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eja em livros, cursos, frases motivacionais, redes sociais, jornada que duraria cerca de três anos, passando
reportagens na televisão ou internet, ou até mesmo em por quatro campos de concentração, entre eles o
camisetas, a palavra resiliência tem se tornado cada vez temido campo de Auschwitz-Birkenau. O relato
mais comum e conhecida das pessoas em geral. Em tem- dessa experiência pode ser encontrado no clás-
pos de grandes dificuldades, como os que temos vivido em sico Em Busca de Sentido (Sinodal e Vozes, 2006).
função da pandemia mundial que nos assola, o conceito A Logoterapia torna-se uma ferramenta eficaz
de resiliência tem sido divulgado como nunca. na compreensão e no desenvolvimento da resili-
Dependendo da área em que é utilizado, o termo resiliência pode ência na medida em que parte da premissa fun-
assumir diferentes significados. Inicialmente, o uso dessa palavra damental de que o sofrimento faz parte da vida
foi adotado no campo da física e da engenharia de materiais. Nesse e é algo inevitável. Para Frankl, ele está inserido
contexto, um material é considerado resiliente quando a energia no que chamou de tríade trágica da existência
de deformação máxima que ele é capaz de armazenar não gera humana: dor, culpa e morte. “Não há um único
nele deformações permanentes (ver Rosana Angst, “Psicologia e ser humano que possa dizer que jamais sofreu,
resiliência: uma revisão de literatura”, Psicologia Argumento 27 que jamais falhou e que não morrerá” (Um Sen-
[2009], p. 253-260). Ao ser empregada no campo das ciências huma- tido Para a Vida [Ideias & Letras, 2005], p. 94).
nas e da saúde, resiliência passa a ser entendida como o processo A inevitabilidade do sofrimento, porém, não
por meio do qual a pessoa não apenas enfrenta e supera as adver- invalida a possibilidade de um sentido para a
sidades, mas sai fortalecida e transformada. vida; justamente ao contrário: “É possível tirar
Essa capacidade humana é considerada uma “inexplicável força sentido até do sofrimento, embora com esforço;
de superação e sobrevivência”, conforme sublinhou Esdras Vascon- isto significa, portanto, que o sentido potencial
cellos (“Stress, coping, burnout, resiliência: troncos da mesma raiz”, da vida é incondicional” (A Presença Ignorada
em A Psicologia Social e a Questão do Hífen [Blucher, 2017]). Ela de Deus, 3a ed. [Vozes, 1993], p. 104).
emerge quando a pessoa enfrenta situações de estresse extremo e A capacidade humana de encontrar um sig-
suas condições de suporte interno e externo já existentes são sufi- nificado apesar do sofrimento é o fator determi-
cientes para lidar com a situação, exigindo da pessoa uma reação nante na superação das adversidades que a vida
extraordinária, até então inesperada. Em boa parte das vezes, uma nos apresenta. Antes ainda da criação do conceito
pessoa resiliente não toma consciência da sua própria resiliência de resiliência, na perspectiva da Logoterapia, o
até que seja colocada à prova. homem é dotado do que Frankl vai chamar de
O conceito se apresenta de maneira original como característica “poder opositor do espírito humano” (Logotera-
individual. Porém, é importante lembrar que não se aplica apenas pia e Análise Existencial [Forense Universitária,
aos indivíduos. Famílias, organizações, povos, grupos sociais e 2012], p. 60).
religiosos podem ser resilientes de maneira coletiva, como carac- O indivíduo que sofre e supera o sofrimento
terística grupal. é chamado de Homo Patiens. É “o homem em
Em um contexto mais amplo, na história da humanidade, os sofrimento que, em virtude da sua humanidade,
grandes resilientes foram justamente homens, mulheres, famílias, ­mostra-se capaz de erguer-se sobre sua dor e de
grupos e povos que não somente superaram suas próprias dificul- tomar uma atitude significativa em relação a ela”,
dades, mas que por meio dessa atitude acabaram por ajudar a trans- escreveu Viktor Frankl (A Vontade de Sentido
formar a sociedade em que viviam e, dessa forma, moldar o próprio [Paulus, 2011], p. 96). Por meio do “poder oposi-
curso da história. tor do espírito humano”, o Homo Patiens é capaz
de saber sofrer e transformar seu sofrimento em
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA uma conquista.
Na psicologia, o psiquiatra e neurologista Viktor Emil Frankl (1905- A grande chave para a mudança de perspectiva,
1997) foi quem ofereceu uma das maiores contribuições sobre a que permite ao indivíduo essa transformação, é
capacidade humana de suportar e superar o sofrimento. Nascido a descoberta de um sentido para a vida, mesmo
em Viena e descendente de judeus, Frankl iniciou seus estudos em em meio às dificuldades. “O sofrimento, de certo
Psicologia através do contato com as ideias de Sigmund Freud e modo, deixa de ser sofrimento no instante em
Alfred Adler. Posteriormente, seguiu seu próprio caminho e criou que encontra um sentido, como o sentido de um
a Logoterapia, também conhecida como Psicologia do Sentido da sacrifício” (Em Busca de Sentido, p. 137). A inca-
Vida. Segundo a proposta de Frankl, o ser humano sempre pode pacidade de encontrar um sentido leva a pessoa
conferir um sentido à sua existência e, ao fazer isso, tende a levar ao vazio existencial e, consequentemente, à con-
uma vida mais equilibrada e a superar as adversidades. dição de desespero, que seria justamente a expe-
Em 1942, juntamente com a esposa e os pais, Frankl foi preso riência do sofrimento sem um sentido.
pelos nazistas e mandado para o campo de Theresienstadt, ao norte Vale lembrar que essa possibilidade humana
de Praga. A partir desse momento, sentiu-se desafiado a colocar em não significa que devamos buscar o sofrimento, ou
prática suas tenras ideias sobre a natureza humana, ao iniciar uma que uma vida com sentido seja possível somente

0 R e v i s t a A d ve n t i s t a // Abril 2020 13

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