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Autocompaixão

na vida diária
Um encontro gentil com você

POR BEATRIZ GARCIA


E BRUNA KRUG LIMA
Prefácio
POR ERIKA LEONARDO DE SOUZA

Me lembro que quando eu era criança eu adorava plantar


feijões. Acho que toda criança curiosa e encantada com os
fenômenos naturais gosta de plantar feijões, pois eles cres-
cem rápido, assim como rapidamente nossos olhos brilham
ao contemplar as folhinhas verdes surgindo. Há um ano, a
minha cachorra, que era chamada de olhos de jabuticaba,
morreu. Pensei em plantar uma jabuticabeira no local onde
ela foi enterrada, mas desisti da ideia quando descobri que
demoraria cerca de 11 anos para ela dar frutos e eu final-
mente conseguir
homenageá-la.

Dizem que para ter uma vida bem vivida, temos que es-
crever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Não fiz
nada disso, ainda, mas tive e tenho alunas. E todo professor
já sentiu a satisfação que sinto agora de ver uma semente
que foi plantada dar um fruto tão especial.

A Beatriz e a Bruna não são sementes de feijão, tampouco


de uma jabuticabeira. São sementes de uma árvore que dá
frutos no tempo certo, que é o tempo da dedicação a um
estudo aprofundado sobre autocompaixão e, principalmen-
te, da prática pessoal.

Nesse e-book, o leitor começará a compreender o que é e o


que não é a autocompaixão, experimentando, por meio de
práticas simples e diárias, o quanto essa habilidade pode
nos trazer mais bem-estar e uma vida mais significativa.
Um convite delicado para umas das coisas mais desafiado-
ras para o ser humano: a consciência do seu sofrimento e o
cuidado consigo.
Nós nunca poderemos avaliar a extensão dos benefícios
gerados por um encontro humano. Assim é com esse
e-book produzido pelo encontro da Bia e da Bruna. Que
essas práticas possam abrir o coração de muitas pessoas
para o poder da autocompaixão assim como abriu o delas.
Assim como abriu o meu. Muito obrigada a Bia e a Bruna
pela companhia nessa aventura.

Psicóloga clinica. Dra em Ciências. Certified Teacher


do programa de Mindfulness e AutocompaixÃO
(MSC) pela Universidade da Califórnia San Diego e
líder desse programa no Brasil
@erikaleonardodesouza
Introdução
O QUE VOCÊ DIRIA PARA UMA PESSOA QUERIDA
EM UM MOMENTO DE SOFRIMENTO?

Nesse ebook nós queremos te propor uma nova aven-


tura! Saborear a vida através dos olhos da autocompaixão.
Essas páginas transbordam nossos desejos de que a auto-
compaixão possa mudar a sua vida como vem mudando a
nossa.
De maneira simples podemos definir autocompaixão da
seguinte forma:

“Autocompaixão significa tratar a si mesmo


com a mesma gentileza e cuidado com que
você trataria um amigo”

- Kristin Neff
Quando dedicamos compaixão a nós mesmos, estamos
motivados a aliviar o nosso sofrimento, a nos dar o apoio que
precisamos em um momento difícil e sermos gentis e aco-
lhedores conosco, como seríamos com um cachorrinho ou
com uma criança que chora.

Essa motivação é capaz de nos dar um porto seguro


quando não estamos vendo saída. É uma forma de estarmos
sempre acompanhados de nossos desejos mais profundos
de bem querer.

Para começar a entender mais, vamos voltar um pou-


quinho na história. A pesquisadora Kristin Neff foi a respon-
sável por operacionalizar o conceito de autocompaixão. Com
seus estudos, ela entendeu que quando estamos em um
momento de sofrimento, podemos recorrer a três elemen-
tos principais: mindfulness, humanidade compartilhada e
autobondade . A partir desses componentes podemos aces-
sar a autocompaixão, essa motivação genuína para aliviar e
previnir nossa dor e sofrimento.

Hoje existem diversas pesquisas (visite para saber mais


https://self-compassion.org/) sendo feitas pelo mundo a fora
sobre autocompaixão, comprovando seus benefícios para
saúde em diversas áreas, como por exemplo redução de sin-
tomas depressivos, altos níveis de ansiedade e melhor regu-
lação emocional.

Como falamos sobre a definição de autocompaixão, que


tal entender um pouquinho melhor sobre esses três compo-
nentes?
1.
Mindfulness
MINDFULNESS (ATENÇÃO PLENA): estar consciente mo-
mento a momento da realidade tal como ela é. Tornando
possível que pensamentos, sensações e sentimentos
estejam presentes sem julgamento.

Sabe aquele abraço apertado que você ouve o coração


do outro bater? Ou aquele geladinho no pé que a gente sen-
te no corpo todo quando pisamos na beira do mar? Ou então
aquele momento em que você está mais ansiosa e conse-
gue não julgar a sua emoção? Isso é Mindfulness (atenção
plena)! Estar presentes e conectados com todos os nossos
sentidos.

Mindfulness (atenção plena) é um componente muito


importante da autocompaixão porque, nos possibilita reco-
nhecer o nosso sofrimento, para podermos nos dar apoio e
gentileza. Se não deixarmos as emoções entrarem, a men-
sagem de que estamos precisando de atenção e cuidado
não chega até nós e dessa forma não conseguimos nos dar
compaixão.

O contrário de Mindfulness é a sobre-identificação com


nossos processos internos (emoções, pensamentos e sen-
sações). A sobre-identificação seria por exemplo, falar uma
palavra errada ou inadequada em uma reunião, começar
a sentir-se ansiosa com isso e se identificar 100% com essa
emoção, como se ela fosse a única coisa que você vai sentir
pelo resto da vida. Nesse exemplo a pessoa sentiria que se
“torna” a emoção e isso pode acontecer com os pensamen-
tos e sensações corporais também. Além disso, a pessoa aca-
ba se julgando por sentir dessa forma.
Sugestão de exercício:
Mindfulness na natureza
Separe 15 minutos por dia para estar em contato com a natu-
reza. Pode ser a praia, o céu, um jardim ou mesmo um vaso
com plantas. O que importa aqui é treinar o olhar curioso!

Que cor tem? Quais formatos? Texturas? Tem algum aroma?


O que chama atenção do meu olhar? Experimente a natu-
reza como se fosse a primeira vez.

“Mindfulness significa prestar atenção de uma


certa maneira: de propósito, no momento pre-
sente e sem julgamentos”

- Jon Kabat-Zinn
2.
Humanidade Compartilhada
HUMANIDADE COMPARTILHADA: reconhecer que todas as pesso-
as falham e que a imperfeição faz parte da humanidade. Um olhar
autocompassivo entende que o sofrimento faz parte da vida.

Sabe aqueles dias que estamos chateados porque algo


deu errado? Cometemos uma falha, brigamos com alguém
ou tivemos um plano frustrado? Acompanhado desses mo-
mentos difíceis, geralmente temos pensamentos como:
“nossa, tudo de errado acontece comigo” ou “eu sou um
fracasso, como pude deixar isso acontecer?” E são nesses
exatos momentos que precisamos lembrar da humanidade
compartilhada. Vamos pensar juntos:

Será que ninguém mais no mundo já passou por essa


situação? Será que essa pessoa estaria se sentindo muito di-
ferente de como você se sentiu?

A humanidade compartilhada nos lembra que a falha é


inerente à condição humana. Se não fossemos imperfeitos
seríamos de outra espécie (robôs ainda nem inventados, tal-
vez?) porque a perfeição não existe. Nesse momento pode-
mos nos sentir mais conectados como comunidade e parar
de ser tão críticos e julgadores com nós mesmos, porque
afinal, se o sofrimento faz parte da vida de todos, por que
não posso aceitá-lo e tentar acalmar a minha dor?

O contrário da humanidade compartilhada é o isola-


mento. Ele acontece quando nos criticamos por nos sen-
tir de determinada maneira ou por alguma situação. Um
exemplo seria uma pessoa que fica nervosa para fazer uma
apresentação em uma aula e se julga por sentir o que sente,
achando que outras pessoas lidam melhor com o que sen-
tem do que ela. Ou uma pessoa que está presa no trânsito
e começa a brigar com aquela situação alimentando pensa-
mentos do tipo “isso só acontece comigo”, “tudo dá errado
pra mim”.

A humanidade compartilhada abre portas para um


senso de conexão e amorosidade com nós mesmos, e va-
mos ver isso no nosso terceiro componente.

Sugestão de exercício:
Pense em uma situação desafiadora de nível leve à modera-
do. Agora pergunte-se:
Como se sentiria uma pessoa que estivesse passando pela
mesma situação?

Será que essa é uma situação que só aconteceu/acontece


comigo ou uma situação provável de acontecer com outras
pessoas também?

Todos nós sofremos e eventualmente, enquanto isso acon-


tece, acabamos nos isolando na nossa dor e esquecendo
que o sofrimento faz parte. Quando perceber seu sofrimen-
to, lembre-se de que outras pessoas também podem estar
passando por algo semelhante.

“Quando nos lembramos de que a dor faz parte da


experiência humana compartilhada, cada momento
de sofrimento é transformado em um momento de
conexão com os outros.”

- Kristin Neff e Chris Germer


3.
Autobondade
AUTOBONDADE: ser bondoso e compreensivo consigo
ao invés de autocrítico e julgador, tendo uma postura
de apoio e cuidado de si.

É aqui que percebemos que a grande maioria das pesso-


as consegue ter compaixão pelos outros, mas não por si. Em
um momento de sofrimento tendemos a ser compreensivos
e amorosos com quem amamos, mas para nós, reservamos
todas as nossas críticas mais cruéis. A autobondade é que nos
faz redirecionar essas atitudes gentis para nós mesmos. Per-
ceba, essa bondade amorosa já está em você. Você sabe como
ser acolhedor, já deve ter sido alguma vez com seus familiares
ou amigos. Só precisa praticar desta maneira também com
você. Somos seres humanos e estamos sofrendo, todos nós
merecemos apoio e afeto, independente de qualquer coisa.

O oposto da autobondade é a autocrítica. Isso acontece


quando nos repreendemos de forma agressiva e até nos puni-
mos por sentir algo ou por alguma atitude.

Um exemplo pode ser quando cometemos algum equí-
voco em uma roda de conversa e começamos a pensar coisas
do tipo “ninguém vai gostar de ter esse tipo de companhia” ou
“eu devo ser uma pessoa horrível por ter falado isso”.

Sugestão de exercício:
Pause por um momento e rastreie pontos de tensão ou do-
res no seu corpo. Em seguida dê a essa parte do corpo al-
gum conforto, como por exemplo um alongamento, toque
ou carinho. Dê ao seu corpo nesse momento uma presença
amorosa e conectada. Lembrete: a intenção não é se livrar
das dores, e sim confortar-se da melhor maneira possível.

“Gentileza gera gentileza dentro de você”

- Beatriz Garcia
4.
Mitos sobre a autocompaixão
Quando falamos de Autocompaixão é comum encon-
trarmos vários mitos sobre a temática. Precisamos entender
e combater esses mitos para que possamos viver a Auto-
compaixão plenamente. Do contrário, corremos o risco de
ficarmos presos em ideias distorcidas do que é a Autocom-
paixão.

Mito 1: Autocompaixão é uma forma de autopiedade.


Muitas pessoas tendem a pensar que Autocompaixão é uma
forma de se vitimizar frente aos problemas. Na verdade, a
Autocompaixão nos motiva a soltar o discurso queixoso e
buscar fazer o que precisa ser feito para nos aproximar do
bem-estar.

Imagine que você precisa finalizar um relatório até sex-


ta-feira e está se sentindo desmotivado para fazer esse tra-
balho. Ter Autocompaixão não significa que você, desmoti-
vado e sofrendo, vai ficar parado lamentando ter que fazer
esse relatório. Autocompaixão vai te ajudar a encarar a reali-
dade como ela é e te conduzir a fazer o que precisa ser feito,
entendendo os seus limites de forma amorosa e te forne-
cendo apoio ao longo do caminho, afinal de contas finalizar
esse trabalho é importante para você.

“Pesquisas mostram que pessoas compassivas são me-


nos propensas a serem engolidas por pensamentos de
autopiedade pelo o quanto as coisas são ruins. Essa é
uma das razões pelas quais as pessoas autocompassi-
vas têm melhor saúde mental”

- Kristin Neff
Mito 2: Autocompaixão significa fraqueza.
Autocompaixão é fonte de ternura e fonte de força. Chama-
mos isso de yin e yang da Autocompaixão. Muitas pessoas con-
fundem ser autocompassivo com ser frágil. Ao cultivarmos a
Autocompaixão podemos sim nos beneficiar com a parte mais
amorosa, mas também podemos e devemos nos beneficiar de
sua parte de força e bravura. Para nos oferecermos Autocom-
paixão, precisamos antes entrar em contato com o sofrimento.
Quer maior sinal de força do que conseguir entrar em conta-
to com o sofrimento e reconhecer que a vida pode ser difícil?
Quer sinal maior de força do que se fornecer Autocompaixão
quando as coisas não vão bem ou não saem como o esperado?

“Ao invés de ser uma fraqueza, os pesquisadores estão des-


cobrindo que a autocompaixão é uma das fontes mais pode-
rosas de enfrentamento e resiliência que dispomos. Quando
passamos por grandes crises de vida, a autocompaixão pa-
rece fazer toda a diferença na nossa capacidade de sobrevi-
ver e até mesmo de prosperar”

- Kristin Neff
Mito 3: Autocompaixão vai me tornar complacente.
Autocompaixão é uma fonte de motivação mais efetiva que
a autocrítica ou autopunição. Quando somos duros conosco,
a tendência é que nos sintamos ainda mais paralisados por
vergonha e medo de falhar. A autocompaixão nos convida a
ir além e tentar novamente, afinal de contas as falhas são hu-
manas e esperadas ao longo da vida.

Ela nos impulsiona a ir ao encontro do que importa. Pen-


se em uma pessoa que você ama muito e que de repente te
diz que agora vai “chutar o balde”, não ir mais trabalhar, rom-
per seus laços e fazer o que estiver com vontade de fazer. Seria
compassivo escutar isso e não se preocupar com o bem-estar
dessa pessoa? Será mesmo que você conseguiria concordar
sem alertar que ela pode se arrepender de apenas escolher o
prazer imediato? Autocompaixão te dá esse sinal de alerta. Ela
te mostra que escolher o que é importante ao invés de ir pelo
caminho mais fácil significa cuidar bem de você.
Mito 4: Autocompaixão é narcisismo.
Autocompaixão nos convida a olhar para nossa humanida-
de compartilhada, reconhecendo e aceitando nossas falhas
e imperfeições. Ela tem os mesmos benefícios positivos da
autoestima, mas sem a fragilidade e a necessidade (ilusória)
de se sentir acima da média o tempo todo, visto que isso não
é possível.

Não existe possibilidade de todos estarmos acima da


média em tudo. Imagine alguém que tem a necessidade de
ser o melhor sempre. Essa pessoa eventualmente vai se frus-
trar ao perceber que não existe chances de sempre ganhar.
Autocompaixão nos lembra disso e nos ensina que nosso va-
lor está em sermos nós mesmos e não em sermos os “melho-
res”.

Mito 5: Autocompaixão é egoísta.


A autocompaixão também fortalece nossos vínculos. Quan-
do estamos nos fornecendo o que precisamos, por exemplo,
saímos do isolamento e passamos a nos colocar nas relações
de forma mais aberta. Isso nos permite uma entrega e tam-
bém nos permite estar junto com o outro compassivamente.
Quando passamos a olhar de forma mais compassiva para
nosso sofrimento, também conseguimos reconhecer e nos
conectar de forma mais compassiva com o sofrimento alheio.

“Um corpo crescente de pesquisas indica que a


autocompaixão ajuda as pessoas a manterem
uma atitude de cuidado com os outros”

- Kristin Neff
Agora pare um pouco e reflita:
Quais são minhas apreensões sobre a Autocompaixão?
Se tenho apreensões, será que são minhas mesmo? Muitas
vezes podemos ter moldado uma ideia sobre autocompai-
xão em cima do que outras pessoas pensam ou em cima do
que acreditamos que a sociedade pensa. Para seguirmos,
pedimos que vocês investiguem isso com curiosidade.

Por exemplo
Joana é uma mulher de 40 anos. Advogada, casada e
com um filho de 6 anos. Joana pensa que ser mais auto-
compassiva vai fazer dela uma mãe muito “mole” e uma
profissional sem responsabilidade. Joana sofre com crises
de ansiedade há dois anos, quando começou em uma nova
empresa com outros colegas. Ela se cobra para ser uma ex-
celente profissional, ser uma ótima mãe e uma esposa nota
10. Recentemente Joana tem se sentido perdida em todos
os papéis da sua vida e se questionado se é digna de ter uma
família e um emprego, visto que não tem conseguido atingir
os altos padrões que colocou para si.

Os mitos da Autocompaixão que mais atrapalhavam


Joana eram de que ela se tornaria uma pessoa fraca e pre-
guiçosa. Joana buscou terapia e sua psicóloga a ajudou a
quebrar esses mitos, então ela percebeu que ser autocom-
passiva fazia ela educar seu filho com limites amorosos e ser
mais flexível e competente no trabalho.
5.
Motivação autocompassiva
Umpensamento comum que autocompaixão é perigo-
sa e vai afastar as pessoas do que importa. É quase como se
a gente só se motivasse a partir da autocrítica. E com isso
acabamos vivendo em pé de guerra conosco.

Com a Autocompaixão, buscamos aliviar o sofrimento.


Todos nós queremos nos sentir bem e felizes. A Autocom-
paixão pode ser como aquela mãe ou aquele pai, que ao ver
que o filho tirou uma nota baixa, vai dizer:

“Meu amor, você deve estar triste. Venha aqui, deixa eu


te abraçar. Quero te ajudar a estudar mais para que você
possa tirar uma boa nota e entrar na faculdade que é seu
sonho. Tem algo que eu possa fazer para te ajudar com
isso?”

Quando estamos constantemente nos criticando, rea-


lizar alguma coisa parece ser algo muito assustador. A dor
de falhar pode ser tão grande que nos domina, a ponto de
perdermos a vontade de tentar.

A Autocompaixão nos motiva, através da humanidade


compartilhada, nos ajudando a entender que errar faz parte
de ser humano e que podemos nos arriscar, porque todos
estamos em um processo de aprendizado na vida. Afinal de
contas se cairmos, podemos nós mesmos cuidar do machu-
cado com carinho.

Quando não temos Autocompaixão, pioramos nossa si-
tuação nos motivando através da autocrítica. Por exemplo
“se eu não der conta de tudo hoje sou um fracasso”. Uma
postura autocompassiva inclui reconhecer o sofrimento e se
fornecer o apoio necessário. Por exemplo “isso é realmente
difícil, mas vou fazer o possível hoje entendendo quais são
os meus limites”.
“A motivação da autocompaixão se origina
no amor, enquanto a autocrítica se origina do
medo. O amor é mais poderoso que o medo.”

- Kristin Neff e Chris Germer


6.
A intenção é a chave
Sugerimos que você comece seu cultivo de Autocompai-
xão devagar, colocando uma intenção genuína de se cuidar
quando for tomar banho, se alimentar, pentear os cabelos ou
escovar os dentes. Pode parecer pouco, mas podemos estar
a todo tempo nos cuidando e amparando. Podemos estar to-
mando um chá como algo da rotina e sem uma intenção de
cuidado. Ou podemos preparar esse mesmo chá com a inten-
ção de estarmos cuidando de nós mesmos em um momento
de sofrimento. Esse chá vai ter um “sabor” diferente se estiver-
mos ativamente buscando nosso próprio bem-estar.

Sugestão de exercício:
Autocompaixão é ativa e não passiva. Então, selecione
atividades rotineiras e experimente encará-las como sua prá-
tica de autocompaixão diária, como uma atitude de apoio a si
mesmo. Perceba como se relacionou com essa experiência.

“Quando temos dificuldades, damos a nós mesmos


compaixão não para nos sentirmos melhor, mas
porque nos sentimos mal.”

- Kristin Neff e Chris Germer


Exercício:
Como eu trato um amigo? Pense em alguma situação desafia-
dora que você tenha vivido, tente lembrar como você se tratou
naquele momento.

Agora experimente mudar de lugar. Busque imaginar um ami-


go querido te contando essa mesma situação. Imagine que esse
amigo está sofrendo e se criticando por viver isso. Agora pense:

O que você diria para esse amigo?

Quais palavras você escolheria para acolher a dor dele?

Que tom de voz usaria?

Quais gestos gostaria de fazer?

E sua expressão facial como seria?

Notou alguma diferença? Muitas pessoas se assustam ao per-


ceber o quanto se tratam de forma mais hostil do que tratam
pessoas queridas ao seu redor. Se esse foi o seu caso, bem-vin-
do à experiência humana. Você não precisa se criticar por isso
também. Apenas se parabenize por ter tirado esse tempo para
perceber. Esse já é um passo muito importante.

Nas próximas vezes que você se perceber sendo grosseiro


com você mesmo, quem sabe você pode lembrar desse exercí-
cio?

Quem sabe você pode tentar se tratar com a mesma gen-


tileza e doçura que trataria uma pessoa querida passando pela
mesma situação? Mas não apresse seu processo caso seja difícil
direcionar essa amorosidade para você. No começo isso pode
ser mais desafiador e aos poucos essa sementinha vai criando
raízes no nosso coração. Respeite seu tempo e use esse e-book
como lembrete para regar as sementinhas.

(Exercício inspirado no livro Manual de Mindfulness e Autocompaixão - um


Guia para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor ami-
go, capítulo 1 página 9)
7.
Sofrimento faz parte da vida
Se tem algo que podemos prever, é que a mudança fará
parte de nossos dias. E algo importante de se aprender é o
desapego, para lidar com a impermanência da vida. Quando
temos uma postura de aceitação diante das situações, mes-
mo que as coisas não aconteçam como gostaríamos, reco-
nhecemos que aquilo já está ali ao invés de travar uma bata-
lha com a vida tendo pensamentos como “isso não deveria
ser assim” e tentativas de ter o controle. Receber a realida-
de sem julgamentos, permite uma expansão de visão, para
que possamos agir com consciência no momento presente
e nos oferecer o cuidado que precisamos.

Imagine que você planejou uma viagem de férias para


uma praia maravilhosa, fez diversos planos de relaxar sob
as palmeiras e um Sol brilhante. Mas, infelizmente o Sol não
veio e as nuvens escuras parecem exatamente com o que
você sente em seu coração. Se deixar absorver com pensa-
mentos como “eu deveria ter checado melhor o tempo” ou
“joguei minhas férias no lixo”, provavelmente fará com que
você fique mergulhado em emoções desconfortáveis e de
fato perca todas as suas férias.

Uma postura de aceitação seria perceber a dor de ter


tido seus planos frustrados e perguntar-se “o que eu pre-
ciso agora para lidar com essa frustração?”. Em um movi-
mento de expansão de visão, podemos tirar a frustração de
uma perspectiva central, e nos perguntar “o que mais tem
aqui?”. Você pode se surpreender ao perceber que mesmo
na chuva, é possível ter um momentinho de qualidade com
você ou uma pessoa querida, e encontrar outras formas de
satisfação naquele momento.
Podemos nos relacionar dessa forma também com o
sofrimento - o sofrimento faz parte da vida - entender isso
nos aproxima de aceitar a realidade tal como ela é. Negar
a existência de experiências desagradáveis não faz com que
elas parem de aparecer, muito pelo contrário, nos afoga em
insatisfação e inércia - afinal, como vou me dar o que preciso
se não me abro para experiência, mesmo que desagradável,
do meu sentir?

A Autocompaixão quer acolher nosso sofrimento e en-


tender a nossa dor. Se o sofrimento faz parte da vida, a auto-
compaixão também deve fazer, trazendo uma resposta ati-
va, calorosa e gentil para tolerarmos o que nos machuca.
Exercício:
Respondendo ao mal estar
Para experimentar se relacionar de forma gentil com o
sofrimento, sugerimos que você escolha uma situação que
perceba um mal estar de leve a médio – ao começar a expe-
rimentar autocompaixão não queremos que você se sobre-
carregue.

Agora que você escolheu a sua situação de desconforto


repita para si: “Esse é um momento de sofrimento. O sofri-
mento faz parte da vida.” com a voz mais acolhedora que
conseguir, podendo repetir algumas vezes até achar o tom.

Nesse momento perceba se é possível acolher a si mes-


mo de alguma forma. Fazendo algumas respirações mais
profundas onde você possa repousar sua atenção, ou algum
toque suave, como juntar as duas mãos, colocando sua aten-
ção na sensação desse toque e na intenção de cuidar-se.

Lembre-se, não estamos tentando fazer com que a dor


vá embora, e sim trazendo a esse momento de desconforto
uma sensação de apoio e segurança.

“Perceber com clareza o que está acontecendo dentro de


nós e encarar o que vemos com nosso coração aberto, gentil
e amoroso é o que chamo de Aceitação Radical.”

- Tara Brach
8.
Autoapreciação
Como é o seu olhar para você? Muitas pessoas conse-
guem apreciar as qualidades dos outros, mas não as próprias.
Isso diversas vezes vem de ideias distorcidas que nós temos
como “posso parecer arrogante se reconhecer minhas quali-
dades” ou “se eu assumir que sou bom em algo terei que ser
o melhor sempre”. A verdade é que o ser humano é compos-
to de qualidades e defeitos e por isso devemos ter o cuidado
de não focar em apenas um deles, mas reconhecer a nossa
humanidade como um todo. Se nos apegarmos apenas nas
nossas boas qualidades, podemos correr o risco de cair na
armadilha da presunção. E por outro lado, não reconhecer
nada de bom em nós mesmos, pode nos levar a um sofri-
mento intenso.

A chave é entender que todos somos bons em alguma


coisa e temos potencialidades. E nossas limitações não sig-
nificam fraqueza. Tome como exemplo o caso de Guilher-
me:

Guilherme tem sua própria confeitaria. Apesar de rece-


ber diversos elogios pelos seus doces, Guilherme constan-
temente olhava só para o que faltava. Ele pensava coisas do
tipo “as pessoas só me elogiam por educação”e “nada que
eu faço está bom o bastante”. Ele era incapaz de reconhecer
o próprio talento e o sucesso da confeitaria. Após fazer o cur-
so de 8 semanas de Mindfulness e Autocompaixão (MSC),
ele percebeu que focava demais em suas faltas e compro-
meteu-se a se autoapreciar mais. Guilherme entendeu que
o sucesso vinha da sua dedicação e passou a se comparar
menos com outros confeiteiros. Embora ele saiba que tem
receitas que ainda não consegue fazer, agora ele não se de-
fine por isso e vê a realidade de forma mais clara.
Convite para reflexão:
Como você recebe os elogios que ganha?

Quão confortável você se sente ao reconhecer suas boas


qualidades?

Quão apegado você é às suas limitações?

“É importante valorizarmos nossos pontos fortes, as-


sim como termos compaixão por nossos pontos fra-
cos, para que possamos nos aceitar integralmente,
exatamente como somos.”

- Kristin Neff e Chris Germer

Exercício:
Que você possa se recompensar por ser quem você é!

Você está fazendo o seu melhor todos os dias, encaran-


do suas dificuldades e sendo você mesmo no mundo! Mui-
tas vezes deixamos de nos parabenizar e reconhecer. Então
hoje o convite é se recompensar por ser exatamente do jeiti-
nho que você é, imperfeito e ainda assim digno de amor, res-
peito e um verdadeiro batalhador! O que você faz por você
apenas em ocasiões especiais? Faça hoje! Porque especial é
todo dia que estamos conectados com nós mesmos e com
a vida!

- Fica aqui nossa sugestão: se envie flores, faça um jantar


para você com sua refeição preferida ou se dê um dia de
folga!

(Exercício inspirado no livro Manual de Mindfulness e Autocompaixão - um Guia


para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor amigo, ca-
pítulo 4 página 32)
Autocompaixão como um processo
A Autocompaixão é um processo e ele não é linear. Em
alguns momentos pode se parecer com uma montanha-
-russa. Podemos perceber o esforço e a busca por “fazer cer-
to” tomar conta de nós e acabar nos distanciando da experi-
ência e da conexão com nós mesmos. Isso acontece porque
esse esforço é uma forma de resistir ao sofrimento ao invés
de estar com essa dor no momento presente de forma amo-
rosa e conectada.

O cultivo da Autocompaixão não funciona como uma


poção mágica onde vamos tomar algo e instantaneamente
parar de sofrer. Se a Autocompaixão se torna apenas mais
uma “técnica”, a tendência é que a gente se sinta desiludido
por ela nem sempre “funcionar”. É por isso que precisamos
cultivar a aceitação radical olhando para o sofrimento como
ele é e parando de lutar e resistir. Assim, a Autocompaixão
pode estar mais relacionada à intenção de cuidarmos da
nossa dor e sermos amorosos conosco enquanto sofremos.

“Ainda podemos ser loucos depois de todos esses anos.


Ainda podemos ser raivosos depois de todos esses anos.
Ainda podemos ser tímidos ou ciumentos ou cheios de
sentimentos de desvalorização. A questão é… não tentar
nos jogarmos fora e nos tornarmos alguma coisa melhor.
É sobre sermos amigos de quem já somos.”

- Pema Chodron
10.
Carta compassiva
Chegando ao final desse ebook nós queremos fazer
um convite muito especial. Quando foi a última vez que você
escreveu uma carta? E quanto foi a última vez que você es-
creveu uma carta para você? Vamos experimentar? Agora
que você já leu um pouco mais sobre Autocompaixão e essa
sementinha está plantada em cima do seu coração, escre-
ver uma carta pode ser algo para regar essa semente. Pedi-
mos então que você leia as instruções em um momento de
abertura, quietude e tempo, para que você possa sentar e
escrever. Essa carta vai ser uma carta para você e você pode
escrever como se estivesse escrevendo para uma melhor
amiga. Escreva com ternura e busque palavras gentis para
usar. Desejamos que esse momento de escrita seja a opor-
tunidade de mais um encontro seu com você. Um encontro
seguro, quentinho e amoroso. Vamos inserir aqui algumas
instruções para guiar essa atividade, mas não fique presa
em regras. Abra espaço para também notar o que você pre-
cisa e o que pode fazer para tornar esse momento um mo-
mento agradável.

Por exemplo
De tempos em tempos tente reescrever essa carta au-
tocompassiva. Esse é um convite que podemos nos fazer vá-
rias vezes.
Exercício:
- Separe uma folha de papel e lápis ou caneta;

- Encontre um lugar silencioso e seguro, onde você se sinta


livre para entrar em contato com suas emoções;

- Escolha escrever essa carta quando você tiver tempo para


viver esse momento. Não faça isso com pressa;

- Separe um chazinho, uma cobertinha, coloque um cheiri-


nho gostoso. Busque tornar esse ambiente o mais confortá-
vel possível;

- Escreva uma carta para você ler em momentos difíceis.


Uma carta gentil que vai te lembrar do que você precisa ou-
vir quando está sofrendo. O que você diria para você? O que
será que você precisa ouvir? Escreva cada linha tentando in-
serir palavras de cuidado e conforto;

- Se acolha durante essa experiência;

- Ao final, guarde essa carta em um lugar onde você possa


acessar facilmente;

- Agora chegou a hora de marcar o próximo encontro. Mar-


que no seu celular, agenda ou calendário uma data daqui a
dois meses para reler essa carta. Por vezes a vida acontece
depressa e nos perdemos nos nossos dias. E por isso esque-
cemos de alimentar nosso lado compassivo. Esse encontro
marcado será um lembrete de se reconectar com você;

Por exemplo
“Querida (o/e) desejo que você possa ser feliz e não so-
frer, sei que alguns momentos são difíceis mas quero que
saiba que você tem meu apoio e é forte por estar tentan-
do(...) assinado: sua voz autocompassiva”

(Exercício inspirado no livro Manual de Mindfulness e Autocompaixão - um Guia


para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor amigo)
“Quando você cometer um erro
Não se abandone

Quando você se sentir insegura


Não se abandone

Quando você se sentir insuficiente


Não se abandone

Quando você falhar


Não se abandone

Quando o fracasso bater na sua porta


Não se abandone

Quando você se frustrar


Não se abandone

Quando você se sentir a pior


Não se abandone

Você é um ser humano

Não se abandone por ser


Apenas seja”

Bruna Krug Lima


Apresentações pessoais
Beatriz:

Meu nome é Beatriz Garcia, @beatrizgarciapsi, e mi-


nha atuação clínica reflete o que eu experimentei na vida
pra aliviar meu sofrimento e senti vontade de dividir com
outras pessoas; sou psicóloga formada pela Universidade
Federal Fluminense (UFF) e atuo como psicoterapeuta com
a Terapia Cognitivo Comportamental e a Terapia do Esque-
ma, com jovens e adultos. Desde que comecei a vivenciar o
mindfulness e a autocompaixão percebi que não poderia ser
algo pra ficar guardado só pra mim; eu queria passar adian-
te; semear. Hoje, alinhada com esse propósito, faço parte do
Núcleo de Disfunções Sexuais no IPUB/UFRJ e estou por lá
trabalhando para ampliar as pesquisas em autocompaixão
no Brasil.
Nessa aventura que é mergulhar na autocompaixão, encon-
trei a Bruna, e decidimos nos unir para fazer com muito ca-
rinho esse e-book pra vocês! Que você possa experimentar a
autocompaixão florescer!
Bruna:

Eu sou a Bruna, sou psicóloga do @psicofoadacaixa lá


no Instagram e estou agora na minha segunda especializa-
ção. Tenho aquela sensação de que encontrei algo dentro
da Psicologia que fez e faz tanto sentido pra mim que eu
preciso transbordar isso para outras pessoas. Esse material
aqui junto com a Bia é um dos meus transbordamentos. Me
formei na Universidade Feevale em 2018 e hoje atuo com a
clínica de adultos apenas na modalidade on-line. Além disso,
curto pra caramba trabalhar com grupos dando palestras e
workshops. Meus valores de vida são: autenticidade, liberda-
de, conexão, humor, compaixão e abertura. Esse é o plano
de fundo para tudo que faço e espero que tenha conseguido
transmitir um pouco disso aqui.
Referências:
Brach, Tara (2021). Aceitação Radical.
Rio de Janeiro: Sextante.

Neff, K. D. (2011). Self-Compassion,


Self-Esteem, and Well-Being. Social
and Personality Psychology Com-
pass, 5, 1–12. https://doi.org/10.1111/j.
1751-9004.2010.00330.x

Neff, K. D. (2017). Autocompaixão: Pare


de se torturar e deixe a insegurança para
trás. Teresópolis: Lúcida Letra.

Neff, K. D., Germer, C. (2019). Manual de


Mindfulness e autocompaixão: um guia
para construir forças internas e prospe-
rar na arte de ser seu melhor amigo.
Porto Alegre: Artmed

CHWYL, C.; CHEN, P.; ZAKI, J. Beliefs


About Self-Compassion: Implications for
Coping and Self-Improvement. Persona-
lity and Social Psychology Bulletin, v. 47,
n. 9, p. 1327–1342, 2021.

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