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O GESTO DO VÍDEO

VILÉM FLUSSER
uma teoria dos gestos para Flusser seria uma teoria engajada, antiacadêmica (subvertedora da estrutura
científica institucionalizada) e recorreria aos métodos das ciências ditas “exatas”. Se essas seriam as
“características que marcarão provavelmente toda uma série de disciplinas do futuro imediato”, pode-se
dizer que segue justamente por esse caminho a proposta de Marisa Rius e Rían Pola (2012, p.15) de uma
pedagogia em espiral, na qual os sentidos mesmo de disciplina e de pedagogia são torcidos e retorcidos.
Fazendo isso, o que se quer é gerar

uma comunidade crítica de estudantes e acadêmicos interessada em desordenar o que sabe e como sabe o
que sabe. Esses giros, torções e torceduras têm que ver com a emergência da teoria como um dispositivo
capaz de intervir nos cenários socioculturais e tornar visíveis os meandros do poder que ordenam
hierarquicamente os sujeitos, suas vozes e exigências (RIUS; DE LA POLA, 2012, p.15).
A hipótese da série de ensaios é a observação de gestos que permitem ler a
maneira a qual gesticulamos o mundo.

Várias modificações dos gestos atuais tornam legíveis as modificações existenciais


que se processam atualmente.

"O gesto pelo qual o vídeo está sendo manipulado é parcialmente modificação de
gestos tradicionais, e parcialmente gesto de tipo novo."

O vídeo é um instrumento, objeto produzido para servir um propósito.

é bom para.
Para Flusser, o propósito está dentro do instrumento e o instrumento está
informado por ele. Mas nem por isso, deixa de ser objeto e este é o problema.

"que é isto e que deve ser feito com isto?"

Em instrumentos tradicionais, aos quais estamos acostumados, o aspecto problema


do objeto está encoberto pelo costume.

ex: a cama não provoca essa pergunta, serve para deitar, po mala debaixo, esconder dinheiro e etc.

Mas, quando o instrumento é recente, o seu aspecto problemático transparece.

Por isso que: INSTRUMENTOS NOVOS FASCINAM.


A fita e o monitor são, cada qual à sua maneira, espelhos. Espelhos sonoros.

"A visão oferecida pelo monitor e pela fita visível nele é radicalmente diferente da visão
oferecida pelos espelhos clássicos, e revolucionariamente nova. ... tal visão subverte, pela
sua sonoridade, seu eixo de reflexão e sua luz, os nossos conceitos tradicionais de reflexão
da realidade."
O gesto do manipulador do vídeo é o gesto de quem manipula a linearidade do
tempo. De quem sincroniza a diacronia. E gesto de composição como é o do
músico.

O manipulador do vídeo não faz sinfonias, mas sincinesias. A matéria prima não é,
como é a do músico, a linearidade sonora, mas a linearidade histórica. O vídeo
provoca gestos pós-históricos: gestos que não agem de dentro, mas sobre os
acontecimentos, mas para sincronizá-los.
O vídeo é instrumento fascinante por permitir que se descubra virtualidades
latentes que se desvie do propósito inicial pelo qual foi produzido. Por certo: o
vídeo permite que a manipulemos com gestos pretendidos pelos que opuseram
em nossa circunstância para manipular-nos.

Em tal caso, os nossos gestos serão reveladores de existências culturalmente


determinadas, no sentido de obedientes a determinados modelos de
comportamento. Mas, por se tratar de instrumento recente, o vídeo permite
também que o manipulemos com gestos radicalmente novos.
Gestos é o último livro publicado por Flusser (2014) já no início da última década do
século passado, pouco antes de sofrer o fatal acidente em Praga, não se deve
perder de vista que ele esteve em meio a uma teoria dos gestos desde,
provavelmente, a década de 1970, quando se exilava na Europa após seu período em
terras brasileiras.

Vale ressaltar que foi muito antes, portanto, de Agamben começar a desenvolver
suas reflexões políticas tendo os gestos como seu eixo central. Além disso, suas
reflexões sobre os gestos seguem concomitantes com as reflexões sobre a técnica
e a comunicação, como um braço ou mídia possível sobre como pensar o mesmo
segundo outra constelação de conceitos – outra mídia, linguagem ou plataforma do
pensamento – daquilo pelo que ficou mais famoso.
Sabemos disso porque, entre outros motivos, em 1974, Flusser gravou um vídeo
com Fred Forest em que, falando sobre a ideia de uma teoria geral dos gestos, faz
gestos para uma câmera que responde os gestos (VILÉM, 1973).

Tal resposta gestual do aparelho faz com que Flusser por sua vez responda aos
gestos da câmera que responderam aos seus gestos, em uma dança infinita ou em
um devir-câmera de Flusser e um devir-Flusser da câmera.

Estando a teoria dos gestos relacionada intimamente com sua teoria da


comunicação, fica sempre aquém ou além das ciências tradicionais e suas
explicações, estranhamente relacionada com a liberdade e com o ritual, realizando,
assim, uma conexão íntima e estranha entre religião e ciência.

https://www.youtube.com/watch?v=D-wgvM2l86E
https://www.youtube.com/watch?v=N5Z1uKKiGuM

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