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A RELIGIOSIDADE E RESISTÊNCIA:

FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO, ALCÂNTARA (MA)

Cristiane Mesquita1
Rosiane Mesquita Ricci2
Juliana Rose Jasper3
Helena Charko Ribeiro4
RESUMO

Esta pesquisa é resultado de investigação direta na cidade de Alcântara no Maranhão,


baseando-se na festa do Divino Espírito Santo, como meio de resistência através da prática
do catolicismo popular exercido pelos moradores do lugar que empreendem anualmente a
festa. As entrevistas abertas aplicadas pelo método de observação participante foram
alicerçadas por pesquisa bibliográfica e documental baseada no “Novo Mapa das
Religiões”. Tem-se como resultado, falas dos sujeitos partícipes da manifestação,
expressando e explicitando que a festa é espaço e meio de resistência mantenedora de uma
tradição e que é nas mãos da divindade que confiam suas vidas e a ela agradecem
oferendando a festa.

PALAVRAS-CHAVE: Festa, Religiosidade Popular, Resistência, Festa do Divino


Espírito Santo, Alcântara-MA, Brasil.

1
Doutoranda em Turismo e Hospitalidade (UCS). Professora no Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia do Maranhão, São Luis, MA, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7533752263663370. E-mail:
crismesquita@ifma.edu.br.
2
Mestranda em Turismo e Hotelaria (UNIVALI). Professora do Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia do Maranhão, São Luis, MA. Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2925382844195741. E-mail:
rosemgricci@ifma.edu.br.
3
Doutoranda em Turismo e Hospitalidade UCS. Professora na Universidade Federal do Pampa, Jaguarão, RS,
Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/4729891995613414. E-mail: ju.jasper@terra.com.br.
4
Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, RS, Brasil. Currículo: ttp://lattes.cnpq.br/9219211504277709. E-mail: hcharko@terra.com.br.

1
RESUMO EXPANDIDO

O país continental brasileiro é um estado laico que em tese respeita as múltiplas crenças e
práticas religiosas, deve-se respeitar liberdade de pensamento e expressão, assim como as
múltiplas interpretações bíblicas utilizando a Razão, como propunha Descartes (1644). “A
palavra laicidade foi formada no século XIX a partir do adjetivo laïc (leigo, aquele que não
pertence ao clero)” (Domingos, 2009, p. 48). Dito isso, tratemos do Estado Brasileiro e sua
religiosidade exponencial. As diferentes cosmovisões no Brasil, sobre religião, apresentam
um paradoxo para os estudos científicos.

Os cultos denotam diferenças no que se refere aos ritos, crenças e lógica interna de cada
universo, ao contrário do que se percebe no comportamento dos frequentadores destes
cultos, que de modo geral apresentam comportamento e crenças similares (Almeida &
Montero, 2012). Nesse paradoxo tem-se crenças plurais e inúmeros caminhos científicos
para conhecê-las contextualizando o sujeito em seu escopo social. Crenças, valores e
códigos éticos e sociais identificam o sujeito em universos distintos e limites maniqueístas.
Entre as várias divindades e religiões há inúmeras predições sobre o futuro, a colheita, a
sina dos sujeitos e outras ideias que encontram sedimento na preferência religiosa
sustentada pelas deidades das entidades divinas, bastante comuns nas mais diversas
camadas sociais.

Entendendo ‘religião’ etimologicamente derivando do latim, “religar, reler ou reeleger”


(Coutinho, 2012), liga o humano ao divinal e transcendental, pela perspectiva humana da
conjuntura de aspectos que nos constitui, “podemos compreender o ser humano como um
ser animobiopsicocultural, ou seja, um ente composto por três níveis articulados, o
corporal, o psíquico e o espiritual, um ente que vive em uma cultura, a qual é configurada
social, geográfica [...]” (Pinto, 2009, p. 70) e historicamente, não determinando exatamente
o ser humano, mas configurando-o segundo o autor. Para ele, espiritualidade e religiosidade
estão ligadas à personalidade dos sujeitos, a primeira com a estrutura da personalidade e a
segunda com o processo. Importante frisar que a espiritualidade integra a personalidade

2
enquanto que a religiosidade assessora a personalidade dos sujeitos como forma de inserção
sociocultural (Pinto, 2009).

São temas que se aproximam na mesma medida em que se diferem para a psicologia onde
“Embora a espiritualidade seja característica de todo ser humano, ela pode ser cultivada ou
não [...]. Nesse sentido, podemos dizer que a religião é posterior à espiritualidade e uma
manifestação dela” (Pinto, 2009, p. 73). Ainda na perspectiva psicológica, agora à luz dos
junguianos (Xavier, 2016), religiosidade, religião e espiritualidade são fatores do espirito
humano, presentes na vida dos sujeitos. Para Jung, o conceito de
religiosidade/espiritualidade relaciona-se diretamente a outra questão, o espírito,
constituindo-se “subjacente à dinâmica ou realidade psicológica da religiosidade, a qual é
de ordem mais complexa”. O conceito de religião, no entanto, é bastante próximo ao de
religiosidade – talvez porque a religião seja considerada como um elemento vivo, e
portanto, somente existente no contexto da experiência pelo indivíduo, da vivência do
sujeito (Xavier, 2006, p. 184).

Importante explicitar compreensão sobre religiosidade popular, um termo corriqueiramente


surge entre os construtos teóricos do catolicismo. A religiosidade popular está relacionada
ao catolicismo, normalmente exercida por leigos. “A diferença entre a religião popular e a
oficial se manifesta na oposição existente entre leigos e clero, festividades e sacramentos e,
principalmente, entre uma religiosidade espontânea e uma religiosidade vertical baseada no
autoritarismo.” (Baltazar, 2003, p. 55). Este autor, para compreensão do termo religiosidade
popular brasileira, também alerta que implica na adesão da população à religião como
propósito de resistência em constante embate com a hostilidade do mundo atual. A
religiosidade popular se agiganta e se destaca oferecendo, “o sentimento de fazer parte de
uma comunidade que tem um conhecimento sistematizado sobre a existência e,
principalmente, o sistema compensatório que a religião fornece para as agruras da vida.”
(Idem, p. 56).

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São inúmeros os termos acerca da religião e da espiritualidade, tanto quanto diversas
concepções religiosas. Outras tantas práticas e crenças das mais variadas que derivam do
sincretismo complexo que fora urdido no país, no início da colonização, quando os povos
enredaram nova trama social, na qual europeus, indígenas e africanos, de forma
simbiôntica, interagiram e redesenharam suas culturas com múltiplas influencias. Em
âmbito geral, importa compreender que a cultura, “a espiritualidade e a religiosidade
caracterizam-se pela dimensão essencialmente experiencial, enquanto que a religião está
calcada no aspecto institucional e doutrinário” (Oliveira & Jungs, 2012, p. 470).

Todas as formas de manifestação e de religiosidade popular se caracterizam em formato de


religiões ou seitas. Baltazar (2003) traz a concepção de seita como sendo uma das
características da religiosidade para opor-se “às religiões oficiais que se institucionalizaram
como igrejas.” Desse emaranhado de pertenças divinais, independente de fazer parte do
catolicismo popular ou das igrejas oficiais, não há critério de fidelidade para os seguidores
das mais distintas religiões e práticas religiosas, não há unidade nem, tampouco,
monoteísmo em um Estado laico, havendo então pluralidade e capacidade de aceitar o
sujeito partícipe de inúmeras religiões e credos. Ressalta-se a predisposição do brasileiro a
conjurar-se ao sagrado de uma forma ou de outra. De qualquer forma, o Brasil se constitui
em um país iminentemente religioso, predisposto à fé e à confraternização em nome do
sagrado, disposto aos agradecimentos em formato de oração e cânticos, habituado às
crenças de que se não há promessa não há benesses, moldados nas dinâmicas sociais
contemporâneas. (Novo Mapa das Religiões, 2011).

Das manifestações religiosas e populares já se sabe que são meio e espaço para a resistência
dos menos favorecidos em ambiente controverso à sua realidade, falamos de um povo
menos favorecido resistindo com suas práticas para manter culturas num ambiente
capitalista severo que cresce e urge em tecnologias e outras modernidades um tanto tensas
para as relações de poder, o que nos remete a Foucault que, na interpretação de Nascimento
(2009, p. 120), da resistência enquanto disputa de poder em termos foucaultianos:
“Estaríamos falando de multiplicidade e hibridismo? A resistência poderia ser tomada como

4
ponto de partida ou como uma espécie de catalisador químico, de forma a trazer à luz as
relações de poder”, O autor trata da resistência como algo entranhado no corpo social e nas
questões corriqueiras entre o sagrado e o profano.

No Nordeste brasileiro e em alguns espaços de resistência como as comunidades


remanescentes de quilombos distribuídas pelo País, mantem cultos católicos, evangélicos e
afros como o candomblé. Das três correntes religiosas mais expressivas em terreiros
quilombolas têm-se as festividades religiosas que envolvem a todos na comunidade.
“Nestas comunidades, a principal festa religiosa é a comemoração do Espírito Santo.
Embora o catolicismo seja predominante, o Candomblé, também é praticado. As
comunidades também utilizavam ervas e faziam benzimentos para curas” (Silva & Melo,
2011, p.1375). Em alguns quilombos a comunidade opta por seguir uma única religião. De
qualquer forma é um extrato do Brasil religioso que perpetua a ligação com o Divino e o
supra terreno. São cerca três mil comunidades quilombolas conhecidas no Brasil e a maior
concentração delas está no Maranhão, apenas o Distrito Federal, Acre e Roraima não
possuem registros da existência destas em suas terras. (Silva & Melo, 2011).

Para exemplificar tais fundamentos teóricos, trouxemos a festa do Divino Espírito Santo
que acontece na cidade de Alcântara no Maranhão, cidade reconhecida como Patrimônio da
Humanidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
guardando em seu conjunto de tradições, expressivas festas onde a do Divino se destaca em
tamanho, proporção e engajamento da cidade, sendo a maior demandante de visitas ao
lugar. O culto ao Divino Espírito Santo tem, em sua gênese, a teoria de Joaquim de Fiori na
Itália, ainda na Idade Média sua predecessão, depois assumida pelos monges franciscanos
que também influenciariam a doação e cuidados da Rainha Santa Isabel em deferimento aos
pobres, o que culminaria em festejos ao Divino Espírito Santo, incentivados pela Rainha
em pagamento de promessa em prol das pazes entre seu marido e o filho deles. A festa
chega ao Brasil pelas práticas culturais açorianas nos idos do século. XVI.

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O espaço da festa ambienta força e poder, reúne diferentes e os equaliza, é um ambiente
mediador de tenção e prazer, funcionando como mecanismo de neutralização de conflitos e
de diferenças (Lucena, 2009), nela os sujeitos se acolhem, se reconhecem e se identificam
como pertencentes entre sí diante dos ritos e festejos típicos de um povo, importante é
construir as trilhas e caminhos que explicam a “festa” como manifestação própria do
humano, propicia o encontro, o partilhamento, a comunicação, a gratidão, a fé, a comunhão
e o congraçamento, sendo inerente aos hábitos e praticas humanas. A importância primeira
da festa é a revelação das práticas sociais de um coletivo que nela são expressos (Mauss,
1974), pois ritos que compõem as festivas variam de acordo com a cultura, espelhando a
alma do lugar, repassando às gerações futuras práticas e legado, o que providencia marcas
indeléveis na construção e reconstrução da tessitura social e nas práticas religiosas de
maneira simbiôntica. Auto alimentando-se, sociedade, cultura e religião encontram na festa
um tênue ponto intercessor que reflete as práticas e os modos de vida de um povo.

Dos resultados das investidas no campo de pesquisa, em conversas com os feitores e


festeiros da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara-MA, tem-se um recorte de
significativas comprovações do que representa a festa em sua construção, dos rituais
envolvidos e a fé que devotam ao Divino, forma de resistência em manter a tradição que
nesse caso enoda cultura indígena, afro e portuguesa, em quatrocentos anos de tradição. No
caso de Alcântara-MA, podemos observar essas questões nas falas dos diferentes sujeitos
entre festeiros e fiéis:

“Nós vivemos para o Divino Espírito Santo! Fazemos a festa para agradecer a
fartura da lavoura e pedir pelo próximo ano. Colocamos nas mãos do Divino, nossa
vida, nossa vida e trabalho...”;

“Tudo que temos é também para agradecer ao divino fazendo nova festa...”;

“Nossos antepassados deixaram esse legado e cuidamos dele...”;

“Nossos ancestrais sofreram agonias na senzala e por isso as alvoradas relembram


também aqueles que morreram na senzala”.

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Assim, as festas do Divino pelo Brasil encaixam-se na descrição de catolicismo popular e a
mostra de Alcântara endossa tal premissa. Neste caso em particular, um extrato social de
gente que vive à margem social, expressa na manifestação a tradição miscigenada que
herdaram ainda no período de colonização, marcando prioritariamente as praticas dos
antepassados que sucumbiram às agonias da escravidão. Ainda assim, replicam a forma de
vida opulenta do Império português, dando ao Imperador e a Imperatriz honras e glórias
(são representados por um rapaz ou uma moça, alternados em cada ano). Ofertam farta
comida em banquetes aos fervorosos seguidores do Divino Espírito Santo e conjugam sua
fé em sincronia com a Igreja Católica na cidade de Alcântara no Maranhão.

REFERÊNCIAS

Almeida, R. & Montero, P. (2001). Trânsito religioso no Brasil. São Paulo em


Perspectiva, 15(3), 92-101.

Baltazar, B. T. S. (2003). Crenças religiosas no contexto dos projetos terapêuticos em


saúde mental: impasse ou possibilidade? Um estudo sobre a recorrência às
crenças religiosas pelos pacientes psiquiátricos e os efeitos na condução do
tratamento pelos profissionais de saúde mental. Dissertação (Curso de
Especialização em Saúde Mental em nível de Residência). Ministério da Saúde
Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro, RJ.
Disponível: http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/5389

Domingos, M. F. N. (2009). Ensino religioso e estado laico: uma lição de tolerância


Revista de Estudos da Religião, 9(3), 45-70.

Coutinho, J. P. (2012) Religião e outros conceitos Sociologia. Revista da Faculdade de


Letras da Universidade do Porto, 24, 171-193.

7
Descartes, R. (1644). Princípios da Filosofia. Amsterdã. Impressor Louis Elzevir.
Recuperado em 03 de outubro, 2016, de https://www.wdl.org/pt/item/3157/

Nascimento, M. R. (2009). Religiosidade e cultura popular: catolicismo, irmandades e


tradições em movimento. Revista da Católica, 1(2), 119-130.

Neri, M. C. (2011). Novo Mapa das Religiões. Rio de Janeiro: FGV, CPS. Recuperado em
03 de outubro, 2016, de
http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf

Oliveira, M. R. & Jungs, J. R. (2012). Saúde mental e espiritualidade/religiosidade: a visão


de psicólogos. Estudos de Psicologia, 17(3), 469-476.

Prisco. C. S. (2012). As religiões de matriz africana e a escola. Guardiãs da Herança


cultural, memória e tradição africana. Praia Grande-SP. Recuperado em 04 de
outubro, 2016, em http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-
content/uploads/2012/11/As-religi%C3%B5es-de-matriz-africana-e-a-
escola_apostila.pdf

Pinto, E. B. (2009). Espiritualidade e religiosidade: articulações. REVER - Revista de


Estudos da Religião, 9, 68-83.

Silva, G.; & Melo, S. F. B. (2011). Análise religiosa e cultural das comunidades
quilombolas na atualidade. Colóquio de História - Perspectivas Históricas, 5.

Xavier, M. (2006). O conceito de religiosidade em C. G. Jung. Revista Psico, 37(2), 183-


189.

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HISTÓRIA, CULTURA E TURISMO EM UNIÃO DOS PALMARES-AL

Samea Rocha1
Rebecca Cisne2

RESUMO

O reconhecimento do valor histórico-social de um povo é o ponto de partida para que saberes


e histórias possam ser valorizadas. Assim, este estudo propõe-se a identificar expressões
culturais de interesse turístico, que suscitem o (re)conhecimento cultural da Comunidade do
Muquém, remanescente do Quilombo dos Palmares. O texto segue uma abordagem
monográfica, de caráter descritiva, valendo-se de relato de experiência para a
sistematização das realidades ali observadas. Visitas técnicas ao local permitiram o registro
de situações, por meio do que se pode ter um melhor entendimento dos saberes e fazeres dos
sujeitos que compõem o objeto deste estudo. Por fim, foi possível identificar saberes,
considerados como herança cultural intangível, que poderão, se utilizados de forma planejada,
suscitar o (re)conhecimento cultural e valorização histórica desse grupo remanescente.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, História, Valorização Cultural, Quilombo dos Palmares,


Muquém, União dos Palmares-AL, Brasil.

RESUMO EXPANDIDO

Nem sempre presentes de forma detalhada nas narrativas históricas do Brasil, os negros
tiveram papel fundamental na construção da história e cultura do país. O particularismo
histórico presente em obras como “Casa grande Senzala”, de Gilberto Freyre (2006) e
“Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda (2014), colocam o negro como
protagonistas na formação sociocultural do maior país da América do Sul. Assim, este

1 Mestra em Turismo e Hotelaria. Professor na Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste e


Universidade Maurício de Nassau, Maceió, Alagoas, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/3955018741405901.
E-mail: sameatriz@hotmail.com.
2
Mestra em Turismo. Professora na Faculdade de Comunicação Tecnologia e Turismo (Facottur), Olinda,
Pernambuco, Brasil e na Faculdade Joaquim Nabuco, Paulista, Pernambuco, Brasil. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/3817626566726111. E-mail: rebeccacisne@gmail.com.

1
estudo busca identificar expressões culturais de interesse turístico, que suscitem o
(re)conhecimento cultural desse grupo remanescente do Quilombo dos Palmares (QP). A
temática trazida neste estudo justifica-se pela necessidade de resgatar análises e debates
acerca da origem dos Quilombos, assim como das heranças culturais deixadas no
território nordestino e, particularmente, no alagoano, pontuando o município de União
dos Palmares, Alagoas, com o olhar voltado para os atrativos turísticos.

Apresenta-se como objeto desta investigação a Comunidade do Muquém, no município de


União dos Palmares-AL, cuja formação socioespacial remonta às origens do Quilombo
dos Palmares. Neste contexto, faz-se relevante pontuar que no cenário colonial brasileiro a
formação nordestina revela algumas singularidades ligadas à gênese e evolução do
povoamento e das atividades econômicas, marcados de um lado, pela monocultura da
cana de açúcar e de outro, pelo trabalho escravo. O questionamento que movimenta esta
pesquisa tem em seu bojo o entendimento de que as características da comunidade
quilombola do Muquém, a partir do (re)conhecimento da sua identidade cultural, poderia se
converter em atrativo turístico. Frente a isto, questiona-se: o resgate de características da
formação socioespacial da comunidade quilombola do Muquém poderia contribuir para
identificação de atrativos culturais de interesse turístico, suscitando o (re)conhecimento
cultural desse grupo remanescente do Quilombo dos Palmares? Para responder a esta
questão, este estudo, de caráter descritivo, assume como aproximação metodológica o
método monográfico, a partir do qual se relata as experiências registradas no diário de
campo dos saberes e fazeres dos sujeitos que compõem o objeto deste estudo.

O Turismo tem sido apontado como importante fomentador da cultura de uma região
(Ruschmann, 2010; Krippendorf, 2003; Swarbrooke, 2000). Os autores ressalvam,
porém, ser necessário que a atividade turística seja bem planejada, de forma
sustentável (social, cultural, ambiental e economicamente) à comunidade. Ainda, o Turismo
também é apontado como possibilidade para o desenvolvimento de uma comunidade e,
mais uma vez, o planejamento surge como importante ferramenta ao alcance deste objetivo.
Experiências positivas com segmentos como o Turismo de Base Comunitária (TBC), por
exemplo, podem ser citados como possibilidades reais de alcançar um desenvolvimento

2
endógeno. As iniciativas da rede Tucum, por exemplo, no litoral cearense, ratificam que
o Turismo pode ser desenvolvido de forma duradoura e sustentável em todas as suas
esferas. Outras iniciativas ainda são incipientes, como na Ilha dos Lençóis, no Maranhão e
no Vale do Pati, na Chapada Diamantina (BA).

O Quilombo dos Palmares tem grande importância histórica para a formação da cultura
alagoana. O estudo da formação histórica deste território permite apontar, segundo Bezerra
(2012), que quando ocorreu a destruição desse quilombo e a consequente diáspora dos
quilombolas, as culturas africanas entrelaçadas ali se espalham e formam um tecido social
que se constituiu em um primeiro momento uma sociedade alternativa à colonial, e hoje,
alicerce da cultura alagoana. Neste contexto, então, este Quilombo desenha-se como
importante “lugar das emergências simbólicas e de vivências exemplares no empírico das
fragmentações e apropriações simbólicas” (Bezerra, 2012:13) contemporizadas, pelo povo.
Ainda, segundo o professor e pesquisador Edson Bezerra (2012), “o testemunho de
Palmares pode ser identificado quando observamos não só as atuais permanências das
culturas afro-alagoanas em nossas geografias culturais, mas, sobretudo, através de sua
influência diante da atual emergência dos movimentos das culturas populares, que
atualmente se proliferam nos bairros periféricos” (p. 13)

Essas manifestações referidas são identificadas em meados dos anos 1970 pelo historiador e
folclorista Abelardo Duarte, que apresentava à academia algumas expressões culturais
derivadas do Quilombo dos Palmares:

Dessa área dos Palmares, principalmente, vieram nos folks desses povos e continuados pelos seus
descendentes, - o Coco, a série dos folguedos temáticos do Boi, os Quilombos, a dança do Buá, o Bate-
Coxa, etc.
Outras culturas afro-negras, como as guineano-sudanesas islamizadas, nos deixaram traços ou marcas
de sua existência (festa dos Mortos e noutras sobrevivências islâmicas, no Penedo [...]);
sobrevivências de diversas culturas se assinalam nas festas tradicionais de Natal, ano bom e Reis em
Maceió, Pilar, Alagoas, [...], Fernão Velho, são Miguel, Atalaia, Viçosa, Camaragibe, etc. e ainda nos
seus negros de ganho; nas suas negras quitandeiras e vendedoras de tabuleiros de doce; de peixe e
mariscos em alguidares e gamelas; nos cultos negro-fetichistas (Xangô), nos seus Maracatus (hoje
extintos); nos folks propriamente, dos engenhos (festas de botada ou moagem); canções de eito
(vissungos) pagodes de negros, cantigas de almanjarras; nas cantigas, lendas e assombrações e mitos
de canoeiros e barqueiros do São Francisco e da Zona dos Canais e Lagoas (Calunga); nas
comunidades religiosas com a tradição em são Benedito e N.S.do Rosário; nas orquestras populares

3
de couro (Esquenta Mulher e música de barbeiros). Vários complexos culturais. Muitos complexos
culturais. (Duarte apud Bezerra, 2012, p.14).

Apesar da diáspora que ocorre após a queda dos Palmares e a posterior disseminação de
uma cultura já híbrida, em todo território alagoano, não se pode deixar de considerar que
existiu um espaço central, onde se desenvolveu todo esse hibridismo cultural. A este
respeito Bezerra (2012) relata que:

[...] estamos identificando a sua forte condensação em dois espaços geográficos – o Vale do Mundaú e
do Paraíba e o complexo lagunas mundaú-manguaba – como já destacamos, o seu ponto de fusão e
grande caldeirão cultural pode ser identificado em Palmares. Vai ser justamente em Palmares
enquanto um espaço situado por dentre os vales do Mundaú e do Paraíba, espaços entranhados em
uma profusa geografia fluvial encravada nas matas alagoanas, as chamadas matas do tombo real,
que o Quilombo dos Palmares – um primitivo reduto multicultural de etnias negras compostas por
algo em torno de 30.000 negros – que vai se desenvolver o hibridismo das culturas africanas que por
aqui aportaram (...) (p. 16)

Complementa ainda, o autor:

Situadas atualmente nos espaços geográficos onde se localizou o Quilombo dos Palmares – o núcleo
inicial de desenvolvimento daquelas cidades do vale do Mundaú - não obstante as diferenças
cronológicas nas datas de seus monumentos fundadores, elas foram se estabelecendo no decorrer dos
séculos XVII, XVIII, XIX e XX, e todas tendo em comum, terem se configuradas enquanto pequenas
vilas, depois da destruição de Palmares. Daí se explica a forte presença dos despojos das culturas
negras através de seus rastros, presentes nas alegorias e nas escritas das culturas populares. (Bezerra,
2012, p.16-7).

Tendo pontuado, em um plano mais global, as heranças culturais no estado, volta- se o olhar
para um plano mais local, à região central de onde procede a maior parte da herança cultural
alagoana. Da aproximação do olhar, na redução da escala de análise despontou a
comunidade do Muquém, localizada na área rural do município de União dos Palmares-AL.
Ela exibe inúmeras representações culturais derivadas da miscigenação dos povos oriundos
do QP. Apesar disto, esta comunidade apresenta singularidades, como o fato de residir ainda
hoje, na mesma região geográfica que ocorreu o fenômeno do QP, ou seja, uma área rural,
que mantém condições climáticas e econômicas (relações de comércio) semelhantes àquela
época. Suas práticas relacionadas ao modo de vida da população Palmarina, as
representações culturais expressas no saber fazer, na religiosidade e na subsistência de seus

4
membros, torna seu aspecto cultural mais próximo do imaginário popular do que
representou a República dos Palmares.

Deste modo, além de visualizar nesse grupo a exibição de algumas das manifestações
descritas pelo pesquisador e historiador Abelardo Duarte, como a preservação das festas
religiosas que misturam o catolicismo imposto pelos senhores e os signos de uma África
distante, mas presente, em forma de um amálgama constituído por uma mistura heterogênea
de signos e significados sociais, psicológicos e humanos; percebe-se também, essa
condensação dos “dois espaços estranhos” descritos por Bezerra (2012). Se por um lado o
“catolicismo híbrido” se manifesta rememorando o entorno dos engenhos, a religião de
matriz africana ainda resiste ao tempo. Poucos membros da comunidade ainda participam
de rituais religiosos de origem africana, o que remete ao segundo espaço geográfico
descrito por Bezerra (2012), o espaço dos mocambos. E essa cultura advinda dos mocambos
é esmerilhada por Lindoso e Cavalcanti (2011, p.107), da seguinte forma:

A cultura quilombola é uma criação das relações sociais quilombolas. Ela nasce sob os efeitos das
relações sociais mucambeiras, da sua atividade em formar fatos de cultura. São fatos de cultura
mucambeira que criam a base onde se formou a cultura quilombola. A fase da criação da cultura
mucambeira foi mais longa que a fase da criação da cultura quilombola. Ela surge ainda na fase
dos mocambos esparsos, trazendo às matas úmidas as lembranças culturais puramente africanos, que
vão determinar o caráter africano e afro- descendente da primeira colonização mocambeira.

A compreensão da natureza cultural da comunidade estudada revela as alterações feitas de


suas partes componentes agindo concomitantemente ao longo do tempo, influenciadas pelo
contexto social da época do QP. Esse processo gerador da cultura atual tem interferências do
ambiente interno e externo do QP dando forma à cultura quilombola que se evidencia hoje
em dia. Sendo constituída por descendentes da população do Quilombo dos Palmares,
conforme já exposto anteriormente, a comunidade do Muquém é reconhecida e certificada
pela Fundação Cultural Palmares, como comunidade quilombola desde 2005. Este
povoado está localizado a cerca de 4 km do centro urbano de União dos Palmares,
sendo muito conhecido na cidade e de fácil localização. Seus moradores apresentam um
índice de alfabetização baixo e dependem de auxílios sociais do governo federal. O sustento
das famílias é complementado pelo cultivo, para consumo próprio, da macaxeira e do milho;

5
além de pequenas hortas e da criação de animais, como a cabra e a galinha. O
excedente serve para a comercialização na feira de União dos Palmares. Outra forma
de complementar o sustento das famílias é a produção e comercialização de peças de
cerâmicas, que são igualmente negociadas na feira da cidade. Esta situação deparada
corrobora com a declaração feita, em entrevista concedida pelo historiador e funcionário da
Fundação Cultural Palmares, Vilas Boas. Quando lhe foi indagado acerca das características
comuns apresentadas pelas comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, ele
apresenta como principal característica comum, a pobreza extrema. Reflexo de uma
conjuntura política e social excludente, que perpassa questões étnicas e raciais, e que estão
tentando ser amenizadas através de políticas que buscam a igualdade racial no país.

A visita à comunidade foi guiada por seu Guida, morador local, de pouco mais de 50 anos.
Quando indagado, disse que não conhece muito, mas sabe que é quilombola e que Zumbi
passou por ali. Outro quilombola apresentado pelo senhor Guida, foi o Seu Laércio, artesão
que nos mostrou suas peças de cerâmica. Na frente da casa há um forno à lenha onde são
cozidas as peças; toda família ajuda na fabricação. O artesão nos revela que o barro é
retirado das margens do rio Mundaú, cujo curso percorre um trecho do povoado. Quando
perguntado acerca de como aprendeu a fazer as peças de cerâmica respondeu ter aprendido
com “os pais, que aprenderam com seus pais (...)”. Foi travada com o Seu Laércio uma
longa conversa sobre o quilombo dos Palmares e Zumbi. Ele é a pessoa que mais estudou
em sua família, muito embora não tenha completado sequer o ensino fundamental. O seu
conhecimento acerca do Quilombo dos Palmares é o que existe nos livros de história
do ensino básico. A tradição oral, aquela que possibilita que os mais velhos contem aos
mais jovens as histórias vividas por seus antepassados, é pouco a pouco refreada pelos mais
de 300 anos passados. Entretanto, essa tradição permite que não se perca todo conhecimento
secular, fruto de herança cultural, capaz de suscitar ciência empírica. Um exemplo disso é a
forma com que algumas moradias, ainda hoje, são construídas no Muquém:

Aí, se ajunta aquele monte de mulher, moça, rapaz, menino, tudinho né? Aí entra dentro do barro, um
vai combatendo com a inchada, e outro vai, outro vai cantando, outro vai pisando com o pé, que é pro
barro da liga né? Enquanto tá pisando aquele barro ali. Aí, fica todo mundo cantando- ô lê lê lê,
vamos pisar o barro, ô lê lê lê, o barro vamos pisar - até quando termina aquela tradição todinha e o

6
barro tá bom de botar na casa, aí eles botam o barro na casa. Isso é uma tradição antiga, negócio de
mil anos lá pra trás (...). (Seu Laercio, 2012).

O conhecimento necessário para saber quando o barro dá liga, o material utilizado,


proveniente do que lhes é fornecido, em abundância, pela natureza, são elementos
capazes de apontar para um saber fazer, aprendido ao longo dos tempos e repassado por
gerações. A herança cultural pode ser observada também na gastronomia, com a
preservação de alguns hábitos. Durante conversa com Seu Laércio, foi possível também
percorrer alguns metros a frente de sua casa, a fim de se ter uma vista mais privilegiada da
Serra da Barriga. Uma senhora sentada à porta de sua casa de taipa, começou a falar sobre
sua rocinha no quintal de casa, que tinha um pouco de milho, macaxeira e hortaliças; sobre
os animais, como galinhas, que são criados pelos moradores; relatando que essa é a
forma de subsistência do povoado. A conversa continuou com ela descrevendo como se
produz o pé de moleque, o bolo de massa puba, de macaxeira, a farinha de mandioca, entre
outros.

A comunidade do Muquém oferece muitas evidências da sua herança cultural proveniente


da época do Quilombo dos Palmares, algumas tangíveis, como é o caso das peças de
cerâmica produzidas por alguns quilombolas: utensílios de cozinha, como é o caso da
cuscuzeira, e outras como acessórios decorativos para jardins, salas, etc. Essas peças podem
ser adquiridas pelos visitantes. No entanto, a maior parte desse legado cultural é
apresentado/manifestado de forma intangível, o saber fazer, fruto de ações seculares, está
presente nos dias atuais de forma tão corriqueira que chega a passar despercebida sua
importância por quase todos os membros da comunidade.

O cuscuz feito do milho retirado do quintal e ralado minutos antes de ir para o pano que fica
apoiado à cuscuzeira de cerâmica, feita pelos próprios quilombolas; o processo de deixar a
massa puba “assentar” para ser feito o bolo que leva o mesmo nome da massa; a macaxeira
plantada, colhida e transformada em bolo pelas mulheres da comunidade; o pé de moleque,
a pamonha e a canjica produzida nos fogões à lenha (ou não) das famílias do Muquém; as
músicas cantaroladas enquanto se pisa o barro que servirá de paredes para construir as

7
moradias; a capoeira como diversão e a fabricação do berimbau, as rezas e os ritos
praticados pelo velho benzedor são apenas algumas das manifestações culturais
apresentadas pela comunidade.

Com base na revisão teórica realizada na pesquisa, pode-se apontar para todas essas
manifestações como potencialidades passíveis de serem transformadas em produtos
comercializáveis pela atividade turística. Para tanto, é necessário que haja um planejamento
designado especificamente para atender as necessidades desta comunidade, levando em
consideração suas especificidades.

REFERÊNCIAS

Bezerra. E. J. (2012). Afro-Desenvolvimento Ou, a construção de um conceito de


desenvolvimento sustentável a partir das comunidades Afro-Alagoanas. Maceió,
AL.

Freyre, G. (2006) Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da


economia patriarcal. São Paulo: Global

Krippendorf, J. (2003) Sociologia do turismo para uma nova compreensão do lazer e


das viagens. São Paulo: Aleph.

Lindoso, D.; & Cavalcanti, B. (2011) A razão quilombola: estudos em torno do


conceito quilombola de nação etnográfica. Maceió: Edufal

Ruschmann, D. ( 2010). Turismo e planejamento sustentável a proteção do meio


ambiente. Campinas, SP: Papirus.

Swarbrooke, J. (2000) Turismo sustentável turismo cultural, ecoturismo e ética. São


Paulo: Aleph.

8
O OLHAR DO TURISTA: IMAGENS DA HOSPITALIDADE NO MUSEU
HISTÓRICO NACIONAL (RJ)

Iasmim da Silva Leite1


Karla Estelita Godoy2
RESUMO3

Os museus viram aumentar sua demanda turística no período dos megaeventos esportivos
sediados pelo Brasil. Instituições museológicas selecionadas, no período dos Jogos
Olímpicos Rio 2016, estiveram no centro de uma proposta da Prefeitura do Rio de Janeiro
vinculada ao Boulevard Olímpico. O Museu Histórico Nacional foi uma das instituições
que mais se destacou neste período, ao abrigar a Casa México, batendo recordes de
visitações, segundo o Instituto Brasileiro de Museus (2016). Sabendo que a instituição
recebeu o público turista e que esta categoria de visitante necessita de serviços específicos,
buscou-se investigar de que maneira estes foram recebidos. Por meio da metodologia de
análise da imagem e com base em fotografias cedidas pelos turistas, foi possível identificar
elementos remetendo à hospitalidade ou hostilidade no espaço museal.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Hospitalidade, Museus, Museu Histórico Nacional, Jogos


Olímpicos 2016.

RESUMO EXPANDIDO

No período dos Jogos Olímpicos, sediados pela cidade do Rio de Janeiro-RJ, em 2016, o
Museu Histórico Nacional foi escolhido como objeto de estudo dessa pesquisa. A

1 Bacharel em Turismo. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade Federal


Fluminense, Niterói, RJ, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2319980391045325. E-mail:
iasmimleite@id.uff.br.
2 Doutora. Professora no Programa de Pós-Graduação em Turismo, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, RJ, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7899304734293116. E-mail: karlagoy@id.uff.br.
3
Este resumo expandido apresenta um recorte da pesquisa intitulada “Hospitalidade em Museus: o olhar
fotográfico do turista sobre o Museu Histórico Nacional (RJ) durante os Jogos Olímpicos 2016”, realizada na
Faculdade de Turismo e Hotelaria, Universidade Federal Fluminense.

1
instituição, por estar localizada no Centro Histórico, esteve vinculada à proposta cultural da
Prefeitura Municipal, de criação das Casas dos Países. O Museu Histórico Nacional (MHN)
abrigou a Casa México, que contemplou diversas atividades culturais relacionadas com a
cultura mexicana, bem como exposições temporárias sobre as Olimpíadas do México
(1986) e a pintora Frida Kahlo.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM, 2016), entre os dias 5 e 21 de


agosto, o Museu recebeu mais de 17 mil visitantes. Este número representa um recorde de
público para a instituição, que em 2015 recebera cerca de 7.500 visitantes/mês. Não se pode
inferir, contudo, quantos desses visitantes espontâneos eram turistas, pois a instituição não
realiza pesquisas dirigidas especificamente para essa categoria de público, interesse
primordial em nossos projetos4.

Considerando uma série de mudanças nos hábitos de consumos turísticos, os novos turistas5
buscam experiências para além dos segmentos turísticos consolidados. Nesse cenário, o
turismo cultural se desenvolve. De acordo com a Organização Mundial do Turismo (2004,
citado por Richards, 2009, p. 27), trata-se de um segmento que consiste em “movimentos
de pessoas em busca de motivações essencialmente culturais”. Richards (2009), no entanto,
aprofunda o conceito, sugerindo como turista cultural aquele que participa de atividades
culturais durante a viagem mesmo que a motivação do deslocamento não seja cultural.

No alvo dos turistas culturais estão os museus. Sabe-se que a relação entre turismo e
museus se estabeleceu ao longo dos anos e adentra na contemporaneidade, atravessada por
controvérsias, especialmente entre visitantes e visitados. O turismo muitas vezes despreza
as especificidades dos museus e engrossa as fileiras da massificação ao consumi-los como
meros produtos culturais. Por outro lado, os museus, temerosos em abrir suas portas ao
turismo e aos problemas que o turismo de massa pode acarretar, fecham-se em si mesmos
(Godoy, 2010, 2015). Se os museus são, por definição, instituições abertas ao público,

4
Projetos desenvolvidos no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Turismo e Museus, linha de pesquisa
Turismo, Cultura e Sociedade, do Programa de Pós-graduação em Turismo, Universidade Federal Fluminense.
5
Termo relacionado “pós-turismo” (Molina, 2003). Para o autor, esse período é marcado por novos segmentos
turísticos moldados às novas necessidades dos turistas.

2
devem se preocupar, como bons anfitriões, em recebê-lo de forma hospitaleira. Mas
estariam os museus atentos às diversas necessidades que demandam seu público turístico,
para, então, assim atuarem? Até que ponto essa categoria de visitantes se sente acolhida,
ouvida e contemplada pelos museus?

O objetivo geral desse artigo é comunicar os resultados de uma pesquisa realizada com o
intuito de identificar, por meio de fotografias registradas por turistas, elementos que
“representam” aspectos de hospitalidade ou de hostilidade, encontrados no Museu Histórico
Nacional, no mencionado período olímpico. Assim, com base no que os próprios turistas
sinalizaram, e adotando metodologias de análise da imagem em conexão com princípios da
hospitalidade, foi possível ampliar a discussão e inovar quanto às possíveis interpretações a
respeito do tema.

Aos poucos, os estudos sobre hospitalidade e turismo vêm contemplando novos campos.
Em sua maioria, ao relacionar as duas áreas, são utilizadas, quase sempre, ferramentas
metodológicas já consagradas. Todavia, existem métodos inexplorados para identificar
modos de hospitalidade nos mais diversos espaços apropriados pelo turismo, sendo um
deles a semiótica, como sugere Camargo (2008).

A leitura das assimetrias existentes na dádiva da hospitalidade pode e deve estimular


a procurar todas as metodologias possíveis. Aqui nada falamos da semiótica, terreno
no qual não nos aventuramos, mas que deve ser lembrada como uma alternativa
metodológica das mais promissoras (p.47).

De acordo com Urry (2001), a fotografia é um meio de transcrição da realidade que pode
moldar o olhar do turista na medida em que este busca registrar cenários emblemáticos do
espaço em que está visitando. Significantes e signos compõem o imaginário do turista
cultural que cria imagens (e imaginários) antes e após visitar museus. Assim, para
Zunzunegui (citado por GASTAL, 2005) a imagem é a materialização da percepção de um
determinado fragmento do universo para que sua existência seja prolongada. Segundo Joly
(2012), o método de análise da imagem não é absoluto por si só e, portanto, exige que
outras ferramentas sejam incorporadas ao processo. Assim, para complementar essa

3
metodologia, foram utilizados os conceitos elaborados por Camargo (2005) e as categorias
da hospitalidade estabelecidas por Grinover (2006).

A matriz <Tempos> e <Espaços>, desenvolvida por Camargo (2005), procura responder,


por meio da proposição de domínios, “quais as práticas sociais que se inserem dentro do
processo da hospitalidade” (p.52). Segundo o autor, os tempos da hospitalidade podem ser
divididos em: recepcionar, hospedar, alimentar e entreter. Enquanto os espaços são
classificados em: doméstico, público, comercial e virtual. A matriz foi selecionada para
verificar em quais tempos ocorrem à hospitalidade ou a hostilidade no Museu Histórico
Nacional. Adotou-se, para fins de análise, somente o espaço público, pois se trata de um
museu público federal, pertencente ao IBRAM e vinculado ao Ministério da Cultura.

Considerou-se o <receber> como modo que as pessoas foram acolhidas no espaço museal.
O <hospedar> se refere às condições de descanso proporcionadas pelo museu, mesmo que
por um breve intervalo de tempo. O <alimentar> está relacionado à oferta de alimentos. E,
por fim, o <entreter>, contempla diversos modos de entretenimento aos turistas (Camargo,
2005). Para a análise das imagens, foram estabelecidos signos para cada tempo indicado e
aplicados à realidade dos espaços museais. Para interpretar os signos presentes nas
imagens, foram incorporadas à metodologia três categorias da hospitalidade, elaboradas por
Grinover (2006): acessibilidade, legibilidade e identidade. Embora o autor utilize esses
conceitos para compreender as dinâmicas dos centros urbanos, acredita-se que as
dimensões expressas poderiam subsidiar uma análise aprofundada das relações e dos
elementos presentes no espaço museal.

A acessibilidade foi dividida em tangível e intangível e, assim, considerados os meios


físicos, psicológicos e socioeconômicos que permitem a entrada e permanência do turista
no museu. Considerou-se por legibilidade a maneira pela qual o museu pode ser
interpretado por meio de mensagens visuais presentes, por exemplo, na sinalização bilíngue
dentro do Museu de modo a instruir o deslocamento dentro da instituição. Por último, a
identidade, construída ao longo do tempo, consiste em um símbolo que representa a

4
instituição no imaginário dos visitantes, e pode ser facilmente reconhecido pelo turista ao
visitá-la.

A coleta de dados foi realizada nos dias 19, 20 e 22 de agosto de 20166, e consistiu na
entrega de um cartão ao turista, escrito em três idiomas (português, inglês e espanhol), que
continha a seguinte questão: “como você foi recebido pelo Museu Histórico Nacional?”.
Para responder, o entrevistado deveria tirar uma fotografia que, na sua concepção,
representasse a hospitalidade ou hostilidade do MHN. A imagem poderia ser compartilhada
nas redes sociais, por meio de um post público, utilizando a hashtag (#TCultNoMHN) ou
enviada pelo aplicativo de mensagens Whatsapp.

Para a pesquisa de campo, foram abordados 201 turistas7 e recebidas 30 fotografias, sendo
analisadas oito delas, por estarem devidamente autorizadas para publicação em produções
acadêmicas e por se adequarem aos critérios legais da ética da imagem. Nesse período,
entre os dias 19 e 20 de agosto, o Museu recebeu aproximadamente 15008 visitantes. A
análise das imagens obtidas como resultado da pesquisa é extensa e, optou-se aqui pela
descrição em profundidade de duas fotografias, privilegiando os signos evidenciados e mais
significativos para a interpretação do espaço museal como hospitaleiro ou hostil.

O receber público - A primeira fotografia foi produzida no hall de entrada do Museu. O


registro realizado à luz do sol apresenta, em primeiro plano, uma fila próxima ao portão
principal da instituição, composta por idosos e crianças, todos de costas ou de perfil para
quem estava fotografando. Ao lado da fila, banners que informam a programação da
instituição no mês de agosto. Em segundo plano, ao fundo, as palmeiras e arquitetura
característica do modelo neoclássico. Outros signos identificados são o bistrô da instituição
e uma lixeira.

6
Não houve aplicação da pesquisa no dia 21 de agosto, pois o Museu não funcionou devido às competições
de atletismo na Rua Marechal Âncora.
7
Entende-se por turista, nessa pesquisa, o visitante que não residente na cidade do Rio de Janeiro.
8
Dado referente ao público pagante que, além de participar das atividades gratuitas da Casa México, visitou
as exposições do museu. Não se tem informação de quantos visitantes a instituição recebeu somente no dia 22
de agosto. Informação disponibilizada pelo setor educativo do Museu Histórico Nacional.

5
Nesse registro estão presentes signos que remetem à legibilidade (banners sobre as
exposições), acessibilidade intangível (a presença de todas as idades de público na fila de
entrada) e identidade (arquitetura e as palmeiras). Evidencia-se também a ausência de
acessibilidade tangível, pois não se nota a presença de uma fila preferencial para o público
com necessidade de serviços especiais.

O receber e hospedar público - A hospitalidade se dá na relação entre dois sujeitos: o


anfitrião e o hóspede. No momento em que há a quebra do estigma em que o “outro” é o
“inimigo”, e todos convivem de forma pacífica e amistosa, a instituição, ao proporcionar o
intercambio de culturas em um ambiente acessível, legível e com identidade, cria, portanto,
um ambiente hospitaleiro. No caso específico do Museu Histórico Nacional, ao promover o
encontro de nacionalidades a que todos (turistas e residentes) podem ter acesso físico,
psicológico e socioeconômico, mostra como o espaço público deve ser um provedor de
encontros e trocas culturais, pois “o espaço público é, por definição, território de partilha
coletiva, cuja apropriação não pode ser exercida por ninguém em particular” (Grinover,
2006, p. 39-40).

Na segunda fotografia há circulação de pessoas em um espaço com lixeira, refletores


desligados. À esquerda, bancos para descanso com cobertura. Evidencia-se também a
presença de placas de sinalização. Tais elementos enquadram a fotografia nos domínios
receber e hospedar público (Camargo, 2005). Em primeiro plano, se evidencia o modo
como o Museu recebe os turistas. Um espaço limpo torna o ambiente acolhedor aos
indivíduos. Os bancos indicam a oferta de descanso, o que enquadra a fotografia no
domínio hospedar. Na imagem, a acessibilidade intangível aparece representada pelo
espaço museu com atividades gratuitas para o público. A legibilidade se traduz na forma de
placas sinalizando a Casa México. Não foram evidenciados códigos visuais que remetessem
à identidade da instituição.

Levando em conta as fotografias analisadas na pesquisa, observou-se a preponderância de


fotografias alocadas no tempo Receber (Camargo, 2005). A acessibilidade tangível esteve
presente em poucas fotografias, o que pode demonstrar que os respondentes não

6
necessitaram de infraestrutura acessível para vivenciar o espaço. A legibilidade esteve
representada pelos signos de sinalização bilíngue e legendas contextualizadas. E, a
identidade foi representada pela arquitetura da instituição. Embora ainda existam
particularidades no processo de turistificação dos museus, é necessário que essas
instituições entendam as necessidades do público turista, sobretudo no que diz respeito aos
serviços turísticos e ao atendimento. Essa relação precisa ser recíproca: assim como os
museus precisam pensar seus espaços para o turismo, é necessário que esse público e todo o
trade turístico entendam as peculiaridades dessas instituições.

A instituição, segundo os resultados obtidos e de acordo com o recorte temporal


estabelecido, pôde ser considerada hospitaleira, acessível em termos intangíveis e com forte
identidade. Nota-se também, nas fotografias analisadas, que os turistas buscaram enquadrar
aquilo que lhes pareceu hospitaleiro ou hostil. Nesse sentido, a fotografia torna-se o suporte
de possíveis reclamações.

Notou-se que, embora haja produção acadêmica consistente que análise os temas
<turismo>, <museus> e <hospitalidade> de maneira convergente. Para, além disso, poucas
são as produções que estudam o campo segundo tal abordagem metodológica, o que
confere a essa pesquisa primeiro passo rumo aos estudos do turismo, museus e
hospitalidade.

REFERÊNCIAS

Camargo, L. O. de L. (2008). A pesquisa em hospitalidade. Revista Hospitalidade. São


Paulo, 5(2), 15-51

Camargo, L. O. de L. (2005). Hospitalidade. São Paulo: Aleph.

Gastal, S. (2005). Turismo, imagens e imaginário. São Paulo: Aleph.

Grinover, L. (2006). A hospitalidade urbana: acessibilidade, legibilidade e identidade.


Revista Hospitalidade, 3(2), 29-50.

7
Godoy, K. E. (2015). Controvérsias do turismo como atividade sustentável em museus.
Revista Museu, maio.

Godoy, K. E. (2010). Turistificação dos museus no Brasil: para além da construção de um


produto cultural. Anais do Museu Histórico Nacional, 42, 199-209.

IBRAM - Instituto Brasileiro De Museus. Museu Histórico Nacional tem visitação


extraordinária durante Olimpíadas. Acesso em 18 novembro, 2016, de
http://www.museus.gov.br/museu-historico-nacional-tem-visitacao-extraordinaria-
durante-olimpiadas.

Joly, M. (2012). Introdução à análise da imagem. Campinas, SP: Papirus.

Molina, S. (2003). O pós-turismo. São Paulo: Aleph.

Richards, G. (2009). Turismo cultural: padrões e implicações (p. 25-48). In: de Camargo,
P. & Da Cruz, G. (org.) Turismo Cultural: estratégias, sustentabilidade e tendências.
Ilhéus, BA: UESC.

Urry, J. (2001). O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São
Paulo: Studio Nobel, Sesc.

8
O TURISMO EM UM PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE UNESCO:

O JARDIM BOTÂNICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Viviane Rocha Palma1


Susana de Araújo Gastal2
RESUMO

O reconhecimento do valor patrimonial e cultural dos jardins históricos e sua


potencialidade como recurso turístico é, neste momento, transversal a muitos territórios.
Estratégias vêm sendo desenvolvidas para não só salvaguardar e preservar, mas para
valorizar e otimizar este recurso por meio da atividade turística, como é o caso do Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra, em Portugal. Após 245 anos de sua fundação, o
local é considerado a expressão de um acúmulo de saberes e camadas históricas que
resultam na expansão de suas funções, como a divulgação da ciência e da educação
ambiental, e o destaca como espaço de lazer e, mais recentemente, como importante
atrativo turístico. A pesquisa concluiu que desde seu reconhecimento como Patrimônio
Mundial da Humanidade pela Unesco, em 2013, o espaço passou a receber um fluxo maior
de visitantes, importante alternativa frente à realidade econômica no auxílio de sua
sustentabilidade financeira. A análise de perfil do público realizada pretendeu inserir-se nas
ações de estruturação do espaço, com vistas ao turismo, que integram o planejamento
estratégico do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo de Jardins, Patrimônio Mundial, Perfil do Visitante,


Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.

1 Bacharel em Turismo, Universidade de Caxias do Sul. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7817964669682681.


E-mail: duda@dudarocha.com.br.
2 Doutora. Professora, Pesquisadora e Orientadora no Programa de Pós-Graduação em Turismo e
Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/0363951380330385. E-mail: susanagastal@gmail.com.

1
RESUMO EXPANDIDO

Os jardins históricos, botânicos ou não, inseridos tanto na dimensão do turismo natural


quanto cultural, ganharam visibilidade em anos recentes graças a este cenário
contemporâneo, marcado, entre outros, pela ampla expansão territorial, populacional,
econômica e política das cidades; pelo desaparecimento da natureza nos espaços urbanos;
pela maior mobilidade das pessoas e especialização das viagens; e pela ênfase no passado
como mentalidade, levando a crescentes processos de patrimonialização, inclusive da
natureza. Jameson (2001) sintetiza dizendo que a sociedade contemporânea está
culturalizada e que a natureza se foi para sempre, só sendo resgatada ou mantida na forma
de produto e, de maneira muito especial, se incorporada como patrimônio.

A essas ênfases sociais, associam-se as econômicas. A maior mobilidade, por exemplo, leva
a que cada vez mais, um maior número de viajantes percorra o mundo, em busca de viagens
culturalmente motivadas, entre outros, na busca por jardins (Mascarenhas, 2014; Galli,
2015). Dados do Botanic Gardens Conservation International (BGCI, 2010), registraram
200 milhões de visitas a jardins botânicos em 2010, alimentando um turismo de nicho que
passou a ser tratado como turismo de jardins [garden tourism]. Ou seja, os jardins estão na
ordem do dia no contexto internacional e o turismo de jardins vivencia um crescimento
significativo (Rocha & Gastal, 2016). O cenário positivo, entretanto, não permite deduzir
que centros históricos, museus, jardins históricos e jardins botânicos, mesmo os
reconhecidos como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, não tenham preocupações
com sua manutenção financeira e maior inserção na comunidade, levando a ações em prol
da fidelização dos frequentadores e da ampliação desse público em termos de número e
diversificação.

O BGCI utiliza a expressão ‘desenvolvimento de públicos’ [audience development], cujos


termos equivalentes seriam ampliação de visitantes [visitors], usuários [users] ou mesmo
comunidades [communities] (Moussouri, 2013). Para alcançar esses objetivos, o mesmo
BGCI recomenda a realização de pesquisas [audience research], ou seja, investigações que

2
priorizem o público, sua opinião e sentimentos, na linha proposta pelos estudos culturais
[cultural studies]. Seguindo essa premissa, uma pesquisa de audiência ouviu 120 pessoas,
escolhidas aleatoriamente, no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, na última
semana do mês de julho de 2016. O questionário estruturado, aplicado durante as
entrevistas, apresenta 32 perguntas, abertas e fechadas, divididas em cinco seções:
Caracterização da Visita, Caracterização da Viagem, Caracterização da Experiência,
Caracterização das Atividades e Caracterização do Inquirido. A análise das questões
possibilitou traçar o perfil do frequentador, avaliar seu conhecimento sobre a inclusão do
Jardim Botânico na lista Unesco, elucidar dados sobre a motivação das pessoas em
conhecer ou visitar o atrativo, de que forma essa visita acontece e de onde se originam os
turistas e excursionistas e qual sua percepção ao longo da visitação.

Na década de 1990, no âmbito do Inventário do Patrimônio Arquitetônico (IPA), foi criada


uma base de dados informatizada dos Jardins e Sítios Históricos de Portugal, pela extinta
Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN). Nela foram registrados,
descritos e enquadrados historicamente, sob a ótica do seu potencial turístico, proposto pelo
Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo, cerca de 120 jardins dos quais se destacam
32 áreas, entre elas o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (Castel-Branco, 2002).
A história do Jardim Botânico inicia na administração do Marques de Pombal [1750-1777],
quando houve a modernização da Universidade de Coimbra, em especial da faculdade de
Medicina. A reforma universitária buscava aprimorar as elites portuguesas, únicas com
acesso à Universidade, incentivando a cultura, artes e ciências (Maxwell, 1990). Esse
contexto levou à criação do Horto Botânico da Universidade, em 1772, em terreno cedido
pelos Frades Beneditinos, junto ao Colégio de São Bento. Hoje, o Jardim Clássico ocupa
3,5ha e a Mata, área que liga a parte Alta e a parte Baixa, da cidade de Coimbra, abriga
outros 9,5ha, totalizado uma área de 13ha ocupadas pelo Jardim Botânico.

3
Em janeiro de 2012, houve a formalização junto a Unesco, da candidatura da Universidade
de Coimbra como Patrimônio Mundial, resultado de um processo iniciado em 2003 3. O
Jardim Botânico integra-se à proposta e o pleito é aceito pelo organismo internacional em
2013. A Universidade de Coimbra, criada em 1290, é detentora de um conjunto de
dezessete atributos excepcionais, cuja importância abrange uma dimensão internacional.
É nestes atributos que assentam os quatro critérios apresentados no Dossiê de Candidatura,
três dos quais (critérios II, IV e VI – Operational Guidelines Unesco) validados pela
Unesco. Em maio de 2015, António Carmo Gouveia, investigador e doutor em Biologia,
assume a direção do Jardim Botânico, substituindo Paulo Trincão, que ficou no cargo por
três anos, ambos nomeados especificamente para a função de diretor. Até então, os gestores
acumulavam a direção à função de professor em algum departamento da Universidade. A
mudança demarca na postura da Reitoria, o entendimento sobre a profissionalização da
gestão, mas também atende às demandas decorrentes da patrimonialização pela Unesco.

Do plano de ação, que segue coordenado por Gouveia, destacam-se cinco linhas
estratégicas estabelecidas para atingir os objetivos impostos pelas novas funções científicas
e sociais que o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra deve exercer (Reis & Trincão,
2014): (1) Incentivar a investigação científica, proporcionando acessibilidades e condições
adequadas de pesquisa; (2) Divulgar a Ciência e a Cultura Científica; (3) Reestruturar o
serviço educativo; (4) Estruturar um espaço público de lazer e (5) Promover o turismo.
Enquanto pilar estratégico, o turismo está no centro de ações em desenvolvimento, como
por exemplo, as melhorias na acessibilidade, a implementação de serviços de apoio, a
disponibilidade de mobiliário urbano e de sinalização adequada. Posteriormente, serão
criados serviços de visitas guiadas em diferentes idiomas, apoiados por materiais gráficos e
editoriais para venda e distribuição aos turistas.

Além das metas estabelecidas no Plano Estratégico, o atual diretor afirmou, em entrevista
gravada, que objetiva a sustentabilidade financeira do Jardim Botânico. Ainda hoje, a

3
Disponível em: Expresso, 201.01.2012 http://expresso.sapo.pt/actualidade/universidade-de-coimbra-
candidata-a-patrimonio-mundial-da-UNESCO=f700615.

4
entrada para visitação é gratuita e as fontes de receita representam um árduo trabalho para o
gestor. A Universidade, como mantenedora, provê os custos de manutenção do Jardim
Botânico, relativos a folha de pagamento, mas a alternativa para angariar fundos é o
engajamento com a comunidade por intermédio de projetos. Um bom exemplo é a parceria
firmada com um Shopping Center da cidade que no decorrer do ano promove workshops e
atividades didáticas divulgando o Jardim Botânico aos seus frequentadores. Outras ações de
engajamento são realizadas com entidades como a Liga dos Amigos do Jardim Botânico e
com os Rotary Clubs de Coimbra. Ações como essas e a forte utilização das mídias sociais
pretendem fortalecer os laços de pertencimento entre o Jardim Botânico e os cidadãos de
Coimbra e qualificam o relacionamento do local, enquanto atrativo, para com o turista.

Foram muitas e necessárias às intervenções pelas quais o Jardim Botânico da Universidade


de Coimbra passou ao longo dos seus 245 anos de construção. Nasceu para ser um grande
laboratório a serviço das ciências médicas e aos poucos começou a dialogar com as mais
diversas áreas do conhecimento. E segue além, ao abrir, diariamente, seus portões ao
turismo, revelado na pesquisa de audiência como fator de motivação da presença de tantas
pessoas em visitação. Um público que, mesmo empiricamente, sabe da missão de um
jardim botânico, enquanto coleção de espécies vegetais de vários lugares do mundo,
repositório à serviço da pesquisa e preservação da natureza.

Muitas destas pessoas se deslocam até o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra,


impulsionados pelo desejo de conhecer o máximo de locais divulgados como atrativos
turísticos da cidade, no menor espaço de tempo possível. Em geral, possuem pouca
informação sobre a existência deste local, que aparece como secundário em sua viagem, e o
conhecimento que detém é resultado de buscas na internet. A grande maioria afirma utilizar
ferramentas online, como o Google e tem como parâmetro frases do tipo: “O que fazer em
Coimbra”. É nesta pesquisa que muitos descobrem a existência turística do Jardim
Botânico. Outros tantos, o conhece por acaso, ao iniciar o percurso roteirizado na cidade
universitária.

5
Uma realidade turística que vem sendo percebida como benéfica por seus gestores que o
preparam para atender essa nova demanda, sem permitir que se percam as funções
precípuas, estabelecidas em 1772, em sua criação. Para tanto, todos os itens apontados
como insatisfatórios pelos visitantes que participaram da entrevista, integram a pauta de
requalificação do Jardim, de acordo com o plano estratégico mencionado anteriormente. Os
principais itens negativos mencionados pelos entrevistados, como a sinalização e os
materiais informativos, já estavam prontos e aguardavam apenas a conclusão das obras de
requalificação, solicitadas pela Unesco, para serem instalados e distribuídos. O centro de
atendimento aos visitantes consta de uma segunda etapa de implementações, assim como já
estava em discussão de que forma uma possível venda de bilhetes para visitação poderá se
dar.

No entanto, no portal online da Universidade Coimbra, nota-se uma presença tímida do


Jardim Botânico. O link ‘Turismo UC’, na capa do portal, destaca o Paço Real, o Colégio
de Jesus, os programas de visitação e as exposições permanentes. Outro link, indicando o
que visitar, lista mais uma vez o Paço Real, a Capela de São Miguel, a Porta Férrea, a
Biblioteca Joanina, o Colégio de Jesus e a Torre da Universidade. O Jardim Botânico
constará, apenas, dentro das páginas ‘Extensão’ e ‘Academia’. Tal constatação, leva a crer
que a própria Universidade ainda desconsidera a importância do Jardim Botânico no âmbito
do turismo a fim de integrá-lo aos roteiros já existentes.

Com um investimento global de dois milhões de euros4, o projeto de requalificação do


Jardim Botânico da Universidade de Coimbra é financiado, em 85%, pelo QREN – Quadro
de Referência Estratégica Nacional. A obra mais emblemática foi concluída em junho de
2017 e, para além da satisfação do público, foi contemplada com o Prêmio Nacional de
Reabilitação Urbana, na categoria de Melhor Intervenção com Impacto Social com a
requalificação das Estufas Tropicais. Outra importante obra foi a abertura da ‘Mata’ que
agora serve como eixo de ligação entre a Cidade Universitária e o Centro Histórico de

4
Informação disponível em: https://greensavers.sapo.pt/2017/03/requalificacao-das-estufas-tropicais-do-
jardim-botanico-da-uc-vence-premio-nacional-de-reabilitacao-urbana/. Acesso em: 20 jun 2017.

6
Coimbra (Alta e Baixa da Cidade). Essa nova possibilidade de deslocamento na cidade,
utilizando o Jardim Botânico como via, aumenta sua vida orgânica e amplia a oferta para
visitação.

Reconhecido como Patrimônio Mundial da Humanidade, em 2013, o Jardim Botânico da


Universidade de Coimbra, segue evoluindo e diversificando suas funções que agora estão
voltadas a promover a cultura científica, o espaço público de lazer e visitação para se tornar
um espaço de construção da cidadania, não só local, mas, agora, planetária, no sentido
proposto por Morin (2011).

REFERÊNCIAS

BGCI - Botanic Garden Conservation International (2010). Disponível em:


http://www.bgci.org/. Acesso em 30 set 2017.

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debaixo da immediata e suprema inspecção d’el-Rei D. José I pela Junta de
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abordagem com foco no sistema de transporte aquaviário. Caderno Virtual de
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7
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espetacularização do urbano nos megaeventos esportivos. Caderno Virtual de
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origens até a época contemporânea. São Paulo: Senac.

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Formação de Formadores da Universidade de Aveiro e JBUC - Jardim Botânico da
Universidade de Coimbra.

8
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Ibero-American space. (p, 123-142). In: Henriques, C., Moreira, M. C., & César, P.
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o caso de Portugal. Biblio 3w: Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias
Sociales, 18(1053), s.p.

9
PATRIMÔNIO CULTURAL COM TURISMO E HOSPITALIDADE:

VAMOS OLHAR A IMATERIALIDADE?

Iara Rozoita Papp Tomio1

Vania Beatriz Merlotti Herédia2

RESUMO

O presente artigo de revisão bibliográfica propõe uma reflexão a respeito da relação


existente entre a apropriação do patrimônio cultural imaterial pelo turismo, tendo em vista a
forma como a imaterialidade cultural possa vir a ser um meio para o planejamento de ações
que tratem a hospitalidade como instrumento de atração em atividades turísticas. Neste
contexto compreende-se o <patrimônio cultural> pelas referências culturais dos povos, pela
percepção dos bens materiais como testemunhos de um cotidiano e pela imaterialidade nas
realizações de saberes e fazeres. Propor questionamentos para estimular direções de análise
foi o desafio dessa reflexão em torno de questões acerca da dimensão integradora que
aproxima os saberes e os fazeres da hospitalidade no momento da experiência de uma
destinação turística. Estes questionamentos partem do conceito de Patrimônio Cultural que
dialogam com o Turismo, a Hospitalidade e o legado cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Hospitalidade, Patrimônio Cultural.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul,


Caxias do Sul, RS., Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2079673675004143. E-mail:
arquitetaiara@terra.com.br
2 Doutora. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade,
Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2028194865995189.
E-mail: vbmhered@gmail.com

1
RESUMO EXPANDIDO

No momento que observações empíricas recaem em problematizações de um determinado


recorte espaço-temporal depara-se com a necessidade do viés teórico-conceitual para a
reflexão de tais observações.

A forma mais usual que o homem utiliza para interpretar a si mesmo, o seu mundo e o universo como
um todo, produzindo interpretações significativas, isto é, conhecimento, é a do senso comum, também
chamado de conhecimento ordinário, comum ou empírico (Köche, 2015, p.23).

No dizer de Köche (2015), enquanto o senso comum tem sua necessidade de resolver os
problemas da praticidade dos dias, o conhecimento científico, na sua pretensão, busca
construir respostas seguras às dúvidas existentes sob os ideais de racionalidade e de
subjetividade. As problematizações advindas de um senso comum induzem este estudo a
reflexão de qual seria a importância da preservação do patrimônio cultural imaterial na
manutenção da identidade dentro da atividade turística com hospitalidade.

Acerenza (2002, p. 41), quando define o turismo para fins comerciais dizendo que “está
diretamente relacionado com os governos, transportadores, alojamentos, restaurantes e
indústrias de entretenimento e, direta e virtualmente, com toda a indústria e negócios do
mundo” depara-se com uma busca incessante pela diversificação de produtos turísticos,
somatório de atrativos, facilidades, acessibilidade, como um dos diferenciais do setor. A
preocupação incide na dimensão integradora do patrimônio cultural, e de sua
imaterialidade, e na forma como a experiência turística a vivencia, tanto mais intensa ou
não, no momento do ato turístico. Este momento apresenta narrativas associadas a um
conjunto de memórias e emoções relacionadas com os lugares visitados e com os saberes e
os fazeres, atraindo olhares em torno de recursos identitários e autênticos. Seria possível
olhar a imaterialidade do patrimônio cultural como um meio para hospitalidade na atividade
turística?

Patrimônio Cultural: valores do coletivo, testemunhos e realizações? - A construção das


cidades possui em seu processo histórico um quadro complexo provocado pelo

2
desenvolvimento do urbanismo moderno e as exigências geradas pelo crescimento
industrial e a consequente densidade populacional. Cruciais foram as reformas urbanas que
desencadearam um crescente processo de demolição desordenado de bens relevantes na
história das cidades. Tais desafios estabeleceram uma consciência sobre os valores das
identidades abrigadas nestes lugares socialmente produzidos. Lugares estes acumuladores
de experiências, vivências e dos legados de uma cultura material.

Neste contexto, surge a necessidade de compreender o patrimônio cultural pelas referências


culturais dos povos, pela percepção dos bens materiais como testemunhos de um cotidiano
e pela imaterialidade nas realizações de saberes e fazeres. Segundo as Cartas Patrimoniais,
documentos firmados pela comunidade de especialistas e organismos internacionais e
nacionais que trabalham com a preservação de patrimônio cultural, são estabelecidas
normas, procedimentos e conceitos a respeito das condutas patrimoniais de preservação.

A respeito de definir patrimônio cultural, a Declaração do México da Conferência Mundial


sobre as políticas culturais, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos
1985, p. 272), “afirma solenemente os seguintes princípios, que devem reger as políticas
culturais”:

[...] O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos,
escritores e sábios, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores
que dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade desse
povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os
arquivos e bibliotecas (Cartas Patrimoniais, 1985, p.275).

A preservação do patrimônio cultural e suas ações apresenta à sociedade um específico


valor que permeia um conjunto de bens – independentemente de seu valor histórico,
artístico, etnográfico, que é o valor da coletividade, ou seja, aquele fundado em um
sentimento de pertencimento à sua comunidade. Sobre recuperar esta memória coletiva
Barretto (2006, p.47) traz seu diálogo com turismo no sentido de que, “mesmo que seja
para reproduzir a cultura local para os turistas, leva, numa etapa posterior, inexoravelmente
a recuperação da cor local e, num ciclo de realimentação, a uma procura por recuperar cada

3
vez mais este passado”, numa compreensão de que os habitantes do local começam a
valorizar o seu patrimônio porque passam a conhecê-lo.

Se os tempos de globalização produzem uma sociedade de massa mediatizada convém


refletir numa tendência atual de transformar um legado cultural em meros bens de
consumo. O legado cultural contém uma identidade que implica sentir-se pertencente a
algum lugar, com determinados hábitos e costumes, aprendizados e saberes, que unem seus
membros sem mesmo se conhecerem: são formadores de uma mesma história. A
significação do legado cultural perde valor quando transformado em produto para consumo
pura e simplesmente, e a história passa a não ser importante por suas raízes, mas por suas
implicações econômicas.

Halbwachs (1990), quando relativiza questões inerentes a memória coletiva e o espaço vem
tratar de uma imagem construída que carrega permanência e estabilidade, uma sociedade
silenciosa e imóvel, as materialidades e os intangíveis. Em contraponto, quando se observa
que uma grande parte de visitantes ainda adentra na cultura das destinações turísticas sem
interiorizar-se nelas, convém refletir se os valores que buscam não estejam na autenticidade
dos produtos. Autenticidade esta capaz de promover sua perpetuação no tempo tendo uma
memória manifestada pela tradição, uma tradição que remeta a um passado atualizado no
presente e que incorpore as parcelas de imaginários.

Por que nos apegamos aos objetos? Por que desejamos que não mudem, e continuem a nos fazer
companhia? (...). Nosso entorno material leva ao mesmo tempo nossa marca e a dos outros. (...) Mas
cada objeto encontrado, e o lugar que ocupa no conjunto, lembram-nos uma maneira de ser comum a
muitos homens, e quando analisamos este conjunto, fixamos nossa atenção sobre cada uma de suas
partes, é como se dissecássemos um pensamento onde se confundem as relações de uma certa
quantidade de grupos. (Halbwachs, 1990, p. 131 e 132).

Como pensar o “passado” com olhos para o “futuro”? - A interdisciplinaridade, que


permeia o estudo do turismo e a sua relação com o patrimônio cultural e a sociedade,
constitui a base para a elaboração de propostas eficazes de gestão através de um
planejamento comprometido com o local e o regional. A conciliação da atividade turística
com legado cultural tem no planejador de turismo a peça central para o trabalho de manter

4
em equilíbrio a cultura local frente aos avanços dos tempos, aqui também tratados
positivamente, da globalização. E, quando este planejamento assume caráter participativo
para promover a valorização de um potencial turístico, os resultados alcançados refletem,
na melhoria da qualidade de vida da população local.

Molina (2001, p.125), neste contexto, fundamenta que “a sociedade, ao planejar para si
mesma, encontra-se constantemente aprendendo a planejar e a conhecer seus vazios ou
insatisfações, e talvez este seja um fenômeno mais transcendente na produção de planos”. A
partir disto, parece ser conveniente planejar o turismo com uma gestão cultural que venha
dar sentido ao patrimônio cultural inserido num ambiente urbano ou rural,
contemporaneizar usos sem a espetacularização que promove a banalização das tradições,
conflitando memórias, distorcendo identidades. Para Fonseca (2005, p.39), “o objetivo das
políticas de preservação: garantir o direito à cultura dos cidadãos, entendida a cultura, nesse
caso, como aqueles valores que indicam – e em que se reconhece – a identidade da nação”.

Assim como no planejamento, a qualidade da gestão do patrimônio cultural será também a


base para o fomento do turismo local que venha garantir, por consequência, os benefícios
econômicos a investidores privados, ao poder público e principalmente a comunidade local
com objetivos na preservação patrimonial. Ainda neste entendimento, Barretto (2006, p.81)
adverte que “o turismo com base no legado cultural precisará de constante replanejamento,
de acordo com o feedback proporcionado pela experiência dos turistas e pelas reações dos
equipamentos ao uso”.

Seria a valorização nostálgica de um tempo perdido ou a promoção entusiasmada


como bem de consumo, celebração de mercado, arte turística? - A memória e
identidade proveniente do legado cultural conduzem à reflexão da necessidade de olhar o
passado para um futuro atualizado no coletivo do presente. Esta memória, manifestada pela
tradição, para ser efetivamente transmitida e recebida é desenvolvida por Candau (2011),
no sentido de que essa combinação deva estar em sintonia com o presente, local de sua
significação. O conjunto de bens materiais e imateriais que constitui um Patrimônio

5
Cultural é responsável pela formação da identidade coletiva de uma população, absorvida
e/ou desenvolvida e, portanto, representantes vivos da vida cotidiana.

Às vezes, a solenidade atribuída ao termo patrimônio sugere que dele façam parte apenas os grandes
edifícios ou as grandes obras de arte, mas o patrimônio cultural abrange tudo que constitui parte do
engenho humano e, por isso, pode estar no cerne mesmo do turismo. Dessa forma podemos e devemos
ampliar muito a nossa compreensão do conceito, com todas as implicações decorrentes, das
epistemológicas às práticas (Funari, 2003, p.9).

Num sentido de ampliar este entendimento, estes bens somente se tornarão ramos vivos no
cotidiano da cidade se forem bem compartilhados turisticamente em todas as esferas, como
bem enfatiza Barretto (2000, p.47), a “reproduzir a cultura local para os turistas, leva, numa
etapa posterior, inexoravelmente à recuperação da cor local e, num ciclo de realimentação,
a uma procura por recuperar cada vez mais o passado”.

O que revelam os imaginários da cidade? A materialização de produtos turísticos, e


que não sejam produtos como qualquer outro? - O ambiente construído, os objetos de
uso cotidiano, a expressão artística de época e as paisagens naturais que constituem os bens
materiais possuem intrínsecos na sua essência os de natureza imaterial. Estes modos de
fazer e viver se configuram através de formas materiais atestando que a imaterialidade se
compõe de processos, tanto ou mais do que de produtos. As condições para sua reprodução
dependem diretamente do território em que estão inseridos, e sua recriação permanente
denota o sentido de continuidade percorrendo gerações. Quando essa reprodução e
recriação se configurar através de formas materiais tem-se então a produção de imagens. E,
se um mesmo destino pode ter sua formatação construída de diferentes formas, por
diferentes pessoas, em diferentes tipos de deslocamentos pode-se constatar de que nesta
formatação haverá a presença tanto de imagens como dos imaginários.

Gastal (2005) contextualiza que as imagens são formadas antes mesmo do deslocamento
através de fotos / artigos / folhetos, fornecendo um contato visual prévio, e de que viagens e
imaginários sempre andaram juntas, estando aí a sua importância para o turismo. Os
imaginários são aqueles despertados pelos sentimentos construídos em relação aos locais e

6
objetos antes mesmo do contato propriamente dito. Pesavento (2002, p.15) vem ilustrar este
entendimento quando enfatiza que “a história da imagem urbana contém um relato das
formas de sentir, ver e sonhar a cidade...”.

No momento que a imaterialidade se configura através das manifestações populares de


saberes e fazeres em festas – música - dança, ritos, gastronomia, símbolos, artesanato,
atestamos que esta produção se constitui como elemento vivo, intrínseco, apropriado e
mantido pela comunidade local. Esta respectiva produção é impulsionada pelo legado
cultural presente na arquitetura, nos espaços de socialização, nos equipamentos urbanos e
nos meios construídos para abrigar a representação material de hábitos e costumes.

Quando o objetivo deste estudo está em trazer o questionamento “Vamos olhar a


imaterialidade?”, pretende-se induzir a uma reflexão dos valores constituídos no intangível
do patrimônio cultural, no sentido de serem utilizados como meios de hospitalidade para
atratividade em destinações turísticas. Camargo (2005, p.52) traz uma definição de
hospitalidade que se aproxima desta proposta de análise, como sendo “o ato humano,
exercido em contexto doméstico, público e profissional, de recepcionar, hospedar, alimentar
e entreter pessoas temporariamente deslocadas de seu habitat natural”. Murta (2002, p.13)
contribui para esta mesma análise quando descreve o ato de interpretar o patrimônio como
sendo “o processo de acrescentar valor à experiência do visitante, por meio do
fornecimento de informações e representações que realcem a história e as características
culturais e ambientais de um lugar”.

Assim, quando se trata que a hospitalidade pode ser interpretada na imaterialidade do


cultural, intenciona-se dizer que a mesma pode vir a dar significação ao patrimônio
material, reforçando laços identitários e ideais de preservação. Esta significação pode vir a
aproximar o passado do presente, baseada em práticas que se utilizem dos bens imateriais e
materiais valorizando-os, auxiliando no reconhecimento vindo a contribuir para a
consolidação de destinações turísticas local e regionalmente.

Convém refletir tantos olhares?

7
REFERÊNCIAS

Acerenza, M. A. (2002). Administração do turismo: Conceituação / organização. Bauru,


SP: Edusc.

Barretto, M. (2000). Turismo e Legado Cultural: As possibilidades do planejamento.


Campinas, SP: Papirus.

Barretto, M. (2005). Manual de iniciação ao estudo do turismo. Campinas, SP: Papirus.

Camargo, L. O. L. (2005). Hospitalidade. São Paulo: Aleph.

Candau, J. (2011). Memória e identidade. São Paulo: Contexto.

Funari, P. P. A. (2006). Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

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Patrimoniais.Rio de Janeiro: IPHAN.

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iniciação à pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes.

Molina, S. (2001). Planejamento integral do turismo: Um enfoque para a América Latina.


Bauru, SP: Edusc.

Murta, S. M. (org.). (2002). Interpretar o patrimônio: Um exercício do olhar. Belo


Horizonte: Ed. Ufmg; Território Brasilis.

Pesavento, S. J. (2002). O imaginário da cidade: Visões literárias do urbano – Paris, Rio


de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ufrgs.

8
PUEBLOS DE INTERÉS TURÍSTICO Y BALNEOTERAPIA

EL CASO DE CUBA: ¿QUÉ HACER?

Eros Salinas Chavez1


Marla Pino Puentes2
RESUMO 3

Em Cuba existem, principalmente no oeste e centro do país, vários povos que se fundaram
entre os séculos XVIII e XIX relacionados com a presença e o uso de fontes minerais
medicinais. O desenvolvimento socioeconômico destes esteve vinculado com o lazer e o
turismo, associado aos numerosos visitantes que chegavam a essas localidades para
melhorar sua saúde. Em cada um destes centros urbanos, criou-se uma infraestrutura de
alojamento e restauração no primeiro quarto do século XX, o qual tinha como principal
atrativo os balneários e as facilidades de transportes existentes, nessa época, para poder
chegar até essas localidades. O objetivo principal deste estudo é estabelecer as diretrizes
gerais para o resgate e aproveitamento do potencial turístico-recreativo destes povos de
interesse turístico, que contam com fontes minerais medicinais de reconhecidos valores para
a saúde e o lazer em prédios urbanos e ambientes naturais próximos, povos que hoje
permanecem esquecidos.

PALAVRAS CHAVE: Turismo, Povos Turísticos, Balneoterapia, Desenvolvimento


Local, Cuba.

RESUMO EXPANDIDO

Antecedentes fundacionales de estos pueblos de interés turísticos en Cuba lo constituyen


Santa María del Rosario, localidad fundada en 1702 situado a menos de 15 km de la ciudad
de La Habana , San Diego de los Baños (1775) en la provincia de Pinar del Río y Madruga

1
Doutor. Universidad La Havana, Cuba. E-mail: salinaschavezeros@gmail.com
2
Estudante de Turismo, Cuba.
3
Agradecimientos: se agradece mucho la colaboración prestada durante los trabajos de exploración
a los pueblos a las ahora Licenciadas en Turismo Yailin Cuba González y Noelia Velázquez Reyes.

1
(1803) en la actual provincia de Mayabeque, en cada uno de estos centros urbanos se creó
desde su fundación, una infraestructura de alojamiento y restauración, principalmente en el
primer cuarto del siglo XX, la cual estaba asociada como principal atractivo a los balnearios
de aguas minero-medicinales (Salinas Er et al.,1981; Fagundo, 2011) y que se vinculaba con
las facilidades de transportación existentes, en esa época, para llegar hasta estas localidades.

El objetivo principal de este estudio es establecer lineamientos generales para el rescate y


aprovechamiento del potencial turístico-recreativo de estos pequeños pueblos, que cuentan
con manantiales minero medicinales de reconocidos valores para la salud y el ocio en sus
predios urbanos y que hoy permanece olvidados; avalado este desarrollo local por el
prestigio, que a nivel mundial tiene Cuba por la calidad de sus servicios médicos

El presente estudio es cualitativo, de tipo descriptivo, y tiene un carácter analítico y


proyectivo (Rodríguez, Gil & García, 2006), para proponer en base a los resultados,
recomendaciones para el rescate turístico-recreativo de estos pueblos. En la fase teórica se
aplicaron técnicas de recogida de información primaria y secundaria tales como: revisión
bibliográfica para la actualización en temas de turismo de salud y de naturaleza, y la historia
socioeconómica de estos pueblos. Igualmente se utilizó el análisis documental para recopilar
información; entrevistas a directivos y trabajadores vinculados a diversas instituciones socio
económicas existentes en los pueblos objeto de estudio; consultas a especialistas, docentes e
investigadores del turismo y la salud; autoridades públicas y políticas del municipio y
residentes.

La selección de estos informantes claves en cada territorio, tarea por demás compleja, se
basó en: el conocimiento a profundidad de las áreas estudiadas y de su historia socio-
económica; años de experiencia en el tema tratado; su interés verdadero por los resultados de
la investigación, y “buena voluntad" por proporcionar información y valorar las
características a ellos expuestas. Entre las técnicas utilizadas durante la fase práctica de la
investigación se encuentran: la observación directa; consulta a especialistas relacionados con

2
el desarrollo y gestión de destinos turísticos, la balneoterapia y la recreación y otro servicios;
así como, el análisis de la matriz DAFO y un inventario de los recursos turísticos.

Existen numerosos y diversos procedimientos y propuestas metodológicas para evaluar el


potencial turístico-recreativo de un lugar (Álvarez, 1987; Vera, et al:, 2011) que incluyen el
inventario y evaluación de los distintos atractivos y recursos turísticos (Leno, 1993; Y
Schulte, 2003). Estos procedimientos cualitativos (Gonzales & Cardozo, 2012 ; Rodriguez
G. et al. 2006) o cuantitativos (Almeida, 2007 ) se diferencian entre otros aspectos por: las
variables seleccionadas, la escala de valoración y los métodos estadístico- matemáticos
utilizados en el procesamiento de la información.

En esta investigación se propuso un procedimiento cualitativo, relativamente sencillo, este


procedimiento evaluativo fue utilizado por primera vez en Cuba, basado en diferentes
conferencias de geógrafos soviéticos (Salinas Er, Mironienko & Iñiguez, 1979) y fue
desarrollado experimentalmente (Salinas Er. 1986). El mismo consiste en elaborar una
matriz que en una de sus columnas aparecen los lugares o sitios a evaluar y en la otra
columna se ubican cinco parámetros o dimensiones críticas a evaluar: función turístico-
recreativa; valoración estética; valores patrimoniales para la conservación; consideraciones
técnico-económicos para su desarrollo y las características higiénico – sanitarias del
territorio estudiado. (Salinas Er. 2013). La evaluación de estas dimensiones críticas se
realizó en un mismo momento y lugar, e individualmente, el hacerlo de esta forma, permite
suponer que se introduce por cada informante clave un mismo grado de subjetividad en sus
valoraciones, y de esta manera permite obtener un resultado final, rápido, con poco personal
y escasos recursos económicos, y aceptable pues cumplimenta o satisface los objetivos
planteados en la investigación.

Los llamados Pueblos Turísticos: Son aquellas comunidades que poseen recursos auténticos
capaces de facilitar el desarrollo de productos turísticos diferentes a lo que comúnmente
brindan otros sitios. (Espinosa, 2012). Es un espacio geográfico con atractivos turísticos
donde está enclavada una comunidad o asentamiento poblacional, reordenado para
introducir y desarrollar un turismo responsable con la conservación del medio ambiente, las
tradiciones, los valores sociales y comunitarios, con una concepción urbanística y estilo

3
arquitectónico integrados al contexto local e histórico, introduciendo tecnologías ecológicas
(Espinosa, 2012). En un pueblo turístico los integrantes de la comunidad deben desempeñar
un papel activo y participativo en todo el proceso, percibiendo, además, una importante
proporción de los beneficios económicos y sociales que genere la actividad. (Cañada, 2017).
En el caso cubano, en los tres pueblos estudiados existe una relación directa entre la
presencia de los manantiales minero-medicinales y el origen, fundación y ubicación de estos
pueblos con la presencia de estas fuentes.

San Diego de los Baños es un pequeño pueblo perteneciente al municipio Los Palacios, en la
Provincia de Pinar del Río, a 120 km de La Habana, la reducida dimensión de su trama
urbana, su escasa población en el 2012 de 3,221 habitantes (ONE, 2015), su crecimiento
demográfico casi estancado y su peculiar ubicación de cercanía y aislamiento, a la vez, de
algunas poblaciones cercanas (Velázquez, 2015; Salinas Er. & Velázquez, 2017) Santa
María del Rosario, fundado en 1773, es un pequeño pueblo ubicado en el municipio del
Cotorro a 20 minutos del centro de la capital -La Habana- utilizando la autopista nacional
que cruza cerca de sus linderos urbanos. Su población de 2506 habitantes en 1981 y 2829 en
2012 (One, 2015). Su iglesia del siglo XVIII, conocida como la Catedral de los Campos de
Cuba, con su gran altar recubierto de finas láminas de oro y decorados sus techos con bellas
pinturas. (Cuba, 2014)

El pueblo de Madruga, fundado en 1803, es la cabecera del municipio del mismo nombre,
situado en la provincia de Mayabeque a 56 km a ESE de la ciudad de La Habana de la que se
une por la autopista nacional. Con una población de 8242 habitantes en 1982, 11572
habitantes en 1992 (One, 2015). Población vinculada a las labores agrícolas y a la industria
azucarera principalmente. El lugar elegido para su fundación estuvo directamente
relacionado con la presencia y uso de manantiales de aguas minero medicinales. (Pino,
2017).

4
Evaluaciones
Recursos
Funcional Higiénico Conservacionista Estética Económica Total

Iglesia 4,9 4,9 4,0 4,6 4,3 22,7

Balneario 3,0 3,1 1,8 2,1 1,1 11,1

Parque-mirador
Loma de la Cruz 3,4 3,6 3,4 2,6 2,2 15,2
Pque José Martí 4,7 4,6 4,0 4,1 3,3 20,7

Presa El Cacao 3,6 2,6 2,8 2,7 2,3 14,0

Total 19,6 18,8 16,0 16,1 13,2 83.7

Tabla 1: Resultados de la evaluación turística en el pueblo de Santa María del Rosario. 2014.
Escala de valores: 5- Muy bien, 4- Bien, 3- Regular, 2- Mal, 1- Muy mal Fuente: Cuba, 2014.

Categorías Índices o parámetros de resiliencia

I. Administraciones de los Construyendo la capacidad comunitaria para el cambio.


gobiernos locales
1.1 Número de instalaciones dedicadas a la educación, interpretación y
conservación ambiental y patrimonial.

1.2 Existencia y desarrollo de programas dirigidos al desarrollo del turismo y la


recreación.
II Conocimientos ambientales Creando nuevos conocimientos sobre el medio ambiente.
de la población y el gobierno
2.1 Participación de los residentes y turistas en
programas de educación ambiental y patrimonial.

2.2 Aplicación por la población local de los


conocimientos tradicionales sobre aprovechamiento y conservación de la naturaleza.

III Prosperidad de la comunidad Mejorando las condiciones de vida y empleo en la comunidad.

3.1 Número de personas empleadas en el turismo y la recreación.


3.2 Número de infraestructuras existentes dedicadas al turismo y la recreación.

IV Sistema social Apoyo a la colaboración y apoyo social.


participativo-comunitario
4.1 Número de instituciones y organizaciones de masas, religiosas, confraternidad
y otras que apoyan el bienestar de las personas de la Tercera Edad y
discapacitados.

Tabla 2. Indicadores para la valoración del grado de resiliencia de las comunidades y de las administraciones
públicas locales para el rescate y desarrollo de la balneoterapia, el turismo y la recreación. Fuente: Lew 2014;
modificado por Salinas Er. 2017.

5
Pueblos de Interés Turístico 1.1 1.2 2.1 2.2 3.1 3.2 4.1

Santa María del Rosario 4 3 3 4 2 2 2

San Diego de los Baños 5 5 4 4 3 3 3

Madruga 4 2 3 4 2 3 3

Tabla 3. Resultados de la valoración de la resiliencia en los pueblos estudiados.


Escala de valoración: 5 Muy numeroso; 4 Numeroso; 3 Algunos; 2 Muy pocos; 1 No tiene

-Los resultados de la investigación corroboraron que la falta de mantenimiento


sistemático de las instalaciones balneológicas y de su equipamiento desde la segunda
mitad del siglo pasado, motivado por diversas causas. Conllevó al deterioro y posterior
cierre o clausura de la mayoría de las instalaciones destinadas al hospedaje y restauración
existentes en estas localidades.

-Los resultados obtenidos demuestran que en estos pueblos de interés turístico, hay que
influir directamente en las autoridades locales y la población residente para que
participen de forma activa en el cambio de actitud y trabajen en la recuperación de los
balnearios, el turismo y la recreación en la localidad, esto que aparentemente es fácil y
evidente de aceptar, se torna difícil de comprender por los actores participantes.

-La recuperación de los manantiales de aguas minero medicinales, sus instalaciones y


servicios de balneoterapia permitirá la llegada de numerosos visitantes, mayormente
nacionales a estos pueblos.

REFERENCIAS

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receptoras, Tesis de Doctorado Escuela de Comunicación y Artes de la Universidad de
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6
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8
TURISMO E PATRIMÔNIO:

(RE)LEITURAS A PARTIR DA PAISAGEM CULTURAL

Luciana de Castro Neves Costa1


Juliane Conceição Primon Serres2
Resumo

Se o turismo tem na paisagem um de seus principais elementos constituintes, a relação


entre a paisagem patrimonializada a partir da figura da Paisagem Cultural e seu
aproveitamento turístico ainda carece de debate e aprofundamento teórico, de modo a
garantir sua consolidação. Dentro desta perspectiva, o objetivo este trabalho é analisar
como a noção de Paisagem Cultural pode contribuir para estabelecer uma nova proposta de
aproveitamento turístico do patrimônio cultural, ao propor uma abordagem integrada a
outras políticas de planejamento territorial, mais amplas, e ao possibilitar o enquadramento
de manifestações culturais associadas aos usos da paisagem, em um contexto mais próximo
do cotidiano das comunidades que a formam e transformam.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Paisagem Cultural, Patrimônio Cultural, Gestão Integrada,


Cotidiano.

RESUMO EXPANDIDO

Ao assumirmos o turismo como fenômeno baseado em processos de estranhamento, por


meio de deslocamentos em tempos e espaços diferentes do cotidiano (Gastal & Moesch,
2007), a diferença constitui um dos principais fatores de atração que mobilizam tal
deslocamento, tanto físico quanto simbólico. Tal diferença manifesta-se nas formas

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, da Universidade
Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/4278326282520461 E-mail:
lux.castroneves@gmail.com.
2
Doutora em História. Pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e
Patrimônio Cultural, da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/2795821152828459. E-mail: julianeserres@gmail.com.

1
resultantes da apropriação, construção e transformação dos lugares ao longo da história, ou
seja, na paisagem, cuja leitura permite a compreensão de suas múltiplas camadas temporais,
dos vínculos identitários e dos valores simbólicos atribuídos. Por este motivo, a paisagem é
considerada um importante recurso turístico.

No âmbito de sua relação com o patrimônio cultural, a noção de paisagem fora muitas
vezes utilizada para representar uma porção espacial que compreendia bens monumentais,
seja de caráter arquitetônico, seja vinculados à valorização da natureza a partir da ideia da
não interferência humana e elementos de proporções também monumentais. A partir desta
representação, dava-se a compreensão dos lugares e seu aproveitamento turístico, que por
vezes centrava-se em tais elementos principais destacados, ignorando a relação contextual -
e portanto o aproveitamento - do território de modo geral, e das relações estabelecidas com
as populações residentes, vistas como suporte (e não elemento integrante) ao
desenvolvimento do turismo no local.

Recentemente, a noção de paisagem fora adotada a partir de uma nova compreensão,


apresentando como cerne conceitual e de valorização a relação de interação entre seres
humanos e meio ambiente. A partir desta compreensão, a tipologia de Paisagem Cultural
propõe-se a tratar de forma integrada e propõe uma relação dialógica entre patrimônio
natural e cultural, material e imaterial (geralmente tratados de forma segmentada nas
políticas patrimoniais). Este entendimento parece conduzir ainda a um reconhecimento dos
usos da paisagem no enquadramento patrimonial, e, por conseguinte, reconhecimento e
valorização dos sujeitos por trás desta paisagem-patrimônio.

Tal abordagem pode contribuir para estimular uma abordagem mais próxima entre
visitantes e visitados por meio de seu(s) patrimônio(s), e que coaduna-se com um novo
momento do turismo em que se percebe uma preocupação maior com as relações
interpessoais, de experiência e respeito com as culturas locais e o meio ambiente (Gastal &
Moesch, 2007). Dentro desta perspectiva, o objetivo do presente trabalho é analisar como a
noção de Paisagem Cultural pode contribuir para estabelecer uma nova proposta de
aproveitamento turístico do patrimônio cultural, ao propor uma abordagem integrada a

2
outras políticas de planejamento territorial mais amplas, e ao possibilitar o enquadramento
de manifestações culturais associadas aos usos da paisagem, em um contexto mais próximo
do cotidiano das comunidades que a formam e transformam.

Se a paisagem surge inicialmente vinculada à pintura (Cauquelin, 2007), podemos


igualmente afirmar que esta operação retórica de institucionalização do olhar influenciaria
igualmente nossa compreensão sobre o enquadramento da paisagem e seu aproveitamento.
É dentro desta perspectiva que, durante o Romantismo, a paisagem ganharia destaque nas
telas e novas práticas de lazer seriam estabelecidas com o aproveitamento das montanhas,
do litoral, e dos campos, considerados mais por seu valor estético, terapêutico e recreativo,
do que propriamente econômico (Boyer, 2003).

Neste processo de institucionalização do olhar, o mesmo ocorreria com o direcionamento


do olhar do turista (ou gaze) no que se refere à destinos com bens patrimoniais instituídos
por políticas oficiais de preservação. Dado o caráter de sacralidade atribuído aos referentes
culturais enquadrados como patrimônio (Prats, 1998), e sua influência enquanto fator de
atração de visitantes, os bens patrimoniais foram representados (e compreendidos) a partir
do enquadramento da paisagem centrado em bens arquitetônicos monumentais isolados ou
sob a forma de conjuntos, ou, por outro lado, a uma "natureza intocada" e igualmente
monumental.

Considerando-se que a noção de patrimônio é uma construção constante, seus limites


conceituais foram se alterando, apresentando como uma nova tipologia de bem patrimonial
a figura da Paisagem Cultural. Adotada pela Unesco em 1992, a Paisagem Cultural - apesar
de críticas e distorções ainda a sanar - proporcionou maior representatividade à
manifestações culturais de regiões ainda sub representadas na Lista do Patrimônio Mundial,
com a inclusão de sítios de Andorra, Gabão, Nigéria, Papua Nova Guiné, Togo e Vanuatu.
Proporcionou ainda uma nova leitura dos referentes patrimoniais (agora culturais) em
países que apenas figuravam na Lista a partir do seu patrimônio natural, como Islândia,
Madagascar e Nova Zelândia (Costa & Serres, 2014). Ao mesmo tempo, abriu espaço para

3
a consideração dos valores simbólicos da paisagem (antecipando a Convenção para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003).

No Brasil, apesar da noção de paisagem já figurar dentro do contexto patrimonial como


‘conjunto paisagístico’ (vinculada ao patrimônio cultural) ou "paisagem" (vinculada ao
patrimônio natural), a figura de Paisagem Cultural Brasileira seria adotada em 2009. Esta
foi definida como uma "porção peculiar do território nacional, representativa do processo
de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram
marcas ou atribuíram valores" (Brasil, 2009, p. 17). Inerente à esta noção de paisagem e sua
transformação em bem patrimonial estaria a preocupação com a qualidade de vida das
populações e com formas de uso sustentável do solo, e com modos de promover o
desenvolvimento condizente com as características locais.

Apesar da dificuldade de implementação desta chancela no Brasil, alguns estudos em


andamento permitem compreender a leitura que está sendo feita em relação ao patrimônio,
e que apresentam dois elementos importantes tanto em relação à preservação patrimonial
em si, quanto em relação ao seu aproveitamento turístico: a gestão descentralizada, que
dialoga com o planejamento territorial mais amplo e com novas formas de governança do
patrimônio cultural, em uma esfera mais participativa junto às comunidades locais,
premissa também buscada nas políticas de turismo; e a atribuição de valor patrimonial aos
usos daquela paisagem, introduzindo a dimensão do cotidiano no discurso patrimonial,
estabelecendo uma ponte para propiciar uma relação de maior proximidade entre visitantes
e residentes, característica do turismo na atualidade, marcado pela convivência e pela busca
de novos valores (Molina, 2007).

Por utilizar como principal ferramenta de preservação o Pacto de Gestão (Brasil, 2009),
adota-se uma postura de gestão compartilhada da paisagem, com compartilhamento das
responsabilidades em sua preservação, possibilitando a vocalização dos sujeitos
diretamente envolvidos com a paisagem e um protagonismo maior em sua gestão. Trata-se
de uma nova forma de governança do patrimônio cultural, envolvendo articulação
interinstitucional entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil como forma de

4
garantir uma política continuada de preservação da paisagem, e que pode contribuir
diretamente com o turismo ao adotar uma abordagem espacial e contextualizada,
estimulando a cooperação interinstitucional diante da ampla e diversificada cadeia
produtiva do turismo.

Um dos estudos desenvolvidos3 refere-se à Paisagem Cultural da Foz do Rio São Francisco,
que envolve partes dos municípios de Brejo Grande e Pacatuba (Sergipe) e Piaçabuçu
(Alagoas). Trata-se de uma área diversificada, caracterizada por dunas, mangues, áreas
ribeirinhas e atividades vinculadas à pesca, produção de culturas agrícolas que também são
utilizadas no artesanato, como o côco, elementos construtivos aproveitando os materiais
disponíveis na área, como casas de taipa e de palha, além dos saberes vinculados ao rio, à
pesca e à carpintaria naval, tendo ainda como elemento representativo daquela paisagem a
Canoa de Tolda Luzitânia, adaptada ao regime dos ventos daquela região, e que foi
tombada pelo IPHAN (IPHAN; Memória Arquitetura, 2014).

Partindo do pressuposto de que a paisagem é constituída por um sistema de partes


relacionadas, o estudo apresenta uma análise do ambiente interno e externo que afeta aquela
porção territorial considerada (tanto das forças restritivas quanto impulsoras), com
variáveis de análise amplas que envolvem: acesso e sistema de transporte, infraestrutura
urbana e rural, meio ambiente, atividade turística, atividades econômicas, políticas
públicas, aspectos sociais, bens protegidos e/ou de interesse de conservação (IPHAN;
Memória Arquitetura, 2014). No caso do aproveitamento turístico desta área diagnosticado
até então, a ênfase detinha-se no aproveitamento dos aspectos ambientais, com passeios
pelo rio, e carência de uma estrutura consolidada de atendimento a um fluxo maior de
turistas, além do predomínio de empresas externas explorando a prestação de alguns
serviços turísticos.

3
Entre eles: o projeto Roteiros Nacionais da Imigração, envolvendo Testo Alto (Pomerode) e Rio da Luz
(Jaraguá do Sul) (SC); o Vale do Ribeira de Iguapé (SP); e a Foz do Rio São Francisco (SE e AL); entre
outros estudos a partir da chancela de Paisagem Cultural Brasileira. Até o momento, nenhum sítio foi
chancelado a partir da Portaria 127, de 30 de abril de 2009.

5
Ao adotar uma abordagem integrada de paisagem, podem ser compreendidos e trabalhados
novos valores atribuídos aos elementos que a constituem, que permitam a diversificação
dos atrativos e a organização e criação de sinergias da própria comunidade para assumir um
papel de maior protagonismo na gestão do turismo naquelas localidades. Além disso, parte-
se de uma preocupação geral na qual o turismo é um dos elementos e que se encontra
vinculado a outros fatores e setores que afetam aquela paisagem, sendo tal preocupação
refletida na análise das variáveis, que compreendem a qualificação da paisagem para
garantir também a qualidade de vida de seus habitantes.

Neste sentido, Yázigi (1999) e Meneses (2002) defendem que a preocupação com a
preservação da paisagem deve ter como foco o próprio residente, antes do turista, em
função das funções que ela desempenha como espaço mediador da vida e de referências
geográficas, psicológicas, históricas e afetivas que se formam a partir da relação dos
sujeitos com as formas da paisagem. A paisagem é do domínio do cotidiano, de vivência e
convivência das pessoas com as formas que encarnam as experiências diárias e atuam como
centros de significado e símbolos que expressam emoções (Font, 2010).

Ainda no estudo da Foz do Rio São Francisco, no que se refere à metodologia de


caracterização da área, buscou-se não apenas identificar os elementos destacados pelos
entrevistados, mas ainda compreender como os sujeitos relacionavam-se com a paisagem
(envolvendo práticas de lazer, de subsistência, de religiosidade e de trabalho). Trata-se de
um elemento importante, considerando-se que é nos usos que se concentram os significados
mais profundos da paisagem (Meneses, 2002). Usos estes que dão forma à paisagem e que
materializam o contraponto ao cotidiano do visitante, mas que por vezes são invisibilizados
diante da apresentação do patrimônio como produto, estável e fixado no passado, e não
como processo e integrante de uma dinâmica que se mantém no presente apesar de
enraizada no passado.

Nesse sentido, a noção de paisagem cultural pode estimular uma relação de maior
proximidade entre visitantes e visitados, por meio da experiência menos passiva e
detidamente visual (se considerarmos que algumas visitas tratam os bens arquitetônicos ou

6
outros bens tombados como elementos isolados, descontextualizados), para uma
experiência turística mais ativa e multisensorial. Conforme aponta Gastal (2002, p. 127), "a
cultura passará a ser veículo de socialização entre visitantes e visitados, quando ela for um
processo vivo de fazer de um fazer de uma determinada comunidade", e é dentro desta ótica
que deveríamos estimular a relação entre turismo e patrimônio cultural.

Adotar a noção de paisagem como não apenas uma tipologia patrimonial, mas uma
abordagem de compreensão do e ação no território torna-se um convite à utilização mais
ampla, complexa e integrada dos destinos turísticos, diluindo o foco do discurso
patrimonial e das visitações turísticas de bens ou tours isolados e estáveis, e sim
percebendo novas possibilidades a partir da compreensão contextual e processual que a
paisagem possibilita, e da aproximação que estabelece com as comunidades e sua dinâmica
de vida.

Da mesma forma, a ampla e diversificada cadeia produtiva que dá suporte à atividade


turística alinha-se com a abordagem da paisagem cultural, ao compreender o inter-
relacionamento das partes na composição da experiência turística. Por meio da
compreensão dialógica das dimensões naturais, culturais, materiais e imateriais da
paisagem, estimula-se uma compreensão unificada daquela área, estimulando a formação
de arranjos produtivos integrados por micro e pequenos produtores locais na prestação de
serviços turísticos, e trazendo a própria comunidade para um papel de protagonismo ou, ao
menos, maior participação na gestão do turismo em esfera local, e de maior valorização,
elemento que constitui um dos desafios do turismo na atualidade (Molina, 2007). Reflexões
que a implementação da política de Paisagem Cultural, de longo prazo, poderá responder.

REFERÊNCIAS

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http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=1070

7
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& R. C. Cruz. (orgs.). Turismo: espaço, paisagem e cultura (p. 133-155). São Paulo:
Hucitec.

8
BREVE DIÁLOGO SOBRE O PAPEL DOS AGENTES PÚBLICOS DE
TURISMO E PATRIMÔNIO NA REGIÃO HISTÓRICA DA FAZENDA
DE SANTA CRUZ (RJ)

Diogo da Silva Cardoso1

RESUMO

Este resumo faz uma avaliação das iniciativas governamentais e, em uma escala mais
detida, ressalta o protagonismo dos agentes públicos que conduzem as políticas de turismo,
patrimônio e adjacentes. O cenário em pauta traz grandes desafios para o gestor público,
pois se trata de uma área discriminada tanto pelos setores hegemônicos como pela cidade
do Rio de Janeiro que, historicamente, magnetiza para ela boa parte dos investimentos
públicos e privados em turismo, cultura e meio ambiente. Certos de que o engajamento
político é o instrumento para o patrimônio local e regional ser preservado e receber a
devida atenção e investimentos por parte dos agentes de turismo, os agentes públicos
interlocutores desta pesquisa são uma pista para compreender o revival cultural em algumas
áreas da região histórica em tela (Fazenda de Santa Cruz); e as barreiras e entraves
socioestruturais e simbólicos que dificultam a inserção dessas mesmas áreas na cadeia
turística estadual, bem como estabelecer uma política arrojada e contínua de proteção dos
bens patrimoniais.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Políticas Públicas, Patrimônio Cultural, Rio de Janeiro-RJ

RESUMO EXPANDIDO

Este texto é fruto de uma proposta geo-etnográfica para compreender as políticas e os


processos patrimoniais, turísticos e adjacentes na região histórica na qual os agentes
públicos pesquisados se situam: a região da Fazenda de Santa Cruz, que no planejamento

1
Doutor em Geografia. Professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Currículo: http://lattes.cnpq.br/8373939501005087 E-mail: diogo_georeg@yahoo.com.br

1
governamental e no projeto fundiário do Incra/RJ, recebe a alcunha de Fazenda Nacional de
Santa Cruz (FNSC). Para esta pesquisa, a preocupação é com a sua dimensão histórica, isto
é, com a Fazenda de Santa Cruz configurada desde a fase jesuítica (século XVII) até o seu
desmantelamento em meados do século passado (1938). Como recorte metodológico e
temático, foram selecionados gestores públicos vinculados aos órgãos de patrimônio,
turismo, cultura e afins. Como agentes de defesa e fomento do patrimônio cultural local,
essas instituições e sujeitos do staff da burocracia governamental estão engrenados em
redes que extrapolam o Estado. O agente público também se engaja, política e
afetivamente, em outros círculos sociais, e essa é uma das vias cruciais para o pesquisador
compreender a visão de mundo e as atitudes desse profissional em seu ambiente de
trabalho. Uma constatação banal, mas que até hoje é dada pouca atenção a esse fato, pois ao
se abordar setor público, nosso olhar tende a estar contaminado pelos preconceitos e
rotulações comumente direcionados a esses agentes pela sociedade em geral2.

Cultura e turismo são os dois segmentos de atividade que balizam este texto. Em termos
antropológicos, tanto cultura como turismo são compreendidos aqui como algo mais que
instituições ou agentes isolados: são as teias de relações e de significados que configuram o
trade local. A prática hoje convencional de setorizar os meios da vida, faz com que os
profissionais do turismo vejam meios de hospedagem, museus, centros culturais e
educativos, produtoras culturais, equipamentos recreativos, ateliês, lojas de souvernires,
companhias e grupos artísticos entre outros, como entidades estáveis e homogêneas. Tal
sistema classificatório apenas reflete um modo específico de fazer ciência no mundo
contemporâneo onde tudo tende a ser catalogado e sistematizado. Se não se vê a
sistematicidade nas coisas, não é científico. Essa postura positivista e programática nos tira
o olhar sobre as questões mais sensíveis, singelas e afetivas que regem as dinâmicas da vida
social, seja numa comunidade local ou na administração pública.

2
"Burocratas são onerosos", "funcionário público é inerte e ineficiente", "ocupante de cargo comissionado
não tem compromisso com a instituição", "servidor público só se preocupa em preencher formulários" entre
outros. Esse é um problema apontado e analisado por Nascimento e Silva (s/d).

2
Na perspectiva qualitativa desta presente pesquisa, busca-se compreender o papel dos
agentes públicos (servidores de carreira, burocratas, agentes comissionados) nas ações
pontuais ou sistemáticas que visam proteger o legado patrimonial e cultural dos municípios
em destaque. No que diz respeito ao turismo, os processos protagonizados por esses agentes
visam não só criar outra imagem do território e, com isso, fortalecer a identidade cultural
municipal, mas fomentar o trade já existente e estimular novos investimentos para
consolidar o sistema turístico local.

A questão da Fazenda de Santa Cruz ainda é uma incógnita para a maior parte dos agentes
locais, visto que só em tempos recentes esse objeto histórico voltou à tona, e suas
possibilidades de instrumentação para fins culturais e econômicos é um dos temas e ponto
de partida do diálogo com os sujeitos pesquisados.

Entre 2015 e 2016, foram entrevistados 36 agentes públicos de diversos municípios e


órgãos. Dessa lista, a maior parte dos sujeitos ocupam cargos comissionados, mas também
consegui audiência com alguns servidores (funcionários de carreira). Cargos comissionados
são uma realidade predominante nas organizações públicas no Brasil e, com ainda mais
ênfase, naqueles setores criados a partir do excedente econômico e que pela qual são
exigidas uma postura mais dinâmica, intersetorial e, sempre que possível, desburocratize os
processos para dar celeridade à cadeia produtiva e aos investimentos em turismo.

Os primeiros pontos a serem levantados neste estudo sobre os dilemas e possibilidades de


ação dos agentes públicos frente ao cenário (desfavorável) em que atuam, são: qual a
relação dos burocratas e gestores públicos com as organizações sociais que representam e
agem sobre o patrimônio cultural? Em que medida a maior ênfase sobre o patrimônio
imaterial tem resultado num desprezo sobre os bens materiais móveis, levando a uma
política cultural e patrimonial de perfil mais identitário, difuso e popular? Chegar a essas
respostas passa por compreender, em primeiro lugar, a mudança na cosmologia dos agentes
do patrimônio, e, no segundo momento, compreender as pressões comunitária, empresarial,
da burocracia local e de outros stakeholders sobre o modo como o patrimônio (não) deve

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ser inserido nos processos de reabilitação urbana, turistificação do lugar, revitalização da
paisagem e desenvolvimento social.

Assim sendo, a pesquisa pautou-se numa abordagem qualitativa e em um método


etnográfico que, apesar de não aparecer explicitamente neste texto (devido às poucas
páginas), enfatiza a interação do pesquisador-agente com os agentes locais. Não é apenas
uma observação participante, mas uma participação com intensos momentos de observação.
É uma virada metodológica e epistemológica simples, porém crucial para a revitalização do
pensamento antropológico e das abordagens sobre políticas públicas e gestão
governamental.

Traçando uma linha que vai do litoral ao Vale do Paraíba, a Fazenda de Santa Cruz tem um
acervo de bens culturais e naturais que surpreende pela sua resistência ao tempo e aos
processos de ocupação territorial. É certo que muitos bens foram destruídos ou se
encontram em estágio avançado de deterioração. São poucos os bens culturais reconhecidos
pelas autoridades públicas locais ou pelo Inepac e Iphan, as duas instâncias que, a priori,
seriam as principais em registrar o valioso legado cultural da região. O registro "oficial" do
patrimônio tem se limitado a levantamentos (geralmente para fins turísticos ou aleatórios)
realizados por prefeituras, grupos científicos e pesquisadores individuais. O descaso
com o patrimônio atinge em cheio os planos e ações de turismo na região. Mesmo nos
casos em que determinados processos conseguem ser completados, a descontinuidade das
políticas e ações governamentais deixa um vácuo difícil de ser preenchido pelos próximos a
encarar a tarefa. É o caso de Itaguaí com o processo de inventariação turística realizada em
2012 por professores e alunos da FAMA. Os coordenadores Shirley de Macedo e Célio
Souza afirmaram que o trabalho foi bem-sucedido: os atrativos culturais e naturais foram
levantados, identificados e registrados, e o produto final entregue à Prefeitura. Todavia, o
trabalho não teve continuidade, fato esse confirmado pelo Diretor de Turismo, Nelson
Wenglarek.

Em uma reunião (na qual eu estava presente) com o secretário e subsecretário da sua pasta,
Marcelo Godinho e Marcos Rogério Rocha, respectivamente, falou, em tom de desabafo,

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que acompanhou de perto o inventário realizado pela FAMA, mas que agora, sem o
material “perdido em meio ao amontoado de papeis que foram jogados fora pela última
gestão”, não tinha mais em mãos “o arsenal necessário” para formalizar a inclusão de
Itaguaí no sistema do Ministério do Turismo (Invtur e Mapa do Turismo Brasileiro) e captar
recursos junto aos órgãos estaduais e federais. Há de ser feito um novo inventário, algo que
demandará mais tempo e, como de praxe, boa vontade política nesse e nas gestões
posteriores.

O exemplo acima ilustra o modo como o município é frágil diante de problemas que
envolvem (ou deveriam envolver) outros atores políticos e econômicos, particularmente, os
entes federativos superiores (Estado e União). No exemplo acima, vemos como na gestão
pública, a hierarquia federativa tira a autonomia e recursos do município, criando uma
relação de dependência em que os municípios precisam cumprir todos os requisitos
burocráticos e sistêmicos para granjear apoio, capacitação e recursos. Situação semelhante
encontrei durante a pesquisa realizada em Japeri (2015), com a diferença de que a
problemática era na área ambiental.

Na última gestão (2013-2016), Japeri solicitou, por diversos meios, aportes estaduais
federais para as áreas ambiental (APAs Pico da Coragem e Pedra Lisa) e cultural-esportiva,
mas não obteve êxito devido a sua fragilidade e pouca visibilidade política. No período do
campo, a pessoa designada para o assunto foi a Diretora de Turismo, Cristiana Guimarães.
Percebi o seu tom de insatisfação ao falar que um dos pedidos foi barrado logo na primeira
fase, a da análise documental. A justificativa é que um município do porte de Japeri não
teria condições de cumprir as exigências dos órgãos fomentadores (MMA/Ibama). Inclusive
por estar situado na Região Metropolitana, isso por si só é um entrave, pois os referidos
órgãos governamentais priorizam os recursos para áreas não metropolitanas ou em processo
de urbanização/industrialização. A saída, segunda a gestora, foi concentrar esforços para
promover o turismo de aventura e o ecoturismo nas áreas de preservação e nas que (ainda)
não sofreram especulação imobiliária.

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O turismo é um setor nulo ou desenvolvido medianamente em municípios periféricos.
Alguns gestores comentam, em tom de ironia, que no Estado do Rio de Janeiro pode-se
contar nos dedos as cidades que vivem do turismo. Dos atuais destinos indutores do turismo
no Estado fluminense, somente Rio de Janeiro e Angra dos Reis estão próximos da área da
Fazenda de Santa Cruz. Apesar da proximidade com a Costa Verde, tendo Itaguaí como um
dos seus municípios instituintes, a Fazenda de Santa Cruz é mais vista a partir da sua
intersecção com o Vale do Paraíba.

Sendo assim, se há hoje uma vocação turística na região histórica da Fazenda de Santa
Cruz, essa se resume ao roteiro do Vale do Café e às ilhas da Baía de Sepetiba. A despeito
das fazendas do Vale do Café estarem vinculadas à história e memória da Fazenda de Santa
Cruz, sua ligação é desconhecida pelo trade local. Mesmo a Setur e a TurisRio, entidades
ávidas por novos roteiros alternativos para o Estado, até hoje não se manifestou a respeito
do assunto. A razão para tal negligência deve ser a mesma que fora desvelada nas
instituições municipais: o desconhecimento do assunto e do potencial de gerar novos
produtos turísticos e mecanismos de captação e fomento para a preservação do patrimônio
cultural.

O Diretor de Turismo de Itaguaí, Nelson Wenglarek, esclareceu as dificuldades de lidar


com o planejamento e gestão do turismo em um cenário onde, tradicionalmente, o turismo
não está na agenda governamental e não é uma preocupação mesmo para os
estabelecimentos (pousadas, restaurantes, sítios de lazer e entretenimento, áreas agrícolas)
que, potencialmente, integram o campo turístico.

No mesmo diapasão, as gestoras Daniela Félix (Diretora de Patrimônio) e Nádia Alvarez


(Subsecretaria de Cultura), ambas alocadas na SMECE de Seropédica até a última gestão
(Alcir Martinazzo, 2013-2016), comentaram durante um encontro no Centro Cultural
Seropédica (CCS), que o objetivo maior das ações do espaço cultural é “resgatar a
identidade cultural do território, para que Seropédica mantenha a identidade de ‘cidade
campestre’”. Nádia emenda o comentário falando do seu projeto cultural individual que
busca unir história, tradição e natureza para recompor a história agro-rural do município:

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Cheguei a ganhar dois hectares na área da Fazendinha para plantar amora. Temos um projeto
maravilhoso com a fruta amora, chamado “Amora Seropédica”, inclusive com o objetivo de captar
recursos. Até o momento não conseguimos. O máximo que conseguimos foi a realização de mostras na
UFRRJ. Nosso objetivo a longo prazo é trazer para Seropédica a sua autoestima identitária para
encaminhá-la por um desenvolvimento comprometido com a história, a arte, a memória. Hoje, temos
alguns avanços, inclusive aqui no Centro Cultural Seropédica, onde acabamos de confirmar 35
oficinas contemplando todas as linguagens artísticas. O meu conceito é “identidade cultural”!
(ALVAREZ, 2016, comunicação pessoal).

Em outro encontro, Daniela Félix confirma que o turismo seria uma solução plausível para
Seropédica, mas ao perguntar como seria possível fomentar o turismo municipal se não há
reconhecimento dos atrativos e nem uma perspectiva de desenvolvimento de roteiro
interno, ela admite que o problema é mais complexo, teria que haver um roteiro
intermunicipal para que o turismo local fosse viabilizado.

Geograficamente falando, lugares de memória são o núcleo de qualquer sociedade, o fio


tenso que une a sociedade aos bens culturais e naturais circunscritos por aquela ordem
simbólica. Inclusive, eu defendo que a apropriação dos lugares de memória pelos habitantes
e agentes culturais locais é um ponto crucial do desenvolvimento social. Além do mais,
deveria ser compreendido como um indicador de desenvolvimento e de sustentabilidade de
um território. Sendo um indicador territorial de desenvolvimento e sustentabilidade, os
lugares de memória (bens culturais e ecossistemas locais) não se fecham em si mesmo, mas
abrangem múltiplos aspectos da vida (patrimônio, educação, conservação ambiental,
intercâmbio, produções culturais e científicas) indispensáveis para o fortalecimento das
instituições e dos agentes culturais locais, bem como orientar o processo econômico a partir
das vocações locais e da promoção da criatividade para consolidar arranjos produtivos
sustentáveis.

Em vários momentos da pesquisa, a problemática dos lugares de memória da Fazenda de


Santa Cruz emergiu na fala dos agentes pesquisados, o que demonstra o anseio dessas
pessoas que estão à frente de pastas e projetos que, a rigor, não tem peso político e dispõe
de poucos canais para viabilizar suas ações e metas. O que está em questão nesse contexto
não é somente a eficiência da administração pública, mas a preservação e potencialização

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dos lugares de memória (prédios, sítios arqueológicos, museus, manifestações culturais,
documentos históricos) para que a reestruturação econômico-espacial atualmente em curso
não leve à estagnação e destruição dos patrimônios cultural e ambiental.

Os agentes públicos, particularmente os que assumem cargos de gestão, tem um dilema


sério a enfrentar nos territórios da região metropolitana fluminense e mesmo no consagrado
Vale do Café: contornar o pragmatismo político e adotar políticas estratégicas para
dinamizar o setor cultural e o intercâmbio turístico sem comprometer as contas públicas, o
protagonismo de determinados atores sociais (principalmente os agentes culturais e
ambientais locais) e sem descaracterizar os já frágeis bens materiais e intangíveis locais.
Dos parques naturais às ruínas localizadas em lugar de difícil acesso, a investida em prol
desse importante nicho de mercado requer uma ação governamental que envolva todos ou
boa parte dos municípios em pauta, para atacar na veia os problemas que afligem seus bens
patrimoniais e os potenciais agentes econômicos.

Para isso, requer-se uma política regional e intersetorial encabeçada pelo Estado do Rio de
Janeiro, a exemplo do processo que levou à criação da Câmara Metropolitana de Integração
Governamental3 e suas ações contínuas de produção de informação, conhecimentos e
entusiasmo social.

REFERÊNCIAS

Cardoso, D. da S. (2015). Arquipélago sociomuseológico regional: notas sobre a


emergência de um circuito de cultura e memória na periferia carioca (RJ). Programa
de Pós-Graduação em Geografia (Tese de Doutorado). Rio de Janeiro. UFRJ,.
Disponível em:<http://objdig.ufrj.br/16/teses/825833.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2016.

3
Para mais detalhes, ver: http://www.camarametropolitana.rj.gov.br/

8
Nascimento, S.F. do; Silva, C.G. da C. Eficiência na Administração Pública: a motivação
do servidor como difícil desafio para a administração. Biblioteca do MPT/RN. s/d.
Disponível em:<https://goo.gl/WV3Pe7>. Acesso em: 12 abr. 2012.

Nora, P. (1993) Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10,
7-28.

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