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Madalena Carneiro

O Ritual de Peregrinação nas Religiões Abraâmicas

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA


Faculdade de Teologia
Religiões na História da Humanidade

28.10.2023
ÍNDICE

I. IMAGENS DO RITUAL DE PEREGRINAÇÃO................................................................................................................... 5

II. O RITUAL DE PEREGRINAÇÃO NAS RELIGIÕES ABRAÂMICAS .............................................................................. 7

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................ 11
O Ritu al d e Per egr in ação n as Religiõ es Ab r aâ m ic a s

I. IMAGENS DO RITUAL DE PEREGRINAÇÃO


No Cristianismo existe o ritual de peregrinação a Santuários Marianos, como é exemplo o Santuário

de Nossa Senhora de Fátima.

Imagem: www.mundoportugues.pt/2018/05/11/cresce-o-numero-de-peregrinos-asiaticos-
ao-santuario-de-fatima/

No Judaísmo, até à destruição do Templo de Jerusalém, eram realizadas três grandes peregrinações

anuais nas festas Pesach, Shavuot e Sukkot ao Templo.

Imagem: bibliotecadopregador.com.br/festas-judaicas/

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No Islão, o ritual de peregrinação observa-se na Hajj, peregrinação a Meca, entre os três primeiros
dias e o dia 10 do último mês do calendário Islâmico.

Imagem: AFP / g1.globo.com/mundo/noticia/2022/07/06/meca-deve-receber-um-milhao-


de-muculmanos-para-maior-peregrinacao-desde-inicio-da-pandemia.ghtml

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II. O RITUAL DE PEREGRINAÇÃO NAS RELIGIÕES ABRAÂMICAS

No verbete “Rito/Ritual” do Dicionário de Ciência da Religião, o rito pode ser definido como
uma «operação simbólica que se pode apropriar de qualquer realidade», nomeadamente de
«comportamentos rituais, discursos rituais, ações, objetos e espaços rituais». 1 Nesse sentido,
podemos observar perante as imagens escolhidas que, o Cristianismo, o Judaísmo e o Islão
apresentam um ritual de peregrinação (rito como ação) para um Templo (espaço ritual)
assemelhando-se entre si nesta prática ritual.
Se a observação fosse meramente sobre as imagens, poderíamos ficar com a ideia de algumas
semelhanças, como a reunião de muitas pessoas num Templo num ritual comum. O Santuário
de Fátima, a Caaba e o Templo de Jerusalém podem ser considerados como parte da dimensão
material da religião. Apesar do ritual parecer semelhante, estes rituais são muito distintos.
Enquanto que no Catolicismo o Templo é Maria, «tabernáculo e sacrário do Altíssimo» 2 ,
(estando este conceito definido pela dimensão doutrinal da religião), podendo encontrar-se em
muitos Santuários espalhados por todo o Mundo, para os Judeus, a peregrinação seria ao
Templo de Jerusalém que foi destruído em 70 d.C., após essa data, festejam-se anualmente os
três grandes festivais peregrinos Pesach, Shavuot e Sukkot onde o ato de peregrinação é
comemorado sob forma de memória do passado. No Islão, o ritual de peregrinação é
denominado Hajj e consiste na deslocação a Meca entre os três primeiros dias e o dia 10 do
último mês do calendário Islâmico, representando o quinto pilar do Islão.
Observando a Peregrinação como símbolo ritual, o ato de deslocação do indivíduo para um
encontro com o seu Deus é uma ação, uma prática que provoca o participante e o ajuda a
encontrar o fascínio da contemplação.
Mas a peregrinação não é um ato isolado, é um conjunto de atos de prática ritual, que tem
como objetivo individual a purificação e o encontro com Deus, mas também um objetivo
coletivo, de ritual em comunidade, como parte da sua dimensão social.
A peregrinação é acompanhada pela oração, pelo proclamar da palavra de Deus ou da
tradição da religião. No Catolicismo, partindo da experiência concreta da imagem apresentada
(peregrinação a Fátima), a peregrinação pressupõe uma predisposição interior de encontro com
Maria, tabernáculo de Deus. Esse encontro é efetuado através da oração do terço e da eucaristia,

1 Pa sso s, J. D., Teix eira , A., & Usa rsk i, F. (2 0 2 2 ). Dicio n ário d e C iên cia d a R eligiã o . Sã o Paulo:

Pa u lin a s, Pau lus, Lo y ola.


2 Ja ck son Erp en - C id a d e d o Va ticano - h t t p s:/ /www.v aticann ews.va/ pt/ vaticano/ news/2023 -

0 5 / m aria -depois-d a-ascen sao .html


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onde são meditadas as palavras de Deus, este ritual pode ser observado como parte da dimensão
ritual (repetição das orações) e narrativa (leitura da bíblia) da religião.
Será importante salientar que o rito não se deve concentrar apenas nos gestos e operações
que se repetem, mas devem ser entendidos e integrados nos valores e crenças da comunidade
onde se refletem, ou seja na sua dimensão doutrinal. Podemos observar, até pelas imagens que,
estando os católicos e os muçulmanos no seu momento ritual de oração, estes apresentam-se
sob uma postura muito diferente, estando os católicos em pé, voltados para Nossa Senhora e os
muçulmanos prostrados em direção a Caaba. O ritual apresenta um simbolismo idêntico, a
oração para aproximação de Deus, no entanto as operações e gestos que se repetem são
diferentes, de acordo com os valores e crenças de cada comunidade. Outro aspeto ritual das
peregrinações nas religiões observadas, são as procissões. Em Fátima, existe o ritual da
procissão das velas nos dias 12 entre os meses de maio a outubro, como parte desta visita à casa
da Mãe. Na tradição Judaica, no Shavuot, assinala-se a atribuição da Torá a Moisés no Monte
Sinai e completa-se o ciclo anual da sua leitura. Na alegria desta celebração, os rolos da Torá
são levados em procissão pela Sinagoga. Conseguimos aqui um paralelismo entre o meio que
cada uma destas religiões encontrou para se aproximar de Deus e que o releva nas suas
procissões, Nossa Senhora para os católicos e a Torá para os judeus. Podemos ainda observar
o mesmo símbolo em contextos diferentes, por exemplo, a água a ter um simbolismo diferente
nestes três contextos religiosos, estando a observar a dimensão simbólica da religião. Os
muçulmanos acreditam que uma fonte situada entre Safa e Marwa foi miraculosamente
originada pelo bater dos calcanhares de Ismael, quando foi abandonado com a sua mãe Agar,
no deserto, por Abraão. Para esta religião, esta água possui poderes espirituais, sendo levada
pelos peregrinos e muitas vezes usada para ungir os corpos em ritos funerários. Os católicos,
nas suas peregrinações a Fátima, levam a água milagrosa que se encontra sob a imagem do
Coração Imaculado de Jesus, que foi encontrada, miraculosamente no local da primeira
aparição de Maria aos Pastorinhos. Muitos católicos acreditam que possui o poder da cura. No
que diz respeito aos judeus, os festivais peregrinos estão diretamente relacionados com
conotações agrícolas (colheitas) e contêm uma tradição muito marcada no que diz respeito aos
alimentos a ingerir nesses momentos. O Pesach (Páscoa hebraica), apresenta como ponto alto
a tradição da refeição do seder, onde a água salgada deve estar como representação das
lágrimas, recordando os dias em que os judeus eram escravos do Egipto.
Portanto, podemos observar que os valores e crenças podem determinar um significado
diferente para o mesmo símbolo religioso (água) ou que, um ritual de oração, que poderá ter o
mesmo significado de encontro com Deus, mas é realizado de forma muito diferente,
correspondendo a gestos e operações diferentes.

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Não só os rituais se distinguem de acordo com os valores e crenças, como também a


comunicação efetuada neste contexto se distingue das interlocuções do quotidiano das
sociedades. Apesar de existirem frases que repetimos no dia-a-dia, como a saudação,
cumprimentos e outras cortesias, esta comunicação não implica uma atuação das palavras sobre
a realidade, como é o caso da oração, em que o sujeito espera que as palavras atuem, de facto
sobre a realidade.
O ritual religioso envolve inúmeros participantes, que se apresentam em lugares e formas de
participação complementares. Numa peregrinação a Fátima, existem os peregrinos que se
deslocam em grupos (com rituais de oração), outros que cumprem promessas de ajuda a esses
mesmos peregrinos, oferecendo o que estes necessitam para a sua viagem, existem aqueles que
não podendo efetuar a mesma viagem ficam em oração durante aquele período de tempo da
peregrinação rezando para que Deus ajude os que se colocaram a caminho…ou podemos dar o
exemplo das cerimónias de Fátima, onde os peregrinos assistem às celebrações, o Padre efetua
as celebrações, o coro anima as celebrações, etc. O mesmo se pode observar nas restantes
religiões. Estas práticas observam-se em comunidade, mas também sob a forma de práticas
individuais que inserem o crente numa comunhão com os outros, como é o caso dos
muçulmanos quando individualmente rezam as cinco orações obrigatórias diárias que, apesar
de o poderem realizar de forma individual, fazem-no ao mesmo tempo que os restantes
muçulmanos e virados na mesma direção (Meca). O mesmo se pode observar durante o Sukkot,
ou festa dos tabernáculos, onde os judeus, durante o período de oito dias comem e dormem num
tabernáculo em memória do tempo em que os judeus vaguearam no deserto até chegarem à
Terra Prometida. Esse ritual, apesar de poder ser realizado individualmente, todos os judeus
efetuam este ritual no mesmo momento, como parte da dimensão ética da religião, do “pôr em
prática”.
Apesar dos rituais poderem apresentar semelhanças com o espetáculo, neste último existe
uma barreira entre a cena e o espectador. No ritual, existe um envolvimento total dos
intervenientes, existe a sua entrega de fé na experiência, essa é a dimensão experiencial da
religião.
Poderíamos também comparar estes rituais com um jogo, onde os intervenientes têm que
cumprir determinadas regras pelo período de tempo de duração da atividade, no entanto o
impacto que o jogo tem na vida dos seus participantes, para além do momento de diversão, em
nada se assemelha a uma Peregrinação a Fátima ou a Meca ou aos Festivais Peregrinos dos
judeus. Esses rituais marcam a vida dos participantes tendo um forte impacto nas suas vidas.
Não só estes rituais marcam as vidas dos participantes, como estão presentes e acompanham
os momentos mais marcantes das suas vidas, como é o caso da comemoração de alguns
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acontecimentos coletivos como a cerimónia da confirmação dos jovens judeus, que é realizada
durante o Shavuot.

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BIBLIOGRAFIA

Cohn-Sherbok, D., Judaísmo (trad. de Paulo Rodrigues). Lisboa: Edições 70, 1999 (pp. 77-
97).
Elias, J. J., Islamismo (trad. de F. Manso). Lisboa: Edições 70, 2011 (pp. 61-81).
Teixeira, A., J. M. Duque e L. Figueiredo Rodrigues, “Rito/ritual”, em Dicionário de Ciência
da Religião, ed. F. Usarki, A. Teixeira e J. Décio Passos (São Paulo: Paulus/Paulinas/Loyola,
2023), pp. 796-805)

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