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UNIDADE CURRICULAR: LITERATURAS EUROPEIAS II

CÓDIGO: 31097

DOCENTE: Maria do Céu Marques

A preencher pelo estudante

NOME: Maria Gertrudes Soares Chaves Magalhães

N.º DE ESTUDANTE: 1400551

CURSO: Estudos Europeus

DATA DE ENTREGA: 03-06-2020

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TRABALHO / RESOLUÇÃO:

O excerto em análise faz parte do décimo sétimo capítulo do romance “A


Ignorância”. É um capítulo que toca no memorialismo, é uma viagem pelo processo
político que o país passou e pela pintura no período dos anos 50, que no seu conjunto
fazem parte de frações ensaísticas dentro da narrativa. Esquecimento e lembranças, o
exilio e a nostalgia são ingredientes que fazem parte deste romance e que neste capítulo
toca nesses aspetos de uma forma melancólica, que se sente quando se lê.

Este excerto traz à memória a passagem ao exilio e ao período que Josef viveu
antes de ir para a Dinamarca. Josef relembra que um dia teve que se afastar da sua
terra, um exílio forçado, pelo que estar novamente de regresso, embora de passagem,
deambulando pelo apartamento do irmão, repassam-lhe esses momentos e sente um
outro exilio, um exilio dentro de si e na sua própria “casa” que é Praga.

Entre as coisas que o irmão lhe mostra chama-o à atenção um quadro que lhe
pertenceu um dia. O autor aproveita o momento para divagar sobre a pintura no período
do socialismo onde vigorava a doutrina da arte socialista que era o realismo,
demonstrando como as repercussões políticas intervinham na criatividade. O amigo de
Josef teve que ser inventivo não fugindo às regras, mas colocando o seu próprio cunho
artístico. Na altura vigorava o abstrato, mas tal estilo era condenável, daí que só a
pintura clássica com temas muito específicos como o trabalho e a defesa da pátria eram
admitidos. O quadro que pertencera a Josef retratava a vida dos trabalhadores, mas
com umas cores que lembravam os Fauves. Esta mescla favorecia a arte que o seu
amigo fazia, pelo que tinha uma predileção por aquele quadro. No entanto a liberdade
nos anos sessenta enfraquece a doutrina e o amigo foi abandonando essa “mescla”, e
em plena liberdade, nos finais dos anos 80 já pintava à semelhança de todos os outros,
a mescla desaparecera e a criatividade também.

Este excerto também encerra a ideia da solidão que transparece em todo o


romance, o irmão mostra-lhe o apartamento para que ele perceba por si só das
mudanças desde a sua saída do país, fazendo-o refletir o quanto se sente estranho na
terra que o vira nascer, o quanto se sente distante daqueles que são o seu sangue.
Inevitavelmente sente que o seu regresso está ligado estranhamente a um duplo
sofrimento, o de não poder regressar e as recordações dolorosas do que deixou para
trás, no qual o quadro é um artefacto dessas lembranças.

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Esta é a realidade, de que ao fim de 20 anos muita coisa muda, as pessoas
mudam, as memórias não são iguais para todos e entre as memórias, o esquecimento
e a nostalgia, surge a ignorância, porque deixa-se de conhecer quem nos era chegado
ou passa a existir uma ignorância mútua. Fica patente o desenraizamento e o
enfraquecimento dos vínculos sociais em relação à terra natal devido às distâncias, que
acaba por esmorecer os vínculos de amizade e família, que por sua vez faz crescer um
certo ressentimento por aqueles que ficam. O autor pela escrita é capaz de tocar na
alma e evocar convicções naqueles que um dia foram levados ao exilio como ele próprio
o foi um dia.

As obras de Kundera tem influências de Franz Kafka, Robert Musil e Nietzsche


e é reconhecida pela sua vasta variedade. Grande parte dos escritos de Kundera
contem ensaios que tocam no memorialismo e o diarismo e romances que viajam pela
música, pintura, literatura, política, que acabam por ser frações ensaísticas dentro da
narrativa. Pelo que um romance ou um ensaio de Kundera tem por vezes uma distância
ténue. O facto é que nestas digressões ensaísticas, Kundera, pela voz de um narrador
que é omnisciente, vai opinando de uma forma constante sobre os discursos que aborda
nos seus romances.

É esta a beleza nos escritos de Kundera, ele cria personagens que se cruzam a
dado momento no romance e com eles cria objetos de discussão, como a sociologia e
a filosofia. É visível como este excerto reflete o tema da nostalgia da qual se reveste o
romance mostrando que, quando se está nostálgico a memória se recolhe, não estimula
as lembranças acabando a nostalgia absorver-se no seu sofrimento. Kundera mostra
que as lembranças são ilusórias, que a vida é feita de pedaços e apenas uns são
lembrados, contados e recontados para no fundo esquecer os outros. Kundera quer
provar em “A Ignorância”, que as lembranças são precisamente uma forma sofisticada
de esquecer.

É neste universo de contradições que os protagonistas do romance (Irena e


Josef) irão viver os seus dilemas. Estes dilemas poderão conter as ideias de Kundera
de um possível retorno que fracassou já que, há uma justaposição entre o autor e
narrador, mergulhando nesta mesma nostalgia levando ao que narra ser ele próprio, as
suas ideias, nas quais toma o comando em esquecer e lembrar ou sentir-se exilado e
nostálgico, sentimentos esses que podem passar por qualquer ser humano que um dia
teve que abandonar a sua terra.

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