”, mas depois eu descobri por que ele era americano, e
Christianity Today 109 tem as charges, muito importante as charges, então eu pensei
que ela é como a fotografia – uma imagem vale por mil palavras. E aí eu fui
aprendendo o humor, você não pode brincar com coisas sexuais, você não pode...
isto é, há limites no humor. E tem o bom humor e tem o mau humor, tem a crítica e
aprendi que você não deve ofender as pessoas, com humor, você pode criticar as
ideias e criticar os exageros, as caricaturas que as pessoas não percebem por que
descobri que toda pessoa tem partes positivas e partes negativas, que não são
108
Este nome se deu pela localização dos 62 países que formam um retângulo aos graus 10 e 40 acima da linha
do Equador. A região engloba o norte da África, o Oriente Médio e a maioria dos países da Ásia, países
dominados pelo islamismo, hinduísmo e budismo, a região menos evangelizada do mundo.
109
Christianity Today é um periódico cristão evangélico com sede em Carol Stream, Illinois. É a bandeira de
publicação de sua empresa-mãe Christianity Today International, e afirma que tem entre 145.000 e de 304.500
leitores.[1] O fundador, Billy Graham, afirmou que ele queria "plantar o pavilhão evangélico no meio de
estrada, tendo a posição teológica conservadora, mas uma abordagem nítidamente liberal dos problemas
sociais". No Brasil, saiu sua primeira publicação fora dos EUA, onde este pesquisador foi o chargista oficial
desde o tempo em que durou aqui,
192
pecados, mas características que são do temperamento de cada uma, que quando
você esconde as suas fraquezas, você fica vulnerável, quando você as expõe, você
amadurece, você cresce, e você fica protegido num certo sentido, então eu aprendi
quando você ridiculariza o outro, isso é mau-humor, quando você ridiculariza você
O poder teme o humor? O poder teme, porque o poder não quer ser criticado
vaidade, é a soberba. Quanto mais um líder é forte, quanto mais ele é famoso o líder,
mais ele é intocável, ele é o “ungido”, ele não pode ser criticado de jeito nenhum.
Se nós, pobres mortais não podemos, imaginem esses caras que são semideuses,
entendeu?
você citou o caso de o clero ficar ofendido, ficar vulnerável, num dado
momento, isso não trai o princípio do sacerdócio universal? Isso não é uma
ameaça ao pensamento reformado? Sim, porque hoje eu divido, o Tim Keller 110 foi
110
Timothy J. Keller (1950) é um pastor americano, teólogo e apologista cristão de teologia reformada. Ele é
mais conhecido como o pastor fundador da Redeemer Presbyterian Church, de Nova York , e autor de
diversos best-sellers do The New York Times.
193
livre, por exemplo, você pode fazer uma charge de Deus, Deus não fica ofendido,
do muçulmano. Quando você diz “não leve o nome de Deus em vão”, não é questão
do humor, é questão de você não brincar com Deus, não levá-lo à sério, não é o
brincar com ele, porque Deus é pai e se há uma coisa que o pai mais gosta de fazer
com os seus filhos, e vice-versa, é brincar. Por isso eu digo que hoje eu tenho a
Uma coisa a que você se referiu na sua formação foi acampamento. Isso
foi importante na sua vida? Qual é a relação que você faz entre o espaço dos
de São Paulo, quando eu tinha 14, 15, 16 anos e daí dessa igreja eu fui pra um
grande. Na igreja, você entrava para assistir, você não podia mexer em nada, se
sujasse, tinha quem limpasse, e você ia assistir o culto. No acampamento não, você
podia fazer tudo, tinha uma equipe de jovens, que fazia todo o acampamento, com
“n” trabalhos, isso já foi uma diferença tremenda, agora, fora a liturgia. Imagina
chegar e o pastor estar de bermuda, com a bíblia na mão para pregar, agora, o meu
pastor, além de terno e gravata, ainda tinha a toga genebrina, a toga de Calvino, o
nosso louvor era dos hinos europeus, americanos, coral - e eu brinco que não era
coral era coroal, porque só coroas cantavam – agora lá não, eram canções, com
ritmo, com palmas, muito mais próximos, outra coisa que foi um choque pra mim
que Jesus, o que Deus fez na sua vida, a liturgia lá era de adoração, de ouvir a
palavra, o sermão era elaborado, lido, e no acampamento não era nem sermão,
194
eu quis trazer aquilo para a igreja. Imagine cantar com os idosos: senta, levanta,
aquele culto solene ...mas cá entre nós, o culto protestante ainda tinha, ...na igreja
católica era muito pior, pelo menos nós tínhamos o social, no salão social, nas
aí alguma coisa mudava, isso para não ser completamente contra a igreja
tradicional, porque de qualquer maneira a gente herdou isso, não fosse isso, talvez
E o Jasiel, quando está num tempo é outro Jasiel? Sim, eu respeito, porque
ainda com cuidado eu uso ainda o humor e os idosos gostam, os adultos gostam,
o humor, foi Deus quem fez e criou, os animais não têm isso, são só os humanos,
agora, o pecado estragou isso, né? Por isso tem o mau-humor, tem o humor
sarcástico, tem o humor bullying, e eu gostava disso também, era o lado negativo,
evangélica do Brasil, eu conheço, somos amigos e tal, mas alguns deles têm medo
111
Canção popular na época, de autoria desconhecida, de letra simples e acompanhada com o levantar e
assentar do público.
195
que era diretor que morria de medo, eu dizia à ele: você é meu amigo, eu não vou
fazer isso com você, eu não vou te expor ao ridículo, porque a gente era amigo e eu
sabia das fraquezas dele, então, esse é o mau-humor, e hoje eu tenho cuidado. A
Ivone 112 diz que se todos não se divertirem então não é humor. E agora eu uso o
Você foi responsável, digo, você e o ministério que você representa, o JV, pela
que influenciou nessa leveza de ver a vida e o evangelho? É eu digo que a gente
igreja mais fechada, talvez a Luterana fosse mais, mais a Metodista, mas mais a
Presbiteriana, uma igreja mais tradicional, né. Eu lembro de pregar numa igreja
então a gente trouxe uma nova liturgia, com os testemunhos, a gente influenciou na
música, com os ritmos, na arte,... Quando eu comecei a desenhar eu fiz uma revista
esse conflito, como é que desenho Jesus, como é que desenho os santos, os
apóstolos e tudo? Isso aqui no Brasil, porque se você vai aos Estados Unidos, não
tem isso. Eu fui à Coreia e nossa! Parecia uma loja católica, porque tinha de tudo e
na Inglaterra a mesma coisa, é uma coisa mais da América Latina, que veio dos
112
Ivone Botelho, esposa do entrevistado
196
Estados Unidos, dos Puritanos 113, o evangelho contra a cultura, a música, o samba.
teria sido muito mais aberta, teria alcançado mais. Então, essa questão do humor,
eu acho que é muito mais sadio. Os Jovens da Verdade por exemplo, nesses anos
todos, cinquenta anos a gente vai fazer, a gente não tem escândalo nenhum
ao invés de você chegar ao cara e chamar a atenção, você começa a gozar dele na
eu chegar perto de você, te criticar, dizer: “olha, não vai por aí não que é perigoso!”
aquele discipulado de você chegar e mostrar o erro da pessoa. Você pode fazer
isso, e você pode mostrar o erro da pessoa com brincadeira e a pessoa: “ôpa, não
é por ai!”. E nós fazemos isso largamente aqui. A cultura judaica é muito alegre.
Jesus começa o ministério num casamento, ...aquela imagem que Jesus não ri...
Hoje eu tenho essa consciência, nós éramos muito legalistas, inda mais com esse
uma fase de muito briguento, sabe? Eu era o “cão de guarda do JV” e aí, quando o
Tim Keller veio falar sobre toda essa religiosidade, aquilo fez a diferença, entre
religiosidade e evangelho, pra mim foi o divisor de águas da lei e da graça. Eu,
113
O puritanismo designa uma concepção da fé cristã desenvolvida na Inglaterra por uma comunidade de
protestantes radicais depois da Reforma. Segundo alguns teóricos, trata-se tanto de uma teoria política como
de uma doutrina religiosa. O adjetivo "puritano" pode designar tanto o membro deste grupo de calvinistas
rigorosos como aquele que é rígido nos costumes, especialmente quanto ao comportamento sexual (pessoa
austera, rígida e moralista)
197
evangelho meritório, assim, eu nunca tive uma vida devassa, então, eu fui o filho
que ficou em casa 114 - eu sou merecedor – então eu trabalhava, não tinha
consciência disso, então tudo o que eu fazia e dava certo, era a bênção de Deus
porque eu fiz certinho, quando acontecia alguma coisa errada, eu ficava com a
No fim eu entendi que era meritória a coisa, não era a graça e tremendamente
julgando os meus amigos, os colegas, por qualquer coisa, às vezes por uma
fraqueza financeira, às vezes por uma fraqueza moral, todos os meus colegas que
coisa que julgava diferente, principalmente os liberais, entendeu? Eu hoje acho que
é a consideração, ...
falo: a graça do homem é a graça de Deus. A gente aceita a graça de Deus, mas
não aceita a graça do homem e quando se junta as duas, fica muito melhor. E a
agora dos Puritanos que são bem fechados e eu decidi que vou respeitá-los e vou
tê-los como irmãos queridos, mesmo não concordando do jeito deles pensarem e
114
Referência ao irmão do filho pródigo, da parábola de Jesus
198
econômicos, você acha que de alguma forma o humor ajudou nesse processo
de crescimento de uma igreja não tão legalista, não sei se você consegue se
Se não foi no nosso foi do Palavra da Vida, se não foi do Palavra da Vida, foi na
Mocidade Para Cristo, e os que não foram, são legalistas hoje. Eu conheço alguns
presbíteros para quem é mais importante ser presbiteriano do que ser cristão. Por
exemplo, eu fiz uma charge, quando a Igreja Presbiteriana escolheu por o Espírito
“e desde quando o símbolo da igreja é sagrado?” (risos) E ele disse: “Ah! Se fosse
na ditadura, isso era como brincar com a bandeira nacional”. E fomos trocando,
trocando mensagens, quando ele apelou e falou: “é, porque você não é pastor
falou pra você que não sou presbiteriano? Eu sou reverendo, com todos os direitos!”
de pensar, não se brinca, não tem humor... só que hoje você já não tem uma igreja
assim. Você tem uma cúpula mínima ali, entendeu? Tanto que os puritanos não
115
A imagem de marca da Igreja Presbiteriana do Brasil tinha uma pomba voando sobre uma sarça – um
arbusto - ardente em referência à Êxodo 3:2
116
Órgão máximo regulador da IPB
199
contra isso: usar o púlpito como um stand-up, tem o Cláudio Duarte 117 que ficou
conhecido e alguns dessa liderança criticam muito, até estou vendo as 95 teses
com a Palavra de Deus, ficar contando piada, assim como a crítica ao louvor
também, há uma crítica ao louvor, que isso não é louvar..., há a crítica sobre
reacionário também, mas também por outro lado, tá havendo muito exagero e oque
E os desafios que você podia pontuar pra mim sobre essa igreja de hoje?
Eu acho que o maior desafio para mim, hoje, é a religiosidade. A religiosidade que
não é evangélica. Você é religioso, mas não é cristão, é uma imitação, é uma coisa,
nessa religiosidade não tem perdão, não tem misericórdia, se você não concorda
comigo você está fora, se você fez uma coisa errada não tem conversa, não tem
perdão, nem restauração, é aquela velha história: Deus odeia o pecado e odeia
também o pecador e os dois vão pro inferno, odeia o ímpio. É, ...é difícil você
entender isso: Deus odeia o pecado, mas ama o pecador. Como é que pode isso?
E tem outras coisas, a tecnologia... antes você mandava o povo desligar os celulares
nos cultos, hoje você manda ligar (para acessar as bíblias)... e tem a questão da
117
Pastor, conferencista e pregador, membro da Igreja Batista Monte Horebe em Campo Grande e pastor
local na filial da Barra da Tijuca- RJ, casado com Jane Mary, pai de Caio e Filipe. Se tornou conhecido por suas
mensagens direcionadas à casais e com humor
200
Você fez um filho humorista, não? É mais o outro também é, mas um humor
diferente, mais o humor inglês, o outro ele é sério, mas ele tem humor, um humor
de Santo Anastácio. Antes disso, eu fui batista (eu fui um “Amado Batista” 118,
nasci em 52, nos anos 60, daí mudamos para Presidente Prudente, depois São
Você chegou a ser ordenado? Não, eu sou jornalista, eu não sou pastor, nem
presbítero, graças a Deus, não. E quando é que você descobriu a sua veia
artística? Cara, eu não sei o que te dizer, quando eu descobri isso, sempre gostei
de humor, das coisas engraçadas. Eu só assistia comédias, essas coisas, ...lia livros
118
Amado Batista é um conhecido cantor popular, do gênero brega
201
porquê? Por que a Bíblia é um livro difícil de você ler, e o jornalismo me abriu muito
a cabeça: você lê e transmite de uma forma que todo mundo possa entender. Eu fiz
seu ministério cristão? O meu ministério, exatamente, por que eu sempre gostei
Deus. Sempre usando o humor, pregar com humor. Eu conto piada, eu tenho um
tipo de música engraçada, que eu pesquisei para fazer, e tudo o mais. Mas o meu
chão é presbiteriano do Brasil. Mas aí, o que aconteceu? Eu me casei com uma
moça do Brasil para Cristo. Aí ficou aquela dúvida: Ashbell Green Simonton, ou
Manoel de Melo? 119. (risos!) Aí eu fui pro “Manoel de Melo” e fiquei 10 anos
trabalhando lá, numa igreja muito boa e eu descobri uma coisa boa lá, na
conheci a Harpa Cristã 120, conheci o Cantor Pentecostal 121 e tem um outro...
né? Também.
119
Ashbel Green Simonton e Manoel de Melo, foram respectivamente, os fundadores das igrejas Presbiteriana
do Brasil e Brasil para Cristo
120
Harpa Cristã é o hinário oficial das igrejas Assembleias de Deus, desde 1922, com 640 hinos, ela foi
especialmente organizada com o objetivo de enlevar o cântico congregacional e proporcionar o louvor a Deus
em diversas liturgias da igreja: culto público, santa ceia, batismo, casamento, apresentação de criança, etc
121
Hinário editado em 1921, sob orientação de Almeida Sobrinho e tinha 44 hinos e 10 corinhos. O Cantor
Pentecostal foi distribuído pela Assembleias de Deus de Belém/PA
202
Vila Sésamo 122 (risos). Eu vi aqueles bonecos na TV, ...Ah! Um dia eu vi uma
emprestei os bonecos e fui para o local onde a minha mulher dava aulas, para ver
se eu levava jeito para trabalhar com aquilo. Ah, rapaz! A criançada amou!
para adultos. Até hoje, não é para criança. Eu até brinco: “Gente, eu não sou
pediatra, eu sou um clínico geral!” (risos). E por quê? Por que as piadas são para
Isso então é universal? Mas me diz: você acha que os bonecos são universais
Rubinho. Eu digo sempre – e sou mal interpretado às vezes – que Deus é bem-
humorado. Muita gente torce o nariz achando que estou dizendo que Deus é um
palhaço, mas não, eu digo Deus tem humor. Você pode ver a criação, a girafa, o
122
Vila Sésamo foi uma série de televisão brasileira, baseada no programa infantil norte-americano Sesame
Street (criado pela Children’s Television Workshop de Nova York, baseado em opiniões e conceitos emitidos
por técnicos de educação e agência de publicidade). O programa foi exibido pela TV Cultura de 1972 a 1977.
123
Nascida em 1958, como Missão Bíblia Bereana e em 1972, passou a ser chamada de Faculdade de Teologia
A.B.E.C.A.R.. É baseada em Mogi das Cruzes-SP e também funciona por “Distance Learning” e mantém um
acampamento para jovens desde 1963.
203
orelhudo, ...Pois é, eu uso o humor para falar do amor de Deus, e Deus tem
abençoado. No começo, foi difícil, dar a cara pra bater foi difícil, ...
Você acha que naquela época não havia respeito ao humorista nas igrejas?
analisava. Para você ver, eu já fui pregar em igreja onde o pastor não deixou. Ele
disse: Não, aqui você não prega. E por usar o humor. Não. Isso é palhaçada. E eu
me lembro que tinha eu, e o Janires 124 que fazíamos músicas diferentes – ele rock e
eu sambinha, mas com letras engraçadinhas e tal, mas sempre numa linguagem
meio ácida, tá? E muita crítica. Muita. E teve igreja onde a gente ia e o pessoal
levantava e ia embora. Lá nos anos 80. O pessoal levantava e caía fora. Meu Deus
do céu, eram aquelas igrejas carrancudas, não bastasse a sociedade toda sem
bom-humor algum. Foi um sofrimento. Agora você vê hoje como é que está? O que
a gente fazia é pinto. Hoje eu analiso assim: hoje não tem é conteúdo. O Jorge
Rheder 125 já dizia: tem muita música mas não tem é qualidade. Hoje pra gravar um
124
Janires Magalhães Manso (1953-1988) foi um cantor, compositor, produtor musical, arranjador e multi-
instrumentista que iniciou sua carreira no fim da década de 1970, sendo mais conhecido como o principal
responsável pela modernização da música cristã ocorrida na década de 1980. De família pobre teve forte
contato com a música, e mais tarde envolveu-se com o uso de drogas. Após ser preso e permanecer durante
um tempo numa casa de recuperação se tornou cristão. A partir disso, voltou-se à suas atividades musicais,
tendo fundado o Rebanhão, a primeira banda de rock cristão do Brasil a alcançar notoriedade nacional. Ficou
conhecido pelas letras que foram alvo de críticas de líderes religiosos por usar sonoridades até então proibidas
nas igrejas, como guitarras distorcidas e letras contextualizadas com a realidade social e econômica da época.
E muito humor.
125
Compositor evangélico Jorge Rehder (1955-2009). marcou a história da música protestante brasileira, com
mais de 130 canções compostas, muitas delas gravadas pelos Vencedores por Cristo e Grupo Logos. Além de
suas canções, Jorge Rehder teve parcerias de composições com Guilherme Kerr, Nelson Bomilcar, João
Alexandre, Carlos Sider e Jorge Camargo, gente formada ou revelada pela missão criada por Jaime Kemp
(Vencedores por Cristo).
204
para citar, tinha um cara, lá no J.V., já morreu, o Abdias, que fez aquela (cantando):
“Não vou ficar sozinho, agora sou feliz, com Cristo, no meu coração”, tinha o
Jaziel 126, que compunha maravilhosamente bem, e que é cartunista, um homem que
admiro muito, pregando, desenhando, fazendo tudo, né? Aquele tempo lá começou
coladinhos. Pra mim. Era mais um estilo pop. Agora, os Jovens da Verdade, até que
se prove o contrário, abriram tudo, e foram até excluídos de uma igreja, a Igreja
Presbiteriana da Penha. E bendita hora que isso aconteceu, pois foi lá que a coisa
explodiu. Com alguns líderes que bancaram a perseguição ao grupo como o Rev.
mulher. É mais dela do que meu. Nós temos mais por causa da visão dela sobre
visão, é aquilo que eles têm que a igreja não tem: alegria, tem a pregação do
você deve saber melhor que eu, que a maioria dos crentes, nos anos 1970, 1980,
você também passou por acampamentos. Eu fui um dos pioneiros com os bonecos,
na música de humor e você com cartuns, aquele livro Café com Deus é seu, né? Eu
dei muito aquele livro de presente, eu comprava e dava pra quem não era crente. O
humor abre portas. Boneco é uma coisa de doido! Abre portas pra você que você
126
Jaziel Botelho, um dos fundados dos Jovens da Verdade, pastor presbiteriano, entrevistado nesta pesquisa
127
Edésio de Oliveira Chequer, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, que presidiu seu Supremo Concílio
(comando da denominação) entre os anos 1986-1990.
205
não imagina! É como desenho. Não se desenha pra criança. Você desenha, pronto.
Você já viu aquele desenho dos Simpsons? Aquilo não é desenho pra criança
(risos), mas elas amam aquilo. Pois é, mas voltando à perseguição, bendita hora
Você acha que essa estrutura tradicional das denominações não soube
falar a linguagem do povo? Vamos colocar nesse sentido: não souberam entender,
tipo: vamos abraçar, e não ir contra! Vamos conversar com eles, o que é que eles
querem, qual é a proposta? Por isso é que se perdeu, veja, a Renascer em Cristo 128
é resultado disso daí. Os caras queriam pregar coisa nova, pregar o evangelho,
usando bateria, rock, ...e não podiam. Veja a Congregação Cristã do Brasil 129, a
Igreja Presbiteriana do Brás, e a igreja não deixava. Ele era diácono lá. “Ah! Não vão
deixar? Eu vou fundar uma igreja maior que essa!”. E fundou. Alí no Brás mesmo.
Se você tinha dificuldades, onde é que você encontrou apoio para o seu
Agora, eu tinha espaço onde? Em culto de jovens, presbiterianos, ... Tinha um pastor
Afro Marcondes (Afro Marcondes dos Santos Junior), está hoje em Rondonópolis,
Mato Grosso, ele era da presbiteriana, eu da Brasil para Cristo e nós fazíamos um
trabalho muito bonito juntos, chamado Cultão, em Guaianazes (São Paulo-SP), todo
128
Igreja evangélica neopentecostal fundada em São Paulo, em 1986, por Estevam Hernandes e Sônia
Hernandes, de uma cisão numa igreja pentecostal tradicional, tornando-se numa das maiores dessa linha, com
mais de dois milhões de seguidores, em 3.500 templos, segundo a Revista Época - Edição 452
129
Igreja resultante da síntese doutrinária de base protestante histórica presbiteriano-valdense e o
denominado Avivamento Pentecostal de Chicago (1907). Seu estabelecimento em terras brasileiras ocorre em
1910. Segundo o Censo do IBGE de 2010, a Congregação Cristã figura como 3ª maior denominação evangélica
no Brasil, com 2,2 milhões de membros.
206
primeiro sábado do mês e reuníamos a turma dele, a minha e da região ali. E ali a
gente tinha espaço, cantávamos as nossas músicas, e era aquilo na igreja, o pastor
ferrado. A não ser os que eram realizados por organizações para-eclesiásticas, tipo
JV, ...menos o Palavra da Vida ...nossa, aquele pastor deles, como é que chama?
Haroldo Reimer! Uma vez ele veio comer na minha mão. Foi assim, eles gravaram
uma música minha, sem minha autorização. Foi aquela: “Se o teu coração parar de
bater agora...”. Ele gravou e eu fiquei sabendo. Aluguei um VHS, fui assistir em casa,
ai chamei minha mulher e disse: “Bila, olha, a minha música!”. Eu fiquei todo feliz e
mandei uma cartinha à ele dizendo: “Fiquei muito feliz em ver a minha música no
VHS, e tal, tal...”. E ele, pensando que eu ia pedir dinheiro por conta o direito autoral
e esse cara não parava de ligar pra minha casa (risos), e ligava, e ligava e eu nunca
estava, aí a Bila falou: “pastor, se o senhor está com medo do Maurão lhe pedir
dinheiro, fique tranquilo, ele não vai cobrar não, pelo contrário, ele está orgulhoso”.
Ah! Aí ele ficou meu amigo. Queria ter um filho comigo (risos). Aí um dia estávamos
em São Paulo, fomos comer uma pizza, estava ele, aquele quarteto que sempre
andava com ele o PV4, a dona Débora (Nota: imitando sotaque de americano), o
privilegiada!
verdade, ninguém sabe o que é avivamento, e ele nada mais é do que o povo sair
às ruas, pregar o evangelho com alegria, no avivamento tem decisões, tem novidade
fiada.
jovens? Eu penso que não. Sabe porquê? Naquele tempo a gente não falava muito
de política. A gente queria muito evangelizar. Queria ganhar almas pra Jesus. Então
a gente falava muito pouco de política. Tinha, lógico, aqueles slogans: “Crente não
se envolve com política”, aquele outro: “Crente vota em irmão”. Pra mim, pra mim,
heim? A gente queria mais ganhar almas. Esse negócio de política não era pra
gente, tanto é que não me lembro de ninguém, naquela época que se envolveu em
E você acha que fez escola, Maurão? Ah... eu acho que a gente contribuiu
tenho muita influência de baião, Luís Gonzaga, Renato Teixeira, de quem sou um
apaixonado...
Você chegou a gravar? Ih! Tem um monte de coisa, eu gravei 4 long plays e
uma pá de CDs (XXXX)... eu pensei: eu preciso fazer umas músicas que o pessoal
tá tocando nas rádios, mas com as nossas letras, aí fiz pagode, samba de breque,
130
Ariovaldo Ramos, pastor e militante social, conhecido pela atuação de esquerda.
208
pois sou fã do Moreira da Silva, eu acho que fui colega do Lutero, e já faz 500 anos
(risos)...
O que é música de Deus e o que é música “do mundo” pra você? Não tem.
Música é música. Ela não é nem de Deus e nem do capeta. Na minha leitura, por
favor! Tem a música evangélica, infelizmente, e a não evangélica. Meu Deus do céu.
Eu não escuto música evangélica (risos). Eu confesso pra você, pode parecer meio
arrogante, mas não dá! Você conhece o Atilano Muradas 131, né? Você vai ouvir esse
132 133
cara numa FM, Gilson Rezende , que é um gênio, um crânio, Vavá Rodrigues .
Eu gravo só eu, eu e o meu filho, no contra-baixo. Eu não tenho banda, não tenho
E você está em alguma igreja? Sim, minha igreja está em São Paulo, fica na
Lapa: Igreja Bíblica Evangélica da Comunhão, ah! E eu ainda sou membro da minha
quando. Teologicamente, sou presbiteriano, mas não calvinista. Sou arminiano 134!
Crente perde a salvação. você quer saber? Eu tô brincando. Eu não sei nem o que
é que eu sou (risos). Se eu sou calvinista ou não. Aliás, muita coisa que se diz sobre
Calvino, nem ele sabia ou disse. Então isso aí gera muita dúvida. Mas tem muita
131
Músico e compositor mineiro de samba evangélico, que até organizou escolas de samba para pregar o
evangelho
132
Pastor da Igreja Batista, pós-graduado em Teologia Urbana, músico profissional, compositor com 19 CDs
gravados, e professor da FLAM-Faculdade Teológica Latino Americana, dos Jovens da Verdade
133
Compositor e publicitário paulista, criador de jingles famosos e de uma imensa musicografia evangélica
nada convencional, algumas músicas são do conhecimento da maioria dos cristãos evangélicos do país
134
O arminianismo é uma escola de pensamento soteriológica (doutrina da salvação), baseada sobre ideias
do holandes Jacobus Arminius (1560 - 1609)
209
E você publicou livros? Escrevi. E até vou mandar pra você de presente. Só
escrevi um, aliás, eu fiz dois em um. De frente é um e de trás pra frente, outro:
histórias”. São causos, temperos de sermão, né? Quando você está pregando você
não conta uma história? Pois é aquilo lá. Eu fiz esse livro só e foi por minha conta.
Fiz bastante CD – pra criança e adultos. Tenho já 14 títulos. E pra além deles, tenho
E a igreja tá doente para você? Ô, parece que a igreja não tem cura! É Jesus
a cura, mas parece que não tem jeito... Ah! Rubinho, eu achava que você era parente
ele morreu de uma forma trágica... Ele era muito estranho, uma vez foi dormi na
minha casa, lá em Poá-SP, acordou de manhã, não escovou os dentes, nem nada...
depois encontrei com ele num congresso para professores de crianças, nossa, era
piradóvisky, aliás, quem volta de Israel como ele, volta meio doido, quer e batizar no
Rio Jordão (risos)... Crente é engraçado, né? Crente é muito místico, você não acha?
Muito místico e pouco prático. Ele vê Deus em tudo... Calma gente, não é assim,
espiritualiza tudo
Você acha que a igreja ainda não valoriza o humor ou vê a coisa diferente
hoje? Ah! Eu acho que diferente, pelo menos, vejo que as portas hoje estão abertas
pro meu trabalho. Vou à igrejas tradicionais, todas, todas,... Eu vou à Presbiteriana,
Batista, Metodista, Assembleia de Deus, graças a Deus o pessoal respeita. Sabe por
135
Ruben Ciola escritor e animador de bonecos, falecido nos anos 1980, já citado nesta pesquisa
210
quê? Porque não vou pra falar de doutrina, usos e costumes, vou pra pregar o
se decide e tchau e bença, o que eu tinha de fazer, eu fiz e acabou. Eu fui chamado
pra isso. Sou casado, tenho uma mulher, um filho, dois netos, uma nora. Atrás de
um vitorioso sempre tem uma mulher. E atrás de um fracassado tem duas (risos).
Acho que é isso. Saiba que é uma honra! Sempre que dizia que ia
pesquisar sobre isso, o povo dizia: você tem de entrevistar o Maurão! Você é
um dos pioneiros, que abriu o campo aí e na sua humildade e tudo, ... E eu não
acho, viu, cara? Eu sinto, cara, de não ter preparado um sucessor, se bem de
Só mais uma coisa: você se aprendeu a fazer bonecos onde? Com a Vila
moro em Paulínia. Ele confecciona pra mim. Ah! E eu não sou ventríloquo. Eu sou
cara segura aqui, o outro lá e fico atrás e tem uma pessoa para falar com o boneco,
o escada, né, que eu pego na igreja. Antes era a minha mulher, mas agora,
coitadinha, ela quase não está podendo sair mais, né? Então eu pego gente da
igreja mesmo.
ficam. Criança, principalmente janeiro e julho, a gente faz aquelas temporadas, tipo
211
JV, faz para criança e jovem, só que nós fazemos juntos. E o acampamento não
está ligado à uma igreja, é nosso, é particular, mantido pelo nosso suor mesmo. Ele
cara quer comer, se vestir e só depois pensa nisso, mas é geral isso! E vamos
tocando.
Como é que um pastor, um líder reage quando você toca na ferida com o
seu humor? Como é que ele reage quando a crítica o atinge? Tem piada que eu
faço com boneco que me faz sofrer muito. Tem uma que faço, pegando o nome da
mulher do pastor, e pergunto pra vovó (boneco): “você a conhece, vovó?” e ela:
“claro, nós frequentamos a mesma igreja” e eu: “mas qual igreja?” e ela responde:
“a igreja primitiva!” (risos). Tem mulher que não gosta que fale que ela é velha
(risos.). E ela continua: “ela paquerava o apóstolo Paulo!” (risos). Tem outra: eu
digo: “vira pro irmão que está do seu lado e diga que ele é um safado!”, ...“vira pro
irmão da ponta e mande ele pagar a suas contas!”, “vira pro irmão da frente e mande
ele escovar os dentes!”, “vire pro irmão de trás e diga: xô satanás!” (risos). “Agora
vire-se para você e veja a sua vida”... é uma coisa assim ... Não é só bobagem, é
pro sujeito parar de olhar pra vida dos outros, pra não julgar. Não me lembro da
letra agora. Piadas com bonecos são piadas leves, a gente faz, brinca com quem
está assistindo, pega o nome dos idosos, afinal o humor tem uma função educativa.
Muita. Muito, muito... Eu fui no Mackenzie agora, fiquei lá por dois dias, contando a
Pois, você vê humor nas parábolas? Claro, total! Eu não sei, bem, humor
não é só fazer rir, pelo contrário, fazer a pessoa feliz, é humor, é humor. A pessoa
assiste o trabalho – modéstia de lado, tá? – a pessoa sai de um trabalho nosso e sai
você vê a pessoa assim... Você gostou do culto? “ô, Deus falou comigo!” e ele tá
com a cara assim... o pastor desceu a lenha... o pastor mais bate do que apascenta,
né? Se bem que tem ovelha que precisa apanhar. E tem pastor também, precisando
apanhar (risos). Ih, rapaz, a Bom Pastor 136 na minha vida, tinha o Elias de Carvalho,
conhece, né? Muita gente fala mal dele, mas aquele moço, tudo o que ele fez
produção de disco pra ele, apesar de eu nunca ter tido formação musical,
acadêmica. A única coisa que tenho de acadêmico, é que fiz jornalismo. Só, mais
nada. Mas, olha, é bom reforçar o seguinte: quando força, quando o cara quer ser
engraçado, ele se torna sem graça. Olha, quer ver? Nesses dias, foram a um
programa de TV, dois humoristas evangélicos... Meu, eu não consegui dar uma
risada. Eles fazem uma piadinha aqui, contam outra ali, não sei o quê, é uma
136
Gravadora e importadora evangélica brasileira. Foi fundada por Elias de Carvalho, filho cantor evangélico
Luiz de Carvalho. É uma das mais antigas gravadoras evangélicas ainda existentes no país com sede em São
Paulo.
137
Grupo de música evangélica formado por Nelson Pinto Jr. (sempre chamado de Nelsão), entre as equipes
treinadas pelos Vencedores por Cristo, a 41ª de 1984, com Susie Duarte Costa, o casal Wesley e Marlene,
Sergio Ribeiro e Lílian, Marinho, Rubenita, Roberto Barros, Amilton Berescki e José Roberto Prado
213
Tem limite o humor? A gente é que tem de se impor os limites para não se
tornar ridículo. É bom a gente dar uma policiada pra não ficar uma coisa meio, ...né?
Tem o seguinte, o humor... bem, quem faz humor não pode ter medo. De jeito
nenhum. Tem que se preocupar de fazer a graça, mas tem que ter algo de profeta,
de tocar o dedo na ferida. O cara atingido pela piada não vai gostar, pode até
arrancar dele uma risadinha de judeu, meio sem graça. Judeu ri com a barriga,
sabia? É muito engraçado (risos). Tô morrendo de rir, né? Mas com a cara meio
fechada. Mas como ia dizendo, o cara quando força acaba sem graça, fica uma
coisa meio xôxa, né? Ah! Isso aí que você tá fazendo vai virar livro?
** Entrevista realizada no Hotel Mercure, R. Alegre, 440 - Santa Paula, São Caetano
Reverendo, então a sua mãe era humorista? Sim, a nossa veia é da mamãe.
Ela era doméstica, de casa, ela não fazia nada sem fazer você rir. Você tinha que rir.
214
E se ela quisesse te xingar de tudo que era nome, também não tinha problema, não.
E ela não falava quatro palavras sem falar cinco bobagens. Ela foi criada na roça,
amarravam na corrente, no tronco, e eles falavam pra minha avó: “Larga, põe ele lá
em Barbacena!”, mas lá eles matavam os caras, davam uma desovada feia, num
cômodo, punham vinte, trinta doidos, não tinham onde por tanto doido, uai! Minha
avó, falava: “Não. Eu prometi pra Jesus, eu vou cuidar do Tonho até ele morrer! E
ele prometeu que ia cuidar de mim até eu morrer! Como ele é que ficou doente, eu
é que tenho de cuidar dele”. E ele morreu nos seus braços. E louco, louco varrido.
Um cara apontou pra ele uma arma, quando trabalhava na roça, a égua se assustou
e o derrubou que, caindo, bateu a cabeça numa pedra e ficou doido, doido varrido.
E a minha mãe foi crente. Crente. E foi criada solta. Ela e mais três amigas iam pra
igreja e cantavam no coral e no final da vida dela, tadinha, teve nove filhos, tudo em
casa, papai era pedreiro, ia pras roças pra reformar as roças e a mamãe, amiga de
todo mundo, era boa vizinha, ajudava todo mundo, minha mãe era assim. A raiva
nossa era que a mamãe fazia cinco roscas e nós falávamos: “hoje nós vamos comer
muita rosca!”. E ela tirava e dizia: “leva essa pra dona Etelvina! Leva essa pra dona
Nair e fala que depois levo mais pra ela!”, ela distribuía todas e nós víamos as roscas
indo embora e sobrava uma pra oito filhos! Essa era a raiva nossa da nossa mãe.
Mas aí, quando a vizinha mandava meio porco, ela perguntava, “mas quem
mandou?”, e nós: “foi a dona Nair.”. Ela falava: “Leva pra trás! “Que é isso, mãe?!”
e ela retrucava: “que é isso, seus vagabundos? Vocês levam uma rosquinha
reclamando, e ela manda meio porco pra vocês?! E nós gritávamos que não
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ainda dizia: “vocês reclamam de eu enviar uma rosca, pode levar de volta que não
quero nada deles.” E assim ela viveu a vida dela: cantava, chorava, contava piada,
ria, brincava com todo mundo... isso foi em 1936. Então, hoje tenho 81 anos bem
vividos, graças a Deus. Eu cresci, fui trabalhar em rádio, fui trabalhar cantando,
graças a Deus tinha uma voz boa, ...eu disputava com Moacir Franco, lá em
Mas e a igreja? Ela não via isso com bons olhos, não? Não. Você não sabe
das histórias, a metade. Eu cresci, na igreja do não. Não podia fazer nada que era
pecado. Eu falava: “meu Deus, esse mundo é tão grande, tão bonito!”, eu chorava
no teatro, ouvia o povo cantando, eu queria cantar, mas não podia, eu era crente.
Eu queria ir ao cinema e a minha mãe: “Nem vem meu filho! Você é crente, como é
que vai ao matiné?!”. Era domingo o matiné. “Mãe eu quero jogar futebol” Não, não,
não.... Vocês são sadios, para irem à igreja, na Escola Dominical. Ela dava uma
ofertinha pra cada um levar e tinha uma miserável duma sorveteria entre a igreja e
a nossa casa. Eu era o mais velho, levava uma renca de menino e a mamãe não ia,
ofertinhas de Jesus iam tudo pro picolé. Eu tomei muito picolé por conta de Jesus.
E eram aqueles de papel de seda, eu chegava com a boca toda vermelha, todo
roxo, amarelo... Aí, bem depois eu fui percebendo que a minha mãe não ia à igreja,
nem o meu pai ia à igreja e pensei: se fosse bom eles iam. Aí eu comecei a
macarrão deste tamanho! O Gilberto, que era colega nosso, nós éramos quatro
o Gilberto Garcia 138, pai da Rosana Garcia, da Isabela Garcia, atrizes da Rede
Globo... ele cantava, imitava francês, o cara era bom... ele morreu numa fazenda em
Goiânia, do Moacir, que já casou seis vezes, tá pra casar de novo e vai casar muito
mais ainda, que a paixão dele é a primeira esposa, a Vitória, que era colega nossa
de rádio e com ela ele teve só dois filhos. E aí, nós formamos uma equipe de rádio,
139
de humoristas, o programa se chamava “Tudo Pode Acontecer”. O Cleyton meu
irmão é quem fazia o programa. Ele é quem escrevia, com dois dedos na máquina.
Nisso não sei as sabe, o Aloísio, que era um humorista da rádio, foi chamado pelo
Victor Costa 140, que fundou a rádio Globo, que veio depois, a ser a Rede Globo, era
138
Antonio Gilberto Garcia Costa (Uberlândia, 1936 — Goiânia, 1996) foi um roteirista e ator de rádio, cinema
e televisão brasileiro.
139
Clayton Geraldo da Silva (1938-2013) ator e humorista. Sob o comando de Manuel de Nóbrega, no
programa: Praça da Alegria, da antiga TV Paulista, fez vários tipos e continuou no programa, mesmo depois da
morte de Nóbrega, e a mudança do programa para o comando de Carlos Alberto de Nóbrega (filho de Manuel),
com o nome de A Praça é Nossa. Um dos personagens de Clayton Silva mais conhecido e apreciado era o do
caipira, ao lado do comediante Paulo Pioli. O quadro do programa era o "Êta Fuminho Bão". Os dois eram
compadres e iam picando o fumo de corda e comentando fatos de suas vidas e também da vida de Carlos
Alberto de Nóbrega. Também fez sucesso o personagem que tem o bordão: "tô de olho no sinhô". Foi ainda
ator de cinema, tendo atuado, entre outros, nos filmes: O Bem Dotado - O Homem de Itu, As Aventuras de
Mário Fofoca, Pecado Horizontal, e Tara das Cocotas na Ilha do Pecado. Ele residia em uma fazenda entre as
cidades de Campinas e Indaiatuba, durante os últimos doze anos de vida. Faleceu em 15 de janeiro de 2013,
de câncer, na cidade de Campinas, aos 74 anos
140
Iniciou sua carreira profissional nas artes como "ponto" de teatro (pessoa responsável por acompanhar o
script, dentro de um espaço escondido, e ler para os atores falas esquecida). Em 1938, começou a trabalhar
como rádio-ator para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, na ocasião a emissora de maior prestígio do Brasil e
a única que era ouvida em todo o país. Depois, subiu de posto, tornando-se diretor de radioteatro e, por fim,
diretor-geral. Deixou a Nacional na década de 1950 e foi para São Paulo, onde se tornou empresário do ramo
comunicações. Adquirindo ou montando emissoras de rádio e TV pelo país, fundou a Organização Victor Costa,
grupo que viria a competir em um mercado dominado pelas Emissoras Associadas, de Assis Chateaubriand, e
Emissoras Unidas, de Paulo Machado de Carvalho. Em São Paulo, Costa fundou a Rádio Nacional de São Paulo
(atual Globo AM) e comprou a Rádio Excelsior (atual CBN SP AM). Em 1955, comprou a TV Paulista - Canal 5
(atual Globo SP), e em 1959 obteve a concessão do canal 9, que viria a se tornar a TV Excelsior. Mas com a
saúde fragilizada, o empresário adoeceu e faleceu no Hospital Beneficência Portuguesa paulistano, vítima de
câncer, em 22 de dezembro deste ano.
217
na Rua das Palmeiras, em São Paulo-SP. Então ele chamou o Aloísio Silva Araújo,
que estava aposentado e falou: “vai pro interior caçar uns humoristas para nós!”. Aí
ele era crente – tinha se convertido – ficou num hotel ao lado da igreja. Era domingo
e ele estava na Escola Dominical e eu lá. Quando foi à rádio, no nosso programa de
sábado, e viu os quatro, falou: “ué, mas ele não é crente? Eu conheço esse rapaz!”
– o meu irmão não ia mais à igreja – aí ele convidou a gente para virmos à São Paulo
com ele, mas nessa época, Deus me chamou para o pastorado. Aí não vim para
São Paulo. Larguei o teatro, o rádio, ...eu tinha uma mercearia muito grande e isso
foi há sessenta anos atrás (1957). Aí eles vieram para o humorismo e eu fiquei na
minha mercearia, depois que larguei do teatro, tudo, tudo, e fiquei só na igreja. Eles
entraram na hoje Globo, e SBT, Record... e viraram artista. Foi quando o Moacir
gravou “Me dá um dinheiro aí”, que foi o maior sucesso da vida dele e depois veio
pro Rio onde fez o filme de mesmo nome da música, na Herbert Richards, e eu fui
pra lá para ser o sacristão dele, no set de filmagem, onde servia cerveja, tudo,
servindo ao Moacir, e ele dava uma de bom, porque ficou rico. Aí depois eu voltei
pra casa e quando foi 1962, eu fui pro JMC, que era o seminário menor, em Jandira
141
e fiz os três anos de estudos. O reverendo Ataides , me ligava naquela época e
dizia: “Evandro, o reverendo Osias 142 está muito deprimido hoje, você não pode lhe
telefonar e contar uns casos pra ele?”, aí eu ligava pro Osias pra contar piada pra
Então para o senhor, o humor tem uma capacidade curadora? Tem sim!
Uma vez eu fui para Orlando, na Flórida-USA, na casa do Nélio Silva 143 e ele me
141
Rev. Ataídes Antonio da Costa, pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Indaiatúba-SP
142
Rev. Osias Mendes Ribeiro, Pastor Emérito da Igreja Presbiteriana de Pinheiros, São Paulo-SP
143
Brasileiro e ex-missionário da SEPAL
218
144
disse que faria uma surpresa – um churrasco para o Caio Fábio . Naquele tempo,
todo mundo tinha barba por causa do Caio Fábio, eram os “caianos”. Ele fazia
congressos para mais de 1.800 pastores presbiterianos e todo mundo queria pregar
igual o Caio, e tal... O Caio tá aí e vamos fazer um churrasquinho para ele. Ele estava
ele. Cara! Eu fiquei doido: “vou ficar com o Caio Fábio!”. Eu cheguei lá no churrasco
e comecei a contar casos pro Caio. O Caio chorava de rir. E eu contando um atrás
nós fomos contando e fomos até às duas da manhã contando casos e o Caio
rachava o bico. Aí fomos pra casa. Rapaz... me deu um remorso! Rapaz, eu pensei,
eu com o Caio Fábio na minha frente, para eu beber teologia (risos), que cara bom
e eu contando casos pra ele a noite inteira! Eu sou doido! Aí eu liguei pra ele: “
perdão. “Perdão de quê?!” disse ele. “Eu devia ter aproveitado, pra te ouvir mais,
pra falar com você...”, e ele: “você não sabe a bênção que você foi na minha vida!
Eu estou aqui nos Estados Unidos para desopilar o fígado, pra rir, eu tô no stress,
vez ele pregou no interior de Minas, por três dias, e ele só pregava dois, mas ele
144
Pastor, psicanalista e escritor, e renome nacional, ex-presbiteriano
145
(1919-2003) foi um pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, e presidente do seu Supremo Concílio, de 1966
a 1970, 1970-1974 e 1974 a 1978. Nesse período houve expurgos dos seus quadros, muitos outros saíram da
Igreja Presbiteriana do Brasil, os quais deram origem a outras igrejas como a Igreja Presbiteriana Unida do
Brasil e Igreja Presbiteriana Renovada, de linha pentecostal.
219
falou assim: “Então o senhor é o sr. Boanerges?” Ele tinha raiva que o chamassem
de Boanerges!. “Reverendo Boanerges Ribeiro, meu irmão!” Era assim que ele te
respondia. Ah!... o veiinho não entendeu nada. E ele falou assim: “Seu Boanerges,
vô conta uma coisa pro senhor! Peguei um sermãozinho seu, dei uma miorada nele
morrer! Pensa falar isso pro homem, heim?! E o homem na maior simplicidade:
“Peguei um sermãozinho seu, dei uma miorada nele e sapequei ele na congregação
Mas está ai, essa adaptação que ele deve ter feito para a língua do povo,
é está o meu foco! Não faltam obras, pesquisas, que creditam o “arranque”,
esse boom da igreja evangélica no Brasil, a razões comerciais, mas não teria
sido uma mudança da pregação, aquela coisa tradicional. Dos três pontos,
Mas nessa época, poucos saíram da forma, não? Sim. Era aquela secura
antes disso. Na missão Caiuá 146, no meio dos índios, era só aquele órgão solene e
as índias cantando em quatro vozes. Eu fui lá pregar no meio deles nessa época, o
que até foi um fato engraçado: no meio do culto, as índias tiraram a maminha e
146
Fundada em 1928, a Missão Evangélica Caiuá é uma entidade das Igrejas Presbiteriana do Brasil – (IPB),
Presbiteriana Independente do Brasil (IPI) e Presbiteriana Indígena do Brasil (IIPB). Realiza trabalhos
assistenciais nas tribos indígenas do país com o objetivo de apoiar o índio holisticamente e habilitá-lo para a
vida autóctone, procurando preservar a identidade e os costumes da aldeia, entre os Kaiuás, Guaranis,
Xavantes e Kadwéus, localizados em diversos Estados do Brasil e do Paraguai, e com sede na cidade de
Dourados (MS) .
220
esfregavam na cara dos bebês, no meio do culto, lá na frente. Gente a coisa mais
Deus olha aqui para nós e dá risada de nós. Eu vejo assim: eu vejo o meu Deus
dando cada risada das mancadas que nós damos! Aquela coisa séria, isso não
existe, meu irmão! A minha filha dizia, “Pai, deixa bater palma no culto”, era lá em
Santo André e eu dizia, não! Aí um dia eu disse, tá bom! Vocês vão cantar dois
147
corinhos – naquele tempo se chamava corinho . “Com palma?”, ela disse. “Não,
sem palmas!”. “O sr. liberou, né, pai?”. “Liberei”. “Geral?”, “não, só nos dois
vocês vão?”. “Nós não aguentamos essa pouca-vergonha, essa baderna dentro da
igreja, e Deus?!”. Eu disse: “pera lá! Me digam aqui: vocês são presbíteros para
abençoar os moços que eles estão precisando de nós! Vamos lá!”. Puxei os dois
presbíteros pra dentro do culto. Isso eu já sentia lá naquele tempo, a vontade de ser
um pastor diferente. Daí escrevi o meu livro, Coragem para Ser Diferente. Deus não
quer crente esquisito. A igreja está entupida de crente esquisito. E com cara de
santo. Você não pode deixar de fora do seu trabalho um nome: Ivan Espíndola de
148
Ávila . O Ivan fez doze livros. E ele escreveu dois deles sobre casos. E ele tinha
147
Cântico mais popular, congregacional, em ritmos contemporâneos e de linguagem mais coloquial
148
(1933-2006), foi advogado, professor, jornalista e ministro evangélico, vereador em 1972, foi deputado
estadual por três legislaturas (1975/1979; 1979/1983 e 1987/1991) pelo PFL. Foi eleito à Constituinte com
21.830 votos, a sua maioria obtidos na capital. Foi presidente da Ordem dos Ministros Evangélicos do
Brasil/SP (1972/1989) e secretário executivo regional da Sociedade Bíblica do Brasil desde 1959. Foi também
membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil. Participou, nos trabalhos constituintes, como membro
221
feito o prefácio do meu Coragem pra Ser Diferente, meu primeiro livro. E me pediu
pra escrever o prefácio do livro dele. Eu disse: “Ivan, eu não sei escrever”. Mas eu
comecei assim: nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cai. Você pega
o prefácio do livro do Ivan e eu começo escrevendo assim. Quem ouve o Ivan, quem
escuta o Ivan, que convive com o Ivan, acha que ele é um palhaço, mas não sabe o
homem de Deus que ele é, o profeta de Deus, o servo de Deus que ele é.
O sr. nunca deixou de ser palhaço? Nunca. Sempre vou ser palhaço. Eu sou
palhaço de Deus.
tive. Eu fui o pior crente que tinha, por que, eu gostava muito de muié (risos), mas
faz 52 anos que gosto da minha, só da minha. Eu arrumei uma noiva, espírita. E por
causa dela eu larguei a igreja, o coral, a escola dominical, eu larguei tudo. Só não
larguei o humorismo, continuei humorista na rádio. O meu nome não era Evandro,
era Luiz Silva, era o meu apelido. Então o que é que acontece, eu fui pro centro
espírita. Fiquei três anos fora da igreja. Apanhei uma raiva de crente, eu não podia
ver crente na minha frente. Eu sabia da safadagem. Quando você sai da igreja,
Rubinho, você quer saber tudo que é sujeira da igreja, para você justificar a sua
saída, cara, você tem de mostrar pro povo o porque de você ter saído, por que lá
não presta. Descobri presbítero com mulher, presbítero com filho de 14 anos em
São Paulo e a família em Uberlândia, fui descobrir gente que não pagava conta, tudo
o que você pensar sobre sujeira na igreja de Uberlândia eu descobri. O povo vinha
efetivo das comissões do Poder Legislativo e do Poder Executivo, tendo ocupado o vice-presidente nesta
última.
222
Então o povo tinha medo do palhaço? (risos). Tinha sim, senhor. Três anos
estava de terno de linho branco, que usavam, o coral estava cantando hinos e
quando faltam cantores, eles têm sempre um hino pequeninho, que com poucas
vozes se resolve, e a letra dizia assim: “Há hoje alguém esperando para Jesus
encontrar. Venha sem demorar, Cristo vai hoje passar! Ele de mão estendida, cheio
de graça sem par, ó que ventura inaudita (ele chora...). Cristo vai hoje passar!”.
Rubinho, eu tinha metido o pau em todo mundo da igreja. Nem a zeladora sobrou!
De repente eu estava dentro do templo, o José Costa 149 estava pregando e quando
ele começou a pregar eu disse: “Meu Deus, é pra mim!”. Eu não sabia que ia pra
igreja. O Zé Costa fazia três anos que não me via lá. Meu Deus do céu, que
eu não aguentei. Fazia uns três anos que eu não orava o Pai Nosso. Eu tinha uma
vontade de orar o Pai Nosso (ele chora novamente...), e não conseguia, Rubinho.
Sabe, eu começava e não sabia onde parei, meu Deus... aí voltava e começava tudo
de novo. Eu dizia pra mim: “ainda hoje eu oro o Pai Nosso”, e eu dormia sem orar
o Pai Nosso. No fundo 150, era onde se fazia o teatro na igreja, aí, eu sozinho, tinha
brigar com Deus pra orar o Pai Nosso e não deu. Eu estava sentado, não deu, aí eu
ajoelhei, agora vai, não deu, e eu naquela agonia. Aí no fim eu lembrei de uma coisa,
velho, eu falei pra Deus: “Senhor, eu sou barro, eu sou pó!”. Rubinho, eu pus a boca
149
Foi pastor presbiteriano e presidente da Junta de Missões Nacionais da IPB. Já é falecido.
150
Salão Social da Igreja Presbiteriana Central de Uberlândia, anexo, nos fundos do tempo, dedicado à aulas
de ensino bíblico, festas e reuniões sociais, concertos, encenações, etc,...
223
falar com o Senhor!”. Eu era um médium vidente num centro espírita, dando passe,
porque a menina de quem eu era noiva era “turbinada”, trenzinho lindo demais, um
“muierão”, eu lá naquela agonia pra casar com ela e no fim ela me deu uma chifrada.
Primeira noiva que eu tive, e eu tive três, mas era só carne. E o meu pai já falava:
“Não mexe na caixinha de segredo!”. Era assim que ele falava. “Se mexer, casa”.
namoradas até à caixinha de segredo e caía fora. E aí nesse dia eu orei o Pai Nosso.
Eram quatro da manhã, sozinho, eu e Deus. Aí eu fui pra casa, mamãe tava
e ela me perguntou o que aconteceu? Mãe é mãe, né? Meu olho estava fechado de
por saber que Deus me aceitou! Aí veio o drama: Vou pra igreja de volta, e eu disse:
“O primeiro ‘fia da puta’ (sussurrando!) que vier falar qualquer cosia de igreja, eu
vou sair com ele na testa!” (risos). Olha o que Deus, isso tem de estar aí no seu livro:
o humor de Deus é isso aqui, eu fui pra igreja um e voltei outro. Cheguei lá e se
fosse um cachorro eles tinham dado um chute e eu, nem isso, ninguém falou nada.
E o que eu queria no fundo? “Cara, você voltou, graças a Deus! Agora a nossa igreja
vai pra frente!”. Eu era engraçado, todo mundo gostava de mim, eu pagava os
congressos pros moços do meu bolso, eu tinha dinheiro pra isso. Ninguém falou
nada, eu saí de lá numa raiva! (risos) Aí à noite o Zé Costa pregou e falou: “você
está voltando? É pra valer?” E eu lhe disse que eu nunca voltei pra não valer. Eu
estava voltando a primeira vez. Ele falou: “tá bom, tô precisando de você”. Daí a um
ano eu fui eleito o presidente da federação de jovens. Nunca mais pisei no centro
224
espírita. Eu fui noivo de uma moça de Araguari, mas se da primeira era só carne,
com essa era só igreja. Ela parecia que ia a tudo – coral, a SAF, liga juvenil, culto,
Mas não seria essa a divisão que o povo faz com o humor? O humor, o
sentimento... e o que é de Deus? Mas é claro! Deus mistura tudo. E aí foi quando
Deus me chamou pro seminário. E aí começou a minha briga com Deus. Como é
que eu ia ser um pastor da Igreja Presbiteriana, estudar três anos em Jandira, mais
cinco no seminário em Campinas, oito anos e vestir terno preto, gravata preta, paletó
preto, sapato preto, cueca preta (risos), meia preta, guarda-chuva preto. E igreja
séria era a igreja presbiteriana. O Noé vinha pregar na igreja e nós tremíamos de
medo dele. O Jaime Hudson, me procurou e disse: “vá lá em casa que eu preciso
falar com você!”, eu pensei: “Meu Deus, o que é que eu fiz? Eles vão me mandar
tinta pra todo o lado, era uma desgraça, você não lia! Aí eu pensei, “puxa, isso não
pode ser coisa pra Deus”, aí fui à uma gráfica e fizemos um jornal lá, mas eu tive de
pegar umas propagandas para pagar o jornal pra nós – a igreja não ia dar verba pra
isso. E a primeira propaganda que eu peguei foi do Bar do Furão, que ficava de
frente pra minha mercearia, na avenida Floriano Peixoto e a propaganda deles, tinha
uma mulher pelada, uma cerveja do lado e escrito: Bar do Furão. Aí um presbítero
dedo-duro chamou o pastor e a coisa fedeu. Só não nos mandaram embora porque
Deus não deixou. Era pra tirar todo mundo da comunhão. Mas nessa época Deus
rádio, larguei tudo e os três me chamando para que eu fosse à SP para a televisão.
225
hoje. Conto os casos, e porque você acha que os conselhos não querem que eu
pregue? Conto caso de pecado, de presbítero safado, de coisa ruim de crente que
nem sabe o que é a sua igreja, nem o que ela faz ou em que crê, mas sempre com
humor. E é isso. Fiz o seminário, antes, os 3 anos de Jandira (JMC), e lá, tínhamos
uma caravana que fazia evangelismo pelas igrejas do Brasil e eu era o contador de
de quarto, que mais tarde virou também delegado da Polícia Federal, era a minha
véia, com quem fazia parceria na equipe de estudantes. Uns cantavam no quarteto,
dele sempre foi “Gordurinha” (ele era magrelo) e o nosso papel na caravana era
fazer o povo rir. Nós fazíamos esquetes e o povo mijava na calça de rir. Uma vez
cigana vendeu uma flor para o Gordurinha e disse: “cuidado com essa flor, a
primeira pessoa que a cheirar, vai se apaixonar por você!”. Ele queria a flor para
encantar uma moça por quem ele estava apaixonado. Eu então, tropecei nele, que
deixou a flor cair, e eu a cheirei, e fui pra cima dele. E ele correndo de mim e eu
atrás, tudo no palco da igreja. Mas nessa época da ditadura, me lembro que as
nossas peças eram todas lidas na Polícia Federal. Me lembro que apresentamos
quatro atos. Cortaram três delas. O pior foi que sofremos um acidente na estrada,
éramos verdadeiramente almas do outro mundo (risos). Tudo isso pra mim é humor.
E olha, as pessoas que mais se riem de piada safada são os crentes. Quando eu fui
226
E deve usar. Você não pode ir pra lá e tacar aquela coisa maçante! Por isso é que
desvalorizado por ela como pastor por conta do seu humor? Ah, muitas vezes.
Mas muitas! A igreja de hoje é esta: quer mais o discurso bem embalado do que o
conteúdo dele. Termos teológicos, etc,... mais do que a alma do crente, a vida do
fiel. Me lembro da dona Zinha, uma que morava perto da minha casa, bebia feito
doida, caia na rua,... aconteceu dela aparecer anos depois quando eu fui pastor em
Goiânia na minha igreja. Convertida, cheia de convicção. Foi uma festa. Quando foi
pra ser aceita como membro por confissão de fé, ao ser examinada, me lembro que
teológicas, e ela sem entender nada, diante de perguntas que são da tradição, mas
que nada têm a ver com a profissão de fé, e ela, vendo que iria ser reprovada,
inteligente como era, virou-se pra mim e disse: “Vando (ela me chamava assim, não
de Reverendo Evandro), fale pra esses homens o que eu era e quem agora eu sou!”,
como a passagem do cego de nascença: “eu não sei nada sobre esse Jesus, só sei
que eu era cego e agora eu vejo”. Então eu tomei a palavra e disse quem era a dona
Zinha e como a vida dela havia sido transformada. E aí eu só via homens enxugando
os olhos. A nossa pregação tem de ser mudada, tem de ser mais objetiva, menos
escolástica, ela tem de ser a prática do evangelho na vida diária. Nós protestantes
acabamos com a emoção, ficou aquele trem que não se entende. O que o Aleluia
227
de Handel, tem a dizer para nós, além da melodia, de ser uma peça clássica da
música sacra? Como alguns cânticos de hoje, nos distraem, mas não inspiram coisa
nenhuma. Um dia desses fui à uma igreja, o coral subiu, o ministro de louvor pegou
o microfone – hoje eles se chamam isso: “Ministros de louvor” – e disse, com a voz
empostada: “vamos cantar aquele hino glorioso Eu quero ser um vaso novo!”, pôs
todo mundo de pé, começaram a cantar puxando lá do fundo da alma, com cara
das mais espirituais, ao que eu interrompi de falei: “uai, há dez anos atrás vim à essa
mesma igreja e ouvi você cantarem isso “Eu quero ser, Senhor amado, um vaso
novo”, e vocês nesses dez anos não viraram ainda esse vaso? Pelo amor de Deus!
A igreja lotada, caiu na gargalhada. Deve ser por isso que não me chamam muito
(risos). Mas desse ponto em diante eu tinha a atenção do povo, eu podia falar o que
quisesse. O humor tem isso. Veja, Jesus tinha humor nas suas parábolas. Aquilo
tudo era causo. E chamava a atenção do povo. Eles estavam tentando apanhar
Jesus em algo, e ele vem com essa: “Um cara tinha cem ovelhas...”, aquilo não tinha
nada a ver com o que eles estavam falando, os caras devem ter pensado: “Uai,
ninguém estava aqui falando de ovelhas...”, uma outra falava “Uma outra tinha uma
dracma...” e você pode ver a ligação... “Um cara tinha dois filhos...” e o engraçado
é que todo mundo diz do filho pródigo, o pilantra eu saiu de casa, mas eu prefiro
falar do safado que ficou dentro de casa, o religioso – veja, não tem na Bíblia, mas
devia ter na história (o entrevistado começa a chorar): “Pai, onde será que o meu
irmão está? Será que ele está bem? Será que morreu? Será que está passando
frio?” Você não acha nada na Bíblia sobre esse safado. Mas quando Deus tocou o
coração do desviado, ele volta pra casa, o pai abraçou o menino, beijou o menino,
pôs-lhe uma roupa nova, um anel no dedo, brinco, pulseira no menino, matou um
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bezerro cevado. O irmão chegou, ao invés de falar: “meu irmão, você voltou!”, não,
correu e disse: “pai, este teu filho - por isso acho que tem humor na Bíblia - “saiu de
casa, gastou tudo, ele chega e o senhor faz isso?! Eu estou aqui a vida inteira e o
senhor nunca fez nada por mim?! O senhor nunca me matou um cabrito e agora
mata um bezerro?! E pra este teu filho?! O pai olhou pra ele e não disse “este meu
filho”, ele diz: “este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi achado!”.
Por isso a gente também tem de louvar e agradecer, e matar o bezerro, e dar roupa
nova pra ele. Isto é lindo na teologia, mas a gente conta assim, com a voz
empostada, com palavra que não comunica, que não pega nada em ninguém, a
gente tem de contar “este safado, ficou dentro de casa, ruim que nunca lembrou do
irmão dele!!!”. Você tem de mexer com o couro do sujeito (na cultura dele) e ele
dizer: “Meu Deus, eu sou esse cara! Eu tô aqui nessa igreja há trinta anos e nunca
fiz nada”, mas se você pregar daquele jeito, nos clássicos, ... Meu Deus, o Evandro
é doido, você viu o que ele falou? Por isso eu admiro você ter levantado esta
questão. Tanta gente surgiu naquele tempo, falando e ensinando os jovens a falar
meu Deus! O brasileiro é humorado, é safado, gosta dum mal-feito, ...o brasileiro é
malvado, gosta de uma piada. Quando saem dos meus cultos, não saem com
aquela cara de santão, saem com outra cara. A Bíblia diz: “o vosso pecado vos
achará” 152. E com toda piada, você vê no auditório, em quem o pecado está
batendo. Mas é claro que às vezes a gente erra. Certa vez um missionário americano
151
É paulista (nascido em 1948) e um dos fundadores dos Jovens da Verdade, é pastor da Igreja Presbiteriana
da Herança Reformada em Salvador; foi Presidente do Presbitério da Bahia; conferencista reformado no
Brasil e exterior; foi membro da Comissão de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil. Conferencista,
autor e tradutor de diversos artigos publicados
152
Números 32:23: “E se não fizerdes assim, eis que pecastes contra o Senhor; e sabei que o vosso pecado
vos há de achar”.
229
meu Deus, eu acertei no problema da irmã!”, e ele olhava pra ela, objetivamente
pregava pra ela. Terminou o culto, ele estava à saída e falou à senhora: “ô minha
irmã, eu percebeu que você tinha uma problema muito séria, eu vai orar muito por
você!” (sic) e ela: “Não precisa não.” E ele replicou: como não? A senhora tem uma
problema muito séria, eu vi isso”, e ela: “Não, tenho não. É que eu olhava pro senhor
lembrava do meu bode que um caminhão matou na estrada”. (risos). Isso é lindo
de roça. Não tem teologia nisso não, tem não. Não tem Calvino 154, esse povo aí,
esse povo da modernidade, Max Lucado 155, não tem Sproul 156, tem nada disso lá
não. E ele foi pregar e disse: “Irmãos, vamo aproveitá que o missionário num veio,
eu vou abri a Bíblia e fala umas bobaginha pra nóis” (sic). Ele era um caipira, mas
era o líder da congregação. Ele disse: “Irmãos, eu queria falá de um assunto muito
conhecido nosso, queria falá sobre égua. Tá aqui na Bíblia – as égua do rei Salomão.
Quem são as égua do rei Salomão? Somo nóis os crente. (eita). Irmão, quem é que
153
Rei de Israel (mencionado, sobretudo, no Livro dos Reis), filho de David com Bate-Seba, que teria se
tornado o terceiro rei de Israel, governando durante cerca de quarenta anos (segundo algumas cronologias
bíblicas, de 966 a 926 A. C).
154
(Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Calvino teve
uma influência muito grande durante a Reforma Protestante e pensamento presbiteriano, que continua até
hoje.
155
Escritor e pastor evangélico norte-americano (1955) que já publicou mais de setenta livros. Max já vendeu
mais de 70 milhões de exemplares em mais de vinte e oito idiomas em todo o mundo e já viveu no Brasil,
onde afirma ter começado a gostar de escrever.
156
Robert Charles Sproul, (13 de fevereiro de 1939, em Pittsburgh, 14 de dezembro de 2017 Pensilvânia) foi
um teólogo calvinista estado-unidense e pastor. Ele foi o fundador e presidente da Ligonier Ministries (uma
organização sem fins lucrativos reformada, sediada em Orlando) e era ouvido diariamente no programa de
rádio Renewing Your Mind difundido nos Estados Unidos e em mais 60 países.
230
num sabe o que é uma égua? Égua num é cavalo, égua num é um boi, não é um
jumento. Num é nada disso. Égua é égua. Então, óia aqui! Na igreja tem os crente
égua. É os crente comum. Vem na igreja, num vem, dá uma oferta, dá um diziminho,
são os crente normal, crente égua. Agora, convenhamos, tem uns crente bão. Dá
pra contar nos dedos, mas tem. Ele vem nos culto de quarta-feira, vem na Escola
Dominical, vem nos culto de ceia, é dizimista, dá uns dízimo bão, gordo, esses, dá
pra contar na mão. Esses são os crente ‘pai dégua’. Então temo os crente égua,
somo nóis, tem arguns pai dégua, mas a maioria, meus irmão, é tudo uns fio dumas
égua!”. (risos). Mas essa é ou não é uma boa exegese? Pra eles lá, eles entenderam
tudo.
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