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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TURISMO E HOSPITALIDADE

ANAIS DO 10º ENCONTRO SEMINTUR JR.


Nas redes e tramas do Turismo
ISSN: 1806-0447

Caxias do Sul
2019
FICHA TÉCNICA DO EVENTO

COORDENAÇÃO GERAL DOCENTE


Susana de Araújo Gastal

COORDENAÇÃO GERAL DISCENTE


Jennifer Bauer Eme

COMISSÃO CIENTÍFICA
Felipe Zaltron de Sá
Rosalina Luiza Cassol Schvarstzhaupt
Samara Camilotto

COMISSÃO DE ALIMENTAÇÃO
André Luiz Machado dos Santos
Paloma Garcia Amorim
Vanessa Pacheco de Andrade

COMISSÃO DE COMUNICAÇÃO
Jasmine Pereira Vieira
Morgana Pizzi Moraes

COMISSÃO DE HOSPITALIDADE
Felipe João Gremelmaier
Jóice dos Santos Bernardo
José Almeida dos Santos

COMISSÃO DE LOGÍSTICA
Fabrício Fontana Michelon
Gustavo Luis Toigo
Vanessa Cristina Kukul

COMISSÃO DE SECRETARIA
Franciele Berti
Newton Fernandes de Ávila
Rodrigo José dos Santos
SUMÁRIO

A imagem do Brasil no exterior: atração ou repulsão para os intercambistas?


.................................................................................................................................. 4

A Valorização do Butiá na Culinária do Rio Grande do Sul ................................ 14

Café com Turismo: novos processos de ensino-aprendizagem a partir de


projetos de ensino .................................................................................................. 23

Estudo de possibilidades turísticas: Art Deco em Caxias do Sul – RS ............. 32

Fatores impeditivos à realização da Mobilidade Acadêmica Internacional em um


Curso de Bacharelado em Turismo: O caso da Universidade de Caxias do Sul
.................................................................................................................................. 41

Intercâmbio de Voluntariado: a percepção de intercambistas brasileiros em


relação às suas viagens ......................................................................................... 51

Interferências do Turismo em Ouro Preto/MG: Uma reflexão sobre o Turismo de


Massa ....................................................................................................................... 62

Localidades turísticas em guia virtual e em avaliações postadas por turistas:


pontos e contrapontos discursivos no horizonte da hospitalidade ................... 72

Migração haitiana em Caxias do Sul ..................................................................... 82

Mulheres que Viajam e Mochileiras: netnografia em grupo feminino de viagens


.................................................................................................................................. 93

O enoturismo no Vale dos Vinhedos: um estudo territorial no entorno da Vinícola


Miolo ........................................................................................................................ 104

O entrelaçamento das perspectivas dos estudantes de turismo: Formação e


carreira do futuro profissional ............................................................................... 113

Projetos Culturais: a potencialidade turística da Fundação Scheffel de Novo


Hamburgo ................................................................................................................ 124

Rota de Compras em Caxias do Sul/RS: Turismo e Gastronomia ..................... 135


Tipologia do turismo, disposição, características e condições para
hospitalidade: o acolhimento do desejo sob o olhar do acolhedor ................... 147

Turismo e o bairro de São Cristóvão: tradições imperiais e cultura popular em


debate ...................................................................................................................... 157

Turismo, Eventos LGBT e Comunicação .............................................................. 170

MODALIDADE AUDIOVISUAL ................................................................................ 180

A Música Manauara no Largo São Sebastião – Um Estudo Sobre o Evento Tacacá


na Bossa ................................................................................................................. 181

Estudo Bibliométrico sobre o Uso de Metodologias de Análise da Imagem nas


Pesquisas em Turismo, Museologia e Patrimônio Cultural (2013-2018)............ 184

FEMME MAISON: Arte, Turismo e os Deslocamentos na Cidade....................... 188


A imagem do Brasil no exterior: atração ou repulsão para os
intercambistas?
Eliana Franciele Buhs1
Karoline Natália Monteiro2
Orientadora: Roslaine Kovalczuk de Oliveira Garcia3
Orientadora: Mary Sandra Guerra Ashton4

Resumo: Com a importância da vivência multicultural na vida dos jovens, o mercado de educação
estrangeira no Brasil vem apresentando crescimento com o recebimento de intercambistas que
optam pela realização dessa experiência. Assim, este estudo tem o objetivo de analisar a imagem
do Brasil no exterior, bem como se a mesma funciona como atração ou repulsão de intercambistas
estrangeiros. Quanto à metodologia, o estudo se caracteriza por uma pesquisa exploratória e
descritiva, com abordagem qualitativa, tendo como procedimentos técnicos a pesquisa bibliográfica
e de campo junto à intercambistas receptivos estrangeiros e organizações relacionadas. A
pesquisa permitiu constatar que a imagem do país percebida pelos intercambistas vem se
transformando, ou seja, está mais positiva e atrativa e, que o intercâmbio é uma ferramenta muito
importante nesse processo.

Palavras-chave: Turismo; Intercâmbio Receptivo; Imagem do Brasil; Atração; Repulsão.

1 INTRODUÇÃO

O produto turístico é caracterizado por uma imagem que se torna fundamental


para definir a escolha do consumidor pelo destino, considerando que ele irá avaliar o
produto a partir de informações adquiridas ao longo do processo de conhecimento,
para então tomar uma decisão com base em seus desejos, necessidades e
possibilidades (BIGNAMI, 2002).
No caso do turismo, que se trata da compra de um bem intangível, a imagem se
torna o principal instrumento para a venda, sendo ainda a base para a decisão de
compra, pois foi a partir dela que surgiram expectativas e sonhos de consumo

1Bacharel em Turismo pela Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Bolsista PAC. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8747881325638273; E-mail: elianafranciele@hotmail.com.
2Bacharel em Turismo pela Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Bolsista PAC. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9628942005796799; E-mail: karolinenmonteiro@outlook.com.
3Mestre em Turismo; Docente no Curso de Turismo da Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8900614596171234; E-mail: rgarcia@feevale.br.
4Doutora em Comunicação Social; Pesquisadora e docente no Curso de Turismo e no PPG Indústria
Criativa da Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7976259576722028;
E-mail: marysga@feevale.br.
4
(ALFONSO, 2006).
O turismo de intercâmbio pode ser visto como uma atividade geradora de
aprendizado pessoal e profissional capaz de agregar valor teórico-prático e contribuir
para novas práxis do saber-fazer, pois pode-se considerar que as viagens de
intercâmbio têm seu foco na busca de conhecimento.
Este estudo se caracteriza como pesquisa exploratória e descritiva, com
abordagem qualitativa. Quanto aos procedimentos metodológicos, serão utilizadas as
pesquisas bibliográficas e pesquisa de campo por meio de aplicação de questionário
(traduzido para o inglês) direcionado para 160 intercambistas estrangeiros que
realizaram intercâmbio no Brasil, ao qual se buscou compreender as motivações na
escolha do Brasil como destino e a influência da imagem do país na sua decisão. A
amostra dos intercambistas foi composta a partir da indicação de Instituições de
Ensino Superior, agências de intercâmbio e organizações que atuam no segmento,
onde se formatou um mailing para a divulgação e participação. Se deu por meio das
redes sociais como facebook e instagram. A aplicação ocorreu no período
compreendido entre 03 de abril de 2019 e 24 de abril de 2019.
Este artigo está estruturado em partes complementares, sendo que inicialmente
trata da relação turismo e intercâmbio, em seguida sobre a imagem do Brasil, e
apresenta a análise da pesquisa de campo, para finalizar com as considerações finais.

2 TURISMO DE INTERCÂMBIO RECEPTIVO NO BRASIL

Para o Ministério do Turismo (BRASIL, 2010) o Turismo de Estudos e


Intercâmbio pode ser entendido como atividades e programas de aprendizagem e
vivências para fins de qualificação, ampliação de conhecimento e de desenvolvimento
pessoal e profissional. O intercâmbio, além de proporcionar o desenvolvimento
individual, também possibilita uma experiência para quem recebe o intercambista,
além de ser uma atividade que fornece retorno para diversas áreas do destino
receptivo (OLIVEIRA; TOMAZZONI, 2013). Além disso, os autores consideram que
apesar do segmento de intercâmbio receptivo apresentar avanços no Brasil, a cadeia
produtiva ainda é muito inferior quando comparada a outros países.
O Ministério do Turismo (BRASIL, 2010) considera que o intercâmbio receptivo
5
no Brasil é de grande importância, principalmente por ser uma solução para os
períodos de baixo fluxo turístico, podendo, inclusive, ser uma estratégia para regiões
que não possuem atrativos turísticos significativos. Contribui ainda para a formação de
mercado, promoção da cultura, da paz e do país no exterior.
Os campos de contribuição do intercâmbio para o destino, conforme o
Ministério do Turismo (BRASIL, 2010), são: econômicos (competitividade e economia
do conhecimento global); políticos (segurança nacional e identidade nacional e
regional); socioculturais (aprimoramento da identidade nacional e cultural); e
educacionais (educação globalizada, educação como instrumento de cooperação entre
países, melhoria da qualidade educacional).
Os intercâmbios são uma atividade em constante expansão sendo que em
2017 o mercado brasileiro de educação estrangeira cresceu 23% e alcançou a marca
inédita de 302 mil estudantes no exterior (BELTA – Brazilian Educational & Language
Travel Association, 2018). Ainda se percebe que os estrangeiros estão redescobrindo
o Brasil como destino para intercâmbio. Em 2014, perto de 96 mil estudantes
estrangeiros escolheram o país para sua experiência internacional. (BRASIL, 2015).

3 A IMAGEM DO BRASIL NO EXTERIOR

O Ministério do Turismo e a EMBRATUR estão entre os responsáveis pelas


políticas públicas de turismo no Brasil. De acordo com Alfonso (2006, p. 32), as
mesmas têm a finalidade de “estabelecer, implantar e administrar as iniciativas do
desenvolvimento do turismo”, incluindo a seleção de imagens a serem divulgadas,
tanto no exterior como dentro do Brasil, visando a geração de fluxos turísticos para o
país.
Bignami (2002) dividiu a atratividade do Brasil em cinco categorias: o lugar do
exótico e do místico, o Brasil do brasileiro, o Brasil paraíso, o lugar do sexo frágil e o
país do carnaval. Para a autora o Brasil é considerado um país de grande diversidade
cultural. Consoante Reis (2006) apresenta uma análise sobre a história da formação
do brasileiro. Inicialmente o povo indígena, habitantes primitivos das terras brasileiras,
que tinham uma língua comum, eram nômades e cultuavam seus antepassados.
Depois outros dois povos entram na história brasileira, o europeu e o africano. O
6
português é o descobridor que começa a trazer a mistura entre etnias e culturas. Em
seguida, o africano (negro) juntou-se ao português neste continente que lhes era
estranho. Ressalta-se que os negros trouxeram as danças e as crenças que se
propagaram entre os brancos. Assim, Debrun (1990), conclui que a identidade
brasileira não é apenas uma.
Em relação a imagem do Brasil como país místico e exótico, esta surge devido
às citações de ritos, celebrações e manifestações religiosas, rituais de candomblé,
cerimônias de possessão. Estes ritos e celebrações remetem para a libertação, criando
a imagem do lugar onde tudo é “inexplicável, mágico, contrastante, rítmico e sensual”
(BIGNAMI, 2002, p.118).
O Brasil do brasileiro – quanto ao caráter do brasileiro, Bignami (2002)
considera que nele explora-se a cordialidade, a musicalidade, a sensualidade e a
alegria de viver, o que faz com que o turista se encante pelo país através do seu povo.
Alfonso (2006) e Oliveira e Martins (2009) ressaltam que a imagem do povo alegre e
hospitaleiro é um grande diferencial do Brasil e também constantemente presente no
material publicitário da EMBRATUR. A receptividade brasileira está relacionada com a
história do povo brasileiro e sua formação multirracial e cultural, que faz com que seja
receptivo às demais culturas.
O Brasil paraíso – esta imagem é devido à divulgação das belas praias, sempre
presentes na publicidade do país, enfatizando as belezas naturais, como as praias do
Nordeste, as Cataratas do Iguaçu e o Pantanal Mato-Grossense (ALFONSO, 2006).
O país do sexo frágil – é onde se encontra o problema em relação à imagem,
quando o Brasil busca atrair turistas por intermédio de imagens de belas mulheres e
com referência ao apelo sexual. Bignami (2002, p. 109) considera que “o Brasil se
vende turisticamente pelas suas belas praias, mulheres e apelo ao exótico de
diferentes modos”.
O país do carnaval – as festas e desfiles de Carnaval e o Cristo Redentor no
Rio de Janeiro serviram de base para a criação da imagem do Brasil em nível mundial.
O carnaval se tornou uma das principais relações com o imaginário, pois é o maior
evento divulgado nas reportagens turísticas. Ser o país do carnaval está relacionado “à
loucura, à ilusão, a um vulcão em erupção, a um louco espetáculo, aos dias mais

7
doidos de todo o ano, ao total frenesi" (BIGNAMI, 2002, p. 118).
Na década de 1990, a EMBRATUR muda de estratégia, ao invés de vender o
país do futebol, carnaval e samba, passou a destacar um país jovem e moderno,
privilegiado pelas suas belezas naturais e aberto para novos investimentos –
ecoturismo, patrimônio histórico e diversidade cultural (ALFONSO, 2006). Assim, foram
introduzidas imagens de cidades tanto históricas como modernas, paisagens naturais,
festas populares, música e dança, ressaltando o patrimônio brasileiro natural e cultural,
e relacionando o país à natureza exuberante e tropical, ao cuidado, proteção e
valorização da diversidade cultural. Porém, Gastal (2005 apud GOMES, 2012) ressalta
o imaginário como construções mais complexas e duradouras, ou seja, um processo
de longo prazo.
Já em relação a infraestrutura e serviços turísticos no Brasil, de acordo com o
Estudo da Demanda Internacional de 2017, as melhores avaliações são para
hospitalidade, alojamento e gastronomia, enquanto que as piores avaliações são para
telefonia, internet, rodovias e preços de serviços em geral (FIPE, 2018).
Vale ressaltar as recomendações de alguns países em relação ao Brasil - Reino
Unido alerta para a segurança, leis locais e temas relacionados à doenças virais
(GOVERNMENT OF THE UNITED KINGDOM, 2019, tradução nossa), quanto aos
riscos relacionados à segurança pública, níveis de criminalidade incluindo roubos e
homicídios, principalmente nas cidades maiores.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Quanto ao perfil dos intercambistas participantes da pesquisa, percebe-se que


a maior parte são estudantes de ensino superior em andamento, do gênero feminino.
A faixa etária com maior participação foi de 18 a 29 anos. Já entre os países de origem
dos pesquisados que se destacaram estão Colômbia (19%), México (16%), Argentina
(9%) e Itália (9%).
Quando questionados se já haviam realizado outro intercâmbio além do
realizado no Brasil, 31% dos participantes afirmaram positivamente. Assim, pode-se
considerar que 70% dos pesquisados que não haviam realizado outro intercâmbio,
escolheram o Brasil como destino de seu primeiro intercâmbio. Entre os principais
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motivos em destaque para a realização de um intercâmbio é a aproximação com outra
cultura (72%) e o desenvolvimento pessoal (60%).
A maior parte dos pesquisados realizou o intercâmbio no Brasil por meio de uma
Instituição de Ensino Superior, apontado por 44% dos pesquisados, enquanto que
30% indicaram ter realizado o intercâmbio através da AIESEC. A cidade/estado de
realização do intercâmbio, 47% indicaram o Rio Grande do Sul, onde foram citadas
cidades como Porto Alegre, Lajeado, Santa Maria e Novo Hamburgo, e 9% indicaram o
estado de São Paulo como local da realização. O programa mais realizado no Brasil foi
o ensino superior com 48%, seguido do trabalho voluntário com 30%.
Quanto às informações que os intercambistas buscaram saber sobre o Brasil,
como destino do intercâmbio, constatou-se que 47% estavam preocupados com a
segurança pública; o transporte urbano, 32%; e a infraestrutura em geral
(aeroportos/rodovias), 32%. Observa-se que 27% dos pesquisados afirmaram não ter
preocupações com nenhuma questão. Embora o Brasil apresente problemas sociais
relacionados principalmente à segurança, percebeu-se que não é um aspecto que
tenha grande interferência na escolha pelo Brasil como destino de intercâmbio pelos
pesquisados.
Ainda nesse sentido, questionou-se aos intercambistas se haviam recebido
alguma recomendação especial da organização do país de origem sobre o Brasil e
71% dos pesquisados informaram não ter recebido nenhuma recomendação, enquanto
que 29% receberam, em sua maioria, relacionadas aos cuidados com segurança,
custos de vida e adaptação à cultura local. Dentre as recomendações apontadas em
comentário livre estão: questões sobre segurança, cuidado ao andar pelas ruas e
cuidado com estranhos e questões sobre choque cultural, e conhecimento sobre a
cultura brasileira, como se adaptar, como se integrar e se relacionar com as pessoas
numa cultura diferente e passar a observar o mundo de uma forma diferente.
No comentário livre, um intercambista francês apontou que recebeu
recomendações em seu país para que tomasse muito cuidado, devido ao Brasil ser
muito perigoso, porém, o intercambista relata que não sentiu esta insegurança.
Observa-se que as percepções podem ser distintas, pois alguns se deparam com
situações de risco, enquanto outros não.

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Constatou-se que a cultura local destaca-se como a primeira opção de
motivação (32%) para a escolha do Brasil como destino turístico e como segunda
principal opção se destacou o idioma português (27%). Para corroborar os resultados,
os intercambistas foram questionados sobre o grau de influência na escolha do Brasil
como destino do intercâmbio a partir de alguns aspectos motivacionais. Os aspectos
que mais influenciaram foram o estudo de idioma português (72%), o povo brasileiro
(hospitalidade) (69%), diversidade cultural (68%), natureza (61%), e atrativos turísticos
(55%).
Por fim, investigou-se qual era a imagem que os intercambistas tinham do Brasil
antes e depois de realizar o intercâmbio.

Gráfico 1 - Imagem Antes Gráfico 2 - Imagem Depois

Fonte: a autora.

Pode-se perceber que, antes do intercâmbio, 31% dos pesquisados tinham a


imagem do País do Carnaval, enquanto que, após o intercâmbio este imaginário
reduziu para 3%, o que também aconteceu com os imaginários de País do Futebol e
País da Mulher Brasileira, que antes representavam a principal imagem para,
respectivamente, 8% e 5% dos pesquisados, enquanto que após, reduziram
respectivamente para 1% e 2%.
Já quanto à imagem que os intercambistas levam do Brasil após a realização do
intercâmbio, é de um País de Povo Hospitaleiro para 41% dos pesquisados e País de
Diversidade Cultural para 36%.
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Diante do exposto, o Brasil é um país complexo. Por um lado, apresenta
problemas relacionados às questões sociais, políticas e econômicas e, por outro,
apresenta uma oferta turística significativa que se destaca pela sua diversidade
cultural e natural. Considera-se que estas podem ser questões relacionadas ao
processo de escolha do destino pelos intercambistas estrangeiros.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização de intercâmbio pode trazer inúmeros benefícios para a vida


pessoal, tais como: desenvolvimento de habilidades, aprendizado de um novo idioma,
autoconhecimento, vivência de uma nova cultura e o rompimento de barreiras culturais.
Além disso, agrega valor na formação profissional, passando a proporcionar destaque
também no mercado de trabalho.
O Brasil, além de estar em constante crescimento como emissor de
intercambistas, também é um país com grande potencial como destino. O intercâmbio
receptivo no Brasil é importante, pois pode ser uma solução para períodos onde não
há grande fluxo turístico e uma estratégia para regiões que não possuem atrativos
turísticos significativos, além das variadas contribuições econômicas, políticas,
socioculturais e educacionais. Assim, pode-se considerar que o intercâmbio não é
benéfico apenas para o estudante, mas também contribui para o desenvolvimento do
país receptivo.
Este estudo permitiu constatar que a cultura local se destaca como a primeira
opção de motivação para a escolha do Brasil como destino de intercâmbio e como
segunda principal opção se destacou o idioma português. Quanto ao grau de influência
nessa escolha, a partir de certos aspectos motivacionais, a hospitalidade do povo
brasileiro, a diversidade cultural e da natureza, bem como os atrativos turísticos, foram
apontados como os maiores influenciadores.
Já quanto à imagem do país percebida pelos intercambistas, pode-se observar
que esta vem se transformando de País do Carnaval para País de Povo Hospitaleiro.
Considera-se que o intercâmbio seja uma ferramenta muito importante nesse
processo, pois a imagem que o intercambista leva do país não foi criada em campanha
publicitária, mas sim através de uma experiência vivenciada, na qual adquiriu
11
conhecimentos reais sobre o lugar, tanto sobre aspectos históricos, quanto
linguísticos, entre outros. Por fim, constatou-se que os intercambistas deixaram o país
levando muito apreço pelo tempo que permaneceram, além de demonstrarem que
carregam memórias que serão levadas ao longo da vida, bem como a intenção de
retorno.

REFERÊNCIAS

ALFONSO, L. P. Embratur: formadora de imagens da nação brasileira. 2006.


Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2006. Disponível em:
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/279143. Acesso em: 10 dez.
2018.

BELTA – Brazilian Educational & Language Travel Association, 2018. Disponível em:
http://www.belta.org.br. Acesso em: 7 abr. 2019.

BIGNAMI, R. A imagem do Brasil no Turismo: construção, desafios e vantagem


competitiva. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2002.

BRASIL. Ministério do Turismo. Turismo de estudos e intercâmbio: orientações


básicas. Brasília, DF: Ministério do Turismo, 2010.

BRASIL Governo do Brasil. Brasil entra na rota de estudantes estrangeiros. In:


Governo do Brasil. Brasília, DF, 20 jul. 2015. Disponível em:
http://www.brasil.gov.br/noticias/turismo/2015/07/brasil-revela-potencial-para- turismo-
estudantil-para-estrangeiros. Acesso em: 13 ago. 2018.

DEBRUN, M. A identidade nacional brasileira. Estudos Avançados. São Paulo, 1990.


v. 4, n. 8, p. 39-49, jan-abr. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8542/10093. Acesso em: 7 abr. 2019.

FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Estudo da Demanda Turística


Internacional Brasil. Ministério do Turismo. Brasília, DF: FIPE, 2017. Disponível em:
http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/images/Demanda_Turstica_Internacional_Slid
es_2017.pdf. Acesso em: 3 abr. 2019.

GOMES, M. S. A imagem do Brasil no exterior e o Turismo: A Operacionalização do


Plano Aquarela em Portugal. Revista Rosa dos Ventos - Turismo e Hospitalidade,
Caxias do Sul, 2012. v. 4, n. 4, p. 506-521, out./dez. 2012.

GOVERNMENT OF THE UNITED KINGDOM. Foreign Travel Advice: Brazil.


[London]: GOV.UK, Reino Unido, 2019. Disponível em: https://www.gov.uk/foreign-
travel-advice/brazil/print. Acesso em: 14 maio 2019.
12
OLIVEIRA, C. T. F; MARTINS, P. E. M. A Hospitalidade e Cordialidade Brasileira: o
Brasil percebido por estrangeiros. Revista Turismo em Análise, São Paulo, 2009. v.
20, n. 2, ago. 2009.

OLIVEIRA, C. C; TOMAZZONI, E. L. Turismo de Intercâmbio: perfis dos


intercambistas, motivações e contribuições da experiência internacional. Revista
Turismo - Visão e Ação, Balneário Camboriú, 2013. v. 15, n. 3, p. 388-408, set./dez.
2013.

REIS, J. C. As identidades do Brasil: de Varnhagem a FHC. 8. ed. Rio de Janeiro:


Fundação Getúlio Vargas, 2006.

13
A valorização do butiá na culinária do Rio Grande do Sul
Ana Paula Ferreira da Rosa1
Orientadora: Carmelita Jardim2

Resumo: O butiá é uma fruta obtida através de palmeiras da família Arecaceae, sendo muito
comum sua ocorrência na América do Sul onde é possível encontrar mais de 20 espécies
diferentes da planta (BARBIERI, 2014). Nesta pesquisa, a espécie escolhida para estudo foi a
odorata devido a sua distribuição ser em maior volume no estado do Rio Grande do Sul
(BARBIERI,2014), Estado onde foi realizada a coleta dos dados do presente trabalho. Além disso,
seu uso na culinária ainda é pouco explorado, delimitando-se ao uso na produção de poucos
produtos artesanais e consumo da fruta in natura. Foram escolhidas duas receitas tradicionais para
a realização do presente trabalho: o doce “beijinho” e o ‘’bem-casado”. Nesse contexto, a pesquisa
que está sendo apresentada, buscará reconhecer a importância do butiá como elemento da cultura
gastronômica do Rio Grande do Sul e testar suas características no uso culinário.

Palavras-chave: Butiá; Cultura; Culinária; Gastronomia.

1 INTRODUÇÃO

O butiá é uma fruta obtida através de palmeiras da família Arecaceae, sendo


muito comum sua ocorrência na América do Sul onde é possível encontrar mais de 20
variedades da espécie (BARBIERI, 2014). Nesta pesquisa, a espécie escolhida para
estudo foi a odorata devido a sua distribuição ser em maior volume no estado do Rio
Grande do Sul (BARBIERI, 2014), onde foi realizada a coleta dos dados para o
presente trabalho. Além disso, seu uso na culinária ainda é pouco explorado,
delimitando-se ao uso na produção de poucos produtos artesanais e ser o consumo da
fruta na forma in natura. Nesse contexto, a pesquisa que está sendo apresentada,
buscará reconhecer a importância do butiá como elemento da cultura gastronômica
do Rio Grande do Sul, de seu manejo sustentável, de suas características nutricionais
e de testar suas propriedades no uso culinário.

2 JUSTIFICATIVA

1Acadêmica de Gastronomia na Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes:


http://lattes.cnpq.br/3338594139891796; E-mail: anapaula_ferreira@live.com.
2 Graduada em Gastronomia e em Fisioterapia; Docente na Universidade Federal de Pelotas;
Pelotas/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/6950809152657777; E-mail: profcarmelitajardim@gmail.com.
14
Historicamente, segundo Rossato e Barbieri (2014), a polpa e a amêndoa
encontradas dentro do endocarpo (caroço) do butiá foram utilizadas como base
alimentar dos povos indígenas que habitavam o estado gaúcho há mais de oito mil
anos. As folhas provenientes das palmeiras desse insumo formavam a cobertura de
suas cabanas e também eram utilizadas na produção de cestas e redes. Outro fator de
relevância foi o uso excessivo da fibra da palmeira do butiá na indústria de colchões na
década de 60 que, infelizmente, contribuiu para entrada no bioma Butiazal, local com
grande concentração de palmeiras produtoras de butiá, em extinção (AZAMBUJA,
1978; RIVAS & BARILANI, 2004; RIVAS, 2005; ROSSATO, 2007; ROSSATO &
BARBIERI, 2007). Nesse contexto, deve-se buscar a valorização e manejo sustentável
dos recursos naturais provenientes da referida planta. Com relação ao ponto de vista
social e econômico, o uso do butiá na produção de alimentos ainda é tímido. A
produção de licor à base da fruta, geleias, sucos e seu consumo in natura são
praticamente as formas mais utilizadas de consumo, segundo Boto, Barbieri e Heinden
(2009).
Nesse viés, têm-se uma importância tanto histórica quanto socioeconômica da
fruta e que deve ser mais explorada e valorizada nesses setores pois define a
identidade de um povo específico.

3 OBJETIVOS

Buscou-se desenvolver preparações à base de butiá com a finalidade de:


• Descobrir novas maneiras de uso culinário utilizando esse insumo;
• Promover a valorização de um produto local em receitas tradicionais;
• Regatar a memória cultural do consumo do fruto.

4 REVISÃO TEÓRICA

De acordo com Barbieri e Rivas (2014), o butiá é uma variedade de palmeiras


da família Arecaceae que ocorre na América do Sul. A espécie odorata encontra-se
somente no Rio Grande do Sul, Brasil, e em certas localidades do leste do Uruguai.

15
Nesse sentido, a espécie odorata foi escolhida para a realização da presente pesquisa
por tratar-se um produto local.
Rossato & Barbieri (2007) relatam que os indígenas já utilizavam as folhas do
butiá para a confecção de cestas, chapéus, bolsas, redes, armadilhas para caça e
pesca, e como cobertura de suas habitações. Ainda utilizavam a amêndoa, encontrada
no interior da fruta, comumente denominada coquinho, como base alimentar. Segundo
Barbieri (2009), seu uso permanece para confecção de artesanato mas também na
culinária, na produção de sucos, licores e consumo in natura. Além disso, os frutos das
palmeiras fazem parte da dieta de animais silvestres frutívoros, como canídeos,
roedores e psitacídeos (GALETTI et al., 2003). No entanto, algumas espécies de butiá
já são consideradas em situação de risco de extinção no Rio Grande do Sul
(ROSSATO, 2007).
A monocultura, a criação extensiva de gado e a especulação imobiliária são
responsáveis por grande parte da redução das populações naturais de butiá
(AZAMBUJA, 1978; RIVAS; BARILANI, 2004; RIVAS, 2005; ROSSATO, 2007;
ROSSATO; BARBIERI, 2007). Nesse contexto, para Câmara Cascudo, “em momentos
rituais ou cerimoniais o alimento é um elemento fixador psicológico no plano emocional
e comer certos pratos é ligar-se ao local ou a quem preparou”. Nessa perspectiva, há
uma perda gradativa no que se refere tanto a questões ambientais quanto sociais, pois
coloca em perigo a singularidade e identidade local.
Atualmente, existe interesse crescente em integrar a proteção da diversidade
biológica, os costumes de sociedades tradicionais e a agricultura tradicional
(PRIMACK; RODRIGUES, 2002). Nessa perspectiva, John Irving e Silvia Ceriani
(2013) sugerem que o Slow Food luta pela defesa dos alimentos tradicionais e
sustentáveis de qualidade dos ingredientes primários, pela conservação de métodos
de cultivo e processamento, e pela preservação da biodiversidade tanto de espécies
cultivadas como silvestres. Esse movimento em questão, serviu de inspiração para a
elaboração deste trabalho visto que é cada vez mais recorrente a procura por proteger
tradições como referenciado anteriormente.
Buttow et al (2009) realizaram uma pesquisa com 35 pessoas de procedência
dos municípios de Pelotas e Santa Vitória do Palmar para analisar o conhecimento da

16
população local sobre o grupo. Todas reconheciam o uso do fruto como licor e
consumo in natura. Os resultados apontaram que seu uso ainda era restrito. Nesse
sentido, o presente trabalho tem como objetivo avançar na exploração dessas práticas
já bastante difundidas.
No caso do butiá, Rivas (2005) sugere a criação de planos de desenvolvimento
e promoção dos produtos derivados do butiazeiro, defendendo que o uso do butiá por
moradores locais deve ser parte de uma estratégia de conservação da biodiversidade.
Uma exploração mais profunda do seu uso culinário poderá proporcionar maior
valorização de um produto local e a criação de uma nova cultura de consumo,
construindo, portanto, um elo entre a agricultura local e o consumidor.
Nessa perspectiva, visando a valorização do fruto, o município de Giruá-RS
sediou a 9ª Festa do Butiá – Edição Internacional, que ocorreu entre os dias 5 a 8 de
março de 2015, e que contou com a exposição de artesanatos, bebidas, comidas
típicas e a realização do 1º Festival “Um Canto de Amor à Giruá” e do 4º concurso
gastronômico “Balaio de Sabores” (BARBIERI; NORONHA; JUNIOR, 2015).
Aditivamente, outra medida para a valorização e preservação desse fruto, é através de
encontros anuais para debate do tema e compartilhamento de experiências. Nesse
contexto, a Embrapa Clima Temperado promoveu, em 2018, o “II Encontro da Rota
dos Butiazais” em Pelotas-RS. Em edição mais recente, o evento conta com uma rede
de colabores como artesãos, acadêmicos e pesquisadores que partilham de suas
afinidades com o desenvolvimento do butiá, busca promover o fruto e ressaltar sua
importância no contexto da cultura local.
Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, há uma demanda
crescente dos brasileiros por alimentos com valor nutricional agregado. Nessa
perspectiva, de acordo com Franco (1999), o butiá apresenta em 100 gramas de polpa
cerca de 11,4 gramas de glicídios, 1,8 gramas de proteína, 1,5 gramas de lipídios, 23
miligramas de cálcio, 24 miligramas de fósforo, 40 miligramas de tiamina e riboflavina,
além de ser boa fonte de vitamina C (33 mg/100g). Nesse viés, relata- se que o fruto
pode ser utilizado desde matéria prima de objetos até a manutenção da saúde de um
indivíduo.

17
Na tese “Da flora medicinal do Rio Grande do Sul”, Manuel Cypriano D'Ávila
(1910) descreveu as plantas medicinais de uso corrente na época para o Estado do
Rio Grande do Sul. Mesmo assim, essas espécies continuam sendo pouco conhecidas
em termos de composição físico-química (MENTZ et al., 1997). Nessa perspectiva,
nota-se um desconhecimento do fruto com potencial nutritivo e é preciso, portanto, a
divulgação da importância tanto social quanto nutricional do butiá odorata. Portanto, é
de suma importância levantar dados de um fruto que forma a singularidade de um
povo a fim de fortalecer sua cultura.
Foram escolhidas duas receitas tradicionais portuguesas para compor este
trabalho, dentre elas o “beijinho” e o “bem casado”. Suas origens vêm a partir de 1824.
Com adversidades passadas pelas ordens religiosas em Portugal, os conventos
começaram a comercializar os doces feitos pelas freiras como forma de minimizar a
crise financeira. Com isso, suas receitas saíram dos mosteiros e começaram a ser
passadas para a população em geral. Com isso, iniciou-se o processo de transmissão
de receitas de geração para geração. Segundo o Museu do Doce da cidade de Porto,
existe um significado das cores da maioria dos doces tradicionais. O amarelo das
gemas simboliza a luz do sol, alegria e riqueza. Posteriormente, também temos a cor
branca, que simboliza a paz, a pureza, o amor de Deus e o equilíbrio espiritual.
O bem casado português descende do alfajor árabe e do macarron francês. Sua
semelhança se dá no fato de um recheio unir duas partes de uma massa. Segundo a
“Imperatriz Doces Finos”, o bem casado tradicional é composto por dois discos de pão
de ló unidos por um recheio de ovos moles e cobertos de foundant. Além disso, é
finalizado com a decoração de confetes prateados. No Brasil, pode-se encontrar
versões que não levam foundant como cobertura e os recheios podem variar conforme
a região. Exemplo disso são as versões recheadas com doce de leite e baba de moça.
Na primeira metade do século XIX, os conventos portugueses foram proibidos de
esmolar dinheiro para seu sustento e então, começaram a ensinar as receitas dos
doces para a população e foram criados doces especiais para acompanhar
festividades do calendário Litúrgico (CONSIGLIERI; ABEL, 1999). Nesse sentido,
muitos religiosos se revoltaram com essa situação, começaram a confeccionar doces
com nomes simbólicos e apelativos como: “beijinho”, “suspiro”, “bem casado” e

18
“casadinho”. Nesse contexto, o bem casado se tornou uma lembrança tradicional dos
casamentos, oferecida a cada convidado quando o mesmo estiver deixando a
festividade. Além disso, acredita-se que toda pessoa que saborear o doce, estará
sendo agraciada da mesma sorte.
Na presente pesquisa, foi reproduzida uma criação de uma sobremesa a partir
das técnicas da doçaria, bem como uma releitura de um doce tradicional de origem
portuguesa.

5 METODOLOGIA

Inicialmente foi feita a coleta de dados de diferentes bibliografias a fim de obter


informações concretas sobre o butiá. Aditivamente, foram analisados artigos, trabalhos
e outros periódicos publicados sobre o assunto com o propósito de agregar dados
nesta pesquisa.
Nesse viés, porções do fruto foram compradas de comerciantes do município de
Pelotas-RS e a outra porção foi adquirida através de doações de uma moradora da
região.
Posteriormente, as receitas foram testadas pela autora deste trabalho no
laboratório de dietética da UFPEL (Universidade Federal de Pelotas) onde também se
fez o uso dos utensílios de cozinha ali existentes.

6 DESCRICÃO DOS PREPAROS

Foram escolhidas três receitas tradicionais para a composição deste trabalho,


dentre elas, o bem-casado recheado com doce de ovos, o doce “beijinho”.
Com a finalidade de elevar o doce mais contemporâneo, a autora deste trabalho
propôs representar o doce em uma forma inovadora que além de utilizar o butiá em
sua preparação, foi escolhida uma forma de apresentação descontruída do formato
tradicional. Incialmente foi feito um pão de ló diferenciado do tradicional pois nessa
versão optou-se por acrescentar cacau 50% para fins de contraste de sabor,
posteriormente foi feito o glace, e o doce de ovos de butiá. Com relação a montagem

19
do prato, os elementos se compõem propositalmente para o comensal poder ter uma
experiência de colheita da fruta. Escolheu-se trazer um ar de natureza e delicadeza
através de seus elementos.
Abaixo está representada uma imagem da preparação tradicional e
posteriormente da releitura:

Figura 1 – Bem casado tradicional Figura 2 – Releitura

Fonte: Imperatriz doces finos Fonte: Da Rosa, Ana

O beijinho é um doce conventual e sua base tradicional leva apenas gemas,


açúcar e coco, envoltos por uma camada de calda de açúcar. Na versão utilizada para
este trabalho, buscou-se tornar acessível para as pessoas comuns em relação a
técnicas, pois a utilização das gemas no preparo original, requer um cuidado especial
e por isso foi feita a partir de leite condensado e creme de leite. A polpa do butiá foi
inserida na massa da preparação, juntamente com o restante dos ingredientes. Após,
foi levada ao fogo até que desgrudasse da panela. Desse modo, foram confeccionados
os beijinhos em pequenas bolinhas e enrolados em coco ralado.
Abaixo, nas figuras 3 e 4, estão as fotos do preparo original e do proposto para
este trabalho.

20
Figura 3 – tradicional Figura 4 – Releitura

Fonte: Dulla

Fonte: Rosa, 2018


REFERÊNCIAS

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farinha de coquinho-azedo (Butia capitata). [S.l.: s.n.], 2017.

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Portugal: Colares Editora, 1999.

D'ÁVILA, Manuel Cypriano. Da flora medicinal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
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Cultura e Turismo, v. 11, n. 2, jun. 2017. Disponível em:
http://periodicos.uesc.br/index.php/cultur/article/view/1071. Acesso em: 07 maio 2018.

GALETTI, M., PIZO, M. A., MORELLATO, P. Fenologia, frutívora e dispersão de


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UFPR, 2003. p.395-422.

ROSSATO, M., BARBIERI, R.L. Estudo etnobotânico de palmeiras do Rio Grande do


Sul. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p.997- 1000, 2007.

21
MENTZ, L.A., LUTZEMBERGER, L.C., SCHENKEL, E.P. Da flora medicinal do Rio
Grande do Sul: Notas sobre a obra de D’Ávila (1910). Caderno de Farmácia, v.
13, n. 1, p. 25-48, 1997.

RIVAS, M., BARILANI, A. Diversidad, potencial productivo y reproductivo de los


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capitata (MART.) BECC Agrociencia, México, v. 9, n.2, p.161-168, 2005.

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Sul. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v.2, n.1, p.997-1000, 2007.

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SIMPÓSIO DE RECURSOS GENÉTICOS PARA A AMÉRICA LATINA E CARIBE,


10°., 2015, Bento Gonçalves - RS. Pesquisa ... [S.l.: s.n.], 2015. 2 p. Disponível em:
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/133298/1/ANAIS-SIMPOSIO- DE-
RECURSOS-GENETICOS275.pdf. Acesso em: 08 jun. 2018.

SIMPÓSIO DE RECURSOS GENÉTICOS PARA A AMÉRICA LATINA E CARIBE,


10°., 2015, Bento Gonçalves - RS. Pesquisa ... [S.l.: s.n.], 2015. 2 p. Disponível em:
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/133002/1/ANAIS-SIMPOSIO- DE-
RECURSOS-GENETICOS165.pdf. Acesso em: 08 jun. 2018.

22
Café com Turismo: novos processos de ensino-
aprendizagem a partir de projetos de ensino

Renata Duarte1
Orientadora: Laura Rudzewicz2
Orientadora: Caroline Ciliane Ceretta3

Resumo: Este artigo trata da busca por novas formas de ensino-aprendizagem no ensino superior em
Turismo, que possam dar conta da multidimensionalidade e interdisciplinaridade do fenômeno para além
da sala de aula. A partir do caso do projeto de ensino Café com Turismo, desenvolvido no Curso de
Bacharelado em Turismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pretende-se refletir de que forma
este formato de evento têm influenciado no processo de ensino-aprendizagem, oportunizando a troca de
experiências entre discentes, egressos, docentes e interessados no tema, na tentativa de aproximar a
universidade e o mundo do trabalho. A pesquisa caracteriza-se pela abordagem qualitativa, do tipo
exploratória-descritiva, e a coleta de dados ocorreu a partir da observação participante, com análise dos
registros de memória do evento. Identificou-se um grande interesse dos participantes pelas temáticas
abordadas, as quais perpassam as diversas áreas e dimensões do Turismo, gerando debates e
intercâmbios de experiências entre os diferentes públicos envolvidos.

Palavras-chave: Turismo; Ensino em Turismo; Projeto de Ensino; Processo de Ensino-Aprendizagem;


Eventos.

1 INTRODUÇÃO

O ensino superior em Turismo no Brasil tem se projetado de maneira


sistemática ao longo dos anos desde o surgimento dos primeiros cursos de graduação
voltados a área na década de 1970. Fundamentado na perspectiva de atender o
mercado turístico, grande parte das pesquisas e propostas curriculares dos
bacharelados na década de 1990, ainda se referiam a tal concepção como paradigma
dominante no Brasil. Mais recentemente, o ensino em Turismo passou a visualizar
novos eixos, os quais buscam atender tanto o campo dos negócios turísticos como o
campo dos negócios não-turísticos (TRIBE, 1997 apud LIMA; REJOWSKI, 2011).

1 Acadêmica de Bacharelado em Turismo na Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes:


http://lattes.cnpq.br/0336867658876430; E-mail: renata.duarte7@outlook.com.
2 Doutora em Geografia; Docente e Coordenadora do Curso de Bacharelado em Turismo da
Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/3839468278134356; E-mail:
laurarud@ufpel.edu.br.
3Doutora em Extensão Rural; Docente no Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal
de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/4388433550209518; E-mail:
carolineceretta@hotmail.com.
23
A partir disso, novas abordagens na formação em Turismo surgem e se
configuram de forma a abranger a multi e interdisciplinaridade do fenômeno turístico,
passando a ser compreendido por outras perspectivas e dimensões. Entretanto, há
também um crescente distanciamento entre a universidade e o mundo do trabalho,
provocando, por vezes, certo esvaziamento nos cursos de graduação. Nesses casos,
os acadêmicos passam a refletir sobre as possibilidades e as dificuldades da atuação
profissional, ou mesmo sobre a continuidade de seus estudos na pós-graduação,
impactando nos índices de evasão acadêmica.
Deste modo, a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão passam a
compor um caminho essencial na busca por essas aproximações entre a universidade
e o mundo do trabalho, a teoria e a prática, a graduação e a pós-graduação em
Turismo. Para auxiliar neste processo, surgem os projetos de ensino, que tem como
objetivo contribuir no aprimoramento e na qualificação do processo de ensino-
aprendizagem, possibilitando ampliar e dinamizar os tempos e os espaços de
formação para além da sala de aula. Nesse sentido, Seixas et al (2017) dizem que no
ensino de Turismo pode ser relevante a noção de experiências do mercado,
proporcionando aos alunos uma compreensão mais clara da realidade das empresas e
dos problemas que enfrentam (apud DANIEL et al, 2017). Mas, muito além disso, de
que forma o ensino em Turismo pode ampliar as relações entre a universidade e o
mundo do trabalho?
A proposta do projeto de ensino Café com Turismo pauta-se na realização de
eventos mensais que pretende funcionar como espaço para debates e trocas de
experiências sobre a formação e a atuação profissional em Turismo. Este artigo tem
por objetivo refletir de que modo este formato de evento pode influenciar nos
processos de ensino-aprendizagem em Turismo, a partir da aproximação entre a
universidade e o mundo do trabalho, ao envolver discentes, egressos, docentes e
outros interessados no tema.
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratório-descritiva, de
caráter qualitativo, que fez uso da técnica da observação participante. A partir da
análise dos registros de memória do evento, busca-se atentar aos questionamentos,

24
interações e debates surgidos entre os participantes, durante as quatro primeiras
edições do Café com Turismo, ocorridas entre os meses de maio e agosto de 2019.
Com isso, pretende-se repensar outros processos de ensino-aprendizagem para
além da sala de aula, que sejam capazes de interseccionar a prática com o currículo
acadêmico, levando também ao enfrentamento da evasão na universidade.

2 BREVES NOTAS SOBRE O ENSINO SUPERIOR DO TURISMO NO BRASIL

O ensino em Turismo no Brasil é datado na década de 1970 com o surgimento


do primeiro curso de graduação em 1971, na Universidade Anhembi Morumbi, e,
posteriormente, em 1973 na Universidade de São Paulo. A origem dos cursos de
turismo estava em sintonia com o projeto do regime militar, que considerava o turismo
como um setor capaz de contribuir para o desenvolvimento do país (DENCKER, 2006),
não havendo quaisquer delimitações de áreas a que a graduação estivesse vinculada.
A formação em Turismo teria surgido no momento em que o ensino superior
passava por modificações (MATIAS, 2012), com o propósito de atender a uma
demanda crescente por profissionais no mercado turístico, muito voltado à
padronização dos processos. Entretanto, a oferta dos cursos superiores nessa área
ocorreu lentamente até a década de 1990, momento em que a atividade turística
passou a se desenvolver de maneira mais expressiva. Isso levou à um crescimento
exponencial de novos cursos, especialmente em IES particulares, em decorrência da
Política Nacional de Educação (SILVEIRA; MEDAGLIA; GÂNDARA, 2012), criada ao
fim da década de 1990 e início de 2000.
De acordo com Sogayar e Rejowski (2011), outra razão para o surgimento
crescente dos cursos se deu devido à percepção do Turismo enquanto um mercado
econômico que proporciona retornos financeiros sem a necessidade de altos
investimentos. Isso reflete um entendimento simplista do turismo enquanto um setor
capaz de contribuir com a economia brasileira, a partir da identificação dos potenciais
turísticos de determinadas localidades.
Nesse contexto, Matias (2012, p.4) afirma que:

25
Esse reaquecimento da atividade turística no país reafirma a sua importância
econômico-social como geradora de emprego e renda, o que desperta nas
instituições de ensino o interesse pela implantação de cursos superiores de Turismo,
visando atender as necessidades do setor.

Entretanto, o aumento dos cursos de graduação no Brasil ocasionou um


processo de queda da qualidade no ensino superior e, também, na formação de um
grande número de turismólogos e outros profissionais afins à área sem que houvesse
um mercado de trabalho que atendesse a essa demanda. Isso resultou em uma queda
na procura por cursos superiores de modo geral, resultando em uma acirrada disputa
no mercado de educação, forçando as instituições privadas a uma redução na oferta
de vagas (DENCKER, 2006). Silveira, Medaglia e Gândara (2012) atribuem o
esvaziamento que se deu nos cursos de ensino superior em Turismo à falta de
capacitação, seja por parte do corpo docente, como dos novos profissionais, e à
dificuldade de absorção desses profissionais no mundo do trabalho.
Concomitantemente, o surgimento de novas políticas do governo federal de
expansão de vagas nas universidades públicas a partir de meados dos anos 2000 traz
a ampliação da oferta de cursos de bacharelado em Turismo em universidades
conceituadas (SOGAYAR; REJOWSKI, 2011). A partir disso, evidenciam-se os
problemas existentes na trajetória de construção do ensino superior em Turismo no
Brasil, como o fato de não haver uma delimitação quanto ao formato da graduação,
bem como às áreas às quais se direciona.
Aparece, assim, uma certa dualidade e quase ramificação das linhas com as
quais o Turismo estaria relacionado, conforme destacam Salgado et al (2014):

A natureza social e cultural do fenômeno turístico influencia o sistema


educativo, bem como a crescente exigência de profissionalização dos recursos
humanos, com vista a responder eficazmente ao sistema produtivo.

Um ensino que favoreça a produção de conhecimento (SEIXAS et al, 2017)


talvez possa modificar essas disparidades e promover uma aproximação entre a
universidade e o mundo de trabalho, a produção do conhecimento sobre o fenômeno
sociocultural e a atuação profissional.

26
3 O PROJETO DE ENSINO CAFÉ COM TURISMO

O projeto de ensino Café com Turismo surge no ano de 2019 a partir de uma
demanda dos discentes do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel), por um maior diálogo sobre a formação e a amplitude das
áreas de atuação do turismólogo, permitindo uma aproximação entre discentes,
docentes e o mundo do trabalho. Egressos do curso são convidados para trazer
relatos sobre sua trajetória acadêmico-profissional, e, a partir disso, dá-se início aos
diálogos e trocas de experiências, que culminam em um café comunitário, permitindo
ampliar as interações entre os públicos envolvidos.
O projeto efetiva-se a partir da realização de eventos mensais, em colaboração
com outro projeto de ensino denominado Escritório de Eventos, esse que visa
proporcionar práticas voltadas à organização de eventos aos discentes. Dessa forma,
o Café com Turismo também propicia aos alunos voluntários a oportunidade de
participar dos processos de pré, trans e pós-evento, relacionando teoria e prática
vinculada à disciplina de Gestão de Eventos.
As quatro primeiras edições abordaram temas diferenciados como: turismo e
desenvolvimento rural, meios de hospedagem, agências de viagens e eventos. As
palestras foram ministradas por egressos do curso que se dispuseram a compartilhar
suas experiências como turismólogos, trazendo também reflexões sobre como a
graduação influiu em suas atuais ocupações. Após, abriu-se um tempo para
questionamentos, possibilitando a interação entre egressos, alunos em formação,
docentes e outros participantes.
Na primeira edição, ocorrida no mês de maio, a temática envolveu o turismo
rural, com a presença de uma egressa que atua na Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Rural de Pelotas. Os participantes manifestaram interesse pela
ampliação do turismo nas áreas rurais do município, a partir da exposição da
palestrante quanto à expansão das feiras e festas na colônia de Pelotas, e lançaram
questionamentos quanto às preocupações com a sustentabilidade e os impactos
gerados pelos visitantes no meio rural. Para Sogayar e Rejowski (2011), ainda que o
turismo tenha sido majoritariamente ensinado, vivenciado e debatido a partir de uma

27
concepção de atividade econômica, torna-se fundamental ressaltar suas ações e
impactos no ambiente de forma política, social e ambiental, sem deixar de lado a
importância econômica que as atividades turísticas possuem. Dessa forma, os
participantes demonstram um entendimento das múltiplas dimensões do Turismo, a
partir do debate sobre as relações com o ambiente rural, sendo este apontado como
temática de interesse dos discentes também nas edições seguintes.
Com abordagem referente ao setor hoteleiro, a segunda edição do evento,
ocorrida no mês de junho, contou com duas palestrantes que atuam na recepção de
um hotel em Pelotas. O tema atraiu a atenção dos participantes principalmente por ser
uma das áreas de atuação mais propícias na cidade, devido à dinamização e
expansão do setor nos últimos anos. As convidadas relataram sua percepção de que o
setor hoteleiro reconhece o turista de negócios como seu principal público, devido à
localização estratégica entre Porto Alegre e outros municípios pertencentes à Região
Turística Costa Doce, o que mantém as taxas de ocupação mais expressivas durante
a semana. Em razão disso, perguntas referentes à empregabilidade em meios de
hospedagem se fizeram presentes, e as palestrantes destacaram que há um crescente
reconhecimento do graduado em Turismo no setor hoteleiro local. As estratégias
adotadas pela gerência para lidar com a sazonalidade turística em Pelotas estiveram
em pauta, uma vez que foram apontados como os períodos de maior fluxo na cidade
aqueles relativos aos eventos Feira Nacional do Doce (Fenadoce), Feira do Livro e
Festival Internacional Sesc de Música.
A temática de agências de viagens, presente na terceira edição, ocorrida em
julho de 2019, ainda que envolva uma das principais áreas de atuação para o
turismólogo, despertou grande interesse por parte dos participantes a partir do debate
quanto às diferenças da função profissional de um turismólogo e de um guia de
turismo, sendo ressaltada pelo palestrante a possibilidade de integração de ambas as
formações como um diferencial do profissional. Ao longo da roda de conversa, mais
uma vez a sazonalidade turística foi abordada, neste momento em razão dos destinos
turísticos mais procurados em determinados períodos do ano, evidenciando também a
necessidade de adaptação da oferta frente à crise econômica dos últimos anos,
quando passaram a operar mais os pacotes rodoviários para destinos nacionais e

28
internacionais (principalmente Uruguai e Argentina). Além disso, foi questionado sobre
o perfil da agência de viagem, quando o palestrante relatou o foco maior no tipo
emissivo, pois não recebem muita demanda para o receptivo em Pelotas e região.
Da mesma maneira, as dificuldades encontradas pelos egressos ao se deparar
com o mundo do trabalho após a graduação foi um questionamento recorrente na
segunda e na terceira edição do Café com Turismo. Os acadêmicos se mostraram
preocupados com relação às perspectivas de futuro para além da docência, uma
problemática também evidenciada por Silveira, Medaglia e Gândara (2012) que o
incentivo para consolidação da área de formação não se equilibrou ao longo dos anos
com o incentivo à conformação do mercado para o profissional egresso.
A quarta edição, ocorrida no mês de agosto de 2019, se mostrou como uma
das mais esperadas pelos participantes, de acordo com relatos destes, por envolver a
temática de eventos. Esse segmento que demonstra considerável crescimento e
expansão nos últimos anos, atuando no mercado de festas, reuniões e shows (SILVA,
2019), gerou debates a respeito das maiores dificuldades ao organizar eventos em
pequena e grande escala, as contribuições que a graduação em Turismo tiveram ao
atuar em gestão de eventos e igualmente a grande demanda de eventos existentes na
cidade de Pelotas.
Em todas as quatro primeiras edições foi presente o relato dos egressos a
respeito da importância da participação enquanto discentes nas diferentes atividades
acadêmicas. Eles evidenciaram que a experiência em projetos de pesquisa, ensino e
extensão ao longo da graduação contribuiu significativamente em sua inserção no
mundo do trabalho.
A adesão dos discentes e o interesse demonstrado pelas diferentes temáticas
abordadas até o momento, indicam a relevância da proposta no processo de ensino-
aprendizagem. O Café com Turismo tem possibilitado ao aluno em formação entrar em
contato com algumas das plurais e dinâmicas áreas e formas de atuação do Bacharel
em Turismo na sociedade, bem como compreender as múltiplas dimensões e o caráter
interdisciplinar do fenômeno, a partir da participação em atividades acadêmicas que
transcendem a sala de aula.

29
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do caso do projeto de ensino Café com Turismo, é possível refletir sobre
a importância de estimular diferentes processos de ensino-aprendizagem no ensino do
Turismo, aproximado a teoria e a prática, o mundo do trabalho e a universidade. O
envolvimento não somente de discentes e docentes, mas também de egressos e
outros interessados no tema, tem proporcionado debates e trocas de experiências
significativas sobre a pluralidade e as múltiplas facetas da área do Turismo no âmbito
do Curso de Bacharelado em Turismo da UFPel.
Este estudo limitou-se aos registros de memórias das primeiras edições do
evento, o que se pretende dar continuidade no presente ano. Houveram dificuldades
na busca por outros estudos que abordam diferentes metodologias de ensino em
Turismo, para além das atividades curriculares.
Ressalta-se a necessidade de prosseguir com iniciativas como essas, que
propiciem novos tempos e espaços de diálogo e criação de relações, oferecendo aos
acadêmicos a oportunidade de compreender a diversidade de possibilidades da
atuação em Turismo, bem como entender as problemáticas e os diferentes núcleos de
interesse que se modificam ao longo dos anos.

REFERÊNCIAS

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Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. XXIX Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, Brasília, set. 2006.

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acadêmica de dissertações e teses (2000-2009). Revista Brasileira de Pesquisa em
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MATIAS, M. Turismo: o ensino de graduação no Brasil. Turismo & Sociedade,


Curitiba, v. 5, n. 1, p. 58-81, abr. 2012.

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licenciatura em Turismo. Revista Turismo & Desenvolvimento, São Paulo, n. 21/22,
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SILVA, L. R. A importância da construção do conhecimento teórico para a prática


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SILVEIRA, C. E., MEDAGLIA, J. GÂNDARA, J. M. G. Quatro décadas de Ensino


Superior de Turismo no Brasil: dificuldades na formação e consolidação do mercado
de trabalho e a ascensão de uma área de estudo como efeito colateral. Revista
Turismo - Visão e Ação, Balneário Camboriú, v. 14, n. 1, p. 06–18, jan./abr. 2012.

SOGAYAR, R. L., REJOWSKI, M. Ensino superior em turismo em busca de novos


paradigmas educacionais: problemas, desafio e forças de pressão. Revista Turismo -
Visão e Ação, Balneário Camboriú, v. 13, n. 3, p. 282–298, set./dez. 2011.

31
Estudo de possibilidades turísticas: Art Deco em Caxias do
Sul - RS
Marina de Mello Boschetti1
Thaise Zattera Marchesini2
William da Silva Denis3
Orientador: Pedro de Alcântara Bittencourt César4

Resumo: Reconhece o Art Deco como uma importante manifestação arquitetônica em Caxias do Sul
para o uso turístico. Edificações de destaque na localidade, como a Igreja de São Pelegrino, fazem parte
do movimento e têm seu potencial turístico pouco explorado. Nesta pesquisa realizou-se a identificação
de pontos âncora, categoria que inclui atrações turísticas consolidadas e edificações tombadas
relevantes, que possuem determinado grau de valorização pelo poder público. A partir desses pontos,
foram gerados recortes cartográficos para o reconhecimento de edificações Deco inventariadas. Os
edifícios selecionados foram analisados a partir de parâmetros que avaliam suas condições de
conservação, acesso e possibilidade de visitação, tentando identificar seu potencial turístico. A coleta
dessas informações foi organizada usando mapeamentos, com o objetivo de identificar os melhores
caminhos para a ligação dos edifícios. Com base nesses dados será possível compreender a relação
existente entre os pontos e determinar a viabilidade desse empreendimento.

Palavras-chave: Turismo, Art Deco, Caxias do Sul - RS.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo estudar a possibilidade de elaboração de um


roteiro turístico ancorado nas manifestações arquitetônicas do período Art Deco em
Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. O município possui um rico leque de patrimônio
edificado ainda não explorado de forma conjunta para visitação. Dentro desse destaca-
se a Igreja de São Pelegrino, notória por seus fortes vínculos com a imigração italiana
e pela presença de murais pintados pelo italiano Aldo Locatelli, artista com renome
regional. Além de sua importância cultural para a região como um todo, a Igreja é um
exemplar raro na arquitetura, sendo uma das poucas no estilo Deco.

1Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Caxias do Sul; IC-ACAA Caxias do Sul/RS;


Lattes: http://lattes.cnpq.br/6150043950995831; E-mail: mmboschetti@ucs.br.
2Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Caxias do Sul; Bolsista BIC-CNPq, Caxias
do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8196138053056360; E-mail: tzmarchesini@ucs.br.
3Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Caxias do Sul; Bolsista BIC-UCS; Caxias
do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/4329358380890675; E-mail: wsdenis@ucs.br.
4Doutor em Geografia; Docente na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0900226519393513; E-mail: pabcesar@ucs.br.
32
A pesquisa ora apresentada divide-se em algumas partes. Primeiramente,
questões como turismo cultural, interpretação patrimonial e o Art Deco brasileiro foram
pesquisadas, de forma a criar um repertório de embasamento bibliográfico.
Posteriormente foram realizados levantamentos em campo com o propósito de
reconhecer os objetos de estudo como pontos de interesse turístico de visitação. Por
fim, foram elaborados possíveis roteiros turísticos através do mapeamento da área.
Determinou-se o reconhecimento de aspectos formais e funcionais relevantes
através de parâmetros como localização e visibilidade, a fim de definir seu potencial
hierárquico para o turismo. Espera-se que as informações levantadas gerem dados
suficientes que permitam a avaliação das edificações neste estilo em Caxias do Sul.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta pesquisa, adota-se um caráter inicial exploratório, apresentando-a com a


intenção de compreender as edificações do movimento Art Deco em Caxias do Sul -
RS como possibilidade de roteiro turístico. Realiza-se para tal, um levantamento
cartográfico e bibliográfico de pesquisa acerca das edificações que remetem ao Art
Deco da região, por meio de fontes indiretas e posterior observação direta. Utiliza-se
como critério de seleção sua identificação institucional como arte e nível de proteção
relacionado a preservação do patrimônio cultural, sendo ele tombado ou inventariado
pelos órgãos públicos do município, protegido na forma da legislação pertinente. Na
varredura, busca-se conhecer e analisar as edificações sob os seus aspectos
históricos, estéticos, artísticos, formais e técnicos. Objetiva também compreender o
seu significado atual e ao longo do tempo, conhecer a sua evolução e, principalmente,
os valores pelos quais foi reconhecida como patrimônio cultural. Desta forma
caracteriza-se possibilidades de um roteiro turístico consolidado.
Dessa maneira, considera-se em cada edificação levantada a proximidade de
pontos de interesse turístico. A viabilidade da pesquisa remete a uma análise de suas
possibilidades de inserção em roteiros existentes, além de seu grau de caracterização
aos aspectos originais, sua setorização (equipamento público ou privado),
possibilidades de visualização no meio urbano, equipamentos de acesso e suportes

33
diversos ao visitante, e soma-se a eles o reconhecimento da existência de trabalho de
interpretação patrimonial. Confronta-se estes dados com estudo de possibilidades de
trajeto e elaboração de novos roteiros possíveis, identificando o papel do estilo
arquitetônico como a definição do espaço turístico local, tendo como principal atrativo
o legado cultural da época.
Para atender o objetivo de reconhecer um processo de formação turística e
retratar esta sua formação como roteiro, tem como suporte a um levantamento de
material cartográfico para a definição de um recorte. Desta maneira, identifica-se o
processo de formação do turismo local através de pesquisa que retrata parte do
desenvolvimento histórico de Caxias do Sul e região.
Assim, reforça-se por lógicas memoriais o papel destes marcos arquitetônicos
no contexto geral da região. Destaca-se o seu papel como referência no turismo uma
das principais atrações do município, a Igreja de São Pelegrino, utilizado como ponto
de partida neste trabalho, por conter base consolidada de infraestrutura para turismo,
gerando o entendimento da possibilidade de um roteiro Deco.

3 DISCUSSÃO

3.1 CRITÉRIOS DE ESCOLHA

O Art Deco pode ser associado a crise econômica que aflige a Europa depois
da Primeira Guerra Mundial. A mentalidade do período passa a ver as linhas
requintadas dos estilos anteriores como o Art Nouveau, como frivolidade, passando a
favorecer um estilo tendendo aos volumes geometrizados (GALLAS, 2013). No Brasil,
o Art Deco se manifestou a partir do final da década de 1920, principalmente no Rio de
Janeiro e em São Paulo. As principais características do período são: simetria, com
valorização do acesso e da esquina, tripartição entre base, corpo e coroamento,
predominância de cheios sobre vazios, planos horizontais e verticais fortemente
definidos e sobreposição de volumes geometrizados (CZAJKOWSKI, 2000).
O Art Deco foi amplamente praticado em Caxias do Sul, principalmente no seu
centro consolidado, de forma pontual. Para fins de pesquisa, foram selecionados

34
locais, definidos aqui como pontos âncora, que geram diferentes zonas de
abrangência. São eles dois espaços já consolidados como pontos turísticos na cidade,
ou mesmo em outras áreas. Soma-se os edifícios tombados, que já possuem certa
valorização pelo poder público. No primeiro grupo, aponta-se a Igreja de São Pelegrino
e a Praça Dante Alighieri. Na segunda categoria ingressam a Metalúrgica Eberle, Auto
Palácio, Campus 8 da Universidade de Caxias do Sul e Igreja Matriz de Galópolis. A
partir desses recortes, foram selecionadas 14 outras edificações, todas inventariadas
pela Prefeitura de Caxias do Sul, que fazem parte do período em questão. Determina
assim, por áreas de influência o inventário dos objetos arquitetônicos trabalhados.

Mapa de localização geral

3.2 POSSIBILIDADES DE VISUALIZAÇÃO

Por se tratar de um período histórico amplo na cidade, as edificações Deco


35
comumente estão presentes como ponto nodal (LYNCH, 2011) de referência, de
vivência e de composições marcantes nas formações urbanas da região. Justifica,
desta maneira, grande parte deste acervo está localizado na área central (cidade
primitiva) do município, o que converge a pesquisa para um recorte espacial de análise
de roteiro nesta área.
Entretanto, com o desenvolvimento da área urbana de forma planejada ao longo
do século XX, algumas edificações em virtude do amplo uso do automóvel
(MACHADO, 2001) deixaram de ser visíveis. As vias de fluxo rápido como a Rua
Sinimbu, e Os Dezoito do Forte, criam barreiras visuais e de certa forma impedem a
carga e descarga às edificações.

36
3.3 SETORIZAÇÃO

Ao longo do século XX a cidade reforçou-se como destino receptor de turistas


regional e nacional com a realização da Festa Nacional da Uva (MACHADO, 2001). É
neste período que se destaca a religiosidade como bagagem cultural na região,
popularizando a visitação à igreja de São Pelegrino (MACHADO, 2001). Analisando as
possibilidades de acesso público de edificações de mesmo uso do período Deco,
destacam-se a Igreja Matriz de Galópolis, e a capela do Campus 8, pertencente a
Universidade de Caxias do Sul, que pode ser visitada mediante agendamento.
No segmento industrial, onde também é reconhecida nacionalmente, destaca-
se a Metalúrgica Eberle, onde hoje assume a função de comércio, e configura acesso
público, onde pode-se percorrer por toda a edificação.
Além destas, as demais edificações levantadas na pesquisa ainda mantêm uso
misto (residencial e comercial), enquanto outras permanecem com uso residencial,
impossibilitando a visitação interna dos locais.

37
3.4 ESTADO DE CONSERVAÇÃO

O sucesso do Turismo Cultural com apelo patrimonial necessita de um


reconhecimento do objeto arquitetônico. Nesse têm-se estilo, assim como condições
estéticas como características essenciais para a valorização da edificação. Nota-se
que boa parte das edificações selecionadas ainda possuem suas características
originais. Algumas delas estão descaracterizadas, seja pelas mudanças feitas na
fachada ou pela demolição de ambientes internos e posterior fachadismo. Muitas das
edificações precisam de manutenção, porém ainda estão sendo utilizadas.

3.5 EQUIPAMENTOS DE ACESSO E SUPORTE AO VISITANTE

Faz-se necessário para um roteiro turístico a acessibilidade em variadas


dimensões, seja o princípio básico de deslocamento até facilidade de visitação.
Percebe-se na lista obtida com a varredura que a maioria das edificações são
deficientes no que tange a infraestrutura para turismo.
Entretanto, apesar desta fragilidade, nota-se que as edificações em sua maioria
estão em locais próximos a equipamentos turísticos existentes na cidade, gerando a
potencialidade para adaptações às barreiras atuais e a fomentar a prática turística
local.

3.6 PRESENÇA DE INTERPRETAÇÃO PATRIMONIAL

A interpretação preza a valorização do produto turístico através da comunicação


da mensagem de forma didática e clara, garantindo a compreensão do receptor e seu
lazer (TIELDEN,1967). Foi definida por Tielden como “Uma atividade educacional que
objetiva revelar significados e relações através da utilização de objetos originais, de
experiências de primeira mão e por meio da mídia ilustrativa, ao invés de
simplesmente comunicar informações factuais.” (MURTA; ALBANO, 2002). Ela é feita
por meio da criação de roteiros turísticos, guias e panfletos que levem o visitante a ver
o monumento com novos olhos. Nota-se na pesquisa, que nenhuma das edificações

38
possui um programa de interpretação turística implantado atualmente. A igreja de São
Pelegrino, por exemplo, está aberta para a visitação no ano todo, porém não conta
com guias ou materiais informativos sem uma prévia requisição.

4 PROPOSTA DE TRAJETO

É proposto que o roteiro pelas edificações comece na Praça Dante Alighieri,


pois muitas edificações estão no entorno imediato da praça. Após fazer o trajeto do
entorno da praça, seguir pela Rua Sinimbu até a Igreja São Pelegrino. Concluindo a
região central, há ainda a Igreja Matriz de Galópolis (bairro Galópolis) e a Capela do
Campus 8 (bairro Samuara).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao observar as edificações Art Déco em Caxias do Sul, foi possível perceber


que o estilo teve muita aderência nos anos de 1940, mas sofreu uma posterior
desvalorização associada a falta de manutenção e preservação dos objetos. A criação
de um roteiro turístico temático se justifica pela possibilidade de inserção em um
contexto mais identitário. Assim “Através da interpretação, a compreensão; através da
compreensão, a apreciação, e através da apreciação, a preservação.” (MURTA;

39
ALBANO, 2002).
O objetivo de elaborar um roteiro turístico com a temática Art Déco em Caxias
do Sul ainda não foi completamente alcançado. Se faz necessário um estudo mais
aprofundado sobre cada edificação, além de suas condições e possíveis atrativos
turísticos.

REFERÊNCIAS

CZAJKOWSKI, J. Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:


Casa da Palavra, 2000.

GALLAS, A. O.G. Art Déco: Europa, Estados Unidos, Brasil. São Paulo: Do Autor,
2013.

LYNCH, K. A imagem da cidade. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

MACHADO, M. A. Construindo uma cidade: história de Caxias do Sul – 1875-1950.


Caxias do Sul (RS), Maneco, 2001.

MURTA, S. M.; ALBANO, C. Interpretar o patrimônio: um exercício do olhar. Belo


Horizonte: EdUFMG; Território Brasilis, 2002.

TILDEN, F. Interpreting our heritage. University of North Carolina Press, 1967.

40
Fatores impeditivos à realização da Mobilidade Acadêmica
Internacional em um Curso de Bacharelado em Turismo: O
caso da Universidade de Caxias do Sul
Patricia Carvalheiro Pereira1
Orientador: Michel Bregolin2

Resumo: A busca por experiências internacionais está em constante crescimento na sociedade. Por
essa razão, as Instituições de Ensino Superior fortalecem suas parcerias e cooperações com o exterior
por meio dos processos de internacionalização, visando possibilitar aos seus docentes e discentes a
participação em Programas de Mobilidade Acadêmica Internacional. Contudo, mesmo perante a
existência de uma maior quantidade de convênios de colaboração celebrados, somente uma parcela
restrita dos acadêmicos consegue aproveitar essas oportunidades de aprendizagem intercultural. Diante
disso, o presente estudo tem como objetivo principal caracterizar os fatores impeditivos à realização da
Mobilidade Acadêmica Internacional por alunos do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade
de Caxias do Sul. Para alcançar esse objetivo, foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter
descritivo a partir da qual verificou-se que as restrições financeiras e a falta de domínio do idioma
estrangeiro são os principais fatores impeditivos à realização desse tipo de mobilidade.

Palavras-chave: Internacionalização de IES, Mobilidade Acadêmica Internacional, Fatores Impeditivos,


Bacharelado em Turismo, Universidade de Caxias do Sul.

1 INTRODUÇÃO

O desejo das pessoas de viverem experiências internacionais está cada vez


mais presente na sociedade. Conforme mostra Stallivieri (2009, p. 11) “[...] as
Instituições de Ensino Superior que estão desenvolvendo seus processos de
internacionalização investem fortemente na formação de seus docentes e discentes
pela oferta de programas de capacitação [...] no Exterior”. Com o intuito de estabelecer
parcerias que possibilitem formações interculturais para sua comunidade universitária,
parece que somente a internacionalização de IES não é suficiente para permitir que a
maior parte dos acadêmicos matriculados em cursos de graduação participem de
programas de mobilidade acadêmica internacional.
O presente estudo, do tipo exploratório e de caráter descritivo é estruturado em

1Acadêmica de Bacharelado em Turismo na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:


http://lattes.cnpq.br/3294576132779889; E-mail: pcpereira1@ucs.br.
2Doutor em Administração; Docente no Curso de Bacharelado em Turismo e no Programa de Pós-
Graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9175954108641268; E-mail: mbregolin@ucs.br.
41
cinco etapas que constitui a introdução, o referencial teórico para proporcionar uma
visão acadêmica do tema em foco e a formulação de definições que facilitarão ao leitor
a compreensão do assunto.
Na sequência, apresenta-se a metodologia aplicada na construção da pesquisa,
as análises de resultados e por último as considerações finais do estudo para buscar
responder a seguinte questão de pesquisa: Quais são os fatores impeditivos à
realização da Mobilidade Acadêmica Internacional segundo graduandos de Turismo da
Universidade de Caxias do Sul?

2 ORIGENS DO TURISMO E A MOBILIDADE ACADÊMICA INTERNACIONAL

Uma das primeiras definições científicas de Turismo surgiu em 1911, quando foi
definido como sendo uma atividade “[...] que compreende todos os processos,
especialmente os econômicos, que se manifestam na chegada, na permanência e na
saída do turista de um determinado município, país ou estado” (SCHATTENHOFEN
apud BARRETTO, 2000, p. 9). A proposição dessa definição evidencia o
reconhecimento da importância das viagens pela sociedade, pois ao longo da história
diferentes conquistas tecnológicas e sociais ampliaram a importância do fenômeno.
O estudo da história do Turismo possibilita identificar que em cada uma das
suas fases, diferentes tipologias de viagens e viajantes destacaram-se.
Especificamente em relação ao foco desta pesquisa, envolvendo viagens com
propósito de aprendizagem intercultural, ressalta-se como antecedentes históricos
alguns movimentos anteriores ao Turismo Moderno.
Sobre as viagens com finalidade educacional, Barretto (2000) comenta que no
século XVI houve um período durante o qual viagens para outros países realizadas por
parte de jovens da classe nobre (ricos) junto de seu tutor particular se tornaram mais
frequentes. Essas viagens tinham como objetivo permitir que os jovens tivessem
experiências internacionais que lhes preparassem para exercer suas funções
profissionais e sociais e concedesse uma maior autonomia na volta aos seus locais de
origem.
Assim sendo, durante esse período destacaram-se movimentos como o Grand

42
Tour e o Petit Tour que consistiam em viagens de jovens para Itália e para Paris,
respectivamente (BARRETTO, 2000). A essência dessas viagens era a busca pelo
conhecimento e por novas experiências e culturas, situação que perdura até hoje e que
é reconhecida atualmente com rótulos como Turismo de Intercâmbio e Turismo
Acadêmico.
Uma das definições sobre o Turismo de Intercâmbio é “[...] a realização de uma
viagem ao exterior com o propósito de conhecer os costumes, tradições, tecnologias e
o idioma de um país estrangeiro [...]” (DONÉ; GASTAL, 2012, p. 3). Nessa perspectiva,
a tipologia Turismo de Intercâmbio tem relação com a vivência em outros países,
aperfeiçoamento do idioma e convivência com os costumes locais, sendo normalmente
realizado por meio de agências de viagens especializadas. Já o Turismo Acadêmico é
caracterizado como:

Todas as estâncias de duração inferior a um ano, realizadas nos centros de


educação superior fora do país de residência habitual. O objetivo principal da
estância seria a realização de cursos relacionados com uma carreira
universitária e/ou a assistência a cursos de idiomas organizados por ditos
centros educativos (PAWLOWSKA apud SOARES, 2013, p. 10).

Deste modo, a prática do Turismo Acadêmico está diretamente relacionada às


parcerias internacionais de IES que possibilitam a realização de pesquisas científicas,
parte da graduação, entre outras formas de estudos em outros países.
Para ocorrer a internacionalização das IES efetivam-se parcerias e acordos de
colaboração entre instituições de diferentes países, movimento que teve suas origens
na Idade Média, conforme descreve Stallivieri (2004, p. 15):

O caráter internacional das universidades está presente desde a Idade Média


com a criação das primeiras escolas europeias. A formação dessas escolas,
chamadas de universitas, contava com professores e estudantes de diferentes
regiões e países, apresentando, em sua constituição, comunidades
internacionais, que se reuniam em busca de um objetivo comum: o
conhecimento.

Nessa lógica, desde o princípio esses movimentos tinham o foco no


aprendizado e na troca de experiências interculturais. Além disso, a mesma autora
complementa seu estudo sobre internacionalização abordando o processo de

43
cooperação como um estímulo para o aperfeiçoamento do ensino e da pesquisa e que
possibilitam o desenvolvimento dos países e da qualidade de vida das pessoas
(STALLIVIERI, 2004). Logo, a internacionalização das instituições de ensino superior
contribui para o desenvolvimento das nações e da sociedade possuindo como
fundamento o ensino.

3 INTERNACIONALIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL (UCS)

A internacionalização é um componente estratégico importante da Universidade


de Caxias do Sul (UCS) para cumprir sua missão institucional como instituição
comunitária de ensino superior voltada ao desenvolvimento da Serra Gaúcha no
estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Atualmente, a UCS possui mais de 200 parcerias com universidades em 28
países (ARINT, 2019). Essas parcerias são desenvolvidas pela Assessoria de
Relações Internacionais – ARINT, setor ligado ao gabinete do Reitor em atuação
desde 1996 com a finalidade de gestão e melhor organização das cooperações
internacionais da universidade (STALLIVIERI, 2004).
Para tratar de mobilidade, a ARINT possui o Centro de Mobilidade Acadêmica
Internacional (CMAI) que desenvolve programas de longa1 e curta2 durações (UCS,
2019). Além de dispor de convênios, a UCS também oportuniza diferentes programas
de apoio (bolsas com parceiros nacionais e internacionais, auxílio no planejamento e
orientação aos estudantes) para a realização de um período de mobilidade no exterior.
Apesar de contar com esta importante estrutura, o percentual de alunos da
instituição participando de mobilidade internacional poderia ser fortemente
incrementado, pois se constata que muitas vezes sobram vagas a serem preenchidas
nos editais de mobilidade divulgados. Disso, surge a necessidade de se investigar
melhor quais fatores restringem a maior adesão a essas oportunidades.

1 Programa de Mobilidade Acadêmica Internacional - PMAI (de 180 até 360 dias).
2 Programa UCS - Viagens do Conhecimento (de 10 até 15 dias).
44
4 FATORES IMPEDITIVOS À REALIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
POR ACADÊMICOS

Mesmo com muitos acadêmicos mostrando interesse em realizar experiências


internacionais identifica-se que a maioria não o faz. Dado o caráter inicial da pesquisa e
a limitação temporal para localizar estudos sobre o assunto, decidiu-se por concentrar-
se nas pesquisas de Stallivieri (2009) e Dutra e Maranhão (2017) para identificar
algumas dessas barreiras.
Como Stallivieri (2009) relata, um dos principais fatores que impedem os
acadêmicos na realização do ensino intercultural é a ausência de domínio de outros
idiomas. Nas palavras dela:

Muitos dos estudantes, futuros intercambistas, não apresentam condições


adequadas de preparo para o desempenho acadêmico em instituições
estrangeiras ou brasileiras, exatamente pela falta de conhecimento sobre a
dinâmica da comunicação intercultural, principalmente a falta de proficiência
em línguas estrangeiras (p. 22).

Já Dutra e Maranhão (2017) apresentaram outros fatores que restringem a


mobilidade acadêmica internacional. Dessa forma, se apoiaram nos resultados de
pesquisa que realizaram com 42 acadêmicos de Administração de uma Instituição
Federal de Ensino Superior (Tabela 1).

Tabela 1 - Fatores Impeditivos da mobilidade acadêmica


Motivos pelo qual o aluno nunca fez mobilidade acadêmica
Falta de recursos financeiros 38%
Falta de oportunidade 29%
Trabalho 6%
Não tenho Interesse 6%
Baixo coeficiente 6%
Falta de planejamento 6%
Falta de informação 3%
Falta de coragem 3%
Falta do Inglês 3%
Fonte: (DUTRA; MARANHÃO, 2017, p. 29)

45
Conforme se constata na Tabela 1, os pesquisadores identificaram o fator
financeiro como o principal motivo para os alunos jamais terem feito a mobilidade
acadêmica. Além disso, Dutra e Maranhão (2017) destacaram em seu estudo o baixo
grau de conhecimento dos participantes sobre os Programas de Mobilidade
Acadêmica Internacional oferecidos na instituição. A partir desses resultados, buscou-
se verificar como isso ocorria no Curso de Bacharelado em Turismo da UCS.

5 METODOLOGIA

A pesquisa é caracterizada como exploratória e de caráter descritivo, tendo por


base o uso de referenciais teóricos que abordaram mobilidade acadêmica
internacional e turismo. Conforme Köche (2010, p. 126), “O objetivo fundamental de
uma pesquisa exploratória é o de descrever ou caracterizar a natureza das variáveis
que se quer conhecer”.
Com este intuito, a pesquisa coletou dados junto aos alunos do Curso de
Turismo participantes do evento “Estudando Turismo em...” promovido pela
Coordenação de Curso e Diretório Acadêmico para incentivar a mobilidade acadêmica
internacional. O evento foi realizado no dia 28 de agosto de 2019, às 19 horas e 40
minutos, no auditório do Bloco F do Campus Sede da UCS e teve em sua
programação painéis com depoimentos de alunos e egressos do curso que realizaram
estudos em Portugal, na Espanha, na Itália e no Uruguai por meio de diferentes
programas institucionais. Contou também com a participação de duas alunas
estrangeiras do curso - originárias de Cuba e do Benin – e da Coordenadora da
ARINT, a qual apresentou programas e bolsas de estudos que a universidade possui
para estudos em outros países.
No dia do evento foram abordados 32 dos 51 acadêmicos matriculados neste
semestre no curso (62,7% do total). Foi solicitado a eles que respondessem um
questionário com 8 perguntas sobre o tema. Para isso, considerou-se que o
questionário é uma “[...] técnica que serve para coletar as informações da realidade
[...]” em um estudo empírico (CHAER; DINIZ; RIBEIRO, 2011, p. 10).

46
Os dados obtidos foram então analisados por meio de uma análise
comparativa com os dados de Dutra e Maranhão (2017). Contudo, ressalta-se que o
questionário trabalhou com questões abertas sobre os fatores, sendo as respostas
aglutinadas posteriormente em categorias para comparação com os resultados do
estudo citado.

6 RESULTADOS

Em relação ao gênero registrou-se o predomínio feminino (78%) entre os


participantes. Já sobre o interesse em realizar intercâmbio, 31 dos 32 participantes
(96%) responderem afirmativamente. No que diz respeito ao conhecimento de línguas
estrangeiras, os idiomas mais citados foram o inglês (44%), seguido do espanhol
(40%). Nesses idiomas, o nível de domínio com maiores índices foram o básico (53%),
seguido do intermediário (23%), conforme apresenta a Figura 1:

Figura 1 - Conhecimento e domínio de idiomas

Fonte: Formulário Google Drive (2019).

Com relação às expectativas de aperfeiçoamento de outro idioma no destino,


destaca-se a intenção de estudar inglês (68%) e depois espanhol (15%). Sobre o tipo
de mobilidade ou programa de interesse, os participantes na sua maioria citaram à
Mobilidade Acadêmica (53%) frente aos cursos de idiomas (47%).
De acordo com os dados obtidos (Tabela 2), o principal motivo que impede a
realização da mobilidade acadêmica internacional, apontado pelos alunos, é a falta de

47
recursos financeiros, com 46% das respostas. Além disso, destacam-se também a
falta de tempo com 15%, seguido por falta de domínio do idioma e compromissos com
trabalho e a faculdade com 10% cada.

Tabela 2 – Fatores impeditivos no Curso de Turismo (UCS)


Falta de recursos financeiros 46%
Falta de tempo 15%
Falta do idioma 10%
Trabalho 10%
Compromisso com a faculdade 10%
Falta de planejamento 7%
Falta de interesse 2%
Fonte: Elaboração dos autores (2019).

Ao analisar de forma comparativa os fatores impeditivos à mobilidade


acadêmica mencionados por alunos de Turismo da UCS e aqueles apresentados por
Dutra e Maranhão (2017) foi possível identificar a falta de recursos financeiros como
sendo o principal, sendo ligeiramente maior na UCS (46% e 38%, respectivamente).
No que diz respeito a restrição associada ao idioma, os dados obtidos também
foram maiores na UCS (10% e 3%).
Outros fatores semelhantes identificados foram: compromisso com trabalho,
falta de planejamento e falta de interesse. Já em relação aos resultados diferentes
destacou-se que na pesquisa aplicada na UCS a falta de tempo (15%) e
compromissos com a faculdade (10%). Já na pesquisa de Dutra e Maranhão (2017)
apareceram também falta de oportunidade (29%), baixo coeficiente (6%), falta de
informação (3%) e falta de coragem (3%).
Dessa forma, identificou-se, no caso dos alunos da UCS, que existe
conhecimento das oportunidades para realização de estudos no exterior, mas que é
necessário viabilizar formas de financiamento e meios para que haja maior preparação
deles em idiomas estrangeiros. Também se registrou interesse equivalente para
realizar programas acadêmicos e também voltados ao estudo de idiomas. Já os dados
da pesquisa de Dutra e Maranhão (2017) mostraram que os alunos carecem de

48
oportunidades internacionais e necessitam de conhecimento sobre os programas de
mobilidade acadêmica.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo apresentou informações relevantes sobre os motivos que impedem a


Mobilidade Acadêmica Internacional por acadêmicos de Turismo da UCS. A partir dos
resultados obtidos, constatou-se que quase a integralidade deles gostaria de ter
alguma experiência de mobilidade internacional e que reconhecem a existência de
convênios internacionais e programas institucionais orientados para isso.
Contudo, frente a constatação de que, nos últimos cinco anos, apenas 6
acadêmicos desse curso participaram de Programas de Mobilidade Acadêmica
Internacional (ARINT UCS, 2019) surgiu a necessidade de identificar que fatores
restringiam o aproveitamento desses programas. O presente estudo constatou que a
falta de recursos financeiros e o desconhecimento de idiomas apresentam-se como
principais fatores impeditivos.
Nesse sentido, sugere-se o desenvolvimento de estratégias que atenuem
estes fatores, como por exemplo, a oferta de financiamento orientados para isso, bem
como a disponibilização de condições diferenciadas para estudos de idiomas junto ao
UCS Línguas Estrangeiras.

REFERÊNCIAS

ARINT. Assessoria de Relações Internacionais da Universidade de Caxias do


Sul – UCS. Site Oficial. Disponível em: https://www.ucs.br/site/ucs-internacional/
Acesso em: 11 set. 2019.

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Papirus, 2000.

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50
Intercâmbio de Voluntariado: a percepção de
intercambistas brasileiros em relação às suas viagens
Karoline Natália Monteiro1
Eliana Franciele Buhs2
Orientadora: Roslaine Kovalczuk de Oliveira Garcia3
Orientadora: Mary Sandra Guerra Ashton4

Resumo: O Voluntariado envolve ações que visam a melhoria da vida em comum e trazem benefícios
para os indivíduos que o praticam e para aqueles que o recebem. O Turismo de Intercâmbio e do
Voluntariado surge no mercado de viagens como uma modalidade em que o turista busca praticar
ações de voluntariado no destino visitado. Assim, esse estudo tem por objetivo investigar a percepção
de intercambistas brasileiros em relação às suas viagens de turismo voluntário e se o mesmo pode
ser considerado uma tendência no mercado turístico. Quanto à metodologia, esta pesquisa
caracteriza-se como exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, tendo como procedimentos
técnicos a pesquisa bibliográfica e o estudo de campo com aplicação de questionários junto a um
grupo de intercambistas brasileiros que já realizaram viagens de turismo voluntário. Entre os
resultados se observou que os intercambistas participantes desta pesquisa consideraram muito
importante a realização do voluntariado, em razão do sentimento de realização pessoal, podendo ser
considerado entre as tendências do mercado de intercâmbios.

Palavras-chave: Turismo, Intercâmbio, Voluntariado, Experiência.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com a pesquisa da Belta – Associação Brasileira de


Organizadores de Viagens Educacionais e Culturais, realizada no ano de 2017, o
mercado de intercâmbios movimentou em 2016, aproximadamente 2 bilhões de
dólares e registrou 14% de aumento na procura pelos intercâmbios evidenciando o
crescimento desse mercado (BELTA, 2018). Dentre os programas de intercâmbio
uma modalidade vem ganhando evidência, o trabalho voluntário.

1Bacharel em Turismo na Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Bolsista de pesquisa PAC;


Lattes: http://lattes.cnpq.br/9628942005796799; E-mail: karolinenmonteiro@outlook.com.
2Bacharel em Turismo na Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Bolsista de pesquisa PAC;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8747881325638273; E-mail: elianafranciele@hotmail.com.
3Mestre em Turismo; Docente no Curso de Turismo da Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8900614596171234; E-mail: rgarcia@feevale.br.
4Doutora em Comunicação Social; Pesquisadora e docente no Curso de Turismo e no PPG Indústria
Criativa da Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7976259576722028; E-mail: marysga@feevale.br.
51
Desse modo, o voluntariado envolve ações que visam a melhoria da vida em
comum, pois os programas são relacionados a diferentes áreas, tais como projetos
com crianças e adolescentes, animais, meio ambiente, saúde, empoderamento de
mulheres. Assim, justifica-se uma reflexão nessa temática envolvendo o Turismo de
Intercâmbio e o Voluntariado, pois a união destes dois segmentos pode agregar para
ambos.

2 METODOLOGIA

Quanto à metodologia, esta pesquisa caracteriza-se como exploratória e


descritiva com abordagem qualitativa, tendo como procedimentos técnicos a
pesquisa bibliográfica e o estudo de campo.
A pesquisa de campo consistiu na aplicação de um questionário elaborado
através do formulário Google Docs com questões simples e respostas fechadas e
abertas junto a uma amostra de 50 brasileiros que participaram de programas de
intercâmbio na modalidade de voluntariado. A entrevista visou verificar a percepção
dos intercambistas de voluntariado sobre a prática desta modalidade de turismo. A
aplicação ocorreu no período compreendido entre 17 de dezembro de 2018 e 20 de
março de 2019.
Quanto ao perfil dos intercambistas pesquisados, predominou o gênero
feminino (84%) com faixa etária de 18 a 24 anos de idade (70%). A maioria dos
entrevistados realizou voluntariado na África do Sul (42%) e Egito (24%), e 58%
indicou que o período do intercâmbio foi de 1 a 4 semanas.

3 INTERCÂMBIO DE VOLUNTARIADO

Para Bandeira e Barbedo (2014, p. 2), “voluntariado é um instrumento capaz


de ajudar a mudar o ritmo e o nível de desenvolvimento econômico e social de um
país”. O Turismo Voluntário pode ser definido como as viagens turísticas que aliam a
prestação de serviços voluntários dirigidos às causas sociais com outras motivações

52
turísticas interagindo de forma ativa em uma experiência de vida (NASCIMENTO,
2012).
A importância do voluntariado ganhou maior evidência quando a
Organização das Nações Unidas (ONU) definiu o ano de 2001 como o Ano
Internacional dos Voluntários (AIV). O Relatório sobre o Estado do Voluntariado
Mundial: Valores universais para o bem-estar global (VNU, 2011, p. 10) evidencia
que “essa resolução trouxe muitas recomendações de políticas para os governos,
entidades das Nações Unidas e Organizações não governamentais – ONGs1, sobre
outras maneiras de promover e apoiar o voluntariado”. Portanto, o ano de 2001 pode
ser considerado um ano relevante e de grandes progressos na história do
voluntariado.

Pessoas ao redor do mundo se envolvem no voluntariado por diversos


motivos: para ajudar a eliminar a pobreza e melhorar saúde e educação
básicas, fornecer suprimento adequado de água e saneamento adequado,
combater os problemas ambientais e mudanças climáticas, reduzir os riscos
de desastres, e combater a exclusão social e conflitos violentos (VNU, 2011,
p.8).

No que se refere à relação entre turismo e voluntariado é importante


considerar as mudanças no comportamento dos turistas ao longo das décadas.
Mendes e Sonaglio (2012) apontam que devido ao crescimento do mercado turístico,
surgiram diferentes tipos de clientes com características distintas e inúmeras
necessidades a serem satisfeitas. Panosso Netto e Gaeta (2010, p. 13) expõem que
“as pessoas buscam “algo a mais”, algo que lhes agregue valor perceptível,
proporcionando sensações ímpares”. Os autores ainda dizem que a grande maioria
das pessoas busca algo marcante, que vá além da correria do dia a dia.

O turista contemporâneo reassume, em parte, o papel de viajante, uma vez


que vivenciar a experiência turística torna-se parte do seu desenvolvimento
pessoal e não somente por uma necessidade do anticotidiano e contrária ao

1 Organizações Não Governamentais (ONGs): o conceito de Organização Não Governamental – ONG


foi formulado em 1940, pela Organização das Nações Unidas – ONU, para caracterizar as entidades
da sociedade que atuavam em projetos humanitários ou de interesse público (SCHEID; MAFALDA;
PINHEIRO, 2010, p. 1).
53
trabalho. As motivações de viagens são múltiplas e circunstanciais. Este
turista mantém o papel de consumidor, porém a subjetividade da viagem
não poderá ser negligenciada, uma vez que a curiosidade humana
permanece (BRUMATTI; NÓBREGA; TITO, 2017, p. 431).

Entende-se que o interesse em vivenciar viagens diferenciadas e obter


crescimento pessoal, somado ao aparecimento de diferenciados tipos de segmentos
turísticos, proporciona a formação de uma nova modalidade no setor de viagens,
onde turismo e voluntariado se integram.
Esse modelo de viagem recebe diferentes denominações, tais como
Volunturismo, Turismo Voluntário e Turismo de Voluntariado. Se referem à
combinação consciente, aparentemente integrada, de serviço voluntário a um
destino com os elementos tradicionais de viagem e turismo, como artes, cultura,
geografia, história e recreação (VOLUNTOURISM, 2011, tradução nossa).
O Relatório “10 Tendências para Viagem e Turismo na América Latina em
2018”, elaborado por Artur Luiz Andrade, editor-chefe da PANROTAS1 e Camila
Anauate, líder do Núcleo de Turismo da Edelman2, apresenta tendências como a
realidade virtual avançada, a economia de compartilhamento e outros novos
cenários para o turismo, além disso, indica em segundo lugar como tendência na
América Latina, o “volunturismo”.
Para fins deste estudo, serão abordados alguns dos segmentos turísticos
que podem ser relacionados ao turismo voluntário, sendo estes: turismo de
experiência, turismo de intercâmbio e turismo sustentável.
Em relação ao turismo de experiência, Panosso Netto (2009) menciona que
nem todas as viagens são memoráveis e intensas, uma viagem especial exige
pessoas e condições especiais, para o autor a experiência tem relação com a
emoção e o prazer, e não com o sentimentalismo e a acomodação estéril. O autor

1 Panrotas: Empresa de comunicação, produz informações, conteúdos e serviços para profissionais


do turismo, com notícias sobre a indústria turística e abordagem sobre todos os setores da indústria
de viagens (PANROTAS, [2019?]).
2 Edelman: Agência global de consultoria em relações públicas e marketing. Possui escritórios em

diversos países, incluindo o Brasil (EDELMAN, 2019).


54
ainda explica que as viagens somadas ao trabalho voluntário, podem ser
consideradas turismo de experiência.

Quando falamos de turismo de experiência, estamos nos referindo a um tipo


de turismo que pretende marcar o turista de maneira profunda e positiva,
como as viagens de trabalho voluntário e a prática de esportes radicais
(como salto de paraquedas). Estamos no referindo também à visita de uma
família à terra de seus ancestrais (PANOSSO NETTO, 2010, p. 44).

No que se refere ao turismo de intercâmbio, o Ministério do Turismo


(BRASIL, 2010b) aponta que as viagens de intercâmbio “englobam a realização de
cursos e/ou troca de experiências com finalidade educacional [...] A vivência consiste
na experimentação participativa e apreensão de conhecimentos sobre aspectos
sociais e culturais de um lugar”. Além disso, considera-se turismo de intercâmbio os
programas de ensino superior, cursos de idiomas, estágio profissionalizante ou
trabalho voluntário. (BRASIL, 2010b, p.18).
Costa (2014) cita que uma das formas que torna a modalidade mais
sustentável é atrair pessoas mais conscientes, indivíduos que se preocupam com a
comunidade receptora e o ambiente que irão visitar. Neste aspecto, vale ressaltar o
estudo de segmentação do turismo do Ministério do Turismo (BRASIL, 2010a, p.
152), pois a produção turística deve estar em harmonia com o meio ambiente e as
culturas locais, “para que a região turística seja beneficiária do processo de
desenvolvimento e não apenas espectadora deste processo”.
Uma conexão importante entre turismo e sustentabilidade é estabelecida
com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estipulados pela ONU
(Organização das Nações Unidas ONU, 2015). Em setembro de 2015 na cidade de
Nova York, mais de 150 chefes de estado e de Governo, além de altos
representantes, se reuniram na sede das Nações Unidas para comemoração do
septuagésimo aniversário da ONU. Nesta reunião foram definidos 17 objetivos
globais para o desenvolvimento sustentável, para serem alcançados até o ano de
2030, são eles: 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os
lugares; 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da

55
nutrição e promover a agricultura sustentável; 3. Assegurar uma vida saudável e
promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 4. Assegurar a educação
inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao
longo da vida para todos; 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as
mulheres e meninas; 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e
saneamento para todos; 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a
preço acessível à energia para todos; 8. Promover o crescimento econômico
sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente
para todos; 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização
inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; 10. Reduzir a desigualdade dentro
dos países e entre eles; 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos
inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12. Assegurar padrões de produção e
de consumo sustentáveis; 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança
climática e seus impactos; 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos
mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15. Proteger,
recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma
sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da
terra e deter a perda de biodiversidade; 16. Promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para
todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;
17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável.
De acordo com o Ministério do Turismo (BRASIL, 2018a), “o turismo será um
importante aliado no alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS)”, pois o turismo é visto como setor potencial para o desenvolvimento
sustentável. Para a ONU (2017), a Unesco e o Banco Mundial a cultura e o turismo
são ferramentas para o desenvolvimento sustentável. Desse modo, o turismo de
voluntariado aliado aos objetivos da ONU pode dar conta de ações e práticas
contribuindo para o desenvolvimento.

56
4 INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Os intercambistas participantes desta pesquisa responderam sobre o seu


papel desempenhado como intercambista voluntário junto às comunidades do
destino. Para tanto, podiam escolher entre as seguintes opções: extremamente
importante, muito importante, importante ou pouco importante. Entre os resultados
se obteve que 36% (18 intercambistas) acreditam ser extremamente importante seu
papel como intercambista voluntário junto às comunidades atendidas, 32% (16)
consideram ser muito importante, 28% (14) disseram ser importante, enquanto 4%
(2) responderam ser pouco importante seu papel como voluntário junto às
comunidades. As respostas vão ao encontro com o que aponta Mendes e Sonaglio
(2012, p. 8), “o voluntariado é visto como atividade extremamente importante
para auxiliar na busca pela resolução de problemas sociais”.
Outra questão foi se realizariam novamente um intercâmbio de voluntariado,
e 98% (49) intercambistas respondeu que sim, realizaria novamente um intercâmbio
de voluntariado. Segundo o Relatório “10 Tendências para Viagem e Turismo na
América Latina em 2018” (Panrotas e Edelman, 2018, p. 8) o Volunturismo é
apontado como segundo lugar nas tendências para viagens e turismo, visto que a
geração Millennials – indivíduos nascidos a partir de 1980 – apresentam vontade de
viajar com um propósito que vai além de simplesmente fazer turismo.
Os autores Mendes e Sonaglio (2012) e os especialistas Andrade e Anauate
(2018) em seus estudos apontam que o volunturismo ou turismo voluntário
apresenta-se como um segmento promissor mercado para os próximos anos.
Corroborando com a possibilidade do segmento se apresentar como uma tendência
no mercado, 98% dos intercambistas responderam que realizariam novamente um
intercâmbio nesta modalidade.
Os intercambistas responderam à uma pergunta aberta, na qual poderiam
deixar comentários sobre suas experiências unindo intercâmbio e voluntariado.
Assim, segue alguns dos relatos obtidos:
“Para mim, o intercâmbio voluntário foi uma experiência completamente diferente de qualquer outro
intercâmbio. O fato de conviver com pessoas locais e viver o dia-a-dia local, ao mesmo tempo em que

57
conhecia lugares e uma cultura completamente diferente, foi muito enriquecedor. Acredito que o
intercâmbio de voluntariado foi uma forma de dar propósito para a viagem e gerou uma grande
transformação pessoal”.

“Acredito que o Intercambio de trabalho voluntário seja uma boa forma de realizar algo bom para o
país que você está visitando e ao mesmo tempo conhecer outra cultura e outro idioma, trazendo
benefício para as duas partes”.

“Sou apaixonado por esse tipo de viagem e acredito que tenha um grande impacto social contanto
que o voluntário vá para um projeto confiável e que esteja realmente engajado na causa que vai
participar. Importante é sempre empoderar as comunidades locais para que eles não precisem mais
de você”.

“Unir turismo ao voluntariado torna a viagem para o exterior realmente completa, possibilita te imergir
culturalmente e conhecer profundamente os costumes do país que você está visitando de uma forma
que não aconteceria sem o voluntariado. Além de possibilitar um crescimento pessoal e aprendizado
muito grande. É uma viagem completa”.

“Foi uma experiência maravilhosa, recomendo a todos fazerem isso uma vez na vida”.

“Me fez ser uma pessoa muito melhor! Crescimento espiritual e profissional”.

“O trabalho voluntário com as crianças em comunidades carentes me impactou muito, tanto do ponto
de vista da escassez ao qual eles se encontravam, como o quanto eles foram amorosos e me fizeram
sentir tão importante mesmo com todas as diferenças culturais, já a parte do turismo me permitiu ver
o quanto o mundo é grande, quantas coisas tem para serem exploradas e descobertas, e como isso
muda a minha forma de ver o mundo como um todo, a minha visão sobre a vida, o que eu quero ser e
ter, agora e no futuro, e o que pra mim foi a lição mais importante que eu pude aprender: o quanto a
vida pode ser leve, simples e bela”.

“Foi a melhor experiência da minha vida!”.

“Se eu pudesse eu pagaria para que todos fizessem! Porque não tem tipo melhor de viagem e forma
de viver outro país/cultura”.

“Ótima maneira para conhecer de verdade a cultura de um país deixando, ao mesmo tempo, uma
marca positiva e que fará diferença na vida de muitos”.

“Acredito que descrever a experiência seja algo impossível. Apenas quem viveu aquilo sabe tudo que
aprendeu e sentiu. A única coisa que posso dizer é que voltei outra pessoa, cresci como seu humano,
como filha e como estudante. É transformador”.

“É uma viagem transformadora, além de contribuir de alguma forma com uma causa muito legal, você
conhece uma outra cultura. Mas acredito que a forma como vemos o mundo depois desse tipo de
viagem é a parte que mais vale a pena!”

Em relação aos comentários dos intercambistas sobre suas experiências


unindo turismo e voluntariado, nota-se que os comentários deixados são positivos e
que a experiência na modalidade de intercâmbio de voluntariado foi satisfatória.
Desse modo, pode ser considerado como tendência, pois são 10 milhões de turistas
58
voluntários que viajam anualmente, movimentando US$ 2 bilhões, com previsão de
aumento para 2020, quando estimam que serão 20 milhões (Voluntourism Institute).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da realização desta pesquisa foi possível perceber que o turismo


voluntário pode ser considerado entre as tendências no mercado de intercâmbios. O
crescimento da procura pelo voluntariado pode transformar o turismo em uma
atividade mais humanizada, visando o bem-estar comum, incentivando viagens que
vão além dos atrativos turísticos constantemente visitados e proporcionando
encontros mais próximos entre viajante e comunidade local, bem como, propor
viagens com experiências culturais mais intensas, que irão contribuir para o
desenvolvimento pessoal dos viajantes. Acredita-se ainda, que a atividade de
voluntariado pode ajudar o turismo em questões sustentáveis, tanto socioculturais
como ambientais, funcionando como um meio adequado aos 17 objetivos de
desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU. Assim, diante das
considerações apresentadas e, levando-se em conta a tendência de crescimento do
turismo voluntário e sua importância para o mercado turístico, espera-se instigar
novas pesquisas e aprofundamentos sobre o tema abordado.

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61
Interferências do Turismo em Ouro Preto/MG: Uma reflexão
sobre o Turismo de Massa
Ana Júlia Gueiros1
Luiz Felipe Oliveira2
Rosemárcia Ribeiro dos Santos3
Orientadora: Helena Catão Henriques Ferreira4

Resumo: A massificação de destinos turísticos é assunto frequentemente discutido na academia e


preocupação dos gestores dos destinos devido aos seus efeitos negativos. O presente trabalho tem
como objetivo fazer uma relação dos conteúdos ministrados na disciplina de Turismo e Sociedade do
curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense com a experiência vivenciada pelos autores em
uma visita técnica a Ouro Preto. A metodologia utilizada foi a observação direta, feita durante a visita
técnica que ocorreu em outubro de 2018, na qual os autores visitaram diversos atrativos da cidade.
Para o embasamento teórico, utilizaram-se textos sugeridos na disciplina de Turismo e Sociedade,
relacionados à temática específica. Como resultado, foi compreendido que a cidade de Ouro Preto, que
é considerada como Patrimônio Cultural da Humanidade, desde 1980, tem o turismo como principal
atividade econômica. A cidade vem sofrendo interferências em sua vida social com o turismo de massa
em seus principais atrativos, que provocam dificuldades diversas na vida dos moradores em sua
relação com os espaços da cidade, na manutenção e conservação das obras, monumentos, arquitetura
local em relação à própria experiência turística dos visitantes.

Palavras-chave: Turismo; Turismo de Massa; Experiência turística; Ouro Preto/MG.

1 INTRODUÇÃO

É possível perceber, a cada dia, o quanto a preocupação com as


interferências do turismo nas localidades têm ganhado força no mundo acadêmico.
Tem-se utilizado novos termos na literatura como overturism e turismofobia, que de
acordo com Milano, Novelli e Cheer (2019), são termos que surgiram em
consequência do rápido desenvolvimento de práticas insustentáveis do turismo de

1Acadêmica de Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes:


http://lattes.cnpq.br/6123880100768701; E-mail: anaju142@gmail.com.
2Acadêmico de Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6459189560426353; E-mail: luizl@id.uff.br.
3Acadêmica de Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7019740862865825; E-mail: roribeiro@id.uff.br.
4 Docente no Programa de Pós-Graduação em Turismo e na Graduação em Turismo da Universidade
Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/4337545097127302; E-mail:
lelecatao@gmail.com.
62
massa nas localidades.
Para o turismo, a massificação é um processo geralmente gradual que surge
no mundo a partir da ascensão dos direitos trabalhistas que trouxeram o conceito de
tempo livre/férias a todas as classes sociais, assim como o desenvolvimento do
turismo como um produto mercadológico em que se incentiva o alto consumo por parte
da população (FORTUNA,1995).
Tal massificação traz consigo um lado positivo e também um lado negativo.
Positivo, pois traz uma maior inserção de públicos que historicamente não tinham
acesso a atividade turística então tida como privilégio. E, negativo, por conta de
consequências que envolvem degradação ecológica e patrimonial, a insatisfação
dos moradores locais, entre outros.
Tendo em vista as questões apresentadas, este trabalho se propõe a discorrer
sobre a massificação turística no município de Ouro Preto - MG observada e
experienciada por meio da viagem técnica realizada pelos autores deste texto no ano
de 2018. Como embasamento teórico, utilizou-se textos trabalhados em sala de aula
referentes a disciplina Turismo e Sociedade do curso Turismo da Universidade
Federal Fluminense, que abordam principalmente as temáticas relacionadas com as
interferências do turismo nas localidades e o desenvolvimento sustentável e endógeno
da atividade.
Neste sentido, o assunto tratado visa correlacionar a questão de como é
trabalhado o turismo na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais e quais os principais
efeitos do grande número atual de visitantes no destino, dialogando com as fontes
teóricas estudadas.
A metodologia utilizada foi a observação direta, efetuada durante a visitação
aos atrativos selecionados para a visita técnica, enfocando principalmente o número
de visitantes em cada local e, seu comportamento, bem como o dos guias de turismo,
e as dificuldades encontradas durante a visitação. Foram observados também: a
participação de moradores locais na atividade turística e as percepções do próprio
grupo dos autores deste texto sobre a experiência da visita. Como a viagem foi feita
com toda a turma em grupo, não houve a possibilidade de efetuar entrevistas, o que

63
poderia enriquecer mais ainda o trabalho.

2 CIDADE DE OURO PRETO

Fundada em 24 de junho de 1698, quase dois séculos depois do


“descobrimento do Brasil”, o município de Ouro Preto, localizado no estado de Minas
Gerais, com um território de 1.245,865 km², é importante para a história do Brasil, visto
que grandes acontecimentos referentes a ela tiveram como palco as ruas da cidade.
Ouro Preto está incluída no Circuito do Ouro, entre outras dezessete cidades,
tais como: Mariana, Congonhas, Santa Bárbara e Sabará. A cidade, posteriormente
denominada Imperial Cidade de Ouro Preto por Dom Pedro I, foi capital do estado
de Minas Gerais até 1897, quando a cidade de Curral Del’ Rey (posteriormente, Belo
Horizonte) tomou seu lugar (PREFEITURA DE OURO PRETO, 2018).
Não contrariando o nome, a cidade possui grande riqueza em ouro, e por
muitos anos foi local em que os colonizadores portugueses exploravam essa riqueza,
utilizando na extração do produto a mão de obra de escravos africanos e levando-o
para fora do país. Calcula-se que 800 toneladas de ouro foram conduzidas para
Portugal no século XVIII, sem contar o que foi distribuído de maneira ilegal, e o que
foi utilizado nas obras da cidade, que são inúmeras (PREFEITURA DE OURO
PRETO, 2018).
Por concentrar parte da nossa história e conservar grande parte da arquitetura
e das obras da época, Ouro Preto é reconhecida como Patrimônio Estadual (1933),
Patrimônio Nacional pelo Iphan (1938), e Patrimônio da Humanidade pela Unesco
(1980), orgulhosamente exposto pela Prefeitura de Ouro Preto (2018).
Com base no último censo realizado pelo IBGE em 2010, Ouro Preto apresenta
cerca de 70.281 mil habitantes, com população estimada para quase 74 mil habitantes
no ano de 2018. Em média, 35,1% de sua população possui renda mensal per capita
de até 3.0 salários mínimos (958 reais no ano de 2018) e 98,8% de taxa de
escolarização de crianças entre 6 e 14 anos de idade.
A economia em Ouro Preto gira em torno do turismo, educação, metalurgia e

64
mineração. A partir de uma pesquisa de campo realizada por Machado e Alves (2013),
45% da população já havia tido algum envolvimento com a atividade turística na
cidade.
O turismo, segunda principal atividade econômica da cidade de acordo com a
Setur MG (2018b), é gerido em âmbito municipal pela Secretaria Municipal de Cultura
e Turismo, e em âmbito estadual, pela Secretaria de Estado de Turismo de Minas
Gerais - Setur MG. O município trabalha com o projeto Circuitos Turísticos1, que se
assemelha a ideia de municipalização e regionalização do turismo2, em que são
reunidos municípios que possuem características culturais, sociais e econômicas
parecidas para desenvolverem a atividade turística consolidada nessa determinada
região. O trabalho vem sendo desenvolvido desde 2001, podendo servir de exemplo
para os demais estados brasileiros (SETUR-MG, 2018a). Ainda consoante com a
Setur (2018a), o estado trabalha com 46 circuitos turísticos, abrangendo 600 dos 853
municípios do estado de Minas Gerais.
O site oficial da Setur é rico em informações, inclusive de dados estatísticos
do turismo no estado, gerenciados pelo Observatório de Turismo de Minas Gerais,
que contém boletins, indicadores sobre a movimentação de turistas no estado,
pesquisas em eventos e estudos.
Em Ouro Preto, especificamente, há o predomínio do Turismo Cultural,
Natural e de Eventos, de acordo com a Setur- MG (2018b). Isso se deve ao fato de
ser uma cidade universitária, o que atrai muitos eventos acadêmicos e científicos para
a cidade.

1 Os Circuitos Turísticos são a instância de governança regional integrados por municípios de uma
mesma região com afinidades culturais, sociais e econômicas, que se unem para organizar,
desenvolver e consolidar a atividade turística local e regional de forma sustentável, regionalizada e
descentralizada, com a participação da sociedade civil e do setor privado. Os Circuitos Turísticos
obtiveram seu reconhecimento com a publicação do Decreto Estadual n°43.321/2003 e pela Lei nº
22.765/2017, que instituí a Política Estadual de Turismo.
Disponível em: http://www.turismo.mg.gov.br/circuitos-turisticos/informacoes-administrativas.
2 Disponível em:

http://www.turismo.gov.br/images/programas_acoes_home/PROGRAMA_DE_REGIONALIZACAO_D
O_TURISMO_-_DIRETRIZES.pdf.
65
3 INTERFERÊNCIAS DO TURISMO

Assim como qualquer atividade humana, a atividade turística apresenta


efeitos positivos e negativos, tanto para a região em que ocorre atividade, quanto para
os indivíduos que saem do seu ambiente cotidiano para usufruir de determinado
destino.
Quando o turismo é trabalhado de forma sustentável em um destino, os efeitos
positivos são potencializados, pois todos os agentes sociais ganham de alguma forma,
seja no aspecto social, como a valorização da cultura e inclusão social, como no
âmbito econômico, com melhor distribuição dos ganhos, de modo capaz de beneficiar
a todos os agentes sociais envolvidos na atividade, direta e indiretamente. Assis
(2003) defende a ideia de que o turismo sustentável baseia-se no tripé da eficiência
econômica, justiça social e prudência ecológica.
O viés econômico, porém, precisa ser visto e trabalhado de maneira
equilibrada, não apenas sob o olhar economicista, que coloca o turismo como o
salvador da economia do local, esquecendo de toda a complexidade que o envolve.
O turismo não se configura apenas como uma atividade econômica, mas, sobretudo,
como um fenômeno social, que gera encontro de pessoas, de alteridades.
Quando o turismo é trabalhado unicamente pelo viés econômico, o turista
pode ser visto pela comunidade receptora apenas como um “portador de dinheiro”,
“um mal necessário”, “um consumidor de seus espaços” (BARRETTO, 2003, p.26),
diminuindo assim as interferências positivas que o turismo pode trazer, principalmente
quando se trata de encontro, troca de saberes, entre outros. De acordo com Soares
(2007), deste modo, a tendência é deixarmos de olhar para a atividade como um
fenômeno social, o que compromete o bem-estar dos moradores locais, a
conservação dos recursos naturais e culturais apropriados pela atividade.
Barretto (2003) defende que quando a atividade turística enfoca apenas o lado
social, ambiental e antropológico, há também uma limitação, pois o turista é visto de
forma romantizada, o que pode trazer certas frustrações com relação à prática. Nem
todo turista viaja com a intenção de se relacionar com os autóctones, comprar seu

66
artesanato, procurar saber de sua história de vida e saberes. A autora defende que a
atividade precisa ser estudada dentro de sua totalidade, logo, abordando aspectos
econômicos, ambientais e sociais, para assim, então, poder ser considerado como
sustentável para o destino, o que também é preconizado pelas concepções de
Turismo de Base Comunitária, que de acordo com Irving (2009) é o tipo de turismo
que promove a qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valorização da cultura local
e o sentimento de pertencimento dos moradores locais; e, ainda, o encontro e a
oportunidade de troca de experiências entre o morador local e o visitante.
Dentre as diversas interferências sociais negativas estudadas, será
destacada, no presente trabalho, a massificação de destinos, que pode prejudicar
tanto a comunidade receptora e seus recursos, quanto à experiência do visitante,
gerando estresse para ambas as partes.
Observando a massificação do destino para a comunidade e seus recursos,
percebe-se que quando há muitos turistas em um local sensível, como destinos com
patrimônio ambiental e cultural relevante (inclusive com bens tombados ou
salvaguardados), a visitação intensa a esses locais pode contribuir decisivamente
para sua deterioração. Isto se dá principalmente quando pensamos que, quando uma
cidade está cheia demais, perde-se o controle sobre o comportamento das pessoas,
como elas estão visitando, se estão ou não respeitando regras impostas para a
visitação e conservação do destino.
Contudo, para os turistas, a experiência também acaba sendo ruim, pois com
um grande número de pessoas, ele não conseguirá desfrutar de maneira mais
completa os atrativos e a cultura da comunidade e os empresários locais não darão
conta de prestar um bom atendimento a todos. Isso pode também produzir uma
imagem ruim do destino, visto que o visitante terá suas expectativas frustradas e,
graças às redes sociais, terá facilidade de divulgar amplamente de modo negativo sua
experiência, inclusive para outros países, fazendo com que muitas pessoas, tendo
acesso a essas informações, possam questionar a validade de visitar o destino.

67
4 OBSERVAÇÕES SOBRE O TURISMO EM OURO PRETO

Ouro Preto se caracteriza como um destino sensível, visto que abriga um


grande acervo de patrimônio histórico-cultural, como um museu a céu aberto que
precisa ser preservado. Toda essa riqueza patrimonial é capaz de atrair muitos
visitantes, o que exige do poder público e da própria população um maior controle das
visitas no espaço.
Como relatado pelos guias que acompanharam a visita técnica referida,
muitas obras de arte foram roubadas, destruídas, vandalizadas, etc., em razão da
visitação sem controle, na qual os visitantes tinham contato direto com obras, como
as de Aleijadinho, por exemplo, sem nenhum tipo de supervisão de autoridades, como
é feito em grandes museus do mundo. Neste caso, a comparação se justifica pelo fato
de as obras serem únicas.
Durante a visita à Igreja do Pilar, foi possível observar os efeitos da
massificação no local: havia tantos visitantes dentro dela com seus respectivos guias,
que em alguns momentos não era possível escutar o que o guia falava, o que
dificultava o entendimento da história da igreja visitada.
Outra dificuldade foi encontrada no subsolo do prédio. Havia pouco espaço,
com muitas obras expostas e um grande número de pessoas tentando circular por ele
ao mesmo tempo. Enquanto se prestava atenção às palavras do guia e procurava
atentar para os detalhes apontados, outro grupo passava na frente para também
observar a mesma obra, ouvindo o que seu guia estava dizendo. Mais uma vez os
grupos em questão não conseguiam entender de forma clara e proveitosa o que
estava sendo falado. Não havia organização, agendamento, espaço e tempo
adequados para cada grupo.
Essa situação nos leva a refletir: como é possível o morador usufruir desse
espaço para a prática religiosa? Durante a visita, foram vistas pessoas tentando rezar,
mas que não conseguiam ficar muito tempo dentro da igreja devido a agitação que
ocorria nesse espaço. Será que esses moradores estão satisfeitos com essa
movimentação?

68
Um fato que também chamou a atenção dos autores deste texto foi o
comportamento de alguns visitantes e até de guias que, apesar da presença de placas
orientando a não tocar nas obras, o faziam, mostrando o despreparo para a condução
da visita. Esse tipo de comportamento dá espaço para que os visitantes também
tenham esse tipo de atitude, o que contribui para a degradação do patrimônio.
Toda essa movimentação excessiva também foi observada no Museu da
Casa dos Contos, que possuía um espaço físico muito exígua para a exposição, e
mesmo um número excessivo de visitantes ao mesmo tempo. Observou-se
novamente a confusão dos guias falando ao mesmo tempo e de pessoas circulando
em frente da exposição enquanto outros visitantes tentavam contemplar a exposição
e ler os textos explicativos. No subsolo, porém, havia um controle maior. Um guarda
organizava a entrada dos visitantes e fiscalizava seu comportamento com relação às
fotografias e ao hábito de tocar nas obras.
Por outro lado, observou-se que a infraestrutura da cidade se mantém
conservada, desde edifícios e construções, que em grande parte apresentam boa
aparência e manutenção, até patrimônios históricos que se configuram como grandes
atrativos para visitação turística local. Embora a cidade de um modo geral estivesse
cheia e principalmente alguns atrativos apresentassem um grande número de
visitantes, não foi percebido acúmulo de lixo nas ruas, barulho excessivo, tumultos e
brigas durante a visita.
Para além de visitantes sem grupo e de diversos grupos com guias de turismo
em diferentes lugares, havia, também, a presença de muitas instituições escolares em
excursão pela cidade. Supõe-se que há um incentivo ao turismo pedagógico, o que
se configura, apesar dos problemas expostos acima, como algo positivo, visto que as
crianças desde cedo estão tendo acesso à aspectos importantes da história do país,
de modo presencial, em experiências extraclasse.
Em relação a pequena feira de souvenires localizada próxima a Igreja de São
Francisco de Assis, pode-se notar a valorização dos turistas ao trabalho dos artesãos,
já que havia boa movimentação entre as barracas ou espaços de venda. Muitos dos
utensílios podiam ser modificados e estilizados de acordo com o gosto do turista, como

69
a escrita de nomes das pessoas em copos e outras lembranças de pequeno e médio
porte, agradando aos compradores, e valorizando as habilidades dos atores locais.
Observando o comércio da cidade, foi possível notar que, aparentemente, é
constituído pelos próprios moradores da cidade, o que pode ser considerado como
um aspecto positivo, visto que representa um modo de inclusão direta da comunidade
na atividade turística. Deste modo há uma valorização da produção local que tem
como consequência o acesso desses moradores aos benefícios econômicos gerados
pela atividade turística na cidade.
Isso também foi observado em relação aos guias. Foi possível notar que há
um certo rigor quanto à contratação de guias da cidade, não sendo aceitos guias
externos, o que nos permite afirmar que a cidade se preocupa com aspectos de
desenvolvimento endógeno, utilizando no turismo seus próprios recursos humanos.
Essa prática difere do que ocorre, por exemplo, no Rio de Janeiro, e em outras cidades
turísticas, em que há uma grande parcela de donos de empreendimentos turísticos
estrangeiros atuando em detrimento dos moradores locais.
Por fim, analisando os pontos negativos e positivos, é possível afirmar que a
cidade possui órgãos de turismo ativos que mantém a atividade turística de certa
forma organizada em Ouro Preto. Entretanto, alguns cuidados ainda precisam ser
tomados em relação à qualidade do turismo que está ocorrendo localmente, para que
os efeitos negativos não sobreponham os positivos, e que mais tarde não haja um
grande número de moradores contrários a ele, ou, ainda, que o patrimônio da cidade
seja deteriorado a ponto de não atrair mais turistas.

REFERÊNCIAS

ASSIS, L. F. de. Turismo sustentável e globalização: Impasses e perspectivas.


Sobral/CE: Revista da Casa da Geografia de Sobral, v. 4/5, 2002/2003, p. 131-
142.

BARRETTO, M. O imprescindível aporte das ciências sociais para o planejamento e


a compreensão do turismo. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n. 20,
p. 15-29, out. 2003.

70
FORTUNA, C. Turismo, autenticidade e cultura urbana: percurso teórico, com
paragens breves em Évora e Coimbra. Revista Crítica de Ciências Sociais,
Coimbra, n. 43, p. 11-46, 1995.

IBGE. Minas Gerais, Ouro Preto. Disponível em:


https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/ouro-preto/panorama. Acesso em: 7 nov. 2018.

IRVING, M. Reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária. In:


BARTHOLO, R.; SANSOLO, D.G.; BURSZTYN, I. Turismo de Base Comunitária:
diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e Imagem,
2009, p. 109-121.

MACHADO, S. F.; ALVES, K dos S. O turismo em Ouro Preto - Minas Gerais, Brasil -
na perspectiva dos moradores. Turismo & Sociedade, Curitiba, v. 6, n. 3, p. 552-
573, jul. 2013.

MILANO, C.; NOVELLI, M.; CHEER, J. Overtourism and tourismphobia: A journey


through four decades of tourism development, planning and local concerns. Tourism
Planning & Development, v. 16, n. 4, 353-357, 2019.

PREFEITURA MUNICIPAL DE OURO PRETO. História de Ouro Preto. Disponível


em: https://ouropreto.mg.gov.br/historia. Acesso em: 2 nov. de 2018.

SETUR-MG. Circuitos turísticos de Minas Gerais. Disponível em:


http://www.turismo.mg.gov.br/circuitos-turisticos/informacoes-administrativas. Acesso
em: 7 nov. 2018.

SETUR-MG. Destinos MG Turismo de Negócios e Eventos Ouro Preto.


Disponível em:
https://www.dropbox.com/s/nqqabg8o6tcm7q8/Destinos%20MG%20Turismo%20de
%20Neg%C3%B3cios%20e%20Eventos%20OURO%20PRETO.pdf?dl=0. Acesso
em: 7 nov. 2018.

71
Localidades turísticas em guia virtual e em avaliações
postadas por turistas: pontos e contrapontos discursivos
no horizonte da hospitalidade
Júlia Regina da Paz Vara1
Ronaldo L. Diaz2
Orientadora: Marcia Maria Cappellano dos Santos3
Orientadora: Luciane Todeschini Ferreira4

Resumo: O trabalho tem por objetivo identificar pontos e contrapontos discursivos sobre
destinos de viagens, a partir de análise comparativa de texto de apresentação de destinos (voz
institucional) e de comentários postados (voz dos turistas), em guia turístico virtual.
Metodologicamente, foram selecionados e analisados, a partir da perspectiva da análise do
discurso (linha enunciativa bakhtiniana), textos de três destinos da região Sul: Gramado/Canela,
RS (100 comentários); Florianópolis, SC (58 comentários) e Foz do Iguaçu, PR, (65
comentários). Como resultados parciais, é possível afirmar que houve reiteração da voz
institucional nos comentários analisados, havendo, portanto, convergências nos discursos tanto
no que tange a aspectos descritos, quanto à imagem construída. De outra parte, no contraponto
discursivo, chamam a atenção, na voz que emana das avaliações dos turistas a partir de suas
experiências (positivas ou não), as incidências sobre relações interpessoais. Referências como
essas encerram e traduzem relações de acolhimento valorizadas pelos turistas, as quais não são
pontuadas nas apresentações do site, desconsiderando um aspecto que se mostra precípuo
para a experiência turística, corroborando a proposição do acolhimento como um dos elementos
fundantes do turismo.

Palavras-chave: Hospitalidade; Guia turístico virtual; pontos e contrapontos discursivos.

1 INTRODUÇÃO

O surgimento da internet no século XX se deu para fins militares e seu


desenvolvimento ocorreu devido a uma parceria entre a força militar e o campo

1 Acadêmica de Letras Português na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Bolsista de


Iniciação Científica (BIC-UCS); Lattes: http://lattes.cnpq.br/8515553114747215; E-mail:
jrpvara@ucs.br.
2Acadêmico de Gastronomia na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Bolsista
voluntário de Iniciação Científica; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7431236260526669.
3Doutora em Educação; Coordenadora, pesquisadora e docente no Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4918303295310860; E-mail: mcsantos@ucs.br.
4Doutora em Letras; Pesquisadora e docente no Programa de Pós-Graduação em Turismo e
Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/183098607733429; E-mail: ltferrei@ucs.br.
72
científico (CASTELLS, 1999). Porém o seu uso se disseminou e, para além de
julgamentos ou análises mais aprofundadas, a internet rompe com fronteiras físicas,
ao permitir que um indivíduo acesse informações/conteúdos e/ou entre em contato
com pessoas de qualquer parte do mundo, desde que esteja atrelado a um
computador ou dispositivo móvel.
Essa tecnologia mudou a forma como as pessoas buscam informações sobre
os destinos turísticos e como organizam suas viagens. Há maior autonomia, o que,
não raro, faz do indivíduo/turista o seu próprio agente de viagem, já que ele planeja
o roteiro de acordo com suas necessidades e desejos.
O objetivo do presente artigo é identificar pontos e contrapontos discursivos
sobre destinos de viagens, a partir de análise comparativa de texto de apresentação
de destinos (voz institucional) e da totalidade de comentários avaliativos postados
(voz dos turistas) em guia turístico virtual sobre esses mesmos destinos.

2 O GUIA TURÍSTICO VIRTUAL

Nos estudos sobre gêneros textuais, uma das definições já consagradas é a


de Bakhtin (1997) que se refere ao gênero como um tipo relativamente estável de
enunciado que apresenta unidade temática, unidade composicional e estilo. Para o
autor, somos seres constituídos pela linguagem e na linguagem. Isso significa que
atuamos e nos comunicamos por textos nas mais diferentes esferas de atividade
humana e que o número de gêneros existentes atrela-se à variedade de atividades
humanas possíveis. Ou seja, o homem se organiza por textos.

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a


variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera
dessa atividade comporta um repertório do discurso que vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se
desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 1997, p. 279).

Transpondo esse conceito para o Turismo, é possível afirmar que viajantes,


peregrinos, estudantes, aventureiros, pesquisadores, entre outros tantos grupos,
produzem textos cuja adequação relaciona-se às suas necessidades. Portanto, o
73
surgimento de crônicas de viagem; de cartas com relatos de viagem, diários, blogs,
guias turísticos impressos ou virtuais são expressões de todas essas esferas de
atividade humana. Figueiredo e Ruschmann (2004) agrupam gêneros como os
acima citados na chamada literatura de viagem.
Para o estabelecimento de pontos e contrapontos discursivos no que diz
respeito a destinos turísticos, objetivo deste trabalho, selecionou-se o guia turístico
virtual que se encontra no site “Melhores Destinos”.
O site, como a maioria desse tipo, dispõe de serviço on-line de compra de
passagens aéreas, reservas de hotéis, aluguéis de carros, entre outros serviços.
Também disponibiliza o seu guia turístico virtual (denominado “Guia de Destinos”).
Pelas informações disponibilizadas no próprio site analisado, o objetivo do
“Guia de Destinos” é informar sobre os principais destinos do mundo, possibilitando
a troca de experiências e de dicas entre os seus participantes: “o site traz
informações para ajudar no planejamento das viagens, indica as principais atrações
e roteiros, restaurante e hotéis e tem o espaço do fórum de debate e avaliações”
(MELHORES DESTINOS, 2018).
Ao clicar no “Guia de Destinos”, o internauta é direcionado a uma página que
apresenta os destinos agrupados a partir de localização geográfica. São 161
destinos com guias publicados. Selecionado o destino, tem-se acesso a uma série
de informações específicas, que vão desde localização até fotos. Há também, um
texto de apresentação de destino e as avaliações dos turistas, que são o objeto de
análise.

3 A VOZ DO GUIA TURÍSTICO VIRTUAL: CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA

Em etapa anterior de pesquisa (VARA; SANTOS; FERREIRA, 2018),


identificaram-se imagens construídas pela voz institucional de guia turístico sobre
três lugares de destino turístico da região Sul: Gramado/Canela1; Florianópolis e Foz
do Iguaçu. Tendo como lente analítica os pressupostos da teoria enunciativa do

1 Essa é a forma como estão apresentados esses dois destinos no Guia Virtual em análise.
74
discurso (linha bakhtiniana), foi possível (re)construir a forma como os destinos são
apresentados ao turista/sujeito que busca informações no guia turístico, ou seja, a
imagem prévia (ethos) desses destinos.
Destaca-se que ethos pode ser entendido como a capacidade que se tem de
criar uma “boa impressão pela forma como se constrói o discurso” (MAINGUENEAU,
2008, p.13). É uma construção dinâmica, sendo que o ethos “não age no primeiro
plano, mas de maneira lateral; ele implica uma experiência sensível do discurso,
mobiliza a afetividade do destinatário” (MAINGUENEAU, 2008, p.14). (grifo
nosso).
A partir da análise da voz institucional, pode-se afirmar que Gramado/Canela,
entre outros aspectos, destacam-se por seu clima, por suas características de cidade
do interior, por sua gastronomia e arquitetura. Porém, parece ser o clima a
característica de maior intensidade e de identificação do destino, tanto que o texto
de apresentação inicia com: “Gramado é o principal destino de inverno do Brasil”
(grifo nosso) . Em outros trechos, a voz institucional volta a recuperar o clima, o que
pode ser exemplificado pelo fragmento: “A grande expectativa para quem visita a
Serra Gaúcha no inverno é que caia um pouquinho de neve” (grifos nossos). Tanto
o substantivo “expectativa”, que expressa a condição de quem espera por algo,
quanto a intensidade impressa pelo uso do adjetivo “grande” contribuem para a
criação de uma imagem de cidade com clima frio.
No destaque para o clima, o texto constrói-se para que seja possível uma
associação do clima de Gramado/Canela ao clima europeu, de tal modo que essa
imagem é explicitamente apresentada: “Isso sem falar do ar europeu”. Assim, pela
representação do ethos do enunciador, Gramado/Canela são as mais europeias
cidades brasileiras (VARA; SANTOS; FERREIRA, 2018).
Florianópolis é apresentada como a Ilha da Magia (VARA; SANTOS;
FERREIRA, 2018), o que pode ser recuperado por fragmentos discursivos como o
que segue: “[...] Florianópolis encanta por sua variedade de praias” (grifo nosso). O
verbo “encantar” é um convite para a sedução, ou seja, o apelo não é feito ao
racional, e sim ao emocional, ao imaginário, tanto que um dos sentidos que podem

75
ser atribuídos ao verbo “encantar” diz respeito a “exercer suposta influência mágica”
(DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS).
Já Foz do Iguaçu é caracterizada como o destino mais nacional do país
(VARA; SANTOS; FERREIRA, 2018): “[...] é a cidade que tem a honra de guardar,
no lado brasileiro, um cenário digno de filmes. Um dos mais belos espetáculos da
natureza na terra é, com muito orgulho, parte do Brasil.”.
Na análise das vozes institucionais dos três destinos, a caracterização física
do lugar, com apontamentos para as belezas naturais, serviços e arquitetura, é o
foco. Porém as informações disponibilizadas - e, mais que isso, - a forma como as
informações são disponibilizadas via discurso, constroem o ethos discursivo desses
destinos.

4 AS VOZES DOS TURISTAS: PONTOS E CONTRAPONTOS DISCURSIVOS

Em etapa ulterior da pesquisa, foram analisadas as vozes dos turistas, a partir


das avaliações por eles postadas em guia virtual, a fim de identificar pontos e
contrapontos discursivos entre os dois grupos: a voz institucional e a voz dos
turistas.
Ressalta-se que a pesquisa, de abordagem predominantemente qualitativa,
tem como referencial de análise a linha discursiva bakhtiniana, como referido
anteriormente. O corpus é composto da totalidade de avaliações postadas sobre os
três destinos: Gramado/Canela, RS (100 avaliações postadas), Florianópolis, SC (58
avaliações) e Foz do Iguaçu, PR (com 65 avaliações).
A partir da análise linguístico-discursiva das avaliações, é possível afirmar
que a voz dos turistas recupera informações/elementos também disponibilizados no
texto institucional, tanto que, em grande parte dos comentários, são expressos
julgamentos (positivos ou não) sobre aspectos naturais dos destinos, sobre serviços
e equipamentos turísticos, que também foram destacados pela voz institucional
(obviamente nela com caráter positivo tão somente), conforme destaca o quadro 1.

76
Quadro 1 - Fragmentos representativos das vozes do guia turístico virtual
(institucional) e dos turistas relativos a aspectos físicos dos destinos-alvo.6
Destinos Voz institucional Voz dos turistas

“[...] São vários parques, “[...] Há opções de hotéis e


museus, rotas e restaurantes restaurantes para todos os
[...] muito propício para famílias gostos e preços, vale a pena
com crianças ou para casais. pesquisar. [...]” “Tudo é tão
[...] As duas cidades funcionam lindo, que parece cenário de
Gramado/Canela como uma só [...] deixam seus filme. [...]” “Cidades
visitantes maravilhados com a relativamente pequenas =, o
arquitetura própria da que facilita os passeios a
colonização europeia [...] A pé.[...]” “[...] É uma experiência
grande expectativa para quem excelente tanto para casais
visita a Serra Gaúcha no quanto para família. [...]”
inverno é a de que caia um
pouquinho de neve. [...]

“No alto da lista das cidades


mais visitadas por estrangeiros, “[...] Trânsito lento para ter
Florianópolis encanta por sua acesso à cidade. [...]” “[...]
Florianópolis variedade de praias e pela natureza lindíssima e
capacidade de agradar todo tipo diversificada [...] Realmente pra
de público. [...] Conhecida como todas as tribos [...]”
Ilha da Magia [...] os
engarrafamentos no fim do dia
podem ser grandes. [...]”

“[...] Cenário natural perfeito, “[...] No Paraguai tem o lado


com as mais lindas quedas das compras, que é super
d’água do planeta. [...] Igrejas barato. [...]” “Cataratas é sem
Foz do Iguaçu de diferentes crenças, um dúvida a melhor atração do
templo budista e uma mesquita lugar. Deixe de ir em qualquer
fazem parte da imagem do dia a lugar lá, menos nas cataratas.
dia. [...] Ciudad del Este, no É uma vista que ficará em sua
Paraguai é um paraíso para as memória para o resto da vida.
compras. [...]” [...]” “[...] O templo budista é um
passeio indispensável, um lugar
lindo. [...]”

Fonte: Quadro elaborado pelos autores, 2018.

.Além de recuperar elementos que também foram destacados no texto


institucional, a voz dos turistas faz eco às representações construídas pela voz
institucional (ethos). É o que se pode verificar no quadro 2.
77
Quadro 2 - Fragmentos representativos de confluências entre a voz do guia
turístico virtual (institucional) e a voz dos turistas relativamente à imagem
construída (ethos) sobre os destinos
Destino/Imagem construída Voz institucional Vozes dos turistas
(ethos)

Gramado/Canela/ Cidades “[...] Arquitetura própria da “A Europa fica aqui” [...] a cidade é
europeias colonização maravilhosa, é uma
europeia [...] isso sem falar no verdadeira Europa no Brasil. [...]”
ar europeu[...]”

Florianópolis/ Ilha da Magia [...] Conhecida como Ilha da “Floripa é maravilhosa!!! Ilha da
Magia [...] Magia mesmo”
“Amooo! Tudo as praias são
maravilhosas.”

Foz do Iguaçu/ Cidade mais “Um dos mais belos “[...] Achei a vista brasileira mais
nacional espetáculos da natureza na bonita [...]” “As cataratas são
terra é, com muito orgulho, de uma beleza simplesmente
parte do Brasil.” INDESCRITÍVEL. [...]” “[...] Ir as
[...] Cataratas do Iguaçu é uma
experiência que todo brasileiro deve
ter. [...]”

Quadro elaborado pelos autores. (2018).

Dos 100 comentários avaliativos publicados por turistas em relação a


Gramado/Canela, 39% também apresentaram a imagem construída de que são elas
as cidades mais europeias do Brasil. Os visitantes/turistas de Florianópolis foram os
que mais recuperaram o ethos do destino como sendo a Ilha da Magia (63% das
avaliações, das 58 postadas). Foz do Iguaçu foi o destino em que houve menor
correlação no que diz respeito à imagem previamente construída, visto ter-se um
percentual de 29% por cento, dos 65 comentários feitos.
No ponto discursivo, portanto, tanto a voz institucional quanto a voz dos
turistas apontam para elementos comuns do destino turístico: paisagens, serviços,
arquitetura, equipamentos turísticos, por exemplo. O mesmo observa-se em relação
ao ethos do enunciador: os turistas constroem pelo discurso as mesmas
representações construídas (e reforçadas) pela voz institucional.
No contraponto discursivo, o aspecto que mereceu maior destaque diz

78
respeito às incidências relativas a relações interpessoais presentes na voz dos
turistas e totalmente ausentes na voz institucional. Vejam-se alguns exemplos de
menções a esse respeito:

a) Destino Gramado/Canela
Me senti muito feliz em ser tão bem atendido pelo Sr. João, [...] um jovem super
atencioso[...]
O pessoal que mora no interior do Rio Grande do Sul, tende a ser mais fechado
e frio.[...]
b) Destino Florianópolis
Cordialidade geral [...]
[...] pessoas muito educadas [...]
[...] As pessoas são prepotentes, desumanas, arrogantes, mal-educadas, não
sabem tratar e receber turistas com acolhimento. [...}
c) Destino Foz do Iguaçu
Os guias da cidade são atenciosos. [...] acolhida muito boa.

A tabela 1, na sequência, apresenta percentualmente esse contraponto


discursivo.

Tabela 1 – Incidências e respectivo percentual de menções a relações


interpessoais nas vozes do guia turístico e do turista relativamente ao total de
comentários
Voz Voz dos turistas
Destinos institucional
Incidências Total de Incidências
comentários Número %
Gramado/Canel zero 100 54 54
a
Florianópolis zero 58 20 34
Foz do Iguaçu zero 65 19 29
Tabela elaborada pelos autores, 2019.

79
Enquanto não há nenhum registro, por parte da voz institucional, sobre
relações interpessoais, os turistas a apresentam com relativa frequência - do que se
depreende a importância que lhes atribuem - tanto que mais da metade dos turistas
que postaram seus comentários no guia turístico trouxeram esse aspecto ao
referirem-se a Gramado/Canela. Um número igualmente significativo apontou as
relações interpessoais como importantes no destino Florianópolis, visto que 34% fez
alusão a ela. Esse aspecto foi destacado por 29% dos turistas que visitaram Foz do
Iguaçu.

5 CONSIDERAÇÕES

Há congruências entre o discurso da voz institucional e o da voz dos turistas


no que tange à imagem projetada do destino turístico. O ethos previamente
construído pelo discurso do enunciador é reconstruído pela voz dos turistas,
reforçando-se uma boa imagem dos destinos analisados. Pode-se inferir que essas
imagens correspondem, pré-sincronicamente, à metáfora do desejo de conhecer dos
turistas.
No contraponto discursivo, destacam-se as referências avaliativas (positivas
e/ou negativas) feitas pelos turistas sobre relações interpessoais. Referências essas
traduzem relações de acolhimento valorizadas pelos turistas, as quais não são
pontuadas nas apresentações do site, que desconsidera, portanto, um aspecto que
se mostra precípuo para a experiência turística e que se refere à hospitalidade: o
relacionamento interpessoal.
No horizonte da hospitalidade marcam-se os processos interativos como
basilares para a construção de lugares hospitaleiros ou não.

REFERÊNCIAS

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CASTELLS, M. A sociedade em redes. A era da informação: economia, sociedade


e cultura. Trad. Roneide Venâncio Majer e Jussara Simões. 6. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1999. v. 1.
80
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https://www.dicio.com.br/encantar/. Acesso: 10 set. 2019.

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dos viajantes e dos turistas. Novos Cadernos NAEA, v. 7, n. 1, p.155-188, 2004.
Disponível em: http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/viewFile/40/34.
Acesso: 10 set. 2019.

MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. MOTTA, A.R; SALGADO, L.(org). Ethos


discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29.

VARA, J. P; SANTOS, M. M. C; FERREIRA, L. T. Apresentação de localidades


turísticas em guia de destino virtual: as imagens construídas do destino turístico a
partir da voz dos enunciadores. In: SEMINÁRIO DE TURISMO DO MERCOSUL JR,
9, 2018, Caxias do Sul. Anais [...]. Caxias do Sul: UCS, 2018. Um outro Turismo é
possível. Disponível em:
https://docs.wixstatic.com/ugd/bbfecb_267054478f134f00a836667f6c4c5fbf.pdf.
Acesso em: 08. set. 2019.

81
Migração haitiana em Caxias do Sul

Débora Kieling Pavan1


Julia Zeilmann Jaeger2
Orientadora: Vania Beatriz Merlotti Herédia3

Resumo: Este estudo analisa as características da migração haitiana em Caxias do Sul durante o
período de 2015-2017. Faz parte das pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos Migratórios da
UCS. O estudo foi divido em dois momentos: o primeiro, fruto da revisão teórica e o segundo, da
pesquisa empírica. O referencial teórico utilizado foi baseado nas obras de: Becker (1997); Singer
(1980); Sayad (1998); Baeninger e Peres (2017) e Handerson (2014). O método de análise é
descritivo e colabora para a compreensão das migrações internacionais em Caxias do Sul. Os dados
analisados foram extraídos do Banco de Dados do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), na
cidade de Caxias do Sul. A amostra da pesquisa é composta por 1129 haitianos, que fizeram registro
no CAM entre 2015-2017. O estudo aponta características dessa migração e mostra dificuldades que
os migrantes enfrentam no acolhimento pela cidade.

Palavras-chave: Migrações internacionais; Migrações recentes; Haitianos; Acolhimento.

1 INTRODUÇÃO

O tema migrações internacionais tem sido estudado e analisado pelo Núcleo


de Estudos Migratórios da Universidade de Caxias do Sul desde a sua criação,
devido à emergência que este fenômeno representa no cenário recente, pela sua
relevância local, regional e nacional.
A pesquisa tem como objetivo analisar as características do fenômeno
migratório haitiano na cidade de Caxias do Sul, a partir dos dados disponíveis do
Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), no triênio 2015-2017. Para realizar o
estudo utilizou-se o método descritivo na busca da compreensão do contexto em
que se dá essa migração e das relações por elas estabelecidas, identificando o perfil
e as condições encontradas pelo grupo.

1Acadêmica de Psicologia na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Bolsista de Iniciação


Científica-PIBIC-CNPq; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9594454961633291; E-mail: dkpava1@ucs.br.
2 Acadêmica de Serviço Social na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Bolsista de
Iniciação Científica – Probic – Fapergs; Lattes: http://lattes.cnpq.br/3289688902268883; E-mail:
jzjaeger@ucs.br.
3Doutora em História das Américas; Docente e Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2028194865995189; E-mail: vbmhered@ucs.br.
82
Os autores que serviram de base para a discussão do problema e análise dos
dados foram: Singer (1998), Sayad (1998), Becker (1993), Baeninger e Peres (2016)
e Handerson (2010).
A cidade de Caxias do Sul apresenta-se como polo metalomecânico do
Estado do Rio Grande do Sul desde os anos 70 do século passado e tem sido local
de referência regional que atrai fluxos migratórios internos e externos. A cidade
cresceu com a marca da indústria e a indústria tem sido fator de atração para a
migração. Entretanto nas últimas décadas, também cresceu o setor de serviços, e
esse crescimento representa absorção de mão de obra em outros segmentos que
não os industriais.
A partir de 2010, um fenômeno começa a se estabelecer no município com a
chegada de migrantes internacionais. Esses migrantes, que escolhem a cidade
como destino, enfrentam situações que não conseguiram resolver na pátria. Um dos
grupos de migrações internacionais é do Haiti, que mesmo antes do terremoto,
escolheu o Brasil como um lugar de destino, um lugar de futuro para fugir da
situação econômica e social que enfrentavam no Haiti. O Haiti é um país situado na
América Central, no Caribe, e fez sua independência antes do Brasil, ou seja, em
1804. Isso significa que teve uma experiência como país independente mais tempo
que a do nosso país.
É importante registrar que os haitianos quando chegaram à cidade
procuraram o Centro de Atendimento ao Migrante com objetivo de que esse Centro
dispõe de orientação para se movimentar na cidade em busca de trabalho e
moradia.

2 MIGRANTES PROVISÓRIOS OU MIGRANTES PERMANENTES?

Através de um estudo bibliográfico para poder compor a fundamentação


teórica, percebe-se a importância da visão sociológica para analisar a mobilidade.
Nesse sentido, o conceito de migração é entendido como mobilidade espacial da
população, definido como “um mecanismo de deslocamento que reflete mudanças

83
nas relações entre as pessoas (relações de produção) e entre essas e o seu
ambiente físico” (BECKER,1997, p. 323). É importante considerar que o modo de
produção capitalista requer disposição contínua da força de trabalho e quando não
dispõe estimula o processo migratório.
Pode-se identificar que a grande maioria dos migrantes acredita que a saída
para suas vidas é a experiência migratória, a busca de um trabalho que permita
melhorar as condições de vida, visto que quando migram se encontram em
dificuldades. A migração para muitos é uma alternativa que oportuniza melhorar as
condições de vida. Devido a isso, podemos analisar pelo contexto da sociedade
atual que, “como mobilidade forçada, a migração tornou-se interessante mecanismo
na expansão do capitalismo monopolista nas realidades então chamadas periféricas”
(SLATER,1978 apud BECKER, 1997 p. 334).
Um fator que reproduz e alimenta a “síndrome emigratória” (BINFORD, 2002;
COVORRUBIAS, 2010; MAGALHÃES, 2014 apud BAENINGER; PERES, 2017)
experimentada por várias décadas no Haiti é a dependência das remessas. A parte
considerável dos salários do trabalho desses migrantes se transforma em remessas
para familiares no Haiti, mais um elemento estruturante do campo social desta
migração de crise. Binford (2002) destaca que as remessas, antes de serem
necessárias apenas para o contexto familiar, se convertem na economia do país.
Segundo Magalhães (2017, p. 240), no caso do Haiti, “as remessas de migrantes
representaram entre 22% e 26% do PIB nacional nos últimos dez anos”.
(BAENINGER; PERES, 2017, p.139).
Segundo Sayad, a sociedade de imigração,

que, embora tenha definido para o trabalhador imigrante um estatuto


que o instala na provisoriedade enquanto estrangeiro (de direito, mesmo
se não o é sempre, ou, se é pouco, de fato) e que assim, nega-lhe todo
o direito a uma presença reconhecida como permanente, ou seja, que
exista de outra forma que não na modalidade do provisório contínuo e
de outra forma que não na modalidade de uma presença apenas
tolerada (1998, p.46).

Na perspectiva de Sayad, o sistema econômico precisa continuamente de


mão de obra que garanta a expansão econômica e que quanto mais numerosa
84
melhor para o capital, o que faz acreditar aqueles que migram que serão provisórios
só por um tempo quando a provisoriedade existe sempre. É uma ilusão para aceitar
as condições que são oferecidas aos migrantes trabalhadores.
Sayad comenta também que dependendo dos interesses da sociedade que
recebe mudam as regras que amparam os migrantes. Sua observação mostra que a
sociedade que recebe impõem certas normas, definidas pelo estatuto jurídico a fim
de regularizar os direitos dos imigrantes. Para ele, o imigrante é “essencialmente
uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito”
(SAYAD, 1998, p. 54).

3 MIGRANTES HAITIANOS NA CIDADE DE CAXIAS DO SUL

É importante lembrar que a cidade de Caxias do Sul é uma localidade que foi
constituída historicamente por processos imigratórios a partir da terceira metade do
século XIX. Também é necessário associar que cada período de expansão da
cidade, a mesma recebeu imigrantes que colaboraram com o crescimento
econômico da cidade e da região. Em 1970, a cidade é considerada um polo
industrial pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, recebendo incentivos para
tal. Esse fato mostra que desde a sua fundação a cidade recebe mão de obra de
fora que a ajuda a crescer e se desenvolver.
Os haitianos que chegaram a Caxias entre 2015-2017 possuem o seguinte
perfil: sexo masculino na sua maioria, jovens e adultos, escolaridade média, casados
e solteiros, desempregados, em busca de trabalho. Os dados são preliminares e
foram coletados no Centro de Atendimento ao Migrante na cidade de Caxias do Sul
no período de estudo.

85
Tabela 1 – Distribuição absoluta e percentual do sexo dos haitianos cadastrados no
banco do CAM, entre 2015-2017
Frequência
SEXO
Absoluta Percentual
Masculino 840 74,40
Feminino 289 25,60
TOTAL 1129 100
Fonte: Pesquisa Migrações no Século XXI: desafios e perspectivas. Universidade de Caxias do
Sul, 2019. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Débora Kieling Pavan (Bolsista PIBIC/CNPq) e Julia Zeilmann Jaeger
(Probic/Fapergs).

De acordo com a Tabela 1, percebe-se a predominância do sexo masculino,


tendo um percentual de 74,40% para homens e 25,60%, para mulheres. O número
de mulheres haitianas é maior que em outros grupos étnicos. A presença de
mulheres nesse fluxo é importante, pois demonstra a intenção de permanência bem
como de reunificação familiar.

Tabela 2 – Distribuição absoluta e percentual por faixa etária dos haitianos


cadastrados no CAM, entre 2015-2017
Frequência
FAIXA ETÁRIA
Absoluta Percentual
0-10 27 2,40
11 a 20 anos 34 3,00
De 21 a 30 anos 307 27,20
De 31 a 40 anos 522 46,20
De 41 a 50 anos 191 16,90
Mais de 50 anos 48 4,30
Não informado
TOTAL 1129 100
Fonte: Pesquisa Migrações no Século XXI: desafios e perspectivas. Universidade de Caxias do
Sul, 2019. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Julia Zeilmann Jaeger (Probic/Fapergs). Débora Kieling Pavan (Bolsista
PIBIC/CNPq).

De acordo com a Tabela 2, nota-se uma predominância de imigrantes


haitianos entre 31 a 40 anos, com o percentual de 46,20%, e, em menor número os
86
que estão entre 11 a 20 anos com 3,00%. Vale ressaltar que nas migrações é muito
raro encontrar a presença de imigrantes idosos. Chama a atenção que a faixa etária
de 41 a 50 apresenta um número considerável, o que não é frequente em outras
migrações.

Tabela 3 — Distribuição absoluta e percentual do estado civil dos haitianos


cadastrados no banco do CAM, entre 2015-2017
Frequência
ESTADO CIVIL
Absoluta Percentual
Solteiro 550 48,70
Casado 480 42,60
Separado/divorciado 20 1,80
Viúvo 4 0,04
Não informado 75 6,60
TOTAL 1129 100
Fonte: Pesquisa Migrações no Século XXI: desafios e perspectivas. Universidade de Caxias do
Sul, 2019. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Julia Zeilmann Jaeger (Probic/Fapergs) e Débora Kieling Pavan (Bolsista
PIBIC/CNPq).

Em relação ao estado civil desta população, percebe-se que 48,70% são


solteiros, o que facilita o deslocamento. No entanto, a migração haitiana tem um
caráter de reunião familiar, superior às das outras etnias. Nesse sentido, entende-se
o registro de maior número de mulheres migrantes encontrado na cidade.

87
Tabela 4 – Distribuição absoluta e percentual do grau de escolaridade dos
haitianos cadastrados no banco do CAM, entre 2015-2017
Frequência
GRAU DE ESCOLARIDADE
Absoluta Percentual
Alfabetizado 12 1,10

Analfabeto 11 1,00
Ensino Fundamental incompleto 238 21,10
Ensino Fundamental completo 130 11,50
Médio incompleto 282 25,00
Médio completo 248 22,00
Superior incompleto 36 3,20
Superior completo 35 3,10
Não informado 137 12,10
TOTAL 1129 100
Fonte: Pesquisa Migrações no Século XXI: desafios e perspectivas. Universidade de Caxias do
Sul, 2019. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Júlia Zeilmann Jaeger (Probic/Fapergs) e Débora Kieling Pavan (Bolsista
PIBIC/CNPq).

A Tabela 4 evidencia que há um padrão variado no que tange à escolaridade


do migrante haitiano, entretanto, o predomínio é de uma educação básica, o que
vem a somar na dificuldade de inserção no mercado de trabalho, como segue
abaixo.

Tabela 5 – Distribuição absoluta e percentual da situação de trabalho dos


haitianos cadastrados no banco do CAM, entre 2015-2017
Frequência
SITUAÇÃO DE TRABALHO
Absoluta Percentual
Empregado regular 412 36,50
Empregado irregular 2 0,20
Desempregado 516 45,70
Autônomo formal 3 0,30
Autônomo informal 1 0,10
Não informado 195 17,30
TOTAL 1129 100
Fonte: Pesquisa Migrações no Século XXI: desafios e perspectivas. Universidade de Caxias do

88
Sul, 2019. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Julia Zeilmann Jaeger (Probic/Fapergs) e Débora Kieling Pavan (Bolsista
PIBIC/CNPq).

Sayad (1988, p. 55) realça que a identidade do imigrante é meramente


atribuída à sua força de trabalho, essa, considerada provisória, até o momento de
sua morte e comenta sobre o paradoxo do ser imigrante e desempregado:

como o trabalho (definido para imigrantes) é a própria justificativa do


imigrante, essa justificativa, ou seja, em última instância, o próprio
imigrante, desaparece no momento em que desaparece o trabalho que
os cria a ambos. Entende-se então a dificuldade, que não é apenas
técnica, que se tem em definir o desemprego no caso do imigrante (até
quando? durante quanto tempo), a dificuldade que se tem em pensar a
conjunção do imigrante e do desemprego.

Considerando a conjuntura atual do sistema capitalista, os imigrantes acabam


por se tornar uma força de trabalho temporária. Infelizmente, mesmo que se
“reconheça a utilidade econômica e social dos imigrantes, ou seja, as “vantagens”
que eles oferecem para a economia” (SAYAD, 1998, p. 47), os países que os
recebem, apresentam uma hostilidade que pode gerar comportamentos abusivos e
uma exploração mais explícita que aos dos trabalhadores nativos.
Essa hostilidade por parte da população gera uma contradição sobre o estado
do imigrante, visto que, quando esse é empregado, acaba sendo responsabilizado
pelo desemprego presente na população.
Outra dificuldade encontrada é a inserção do imigrante haitiano no mercado
de trabalho formalizado, causado não só pela crise econômica e desemprego, como
também, pelo preconceito racial, xenofobia, sua inclusão do imigrante como
pertencente da população do país em que integrou e o respeito por parte de suas
diferenças culturais. Devido a esses fatores o imigrante se vê obrigado a iniciar em
um trabalho informal ou em condições desumanas para poder sobreviver.
Dessa forma percebe-se que a hospitalidade, que engloba a infraestrutura, os
serviços, os direitos do cidadão, entre outros aspectos da sociedade, demonstra ser
seletiva, principalmente se levarmos em consideração o racismo histórico que afeta
diretamente os haitianos. Fazendo uma leitura do Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815,
89
de 1980, podemos notar como tal hospitalidade além de superficial se dá através de
interesses dissimulados, como podemos ver, no artigo 2° do estatuto: “Na aplicação
desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização
institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem
assim à defesa do trabalhador nacional” (1980,s.p).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um mundo globalizado, as migrações internacionais são uma


problemática emergente e demandam urgência de análise, entendimento e
monitoramento e, como Patarra (2005) comenta “o desafio consiste em transformar
os compromissos assumidos internacionalmente em programas e práticas sociais
condizentes com a articulação proposta”.
A pesquisa permite identificar o perfil dos Haitianos que migram ao Brasil e,
devido a atualização constante dos dados, é possível ter uma noção desse fluxo
migratório, entender o que está se passando tanto no país de origem, quanto no
novo país em relação a sua hospitalidade, leis e constantes demandas que surgem
com esse novo processo.
O estudo evidencia que os migrantes internacionais que chegam a Caxias do
Sul enfrentam uma série de dificuldades para a inserção no mercado de trabalho
local. As dificuldades que são relatadas mostram que os serviços que a cidade
dispõe não são preparados para atender aqueles que são considerados “distintos”. A
distinção pode ser vista pela língua, pela cor, pela raça, pelo pertencimento a outros
grupos étnicos. A cidade de Caxias do Sul, considerada um “polo industrial” do
Estado, dispõe de serviços diversos que poderiam atender a essas demandas,
nascidas do fenômeno migratório. Entretanto, apresenta uma série de dificuldades
frente às demandas postas, o que gera um passivo de problemas à medida que
esses migrantes permanecem na cidade.
Constata-se, portanto que os grupos que constituem as migrações
internacionais na cidade de Caxias do Sul, localizam-se na abordagem que postula

90
de que a migração não é uma decisão individual, mas que faz parte de uma
estratégia familiar para buscar a sobrevivência do grupo e que muitas vezes acabam
encontrando-se em situações de vulnerabilidade.
Os locais de destino escolhidos pelos migrantes são aqueles que apresentam
crescimento econômico e possibilidade de trabalho. Constata-se ainda que a cidade
tem necessidade de qualificar os serviços públicos que atendem migrantes, uma vez
que poucas instituições prestam serviços de atendimento, tendo muita resistência e
dificuldade para fazê-lo, inclusive na comunicação pela falta de domínio de línguas e
conhecimento de outras culturas. Reconhece-se que o Centro de Atendimento ao
Migrante (CAM) em Caxias do Sul tem feito um esforço para atender aqueles que o
procuraram, apesar dos limites que enfrentam na própria cidade pelo excesso de
demandas que lhes são postas. Outro dado que chama a atenção é que a cidade,
por ter sido fruto de migrações históricas, não tem preocupações com aqueles que
vêm de fora. É como se tivesse esquecido o seu passado.

REFERÊNCIAS

BECKER, O. M. S. Mobilidade espacial da população: conceitos, tipologia,


contextos. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (Org.).
Explorações geográficas: percursos no fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand
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Brasil. Caxias do Sul: Belas & Letras, 2015.

OLIVEIRA, A. T. de. et al. Notas sobre a migração internacional no Brasil na década


de 80. In: PATARRA, N. L. (Coord.). Migrações Internacionais Herança XX
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SAYAD, A. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Edusp, 1998.

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MOURA, H. A. (Org.). Migração interna: textos selecionados. Fortaleza:
BNB/ETENE, 1980, p. 212-244.

UERBEL, R. R., RUCKERT, A. Aspectos gerais da dinâmica migratória no Brasil no


século XXI.Revista Franco-Brasileira de Geografia, 31, 2017. Disponível em:
https://journals.openedition.org/confins/11905?lang=pt. Acesso em: 31 ago. 2019.

92
Mulheres que Viajam e Mochileiras: netnografia em grupo
feminino de viagens
Nathalia Fabiane da Cruz Leal1
Inara de Oliveira da Luz2
Andréia Skupien Bianchini3
Orientadora: Priscilla Teixeira da Silva4

Resumo: Segundo uma pesquisa realizada pelo Ministério do Turismo, 17,8% das mulheres
brasileiras preferem viajar sozinhas (BRASIL, 2017). A principal motivação seria o desejo de viver
novas aventuras, independentemente de ter ou não uma companhia. A partir desse cenário, este
artigo traz os resultados de uma das etapas do projeto de pesquisa “Mulheres que viajam sozinhas:
um estudo de gênero, raça e sexualidade no Turismo” e tem como objetivo realizar um levantamento
inicial em um site de rede social das principais interações entre mulheres que viajam. Para isso, foi
realizada uma pesquisa netnográfica no grupo fechado de facebook “Mulheres que Viajam e
Mochileiras”, com base na metodologia de Zanini (2016). A escolha desse grupo se deu devido às
publicações diárias e com frequentes interações entre mulheres, através de trocas de experiências e
busca por auxílio. Como resultados, temos a recorrência de dois temas presentes nas interações: a
dualidade medo/liberdade nas viagens femininas e a contribuição das tecnologias, as quais conferem
mais autonomia às mulheres em suas viagens solo. Para ajudar umas às outras a percorrer o mundo
em segurança, as mulheres têm constituído comunidades on-line, visto que aplicativos e grupos nas
redes sociais fornecem apoio para as viajantes.

Palavras-chave: Turismo; Gênero; Mulheres que viajam sozinhas; Netnografia.

1 INTRODUÇÃO

Segundo Antonioli (2015), diversos autores concedem a Thomas Cook o


pioneirismo em relação às viagens femininas, através das “escorted tours” (ENLOE,
2001; RICHTER, 1994 apud ANTONIOLLI 2015). Partindo-se do princípio de que,
naquele período, a mulher precisava estar acompanhada do marido, tanto para que
ele a protegesse dos “perigos” de outros homens como para que continuasse a ser

1 Acadêmica de Turismo na Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes:


lattes.cnpq.br/4863308790251893; E-mail: nathaliacleal@hotmail.com.
2Acadêmica de Turismo na Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1907863108283208; E-mail: inara_09_pel@hotmail.com.
3 Acadêmica de Turismo na Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes:
lattes.cnpq.br/6685383773222662; E-mail: andreia.bianchini@hotmail.com.br.
4 Mestra em Turismo; Universidade Federal de Pelotas; Pelotas/RS; Lattes:
lattes.cnpq.br/1780959516307874; E-mail: priscilla.cet@gmail.com.
93
considerada “respeitável”, as viagens previamente assessoradas e organizadas
forneceram mais segurança e conforto, além de terem ampliado o acesso de
mulheres às viagens solo, ainda que, inicialmente, de mulheres com alto poder
aquisitivo.
Antonioli (2015) acrescenta que, durante muito tempo, incidiram sobre as
mulheres e suas liberdades de deslocamento fatores relacionados, além de
condições financeiras e gostos de classe, constrangimentos intrinsecamente
atrelados ao fato de serem mulheres, todos esses são fatos que persistem ainda
hoje. Uma pesquisa realizada pelo Ministério do Turismo revela que 17,8% das
mulheres brasileiras preferem viajar sozinhas (BRASIL, 2017). A principal motivação
seria o desejo de viver novas aventuras, independentemente de ter ou não uma
companhia. Das mulheres entrevistadas, 62,4% pretendiam viajar pelo Brasil.
Contudo, em pesquisa realizada em 2015 (TERRA, 2015), o Brasil aparece em
segundo lugar no ranking de países mais violentos para mulheres que viajam
sozinhas, atrás apenas da Índia, em relação ao número de casos de violência sexual
e assaltos.
Nesse sentido, enquanto uma das etapas do projeto de pesquisa “Mulheres
que viajam sozinhas: um estudo de gênero, raça e sexualidade no Turismo”, este
trabalho tem como objetivo realizar um levantamento inicial, em um site de rede
social, das principais interações entre mulheres que viajam. Para isso, com base na
metodologia de Zanini (2016), foi realizada uma pesquisa netnográfica no grupo
fechado de facebook “Mulheres que Viajam e Mochileiras”.

2 MULHER, FEMININO E GÊNERO NO TURISMO

Segundo Scott (2012), nas primeiras articulações feministas, a noção de


gênero como construção social teve como objetivo analisar a relação de mulheres e
homens em termos de desigualdade e poder. Contudo, o foco de muitos trabalhos
acadêmicos e políticos sobre gênero tem sido quase exclusivamente as mulheres, o
que, segundo a autora é, em parte, um resultado da tensão entre o movimento

94
feminista na busca por uma identidade comum, que possa unir e mobilizar as
mulheres, proporcionando-lhes uma história comum, experiência e interesse.
Para Piscitelli (2006), a produção acadêmica sobre turismo e gênero teve seu
início no final da década de 1980, a partir das inquietações feministas. Até 2005
essa produção ainda era relativamente escassa e se encontrava, basicamente,
concentrada em três tópicos: o mercado de trabalho, a problemática do turismo
sexual e a produção de imagens turísticas.
A partir de uma busca com as palavras chave “mulher”, “feminino” e “gênero”,
em trabalhos publicados nos anais do Seminário da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo (Anptur), do Seminário de Pesquisa em
Turismo do Mercosul (SeminTur) e do Fórum Internacional de Turismo do Iguassu
(FIT), em todas as suas edições até 2017, Gabriel et al. (2019) apontam que apenas
0,39% das publicações do Seminário Anptur e do Festival das Cataratas e 0,32%
das publicações do Semintur versaram sobre a temática da mulher no turismo. A
partir da leitura e análise desses estudos, foi também possível observar a não
superação do cenário apontado por Piscitelli (2006), com a recorrência de três
contextos nos quais a mulher aparece nos estudos científicos na área do turismo: i)
enquanto trabalhadora no Turismo; ii) enquanto um segmento de mercado; e iii)
enquanto parte da imagem e do imaginário do paraíso Brasil; esses três contextos
evidenciam a invisibilidade da mulher enquanto viajante e turista.

3 METODOLOGIA

A Netnografia é um método de pesquisa baseado na observação participante


e no trabalho de campo on-line, que utiliza as diferentes formas de comunicação
mediada por computador como fonte de dados para a compreensão e a
representação etnográfica dos fenômenos culturais e comunais. O método
netnográfico começou a ser desenvolvido nos anos 90 no campo da pesquisa de
marketing e de consumo, uma área interdisciplinar que se caracteriza por incorporar
pontos de vista de diversos campos, como a antropologia, a sociologia e os estudos

95
culturais (KOZINETS, 2014).
Para realizar um levantamento inicial das interações entre mulheres viajantes,
foi escolhido um grupo fechado do site de rede social facebook “Mulheres que
Viajam e Mochileiras”. A escolha se deu por ser um grupo com publicações diárias e
com frequentes interações entre mulheres por meio de trocas de experiências e
busca por auxílio, dentre outras questões.
A pesquisa foi realizada de 01 a 10 de junho de 2019 e, a partir da
metodologia proposta por Zanini (2016), dividida em duas etapas: mapeamento e
caracterização do grupo e, posteriormente, a análise das postagens.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Segundo Zanini (2016), em uma pesquisa netnográfica, as primeiras análises


e observações são descritivas gerais, numa tentativa de traçar um panorama da
situação das pessoas e do que ocorre ali, naquele ambiente digital escolhido.
Shatzman e Strauss (1973) apud Zanini (2016) sugerem que, para essa análise
descritiva, seja feito um mapeamento inicial do local a ser estudado. São os três
tipos de mapas propostos por esses autores: social, espacial e temporal. O Mapa
Social descreve as pessoas que fazem parte daquele ambiente; o Mapa Espacial
descreve as características do ambiente; e o Mapa Temporal descreve as questões
relacionadas com o tempo.

Mapa Temporal
✔ Rotinas de discussões das postagens: Diárias
✔ Histórico: Mulheres que viajam e Mochileiras. Grupo criado em 25 de junho
de 2016. 56.531 mil membros. Criadora e Administradora: Gilsimara Caresia.
✔ Contexto: Grupo Fechado com o intuito de ser um auxílio para mulheres
trocarem dicas sobre viagens, relatos de experiências, buscar companhia feminina e
encorajar mulheres a viajarem sozinhas;
✔ Tempo de vida: desde 25 de junho de 2016.
96
Mapa Social
✔ Quantidade de perfis daquele ambiente: 56.531
✔ Quais perfis identificados: a partir dos perfis disponíveis daquelas que
interagiram ao longo de 01 a 10 de junho, foi possível identificar que se tratavam, em
grande maioria, de mulheres que já concluíram o ensino superior, algumas com o
ensino superior em formação, mulheres mães, brasileiras residindo no país de
origem e no exterior.

Mapa Espacial
✔ Quais os formatos de postagem daquela rede (texto, imagens, vídeos,
gifs): texto e imagens.
✔ Quais os formatos de interação (curtidas, retweets, comentários): curtidas
(reações) e comentários.
✔ Característica do tipo de ambiente (fanpage, grupo fechado, canal do
youtube): Grupo fechado no Facebook;
✔ Descrição do ambiente (aberto, fechado): Fechado;
✔ Delimitação do tamanho espacial (ego/centrada, sócio/centrada, rede
infinita): Sociocentrada. As Redes Sociocentradas são aquelas que possuem uma
delimitação bem definida. Em um contexto presencial, um exemplo seria uma rede
corporativa de apoio profissional. Se o pesquisador buscar mapear as interações de
apoio profissional entre os colaboradores de uma empresa, sua delimitação e
escopo completo a tornam uma rede sociocentrada. Nas mídias sociais, exemplos
de redes sociocentradas podem ser o mapeamento de interações dentro de um
grupo ou página do Facebook, analisando todas as interações entre perfis que
conversam nos posts, por exemplo. (KADUSHIN, 2012).
Principais temas debatidos - Ao longo de 10 dias de pesquisa, foram
analisadas 166 postagens publicadas no grupo fechado “Mulheres que viajam e
Mochileiras”. A partir da leitura e análise dos textos e imagens, foram identificados
os principais temas debatidos, conforme o Gráfico 1, a seguir.

97
Gráfico 1 – Principais temas debatidos

Fonte: Autoria Própria (2019).

Foram encontradas publicações as quais abordam mulheres à procura de


companhia feminina para viajar, passear por atrativos específicos, vivenciar
experiências no turismo e busca por hospedagem em residência feminina em troca
de trabalhos como: serviços domésticos e tatuagens em forma de pagamento; busca
por recomendações de trajetos mais seguros; encorajamento para viajar na
companhia do filho ainda criança; considerações e relatos de experiências que
possam servir de auxílio para futuras viagens (nacionais e internacionais);
divulgação de tattootrip (troca de tatuagens por hospedagem e passagens dentro da
Europa), além de reportagens compartilhadas no grupo com temas que abordam
publicações de blogs sobre viagens e turismo; notícias a respeito de empresas
aéreas; empoderamento feminino; roteiros e destinos turísticos, dentre outros. Para
esse trabalho, serão analisadas as 7 (sete) postagens com maior número de
comentários no grupo, conforme a tabela abaixo:

98
Tabela 1 – Postagens mais comentadas no mês de junho/2019
Número total Número Tema
Publicações mais relevantes de total de
comentários reações
Relatos de
Relato de insegurança na viagem realizada solo em
524 326 situações de
Barcelona (Espanha)
perigo
Relato sobre cicloviagem pela América Latina sozinha, Buscando
com duração de dois meses. Relatou encontrar apenas considerações /
pessoas do sexo masculino praticando relatos de
189 798
o mesmo estilo de viagem experiências

Buscando por
Buscando destinos de sol e praia no Brasil no inverno. roteiros destinos /
124 43
atrativos

https://www.curiosidadesdaterra.com/2 019/06/jovem-
esconde-sua-viagem- para-nao-
ter.html?fbclid=IwAR2a3RKqOqu6vhzT
hs5PjbZuJL8thN0i2J9bDKdcWX1fjsM4 83 1,1 mil Reportagens
-jguQikg3LY

Indicação de roteiro em Frankfurt (Alemanha),


Amsterdã (Holanda), Paris (França), Roma (Itália). Com Indicações de
relato positivo da experiência de viagem que foi destinos para
73 173
realizada sozinha viajar

Plataformas
Indicação da plataforma worldpackers 71 334
digitais / apps

Buscando dicas de como se virar em viagem solo pela


57 51 Idiomas
Europa sem falar outro idioma além do Português BR
Fonte: Autoria Própria (2019).

Nas sete publicações mais comentadas durante os 10 dias de pesquisa, dois


temas se tornam recorrentes: a dualidade medo/liberdade nas viagens femininas e a
contribuição da tecnologia, que conferem mais autonomia as mulheres em suas
viagens solo.
Entre os dias da pesquisa, foram postadas duas publicações trazendo relatos
de mulheres em situações de perigo em viagens. Uma postagem traz o depoimento
de uma mulher que foi seguida por um homem após pedir informações em uma rua
em Roma e uma outra postagem, a mais comentada no período de realização da
pesquisa, traz o desabafo de uma turista brasileira viajando sozinha pela Europa.

99
Recém-chegada em Barcelona ela se perdeu na cidade, sentiu medo, sentiu-se
sozinha, com vontade de voltar para casa, chegando a considerar uma “loucura”
viajar sozinha e, por isso, pediu conselhos no grupo. Ambas as postagens geraram
desde comentários de encorajamento a relatos de situações semelhantes de perigo,
dicas de cuidados a tomar (o que fazer e evitar) em viagens solo, assim como
recomendação de aplicativos para auxílio com a localização, com o idioma no
exterior, entre outras funcionalidades.
Piscitelli (2017) discute o quanto, ainda hoje, mulheres viajando sozinhas ou
sem companhia masculina enfrentam situações problemáticas em diversos países,
citando, como exemplo, o assassinato de duas turistas argentinas no Equador, em
2016. Na época, diversas manifestações nas redes sociais, incluindo da vice-
ministra do Turismo do Equador, apontavam para uma culpabilização das vítimas,
que se “arriscaram” ao viajar sozinhas, mostrando um quadro preocupante para os
movimentos feministas, em que mulheres viajantes, no século XXI, ainda
permanecem sujeitas às desigualdades de gênero e estão mais vulneráveis em
espaços públicos.
Poucos são os autores que trabalham com temas ligados à violência contra
mulheres viajantes, tanto no feminismo com no turismo. Os trabalhos que existem
sobre o assunto estão compreendidos em estudos sobre relações sexuais e afetivas
estabelecidas entre mulheres viajantes (oriundas de países ricos) e homens locais
(países pobres), um campo conhecido como “Turismo Romance” e “Turismo Sexual
Feminino”. Obviamente, tal literatura não dá conta da complexidade de situações e
violências; entretanto, Piscitelli (2017) recorre a essa literatura tendo em vista que,
até o momento, foi a que se debruçou mais diretamente sobre situações de violência
contra mulheres turistas. A autora busca referências na obra Sex tourism: do women
do it too? de Sheila Jeffreys (2003):

Segundo ela, as configurações de gênero, independentemente de


privilégios vinculados a raça, classe, nacionalidade, inevitavelmente têm o
efeito de situar as viajantes de países “ricos” em posições subordinadas e,
portanto, alvos de violência (PISCITELLI, 2017, p. 21).

100
Ainda nessa dualidade medo/liberdade, vale a pena ressaltar o relato de uma
mulher viajante realizando uma cicloviagem pelo Brasil e futuramente pela América
Latina. Publicada no grupo com fins de empoderamento feminino e inspiração para
que outras mulheres realizem viagens nesse estilo, a postagem traz fotos e
depoimentos de uma experiência de dois meses que se estenderá por um ano, onde
a viajante relatou encontrar apenas homens praticando o mesmo estilo de viagem.
Essa postagem recebeu muitos comentários de outras mulheres em busca de
encorajamento para realizar viagens sozinhas, além de questionamentos sobre “por
onde começar”.
Em relação à contribuição das tecnologias para as viagens femininas,
devemos começar pelo próprio recurso do grupo em um site de rede social que
promove a conexão entre as mulheres viajantes. As discussões e postagens em
torno de um tema comum, os sabores e dessabores das viagens realizadas por
mulheres, proporcionam trocas de experiências e contatos, capazes de encorajar a
viajar mulheres que ainda não viajaram, sejam sozinhas, com os filhos ou com
outras mulheres (que as acompanham ou hospedam no destino). Aplicativos como
Google Tradutor, CityMaps2Go, Waze, entre outros que possibilitam uma maior
autonomia e confiança ao viajante, tornam-se de extrema importância nas viagens
femininas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo apresenta uma pesquisa piloto, a primeira tentativa de desvelar os


relatos das mulheres viajantes em um site de rede social. A partir das publicações
analisadas no período de dez dias, podemos concluir que a grande maioria das
mulheres opta por viajar sozinhas ou sem companhia masculina em busca de
empoderamento, embora ainda enfrentem problemas como a violência. Para ajudar
umas às outras a percorrer o mundo em segurança, as mulheres têm constituído
comunidades on-line, visto que aplicativos e grupos nas redes sociais fornecem
apoio para as viajantes. Os principais achados do trabalho dizem respeito à

101
qualidade dos relatos analisados, pois é possível encontrar, de forma recorrente, a
dualidade medo/liberdade nas viagens femininas e a contribuição da tecnologia, o
que intensifica as conexões entre as mulheres e confere mais autonomia para suas
viagens sozinhas.

REFERÊNCIAS

ANTONIOLI, F. L. A. Viagens no feminino: gênero, turismo e transnacionalidade.


2015. 131 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP.

BRASIL, Ministério do Turismo. Pesquisa aponta que 17,8% das mulheres


brasileiras preferem viajar sozinhas. Disponível em
http://www.brasil.gov.br/noticias/turismo/2017/03/pesquisa-aponta-que-17-8-das-
mulheres- brasileiras-preferem-viajar-sozinhas. Acesso em: 02 fev. 2019.

GABRIEL et. al. Mulher, feminino (a) e gênero: uma análise da produção acadêmica
a partir das publicações em três eventos da área de turismo. In: XIII Fórum
Internacional de Turismo do Iguassu. Apresentação oral. Foz do Iguaçu, 2019.

KOZINETS, R. V. Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Porto Alegre:


Penso, 2014.

PISCITELLI. A. Gênero, Turismo, Desigualdades. BRASIL, Ministério do Turismo.


Turismo social: diálogos do Turismo: uma viagem de inclusão / Ministério do
Turismo, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Rio de Janeiro: IBAM, 2006,
p. 205-245.

PISCITELLI. A. “#queroviajarsozinhasemmedo”: novos registros das articulações


entre gênero, sexualidade e violência no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas-SP, n.
50, s/n, mai./ago. 2017.

SCOTT, J. W. Os usos e abusos do gênero. Projeto História, São Paulo, n.45,


pp.327- 351, dez. 2012.

TERRA. Brasil é 2º em lista de piores países para mulheres turistas. Disponível


em
https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/mulher/brasil-e-2-em-lista-de-piores- paises-
para- mulheres- turistas,01a2df104acbb410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html.
Acesso em: 02 fev. 2019.

102
ZANINI, D. Etnografia em Mídias Sociais. SILVA; STABILE. Monitoramento e
Pesquisa em Mídias Sociais Metodologias. São Paulo - SP: Uva Lima, 2016. p.
163-185.

103
O enoturismo no Vale dos Vinhedos: um estudo territorial
no entorno da Vinícola Miolo
Cárin Schakowski de Oliveira1
Caroline Peccin da Silva2
Júlia Luise Altmann3
Orientador: Pedro de Alcântara Bittencourt César4

Resumo: A Serra Gaúcha atrai cada vez mais turistas, interessados principalmente na prática do
Enoturismo. Estes buscam acompanhar o processo de plantio da uva e fabricação do vinho que há
décadas define a elaboração de rotas e roteiros na região. De acordo com a Embrapa, esta região
possui o maior número de propriedades vitivinícolas do Rio Grande do Sul. Vista a importância do
assunto, este trabalho busca compreender o enoturismo no Vales dos Vinhedos, dando um enfoque no
recorte territorial nas proximidades da Vinícola Miolo. Busca-se com a realização deste estudo entender
as dinâmicas territoriais locais, levantando assim, hipóteses para compreender a lógica da organização
do território que envolve o enoturismo nas suas proximidades. Como procedimento metodológico o
estudo inicia definindo o recorte territorial. Posteriormente a revisão bibliográfica acerca do assunto e
sustentando as áreas de estudo que justifica o reconhecimento das centralidades existentes.

Palavras-chave: Enoturismo; Serra Gaúcha; Rotas Turísticas; Vinícola Miolo.

1 INTRODUÇÃO

O Vale dos Vinhedos situa- se na Serra Gaúcha, no Estado do Rio Grande do


Sul. Apontado como o principal roteiro de enoturismo do Brasil, proporciona aos
turistas experiências marcantes como a degustação de vinhos, a gastronomia da
imigração italiana e sua a paisagem. Este local, determinado como principal atrativo
de Bento Gonçalves, tem suas áreas estendidas aos municípios de Garibaldi e Monte
Belo do Sul. O Vale representa um legado histórico, cultural e gastronômico deixado
pelos imigrantes italianos que chegaram à região a partir de 1875. Nele, são

1Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Caxias do Sul; IC: PROBIC/ FAPERGS;


Caxias do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9684908370613655; E-mail: csoliveira1@ucs.br.
2Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Caxias do Sul; IC: BIC/UCS; Caxias do
Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1776577871405119; E-mail: carolinep.peccin@gmail.com.
3Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Caxias do Sul; IC: Bolsa Universal Apoio
Técnico à Pesquisa, CNPQ; Caxias do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7143482033146116; E-
mail: jlaltmann@ucs.brl.com.
4 Doutor em Geografia; Docente da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0900226519393513; E-mail: pabcesar@ucs.br.
104
destacadas as modernas tecnologias para produção de uva e vinhos finos e
infraestrutura turística de alta qualidade. Pequenas propriedades rurais
compartilham o território com vinícolas de diferentes portes, contemplando desde
cantinas familiares, assim como grandes empresas (APROVALE, 2019).
Entretanto, embora este pequeno percurso turístico é visitado anualmente por
centenas de milhares de pessoas, observa-se uma forte concentração em pontos
específicos. Neste contexto, espera-se como objetivo do estudo, compreender as
lógicas territoriais que determinam a apropriação de certa área no Roteiro dos Vales
dos Vinhedos em detrimento a outras. O artigo é estruturado em cinco capítulos, que
inicia com a definição do recorte de estudo, prosseguindo com o embasamento teórico
acerca do assunto. O quarto capítulo aborda a evolução da paisagem vitivinícola no
entorno da Miolo chegando-se assim, às considerações finais que fazem um
levantamento de hipóteses que possam justificar a concentração de atividades nesta
área.

2 JUSTIFICATIVA/IMPORTÂNCIA

A Serra Gaúcha, região de atividade com forte apelo no enoturismo, vem


atraindo cada vez mais turistas. Estes, buscam a oportunidade de acompanhar e
entender os métodos de plantio da uva até o processo de fabricação do vinho. É nela
que fica localizado o roteiro Vale dos Vinhedos, apontado como o principal do Brasil.
No vale, encontram-se as mais conhecidas vinícolas da região que atraem centenas
de milhares de visitantes anualmente. Porém, é observada uma concentração de
turistas em certos pontos de sua extensão em detrimento de outros. Estes, ficam
localizados principalmente no entorno da Vinícola Miolo. Com isto, cria-se uma
segregação com as outras áreas que acabam por não se desenvolverem tanto quanto
esta porção do território. Com a intenção de compreender a relação de turista/território
realiza-se este estudo que inicia-se através do mapeamento do Vale dos Vinhedos
para assim entender a lógica territorial envolvendo as vinícolas e os atrativos neles
contidos. Espera-se assim, contribuir com um estudo que aponte as forças e

105
fraquezas do roteiro.

Figura 01 - Localização do Vale dos Vinhedos na Região da Serra Gaúcha

Fonte: Elaborado pelo Núcleo de Estudos Urbanos (2019).

3 ENOTURISMO NA SERRA GAÚCHA

Segundo Hall (2002) pode-se definir o enoturismo como um segmento de


fenômeno turístico, que pressupõe deslocamento de pessoas, motivadas pelo
contexto da degustação e elaboração de vinhos, bem como a apreciação das
tradições, de cultura, da gastronomia, das paisagens e tipicidades das regiões
produtoras de uvas e vinhos. É um fenômeno dotado de subjetividade, em que a
principal substância que o configura de fato é o encontro com quem produz uva e
vinho.
O principal destino enoturístico do Brasil é a Região Uva e Vinho, no Rio
Grande do Sul. Entre as organizações representativas regionais destaca-se a
Associação de Turismo da Região Uva e Vinho (ATUASERRA), a Associação dos
106
Produtores do Vale dos Vinhedos (APROVALE), com sede em Bento Gonçalves é a
organização que reúne os atores do principal roteiro enoturístico da região e do Brasil,
e o Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN).
O Vale dos Vinhedos é composto por vinícolas de diferentes portes, de
cantinas familiares a grandes empresas, além de pequenas propriedades rurais.
Foram colhidos 663,2 milhões de quilos de uvas destinados ao processamento de
produtos vinícolas. O Rio Grande do Sul responde por 90% da produção nacional
(IBRAVIN, 2018).
De acordo com a ATUASERRA (2019), em 1950, a Região Uva e Vinho
assumiu relativa independência sobre seu desenvolvimento e sobre seu ordenamento
geográfico, ingressando no modo de produção do capitalista moderno, por meio da
organização solidária e do estabelecimento de redes locais.

4 EVOLUÇÃO DA PAISAGEM VITIVINÍCOLA NO ENTORNO DA VINÍCOLA MIOLO


NO VALE DOS VINHEDOS

O turismo rural, conforme Brambati (2006), emerge na década de 1990. Este


segmento de turismo se concentra em torno dos assentamentos migratórios. Seus
assentamentos territoriais definem por travessões, linhas e das antigas estradas de
imigrantes. Hoje, em alguns destes se tem com o principal objetivo conduzir o turista
até uma casa típica colonial ou também a uma adega onde se é, até os dias de hoje,
possível degustar um bom vinho e saborear iguarias típicas italianas.
O Enoturismo é um segmento da atividade turística que proporciona aos seus
simpatizantes um envolvimento com o universo da enologia, bem como também um
entendimento das etapas dos processos para a sua preparação da bebida,
compreendendo desde o processo do plantio, do cultivo, da produção e por fim o da
degustação.
Conforme Locks e Tonini (2004, p. 2):

O Enoturismo é um segmento da atividade turística que se fundamenta em


viagens que são motivadas por pessoas que apreciam o aroma, o sabor e a

107
degustação de vinhos, bem como a apreciação das tradições e tipicidade das
localidades que produzem esse tipo de bebida.

Hoje a principal atividade voltada ao enoturismo no Brasil está na Serra


Gaúcha onde se destaca o Roteiro do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, Rio
Grande do Sul. A região Vale dos Vinhedos possui Indicação de Procedência (IP)
desde 20021, e em 2012 também foi conquistada a Denominação de Origem (DO)2,
ambos concedidos pelo INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial - , onde
estes selos favorece a aceitação dos produtos no mercado tanto nacional como
internacional.
O Vale dos Vinhedos é formado por diversas cantinas e vinícolas. Muitas delas
com possibilidade de visitação, destacando aquelas com infraestrutura adequada para
receber o enoturista, no caso de recintos para degustar o produto e estrutura para
visitação pela propriedade. Dentre elas pode-se destacar a Vinícola Miolo.
Estabelecimento fundado em 1989 pelos irmãos Darcy, Antônio e Paulo Miolo. A sede
em Bento Gonçalves, conta com 100 hectares produtivos de diversas variedades de
videiras.
Segundo Susin (2003), a família Miolo apresenta em 1995 uma estratégia de
venda para o produto. Neste período o mercado vitícola nacional tem a invasão por
vinho estrangeiro. Assim, muitas vinícolas nacionais fazem o reposicionamento de
seus produtos. Entre suas estratégias, o vinho foi oferecido em diversos segmentos,
através da degustação, com isso objetivou-se um lugar no mercado consumidor, bem
como a qualificação e desenvolvimento de sua equipe. Em 1998 a 1999, conforme
Susin (2003), a Vinícola Miolo sofre com a falta do seu produto no mercado devido a
grande demanda, neste ano a produção de vinhos próprios foi de 2.000.000 de litros
de vinho fino. Na figura 02 se observa a distribuição dos vinhedos na região da Serra
Gaúcha, com destaque para o Vale dos Vinhedos. Já na figura 03, o recorte mais
aproximado mostrando os atrativos, vinícolas entre outros equipamentos que

1 IP - Indicação de Procedência: é relevante a fama que determinada região atingiu no


desenvolvimento do produto ou serviço, no caso, na produção de vinhos.
2 DO- Denominação de Origem: refere-se ao nome geográfico de país, cidade, região ou localidade

que indique onde o produto ou serviço foi feito.


108
compõem o roteiro turístico do Vale.

Figura 02 - Mapa dos vinhedos da Serra Gaúcha

Fonte: Adaptado pelas autoras com base na EMBRAPA.

Figura 03 - Mapa dos vinhedos da Microrregião de Caxias do Sul

Fonte: Adaptado pelas autoras com base na EMBRAPA

109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concentração de vinícolas e atrativos ocorre principalmente na porção Norte


do território do Roteiro Vale dos Vinhedos, onde fica também localizada a vinícola
Miolo. São observadas algumas hipóteses que motivam tais fatores: A presença de
vias estruturantes, caso da RS 444 que possui grande significância histórica, devida
a ligação com o município de Santa Tereza/RS e o Rio Taquari, este que fazia as
conexões com outros municípios da região. Também é observada a clareza de
sinalizações para o turista na parte do Vale que abrange o município de Bento
Gonçalves, facilitando assim o acesso ao roteiro, outro fator é o incentivo das
prefeituras em divulgar o roteiro sendo mais intensificado no município de Bento
Gonçalves.
Observa-se também que o Vale dos Vinhedos tem seu maior território situado
em Bento Gonçalves, contando com 60% do território total, logo em seguida Garibaldi
e Monte Belo do Sul com 33% e 7%, respectivamente. O vale possui uma área total
de 81,123 km², sendo que 26 % desta área é destinado para o plantio dos vinhedos.
Assim, além da localização estratégica da Vinícola Miolo é igualmente
apontada uma tribulação sofrida pela mesma, em relação a falta do produto no
mercado consumidor nos anos de 1998 a 1999. Conforme Susin (2003), se fez
necessário a união com mais 80 produtores totalizando uma área de 450 hectares
produtivos (sendo que 100 hectares são de propriedade da Miolo) aumentando assim
para 4.000.000 litros de vinho fino. Devido a grande aceitação dos produtos da
Vinícola Miolo, a mesma buscou diversificar e abranger sua produção de vinhos e
derivados, expandindo suas atividades para outras regiões do Brasil, como no Vale
do Rio São Francisco no nordeste brasileiro e também para a Campanha Gaúcha.
O estudo permitiu reconhecer algumas das fraquezas do Roteiro Vale dos
Vinhedos. Foi identificado que a porção que abrange o município de Garibaldi é a
menos desenvolvida, contando com poucos equipamentos e vinícolas de forma mais
dispersas. Também foi possível verificar que o entorno da Vinícola Miolo é o mais
desenvolvido e a concentração das propriedades acontecem de forma mais linear e

110
são distribuídas principalmente ao longo da rodovia RS 444.

REFERÊNCIAS

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Gaúcha. Porto Alegre, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.

DODD, T. H.; PINKELTON, B. E.; GUSTAFSON, A. W. External information sources of


product enthusiasts. Psychology and Marketing, v. 13, n. 3, p. 291-305, 1996.

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como símbolo das indicações de procedência de vinhos das regiões, Vale dos
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Federal do Rio Grande do Sul, 2011.

FORBES, S. L. The influence of gender on wine purchasing and consumption: an


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Research, v. 24, n. 2, p. 146-159, 2012.

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teóricas no campo do turismo. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM TURISMO DO
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Caxias do Sul, 2004. Disponível em: https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/22-
enoturismo.pdf. Acesso em: 20 out. 2019.

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Vinhedos. Porto Alegre, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

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Vinhedos. Caxias do Sul, RS: Universidade de Caxias do Sul, 2007.

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ZANINI, T. V. Enoturismo no Brasil: um estudo comparativo entre as regiões


vinícolas do Vale dos Vinhedos (RS) e do Vale do São Francisco (BA/PE). Caxias do
Sul, RS: Universidade de Caxias do Sul, 2007.

111
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http://www.valedosvinhedos.com.br/vale/index.php. Acesso em: 17 out. 2019.

IBRAVIN. Instituto Brasileiro do Vinho. Disponível em: https://www.ibravin.org.br/


Acesso em: 17 out. 2019.

UCS. Universidade de Caxias do Sul. Disponível em:


https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/22-enoturismo.pdf. Acesso em: 14 set. 2019.

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https://travelpedia.com.br/decifrando-os-varios-tipos-de-turismo/. Acesso em: 14 set.
2019.

EMBRAPA. Empresa brasileira de pesquisa agropecuária. Disponível em:


http://www.cnpuv.embrapa.br/cadastro-viticola/rs-2013-
2015/dados/e_area_das_propriedades.html. Acesso em: 14 set. 2019.

112
O entrelaçamento das perspectivas dos estudantes de
turismo: Formação e carreira do futuro profissional
Daniel Júnior Ficagna1
Yanka dos Santos Tavares2
Orientador: José Carlos de Souza Dantas3

Resumo: O presente artigo surge de um Projeto de Pesquisa iniciado em 2014 e tem por finalidade
identificar quais são os atributos que o aluno ingressante no curso de turismo da Faculdade de
Turismo e Hotelaria da Universidade Federal Fluminense espera adquirir na sua formação em relação
ao curso escolhido, associando-os com as competências necessárias para sua atuação profissional
no futuro. Para isso, fez-se uma pesquisa quantitativa por meio da aplicação de questionários aos
estudantes do primeiro período. Os resultados indicam que os investigados buscam nesta formação a
capacidade de compreender o mundo a partir de uma visão abrangente, a obtenção de uma
formação técnica e científica para atuação no planejamento e na gestão de planos, programas e
projetos no campo do turismo, dentre outras expectativas. Aliando-as com o perfil desejado para um
bacharel em turismo, é possível afirmar que o amplo domínio do fenômeno turístico no âmbito
acadêmico forma profissionais mais qualificados no mercado de trabalho.

Palavras-chave: Turismo; Formação superior; Perfil dos estudantes.

1 INTRODUÇÃO

O estudo do fenômeno do turismo no ensino superior no Brasil, data de 1971


e sofreu mudanças significativas de abordagem ao longo do tempo,
concomitantemente com o interesse de estudantes de diferentes níveis sociais,
culturais e econômicos em estudar turismo na graduação. A oferta dos cursos
superiores em turismo cria uma demanda para que se estude academicamente o
perfil do estudante que opta pelo curso.
O curso de Bacharelado em Turismo oferecido pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) tem um projeto de pesquisa intitulado Perfil do Aluno Ingressante
na Faculdade de Turismo e Hotelaria (FTH), cuja finalidade é conhecer o perfil

1Acadêmico de Bacharelado em Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes:


http://lattes.cnpq.br/6250312908344298; E-mail: danieljf@id.uff.br.
2Acadêmica de Bacharelado em Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1657299649714792; E-mail: yankatavares@id.uff.br.
3Mestre em Turismo; Docente na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4696734213649495; E-mail: jcsdan@gmail.com.
113
acadêmico, sociocultural e econômico dos alunos ingressantes nas Graduações da
FTH da UFF, compreender os fatores e circunstâncias que incentivaram tal escolha,
bem como a forma de entrada na citada Instituição. São realizadas duas pesquisas
por ano respeitando-se o sistema semestral de entrada da Universidade. O estudo é
feito por meio de pesquisa censo, com a aplicação de um questionário composto por
36 perguntas que vão possibilitar aos pesquisadores identificar o perfil do aluno
ingressante no referido curso.
Em função da diversificação de fatores que determinam a escolha de um
curso superior, o presente estudo visa responder ao seguinte problema: Quais são
as competências que os recém ingressos no Curso Superior de Turismo da
Universidade Federal Fluminense esperam desenvolver ao longo de sua formação
acadêmica? Assim, o objetivo central é analisar as expectativas dos estudantes em
relação ao curso escolhido, visando sua atuação profissional, com base nas
pesquisas de 2014 até 2017. Com este trabalho, busca-se contribuir também para
levantar reflexões pertinentes ao Núcleo Docente Estruturante do curso, traçando
estratégias pedagógicas, projetando melhorias e adequações curriculares
consonantes às expectativas dos alunos ingressantes.
O tratamento metodológico para se obter os dados para o desenvolvimento
do estudo proposto é o somatório de pesquisa bibliográfica para elaboração do
referencial teórico e pesquisa documental baseada no relatório final produzido pelos
pesquisadores do projeto que contém as principais perspectivas dos alunos
ingressantes no Curso de Turismo da FTH, da UFF.

2 A EPISTEMOLOGIA DO TURISMO E O “FAZER-SABER”

O estudo do fenômeno turístico ainda é uma atividade muito recente se


comparado às áreas consideradas ciências que oferecem as ferramentas para o
estudo e abordagens do turismo (LOHMANN; NETTO, 2012). De acordo com
Moesch (2002, p. 9) “As multireferencialidades existentes na análise do turismo,
enquanto fenômeno social, cultural, comunicacional, econômico avança fronteiras de

114
uma única disciplina, ou de um único campo do saber”. Dessa forma, ainda há um
campo de estudo muito amplo a se explorar, visto que o turismo está em
crescimento contínuo (RUSCHMANN; TOMELIN, 2013).
No Brasil, desde os primeiros cursos de graduação em turismo, a produção
científica, a terminologia e os conteúdos foram sendo aprimorados, inserindo os
egressos dos cursos no mercado de trabalho ou como docentes e pesquisadores,
com publicações significativas (RUSCHMANN; TOMELIN, 2013).
No entanto, segundo Tomazzoni (2007, p. 205), “[...] a falta de profissionais
qualificados para atuação no setor é um dos fatores que dificultam o
desenvolvimento do turismo”. Sendo assim, apesar da oferta de cursos a nível
médio e superior na área ter crescido, ainda não cobre a demanda de profissionais
para o setor.
Embora não ser esta a discussão que se pretende abordar neste trabalho,
vale refletir, como contraposição à afirmação de Tomazzoni (2007), se realmente
faltam profissionais qualificados para a atividade ou se eles existem, porém não são
inseridos no mercado de trabalho nas infinidades de possibilidades para a atuação
de um turismólogo.
O fato que pode vir a elucidar ambas as questões é a Lei nº 12.591, de 18 de
janeiro de 2012, que reconhece a profissão de turismólogo e disciplina o seu
exercício, entretanto tem os artigos I, III e IV vetados, os quais descrevem quem
poderia exercer a profissão de turismólogo. A razão dos vetos é: “A Constituição em
seu art. 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade
de ocorrer algum dano à sociedade” (BRASIL, 2012). Sendo assim, qualquer
pessoa, formada ou não, pode vir a trabalhar na atividade turística.
Uma das possíveis consequências dessa não regulamentação é o que
Moesch (2002), denomina como “fazer-saber”. A autora traz a hipótese de que “o
saber turístico é um fazer-saber, não existindo saber além daquele que resulta de
um fazer-saber” (MOESCH, 2002, p. 8). Em outras palavras, o profissional que atua

115
na atividade turística teria suas competências enriquecidas no local de trabalho
(TOMAZZONI, 2007), isto é, na prática.
Ainda segundo Moesch (2002, p. 20), “a passagem do fazer-saber para o
saber-fazer, no campo turístico, impõe à academia o aprofundamento dos
conhecimentos perpassados por seus currículos”, ou seja, conduz a uma nova
agenda para os estudos do turismo. Essa mudança de “fazer-saber” para “saber-
fazer” trará uma nova perspectiva à atividade turística, com um novo perfil de
profissional.
Molina (2003) descreve a respeito da necessidade desse novo perfil de
profissional, relatando que a maioria dos empregos - de todos os níveis - no
mercado turístico formou-se no cotidiano de trabalho, portanto, são escassos os
recursos teóricos e a cultura de uma gestão adequada. Destaca ainda, a
necessidade de ampliação dos conhecimentos na área, por meio de uma nova
academia, em que a teoria que perpassa nas salas de aula não seja o único cenário
para adquirir conhecimento a respeito do fenômeno do turismo.
O bacharel em turismo formado pela UFF é dotado de conhecimento teórico-
prático para uma atuação completa na área, desenvolvendo um senso humano
crítico que o leve a fortalecer o turismo enquanto atividade e contribuir com ações
positivas na sociedade, assumindo uma postura de cidadão consciente da realidade
que o cerca (TURISMO UFF, 2019).
Conforme apresentação no site oficial da coordenação do curso, o foco
principal está na “formação de profissionais qualificados para assumir o
planejamento, a gestão e administração de sistemas turísticos [...], a partir de uma
visão holística da relevância do fenômeno turístico no mundo contemporâneo”
(TURISMO UFF, 2019).
No Brasil, a crescente demanda na área, preponderantemente na segunda
década do século XXI, tem sido anunciada no espaço público e privado, embora
também se verifique uma situação preocupante de um desenvolvimento turístico não
sustentável e que perpassa, entre outras, questões educacionais e sociais, além do
escasso preparo da população moradora nos espaços turísticos. Portanto, embora a

116
atividade seja empreendedora, seu universo exige procedimentos técnicos e
profissionais oriundos de uma formação de graduação sólida e que requer, por parte
dos alunos e professores, uma avaliação condizente ao cenário atual.
Por outro lado, a glamourização do setor de Turismo e Hotelaria, algumas
vezes, é promovida por uma mídia equivocada e pelo imaginário social idealizado.
Neste contexto, pretende-se analisar quais as competências que os estudantes
almejam adquirir ao longo do curso e se estas estão em conformidade com o que se
espera deste novo profissional que deve buscar o desenvolvimento adequado da
atividade turística.

3 AS EXPECTATIVAS DOS INGRESSANTES NO CURSO DE TURISMO

Os ingressantes no curso de bacharelado em turismo esperam adquirir uma


formação superior que os habilite a atuar no amplo mercado de trabalho que o
turismo comporta, ainda que na prática essas oportunidades não se apresentem no
cenário nacional (FICAGNA; SILVA; ROCHA; TAVARES, 2018).
Exemplo disso são as alternativas assinaladas por 213 alunos recém
inseridos no ambiente acadêmico a partir do segundo semestre de 2014 até o
primeiro semestre de 2017 ao serem questionados sobre as capacidades que
anseiam desenvolver ao longo do ensino superior em turismo, conforme tabela a
seguir:

117
Figura 1 – Expectativas a respeito das competências a serem desenvolvidas

Fonte: elaboração própria.

Percebe-se que a maior parte dos respondentes (83,1%) possui como


perspectiva ser capaz de compreender o mundo a partir de uma visão abrangente.
Tal expectativa se confirma pelo fato do turismo estar inserido em uma área
diversificada podendo, assim, atuar em diferentes campos do conhecimento o que
está de acordo com o observado por Tomelin e Ruschmann (2013, p. 224):

A formação específica proporcionada pelos cursos superiores de turismo


cujas disciplinas no Brasil abrangem áreas dos estudos sociais,
econômicos, administrativos, jurídicos e turísticos favorece a pesquisa
científica e a preparação de profissionais capacitados para atuar em um
campo de trabalho que precisa ser encarado com seriedade e
profissionalismo.

É necessário que a teoria seja constantemente confrontada à prática e que


tais conhecimentos se inter-relacionem por meio da elaboração de um projeto
pedagógico capaz de contemplar as diferentes correntes de investigação, a fim de
que cada aluno disponha do necessário para desenvolver seu potencial.
A segunda alternativa mais apontada pelos investigados (74,65%) diz respeito
à obtenção de uma formação técnica e científica para atuação no planejamento e na
gestão de planos, programas e projetos no âmbito do turismo. Neste sentido, afirma
Tomazzoni (2007, p. 205): “[...] uma das principais razões destacadas pela OMT

118
para a expansão do mercado do turismo é a qualificação profissional, que contribuiu
com a melhoria da qualidade dos serviços”.
Do mesmo modo que o estudo do turismo, a formação do profissional na área
também é recente, sendo possível a partir do reconhecimento da profissão por meio
da Lei n. 12.591, de 18 de janeiro de 2012, o que torna lento o processo de
amadurecimento e conscientização por parte do mercado de trabalho em selecionar
e abrir espaço para atuação de quem busca formação acadêmica na área.
Nos últimos anos, o Brasil vem registrando um crescimento e incentivo aos
empreendedores, conforme apresenta o relatório Global Entrepreneurship Monitor
Brasil 2018. Ter seu próprio negócio é apontado como o sonho de 33% dos
brasileiros - ocupando a 4ª posição - e o total de empreendedores no país é de 38%
(SEBRAE, 2018).

A partir dessa taxa, estima-se que, aproximadamente, 52 milhões de


brasileiros entre 18 e 64 anos 1 estavam liderando alguma atividade
empreendedora, seja na criação e consolidação de um novo negócio, ou
realizando esforços para a manutenção de negócios já estabelecidos
(SEBRAE, 2018, p. 10).

Ainda segundo o relatório, em 2018 aumentou a participação dos mais jovens,


de 18 a 24 anos, entre os empreendedores iniciais, chegando a 21,2% (SEBRAE,
2018). O apontamento dos ingressantes no sentido de empreender e buscar
soluções alternativas e inovadoras no campo profissional é indicado por 66,2% dos
pesquisados. Os setores de agenciamento e de eventos podem ser os mais visíveis
para a prática empreendedora, especialmente no caso do estudante ingressante não
ter ainda conhecimento de toda abrangência que a carreira do bacharel em turismo
pode conter (FICAGNA; SILVA; ROCHA; TAVARES, 2018).
A partir da prática do turismo é possível desenvolver atividades específicas da
prática profissional em consonância com as demandas mundiais, nacionais e

1
Percentual da população de 18 a 64 anos. A soma das taxas parciais pode ser diferente da taxa
total, uma vez que empreendedores com mais de um empreendimento estarão sendo contabilizados
mais de uma vez.
119
regionais, conforme observado por 49,3% dos respondentes. Destarte, contribuem
Tomelin e Ruschmann (2013, p. 230):

[...] a diversidade dos serviços turísticos a prestar, as diferentes dimensões


e filosofias das empresas envolvidas [...] fazem com que os bacharéis em
turismo necessitem ter e manter um conjunto de informações e
conhecimentos específicos constantemente atualizados.

A abrangência de diferentes áreas do conhecimento requer um profissional


disposto a direcionar o seu olhar para cenários distintos, ainda que atue
especificamente em um segmento. Alia-se, inclusive, com a visão holística adquirida
por meio das diferentes disciplinas aplicadas ao estudo do turismo e o fato da
escolha pelo curso estar relacionada a uma aptidão pessoal para o desenvolvimento
da profissão, uma vez que “a heterogeneidade da demanda turística é muito
acentuada, tanto no que se refere a nacionalidade, idiomas, culturas, gostos e
necessidades, como às diferenças sociais, de idade etc.” (TOMELIN; RUSCHMANN,
2013, p. 229).
Por fim destaca-se também a opção assinalada por 47,42% dos alunos que
apresenta como competência internalizar valores éticos, pois

[...] não se deve esquecer que trabalhar no turismo significa servir as


pessoas; ajudá-las a satisfazer seu desejo de viajar e de viver experiências
no seu tempo livre. O sentido principal da profissão é da prestação de
serviços e envolve o cuidado especial com o turista a fim de que seja
tratado com respeito, dignidade, cortesia e consideração (TOMELIN;
RUSCHMANN, 2013, p. 228).

Tal afirmativa é fundamental para que o estudante compreenda o turismo


como uma atividade que vai além das satisfações pessoais e deve considerar as
diversas possibilidades da profissão de turismólogo. “O conteúdo programático das
disciplinas é flexível de acordo com as diferentes IES e o seu conhecimento prévio
facilitará ao estudante a opção por aquele mais apropriado às suas aspirações
profissionais” (TOMELIN; RUSCHMANN, 2013, p.231).

120
Portanto, o fato dos alunos ingressantes estarem alinhados com o perfil do
curso oferecido pela UFF e os atributos exigidos pelo mercado de trabalho, torna-os
capacitados para atuar de maneira diferenciada nos mais variados cargos.
Ademais, conforme apontado por Tomelin e Ruschmann (2013) é preciso que
os futuros profissionais busquem aprimoramento além do que é oferecido no ensino
superior como estágio profissional em empresas da área, leitura constante para
atualização, realização de cursos de pós-graduação, filiação a associações
profissionais, participação em eventos e estudo de idiomas para um desempenho
mais consolidado na área.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que recentes, os estudos em torno do fenômeno turístico abordam


questões relacionadas às diferentes áreas do conhecimento. Os alunos que se
propõem aprender e refletir suas vertentes têm por consequência um olhar global e
crítico no que diz respeito à sua formação e posterior atuação profissional.
A ausência de uma legislação que regulamente a profissão ainda permite que
o “fazer-saber” seja predominante, antecedendo a prática ao conhecimento. Ao
mesmo tempo, torna-se um obstáculo para inserção de profissionais no mercado de
trabalho que possuem amplo domínio do saber e pouco domínio do trade turístico.
O currículo oferecido pelo curso de Turismo da UFF está estruturado em torno
do eixo central “gestão pública e privada do turismo”, compreendido em quatro
dimensões: gestão e operação do turismo, patrimônio natural e cultural,
planejamento público e empreendedorismo e iniciativas sociais (TURISMO UFF,
2019).
Os resultados obtidos a partir da investigação realizada indicam que os
alunos ingressam no curso de turismo da UFF com expectativas de desenvolver
aptidões articuladas às Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Turismo instituídas pelo Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2006), tornando
possível sua formação de acordo com as exigências do mercado atual.

121
Presume-se, assim, que o aprofundamento dos conhecimentos do fenômeno
turístico no âmbito acadêmico transcorrerá com maior facilidade, resultando em
profissionais mais capacitados, conscientes e críticos, além do “saber-fazer”
denominado por Moesch (2002), em que o aprendizado antecederá a prática.
Outras análises que podem surgir a partir desta é de que maneira a
Universidade pode contribuir para tornar mais consistente a inserção do estudante
no mercado de trabalho e uma pesquisa futura com alunos egressos, a fim de
analisar se os anseios dos ingressantes foram correspondidos ao longo do curso.

REFERÊNCIAS

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Turismólogo e disciplina o seu exercício. 2012. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12591.htm. Acesso em:
07 set. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação.


Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Turismo.
Resolução CNE/CES nº 13, de 24 de novembro de 2006. Disponível em:
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FICAGNA, D. J.; SILVA, L. A. M.; ROCHA, T. R.; TAVARES, Y. S. Estudante de


Turismo da UFF: perfil, motivos e expectativas. Cadernos Discentes, Niterói, v. 3, p.
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122
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Disponível em: http://www.turismo.uff.br/index.php/m-ocurso. Acesso em: 08 out.
2019.

123
Projetos Culturais: a potencialidade turística da Fundação
Scheffel de Novo Hamburgo
Maria Eduarda dos Santos1
Gabrielly Pires de Aguiar2
Orientadora: Mary Sandra Guerra Ashton3

Resumo: Os projetos culturais estão diretamente ligados ao turismo e quando trabalhados em


conjunto na manutenção da cultura, geram desenvolvimento social e econômico agregando valor.
Assim, este estudo é sobre o projeto cultural Fundação Ernesto Frederico Scheffel que tem seu
acervo tombado pelo IPHAN como patrimônio histórico desde 2015. A fundação está localizada em
Novo Hamburgo, no bairro de Hamburgo Velho. Este trabalho tem o objetivo de investigar a
potencialidade turística da Fundação Ernesto Frederico Scheffel. Utilizou o método exploratório
descritivo por meio de revisão bibliográfica e pesquisa de campo com visita a Fundação para
observação, registro fotográfico e realização de entrevista com os gestores do local. Entre os
resultados foi possível observar que a Fundação Scheffel possui mais de 350 obras expostas, sendo
que todas autorais de um único artista – Ernesto Frederico Scheffel – que deu o nome à Fundação e
também se envolveu pessoalmente nos processos de preservação da historicidade e da cultura do
bairro, conquistando a preservação dos mais de 70 imóveis atualmente tombados. Também foram
registrados dados sobre a visitação e ações no âmbito do desenvolvimento do turismo cultural que
levam em conta as características da Fundação e entorno como patrimônio e seu potencial turístico
por seu valor cultural inestimável.

Palavras-chave: Turismo Cultural; Potencial turístico; Patrimônio; Fundação Ernesto Frederico


Scheffel; Novo Hamburgo/RS.

1 CULTURA E PROJETOS CULTURAIS

A cultura, como afirma Raymond Williams (2007), tem sua origem em colore,
que em sequência originou em latim com significados diversos como habitar,
cultivar, proteger, honrar com veneração. A cultura se tornou um tema
multidisciplinar estudado por diversos autores em diferentes enfoques, desde a
sociologia até mesmo a área de administração a utilizam, tornando assim uma tarefa
difícil a definição da significância da palavra nos dias atuais.

1Acadêmica de Turismo na Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS; Bolsista CNPq em projeto de


pesquisa científica; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9544165438844670; E-mail:
madusantos1999@gmail.com.
2Acadêmica de Tecnólogo em Produção Audiovisual na Universidade Feevale; Novo Hamburgo/RS;
Bolsista IC em projeto de pesquisa científica; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8380366329924823; E- mail:
gabrielly182@hotmail.com.
3Doutora em Comunicação Social; Pesquisadora e Docente na Universidade Feevale; Novo
Hamburgo/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7976259576722028; E-mail: marysga@feevale.br.
124
Utilizada pelos iluministas franceses como um estado de espírito cultivado
pela instrução “a cultura, para eles, é a soma dos saberes acumulados e
transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade, ao longo de sua
história” (CUCHE, 2002, p.21). O dicionário Aurélio (2017) define a palavra “cultura”
como crenças, das instituições, conhecimentos, padrões de comportamentos que
são adquiridos e transmitidos coletivamente e típicos de uma sociedade, usada
também para representar o cultivo de algo.
Sendo assim, é possível compreender a cultura como representação de uma
sociedade e/ou coletivo, de forma que para aqueles que vivenciam é algo natural
presente desde sempre em seu ambiente e para aqueles que os estudam de fora é
algo característico desse povo, representando seu meio de viver, de se comunicar e
de até mesmo compreender o mundo.
Nos dias atuais a cultura ganha um significado e abrangência onde a cultura
se torna uma amostra de um grupo ou uma comunidade. A UNESCO (Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) define a cultura como
um fator de desenvolvimento e coexistência em consequência da diversidade onde é
formada a base da identidade, energia e das ideias criativas (Representação da
UNESCO no Brasil, 2017).
A necessidade de se preservar e incentivar a cultura é prevista na Agenda
2030, a qual declara que “reconhecemos a diversidade natural e cultural do mundo e
reconhecemos que todas as culturas e civilizações podem contribuir para, e
constituem elementos cruciais de desenvolvimento sustentável” (ONU, 2015).
As atividades do setor cultural segundo a UNESCO (2017) geram uma renda
de US$ 2,25 bilhões e quase 30 milhões de empregos no mundo e como
consequência colaboram para redução da desigualdade e para o desenvolvimento
criativo. Sendo assim, a cultura e o desenvolvimento são metas da organização para
a proteção e a promoção da cultura como meio de impulso para a economia e assim
os projetos culturais surgirem.

125
1.1 OS PROJETOS CULTURAIS

Os projetos culturais, como descrito na cartilha do Sebrae (2014), encontram-


se divididos em fases e tem como objetivo serem um instrumento técnico e
estratégico onde metas e objetivos são traçados, além de possuírem características
próprias como: duração limitada, objetivo específico, recurso limitado e autonomia.
Os projetos culturais têm como base o que já foi descrito anteriormente,
todavia têm suas especificidades, por exemplo, na essência da cultura, das artes e
de quaisquer que sejam as linguagens artísticas, não necessariamente onde há
retorno financeiro envolvido, mas sim o desenvolvimento de produto cultural.
Como cita Thiry-Cherques (2008, p. 28) os projetos culturais “são iniciativas
voltadas para a ação sobre objetos reais e ideais que expressam valores espirituais
– sentimentos e conhecimentos – significativos para determinado grupo social”.
Assim, um projeto cultural pode ser compreendido como uma casa de artes, por
exemplo, que seria um local onde ocorrem diversas oficinas ou programas
recorrentes, como também pode ser compreendido como um evento, no qual reuniu
diversos projetos culturais, porém, como descrito no primeiro parágrafo, possuindo
duração limitada e objetivo específico. Estes são considerados projetos culturais por
abrangerem expressões culturais e buscarem aproximá-los da sociedade.
No Brasil, segundo a Constituição Federal, “o Estado garantirá a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”
(Constituição Federal, Seção II da cultura, Art. 215), desse modo, ressaltando a
importância da cultura e a necessidade de garantir o acesso da sociedade sobre a
mesma.
O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) desde 1991 é responsável
pela captação e canalização de recurso para o setor. Entre os instrumentos do
PRONAC está o Fundo Nacional da Cultura (FNC) que garante apoio financeiro em
linhas de incentivo. Os projetos, como consta no site do Ministério da Cultura, ainda
devem abarcar as mais variadas expressões culturais brasileiras, potencializando

126
toda a rede produtiva e promovendo a liberdade de criação.
O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) criado em
1937 é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Cidadania responsável por
cuidar dos sítios históricos. Como o próprio site da IPHAN (2014) comenta, o
instituto promove e protege os bens culturais do país, assegurando sua preservação
para que as gerações presentes e futuras possam usufruir do patrimônio e bens
culturais.

2 FUNDAÇÃO ERNESTO FREDERICO SCHEFFEL

A Fundação Scheffel é um espaço cultural destinado às artes com mais de


350 obras do artista Ernesto Frederico Scheffel. A mesma se tornou umas das
maiores pinacotecas do mundo, sendo que todo este acervo foi tombado em 2015
como patrimônio histórico IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional). A fundação se localiza em Novo Hamburgo, estando a 43 km de Porto
Alegre a capital do estado, no bairro de Hamburgo Velho, onde em 1824 segundo a
história foi o primeiro núcleo urbano gerado pelo processo da imigração alemã. O
bairro foi reconhecido como patrimônio nacional em 2015, uma vez que possui 70
imóveis reunidos e tombados pelo IPHAN.
O prédio da Fundação é um casarão do século XIX que foi aberto ao público
em 1978, sendo que o mesmo possui um espaço físico de 2.840 metros quadrados.
A Fundação foi construída em 1890, por Adão Adolfo Schmitt e passou por uma
restauração organizada pela prefeitura do município de Novo Hamburgo na década
de 70. Entre os imóveis preservados estão igrejas, um cemitério e a Casa Schmitt-
Presser tombada em 1985 graças a dedicação de Ernesto Frederico Scheffel. A
casa se encontra ao lado da Fundação, na rua General Daltro Filho. Todos estes
representam a história da cidade por meio da arquitetura das casas em estilo
enxaimel, estilo neoclássico, a arte déco e principalmente o estilo de frontão
recortado que foram preservados do século XX.
O artista plástico Ernesto Frederico Scheffel é gaúcho. Amante da arte e da

127
cultura, nasceu em 8 de outubro de 1927, na cidade de Campo Bom. Foi formado
pela Escola Técnica Parobé e pelo Instituto de Belas Artes, em 1959. Partiu para a
Europa onde deu continuidade aos seus estudos sobre arte e consolidou sua
carreira influenciado pelas manifestações contra as instituições e os valores
vigentes. Retornou ao Brasil em 1974 como convidado pelo município de Novo
Hamburgo para uma comemoração de retrospectiva e que como consequência a
criação do Museu de Arte e sua mantenedora Fundação Ernesto Frederico Scheffel,
onde estão expostas suas obras até os dias atuais. O artista veio a falecer no ano de
2015 na cidade Porto Alegre.
O projeto cultural Fundação Ernesto Frederico Scheffel se denomina como
uma instituição pública de direito privado, ou seja, a prefeitura possui uma
participação tendo acentos nos conselhos e repassa um recurso. Porém, a gestão
da Fundação é feita através de um conselho consultivo ou diretor, mais o conselho
fiscal que são pessoas que representam a comunidade, visto que esta é a melhor
forma de se manter a Fundação. Segundo o curador do museu que concedeu
entrevista e atua na Fundação desde 1997, ele declara que a mesma tem uma
importância gigantesca na preservação não somente do local, mas também do
tombamento do bairro em 2015, graças aos esforços de Scheffel em manter o
patrimônio – história e cultura – preservados no bairro Hamburgo Velho.
A Fundação agrega o museu Casa Schmitt Presser que se localiza
exatamente ao lado. As mesmas sempre foram espaço de destaque no município e
porto das ações culturais, de patrimônio e de turismo na cidade.
Entre os dados levantados em entrevista com os gestores, se obteve que no
ano de 2018, a Fundação recebeu um público de mais 20 mil pessoas, e a
realização de 32 eventos realizados com patrocínio da iniciativa privada, além de
123 visitações de escolas e visitantes em geral.
Sobre os horários de visitação, vale ressaltar que a visitação no museu fica
aberta de segunda-feira a sexta-feira, fechando do meio dia as 14h, e o valor do
ingresso é gratuito para estudantes e doação espontânea para os demais públicos.
Vale salientar que a gratuidade foi um pedido do próprio Scheffel, a fim de que todos

128
pudessem conhecer e visitar o museu e a Fundação. Porém, em dias de eventos é
cobrado meio ingresso dos visitantes e o dinheiro arrecadado é utilizado para manter
a Fundação e o museu.
A visitação as mais de 350 obras da Fundação Scheffel é guiada por um
funcionário experiente no assunto. O mesmo utiliza os quadros expostos para contar
a trajetória do fundador pelo mundo das artes. Todo acervo tombado (obras do
Scheffel) fica exposto nos três andares da Fundação que tem na sua arquitetura
grande destaque – as sólidas paredes e uma esplêndida fachada com escadarias
em madeira maciça.
Nos dias atuais o acesso aos andares ainda é feito por escadas que se
mantém em ótimo estado de conservação mas como falado durante a entrevista
com o curador há uma perspectiva de implementar projetos de acessibilidade já
desenvolvidos. Na recepção, logo na entrada da Fundação, além do livro de
presenças, tem um espaço para a venda de souvenires próprios da Fundação, tais
como: canecas, calendários, porta copos, livros, entre outros.
A programação de eventos que acontecem na Fundação (apresentações
musicais clássicas em piano e outras) é disponibilizada através da página no
facebook e por e-mails já cadastrados, além de outros canais de divulgação como a
imprensa local e mídia espontânea que ajudam a divulgar os eventos e a própria
visitação ao local. Vale ressaltar que também, eventualmente, são disponibilizadas
oficinas de diversos tipos.
O casarão onde a Fundação se estabelece foi construído em 1890, por Adão
Adolfo Schmitt que teve como função em seus primórdios de ser um local de bailes e
casa comercial. Scheffel já conhecia o local pois vinha com a família para Hamburgo
Velho quando era apenas um menino e ficava admirado com a magnitude da
construção e desde aí surgiu seu desejo de preservação. Sua restauração e
reorganização geral para se tornar um museu ocorreu em 1976, uma vez que o
mesmo se encontrava em precário estado de conservação.
A Fundação foi inaugurada em 5 de novembro de 1978 com o nome de
Galeria de Arte Municipal Ernesto Frederico Scheffel. Atualmente se encontra em

129
bom estado de conservação e juntamente com sua história e cultura que detém em
seu acervo tem um potencial turístico imenso.
Durante a entrevista feita com os gestores culturais – Curador e membro do
Conselho Diretor da Sociedade de Amigos de Hamburgo Velho – pode-se constatar
que há diversos projetos sendo elaborados para melhorias estruturais, ampliação,
implementação de projeto de acessibilidade e manutenção do acervo, além da
ampliação e abrangência na divulgação deste patrimônio.

3 TURISMO

A prática do turismo segundo a OMT (Organização Mundial do Turismo) é o


ato que as pessoas realizam durante viagens e estadas em lugares diferentes do
seu local de residência, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer,
negócios ou outras. O mercado turístico é segmentado em diversos temas, porém
neste estudo o foco será no turismo cultural.
A curiosidade é o elemento primordial do turismo. É ela que faz com que o
turista tenha esse desejo de se deslocar para conhecer lugares e culturas novas e
em consequência ter experiências diferenciadas.
A segmentação turística foi estabelecida para valorizar os elementos de
identidade da oferta para melhor organizar e quantificar os dados turísticos de uma
região e, a partir disso, focar nos investimentos de novos atrativos ou produtos
turísticos já existentes, com a finalidade de atrair mais turistas e gerar novas
oportunidades.
O produto turístico segundo o MTUR (2007) é o agrupamento de atrativos,
equipamentos e serviços turístico que se localizam na mesma região organizado por
um determinado preço sendo uma combinação de bens disponíveis para o
turista. Assim, o segmento do turismo cultural abrange o conjunto de elementos
significativos do patrimônio histórico que são aqueles bens materiais e imateriais da
cultura que expressam ou revelam a memória ou identidade das populações.
O tombamento consiste em preservação e proteção do patrimônio cultural –

130
bens imóveis e móveis existentes no país que tenha ligação e seja representação da
história. Foi instituído por Decreto Federal e pode ser executado por Administração
Federal, estadual e municipal. Os bens tombados ficam sob amparo do IPHAN
(2007).
Segundo o Ministério do Turismo (2010), o desenvolvimento do turismo
cultural deve ocorrer pela valorização e promoção das culturas locais e regionais,
preservação do patrimônio histórico e cultural e geração de oportunidades de
negócios no setor, respeitados os valores, símbolos e significados dos bens
materiais e imateriais da cultura para as comunidades. Assim, o desenvolvimento
turístico é um meio de fortalecimento da cultura, e promove valor econômico e gera
um maior sentimento de pertencimento local.

4 TURISMO E A FUNDAÇÃO SCHEFFEL

Os 32 eventos que ocorreram no ano de 2018 na Fundação, esta recebeu


grande público representando um número 14.603 pessoas, em torno de 72% do
número total de pessoas que recebeu ao longo de todo o ano. A visitação de
estudantes que ao final do ano totalizaram 124 escolas, também representa uma
grande parte desse público. Em relação ao público em geral foi de 1.324 pessoas. O
que se pode perceber com isso é que a Fundação promove muitos eventos e realiza
divulgação para os mesmos. Porém, o número de visitantes em geral é
relativamente baixo em relação a grandiosidade do patrimônio que abriga e da
capacidade de recepção que a Fundação possui. Este fato poderia estar relacionado
aos horários de funcionamento da Fundação, pois nos finais de semana a mesma
fica fechada por questões administrativas e de segurança, conforme relatado pelos
gestores. Sendo o turismo realizado no tempo livre das pessoas, este poderia ser
um entre os motivos do baixo número de visitantes turistas.

131
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se observou ao longo do estudo em questão, a Fundação Scheffel


é patrimônio de importância singular a nível municipal, regional e até nacional,
marcado pelas iniciativas e ações nas propostas de tombamento, desenvolvimento e
preservação organizadas por Ernesto Scheffel. Além disso, a doação do acervo de
sua autoria para a constituição da Fundação e a não cobrança de ingresso ao
acervo para a visitação são ações de mérito social em detrimento do econômico.
Entretanto, algumas questões se mantiveram sem respostas, tais como: o
baixo número de visitantes oriundos do turismo pode ser atribuído a pouca
divulgação da parte do próprio município e região. Isto poderia ser solucionado por
meio de atualização da folheteria turística do município de Novo Hamburgo que
possui informações desatualizadas. Outra questão seria em relação às
imagens/fotografias que não valorizam suficientemente o atrativo. E iniciativas como
salientar a informação sobre horário de funcionamento, disponibilização de mapa da
localização e informações completas sobre a Fundação são alguns pontos que
mereceram destaque neste estudo. Estas medidas poderiam contribuir para a
atração de turistas.

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Culturais: como elaborar, executar e prestar contas. Brasília: Instituto Alvorada
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http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/e
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Disponível em:
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Acesso em: 9 ago. 2019.

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http://mapacultural.novohamburgo.rs.gov.br/. Acesso em: 11 set. 2019.

UFRGS. Scheffel, Ernesto. Disponível em:


http://www.ufrgs.br/acervoartes/artistas/s/scheffel-ernesto. Acesso em: 9 ago. 2019.

134
Rota de Compras em Caxias do Sul/RS: Turismo e
Gastronomia
Thalia Ferreira Alves1
Felipe Zaltron de Sá2
Orientadora: Susana de Araújo Gastal³

Resumo: O presente artigo, associado ao projeto Gastronomia no Rio Grande do Sul: História(s),
Imaginário(s) e Turismo, propõe descrever o processo de criação da rota de compras gastronômicas
no centro de Caxias do Sul/RS. Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza por ser qualitativa
exploratória, resgatando na bibliografia especializada os conceitos de Turismo, Gastronomia,
Souvenir e Roteiro, incluso seus desdobramentos. Para fins teóricos, o Turismo (GASTAL, 2006;
MOESCH, 2005; OLIVEIRA, 2000; OMT, 2001) e Gastronomia (LÉVI-STRAUSS, 2004; PECCINI,
2010) relacionam-se pelo deslocamento cultural dos saberes e fazeres intrínsecos a determinado
grupo social, mas que também serve de atrativo para turistas e outros grupos. Quanto aos Souvenirs
(GASTAL; DE SÁ, 2017; DE SÁ; GASTAL, 2018), elencam os objetos como parte presente na
experiência turística, tanto pelo seu significado, quanto pelo saber-fazer impresso pelo produtor, que
vai além do simples artesanato, pois carrega qualidade estética, criatividade, inovação e muitas
vezes, cuidados em relação à sustentabilidade. Como resultados, notou-se que existe possibilidade
da inserção da rota de compras na zona inventariada, com uma variada quantidade de lojas de
insumos culinários. Os próprios estabelecimentos sentem a necessidade de maior visibilidade
turística, visto relatarem a presença espontânea de turistas que compram seus produtos para utilizá-
los como souvenirs gastronômicos, seja em formato de presente e/ou para consumi-los pós-viagem.

Palavras-chave: Turismo; Gastronomia; Roteirização; Souvenir; Caxias do Sul/RS.

1 INTRODUÇÃO

O Turismo é um fenômeno humano, ligado aos deslocamentos, pelas mais


variadas motivações e desejos. Alguns autores defendem que os turistas, em suas
viagens, vivenciam e adquirirem experiências por meio de experiências
extraordinárias (URRY, 1990), mas também por meio de práticas cotidianas, como:
comer, dormir, entreter e, principalmente o recordar [ditas como categorias de

1Acadêmica de Bacharelado em Turismo na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS;


Lattes: http://lattes.cnpq.br/1072460382349731; E-mail: tfalves1@ucs.br.
2. Mestrando no Programa de Pós-Graduação Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do
Sul; Bolsista CAPES/PROSUC; Caxias do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8360075869351902; E-
mail: felipezaltrondesa@gmail.com.
³ Doutora em Comunicação. Docente no Curso de Turismo e no Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Bolsista Produtividade CNPq; Caxias do
Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/0363951380330385; E-mail: susanagastal@gmail.com.

135
análise básicas para o desenvolvimento do Turismo local. Para Leiper (1979), o
sujeito se tornaria turista ao experienciar essas práticas cotidianas das cidades.
Para a Organização Mundial de Turismo (OMT, 2001, p. 38), o Turismo está
nas “[...] atividades que as pessoas realizam durante viagens e estadas em lugares
diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade
de lazer, negócios ou outras”. Nota-se que esse conceito atualmente, não engloba
todos os significados gerados a partir dos novos perfis dos viajantes nichados a
partir de uma visão mercadológica, ainda assim os múltiplos registros de estudos
acadêmicos, nos quais o Turismo é visto como objeto de pesquisa, destacam-se
suas possibilidades para o seu desenvolvimento como atividade econômica.
Ligado diretamente com o consumo e os serviços, o Turismo muitas vezes é a
fonte de renda para muitas famílias espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Sendo um
dos setores que mais emprega - 1 a cada 11 empregos é gerado na área do Turismo
(UNWTO, 2015) – ao englobar serviços de hospedagem, alimentação,
entretenimento e compra de souvenir.
Atualmente, não somente serviços em seu sentido tradicional, na hotelaria e
gastronomia e em outros equipamentos turísticos, mas também as suas novas
versões como o Airbnb e food trucks, que movimentam a economia e convertem-se
em fonte ou complemento de renda do morador, mesmo que não sejam vistos pela
maioria dos pesquisadores na área como turísticos.
Assim, o cidadão local também colaboraria com essas novas versões
turísticas, podendo ser vistos pelo termo de turista cidadão (GASTAL; MOESCH,
2007), no qual os sujeitos da cidade, mesmo acostumados em seu entorno, saem de
suas rotinas espaciais e temporais, reconhecendo a sua cidade, bairro, comunidade
com o olhar estranhado de turista. Esse estranhamento, se “inicia no momento em
que o indivíduo descobre no espaço cotidiano outras culturas, outras formas étnicas
e outras oportunidades de lazer e entretenimento” (MOESCH, 2005, p. 12)
convertendo-se em turista cidadão.
Torna-se necessário para o bem-receber do turista, reconsiderar a figura do
turista cidadão, principalmente no desenvolvimento do Turismo local, numa busca

136
incessante de satisfação, sustentabilidade e qualidade de vida. Visto isso, um roteiro
de compras gastronômicas busca acolher o turista tradicional e o cidadão, já que
comprar e comer são ações realizadas por todas as pessoas, independentemente se
as mesmas estão viajando ou não.
No município de Caxias do Sul, a relação com o Turismo é conturbada,
principalmente com falta de pesquisas e dados estatísticos que comprovem detalhes
sobre a movimentação do município. O dito Turismo de negócios seria a principal
atração de turistas para o município, mesmo não sabendo-se ao certo os dados para
tais. Em termos de equipamentos turísticos, conta com 14 hotéis para atender a
demanda de visitantes, (SHRBS, 2012, SEMTUR, 2013).
Encontram-se em Caxias do Sul, sete roteiros turísticos, um deles situado na
zona urbana da cidade, diferenciando-se dos outros 6 que ficam mais afastados do
centro, porém, pelo menos 5 deles abordam a imigração italiana, a vitivinicultura.
Atualmente, o município faz parte da Região Turística da Uva e do Vinho, recebe
visitantes para participar de eventos na Universidade de Caxias do Sul e diversos
eventos promocionados pelas empresas do município, como, por exemplo, a
Mercopar. Para o entretenimento da comunidade, principalmente para os amantes
de blues, acontece todos os anos o Mississipi Delta Blues Festival, na estação
férrea. De dois em dois anos, no Parque Mário Bernadino Ramos, ocorre a Festa
Nacional da Uva.
Nesse contexto, o artigo tem por objetivo descrever o processo de criação do
roteiro de compras gastronômicas no centro de Caxias do Sul/RS.
Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza por ser qualitativa exploratória,
resgatando na bibliografia especializada os conceitos de Turismo, Gastronomia,
Souvenir e Roteiro, incluso seus desdobramentos.

2 RESGATE TEÓRICO

Esse resgate teórico busca trazer os conceitos abordados a partir das


palavras-chave Turismo, Gastronomia, Roteiro e Souvenir, conceitos que foram de

137
suma importância para a construção do projeto macro antes comentado, visando o
entendimento e funcionamento dos mesmos, sendo eles individuais e como atuam
em conjunto, resultando no roteiro de compras gastronômicas no centro da cidade
de Caxias do Sul.

2.1 GASTRONOMIA

Popularmente associada a comida e alimentação, a gastronomia é muito mais


que isso. Ela pode ser prazer, necessidade, sobrevivência, motivação de viagem,
objeto de pesquisa, souvenir, arte e etc.
O termo “gastronomia” surge pela primeira vez em 1800, dando nome ao
título de um poema escrito por Joseph de Berchoux (1775-1838). Etimologicamente
a palavra deriva do grego, gastrós [estômago] e nomós [leis, normas], literalmente
comanda o ser humano desde seu primórdio, quando o mesmo se alimentava para
sobrevivência a partir de coleta, caça e pesca.
Brillat-Savarin define gastronomia como sendo

[...] o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao homem na


medida em que ele se alimenta. Assim, é ela, a bem dizer, que move os
lavradores, vinhateiros, os pescadores, os caçadores e a numerosa família
de cozinheiros, seja qual for o título ou a qualificação, sob a qual disfarçam
a sua tarefa de preparar alimentos. (BRILLAT-SAVARIN, 1825, p. 44).

As primeiras relações entre Turismo e gastronomia se deram no nomadismo e


as primeiras viagens dos nossos ancestrais, estando inteiramente ligada à
necessidade que o ser humano sem o domínio do fogo e agricultura, tinha de se
alimentar. Já com o domínio do fogo e da agricultura, a cozinha torna-se o primeiro
laboratório do ser humano, segundo Lévi-Strauss (2004), e o conhecimento da
agricultura, os torna sedentário. Assim, o Turismo se torna viagens de peregrinações
e de busca de novas terras.
O ato de comer, diferente de se alimentar que tem como objetivo nutrir o
corpo, adquire significados simbólicos e sentimentos. O partilhar a comida na mesa
com outras pessoas adquire e desenvolve a comensalidade. A comensalidade que
138
vem do mensa e significa conviver à mesa, não somente isso, mas também o que e
como se come.
Na atualidade, a gastronomia é um conjunto de práticas que aproxima
ingredientes, formas de fazer e receitas, processos que se manifestam em
expressões culturais locais, próprias a cada lugar e a cada comunidade. Fazendo
parte da cultura local, por muito tempo, foi tratada como um dos itens do sistema
turístico, que envolvia ainda infraestruturas de deslocamento e hospedagem.
Passando a ser considerada também como atrativo turístico em si e, nesta condição,
uma motivação de viagem, seja para experimentar a comida do destino ou como
forma de suvenir, quando os viajantes levam consigo, para suas casas, comidas ou
insumos culinários como uma lembrança dos locais visitados. Neste caso,
equivalendo a uma lembrança e complementando o ciclo de viagem como sua última
ação: o recordar.

2.2 SOUVENIR E SOUVENIR GASTRONÔMICO

A compra, presente em quase toda a atividade turística, aparece nos atos de


se deslocar, comer, dormir, entreter-se e lembrar. O souvenir entra como “um objeto
memorialístico a alimentar a memória da viagem, no retorno ao lar.” (SANTANA,
1997 p. 63). Derivando do francês, sous-venir, significando um movimento de vir de
baixo, vir à tona o que está submerso, uma outra derivação é do indo-europeu, gwa,
significando caminhar ou andar, deslocando-se até o grego, bainein, também como
caminhar e ao verbo latino venire, como andar (DE SÁ; GASTAL, 2018). Assim toda
sua origem etimológica da palavra souvenir a ideia de deslocamento e movimento
está presente, seja pelo submerso que aflora com a representação pela recordação,
ou pelo caminhar real e metafórico (DE SÁ; GASTAL, 2018).
O souvenir, segundo Machado e Siqueira (2008), é um objeto dotado de
inúmeros significados relacionados à identidade e a imagem turística de um
determinado destino, cuja escolha para o consumo ocorre, muitas vezes, pela
percepção que o turista possui de um determinado atrativo ou espaço geográfico,

139
bem como as experiências turísticas vivenciadas em uma viagem. Já, para Gastal
(2006, p. 3), a origem do souvenir estaria associada exclusivamente ao artesanato
que, olhado pelo viés turístico torna-se um “objeto turístico”, conceituado por
Santana (1997).
Do ponto de vista popular, pode ser considerado como aqueles itens
miniaturizados comprados durante a viagem, para levar para casa uma recordação
do destino visitado. Mas, para alguns autores o souvenir, além do significado
popular, ele complementa a experiência turística (HORODYSKI et. al., 2014),
podendo ser dividido a partir de Gordon (1986, p. 135):

(a) Pictorial Images, incluindo cartões postais, fotos, livros, etc; (b) Pieces-
of-the-rock são objetos salvos do meio natural ou retirado de um ambiente
construído; (c) Symbolic Shorthand: seriam miniaturas fabricadas ou objetos
de grandes dimensões; (d) Markers: lembranças que em si mesmo não tem
qualquer referência a um lugar ou evento específico, mas são inscritos com
palavras que as localize no tempo e espaço; (e) Local Products: roupas e
comidas étnicas.

O Turismo tradicional, de massa, era pouco exigente em termos de qualidade,


produção e até mesmo dos significados daquela peça, o turista contemporâneo é
mais seletivo, exigindo produtos pautados pela qualidade de design, de acabamento
e ineditismo das peças, e de fácil aquisição, daí sua presença em lojas de
equipamentos culturais. São peças, além do mais, com conteúdo simbólico
tematizado em associação à instituição em que o espaço comercial esteja instalado.
Tais espaços atraem turistas, mas também um público local significativo, que
adquire os objetos por motivos próprios, sejam eles quais forem. A esses produtos,
vendidos em espaços culturais – mas, aos poucos, como oferta presente em
espaços comerciais mais genéricos – Gastal e De Sá (2017) propõem tratar como
souvenir cultural.
Nesses termos, a expressão souvenir cultural, considera sua autonomia
artística associada ao design, mas, a exemplo do predecessor [souvenir turístico],
com forte semantização memorialística e carga simbólica tematizada, associados a
objetos cotidianos ou com diferencial artístico.

140
Esse tipo de souvenir carrega consigo não somente o comprar simbólico de
uma lembrança, mas também o saber-fazer de um determinado local, a cultura de
um povo materializado em comida, além de, depois de sua aquisição, já
encontrando-se no local de residência do viajante. Por sua vez, o souvenir
gastronômico pode ser uma experiência do local já visitado sendo [re]vivido pelo
turista e até mesmo compartilhado com outras pessoas que não estiveram
fisicamente no local, deixando literalmente um ‘gostinho de quero mais’.
O souvenir gastronômico vem como a comida, insumo ou bebida marca da
cidade visitada, trazendo consigo a experiência turística materializada, vivida e
lembrada em forma de uma sensação, que acima de tudo carrega a identificação do
destino. Fazendo parte do Local Products dito por Gordon anteriormente, o souvenir
gastronômico literalmente alimenta a memória de quem viaja e opta por levar para
casa insumo culinário, seja para presentear alguém ou para consumo próprio. O
souvenir gastronômico destaca-se pelo saber-fazer, culinária local em relação ao
global, região turística de origem [marcado pelo rótulo e design] e região cultural, no
qual esses produtos, em sua maioria, derivam de processos artesanais de cada local
e/ou região, por meio das etnias e culturas.

2.3 ROTEIRIZAÇÃO

Segundo Cisne (2010), o sujeito turístico tende a roteirizar seus caminhos e


itinerários, como parte dos serviços que envolvem atividades básicas (deslocar-se,
hospedar-se, entreter-se e recordar), a roteirização faz-se presente como parte do
entretenimento, segmentando os atrativos do destino, que a princípio, fora de um
roteiro, passam despercebidos. Como o caso da rota de compras, empreendimentos
que olhados individualmente não apresentam nenhuma potencialidade para o
mercado turístico atual da cidade. Mas olhados juntos a partir de uma perspectiva
roteirizada formam um roteiro turístico urbano. Sendo uma possibilidade de
entretenimento para o visitante, ajudando-o na última ação do turista que é o
recordar, visto que, no roteiro proposto trata-se de souvenir gastronômico.

141
Segundo Creato (2005), pode-se considerar o roteiro turístico como
sendo aqueles que abordam temas específicos, porém, o turista pós-moderno é
dinâmico e interessa-se por diversos segmentos, não busca por roteiros engessados
e atrativos tradicionais isolados. Segundo o sociólogo francês Maffesoli (2001, p; 78)
a pessoa “não se resume a uma simples identidade, mas que desempenha papéis
diversos através de identificações múltiplas”, ou seja, o Sujeito turístico já não busca
a “mesmice”.

3 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com revisão


bibliográfica (estado da arte), tendo por base inventariação da oferta e avaliação de
possibilidades do souvenir gastronômico em Caxias do Sul/RS, a partir de
experiências na área, nacionais e estrangeiras.
O roteiro proposto diferencia-se por ser algo inédito em uma cidade onde já
existem cinco roteiros turísticos elaborados, em sua maioria abordam atrativos
ligados a imigração italiana e vitivinicultura. A presente proposta apresenta um
roteiro de compras no centro da cidade, englobando lojas de insumos culinários
localizadas na zona em questão, a qual sugere ao visitante desde uma loja
tradicionalista, como é o caso do Armazém da Erva Mate, até uma loja de produtos
não encontrados aqui na região, que é o caso do Ateliê Café Mineiro. Outra
diferenciação do roteiro proposto é a qualificação do souvenir na cidade.
O perímetro escolhido entre as ruas Ernesto Alves, Flores da Cunha, Marquês
do Herval, Borges de Medeiros e Marechal Floriano, estão próximos à rodoviária de
Caxias do Sul, próximos também a alguns hotéis centrais como Tri Hotel, Tri Hotel
Executive e Cosmos hotel. Essa região quando apenas vista, não apresenta
nenhuma singularidade, mas olhada com outros olhos, com olhar criativo, pode
perceber-se que nesta região encontram-se lojas de insumos culinários de diversos
tipos. Com a vantagem de encontrarem-se perto de meios de hospedagens e no
centro da cidade, questionados sobre a presença de turistas em seus

142
estabelecimentos, os proprietários confirmam a venda de insumos para hóspedes
dos hotéis que os cercam. Então, nos coube questionar o porquê de não roteirizar
essas lojas para melhor atender o turista e melhor qualificar o turismo e souvenir da
cidade, mas nunca esquecendo a presença do turista cidadão como potencial cliente
da chamada rota de compras de insumos culinários, buscando a adesão da
população local.
Optando por separar em categorias os atrativos por tipo de insumo, para
melhorar o entendimento do turista e do turista cidadão, temos como “Massas
Artesanais” as lojas “Make Massas” e “Massas Vó Nice”. Como “Produtos Orgânicos
e Naturais” encaixam-se a “Reserva do Sabor”, “Ponto Ecológico” e “Armazém da
Erva Mate”. Como “Queijos e embutidos”, temos “Sgorla Queijaria e especiarias” e
“Timy alimentos”. Em “bebidas” temos a “Tumelero bebidas”.

4 RESULTADOS

O projeto originado da Bolsa de Iniciação Científica [CNPq] apresentou como


resultado a “Rota de compras de insumos culinários”, com a entrevista realizada nos
empreendimentos, coletou-se a informação de que os locais recebem turistas que
compram os produtos ofertados, seja para consumo próprio ou para presente, como
souvenir gastronômico da cidade. Pensando nas lojas através de um olhar turístico,
as mesmas, roteirizadas facilitam para o turista conhecer parte do centro da cidade,
facilitando também, a vida do turista cidadão, uma vez que o mesmo é o principal
consumidor das lojas inventariadas. O folder confeccionado auxilia o turista com um
mapa da rota criada e com fichas de cada lugar, com uma descrição sobre o que se
encontra em cada um deles, endereço, telefone, horário de funcionamento. As fichas
são reunidas em um envelopamento, no qual está o mapa centralizado, da loja e foto
da fachada.
Durando cerca de duas horas e meia, ao longo do roteiro experimental, surgiu
a ideia de criar um “guia para guias”, contendo informações adicionais sobre a
cidade, demais locais que ficam no caminho e sugestões de paradas. Nascendo,

143
então, a concretização da rota idealizada a cerca de um ano, no início da bolsa de
iniciação científica.

5 CONCLUSÕES

A partir dos conceitos das palavras-chave, o referencial teórico explicita a


necessidade de conexão dos mesmos. A rota, elaborada e já testada mostra que os
termos na prática relacionam-se muito bem e que o turismo é feito de
multidisciplinaridades e precisa da união com outras áreas que indiretamente o
afetam, mas que, pensados a partir do viés turístico, tornam-se turismo. A
roteirização, típica no turismo, conseguiu reunir o souvenir e a gastronomia (ambos
presentes no turismo) para fazer com que o turista possa melhor aproveitar a cidade
e melhor atender o morador.
Ao longo do ano de vigência da bolsa de pesquisa em questão, os objetivos
foram sendo alcançados progressivamente. A bibliometria das palavras-chave foi
fundamental para que o começo do projeto fosse exitoso em relação ao
entendimento da bolsista sobre os estudos atuais dos temas em questão e como
eles se relacionam entre si. Com o conhecimento prévio da região escolhida, já era
esperado um determinado número de lojas de insumos culinários, porém, com a
saída de campo, além das lojas esperadas, foram encontradas outras, as quais não
havia conhecimento de sua existência.
Com a entrevista realizada nos empreendimentos, coletou-se a informação de
que os locais recebem turistas que compram os produtos ofertados, seja para
consumo próprio ou para presente, como souvenir gastronômico da cidade.
Pensando nas lojas através de um olhar turístico, as mesmas, roteirizadas facilitam
para o turista conhecer parte do centro da cidade, facilitando também, a vida do
turista cidadão, uma vez que o mesmo é o principal consumidor das lojas
inventariadas.

144
REFERÊNCIAS

BRILLAT-SAVARIN, J. A. The physiology of taste, or meditations in


transcendental gastronomy. 1825.

CISNE, R. Roteiro turístico, tradição e superação: tempo espaço, sujeito e


(geo)tecnologia como categorias de análise. 2010. Dissertação (Mestrado em
Turismo), Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2010.

CREATO, Oficina de Roteiros. Manual Técnico de Desenvolvimento e Operação


de Produtos e Roteiros Turísticos. 10. ed. Belo Horizonte. 2005.

DE SÁ, F. Z.; GASTAL, S. Cultura, memoria y comunicación: enlaces com el


souvenir. In: SOARES, J. R. R.; BAPTISTA, M. L. C. (org.). Las fuentes de
información turística em foco. Navarra: Thomson Reuters, 2018.

GASTAL, S. Turista cidadão: Uma contribuição ao estudo da cidadania no Brasil. In:


CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 29., Anais [...].
2006.

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GASTAL, S.; DE SÁ, F. Z. Suvenir cultural: produto memorialístico e criativo. In:


FREITAS, Ernani; SARAIVA, J.; HAUBRICH, G. Diálogos Interdisciplinares:
Cultura, comunicação e diversidade no contexto contemporâneo. Novo Hamburgo:
Ed. Feevale, 2017.

GORDON, B. The Souvenir: Messenger of The Extraordinary. Journal of Popular


Culture, [S.l.], v. 20, n. 3, p. 135-146, 1986.

HORODYSKI, G. S., MANOSSO, F. C., GÂNDARA, J. M. G. A pesquisa narrativa na


investigação das experiências turísticas relacionadas ao consumo de souvenirs: uma
abordagem fenomenológica. Turismo em Análise, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 203-
230, abr. 2014.

LEIPER, N. The framework of tourism. Annals of Tourism Research, 1979.

MAFFESOLI, M. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de


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Acesso em: 20 set. 2018.

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145
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2001.

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PECCINI, R. História e Cultura da Alimentação: A Galeteria Peccini e o Patrimônio


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URRY, J. The tourist gaze. Leisure and travel in contemporary societies. London:
SAGE, 1990.

146
Tipologia do turismo, disposição, características e
condições para hospitalidade: o acolhimento do desejo
sob o olhar do acolhedor

Larissa Kloss Haas1


Marina Castilhos2
Orientadora: Marcia Maria Cappellano dos Santos³
Orientadora: Olga Araujo Perazzolo4

Resumo: Este trabalho visa discutir aspectos relativos à disposição, características e condições para
a hospitalidade, considerando o acolhimento do desejo sob o olhar do acolhedor. Nesse sentido,
busca-se, prioritariamente, o estudo das repercussões relacionais entre sujeitos primariamente
acolhedores, nas relações com turistas/visitantes. Os marcos teóricos adotados têm por suposto a
hospitalidade como um jogo relacional que requer a escuta das demandas por parte dos acolhedores,
acionando um processo dinâmico que, se por um lado, atende às necessidades do turista/visitante,
por outro permite que sejam ampliados os horizontes do desejo, pela via da relação, quando
invertidos os papéis. Para o exame desse fenômeno, elegeram-se, como procedimento metodológico,
meios que permitam dar voz ao sujeito acolhedor e analisar seus discursos, via análise interpretativa,
identificando significados explícitos e depreendendo sentidos subjacentes. O contexto de análise do
trabalho em desenvolvimento se dá na região de Gramado e de Canela (RS), contexto no qual
iniciaram as entrevistas com sujeitos primariamente acolhedores dentro dos segmentos turísticos na
perspectiva cultural, gastronômica e de eventos. Os resultados já obtidos indicam que a relação entre
acolhedores e acolhidos não se caracteriza como marcada pela hospitalidade, mas por práticas que
via de regra, satisfazem clientes e vendedores.

Palavras-chave: Turismo; Hospitalidade; Acolhimento.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta os resultados parciais do projeto de Iniciação


Científica “Tipologia do turismo, disposição, características e condições para

1Acadêmica de Psicologia na Universidade de Caxias do Sul; bolsista de Iniciação Científica – CNPq;


Caxias do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/4500521262280441; E-mail: lkhaas@ucs.br.
2Acadêmica de Psicologia na Universidade de Caxias do Sul; bolsista de Iniciação Científica –
PROCAD; Caxias do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8597061306553079; E-mail:
mcastilhos1@ucs.br.
3 Doutora em Educação. Docente e Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Turismo e
Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4918303295310860; E-mail: mcsantos@ucs.br.
4Mestra em Educação. Docente da Área de Conhecimento das Humanidades e pesquisadora no
Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul, Caxias
do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/2036396343653638; E-mail: oaperazz@ucs.br.
147
hospitalidade: o acolhimento do desejo sob o olhar do acolhedor”, ramificação do
projeto “Disposição, características e condições para a hospitalidade no acolhimento
do desejo: uma tipologia de turismo na prática turística” – TIPOTUR, desenvolvido
no âmbito do Grupo de Pesquisa – CNPq/UCS Turismo: desenvolvimento humano e
social, linguagem e processos educacionais. O objetivo do estudo é identificar e
analisar, sob o olhar do acolhedor, tipos de demanda dos sujeitos acolhidos, sua
disposição para o acolhimento, características do acolhimento e das condições para
a hospitalidade.
No presente caso, os locais escolhidos para a realização das entrevistas,
Canela e Gramado, são municípios que apresentam vocação para o turismo,
formando um diferencial turístico no País, ao qual se somam atividades
relacionadas, principalmente, ao turismo de eventos. Esses municípios compõem o
objeto de estudo deste projeto e foram escolhidos porque representam um destino
turístico significativo no País, com um fluxo de turistas considerável (CERETTA,
2005).
Nesse sentido, a realização desta pesquisa identifica algumas informações
significativas sobre a atividade turística nos destinos escolhidos, para, assim,
descrever e analisar a relação estabelecida de acolhimento do desejo do acolhido,
sob o olhar do acolhedor.

2 SUPOSTOS TEÓRICOS DE REFERÊNCIA

São múltiplos os conceitos que traduzem diferentes olhares analíticos


envolvendo hospitalidade, acolhimento, turismo, temas presentes no objeto deste
estudo.
Turismo: o turismo pode ser reconhecido, considerando suas diferentes
facetas, “qualquer deslocamento do sujeito em direção a alguma coisa que seu
arsenal mnêmico-cognitivo não reconhece” (PERAZZOLO; PEREIRA; SANTOS,
2013, p. 142). Nesse sentido, o turismo é a expressão de uma necessidade do
comportamento de se deslocar ao desconhecido, ao novo, à experiência, à

148
curiosidade, o que permite ao homem uma transformação constante de si. Assim,
pode-se inferir que tal deslocamento envolve também o tipo de disposição que o
turista tem com a sua ação de “conhecer o novo” e dessa forma, Perazzolo, Santos
e Ferreira (2016) citam os padrões de disposição para as relações por parte de
sujeitos primariamente acolhidos:
• Padrão alienador: há interferência na dinâmica do acolhimento. O outro se
torna invisível aos olhos do alienador, muitas vezes, ocorre com o turista com
demanda focada em trabalho e reunião. Para esse aspecto, a prioridade do
turista é a dimensão estrutural e de serviços no destino visitado.
• Padrão instrumental: tem como característica o reconhecimento do outro
como um meio, para a realização de seus desejos. Os discursos
apresentados, de acordo com o artigo, exibem a condição dos membros da
comunidade como instrumento, os quais servem ao desejo do turista.
A hospitalidade para esse aspecto é satisfatória em relação às demandas do
acolhido, quando seus desejos são atendidos.
• Padrão dinâmico-relacional: é a inserção do outro nas expectativas de
vivências do turista. Nesse aspecto, o outro é condição para novos
conhecimentos, assim, proporcionando a alternância que envolve o
acolhimento. No discurso, que envolve esse aspecto, o acolhido e acolhedor
envolvem em seus discursos o outro, expressando as novas experiências
vividas. (PERAZZOLO; SANTOS; FERREIRA, 2016).
Hospitalidade/Acolhimento: O conceito de hospitalidade e de acolhimento
também é diferenciado no escopo teórico das autoras, considerando que entendem
hospitalidade como a estética, a forma como se configura a partir da dinâmica do
acolhimento. As características do acolher e do ser acolhido, assim, desenhariam o
fenômeno da hospitalidade, marcado pela singularidade e pelo movimento. Trata-se,
portanto, de um “fenômeno que se instala no espaço constituído entre o sujeito
(singular e coletivo) que deseja acolher e o sujeito que deseja ser acolhido”
(PERAZZOLO; PEREIRA; SANTOS, 2013, p. 145).

149
O fenômeno pressupõe a atuação de duas instâncias que interagem
dialeticamente e se modificam, através da troca dinâmica de papéis (acolhedor e
acolhido).
No referido contexto teórico, a demanda propulsora do desejo de turismo
estaria no desejo de conhecer, como uma pulsão para o conhecimento, necessária
para o desenvolvimento humano e decorrente do deslizamento das significações
originárias dos sujeitos. Esse pressuposto assinala o lugar preponderante que o
outro ocupa na viabilidade dos objetivos e explicita a importância da
hospitalidade/acolhimento na produção de novos saberes. (PERAZZOLO; PEREIRA;
SANTOS, 2013, p. 130).
Esses dois pressupostos, o de que o turismo decorre do desejo humano de
conhecer, e de que o conhecer se constrói na relação, com movimentos
interacionais, sintetizam as orientações relativas aos focos que se devem considerar
no estudo das relações de hospitalidade. Para isso, há que levar em conta a
subjetividade dos protagonistas em seus movimentos e a natureza do encontro de
suas demandas distintas, permitindo o ajustamento mútuo de necessidades.
Ressalta-se, ainda, que, em sendo dinâmicas e singulares, as demandas são
também mutáveis, assumindo diferentes configurações, dependendo do objeto de
desejo e de seus significados.
No turismo, o movimento de acolhimento ocorre como um processo que está
além daquele existente na relação entre um hóspede e um anfitrião. No acolhimento
estarão presentes sempre que relações humanas como um fenômeno amplo,
dinâmico e social (OLIVEIRA; SANTOS, 2010).
O conceito de hospitalidade é definido, também, por meio de outras
perspectivas, embora o cerne da troca pareça comum a todos. As principais
vertentes teóricas da hospitalidade podem ser apresentadas envolvendo,
principalmente, trocas de caráter comercial (relações mercantis, como na compra de
um pacote de viagem, em uma reserva em um hotel, nos serviços de um
restaurante) e trocas derivadas da dádiva (dever triplo de dar, receber e retribuir)
(OLIVEIRA; SANTOS, 2010).

150
Disso resulta o entendimento de que as trocas não são necessariamente
materiais – são trocas que implicam um vínculo com eixo cultural (receber,
hospedar, entreter), e um eixo social (vista como instância social - doméstica,
cultural e pública) (OLIVEIRA; SANTOS, 2010).
Relação entre acolhido e acolhedor: as relações psicoafetivas adquirem
grande importância no processo do acolhimento, e da percepção de que este é um
fenômeno que ocorre a partir da relação entre o sujeito acolhido e o sujeito que
acolhe, abarcando suas respectivas expectativas e necessidades. Assim, existe
implícita percepção mútua do outro, e do entendimento que o outro é possuidor de
expectativas e desejos, e que ele é sempre estranho ao eu. Nesse sentido, para que
haja o acolhimento, é importante que os sujeitos distanciem-se de suas
necessidades egóicas, para que possa acolher o outro (SANTOS; PERAZZOLO,
2012).
Nessa perspectiva, o acolhimento passa a ser fenômeno coletivo, grupal,
onde sujeitos se hospedam mutuamente, numa perspectiva coletiva. Assim, Santos
e Perazzolo, (2012) analisam os vértices que estruturam este fenômeno, os quais
denominam Corpo Coletivo Acolhedor. Estes vértices diriam respeito à interação das
dimensões que poderiam influenciar no fenômeno do acolhimento, e segundo as
autoras seriam: o conjunto de serviços disponibilizados nas relações; o organismo
gestor (público/privado), operacional, e o referente a conhecimento e cultura -
referindo-se a um conjunto de valores, saberes e seus mecanismos de transmissão
(SANTOS; PERAZZOLO, 2012). A dimensão que esses vértices teriam no fenômeno
do acolhimento seria justamente concernente à influência que eles têm sob a
perspectiva do sujeito quanto à sensação de sentir-se acolhido. Dessa maneira, se
um deles deixa a desejar durante o processo, a percepção total do sujeito sobre o
acolhimento poderá ser prejudicada, ficando ressaltada a importância da harmonia
entre os vértices, a fim de proporcionar percepção de acolhimento para o sujeito
visitante.

151
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para a realização da proposta de investigação, foram planejadas entrevistas


com sujeitos primariamente acolhedores, de forma a extrair de seus discursos
conteúdos relativos à forma como significam seus entendimentos e comportamentos
relativos à hospitalidade. No processo em andamento, e do qual derivaram as
considerações do presente artigo, já foram realizadas cinco entrevistas,
semiestruturadas, conforme plano metodológico, com comerciantes e comerciários
da comunidade eleita para o levantamento. Os locais escolhidos para as entrevistas,
em Gramado e Canela (restaurantes, cafés, lojas de roupas), foram escolhidos
aleatoriamente num espaço delimitado, com definição prévia da natureza dos
estabelecimentos, caracterizados com primariamente acolhedores.
As questões norteadoras das entrevistas consideraram a importância de obter
informações sobre como os primariamente acolhedores caracterizam os desejos que
motivam as pessoas para procurar os serviços/produtos que disponibilizam, dentre
outros aspectos, conforme a seguir discriminado.
Percepções com relação à experiência acolhedora:
• Referências sobre a percepção/crença relativa ao desejo dos
turistas/visitantes que os levam a buscar o serviço (objetiva-se colher informações
gerais e livres sem interferência quanto à valência das menções);
• Destaques dados a aspectos significativos da experiência (objetiva-se refinar
informações após expressão livre);
• Procedimentos adotados diante de percepções sobre desejos de clientes
(objetiva-se compreender a relação do acolhimento estabelecido);
• Descrição da prática acolhedora do local (objetiva-se identificar aspectos
que ratifiquem menções anteriores ou eventualmente às complementem).

152
4 DADOS PRELIMINARES E CONSIDERAÇÕES

As primeiras considerações podem levar em conta alguns aspectos que


parecem estar na base da hospitalidade no âmbito comercial. Os sujeitos
entrevistados destacaram que pressupõem que o desejo do visitante/turista seja o
de adquirir um bem ou serviço quando adentram o estabelecimento, o que a priori
parece ser coerente com a natureza das relações que se estabelecem. Os
fragmentos a seguir ilustram tal explicação:
Os clientes têm desejo de comprar, sempre vêm com um objetivo, o produto é
bom, eles experimentam e gostam, e por isso levam.
Meu produto é diferenciado, as pessoas vêm a Gramado e acho que elas
buscam chocolate
Meus clientes vêm com o desejo de comer.
Nas considerações que sucederam às questões seguintes envolvendo
desdobramentos sobre a percepção dos primariamente acolhedores acerca da
motivação dos turistas/visitantes, acolhedores ressaltam comportamentos que
entendem como indicativos do desejo daqueles, como a aproximação insidiosa,
olhares e falas que revelariam tratar-se de compradores potenciais. O fragmento a
seguir é elucidativo ao conteúdo referido:
Observamos que eles entram, olham e aí demonstramos um produto, se não
querem, oferecemos outro, e eles acabam levando.
Alguns já ouviram falar do produto, outros entram, experimentam e acabam
levando.
Se considerarmos que a hospitalidade constitui fenômeno derivado da
dinâmica do acolhimento, num processo em que a transformação de ambos os polos
da relação é suposta, há que refletir sobre a efetiva natureza do encontro entre
comerciante e cliente. A ausência cabal de percepção sobre qualquer outro
elemento que não o de sinais reveladores do potencial de compra parece afastar o
cerne dinâmico da hospitalidade. Os “primariamente acolhedores” estariam
ressaltando o foco absoluto na venda, configurando o outro, não como outro, sujeito,

153
capaz de me transformar e deixar-se transformar, mas como “uma presa” de quem
se servirão.
Outros fragmentos do discurso dos entrevistados explicam ainda melhor essa
dimensão:
Adoto estratégias para que o cliente circule, influenciando-o a comprar.
Temos estratégias diferentes, por exemplo, se o dia está ruim procuramos
divulgar um prato específico para chamar o cliente.
O processo de persuasão levaria em conta também a ambiência, a sedução
por requintes decorativos e recursos sensoriais. Tal argumento pode ser evidenciado
nos fragmentos:
Não vendemos só comida, vendemos uma experiência, através da estrutura
do restaurante, não é só comida.
Temos um ambiente bacana, temos música ao vivo todos os dias na casa.
Em baixa temporada, fazemos um quadro decorativo para chamar a atenção.
Outra dimensão observada no conteúdo dos discursos refere-se à
“valorização” unilateral, a priori, dos produtos e serviços oferecidos, sem que o
desejo do turista/visitante seja percebido.
Nosso chocolate não contém gordura hidrogenada e nem glúten, sendo uma
coisa muito diferenciada aos outros chocolates.
Os elementos narcisicamente valorados pelos sujeitos entrevistados podem
indicar uma tendência de atuação no âmbito comercial, como uma estratégia do
segmento, envolvendo a qualificação de vendedores, embora, naturalmente, possa
resultar, também, de outras perspectivas não consideradas.
A palavra “pessoa”, sinalizadora de que a singularidade foi ou é, em algum
momento, objeto de interesse por parte dos primariamente acolhedores, foi utilizada
por apenas um entrevistado. Esse mesmo entrevistado destacou:
Acolhimento para nós é atendermos da melhor maneira possível diferentes
pessoas, adaptar nossos pratos as diferentes necessidades e ter uma estrutura de
acesso para aqueles que têm alguma deficiência.

154
Essa verbalização permite levantar a hipótese de que, nesse caso, a
hospitalidade e a dinâmica do acolhimento, sempre marcadas pela singularidade,
podem estar ocorrendo em suas relações, ainda que de forma pré-sincrônica5
(PERAZZOLO; SANTOS, 2014). Chama ainda a atenção que nenhuma referência
foi encontrada envolvendo circunstâncias e situações de apoio, graça ou revelações
que podem e comumente se dão no encontro da hospitalidade.
Da mesma forma, pode-se considerar que a demanda do primariamente
acolhido, nesse contexto, se caracterize pela modalidade intrínseca, ou seja, pela
busca de obtenção de satisfação de necessidade e desejos prévios e pessoais,
(PERAZZOLO; SANTOS; FERREIRA, 2016), situação em que o sujeito
primariamente acolhedor tende a ser considerado como um meio de realização de
objetivos e não como pessoa, tal como ocorre com o comerciante. Haveria, nesse
caso um pseudoacolhimento, na medida em que “tratar bem”, obter um produto de
interesse e vendê-lo, constitui o núcleo de uma pseudorrelação.
Em se configurando os aspectos já encontrados como traços do perfil de
relação do Corpo Coletivo Acolhedor (PERAZZOLO; SANTOS; FERREIRA, 2016),
há de se levantar como hipótese que a gestão, os serviços e a cultura, vértices do
corpo/comunidade que acolhe, se articulam de forma a assumir um padrão tão
alienador quanto o adotado pelo turista/visitante, na medida em que ambas as
instâncias privilegiam processos e objetos às relações humanas, estando pouco
motivadas ao desenvolvimento pessoal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações ora apresentadas levam em conta, basicamente, os


princípios teórico-conceituais da hospitalidade geradora de saberes e mudanças,
diferindo, portanto, de supostos que a consideram como um comportamento gentil,

5A forma pré-sincrônica se caracteriza pelo acolhimento prévio do outro, requer o entendimento de


necessidades em situações que precedem o encontro, ou da relação direta propriamente dita.
155
socialmente educado e que atenda necessidades do outro, encerrando a relação na
troca de produto por dinheiro.
Entende-se, ainda, que não há críticas a serem feitas ao comportamento dos
sujeitos que empreendem meras práticas comerciais. Pressupõe-se, no entanto, que
a genuína hospitalidade não transita no espaço dessas relações e que, talvez,
oportunidades valiosas de crescimento humano possam estar se perdendo em meio
à pragmática da roda econômica.

REFERÊNCIAS

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Gramado - Rio Grande do Sul / RS. 2005. Dissertação (Programa de Pós-
Graduação em Turismo e Hospitalidade Mestrado e Doutorado) – Universidade de
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corpo coletivo acolhedor. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo,
v. 6, n. 1, jan./abr. 2012, p. 3-15.

156
Turismo e o bairro de São Cristóvão: tradições imperiais e
cultura popular em debate

Shayene Pereira da Silva1


Orientadora: Vera Lúcia Bogéa Borges2

Resumo: O presente estudo busca ressaltar e reforçar a importância do Bairro de São Cristóvão em
relação ao município do Rio de Janeiro, sua cultura e patrimônio, a partir de duplo pilar, isto é, antigo
local frequentado pela família real e, também, polo de cultura popular com o Centro Municipal Luiz
Gonzaga de Tradições Nordestinas (Pavilhão de São Cristóvão). Além disso, o bairro abriga o
Colégio Pedro II, campus São Cristóvão, que uma escola pública federal da educação básica à Pós-
Graduação. A multiplicidade de atrativos turísticos pode tanto interessar aos turistas estrangeiros e
nacionais quanto aos residentes que muitas vezes circulam por ali apenas para acessar a Linha
Vermelha, importante via de chegada e partida da cidade do Rio de Janeiro. No segmento do Turismo
Cultural, as experiências turísticas vivenciadas procuram conhecer os locais visitados a partir dos
elementos históricos e culturais superando a superficialidade das visitações mais tradicionais. Para
tanto, foi adotado o método de pesquisa qualitativa, por meio de levantamento bibliográfico (livros,
artigos e periódicos) e documental (vídeos, séries, fotografias).

Palavras-chave: Turismo; Cultura; Bairro de São Cristóvão; Patrimônio Histórico e Cultural.

1 INTRODUÇÃO

Os viajantes do segmento de Turismo Cultural, buscam conhecer a cultura de


um determinado local, sua história, seu patrimônio cultural3. Este tipo de viagem, se
dá por distintas motivações e se faz necessário refletir sobre as construções
históricas e culturais que envolvem a criação dos destinos e das atrações turísticas.
No Rio de Janeiro, o bairro de São Cristóvão é reconhecido por seus atrativos

1Acadêmica de Bacharelado em Turismo na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro;


Bolsista de Iniciação Científica; Rio de Janeiro/RJ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1597977493166699; E-
mail: shaypereira.rj@gmail.com.
2Historiadora e Docente no curso de Turismo da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro;
Rio de Janeiro/RJ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8670429087282380; E-mail:
verabogeaborges@gmail.com.
3 Constituição Federal Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material
e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:; I - as
formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988, p. 35).
157
imperiais com destaque para a Quinta da Boa Vista, imenso parque aberto à
visitação pública e gratuita para lazer de residentes e turistas. Anteriormente, o local
era utilizado como Jardim do Palácio Imperial de São Cristóvão, antiga morada real
da Corte portuguesa que estava na América desde 1808 (BRASIL, 2015, p. 85).
Gradativamente, as terras do bairro foram doadas e passaram a abrigar as
residências de portugueses e, posteriormente, o Museu Nacional foi construído
(DANTAS, 2007, p. 7).
Para construção do Artigo, foi adotado o método de investigação científica
qualitativo, por meio de levantamento bibliográfico (livros, artigos e periódicos) e
documental (vídeos, séries, fotografias), o levantamento foi realizado durante agosto
de 2018 a outubro de 2019.

Figura 1 – Mapa de São Cristóvão e principais bairros da Zona Sul carioca

Fonte: Google Maps.

2 O PATRIMÔNIO CULTURAL DE SÃO CRISTÓVÃO

Em 6 de Junho de 1818, o Museu Nacional foi fundado por D. João VI, com o
objetivo de incentivar a construção do conhecimento científico no Brasil. Assim, esta
é, a mais antiga instituição científica país, com vasto acervo referente à história

158
natural e à antropologia das Américas1. Vale destacar que, em 1946, o museu foi
incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma vez que, a
instituição possuía diversos projetos de pesquisa no espaço. Esta trajetória marcada
pela pesquisa e, também, local de lazer de residentes e turistas foi drasticamente
interrompida em setembro de 2018 quando um incêndio de proporções gigantescas
destruiu praticamente todo o acervo construído ao longo de duzentos anos de
existência (idem, p. 188).
O conhecimento científico também está presente em outra instituição de
ensino do bairro, o Colégio Pedro II. Sua fundação ocorreu em 2 de dezembro de
1837 para homenagear seu patrono, o imperador do Brasil D. Pedro II. O principal
objetivo era levar a civilização2, por meio do conhecimento tornando-se uma
referência a ser seguida no ensino secundário. Nos anos de 1960, a noção de
padronização deu espaço ao conhecimento realizado de forma mais dinâmica como
citado em “O Colégio Pedro II e o Ensino secundário brasileiro: 1930-1961”
(MASSUNAGA, 1989, p. 44). Atualmente, o colégio é uma referência nacional de
construção de ensino e produção de material científico sendo reconhecido por ser
pioneiro em decisões importantes e inovadoras como, por exemplo, aceitar nome
social para pessoas transgêneros (AGÊNCIA BRASIL, 2016).
Em 8 de março de 1985, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, foi fundado
no Rio de Janeiro com a finalidade de atuar na preservação da memória, da
produção científica e tecnológica do Brasil, da gestão de acervos documentais e
museológicos e na promoção de atividades de divulgação e de incentivo à educação
em Ciências. A instituição também abriga um importante acervo bibliográfico,
museológico, arquitetônico e paisagístico ligados à história da atividade científica

1 Museu Nacional UFRJ. Acervo. Disponível em:


http://www.museunacional.ufrj.br/guiaMN/Guia/paginas/1/acervo.htm. Último acesso: 13/09/2019.
2 A ideologia Imperialista da época visava levar a civilização branca e cristã a “milhões de

preguiçosos, mestiços, degenerados, bulhentos e bárbaros se digam senhores de imensos e ricos


territórios” enquanto que a Europa ‘rica’, ‘sábia’, e ‘civilizada’ se comprimia em pequenos territórios”
(BOMFIM, 1905, p.1-4). Este fragmento demonstra, por intermédio da ironia, a visão etnocêntrica dos
países europeus em relação à América que era predominante à época, desta forma minimizando
qualquer cultura presente em Países da América Latina.
159
brasileira1.
Além dos atrativos citados acima o bairro também abriga o antigo Museu do
Primeiro Reinado (MPR), situado no palacete que pertenceu à Marquesa de Santos
e, assim, guardando lembranças do período colonial. Atualmente, o MPR encontra-
se fechado e, futuramente, deverá transformar-se no Museu da Moda Brasileira, de
acordo com a informação existente no site museus no Rio2.
Além das características científicas e educacionais, o bairro de São Cristóvão
apresenta forte traço da cultura popular da cidade do Rio de Janeiro. Neste sentido,
em 1945, os movimentos que deram origem ao “Centro de Tradições Nordestinas
Luiz Gonzaga” iniciaram-se, aconteciam no espaço, no qual os retirantes
nordestinos chegavam dos vários estados do nordeste brasileiro em caminhões com
objetivo de trabalhar na construção civil. Naquele momento, o local era palco de uma
festa com música e comida típica nordestina permitindo o encontro dos recém-
chegados com seus parentes e conterrâneos. Desta forma deu-se a origem da Feira,
que até a atualidade permanece localizada ao redor do Campo de São Cristóvão e
seu entorno por mais de 58 anos.

FIGURA 2 - Chegada de nordestinos a São Cristóvão no início do funcionamento da


Feira de São Cristóvão

Fonte: Arquivo, Agência O Globo.

1Disponível em: http://mast.br/pt-br/. Último acesso: 13/09/2019.


2Disponível em:
https://www.museusdorio.com.br/joomla/index.php?option=com_k2&view=item&id=124:casa-da-
marquesa-museu-da-moda-brasileira último acesso: 15/09/2019.
160
Em 2003 o antigo pavilhão foi reformado pela Prefeitura do Rio e
transformado no Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. Hoje,
não só nordestinos frequentam a feira para matar saudades e resgatar sua cultura,
como também residentes, turistas de todo o país e estrangeiros (REZENDE, 2001).
A feira, atualmente recebe mais de trezentas mil pessoas todo mês de acordo
com o site oficial e oferece como possibilidade de lazer um pequeno espaço de
reprodução do Nordeste com “tudo” o que a região dispõe. Desta forma, nas suas
quase setecentas barracas sua tradicional riqueza e proporcionando, ainda, a
animação característica da “terrinha”: com dança nos seus diferentes estilos como
forró, xote, baião e outros sons bem genuínos, em seus diferentes palcos.
Diante dos atrativos apresentados, a importância de São Cristóvão destaca-
se para o Turismo no Rio de Janeiro, é notória, a necessidade de valorização da
atratividade turística do bairro de São Cristóvão a partir da oferta de programações
e/ou passeios para turistas nacionais e estrangeiros deveriam ser ofertados pelas
operadoras que atuam no mercado turístico da cidade
Para além do setor privado há também o evento anual “Turismo Cultural no
Bairro Imperial de São Cristóvão” que é desenvolvido há 10 anos no bairro,
idealizado e realizado pela Câmara Comunitária, juntamente com instituições de
grande relevância histórica. O evento é um roteiro cultural que tem como ponto de
partida a Quinta da Boa Vista, de onde saem ônibus gratuitos que circulam por todas
as instituições participantes. Durante o trajeto, o visitante escolhe seu próprio roteiro,
visitando os locais de seu maior interesse. Os roteiros têm como objetivos, oferecer
à população uma programação acessível, com valor científico, histórico e cultural.
Além disso, espera-se favorecer o reconhecimento do potencial turístico, da
atratividade, da pluralidade cultural e da diversidade do bairro imperial de São
Cristóvão. Somado a isso, busca-se estimular o acesso aos equipamentos culturais
sediados no bairro imperial de São Cristóvão, possibilitando a integração desses
espaços através de transporte e visitação gratuita (MOREIRA, 2013).
O bairro de São Cristóvão possui uma localização geográfica privilegiada e
muito próxima tanto do centro quanto da zona sul carioca sendo, ponto de

161
confluência de transportes públicos com destaque para o trem e o metrô. Além
disso, diversas linhas de ônibus circulam por ali, assim como os automóveis
particulares que muitas vezes utilizam o acesso do bairro para alcançar a Linha
Vermelha1, importante via de chegada e partida da cidade. Certamente, o grande
desafio, está na invisibilidade que parece imposta ao bairro de São Cristóvão que
apesar dos diversos atrativos turísticos não consta nos principais guias turísticos
consultados pelos visitantes. No site de avaliações www.tripadvisor.com.br, o bairro
possui 18 atrações com 8.403 avaliações (até 27 de maio de 2019), contudo a
atração com maior número de avaliações é a Feira de São Cristóvão que ocupa a
107ª posição de 726 atividades em Rio de Janeiro, uma colocação pouco
competitiva.
Ao longo do tempo, a região turística do Rio de Janeiro se consolidou,
prioritariamente na zona Sul e no centro da cidade, locais marcados pela
desigualdade social sempre acompanhadas pelo encarecimento dos espaços
motivando o processo de gentrificação2. Estas zonas da cidade se sobrecarregam
nas altas temporadas, majoritariamente por turistas estrangeiros, em uma cidade
que não faltam opções de atrativos, o turismo se entrega a mesmice lucrando
sempre nos mesmos espaços reforçando assim o estereótipo 3 de praia e sol,
sintetizando uma cidade a suas duas praias mais famosas, isto é, Copacabana e
Ipanema.
No bairro de São Cristóvão a maior parte dos visitantes são os moradores da
cidade do Rio de Janeiro ou brasileiros que possuem amigos na cidade. A título de
exemplo, foram realizados alguns estudos de público no Museu nacional antes do

1 Via expressa que liga a cidade de São João de Meriti (RJ) ao centro e à Zona Sul da cidade do Rio
Janeiro, considerada a porta de entrada para a cidade do Rio de Janeiro. A via é margeada por 18
favelas e eventualmente ocorrem fechamentos da via em decorrência de tiroteios ou assaltos aos
motoristas (OUCHANA, 2019).
2 Gentrificação é a denominação do processo de transformação de centros urbanos por intermédio da

mudança dos grupos sociais ali existentes, com as melhorias são expulsas indiretamente as
comunidades de baixa renda e entram moradores das camadas mais ricas, pois tudo ao redor das
melhorias se torna hipervalorizado (CADERNOS METRÓPOLE, 2014, p. 303).
3 Estereótipo é uma imagem largamente mantida, altamente deturpada e simplificada de algo que

levaria a pessoa a ter uma atitude favorável ou desfavorável em relação a um objeto, a um produto, a
uma instituição, a uma pessoa ou, no caso do turismo, a um lugar.
162
incêndio, e algumas constatações se repetiram em grande parte, em 1995, Valente
apresentou os dados de sua pesquisa, que teve por finalidade perceber a relação do
público com a exposição permanente do Museu Nacional, que atualmente ainda se
recupera do incêndio de 2018.

Foi possível constatar, no desenrolar do trabalho, que a origem social dos


visitantes do Museu Nacional, num quadro geral e numa primeira
aproximação, difere daquela do público a que se convencionou chamar o
mais fiel dos museus, formado geralmente por pessoas de nível social e
capital cultural mais elevado, conforme as avaliações realizadas fora do
país e que confirmam essa procura do museu. Os visitantes do Museu
Nacional, em grande parte, pertencem a camadas de média e baixa renda
da população brasileira (VALENTE, 1995, p. 130).

3 CONEXÕES AO IMPÉRIO

Aqui vale uma consideração, historicamente, o Rio de Janeiro foi ocupada por
portugueses e seus descendentes sendo que muitos deles tinham o intuito de morar
próximo a Corte portuguesa que estava instaurada na cidade. Assim, no bairro de
São Cristóvão, eles recriaram identidades luso-brasileiras, da mesma forma que
reviveram e consolidaram suas tradições, isto é, as referências culinárias, as formas
de vestir e de construir seus imóveis. Desta forma, as articulações materiais e
simbólicas entre as duas margens do oceano Atlântico podem ser notadas em
alguns estabelecimentos que ainda permanecem abertos na atualidade podendo ser
exemplificado com o restaurante Adegão Português1. Além dos moradores
tradicionais, novos empreendimentos imobiliários começaram a se instalar na região
nos últimos anos, impulsionando uma renovação identitária de grande importância
ao bairro de São Cristóvão. Neste sentido, a construção de prédios residenciais,
assim como o aumento de fábricas têxteis que abastecem lojas e, também, vendem
no atacado são transformações visíveis da localidade.
Após as considerações sobre o bairro da Zona Norte carioca, façamos uma

1 “Restaurante reconhecido há mais de 50 anos por oferecer pratos clássicos da culinária lusitana,
com tradição e inovação, preservando sua história sem parar no tempo”. Disponível em:
http://www.adegaoportugues.com.br. Último acesso: 02/05/2018.
163
aproximação em relação ao turismo a partir da sua potencialidade que pode estar
vinculada aos elos de pertencimento do indivíduo com o seu local e sua história. Ao
valorizar o espaço possibilitando despertar o interesse de visitantes propiciando a
possibilidade do desenvolvimento do sentimento hospitaleiro nestes moradores.
Assim, atentemos:

As identidades surgem a partir de um processo de apropriação dos usuários


pelo espaço, onde o mesmo estabelece uma relação de identidade e
pertencimento tanto concreta quanto subjetivamente com o espaço criado
por e para si. Em síntese, o indivíduo constrói espaços para si, concreta
e/ou subjetivamente, e estabelece relações de pertencimento e
identificação, bem como exerce sua sociabilidade (SILVA, 2013, p.209).

O grande desafio está em compreender por que apesar dos atrativos


turísticos existentes ali, o bairro não se consolida como espaço turístico.
Certamente, a questão da segurança pública possa ser uma importante chave para
auxiliar nesta reflexão. O medo social1 é atualmente um importante influenciador de
mudança no território e no tecido urbano do Rio de Janeiro e, consequentemente, na
vida da população, seja fixa (moradores) ou flutuante (turistas) (MACHADO, 2012,
p.226).
Podemos considerar que todos se sentem afetados, ameaçados e sob perigo
praticamente o tempo todo. São Cristóvão é um bairro de passagem nas rotas para
quem entra e sai da cidade por via terrestre ou objetivando chegar ao aeroporto
Galeão (Ilha do Governador). De acordo com as estatísticas acerca da violência,
trata-se de um dos bairros mais perigosos do Rio de Janeiro, sendo sua principal via
de comunicação, a Linha Vermelha, isto é, o local onde a polícia militar é acionada
ao menos uma vez ao dia e consideramos que esta primeira impressão pode ser
determinante para este turista definir se quer voltar ao Rio de Janeiro (OUCHANA,
2019).
A necessidade de políticas públicas relacionadas à segurança da cidade
torna-se uma questão emergencial e pode ser acompanhada por melhorias na

1Caracterizado por manifestações de alarme, tensão nervosa, medo e desconforto desencadeados


pela exposição à avaliação social (CID F40.1).
164
iluminação, no policiamento e no maior entrosamento entre os moradores. Enquanto
este quadro não for revertido, São Cristóvão continuará com sua condição de lugar
não turístico muitas vezes, realçado pela imprensa o que reforça os obstáculos para
a sua consolidação no turismo.
Apesar de cenário que parece pouco favorável, existem iniciativas que podem
potencializar turisticamente São Cristóvão. Um dos principais atrativos do bairro é o
zoológico do Rio de Janeiro que está em processo de transformação para ganhar a
condição de um bioparque1, com animais soltos e visitantes circulando por túneis e
corredores. Portanto, trata-se de um recomeço, isto é, de um espaço antes visto
como um símbolo do descaso com os animais e com os visitantes, marcado por
estruturas malconservadas, áreas de confinamento inadequadas e sinalização
precária.
Além disso, durante as escavações para melhora do zoológico do Rio de
Janeiro foram encontrados mais de trinta mil itens que pertenciam aos empregados
da família real, entre peças e cerâmicas e broches, o material será entregue ao
Museus Nacional e sendo o trabalho arqueológico conduzido pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (AGÊNCIA BRASIL, 2019).
A iniciativa foi acrescida pelas descobertas que podem ser exploradas pelo
turismo arqueológico no local ao explicar para aqueles que visitam o zoológico a
importância histórica do local por meio das escavações sendo que parte dos objetos
encontrados devem integrar uma mostra permanente exibida na antiga sede do
RioZoo. No passado, este local abrigou uma escola de formação técnica para os
trabalhadores do Palácio da Quinta da Boa Vista tendo sido inaugurada por Dom
Pedro II (REDAÇÃO GALILEU, 2019).

1 MENDONÇA, Alba V. Zoológico do Rio vai virar bioparque com bichos soltos e visitantes circulando
por túneis e corredores. G1 Rio, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/zoologico-do-rio-vai-virar-bioparque-com-bichos-soltos-e-visitantes-circulando-por-
tuneis-e-corredores.ghtml. Último acesso: 13/09/2019.
165
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O potencial turístico de São Cristóvão é uma realidade, a partir dos diversos


atrativos apresentados, contudo para que este bairro se consolide nesta condição se
faz necessária uma mudança, marcada por maior flexibilidade nas áreas da cidade
que são visitadas pelos turistas.
O desconhecimento dos residentes de São Cristóvão sobre o próprio bairro,
também compromete a visitação dali. Neste sentido, uma proposta afirmativa seria, a
partir dos colégios das redondezas desenvolverem projetos junto aos jovens para
trazer conhecimento cultural e histórico desta parte da cidade. Dito de outra maneira
quem conhece o lugar que vive pode apresentá-lo melhor para aqueles que o
visitam cuidando assim do seu bairro.
O profissional de turismo deve atuar como mediador, entre o Estado e os
visitados, realizando a articulação de atividades, como regulador de conflitos no
campo social, em eventos como ressentimento local resultante do choque de
culturas entre o visitante e visitado. Saturação da infraestrutura e da capacidade de
carga e outras demandas.
As autoridades ligadas ao setor turístico, deveriam apresentar ações nas
políticas públicas principalmente mediante a sobrecarga dos atrativos principais, que
ocorre nos meses de alta temporada. Assim, em outros períodos do ano, circuitos
diversos poderiam ser ofertados em São Cristóvão a partir de temas como, por
exemplo, a cultura nordestina, as instituições de ensino, pesquisa e cultura dentre
outros. Desta forma, as autoridades em parceria com a iniciativa privada e os
residentes deveriam estabelecer metas a partir da articulação planejamento,
financiamento e desenvolvimento.
Também se faz necessário o desenvolvimento endógeno, isto é, garantir a
mobilização social a partir de ações participativas da população, que precisa se
organizar e tornar esse assunto como pauta prioritária levando ao governo propostas

166
e podendo até iniciar processos de placemaking1.
Desta forma o turismo e consequentemente o efeito multiplicador2, só
ocorrerá mediante uma estratégia de marketing consolidada, que vise divulgação
diferenciada do bairro. Provavelmente um processo de mudança da visão de São
Cristóvão nas mídias pode ocorrer permitindo a compreensão dos moradores sobre
o local e levando a gestão ativa da atividade turística.
Dada a importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de
um estudo de mercado que permita conhecer os turistas, compreender seus
comportamentos, suas motivações, suas percepções e suas frustrações. Tendo em
conta o aumento da competição entre destinos turísticos, o estudo de mercado
revela-se uma base eficaz para o desenvolvimento de estratégias de marketing
competitivo e também um estudo de impacto do turismo nesses espaços.
Cada vez mais, quando os moradores do bairro participam das decisões e
dos espaços como frequentadores, gestores e observadores críticos, eles podem
impulsionar o turismo local, ao consultar a população, perceber suas necessidades,
integrando-as ao processo para que se tornam ativas e começando assim uma nova
visão de pertencimento.

REFERÊNCIAS

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alunos transexuais. EBC, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-05/colegio-federal-no-rio-e-o-
primeiro-aceitar-nome-social-de-alunos. Acesso em: 13 set. 2019.

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empregados do Império. O Tempo, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em:
https://www.otempo.com.br/turismo/obras-no-riozoo-revelam-pe%C3%A7as-que-
pertenceram-a-empregados-do-imp%C3%A9rio-1.2165895. Acesso em: 13 set.

1 Processo de planejamento, criação e gestão de espaços públicos totalmente voltado para as


pessoas, visando transformar ‘espaços’ e pontos de encontro em uma comunidade – ruas, calçadas,
parques, edifícios e outros espaços públicos – em ‘lugares’, que eles estimulem maiores interações
entre as pessoas e promovam comunidades mais saudáveis e felizes. (Placemaking Brasil, disponível
em: http://placemaking.org, último acesso: 13/09/2019).
2 Sucessão de despesas que tem origem no gasto do turista e que beneficia os setores ligados

indiretamente ao fenômeno turístico (BARBOSA, 2005).


167
2019.

APRESENTAÇÃO. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, p.303-306. São Paulo: 2014.


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169
Turismo, Eventos LGBT e Comunicação
Karen Dannenhauer1
Orientadora: Maria Luiza Cardinale Baptista2

Resumo: O texto busca sinalizar, de forma primária, as relações entre o Turismo, os Eventos LGBT e
a Comunicação ao longo do processo histórico. É parte de uma pesquisa que vem sendo realizada,
em nível de iniciação científica, na Universidade de Caxias do Sul, vinculada ao Amorcomtur! Grupo
de Estudos em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese. Em termos teóricos, envolve
perspectiva transdisciplinar, com textos sobre a Cartografia de Saberes, com Baptista (2014), a
Esquizoanálise, com Guattari e Rolnik (2000) e Deleuze e Guattari (1995), a história LGBT, com
Facchini (2003) e Fry e MacRae (1985), Turismo, com Baptista (2018) e Eventos, com Matias (2010)
e Tenan (2002). A estratégia metodológica é a Cartografia de Saberes, que privilegia a
transdisciplinaridade, alinhada com aspectos da mutação da Ciência. Pode-se perceber, com os
estudos realizados, que os eventos LGBT são potencializadores de união das multiplicidades e
singularidades, produzindo movimento de desterritorialização, em sentidos vários. Também se
observa que os sujeitos que passam por um processo de desterritorialização se potencializam.

Palavras-chave: Turismo; Eventos LGBT; Comunicação.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, que se encontra em fase inicial, é decorrente da


pesquisa de iniciação científica e começa abordando a estratégia metodológica
Cartografia de Saberes na pesquisa em Turismo, que, conforme Baptista (2014), é
uma abordagem complexa e transdisciplinar, que se alinha aos pressupostos
teóricos da Ciência Contemporânea.
Em seguida, abordamos os eventos LGBT e sua relevância para os
movimentos sociais e o Turismo destinado ao grupo.
Após, abordamos o Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (LGBT), no Brasil, os obstáculos que o movimento teve de enfrentar
para que fosse possível a formação das resistências LGBT, isto é, movimentos que
temos espalhados, hoje, pelo Brasil. Acerca do assunto, explanamos sua

1Acadêmica de Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas na Universidade de


Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8535592066911019; E-mail:
kadannenhauer2@gmail.com.
2Doutora em Ciências da Comunicação; Docente na Universidade de Caxias do Sul; Caxias do
Sul/RS; Lattes: http://lattes.cnpq.br/2996705711002245; E-mail: malu@pazza.com.br.
170
historicidade dando ênfase para as décadas 1970, 1980, 1990 e 2000,
respectivamente, expondo a relevância da atuação dos jornais, panfletos e boletins
alternativos, na mobilização dos sujeitos que estão inclusos na luta, para a união,
apoio, encontros e as paradas LGBT.
E, por fim, a relevância do turismo, na perspectiva da Esquizoanálise, para
esse grupo de sujeitos tão reprimido perante a sociedade dominante e
heteronormativa.
O trabalho tem por objetivo sinalizar as relações entre o Turismo, os Eventos
LGBT e a Comunicação, no decorrer do processo histórico. A multiplicidade e
complexidade que se manifesta nos eventos a partir do entrelaçamento entre os
conhecimentos da Comunicação e do Turismo. Esta pesquisa é proveniente dos
encontros no Amorcomtur! Grupo de Estudos em Comunicação, Turismo,
Amorosidade e Autopoiese e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade (PPGTURH-UCS), pelo projeto ECOSSISTEMAS
TURÍSTICO-COMUNICACIONAIS-SUBJETIVOS: Sinalizadores teórico-
metodológicos, no estudo de ecossistemas turístico-comunicacionais-subjetivos,
considerados a partir de sua característica ecossistêmica, caosmótica e
autopoiética.
Vale ressaltar que o trabalho nasce da aproximação da pesquisadora com a
organização de luta das classes oprimidas, no TODAS - Coletivo Libertário da Serra
Gaúcha, e de sua relação com os sujeitos do movimento de minorias oprimidas na
pesquisa e na vida.
Neste trabalho, entende-se por lutas das minorias oprimidas

As lutas das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos índios, dos
prisioneiros - categorias historicamente silenciosas - têm nos ensinado que
a História tem sujeitos e objetos aqueles que falam e aqueles de quem se
fala, mas também que os sujeitos variam ao longo do processo. (LAMPIÃO,
1978, p. 2)

Por fim, este estudo foi produzido a partir de pesquisa bibliográfica e


documental, referentes à época; de conversas com a professora orientadora Maria
Luiza Cardinale Baptista; de debates e discussões, provenientes da participação nos
171
Encontros Caóticos da Comunicação, Turismo e suas transversalidades, do
Amorcomtur!, que ocorrem na Universidade de Caxias do Sul.

2 CARTOGRAFIA DOS SABERES

Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizou-se como estratégia


metodológica a Cartografia de Saberes, proposta por Baptista (2014). A estratégia
inspira-se em pressupostos da mutação da Ciência, na flexibilização do
conhecimento do método e na perseverança das perguntas: O que é Ciência? Qual
é o fator determinante para que se possa definir o que é Ciência e o que não é
Ciência? Alinhada aos pressupostos teóricos da ciência contemporânea, a
Cartografia de Saberes, para Baptista (2014), não possui orientações pautadas em
uma hierarquização da pesquisa, um único caminho a ser seguido, nem em seu
aprisionamento, a Cartografia desenvolve-se no decorrer da pesquisa, seguindo o
fluxo do pesquisador, incorporando saberes e agitações particulares, que sejam
significativos para as áreas de conhecimento abrangidas. Formando uma teia
investigativa de perspectiva plural e complexa, a pesquisa brota para todos os lados
que se transformam em caminhos de possibilidades e anseios, que não busque um
fim em si mesmo, mas que gere outros percursos, como num rizoma, definição que
os autores da Esquizoanálise Deleuze e Guattari (1995) retiram da Botânica para
aplicar à Filosofia.
Por uma busca de produção do conhecimento no exercício do
entrelaçamento, desaprovando, assim, a exclusão de outros saberes, os saberes de
outros povos, a diversidade dos conhecimentos, também, é característica da
Cartografia de Saberes, na proposta metodológica, Baptista (2014) utiliza as
definições da Ciência Contemporânea, de Boaventura de Souza Santos, que em seu
conceito de ecologias de saberes, fundamental para a inscrição das Epistemologias
do Sul, emprega à junção do conhecimento popular com o científico, procurando,
com o enorme cuidado, não amputar o contexto cultural e político na produção de
conhecimento.

172
Em seu livro Epistemologias do Sul, que compõe coletânea de diversos
artigos científicos de teóricos, Boaventura de Souza Santos (2009) se compromete
em realizar justiça àqueles que seus saberes, na visão eurocêntrica do
conhecimento, não estão inclusos. Boaventura (2009), no capítulo Para além do
pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes, discute de que
modo o processo de colonização suspendeu e, por conseguinte, afetou
negativamente as culturas tal como as suas epistemologias diversas. O próprio
nome do livro faz referência ao que se pretende elucidar. Para Santos (2009), o sul é
àquele que não está incluso aos olhares do norte e que, portanto, não possui
valoração alguma para estes e, no seu modelo mais perverso, torna-se invisível. Já
as epistemologias dizem respeito aos conhecimentos populares, leigos,
camponeses, indígenas que não se encontram deste lado da linha, o visível, lugar
do conhecimento eurocêntrico, mas do outro lado da linha, o invisível, lugar do não
conhecimento científico.
Neste sentido, esta pesquisa busca mostrar a relevância das lutas do
movimento LGBT para formação dos eventos de pequeno, médio e grande porte que
tentam, cada vez mais, abarcar as diversidades culturais presentes na sociedade
brasileira.

3 EVENTOS LGBT

Para Matias (2010), existem registros de deslocamentos para fins de eventos


desde a Antiguidade, com a necessidade da civilização grega se deslocar de um
lugar para outro para participar dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Antiga,
datados de 776 a. C, realizados em Olímpia. A autora trata o acontecimento como
um marco e salienta que foi a partir dos Jogos Olímpicos que o espírito de
hospitalidade floresceu (MATIAS, 2010).
De acordo com Tenan (2002), o turismo de eventos não se refere apenas às
viagens de cunho profissional que incluem eventos. Ele integra o turista que viaja
para participar de uma festa popular, o estudante que viaja para participar de um

173
evento acadêmico, ou seja, sujeitos que não necessariamente fazem uma viagem de
negócios (TENAN, 2002). Além disso, Tenan (2002) salienta que um evento é um
acontecimento que não está na rotina, que reúne sujeitos com algum interesse em
comum.
Na contemporaneidade, os eventos LGBT são realizados por movimentos de
oprimidos sociais e surgem da necessidade de esses sujeitos reivindicarem seus
direitos como cidadãos civis e de gerar visibilidade perante a heteronormatividade da
sociedade. São grandes eventos que comportam shows nacionais, desfiles, feiras
culturais, ciclo de debates e congressos destinados ao público LGBT. Além disso, os
eventos desembocam em outras pequenas manifestações que se espalham pelos
municípios e que contribuem para com a multiplicidade dos eventos. Entre eles,
estão as execuções de filmes ao ar livre, exposições de arte referentes ao público
LGBT, oficinas de segurança e defesa pessoal entre outras.
Além de promoverem a igualdade, esses eventos ajudam a contribuir com
multiplicidade das diferenças que buscam a inclusão e o apoio.

4 MOVIMENTO LGBT NO BRASIL

As manifestações de rua do público LGBT, contudo, nem sempre foram


toleradas. Segundo Facchini (2003), o movimento teve de enfrentar muita repressão
e preconceito, para conseguir alcançar o mínimo de visibilidade e respeito em alguns
espaços da sociedade.
Fry e MacRae (1985) afirmam que foi após o avanço significativo da abertura
política, no Brasil, que as questões sobre gênero, orientação sexual e sexualidade
se vincularam, de forma mais abrangente e sistemática.
Diante disso, os movimentos sociais começaram a sinalizar a importância da
união e da mobilização entre as minorias oprimidas, para ações efetivas que
combatessem o preconceito de cor, sexual e a desigualdade social, contribuindo,
assim, para com a construção da cidadania e de uma sociedade mais justa.
Neste contexto, artistas, jornalistas e escritores homossexuais assumidos se

174
reuniram para produzir jornais que falassem de oprimidos, para os oprimidos. Sendo
assim, nasceu, em 1978, o jornal, em formato de boletim, o Lampião da Esquina,
que contava com publicações mensais.
A partir disso, os sujeitos LGBT puderam estabelecer vínculos de
compreensão, apoio mútuo e resistência entre si e o movimento conseguiu, ainda
que de forma extremamente restrita, se manifestar e reivindicar seus direitos e de
outros grupos de minorias também. Facchini (2003) divide o movimento LGBT em
três instantes distintos. O primeiro corresponde ao surgimento e expansão do
movimento, no decorrer do processo de abertura política. Naquele momento, os
sujeitos militantes reforçavam a autonomia, o comunitarismo e o antiautoritarismo,
no movimento (FACCHINI, 2003).
O segundo momento teve seu início na década de 1980 e está associado ao
retorno do regime democrático, iniciado em 1985; ao aparecimento do HIV/Aids,
chamada por parte da sociedade da época de “peste gay”, segundo Facchini (2003);
e, paradoxalmente, ao declínio do movimento LGBT (FACCHINI, 2003). Na mesma
década, em 1981, conforme Fernandes (2018), o Grupo de Ação Lésbico-Feminista
(LF), que desde 1979 começou mostrar a sua importância para a emancipação das
mulheres no Brasil, lança o boletim ChanacomChana, organizado por mulheres que
buscavam a visibilidade das lésbicas dentro e fora do movimento e que protestavam
contra as opressões de gênero e orientação sexual que sofriam.
Para Facchini (2003), na década de 1980, o movimento que sofria com os
frequentes ataques em relação ao aparecimento do HIV/Aids, na década de 1990,
refloresceu e contava com uma presença marcante na mídia, uma ampla
participação em movimentos de direitos humanos em resposta ao HIV/Aids, em
ações junto a parlamentares, com proposição de leis em todos os níveis, criação de
associações de grupos em nível nacional e organização de eventos de rua.
O movimento LGBT utilizava folders, panfletos, boletins e jornais, para a
divulgação dos encontros, dos eventos e das manifestações culturais, destinados
aos que se identificavam com o movimento.
No Brasil, segundo a Edição 26, do Jornal Lampião da Esquina (1978), a

175
primeira marcha LGBT aconteceu no dia 13 de junho em 1980, no centro de São
Paulo. Nela, ativistas LGBT e integrantes do Movimento Negro Unificado (MNU)
protestaram contra as fortes repressões que os negros, as prostitutas, as travestis e
os homossexuais sofriam diariamente nas mãos da polícia.
A caminhada foi extremamente significativa para as minorias oprimidas, pois
foi por meio dela que os sujeitos e o movimento ganharam visibilidade e forças, para
crescerem e terem a potência que vemos atualmente.
Segundo a ONG APOGLBT – SP, a primeira edição da parada do Orgulho
LGBT aconteceu no dia 28 de junho de 1997, na Av. Paulista, em São Paulo. De
forma significativa, a parada mostrou a força e a união dos sujeitos discriminados
diariamente pela sociedade.

5 TURISMO

Pensamos o turismo LGBT para além do Pink Money, dinheiro advindo do


público LGBT e que expõe o poder de compra do mesmo. Consideramos um turismo
que possibilita, de certa forma, a desterritorialização dos sujeitos nos mais variados
níveis, a partir da lógica ecossistêmica, de complexidade e amorosidade, que
caracteriza os estudos do Amorcomtur!.
A diversidade que a parada LGBT possibilita, de acordo com Pereira, Ramos
e Coelho (2016, p. 2)

A Parada LGBT demonstra não somente a pluralidade expressada em cada


letra que compõe a sigla, mas diferentes experiências da grande festa que
se realiza em torno do orgulho LGBT. Dessa maneira, observamos públicos,
movimentos sociais, expressões artísticas (performances, gêneros musicais,
fantasias) que sugerem múltiplas demandas reunidas no mesmo local.

Os sujeitos LGBT que se propõem para participar dos eventos e paradas, na


busca por somar com as diferenças, estão sujeitos à desterritorialização, pois se
despedem dos seus territórios cotidianos. Os processos de desterritorialização,
segundo Baptista (2018, p. 103)

176
São constituídos por feixes de fluxos incorporais a-significantes, com suas
múltiplas expressões e configurações materiais, que se substituem o tempo
todo. Este mesmo ‘todo complexo caosmótico’ é colocado em ação de
desmanche na desterritorialização, no turismo. Disso decorre a sensação de
perder-se em abismos existenciais, significacionais, diante de universos de
referências que se esvaem.

Podemos dizer que a desterritorialização ocorre quando o sujeito permite


perder-se nas linhas de fugas, linhas flexíveis. Sem medo e aberto para o novo, o
diferente, as heterogeneidades, o encontro com o outro, que sempre é diferente.
Essas linhas de fuga, no sentido esquizoanalítico, pertencem aos rizomas. Podemos
compreender os eventos, movimentos e encontros dos LGBT, como um rizoma
humano. Segundo Deleuze e Guattari (1995, p. 18) “Todo rizoma compreende linhas
de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado,
significado, atribuído, etc; mas compreende também linhas de desterritorialização
pelas quais ele foge sem parar”.
Apesar de toda a captura, que do rizoma humano LGBT provém, os eventos e
o turismo LGBT possibilitam o movimento, a desterritorialização dos sujeitos que por
ele percorrem e o encontro com o diferente, a diferença, a multiplicidade, que
também é inerente à lógica rizomática.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de a pesquisa encontrar-se em fase inicial, é possível perceber, por


meio dos conceitos teóricos que permeiam este trabalho, a relevância da
comunicação e dos movimentos sociais, para o desencadeamento dos eventos
destinados aos sujeitos LGBT. No decorrer das décadas, apesar da constante
opressão e censura, os sujeitos se mostraram fortes e resistentes.
Além disso, no trabalho, buscamos compreender o desenvolvimento de um
‘turismo às avessas’, isto é, aquele que não tem como objetivo principal o ‘capital’, o
aproveitamento de um nicho de mercado ou a arrecadação do dinheiro advindo dos
sujeitos do movimento, e sim, um turismo que possibilite a desterritorialização dos

177
LGBT, permitindo a expressão e criação dos que costumam frequentar este tipo de
evento.

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VIANA, F. “50 anos de Stonewall - Nossas conquistas, nosso orgulho de ser LGBT+”
é o tema da 23ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo que acontece domingo, dia
23 de junho, e consta participação internacional de Melaine C, além de Gloria
Groove, Aretuza Love, Luísa Sonza e MC Pocahontas. Parada SP. São Paulo, 17
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nossas-conquistas-nosso-orgulho-de-ser-lgbt-e-o-tema-da-23a-parada-do- orgulho-
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Acesso em: 15 set. 2019.

179
MODALIDADE AUDIOVISUAL

A proposta tem como objetivo incentivar outra modalidade de trabalhos que


visam contribuir para a discussão sobre turismo a partir da pergunta “É POSSÍVEL
PENSAR A SUA PESQUISA NAS REDES E TRAMAS DO E NO TURISMO?”. O
formato é o de produção audiovisual associada a um resumo expandido.

180
A Música Manauara no Largo São Sebastião – Um Estudo
Sobre o Evento Tacacá na Bossa
Leonardo Vanderson Pereira Gama1

O presente projeto de pesquisa descreve como a música manauara é


vivenciada pelos moradores da cidade e turistas no Largo São Sebastião por meio
do evento musical Tacacá na Bossa. O evento ocorre desde de 2005 todas as
quartas-feiras, de início a proposta do evento era apenas fazer com que os
frequentadores do Tacacá da Gisela apreciassem a música chamada Bossa Nova,
porem ao passar dos anos o evento tomou proporções grande, levando artistas
locais a se apresentam com músicas autorais e ritmos como: boi bumbá, beiradão,
MPA, que são executados pelos mesmo.
O evento tem como principal objetivo valorizar a música manauara, pois,
através dessas canções são mostradas a características culturais da cidade através
das letras das músicas e instrumentos utilizados, tudo isso contribui para que a
música local se torne algo frequente na vida dos manauaras e seja vivenciada pelos
turistas.
Os objetivos específicos dessa pesquisa são: analisar a historicidade da
música manauara e do evento Tacacá na Bossa; Pesquisar as principais
características da música manauara por meio dos artistas e banda locais; e analisar
a importância do evento musical Tacacá na Bossa referente ao Turismo Cultural e
Manaus e para os residentes com forma de identidade cultural.
Por meio dessa pesquisa visa-se mostrar o quão a música e o evento estão
diretamente ligados com a questão da identidade cultural do manauara, e que de
alguma forma o evento musical Tacacá na Bossa pode influenciar no Turismo
Cultural e ainda podendo ser um fator importante na rede de turismo na cidade de
Manaus, sabendo que o Largo São Sebastião é um espaço turístico, segundo
Boullón:

1 Acadêmico de Turismo na Universidade do Estado do Amazonas; Manaus/AM;


Lattes: http://lattes.cnpq.br/1339529882116044; E-mail: lvpg.tur@uea.edu.br.
181
O espaço turístico é consequência da presença e distribuição territorial dos
atrativos turísticos que, não devemos esquecer, são a matéria prima do
turismo. Este elemento do patrimônio turístico, mais o empreendedorismo e
a infraestrutura turística, são suficientes para definir o espaço turístico de
qualquer país. (BOULLÓN, 2002 p. 79).

Ou seja, o lugar onde acontece o evento possui toda uma estrutura formal de
um espaço turístico.
A pesquisa divide-se em quatro etapas: levantamento das informações;
pesquisa de campo para a aplicação de formulários e questionários; e tabulação e
análise das informações;
Por fim, a ideia inicial com a pesquisa é transformar a música manauara e o
evento Tacacá na Bossa em fatores importantes para o desenvolvimento da
identidade cultural, a valorização dos artistas locais e, sobretudo inserir esses
contextos dentro do cenário turístico da cidade de Manaus.

Palavras-chave: Turismo; Patrimônio Imaterial; Música Manauara; Eventos.

REFERÊNCIAS

BOULLÓN, Roberto C. Planejamento do espaço turístico. Bauru, SP: EDUSC,


2002.

FICHA TÉCNICA DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Título do trabalho: A Música Manauara no Largo São Sebastião – Um Estudo


Sobre o Evento Tacacá na Bossa

Autor: Leonardo Vanderson Pereira Gama

Orientador: Prof. Dra. Maria Adriana Sena Bezerra Teixeira

Gênero do audiovisual (relato de experiência, ensaio ou vídeo documental):


Relatos de experiências e gravação em vídeo do evento.
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Produção: Leonardo Gama e Jackeline Lopes

Filmagem: Leonardo Gama, e com vídeos extraídos da plataforma de vídeos


Youtube, dos canais: Vila Vagalume e Neidinha Maciel

Som: Leonardo Gama, e com áudios extraídos do site Youtube, dos canais: Vila
Vagalume e Neidinha Maciel

Cenografia: Samira El Kebbe

Edição: Leonardo Gama

Arte: Leonardo Gama

Finalização: Leonardo Gama

Link de acesso ao vídeo: https://youtu.be/wXTFHCm_kac

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Estudo Bibliométrico sobre o Uso de Metodologias de
Análise da Imagem nas Pesquisas em Turismo, Museologia
e Patrimônio Cultural (2013-2018)
Leonardo da Silva Vidal1
Ana Julia Gueiros Azevedo2
Cheila Pacetti3
Orientadora: Karla Estelita Godoy4

A presente pesquisa é uma das atividades científicas vinculadas ao


Laboratório de Pesquisa, Produção e Análise da Imagem (L’IMAGE), financiado pelo
Edital Chamada Universal CNPq - Faixa B, pertencente ao nosso grupo de pesquisa
Turismo, Cultura e Sociedade (T-Cult), da Universidade Federal Fluminense. O
objetivo deste estudo bibliométrico consiste em verificar quais as principais
metodologias de análise da imagem adotadas nas pesquisas em turismo,
museologia e patrimônio cultural. Para tanto, serão consultadas as principais bases
de dados que reúnem o conjunto de artigos científicos publicados em periódicos
nacionais e internacionais.
A fim de compreender o uso das metodologias de análise da imagem em
pesquisas, é fundamental que se conceituem e discutam os vários modos de se
definir imagem. Para Joly (2012, p. 38), que opera no campo da representação, uma
imagem “material ou imaterial, visual ou não, natural ou fabricada [...] é antes de
mais nada algo que se assemelha a outra coisa”. As imagens, segundo a autora,
são representações do real, e pode-se chamar de “imagem” qualquer elemento
visual que estabeleça uma narrativa (GASTAL, 2005). A análise de uma imagem,

1Acadêmico de Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Bolsista Faperj; Lattes:


http://lattes.cnpq.br/7935431230365021; E-mail: leonardov@id.uff.br.
2Acadêmica de Turismo na Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Bolsista CNPq; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6123880100768701; E-mail: ana_azevedo@id.uff.br.
3Bacharel em Turismo; Acadêmica de Estudos de Mídia na Universidade Federal Fluminense;
Niterói/RJ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/0757903709020410; E-mail: cheilapacetti@id.uff.br.
4Docente no Departamento de Turismo e no Programa de Pós-Graduação em Turismo da
Universidade Federal Fluminense; Niterói/RJ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7899304734293116; E-mail:
karlagodoy@id.uff.br.
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portanto, implica reflexões e interpretações que sejam propostas e que emerjam
com base na própria imagem.
A bibliometria possui como objetivos mapear a produção de artigos de um
campo do saber, bem como identificar as comunidades acadêmicas e redes de
pesquisadores influentes que se dedicam ao estudo do assunto pesquisado
(CHUEKE; AMATUCCI, 2015). Neste estudo bibliométrico, as bases de dados
selecionadas foram Web of Science, Scopus, Scielo, Spell, Publicações em Turismo,
em razão de sua variedade de filtros e da indicação de pesquisadores da área do
turismo, assim como a disponibilidade de artigos em diferentes idiomas em cada
base. As palavras-chave, em português, inglês e espanhol, adotadas para buscas
nas bases de dados seguem indicações de tesauros de alguns periódicos das áreas,
indexadores existentes nas próprias bases e termos já adotados em nossos estudos
e pesquisas anteriores. Também é observado o recorte temporal de 2013 a 2018,
definido por nós como intervalo de produção mais atual, e o uso do software
Mendelay para filtrar periódicos, assim como a construção de um banco de dados,
cuja matriz será feita no programa Excel.
A pesquisa se encontra em andamento e prevê resultados concluídos até o
primeiro semestre de 2020, quando se pretende elaborar artigo científico visando à
sua publicação. Recentemente, pesquisa de natureza semelhante, desenvolvida
pela prof. coordenadora do L’IMAGE, Karla Godoy, e pela pesquisadora do grupo e
mestre em turismo pelo PPGTUR UFF, Iasmim Leite, foi publicada na Revista
Brasileira de Pesquisa em Turismo (RBTUR), com o Turismo e Fotografia: um
estudo bibliométrico sobre o uso de metodologias de análise da imagem nas
pesquisas em turismo. Portanto, ambos os estudos estão relacionados, formando
um corpus teórico e metodológico que fundamenta a presente investigação.

Palavras-chave: Turismo, Museologia, Patrimônio Cultural, Metodologias de Análise da Imagem,


Inovação em Turismo.

REFERÊNCIAS

CHUEKE, G. V.; AMATUCCI, M. O que é bibliometria? Uma introdução ao

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Fórum. Internext. v. 10, n. 2, p.1-5, 2015.

GASTAL, S. Turismo, Imagens e Imaginário. São Paulo: Aleph, 2005.

GODOY, K. E.; LEITE, I. S. Turismo e fotografia: um estudo bibliométrico sobre o


uso de metodologias de análise da imagem nas pesquisas em turismo. Revista
Brasileira de Pesquisa em Turismo, v. 13, n. 3, p. 71-91, 2019.

JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus Editora, 1999.

FICHA TÉCNICA DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Título do trabalho: Estudo Bibliométrico sobre o Uso de Metodologias de Análise da


Imagem nas Pesquisas em Turismo, Museologia e Patrimônio Cultural (2013-1018)

Autores: Leonardo da Silva Vidal, Ana Julia Gueiros Azevedo, Cheila Pacetti

Orientador: Karla Estelita Godoy

Gênero do audiovisual (relato de experiência, ensaio ou vídeo documental):


Vídeo documental

Direção: Karla Estelita Godoy

Produção: Cheila Pacetti, Leonardo Vidal, Karla Estelita Godoy, Iasmim Leite, Ana
Julia Azevedo, Jaqueline Lopes, Givago Guimarães,

Filmagem/Vídeo: Cheila Pacetti e Leonardo Vidal

Som: Leonardo Vidal

Cenografia: Cheila Pacetti, Leonardo Vidal e Ana Julia Azevedo

Edição: Cheila Pacetti e Leonardo Vidal


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Arte: Cheila Pacetti e Leonardo Vidal

Finalização: Cheila Pacetti, Leonardo Vidal e Karla Estelita Godoy

Revisão: Karla Estelita Godoy

Link de acesso ao vídeo: https://youtu.be/cF9QGvTFarM

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FEMME MAISON: Arte, Turismo e os Deslocamentos na
Cidade
Ana Magnus Bresolin 1
Orientadora: Luciene Jung de Campos2

O presente trabalho tem por objetivo ampliar a discussão sobre resistência


feminina, por meio da relação entre turismo e arte, através dos conceitos de Turista
Cidadão, Deslocamento e Estranhamento. O dispositivo teórico metodológico para
análise das obras é a Análise do Discurso (AD) concebida por Michel Pêcheux, uma
disciplina de entremeio construída por três campos do saber (Linguística,
Materialismo Histórico e Psicanálise). Para este gesto de análise, recortamos uma
materialidade significante: o grafite FEMME MAISON (2017) que compõe o acervo
da artista visual e performer Panmela Castro. A intervenção deu-se na lateral do
Palacete Scarpa, sede da Secretaria da Cultura e Turismo, em Sorocaba- SP.
Enquanto representação artística, a obra “opera uma disjunção no ritmo da
grande cidade, altera a cartografia, [...] muda a paisagem” (JUNG DE CAMPOS,
2012, p. 606), produzindo um estranhamento no passante. Gastal e Moesch (2007),
afirmam que o estranhar permite que se atente para outros acontecimentos nos
espaços da cidade, o afastamento do rotineiro e a descoberta de novos espaços.
“Criam-se no tecido urbano novos textos, pois a obra expõe a cidade dividida em
classes, onde o domínio ideológico instala-se” (JUNG DE CAMPOS, 2012, p. 606).
Demonstrando assim, através da intervenção artística, uma denúncia.
Pêcheux (1975/1995) destaca que a língua é atravessada pelo político, a
partir da diferenciação de domínios discrepantes de pensamento por meio do qual
as ideias se encadeiam na materialidade linguística, expressa na dinâmica de
desigualdade-contradição-subordinação própria à disputa pelo sentido. As obras das

1Graduada em Psicologia pela Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul/RS;


Lattes: http://lattes.cnpq.br/5293924504591440; E-mail: ambresolin@ucs.br.
2 Doutora em Estudos da Linguagem: teorias do texto e do discurso; Docente no Programa de Pós-
Graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul; Caxias do Sul/RS; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1151177602559882; E-mail: ljungdecampos@gmail.com.
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artistas exigem a passagem, o trânsito da mulher nos espaços doméstico e público.
Afirmam o saber e o poder sobre seu próprio corpo de mulher, reivindicam
publicamente o gozo feminino. Produzem um deslocamento, desestabilizando
sentidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Turismo, arte e resistência feminina apresentam-se como significantes que se


deslocam e se condensam. Ao intervir na paisagem urbana, a obra de arte dá ao
sujeito uma nova oportunidade de olhar seu entorno cotidiano, num movimento que
se aproxima da contemplação dos atrativos turísticos enquanto artefatos pitorescos,
inéditos.
A arte promove o estranhamento. O estranhamento possibilita a experiência
turística para o cidadão, e é através dele que ocorre a imersão de novos sentidos, o
deslocamento dos sentidos fixados.

Palavras-chave: Turismo, Análise do Discurso, Arte, Resistência Feminina.

REFERÊNCIAS

GASTAL, S.; MOESCH, M. Turismo, políticas públicas e turismo. São Paulo:


Aleph, 2007. (Coleção ABC do Turismo).

JUNG DE CAMPOS, L. O Museu é o Mundo: Intervenções na Cidade e


Estranhamento do Cotidiano nos Fluxos Urbanos. Revista Rosa dos Ventos, v. 4,
n. I4, p. 599-608, 2012.

PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas:


Editora da UNICAMP, 1995. Trabalho originalmente publicado em 1975.

FICHA TÉCNICA DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Título do trabalho: FEMME MAISON: Arte, Turismo e Deslocamentos na Cidade

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Autores: Ana Magnus Bresolin

Orientador: Luciene Jung de Campos

Gênero do audiovisual (relato de experiência, ensaio ou vídeo documental):


Ensaio

Produção: Ana Magnus Bresolin

Filmagem: Jeferson Carvalho dos Santos

Finalização: Jeferson Carvalho dos Santos

Link de acesso ao vídeo: https://youtu.be/K_iPym_xpE8

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