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AS FUNÇÕES DE CONTATO NA CLÍNICA GESTÁLTICA COM CRIANÇAS 1

Rafaela Ferreira do Carmo2

Resumo: A criança necessita aprender a expressar o que sente e deseja, e a


via dos sentidos torna-se uma forma de manifestação fundamental a ser
utilizada na clinica Gestáltica. Assim sendo, este artigo buscou demonstrar
sete das funções de contato e a utilização dos mesmos como possíveis formas
de se trabalhar com crianças em processo de psicoterapia com enfoque
Gestáltico. Conclui-se que estas funções possibilitem que a criança entre em
contato com sensações e emoções antes bloqueadas ou distorcidas e
possibilitar assim uma compreensão diagnostica.

Palavras-chave: Criança. Funções de contato. Gestalt-terapia.

Introdução

As funções de contato têm uma importância fundamental, para o


desenvolvimento do trabalho com crianças, partindo do principio que estas
funções ocorrem através de nossos sentidos: visão, paladar, audição, tato,
olfato, linguagem e movimento corporal (POLSTER & POLSTER, 2001).
Levando em consideração que o trabalho com criança se desenvolve
principalmente nas esferas sensórias e lúdicas, estas funções, configuram-se
como um dos caminhos de acesso ao mundo da criança.

A integração organismo-meio, leva-nos a entrar em contato com o


mundo e interagirmos, recebendo informações e repassando informações
através de nossos “sentidos de contato”, ou seja, nossas funções de contato
são o canal de acesso para o estabelecimento da integração organismo-meio
(AGUIAR, 2005). Com a criança isto não se daria de forma diferente, desta
forma, as funções de contato na clinica gestáltica tornam-se via de acesso para
o trabalho psicoterápico, pois a utilização do corpo e dos sentidos faz o
diferencial no desenvolvimento de experiências e experimentos, que visam
oferecer um caminho para o estabelecimento de contato com sentimentos,
emoções, conflitos, medos, ansiedades, enfim, com nossa subjetividade. O
espaço referente ao organismo-meio é o que denominados de fronteira de

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Artigo elaborado como requisito de obtenção de nota referente ao 1º NI de estágio
supervisionado em Psicologia Clínica – Gestalt-terapia, ministrada pela Profª Wanderléa
Bandeira.
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Aluna do nono semestre do curso de Graduação de Psicologia da Universidade da Amazônia.
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contato, que segundo Ginger & Ginger (1995 p.127) “é nessa fronteira de
contato que os eventos psicológicos têm lugar”.

As funções de contato articulam-se de forma única em cada ser humano


e funcionam numa perspectiva figura-fundo (AGUIAR, 2005), pois existem
atividades especificas, na qual utilizamos mais uma função do que outras, por
exemplo, a criança ao assistir um desenho acaba por utilizar a visão e a
audição, enquanto que quase não utiliza o olfato. Quanto mais as crianças
puderem utilizar as funções de contato como via de acesso ao mundo exterior,
mais ela estará desenvolvendo e experimentando possibilidades de conexões
saudáveis de si com o mundo e consigo mesma (AGUIAR, 2005).

UTILIZANDO AS FUNÇÕES DE CONTATO NA CLINICA GESTÁLTICA COM


CRIANÇAS

A utilização das funções de contato proporcionam experimentos


sensórias que tem como finalidade mobilizar emoções e resgatar a conexão
com o corpo. Desta forma, torna-se fundamental que a criança possa
experenciar o mundo e as situações de inúmeras formas: olhando, tocando,
cheirando, ouvindo, sentindo o gosto, movimentado-se, além de exercitar sua
linguagem (AGUIAR, 2005).

Segundo Antony (2010)

Corpo-emocionalidade-ambiente formam uma unidade


subjetiva de grande importância no desenvolvimento
psicológico da criança por manterem entre si uma constante
força de influência mútua. O corpo em ação no ambiente é
forma de conhecimento, consciência e expressão de emoção e
pensamentos. Ao vivenciar o próprio corpo, a criança situa-se
em relação ao espaço, aos objetos, ao outro e a si mesma,
construindo a noção de espaço (perto, longe; em cima,
embaixo) e de tempo (amanhã, ontem; antes, depois), com
base no movimento e nas experiências internas em conexão
com eventos externos (ANTONY, 2010 p.86).

São múltiplas as formas de trabalhar com as sete funções de contato,


desta maneira destacaremos cada uma e suas possibilidades na clinica
gestáltica.

Visão se constitui como uma das principais funções de contato entre o


eu e o mundo, pois é a partir da visão que enxergo o que há em minha volta e
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posso discriminar o que quero e devo interagir. Segundo Oaklander (1980)


crianças pequenas não têm medo de olhar, elas têm um olhar minucioso, que
observa, examina, inspecionam, sendo esta, uma forma que as crianças têm a
seu dispor de aprender e conhecer o mundo. À medida que vamos crescendo
abandonamos de certo modo nossos sentidos, passando a enxergar o mundo
através dos olhos dos outros, do que a sociedade impõe como certo de se
fazer e de se enxergar.
O trabalho terapêutico parte do processo de recuperação do que se vê e
da consciência e fortalecimento do próprio eu. A habilidade de enxergarmos
possibilita entrarmos em contato com o mundo exterior a mim e a expandir
meus horizontes. Oaklander (1980) propõe algumas formas de utilizar a visão
como forma de estabelecimento de contato na clinica gestáltica com crianças.
Ao permitir que os olhos absorvam tudo, a visão torna-se uma
com todos os sentidos e sentimentos da pessoa. Tenho pedido
a crianças que escolham um objeto e fixem o olhar nele por um
certo período de tempo, talvez três minutos; e depois, que
desenhem seus sentimentos ou lembranças evocadas por
intermédio deste exercício meditativo, utilizando apenas cores,
linhas e formas (OAKLANDER 1980 p.136).

Paladar, este nós dá a dimensão dos sabores, sendo que


experenciamos através do paladar algo exterior, na forma de alimentos. È uma
das poucas funções que nos permite sentir de forma total algo pertencente ao
mundo exterior. O principal órgão responsável pelo paladar é a língua, embora
dentes, lábios e bochechas integram este conjunto. Uma forma de trabalhar o
paladar é dialogar com a criança a cerca dos mais diversos sabores,
perguntando quais são seus sabores favoritos e os menos apreciados,
tentando fazer um elo entre o significado daquele sabor e o sentimento
despertado por ela para criança. Para Oaklander (1980) uma forma que
possibilitará esta vivencia é trazer amostra de sabores e jogar com a criança de
forma lúdica que possibilite a descoberta dos sabores.
Audição, é o sentido que nos dá a capacidade de escuta permitindo que
os sons penetrem na nossa consciência, sendo o primeiro passo para o inicio
de uma comunicação. Segundo Oaklander (1980), muitos de nós só escutamos
aquilo que nós agrada, com as crianças isso também ocorre de forma mais
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explicita, pois ainda por vezes elas colocam as mãos nos ouvidos sinalizando
que não desejam escutar.
Para Aguiar (2005) a função de escuta é uma das mais tolhidas pelos
adultos, pois as crianças são encorajadas através dos atos dos responsáveis a
falarem aos berros, gritarem e não escutarem o que outras crianças têm a
dizer. Além de vez por outra serem acusadas de escutarem as conversas dos
adultos. Desta maneira as crianças se fecham para os sons necessitando
ajuda para experimentar e descobrir sons, isto possibilita que a criança
desenvolva seu senso de ser no mundo.
Oaklander (1980) fornece diversas formas de trabalhamos com sons em
psicoterapia infantil, algumas delas trazem a importância do reconhecimento
dos sons, os sentimentos envolvidos em cada som e o mais importante o
contato e o significado que o momento da escuta do som representou para
criança.
Fique sentado em silêncio com os olhos fechados e deixe os
sons que ouve chegarem até você. Note os seus sentimentos
ao absorver cada som. Mais tarde poderemos compartilhar as
nossas impressões. Este tipo de exercício assume dimensões
completamente novas em locais diversos – ambientes internos,
cidade, praia, campo (OAKLANDER 1980 p. 136).
Tato constitui-se como o sentido que nos conecta com o mundo exterior
e é o meio através do qual nos relacionamos de forma amorosa e carinhosa
com outras pessoas, logo se quisermos demonstrar afeto podemos fazer
tocando esta pessoa, abraçando, acariciando. E talvez por este motivo este
seja o sentido, no qual mais reprimimos suas formas de expressões.
Quando as crianças tocam algo que supostamente não
deveriam, elas podem levar tapinhas nas mãos ou ir embora
sentindo que sujaram aquilo que tocaram. Assim elas
aprendem rápido que não devem tocar objetos valiosos, não
devem tocar seus genitais, e devem ser cuidadosas se tocarem
outras pessoas por temer que possam tocá-las num lugar
inviolável. Dessa forma o cuidado se torna normal. Tudo bem
em dar um aperto de mão, mas mesmo aí a etiqueta da outra
dimensão quando se trata de homens e mulheres. Tocar as
outras pessoas em qualquer outro lugar é raro e
cuidadosamente estruturado, o que resulta em gestos
disfarçados e defletidos (POLSTER & POLSTER, 2001 p. 152).
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A capacidade de efetuar discriminações através do tato se constitui


como um importante fator cognitivo, que em pessoas que perderam ou
nasceram sem a visão torna-se uma das principais formas de reconhecer o
mundo. As formas de trabalhar com as funções táteis são as mais diversas,
como: pinturas com os dedos, reconhecimento de objetos, argila, massa de
modelar, texturas, e a partir destas experiências sensórias as crianças são
estimuladas a expressarem suas sensações favoritas e que parte de nossas
vidas elas nos remetem (OAKLANDER, 1980).
Olfato é uma das funções de contato mais primitivas, embora seja uma
das mais subestimadas, sendo um contato fundamental para os animais, para
o homem transformou-se numa função pouco valorizada, se pensarmos que
utilizamos diversos recursos para ludibriar nossos odores corporais.
Trabalhar com crianças utilizando este sentido pode ser realizado de
várias maneiras, discutindo acerca do nariz, narina e respiração, realizar
experimentos através de respiração do nariz, boca, de uma narina de cada vez,
conversar sobre cheiros e odores que agradam e desagradam essa criança
(OAKLANDER, 1980).
Linguagem segundo Polster & Polster (2001), esta é uma das
dimensões da fala, sendo a outra a voz. A linguagem é um dos agentes em
potencial para o contato. Dizer aquilo que desejamos é uma ato magnífico de
criação, facilmente negligenciado, porque as pessoas falam demais. Em certo
sentido, nenhuma palavra significa exatamente a mesma coisa para duas
pessoas e ás vezes nem para a mesma pessoa em momentos diferentes.
Desta forma, as palavras são autênticas para cada individuo, ou seja, são
atribuídos significados subjetivos aquela pessoa que fala e a que escuta.
Torna-se importante então esclarecer a linguagem de todas as
formas possíveis. Uma técnica é pedir que a pessoa seja aquilo
que ela está descrevendo. Se diz que é radical, peça-lhe que
seja radical e personalize o que está dizendo apenas pela
metade. Assim, o indivíduo poderia dizer: “Eu sou um radical,
eu jogo pedras”. Ou poderia dizer “Eu sou um radical, eu gosto
de ir até a raiz das coisas”. Outro método é fazer perguntas –
como ele é um radical, ou onde é radical, ou quando é radical –
que levem a circunstâncias específicas de sua natureza radical
e o afastem do rótulo (POLSTER & POLSTER, 2001 p. 164-
165).
Movimento corporal, este é fundamental na compreensão dinâmica do
ser no mundo, pois a forma com a pessoa se movimenta andando, sentando,
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gesticulando expressa muito a respeito da sua subjetividade. No decorrer do


desenvolvimento da criança acontecem diversas situações que vão moldando o
jeito com que este ser irá se expressar, logo a forma como este foi educado é
fundamental para esta expressão, pois se uma criança foi estimulada na
infância a reprimir suas emoções, ela se movimentara de forma a se conter,
podendo recolher os ombros, conter suas lágrimas. “Quando a criança se torna
desligada de seu corpo perde o senso de si própria bem como grande dose de
força, física e emocional” (OAKLANDER, 1980 p. 151).
Um jogo sugerido por Oaklander (1980) é o das estátuas, neste jogo
uma pessoa gira a outra, e quando esta ultima é solta, fica congelada numa
posição. Nós então adivinhamos o que é. Este jogo é importante, pois a criança
tem a possibilidade de manifestar se corporalmente livre, além de ser um jogo
que geralmente sucinta emoções de alegria e liberdade.

Conclusão

Este estudo destinou-se a compreender as funções de contato como um


canal de utilização para se trabalhar com crianças, tendo em vista que a
possibilidade lúdica no processo psicoterápico é uma das principais formas de
acesso ao mundo infantil. Dessa forma as funções de contato podem e devem
ser uma importante ferramenta aliada ao lúdico em jogos, brincadeiras,
desenhos.

Além de ser um fator determinante para a compreensão diagnóstica,


pois ao apresentarem comportamentos inadequados, estarão apresentando
ajustamentos criativos disfuncionais o que atrapalha a dinâmica saudável do
desenvolvimento, implicando na presença de distorções e bloqueios das
funções de contato. Sendo assim, se compreendermos estas distorções e
bloqueios poderemos de forma significativa ter uma visão abrangente do
fenômeno que se desvela como patológico na dinâmica desta criança.

Se as funções de contato apresentam-se desenvolvidas e


desbloqueadas, a criança vai experimentar um contato mais
pleno com o mundo. Caso elas se apresentem bloqueadas ou
distorcidas, certamente o contato da criança com o mundo,
com o outro e consigo mesmo se apresentará diminuído
(AGUIAR, 2005 p.109).
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Desta forma, este artigo objetivou identificar e compreender sete das


funções de contato e sugerir experimentos na clinica Gestáltica com crianças,
tendo como premissa que estes possibilitem que a criança entre em contato com
sensações e emoções antes bloqueadas ou distorcidas e possibilitar assim uma
compreensão diagnostica a partir das funções de contato.
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Referências

AGUIAR, L. Gestalt – terapia com crianças teoria e prática. São Paulo: Livro
Pleno, 2005.

ANTONY, S. A clinica Gestáltica com crianças: caminhos de crescimento.


São Paulo: Summus, 2010.

GINGER, S. & GINGER A. Gestalt: Uma terapia de contato. São Paulo:


Summus, 1995.

OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: abordagem gestáltica com


crianças e adolescentes. São Paulo: Summus, 1980.

POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt – terapia integrada. São Paulo:


Summus, 2001.

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