Você está na página 1de 8

Por que a autocompaixão, e não

a autoestima, pode ser a chave


para o sucesso
 David Robson
 BBC WorkLife

19 janeiro 2021

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Para muitas pessoas, ser crítico consigo mesmo é a coisa mais natural a se fazer
Pense na última vez em que você falhou ou cometeu um erro
grave. Você ainda se envergonha e se repreende por ter sido tão
tolo ou egoísta?
Você tende a se sentir sozinho nessa falha, como se fosse a
única pessoa que cometeu um erro? Ou você aceita que o erro
faz parte do ser humano e tenta falar consigo mesmo com
carinho e ternura?
Para muitas pessoas, ser crítico consigo mesmo é algo natural.
Na verdade, podemos até nos orgulhar de sermos duros
conosco como um sinal de nossa ambição de melhorar.
Mas uma grande quantidade de pesquisas mostra que a
autocrítica costuma ser contraproducente.
Além de aumentar nossos níveis de infelicidade e estresse,
pode aumentar a procrastinação e nos tornar ainda menos
capazes de atingir nossos objetivos no futuro.
Em vez de nos castigarmos, devemos praticar a autocompaixão
— nos perdoar mais por nossos erros e fazer um esforço
deliberado para cuidar de nós mesmos em momentos de
decepção ou vergonha.
Pule Podcast e continue lendo

BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast
"A maioria de nós tem um bom amigo em nossas vidas, que nos
apoia incondicionalmente", diz Kristin Neff, professora
associada de psicologia educacional da Universidade do Texas,
em Austin, que foi pioneira nessa pesquisa.
"A autocompaixão é aprender a ser um amigo caloroso e
compreensivo consigo mesmo."
Se você for um defensor do cinismo, pode inicialmente se opor a
essa ideia.
Como a comediante britânica Ruby Wax escreveu no livro dela
sobre atenção plena: "Quando ouço que as pessoas são
amáveis consigo mesmas, imagino o pessoal acendendo velas
perfumadas em seus banhos e afundando em uma banheira de
leite de iaque do Himalaia".
No entanto, as evidências científicas sugerem que nos
tratarmos bem pode aumentar nossa resiliência emocional e
melhorar nossa saúde, bem-estar e produtividade.
É importante ressaltar que também nos ajuda a aprender com
os erros que causaram nosso desconforto em primeiro lugar.
CRÉDITO,THINKSTOCK
Legenda da foto,
"Autocompaixão é aprender a ser afetuoso e compreensivo consigo mesmo"
Confie na autocompaixão, não na
autoestima
A pesquisa de Neff foi inspirada numa crise pessoal. No final
dos anos 1990, ela estava passando por um divórcio doloroso.
"Foi muito complicado e senti muita vergonha por algumas
decisões erradas que tomei."
Procurando uma maneira de lidar com o estresse, ela se
matriculou em aulas de meditação em um centro budista local.
A prática da atenção plena trouxe um alívio, mas foram seus
ensinamentos sobre compaixão, em particular a necessidade de
direcionar essa bondade para si mesma, que causou mais
conforto.
"Notei uma diferença imediata", conta ela.
Superficialmente, a autocompaixão pode parecer com o
conceito de "auto-estima", que se refere a quanto valorizamos a
nós mesmos e se nos vemos sob uma perspectiva positiva.
Os questionários para medir a auto-estima dos participantes
pedem que eles avaliem afirmações como: "Sinto que sou uma
pessoa valiosa, pelo menos no mesmo nível que as outras."
Infelizmente, isso geralmente é acompanhado por um senso de
competição e pode facilmente resultar em um tipo frágil de
narcisismo que desmorona diante de um possível fracasso.
"A autoestima depende do sucesso e das pessoas gostarem de
você, então não é muito estável. Você poderia tê-la num dia
bom, mas perdê-la em um dia ruim", diz Neff.
CRÉDITO,THINKSTOCK
Legenda da foto,
A autocompaixão está relacionada à saúde mental e ao bem-estar geral das pessoas
Muitas pessoas com elevada auto-estima recorrem à agressão e
bullying quando a sua confiança é ameaçada.
Neff percebeu que cultivar a autocompaixão pode ajudar a
evitar essas armadilhas, de modo que você pode se levantar
quando estiver se sentindo magoado ou envergonhado, sem
derrubar outras pessoas ao longo do caminho.
Ela então decidiu projetar uma escala psicológica em que os
participantes tivessem que classificar uma série de afirmações
em uma escala de 1 (quase nunca) a 5 (quase sempre), como:

 Tento ser gentil comigo mesmo quando sinto uma dor


emocional
 Tento ver minhas falhas como parte da condição humana
 Quando algo doloroso acontece, tento ter uma visão
equilibrada da situação
 Eu desaprovo e julgo minhas próprias deficiências e
insuficiências
 Quando penso em minhas deficiências, tendo a me sentir
mais separado e isolado do resto do mundo
 Quando me sinto deprimido, tendo a ficar obcecado e me
fixar em tudo o que está errado.

Quanto mais você concorda com as três primeiras afirmações e


quanto menos concorda com as demais, maior é a sua
autocompaixão.
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
A meditação ajuda a treinar a autocompaixão
Os primeiros estudos de Neff examinaram como a
autocompaixão estava relacionada à saúde mental e ao bem-
estar geral das pessoas.
Ao entrevistar centenas de estudantes de graduação, ela
descobriu que a característica estava negativamente
correlacionada com relatos de depressão e ansiedade, e
positivamente correlacionada com a satisfação geral com a
vida.
É importante ressaltar que este estudo também confirmou que a
autocompaixão era diferente da autoestima.
Em outras palavras, pode haver alguém com um senso geral de
superioridade, que, no entanto, acha muito difícil se perdoar por
falhas percebidas. Uma combinação longe de ser ideal.
Campo florescendo
Pesquisas posteriores confirmaram essas descobertas em
amostras mais diversas, de estudantes do ensino médio a
veteranos americanos com risco de suicídio.
Todos os estudos mostraram que a autocompaixão aumenta a
resiliência psicológica.
Na verdade, a autocompaixão se tornou um campo de estudo
em expansão que atrai o interesse de muitos outros
pesquisadores.
Alguns dos resultados mais interessantes dizem respeito à
saúde física das pessoas.
CRÉDITO,THINKSTOCK
Legenda da foto,
A autocompaixão também está associada à saúde das pessoas
Um estudo recente mostra que pessoas com grande
autocompaixão têm menos probabilidade de relatar uma
variedade de doenças, como dores nas costas, dores de cabeça,
náuseas e problemas respiratórios.
Uma explicação poderia ser uma resposta silenciosa ao
estresse, com estudos anteriores revelando que a
autocompaixão reduz a inflamação que normalmente
acompanha o sofrimento e pode danificar nossos tecidos a
longo prazo.
Mas os benefícios para a saúde também podem ocorrer por
conta das diferenças de comportamento, já que as evidências
mostram que as pessoas com maior autocompaixão cuidam
melhor de seu corpo com dieta e exercícios.
"Pessoas com níveis mais altos de autocompaixão geralmente
são mais proativas", diz Sara Dunne, psicóloga que estudou a
ligação entre autocompaixão e comportamentos saudáveis na
Universidade de Derby, no Reino Unido.
Ela compara isso ao conselho de um pai bem-intencionado.
"Ele diz que você tem que ir para a cama, levantar cedo e
depois resolver seus problemas", diz ela.
Da mesma forma, alguém com grande autocompaixão sabe que
pode se tratar com gentileza, sem críticas indevidas, enquanto,
ao mesmo tempo, reconhece o que é melhor para ela no longo
prazo.
Esse é um ponto importante, diz Neff, já que alguns dos
primeiros críticos de seu trabalho se perguntaram se a
autocompaixão simplesmente levaria a um comportamento
preguiçoso e baixa força de vontade.
Em sua opinião, precisamos da autocrítica para nos motivar a
fazer mudanças importantes em nossas vidas.
Como evidência contra essa ideia, ela aponta uma pesquisa de
2012 que descobriu que pessoas com elevada autocompaixão
mostram maior motivação para corrigir seus erros.
Por exemplo, tendem a trabalhar mais duro depois de falhar em
um teste importante e são mais determinadas a compensar uma
transgressão moral percebida, como trair a confiança de um
amigo.

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Diversas pesquisas mostram que a autocrítica costuma ser contraproducente
Parece que a autocompaixão pode criar uma sensação de
segurança que nos permite enfrentar nossas fraquezas e fazer
mudanças positivas em nossas vidas, em vez de ficar na
defensiva ou criar uma sensação de desesperança.
Intervenções rápidas
Se você quiser colher alguns desses benefícios, agora há
evidências abundantes, do grupo de pesquisa de Neff e de
muitos outros, de que a autocompaixão pode ser treinada.
As intervenções populares incluem a "meditação da bondade
amorosa", que orienta a focar nos sentimentos de perdão e
cordialidade por você e pelos outros.
Em um ensaio recente, Tobias Krieger e seus colegas da
Universidade de Berna, na Suíça, desenvolveram um curso
online para ensinar esse exercício, junto com lições mais
teóricas sobre as causas da autocrítica e suas consequências.
Depois de sete sessões, eles descobriram aumentos
significativos nas pontuações de autocompaixão dos
participantes, junto com uma redução no estresse, ansiedade e
sentimentos depressivos.
"Medimos muitos resultados", diz Krieger, "e todos eles foram
na direção esperada".
Também existem intervenções escritas, como escrever uma
carta da perspectiva de um amigo amoroso, que podem
proporcionar uma melhoria significativa, diz Neff.
Para a maioria das pessoas, o hábito da autocrítica não parece
tão arraigado que não possa ser evitado.
(O site de Neff inclui pautas mais detalhadas sobre maneiras
de colocar isso em prática e a meditação da bondade amorosa.)
Neff diz que viu um interesse crescente por essas técnicas
durante a pandemia
Para muitos de nós, as dificuldades do isolamento, do
teletrabalho e de cuidar das pessoas que amamos forneceram o
terreno fértil para a autocrítica e a dúvida.
Embora não possamos eliminar essas tensões, podemos pelo
menos mudar a maneira como nos vemos e o que pode nos dar
resiliência para enfrentar os desafios.
Agora, mais do que nunca, devemos parar de ver a
autocompaixão e o autocuidado como um sinal de fraqueza, diz
Neff.
"A pesquisa é realmente impressionante e mostra que quando a
vida fica difícil, você quer ter compaixão de si mesmo. Isso o
tornará mais forte."
*David Robson é o autor de The Intelligence Trap: Revolutionize Your Thinking and
Make Wer Decisions (Hodder & Stoughton / WW Norton).

Você também pode gostar