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Nº31

Out Dez 2005


FISCALIDADE - Comentários ao Artº. 58º. - A do CIRC
A última revisão fiscal da tributação do património acabou finalmente com a Sisa e o
Imposto sobre Sucessões e Doações e ainda com a Contribuição Autárquica.

Em seu lugar apareceram dois novos impostos – o IMT (Imposto Municipal sobre as
Transmissões Onerosas de Imóveis) e o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis). A
transmissão não onerosa dos imóveis foi integrada no CIS (Código do Imposto do
Selo) através de um conjunto de alterações também efectuadas ao seu articulado.

As bases de valorimetria fiscal adoptadas pelos novos impostos para a fixação do


valor patrimonial tributário dos imóveis, trouxe também consequências práticas na
determinação do rendimento tributável dos impostos sobre o rendimento e por isso
obrigou também a um conjunto de alterações ao nível do CIRS (Código do Imposto
sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e do CIRC (Código do Imposto sobre o
Rendimento das Pessoas Colectivas), e que se encontram plasmadas nos artigos 31º-
A e 58º-A dos respectivos códigos.

Todavia as formulações destes artigos e designadamente a do artigo 58º-A do CIRC


levantam algumas questões de articulação entre a fiscalidade e a contabilidade sobre
as quais aqui pretendemos discorrer um pouco, e desta forma poder contribuir
também, modestamente, para o debate e aperfeiçoamento do modelo. 

Problemática fiscal

Um dos aspectos centrais dos novos impostos sobre o património tem a ver com a
determinação do Valor Patrimonial Tributário, obtido através de uma fórmula,
prevista no artigo 38º e seguintes do CIMI a qual procura reflectir uma maior
aproximação aos valores de mercado, dos imóveis.

Nesse aspecto aplaude-se a evolução que a prazo, acreditamos, poderá vir a constituir
um importante factor de clarificação e moralização do mercado imobiliário e
proporcionar uma maior equidade na tributação do património.

Todavia é importante que os diferentes parâmetros que a fórmula utiliza incorporem


a evolução de longo prazo dos mesmos, tendo sempre que se admitir que no curto
prazo, o valor de transacção de determinado imóvel, feito a preços normais de
mercado, possa divergir do Valor Patrimonial Tributário, obtido através da aplicação
da fórmula pre-vista no CIMI, atrás referida.

E as diferenças entre o valor efectivo de uma transmissão de imóveis e o respectivo


valor patrimonial tributário, podem ser para mais ou para menos. No caso da
diferença ser positiva, isto é o valor efectivo da transmissão ser maior que o valor
patrimonial tributário, não levanta qualquer problema pois será aquele(1) (valor
efectivo da transmissão) a base fiscal para o IMT(2), IRS(3) e IRC(4). A situação
complica-se quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente
vier a ser fixado como valor patrimonial tributário, determinado segundo a fórmula
do artigo 38º do CIMI, com a agravante de que o valor patrimonial tributário
definitivo pode só ser conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele
em que a transmissão ocorreu(5).

Esta situação obriga desde logo a que, para além das consequências imediatas em
sede de IMT e IMI, se tenha de proceder aos ajustamentos fiscais no âmbito dos
impostos sobre o rendimento.

Estas consequências afectam quer o alienante do bem, quer o adquirente.

Fixemo-nos para já na perspectiva do alienante, desde logo quanto aos prazos de


entrega da declaração de alterações, para de imediato constatar que as soluções
preconizadas quer em sede de IRS, quer em sede de IRC, são diferentes.

Enquanto nos termos do n.º 2 do art.º 31-A do CIRS o sujeito passivo alienante, que
vê o valor patrimonial tributário do imóvel ser fixado por um montante superior ao
que inicialmente mencionou na sua declaração de rendimentos do ano da alienação,
fica obrigado a entregar uma declaração de rendimentos de substituição nos 30 dias
seguinte ao conhecimento do facto (n.º 2 do art.º 60º do CIRS), já nos termos do n.º 4
do art.º 58º-A do CIRC os sujeitos passivos devem entregar durante o mês de Janeiro
do ano seguinte àquele em que foi conhecido o valor patrimonial tributário
definitivo, uma nova declaração, que, apesar do código não especificar, se deve
entender como sendo a declaração Modelo 22 relativa ao exercício em que ocorreu a
transacção.

Estamos aqui em presença de mais obrigações declarativas dos contribuintes, que no


caso dos sujeitos passivos de IRC surgem precisamente num mês, já de si muito
sobrecarregado com trabalhos administrativos, contabilísticos e fiscais o que a nosso
ver poderia ser perfeitamente evitado, transferindo todos estes ajustamento para a
declaração periódica Modelo 22 (a entregar durante

o mês de Maio do ano seguinte, para a grande maioria da empresas).


Adicionalmente, a declaração anual de informação contabilística e fiscal, prevista no
art.º 113º do CIRC, poderia perfeitamente integrar um anexo para reportar todos os
ajustamentos efectuados.

Achamos que esta alternativa seria, sob o ponto de vista prático, mais eficiente e teria
já precedentes similares noutras situações(6).

Mas é na esfera dos sujeitos passivos adquirentes dos imóveis (s.p. de IRS com
contabilidade organizada e s.p. de IRC) que a situação levanta mais problemas.

Poder-se-á desde logo dizer que o Código não obriga a que o adquirente contabilize
os imóveis adquiridos pelo valor patrimonial tributário em detrimento do valor
efectivo da transacção, nos casos em que aquele é superior. Mas isso é colocar o s.p.
numa situação de desvantagem fiscal (menores reintegrações e amortizações fiscais
anuais e maiores mais valias futuras ou menores menos valias), tornando a
fiscalidade um elemento distorsor da actividade económica, quando o objectivo deve
ser precisamente o contrário.
Por isso vamos partir do princípio que o s.p. age com racionalidade económica e
fiscal e vai sempre ajustar contabilisticamente o valor dos imóveis adquiridos ao
respectivo valor patrimonial tributário, quando este for maior que o valor de compra.

Concentremo-nos pois no articulado do art.º 58A do CIRC, já que para os s.p. de IRS
com contabilidade organizada, também se aplicam as disposições deste artigo, tendo
em conta a remissão que para ele é feita no art.º 32º do CIRS. 

Artigo 58-A do CIRC

-O n.º 1 deste artigo começa logo por definir o âmbito subjectivo desta norma, a qual
se aplica aos alienantes e aos adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis. Diz
ainda que as duas partes intervenientes na transacção devem adoptar valores normais
de mercado, os quais, para efeitos da determinação do rendimento tributável em IRC,
não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos e
determinados nos termos do CIMI. Este número um, coloca em pé de igualdade quer
o s.p. alienante, quer o s.p. adquirente e em nosso entender bem. Esta preocupação
que vem reforçada logo no n.º 2 quando diz claramente que, sempre que o valor
efectivo da transacção seja inferior ao valor patrimonial tributável definitivo do
imóvel, será este o valor a considerar pelo alienante e adquirente. Até aqui achamos
correcta a redacção do artigo já que os efeitos fiscais dos ajustamentos são relevantes
para as duas partes da transacção, naturalmente com impactos opostos.

-Todavia o n.º 3 vem introduzir um tratamento diferenciado sobre os dois


intervenientes da transacção. Enquanto que para o s.p. alienante o impacto fiscal
desta correcção de valor se mantém em toda a sua plenitude, devendo para o efeito
entregar uma nova declaração de rendimentos onde se apurará o montante do
imposto adicional a pagar(7), já para o s.p. adquirente o efeito fiscal dessa correcção
fica dependente do facto de este expressar na sua contabilidade o bem, pelo referido
valor patrimonial tributário do mesmo(8). Poder-se-á dizer que esta exigência tem a
ver com a própria natureza dos bens envolvidos (bens imóveis) com uma vida útil
normalmente longa o que obrigaria a um controlo extra-contabilístico difícil… Mas
já hoje temos uma situação muito similar com os contratos de locação financeira
celebrados antes de 1 de Janeiro de 1994 os quais irão obrigar a ajustamento no
quadro 07 da declaração Modelo 22 e ao preenchimento do mapa 40, ainda durante
muitos anos. Poder-se-á ainda argumentar com o facto de que, nos termos do Código
do IRC, o apuramento das mais-valias e das menos-valias fiscais, tem por base os
valores das reintegrações e amortizações efectivamente praticadas(9) e por isso o bem
ter que ser expresso na contabilidade pelo valor patrimonial tributário. Todavia este é
também uma questão que merece ser reapreciada no futuro, tendo em vista a
passagem para uma nova base de valorimetria do imobilizado corpóreo, assente no
justo valor, que as normas internacionais de contabilidade irão progressivamente
introduzir no sistema contabilístico, sendo certo que seria sempre relativamente fácil
ajustar as reintegrações e amortizações sobre o valor patrimonial tributário, a partir
das reintegrações e amortizações contabilizadas com base nos valores efectivos da
transacção(10).

-Voltando de novo à análise das questões levantadas pelo artigo 58º-A, o seu n.º 5
prevê que o efeito fiscal do ajustamento das reintegrações e amortizações do
exercício, como resultado da fixação do valor patrimonial tributário definitivo, se
faça, em relação aos exercícios entretanto já decorridos, desde a data da aquisição do
bem, no exercício em que o mesmo seja conhecido. Todavia pode acontecer que
nessa data o bem já tenha sido de novo alienado… O art.º 58º-A não trata
especificamente esta questão e poder-se-á perguntar, sobre a melhor forma de
resolver esta situação.
Parece que a única forma possível será:

-A correcção das reintegrações e amortizações será, nos termos do n.º 5 do artigo


58º-A, feita contabilisticamente no exercício em que o novo valor patrimonial
tributário seja conhecido.

-Por outro lado, como no caso em análise, se o bem já foi entretanto de novo
vendido, as maisvalias ou menos-valias fiscais apuradas nessa nova alienação foram
obtidas com base num valor diferente do valor patrimonial tributário definitivo que
deveria ter sido considerado para a determinação das mais/menos valias fiscais. Não
é muito claro que do texto do art.º 58-A resulte, neste caso, a possibilidade da
empresa alienante poder vir a entregar uma declaração Modelo 22 de substituição
para corrigir os valores de aquisição do bem, respectivas amortizações acumuladas e
montante das mais/menos valias fiscais apuradas na alienação, mas nós entendemos
que o deverá poder fazer, sob pena de poder vir a ficar duplamente penalizada se,
desta segunda alienação do bem, voltar a resultar um valor patrimonial tributário
superior ao valor da transacção.(11) Finalmente e antes de passar à análise da outra
dimensão do problema, importa ainda perceber o mecanismo de determinação do
valor a relevar na contabilidade, consoante se opte por registar o bem pelo valor do
contrato ou pelo valor patrimonial tributário. Entendemos que nas duas alternativas,
o valor do bem deve ser adicionado das despesas adicionais incorridas pela compra
(despesas de escritura, registo, IMT, etc.), sendo este o valor relevante para efeitos
fiscais nas duas alternativas(12).

Problemática contabilística

Continuando a partir do princípio de que o s.p. adquirente, agindo de forma racional,


vai pretender ajustar na sua contabilidade o valor do bem ao respectivo valor
patrimonial tributário, para dessa forma maximizar a sua eficiência fiscal, isso
implica, com a actual redacção do artigo 58-A, que o bem tenha que ser registado
pelo valor patrimonial tributário definitivo e não com base no valor do contrato!

Levanta-se aqui uma questão prática sob o ponto de vista contabilístico, qual seja a
de enquadrar este "valor fiscal" dentro do quadro de referência das normas
contabilísticas.

A contabilidade tem hoje em dia duas bases de valorimetria – o Custo Histórico(13) e o


Justo Valor(14).

Rigorosamente teremos que ser forçados a concluir que o "Valor Patrimonial


Tributário" não se enquadra em nenhuma das duas bases de valorimetria previstas
pela contabilidade. Poder-se-á admitir que estará próxima do "justo valor", mas não é
a mesma coisa.

Por isso a relevação contabilística do Valor Patrimonial Tributário na escrita do


adquirente, exigida pela aliena b) do n.º 3 do artigo 58-A, caso este pretenda
aproveitar a possibilidade de utilizar esse valor para efeitos fiscais, levanta sob o
ponto de vista da teoria da contabilidade um sério problema, que só poderá ser
resolvido com a adaptação forçada de uma solução que na sua essência não se lhe
aplicaria.

A reavaliação livre é porventura a solução que se afigurará mais próxima da


realidade a tratar.

Conclusão

O artigo 58-A levanta, como se viu, alguns problemas práticos de aplicação que só
agora vão começar a manifestar-se em toda a sua complexidade.

A exigência de reconhecer na contabilidade do adquirente o bem pelo seu valor


patrimonial tributário, como forma de aproveitar esse valor para efeitos fiscais,
levanta sérios problemas conceptuais à contabilidade e é a nosso ver uma
interferência desnecessária da fiscalidade na contabilidade.

A utilização do valor patrimonial tributário para reconhecer um activo significa que


se está a postergar o custo de aquisição e o valor de mercado como critérios
valorimétricos consagrados nas normas nacionais e internacionais de contabilidade,
sendo até inconsistentes com o princípio defendido no art.º 17º n.º1 e 3, do CIRC.

Trata-se da subordinação da contabilidade à fiscalidade, o que é contrário aos


objectivos exigi-dos à preparação, apresentação e divulgação da informação
financeira das empresas.

O valor patrimonial tributário, na sua nova formulação, não é mais do que uma mera
avaliação ("reavaliação") para efeitos de determinação de um resultado fiscal,
estando em oposição não só com ao preconizado pelo POC, no ponto 5.4.1., o qual
estabelece que o activo imobilizado deve ser inicialmente valorizado ao custo de
aquisição ou de produção. Neste mesmo sentido vai também a IAS 16 ao estabelecer
no seu ponto 15 que os activos fixos tangíveis são inicialmente valorizados ao custo
de aquisição.

Por tudo isto, entendemos que a melhor solução passaria pela revisão do próprio
artigo 58-A do CIRC de forma a que todos os ajustamentos fossem apenas
efectuados nas declarações fiscais dos alienantes e adquirentes dos bens imóveis,
ajustando, se necessário fosse, as actuais configurações da Declaração Modelo 22 e
Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal.

Notas

(1) A excepção a esta regra é feita nas transmissões gratuitas, contempladas no CIS,
caso em que o valor do imóvel é o seu valor patrimonial tributário determinado nos
termos do CIMI e no próprio IMI.

(2) Ver artigo 12º do CIMT

(3) Ver artigo 31º-A do CIRS

(4) Ver artigo 58º-A do CIRC

(5) É que para além do tempo normal de que os Serviços precisam para fixar o valor
patrimonial tributário, o s.p. tem sempre o direito de, não concordando com esse
valor, requerer segunda avaliação e mesmo impugnar nos termos previsto no artigo
77º do CIMI.

(6) Nos termos do n.º 6 do art.º 45º do CIRC (Reinvestimento dos valores de
realização) a parte do reinvestimento não realizado considera-se como proveito fiscal
do último exercício do reinvestimento e não se vem atrás corrigir a matéria
colectável do exercício em que se realizou a mais-valia.

(7) Alínea a) do n.º 3 do art.º 58-A do CIRC: "O sujeito passivo alienante deve
efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é
imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à
diferença positiva entre

o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e

o valor constante do contrato;"

(8) Alínea b) do n.º 3 do art.º 58-A do CIRC: "O sujeito passivo adquirente, desde
que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário
definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a
determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo
imóvel."

(9) Ver n.º 2 do art.º 43º do CIRC

(10) Esta solução teria reflexo no tratamento dos impostos sobre o rendimento,
preconizado pela Directriz Contabilística 28 e poderia, também ajudar a resolver o
problema do controlo do imposto correlacionado com a diferença entre a base
tributável do imóvel e o seu valor contabilístico. Exemplo: Valor contabilístico do
imóvel – 100.000; Valor patrimonial tributário – 120.000; taxa de reintegração fiscal
– 2% ao ano; taxa de IRC – 25% (quadro 1).

(11) Por outro lado a exigência imposta ao adquirente de ter que registar na sua
contabilidade os efeitos fiscais provocados pelo valor patrimonial tributário dos
imóveis obrigará neste caso a registar contabilisticamente factos passados que
poderiam passar pelos seguintes registos:

a) A correcção fiscal das amortizações: Débito: 697 – (Correcção relativa a


exercícios anteriores) Crédito: 59 – (Resultados Transitados)

b) A correcção das mais/menos valias contabilísticas (já que as fiscais seriam


apuradas directamente na Declaração Modelo 22), tendo em conta cada situação em
concreto: Débito: 697 ou 59 Crédito: 59 ou 797 Mas sempre se deve dizer que estes
são lançamentos com ausência de racionalidade contabilística que apenas existiriam
por imposição da lógica fiscal.

(12) Exemplo: Determinação do valor contabilistico de aquisição de um imóvel na


escrita do adquirente: (Valor do contrato – 10.000; Despesa escritura – 500; IMT –
6.000; Valor patrimonial tributário definitivo – 11.000; Liquidação adicional de IMT
– 60):

a) Valor contabilístico e fiscal, com base no valor do contrato: > 10.000 + 500 + 600
+ 60 = 11.160

b) Valor contabilístico e fiscal, com base no valor patrimonial tributário definitivo: >
11.000 + 500 + 660 = 12.160

(13) Custo Histórico: Quantia de dinheiro ou equivalente de dinheiro pago no


momento da aquisição.

(14) Justo Valor: Quantia pela qual um activo poderia ser trocado, ou um passivo
liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso numa transacção em que não
exista relacionamento entre elas.

Comissão Técnica dos Impostos da OROC: Maria Isabel F. Carneiro, Luis M. Gonçalves Almeida, José F.
Morais de Araújo

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