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Os Cinco Mitos da

Autocompaixão
Kristin Neff aborda os equívocos que nos impedem de sermos mais gentis
com nós mesmos.

POR KRISTIN NEFF | 30 DE SETEMBRO DE 2015

A maioria das pessoas não têm nenhum problema em ver a


compaixão como uma qualidade totalmente louvável. Parece referir-
se a uma combinação de qualidades inquestionavelmente boas:
bondade, misericórdia, ternura, benevolência, compreensão, empatia,
simpatia e sentimento de companheirismo, acrescida de um impulso
para ajudar outras criaturas viventes em perigo, humanos ou animais.
Mas parecemos menos seguros a respeito da autocompaixão. Para
muitos, ela carrega o cheiro de todas aquelas outras condições
negativas do “eu”: autopiedade, autoconveniência, autoindulgência,
autocentrismo, ou simplesmente egoísmo. Mesmo após muitas
gerações passadas da cultura das nossas origens puritanas, parece
que ainda acreditamos que, se não estamos nos culpando e nos
punindo por algo, corremos o risco da complacência moral, do
egoísmo descontrolado e do pecado da soberba.

Considere Rachel, uma executiva de marketing de 39 anos com dois


filhos e um marido adorável. Uma pessoa profundamente gentil,
esposa dedicada, mãe envolvida, amiga solidária e trabalhadora, ela
também encontrava tempo para ser voluntária em duas instituições de
caridade locais. Em suma, ela parece ser um tipo de modelo ideal.
Mas Rachel está em terapia porque seus níveis de estresse estão
muito altos. Ela está sempre cansada , deprimida, e com insônia. Ela
sofre de leves problemas digestivos crônicos e às vezes - para seu
horror - perde a paciência com seu marido e filhos. Por tudo isso, ela
é incrivelmente dura consigo mesma, sempre sentindo que nada do
que faz é suficientemente bom. No entanto, ela nunca considerou
tentar ser compassiva consigo mesma. Na verdade, a própria idéia de
desistir de sua autocrítica exacerbada, dando-se alguma gentileza e
compreensão, parece-lhe, de alguma forma, infantil e irresponsável.

E Rachel não está sozinha. Muitas pessoas na nossa cultura têm


dúvidas sobre a ideia de autocompaixão, talvez porque elas
realmente não saibam o que é, e muito menos como praticá-la.
Freqüentemente, a prática da autocompaixão é identificada com a
prática de mindfulness, agora tão presente quanto o sushi no
Ocidente. Mas enquanto mindfulness - com sua ênfase em sermos
abertos a experiência e à consciência do nosso próprio sofrimento
sem sermos arrastados por ele e pela reatividade repulsiva - é
necessário para a autocompaixão, ele deixa de fora um ingrediente
essencial. O que distingue a autocompaixão é que ela vai além da
aceitação da nossa experiência como ela é e acrescenta algo mais -
abraçando o experienciador (ou seja, nós mesmos) com calor e
ternura quando a nossa experiência é dolorosa.

A autocompaixão também inclui um elemento de sabedoria - o


reconhecimento de nossa humanidade compartilhada. Isso significa
aceitar o fato de que, junto com todas as outras pessoas no planeta,
somos indivíduos falhos e imperfeitos, tão propensos quanto qualquer
outra pessoa a ser atingidos pelos dardos e flechas ultrajantes do
infortúnio (mas perfeitamente normais). Isso parece óbvio, mas é
engraçado como se esquece facilmente. Nós caímos na armadilha de
acreditar que as coisas "supostamente" vão bem e que quando
cometemos um erro ou surge alguma dificuldade, é porque algo deve
ter dado muito errado. (Hum, desculpe-me. Deve haver algum erro.
Eu me inscrevi no plano tudo-vai-ir-às- mil-maravilhas-até-o-dia-que-
eu-morrer. Posso falar com a gerência, por favor?) A sensação de
que certas coisas “Não deveriam” estar acontecendo nos faz sentir
envergonhados e isolados. Nessas ocasiões, lembrar que não
estamos realmente sozinhos no nosso sofrimento - que dificuldades e
lutas estão profundamente enraizadas na condição humana - pode
fazer uma diferença radical.
Eu me lembro de estar no parque com meu filho, Rowan, quando ele
tinha cerca de quatro anos de idade, no auge do autismo. Eu estava
sentada num banco, observando as crianças felizes brincando nos
balanços, correndo umas atrás das outras e se divertindo enquanto
Rowan estava sentado no topo do escorregador batendo a mão
repetidamente (algo conhecido como “stimming”). Admito que
comecei a trilhar o caminho da autopiedade: "Por que eu não posso
ter uma criança" normal "como todo mundo? Por que eu sou a única
que está passando por tantas dificuldades? ”Mas anos de prática de
autocompaixão me deram presença de espírito suficiente para me
segurar, fazer uma pausa, respirar fundo e tomar consciência da
armadilha em que eu estava caindo.

Distanciando-me umpouco dos meus pensamentos e sentimentos


negativos, olhei para as outras mães e seus filhos e pensei comigo
mesma: “Estou supondo que essas crianças vão crescer com uma
vida despreocupada e sem problemas, que nenhuma dessas mães
terá que lutar enquanto criam seus filhos. Mas, pelo que sei, algumas
dessas crianças podem desenvolver sérios problemas de saúde
mental ou física, ou simplesmente tornarem-se pessoas não muito
legais quando crescerem! Não há crianças perfeitas e nenhum pai ou
mãe que não passem por algum tipo de dificuldade ou desafio com os
filhos uma vez ou outra. ”

E naquele momento, meus sentimentos intensos de isolamento se


transformaram em sentimentos de profunda conexão com as outras
mães no parque e com todos os pais em todos os lugares. Nós
amamos nossos filhos, mas puxa vida - às vezes é difícil! Por mais
estranho que pareça, praticando a autocompaixão quando estamos
confusos, não nos sentimos tão sozinhos.

Felizmente, isso não é apenas uma doce ilusão sobre uma nova
abordagem de autoajuda. Na verdade, agora há um corpo notável e
crescente de pesquisas demonstrando que relacionarmo-nos com nós
mesmos de maneira gentil e amigável é essencial para o bem-estar
emocional. Isso não só nos ajuda a evitar as conseqüências
inevitáveis do autojulgamento severo, depressão, ansiedade e
estresse, como também cria uma abordagem mais feliz e
esperançosa para a vida. Mais explicitamente, as pesquisas revelam
vários dos falsos mitos mais comuns sobre a autocompaixão que nos
mantêm prisioneiros da autocrítica implacável. Aqui estão cinco deles.

1. Autocompaixão é uma forma de autopiedade

Um dos maiores mitos sobre a autocompaixão é que significa sentir


pena de si mesmo. De fato, como minha própria experiência no
parquinho exemplifica, a autocompaixão é um antídoto para a
autopiedade e à tendência a reclamar da nossa má sorte. Isso não é
porque a autocompaixão permite que você ignore as coisas ruins; na
verdade, ela nos torna mais dispostos a aceitar, experimentar e
reconhecer sentimentos difíceis com bondade - o que,
paradoxalmente, nos ajuda a processá-los e liberá-los mais
plenamente. Pesquisas mostram que pessoas autocompassivas são
menos propensas a serem engolidas por pensamentos de
autopiedade pelo o quanto as coisas são ruins. Essa é uma das
razões pelas quais as pessoas autocompassivas têm melhor saúde
mental.

Um estudo realizado por Filip Raes, da Universidade de Leuven,


examinou a associação da autocompaixão com o pensamento
ruminativo e a saúde mental entre os alunos de graduação da
universidade. Ele primeiro avaliou como os participantes estavam
usando Escala de autoavaliação de Autocompaixão, desenvolvida por
mim em 2003, que pede aos entrevistados que indiquem com que
frequência eles se engajam em comportamentos correspondentes
aos principais elementos da autocompaixão. Exemplos incluem
declarações como “eu tento ser compreensivo e paciente em relação
a aspectos da minha personalidade que eu não gosto”; “Quando as
coisas estão indo mal para mim, vejo as dificuldades como parte da
vida que todos passam”; e “quando algo doloroso acontece, tento ter
uma visão equilibrada da situação”.

Raes encontrou evidencias de que os participantes com níveis mais


altos de autocompaixão tendem a pensar menos em seu infortúnio.
Além disso, demonstrou que a tendência reduzida para ruminação
ajudou a explicar por que os participantes autocompassivos relataram
menos sintomas de ansiedade e depressão.

2. Autocompaixão significa fraqueza

John sempre se considerou um pilar forte - um marido e provedor


ideal. Por isso ele ficou arrasado quando sua esposa o deixou por
outro homem. Secretamente atormentado pela culpa por não fazer
mais para satisfazer as necessidades emocionais dela antes que ela
buscasse conforto nos braços de outra pessoa, ele não queria admitir
o quanto ainda sentia dor e como era difícil para ele seguir a com a
sua vida.

Quando seu colega sugeriu que ele tentasse ser compassivo consigo
mesmo sobre o divórcio, sua reação foi rápida: "Não me dê essas
coisas de corações-e-flores! Autocompaixão é para maricas. Eu tive
que ser duro como um prego para passar pelo divórcio com alguma
aparência de dignidade, e não vou baixar a guarda agora”.

O que John não sabia é que, ao invés de ser uma fraqueza, os


pesquisadores estão descobrindo que a autocompaixão é uma das
fontes mais poderosas de enfrentamento e resiliência de que
dispomos. Quando passamos por grandes crises de vida, a
autocompaixão parece fazer toda a diferença na nossa capacidade de
sobreviver e até mesmo de prosperar. John supôs que ter sido um
cara durão durante o seu divórcio - reprimir seus sentimentos e não
admitir quanta dor ele sentia - foi o que o ajudou a passar por isso.
Mas ele não estava "atravessando": ele estava encalhado, e a
autocompaixão era a peça que faltava, que provavelmente o ajudaria
a seguir em frente.

David Sbarra e seus colegas da Universidade do Arizona examinaram


a possibilidade de a autocompaixão ajudar a determinar o quanto
pessoas se ajustam bem ao divórcio. Os pesquisadores convidaram
mais de 100 pessoas recentemente separadas de seus cônjuges para
virem ao laboratório e gravar um vídeo de quatro minutos, em fluxo
de consciência, sobre o que pensam e sentem a respeito da
experiência da separação. Depois quatro examinadores treinados
codificaram os níveis de autocompaixão nessas declarações, usando
uma versão modificada da "Self-Compassion Scale". Eles deram
escores baixos para os participantes que disseram coisas do tipo: "Eu
não sei como consegui fazer isso. Foi tudo minha culpa. Eu o afastei
por algum motivo. Eu precisava tanto dele, ainda preciso dele. O que
eu fiz? Eu sei que fiz tudo errado. ” Escores altos foram atribuídos
para pessoas que disseram coisas como: “ Olhando para trás, você
tem que aproveitar a lição e, a partir daí seguir em frente. Apenas
perdoe a si mesmo e ao seu ex por tudo que vocês fizeram ou
deixaram de fazer. ”

Os pesquisadores concluíram que os participantes que demonstraram


mais autocompaixão ao falar sobre a separação evidenciaram melhor
ajuste psicológico ao divórcio naquele momento e que esse efeito
persistiu por nove meses. Os resultados se mantiveram mesmo
quando controlados por outras possíveis variáveis, como os níveis
iniciais de autoestima, otimismo, depressão ou apego seguro dos
participantes. Estudos como este sugerem que não é apenas o que
você enfrenta na vida, mas é como você se lida consigo mesmo
quando as coisas ficam difíceis - como um aliado interno ou um
inimigo - que determina sua capacidade de enfrentar a situação com
sucesso.
3. Autocompaixão vai me tornar complacente

Talvez o maior obstáculo para a autocompaixão seja a crença de que


ela vai prejudicar a nossa motivação para sermos melhores. A ideia é
que, se não nos criticarmos por não mantermos nossos padrões,
vamos automaticamente sucumbir para o derrotismo indolente.
Pensemos por um momento no modo como os pais motivam seus
filhos com sucesso. Quando o filho adolescente de Rachel chega em
casa um dia com uma nota baixa de inglês, ela pode ficar aborrecida
e gritar, “Garoto estúpido! Você nunca será nada. Tenho vergonha de
você! ” (Faz você se encolher, não é? No entanto, esse é exatamente
o tipo de coisa que Rachel diz a si mesma quando ela não consegue
satisfazer suas próprias expectativas.) Mas ao invés de motivar seu
filho, uma enxurrada de vergonha provavelmente fará apenas com
que ele perca a confiança em si mesmo e, eventualmente, deixe
completamente de tentar melhorar.
Uma alternativa seria, Rachel adotar uma abordagem compassiva,
dizendo: “Oh querido, você deve estar tão chateado. Venha cá, me dê
um abraço. Isso acontece com todo mundo. Mas precisamos
melhorar seu inglês porque sei que você quer entrar em uma boa
faculdade. O que posso fazer para ajudar e apoiar você? Eu acredito
em você”. Observe que há um reconhecimento honesto do fracasso,
simpatia pela infelicidade de seu filho e encorajamento para ir adiante
ou contornar esse breve tropeço no caminho. Uma resposta de
cuidado nos ajuda a manter a autoconfiança e a nos sentimos
emocionalmente apoiados. Ironicamente, mesmo que Rachel nem
sonhasse em adotar a primeira abordagem com o filho, ela
inquestionavelmente acredita que a autoflagelação é necessária para
que ela atinja seus objetivos. Ela supõe que sua ansiedade,
depressão e estresse são o resultado de ela não se esforçar o
suficiente.

Mas agora há uma boa quantidade de pesquisas mostrando


claramente que a autocompaixão é uma força muito mais eficaz do
que a autopunição para a motivação pessoal.

Por exemplo, uma série de de pesquisas experimentais feitas por


Juliana Breines e Serena Chen, da Universidade da Califórnia, em
Berkeley examinou, se eventualmente ajudar os alunos de graduação
a serem mais autocompassivos os motivaria a se engajarem em
mudanças positivas. Em um estudo, os participantes foram solicitados
a relembrar uma atitude recente em que se sentiram culpados - como
colar numa prova, mentir para o parceiro romântico, dizer algo
ofensivo - e que ainda os fazia se sentirem mal quando pensavam a
respeito. Em seguida, eles foram aleatoriamente designados para
uma das três condições. Na condição de autocompaixão, os
participantes foram instruídos a escrever para si mesmos por três
minutos, como se fosse um amigo compassivo e compreensivo. Na
segunda condição, os participantes foram instruídos a escrever sobre
suas próprias qualidades positivas; e no terceiro, eles escreveram
sobre um hobby que gostavam. Essas duas condições de controle
ajudaram a diferenciar a autocompaixão do autodiálogo positivo e do
bom humor em geral.
Os pesquisadores encontraram que os participantes que foram
ajudados a serem autocompassivos sobre sua transgressão recente
relataram sentir-se mais motivados a se desculpar pelos danos
causados e mais comprometidos em não repetir o comportamento do
que aqueles nas condições de controle. A autocompaixão, longe de
ser uma maneira de evitar a responsabilidade pessoal, na verdade a
fortalece.
Se pudermos reconhecer nossos fracassos e erros com bondade -
"Eu realmente errei ao me irritar tanto com ela, mas eu estava
estressado, e acho que todas as pessoas exageram nas reações às
vezes" - ao invés do julgamento do tipo – “Eu não posso acreditar que
eu disse aquilo; Eu sou uma pessoa má e horrível ”- é muito mais
seguro para nos enxergarmos com clareza. Quando podemos ver
além da lente distorcida da autocrítica severa, entramos em contato
com outras partes de nós mesmos, as partes que se importam e
querem que todos, incluindo nós mesmos, sejam tão saudáveis e
felizes quanto possível. Isso proporciona o incentivo e o suporte
necessários para fazermos o nosso melhor e tentar novamente.

4. Autocompaixão é narcisismo

Na cultura americana, para ter alta autoestima é preciso se destacar


na multidão - ser especial e acima da média. Como você se sente
quando alguém atribui um grau médio ao seu desempenho no
trabalho, ou às suas habilidades parentais ou à sua inteligência? Ah!
O problema, claro, é que, em que pese o efeito Lake Woebegone de
Garrison Keillor (quando a pessoa tem uma superioridade ilusória), é
impossível que todos estejam acima da média ao mesmo tempo.
Podemos nos destacar em algumas áreas, mas sempre há alguém
mais atraente, mais bem-sucedido e inteligente do que nós - o que
significa que nos sentimos fracassados sempre que nos comparamos
àqueles "melhores" que nós
O desejo de nos vermos como melhores do que a média, no entanto,
para obter e manter aquela sensação ilusória de autoestima elevada,
pode nos levar a um comportamento absolutamente sórdido. Por que
jovens adolescentes começam a fazer bullying os outros? Se eu
posso ser reconhecido como "o cara", em contraste com o nerd
fracote que eu estava infernizando, eu tenho um ganho de
autoestima. Por que somos tão preconceituosos? Se eu acredito que
o meu grupo político, nativo, étnico ou de gênero é melhor que o seu,
eu tenho um reforço na minha autoestima.

De fato, a ênfase dada à autoestima na sociedade americana tem


levado a uma tendência preocupante: os pesquisadores Jean
Twenge, da Universidade Estadual de San Diego, e Keith Campbell,
da Universidade da Geórgia, que acompanharam os escores de
narcisismo em estudantes universitários desde 1987, encontraram
que o narcisismo dos estudantes modernos está no nível mais alto já
registrado. Eles atribuem o aumento do narcisismo a pais e
professores bem-intencionados, mas equivocados, que dizem às
crianças o quanto são especiais e ótimas na intenção de aumentar
sua autoestima.

Mas autocompaixão é diferente de autoestima. Embora estejam


fortemente ligadas ao bem-estar psicológico, a autoestima é uma
avaliação positiva do valor pessoal, enquanto a autocompaixão
definitivamente não é uma avaliação nem um julgamento. Em vez
disso, a autocompaixão é uma forma de se relacionar com o cenário,
em constante mudança, de quem somos, com bondade e aceitação -
especialmente quando erramos ou nos sentimos inadequados. Em
outras palavras, a autoestima exige sentir-se melhor que os outros,
ao passo que a autocompaixão exige o reconhecimento de que todos
compartilhamos a condição humana da imperfeição.

A autoestima também é inerentemente frágil, oscilando para cima e


para baixo conforme nosso último sucesso ou fracasso. Lembro-me
de uma vez que minha autoestima subiu e caiu em cinco segundos.
Eu estava visitando um estábulo equestre com amigos, e o velho
instrutor de equitação espanhol aparentemente gostou da minha
aparência mediterrânea. Ele me disse, "Você é muuuito linda," e eu
me senti cintilar de prazer. Então ele acrescentou: "Nunca depile seu
bigooooode." A autoestima é a amiga das horas boas, à nossa
disposição no tempo bom, e nos abandonando quando nossa sorte
desce ladeira abaixo. Mas a autocompaixão está sempre a nossa
disposição, uma fonte confiável de apoio, mesmo quando estamos
com nossas reservas esgotadas. Ainda dói quando nosso orgulho é
ferido, mas podemos ser gentis com nós mesmos precisamente
porque dói. "Uau, isso foi muito humilhante, lamento muito. Tudo
bem, afinal essas coisas acontecem.”

Há uma pesquisa sólida para o pressuposto de que a autocompaixão


nos ajuda nos bons e maus momentos. Mark Leary e colaboradores
da Wake Forest University conduziram um estudo que pediu aos
participantes para gravarem um vídeo onde se apresentavam e se
descreviam. Por exemplo, "Olá, sou John, especialista em ciências
ambientais. Adoro pescar e passar tempo na natureza. Eu quero
trabalhar para o Serviço Nacional de Parques quando me formar ”, e
assim por diante. Eles foram informados de que alguém iria assistir o
seu vídeo e, em seguida, classificá-los numa escala de sete pontos
sobre o quanto pareciam carinhosos, amigáveis, inteligentes,
simpáticos e maduros. (O feedback foi falseado, é claro, dado por um
colaborador do estudo.) Metade dos participantes recebeu avaliações
positivas e os outros, avaliações neutras. Os pesquisadores queriam
examinar se os níveis de autocompaixão dos participantes (medidos
pelos escores da Escala de Autocompaixão) poderiam prever as
reações ao feedback diferentemente dos seus níveis de autoestima
(medidos pela Escala de Autoestima de Rosenberg).
Eles descobriram que pessoas autocompassivas relataram reações
emocionais semelhantes sobre o quanto estavam se sentindo felizes,
tristes, raivosos ou tensos, independentemente de o feedback ser
positivo ou neutro. Pessoas com altos níveis de autoestima, no
entanto, tenderam a ficar chateadas quando recebem feedback
neutro (O quê, eu estou apenas média?). Eles foram mais propensos
a negar que o feedback tenha sido em função da sua própria
personalidade e responsabilizaram os fatores externos, como se os
observadores estivessem de má vontade. Isso sugere que pessoas
autocompassivas são mais capazes de se manter estáveis
emocionalmente, independentemente dos níveis de aprovação que
recebem dos outros. A autoestima, por outro lado, prospera apenas
quando as críticas são boas, e pode levar a táticas evasivas quando
surge a possibilidade de enfrentar verdades desagradáveis a respeito
de si mesmo.
5. A autocompaixão é egoísta

Muitas pessoas desconfiam da autocompaixão porque a associam


com o egoísmo. Rachel, por exemplo, passa grande parte de seus
dias cuidando da família e em muitas de suas noites e finais de
semana ajuda como voluntária em instituições de caridade. Criada
numa família que valoriza a importância em servir aos outros, ela
supõe que gastar tempo e energia sendo gentil e cuidadosa consigo
mesma significa automaticamente que ela deve estar negligenciando
aos outros por egoísmo. De fato, muitas pessoas são como Raquel
neste sentido - boas almas, generosas e altruístas, que são
absolutamente horríveis consigo mesmas pensando que de modo
geral isso é indispensável para sua benevolência.

Mas a compaixão é realmente um jogo de ganhar ou perder? Pense


há quanto tempo você tem andado perdido nas garras da autocrítica.
Nessa hora você estava focado em si ou no outro? Você tem muitos,
ou poucos recursos para oferecer aos outros? A maioria das pessoas,
quando estão absortas no autojulgamento, acham que, na verdade
têm pouco espaço para pensar em algo que não seja sentir-se
inadequadas e inúteis. Espancar a si mesmo pode ser, de fato, uma
forma paradoxal de egocentrismo. No entanto quando conseguimos
ser gentis e animar a nós mesmos, muitas das nossas necessidades
emocionais são satisfeitas, nos deixando numa posição mais
favorável para darmos atenção aos outros.

Infelizmente, o ideal de ser modesto, singelo e cuidar do bem-estar


dos outros geralmente vem com o viés de que devemos nos tratar
mal. Isso é especialmente verdadeiro para as mulheres, que, segundo
as pesquisas, tendem a ter níveis ligeiramente mais baixos de
autocompaixão do que os homens, mesmo enquanto tendem a ser
mais atenciosas, empáticas e dedicadas aos outros. Talvez isso não
seja tão surpreendente, já que as mulheres são educadas para serem
cuidadoras - abnegadas, para abrir seus corações aos seus maridos,
filhos, amigos e pais idosos - mas não são ensinadas a cuidar de si
mesmas. Embora a revolução feminista tenha ajudado a expandir os
papéis femininos, e agora, mais do que nunca, vejamos mais
lideranças femininas nos negócios e na política, a ideia de que as
mulheres deveriam ser cuidadoras altruístas não foi abandonada de
fato. Agora, além de serem as melhores educadoras em casa as
mulheres ainda precisam ser bem-sucedidas nas suas carreiras.

A ironia é que, ser bom consigo mesmo realmente ajuda você a ser
bom para os outros, ser ruim para si mesmo só atrapalha. Na
verdade, recentemente conduzi um estudo com minha colega Tasha
Beretvas, da Universidade do Texas, em Austin, que investigou se
pessoas autocompassivas eram melhores parceiras de
relacionamento. Recrutamos mais de 100 casais que tiveram um
relacionamento romântico por um ano ou mais. Os participantes
avaliaram seu próprio nível de autocompaixão, usando a Escala de
Autocompaixão. Em seguida, descreveram o comportamento do
parceiro no relacionamento em uma série de questionários de auto-
relato, indicando também o quanto estavam satisfeitos com seus
parceiros. Encontramos que os indivíduos autocompassivos eram
descritos por seus parceiros como mais atenciosos (por exemplo,
“gentil e bondoso comigo”), acolhedores (por exemplo, “respeita
minhas opiniões”) e apoiadores da autonomia (por exemplo, “me dá a
liberdade que eu desejo ”) do que seus equivalentes autocríticos em
contrapartida, que foram descritos como sendo mais desconectados
(por exemplo,“ não pensa muito em mim ”), agressivos (por exemplo,“
grita, pisoteia”), e controladores (por exemplo, “espera que eu faça
tudo do jeito dele/dela”).

Os participantes também relataram estar mais satisfeitos e seguros


nos relacionamentos com parceiros autocompassivos - o que faz
sentido. Se eu me sonego cuidado e fico apenas contando com meu
parceiro para atender às minhas necessidades emocionais, vou me
portar mal quando elas não forem atendidas. Mas se eu puder me dar
assistência e suporte, para atender prontamente a algumas das
minhas necessidades, terei maior disponibilidade de recursos
emocionais para oferecer ao meu parceiro.

Os dados de pesquisa não são quanto a autocompaixão ser


realmente necessária para sermos compassivos com os outros, uma
vez que muitas pessoas fazem um bom trabalho cuidando dos outros
enquanto ludibriam a si mesmos. No entanto, um corpo crescente de
pesquisas indica que a autocompaixão ajuda as pessoas a manterem
a atitude de cuidado com os outros. Por exemplo, parece que os
conselheiros e terapeutas que são autocompassivos têm menor
probabilidade de experimentar estresse e fadiga do cuidador; eles
estão mais satisfeitos com suas carreiras e se sentem mais
energizados, felizes e agradecidos por poderem fazer a diferença no
mundo.

Como evoluímos como seres sociais, a exposição a relatos de


sofrimento de outras pessoas ativa os nossos centros cerebrais de
dor por meio de um processo de ressonância empática. Quando
testemunhamos o sofrimento alheio diariamente, podemos
desenvolver angústia pessoal à exaustão, e os cuidadores que são
especialmente sensíveis e empáticos podem estar em maior risco. Ao
mesmo tempo, quando nos damos compaixão, criamos uma proteção
que nos permite compreender e sentir a pessoa que sofre sem
sermos sugados pelo seu sofrimento. As pessoas de quem cuidamos,
então, podem captar nossa compaixão através de seu próprio
processo de ressonância empática. Em outras palavras, a compaixão
que cultivamos por nós mesmos se transmite diretamente aos outros.

Eu pessoalmente sei disso pela minha experiência de criar uma


criança autista. Rowan tem agora 13 anos, e embora ele possa ser
um adolescente mal-humorado, ele é um garoto amoroso, que impõe
poucos desafios aos pais. Mas nem sempre foi assim. Muitas vezes
eu enfrentei situações que me pareciam estar além da minha
capacidade de enfrentar e, às vezes, tinha que contar com o poder da
autocompaixão para dar conta de superá-las.

Certa vez, quando Rowan tinha cinco anos, levei-o para a Inglaterra
para ver seus avós. No meio de um vôo transatlântico, ele teve um
acesso de raiva. Eu não faço ideia do que o detonou, mas de repente
me vi com uma criança agitada e gritando, e um avião cheio de
pessoas com adagas nos olhos. O que fazer? Tentei levá-lo ao
banheiro na esperança de que a porta fechada abafasse seus gritos.
Mas depois eu me atrapalhei pelo corredor, tentando impedi-lo de
bater acidentalmente nos passageiros ao longo do caminho, encontrei
o banheiro ocupado.

Aconchegando Rowan no pequeno espaço fora do banheiro, me senti


impotente e sem esperança. Mas então me lembrei da
autocompaixão. Eu dizia para mim mesma, isso é tão difícil para
você, querida. Lamento que isso esteja acontecendo. Estou aqui à
sua disposição. Enquanto me certificava de que Rowan estava
seguro, 90% da minha atenção estava me acalmando e consolando.
Minha mente ficou inundada de compaixão, a ponto de dominar
minha experiência - muito mais do que meu menino que gritava. Além
disso, como eu já havia descoberto, quando eu atingia um estado de
espírito mais pacífico e amoroso, Rowan também se acalmava.
Enquanto eu me acalmava, ele se acalmava também.

Quando tratamos ternamente a nós mesmos em resposta ao


sofrimento, nosso coração se abre. Compaixão evoca nossa
capacidade de amor, sabedoria, coragem e generosidade. É um
estado mental e emocional que é ilimitado e sem rumo, fundamentado
nas grandes tradições espirituais do mundo, e disponível para todas
as pessoas simplesmente pelo fato de sermos humanos. O poder
afetivo da autocompaixão está agora, numa reviravolta
surpreendente, sendo iluminado pelos métodos pragmáticos da
ciência empírica, e um corpo crescente de literatura de pesquisa está
demonstrando conclusivamente que a autocompaixão não é apenas
essencial para a saúde mental, mas pode prosperar através da
aprendizagem e prática, assim como muitos outros bons hábitos.

Os terapeutas sabem há muito tempo que ser gentil com nós mesmos
não é - como muitas vezes se acredita - um luxo egoísta, mas o
exercício de um dom que nos torna mais felizes. Agora, finalmente, a
ciência está demonstrando isso.

Este ensaio apareceu originalmente em Psychotherapy Networker.

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