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A Colheita

Capítulo I - Os primeiros casos

Era notória a inquietude de Laura, mexia os pés, roia as unhas e olhava constantemente na
direção da porta. No entanto, Júlia, a única outra pessoa presente naquela sala, parecia não
perceber o estado da amiga e falava sem parar de como havia sido boa a sua viagem à
praia no último final de semana.

Júlia era uma daquelas pessoas que não chamava muita atenção, fisicamente não
possuía qualquer atributo excepcional e sua inteligência também não contribuia para
agregar-lhe valor ao conjunto da obra. Talvez por isso já estivesse acostumada a falar sem
parar com pessoas que não davam-lhe qualquer atenção.

— Daí nós fomos comer numa barraca de lanches na beira do mar e você acredita que o
vendedor jogou o plástico de proteção do canudo por cima do balcão, bem na areia?! —
gesticulava freneticamente enquanto falava, revirou os olhos em descontentamento com o
que acabara de narrar e não tomou mais que uma curta tragada de ar, antes de prosseguir.
— Eu não sabia se matava a minha mãe por ter pedido um canudo ou se esganava aquele
estúpido.

Como se toda sua inquietude houvesse se dissipado no ar, Laura pôs-se de pé a encarar a
porta de vidro, parecendo olhar para algo além. Júlia interrompeu o seu monólogo
abruptamente e ficou a observá-la e antes que tivesse a chance de prosseguir com a
ladainha, Laura virou-se e caminhou em sua direção à firmes passos.

— Acabou, querida! — disse ela gentilmente, levando a mão ao ombro da colega tagarela e
lhe fazendo um afago. — Não precisa mais se preocupar com nada, apenas relaxe.

Júlia ficou apenas com a boca entreaberta e cenho franzido, piscando os olhos sem parar.
Parecia procurar em sua mente uma explicação para esse comportamento tão bizarro de
sua amiga e sequer percebeu que ela havia deixado a sala. Quando finalmente se deu
conta de que Laura já não estava ali, tratou de levantar-se, pegar seus pertences e segui-la.

Ao alcançar a porta, colocou a mão na maçaneta, foi quando veio-lhe à mente que sua
amiga lhe disse que deveria relaxar. Não soube ao certo o motivo, mas foi exatamente isso
que fez antes de cair morta.

O policial que liderou as investigações, umas três horas após o ocorrido, escreveu em seu
relatório que a garota tinha um sorriso estampado no rosto, uma expressão perfeita de
felicidade, o que o deixara de certa forma incomodado, pois enquanto analisava a cena do
crime não pode deixar de perceber que havia uma outra garota do outro lado da rua que
ostentava exatamente a mesma expressão. Tentou chegar até ela, mas por trás da imagem
de um carro veloz que havia cruzado o caminho entre ambos, a garota desapareceu.

Já era manhã do dia seguinte e o investigador chefe estava sentado em uma poltrona, no
hall da delegacia. Havia passado a noite naquele lugar, sozinho, com a cabeça fervilhando
de pensamentos que sequer conseguia organizar. Sentia-se em um estado de transe, tanto
que não percebeu quando Antônio, um detetive baixinho e desengonçado que já beirava os
cinquenta, entrou com um grande copo de café e sentou-se ao seu lado.

Antônio sempre era o primeiro a chegar, pois morava em outra cidade e seu transporte o
deixava na porta da delegacia uns quarenta minutos antes do horário do expediente. Devido
a surpresa de encontrar alguém tão cedo e dá necessidade que o solteirão tinha de se
comunicar, iniciou uma conversa animada e confusa, sobre diversos assuntos aleatórios
que incluía o clima, esportes, colegas de trabalho e uma verruga que havia aparecido em
seu dedo, umas semanas antes.

O investigador chefe, que até então parecia um tanto ansioso, encarava as grandes portas
duplas da delegacia, quando de repente acalmou-se, pôs-se de pé e ficou observando
alguma coisa distante através do vidro. Virou-se abruptamente, caminhou à firmes passos
até Antônio e disse:

— Acabou, meu amigo!

Capítulo II - Uma comunidade unida

— Trinta e seis pessoas mortas, Carlos! Trinta e seis!


— berrava, Magalhães, o prefeito de Vitória régia.

Demonstrava todo o descontentamento que estava naquele momento com o seu secretário
de segurança. Não por estar preocupado com as pessoas de sua cidade, obviamente não,
mas pela sua imagem que estava indo a cada dia de mau à pior.

À princípio eram apenas simples mortes. Sem quaisquer explicações, claro, mas ainda
assim sem ligação alguma entre elas. No entanto, o idôneo Dr. Branco, legista da cidade,
havia percebido uma semelhança perturbadora entre alguns dos seus"clientes" quando
esses ainda somavam um total de seis.

Todos, além de não apresentarem qualquer alteração física que justificasse o óbito,
ostentavam um pomposo sorriso no rosto. Todos tinham uma expressão de felicidade
genuína, como se estivessem extremamente satisfeitos no momento que partiram e bastou
que ele dissesse isso numa entrevista para um blog de notícias local para logo começarem
os boatos.

Seis meses depois da famigerada entrevista e mais trinta mortes, a cidade estava um caos.
Histórias de todos os tipos surgiram em torno da bizarra situação. As familias das vítimas
não encontravam paz com todos os repórteres e curiosos que faziam questão de
assediá-los constantemente, além de passarem a ser tratados com discriminação pelos
conhecidos.

Dona Marta e dona Maria, duas senhoras gêmeas sexagenárias e de grande influência na
comunidade, pelos seus constantes serviços em ações evangelisticas da igreja, fizeram
questão de compartilhar com todos os presentes, em uma reunião da igreja, as suas
convicções quanto aos fatos que afligiam a cidade.
Para as irmãs tudo aquilo só estava acontecendo às famílias dos pecadores. Pessoas que
haviam cometido algo terrível em algum momento das suas vidas e que não haviam sido
punidos devidamente, logo lhes era devido tal castigo divino.

Dona Angelina, a mãe de uma jovem chamada Júlia, que aparentemente teria sido a
primeira vítima, em discordância às gêmeas, às quais agora haviam passado a pregar sua
tese em praça pública, distribuído panfletos e acumulando uma quantidade significativa de
colaboradores, achou de se manifestar contra o abuso que presenciava e foi apedrejada até
quase morrer.

A polícia estava utilizando todos seus recursos para protejer as famílias das vítimas, que
começavam a sofrer ameaças, alguns deles inclusive já haviam deixado a cidade. Outra
parte do contingente atendia os chamados corriqueiros, os quais tinham aumentado
subitamente nas últimas semanas.

A delegada, Michele Silva, nova no cargo, estava pressionada tanto pela população e mídia,
quando pelo prefeito, os quais cada um desses, surpreendentemente, tinham prioridades
diferentes. Ela já havia colocado todos os seus investigadores em campo, os quais
somavam um total de dois. De acordo com o número de habitantes da cidade o correto
seriam oito, no entanto, devido a uma brecha na lei orçamentária, o prefeito descobriu que
poderia segurar os concursos públicos caso não houvesse verba suficiente para
determinado setor, logo ele só precisava desviar parte da verba e assim manter a cidade
funcionando "só no cheiro do combustível".

Devido a isso a delegada precisava desdobrava-se em seis, que além de também investigar
os tais bizarros episódios, consistia em atender os repórteres, comparecer as inúmeras
reuniões do prefeito, cuidar dos outros casos de crimes que ocorriam na cidade, transportar
criminosos ao presídio estadual, e cuidar da filha de seis anos sozinha, pois o pai as deixara
há um ano e não havia dado mais notícias desde então.

Hoje em especial estava sendo um dia tranquilo. O prefeito ainda não havia ligado, a
pequena estava na escola, não haviam repórteres na entrada da delegacia e nenhum crime
havia sido reportado até então.

Michele aconchegou-se em sua cadeira, puxou uma pilha de documentos que estavam
guardados na gaveta da sua mesa e começou a assiná-los.

"Enquanto descanço, carrego pedras" pensou.

Uns vinte minutos depois, quando já começava a sentir-se bem, assinando sua papelada e
ouvindo Coldplay, entrou na delegacia uma garota magra e alta, com um vestido branco e
leve. Ela dirigiu-se ao escrivão Romero e colocou a mão em seu ombro. Era possível ver
que lhe dizia algo, mas não conseguiu ouvir, pois sua porta estava fechada.

Levantou-se ao mesmo tempo que a garota deixou a delegacia, começou a andar em


direcção a porta, pois pretendia perguntar a Romero se havia sido alguma denuncia, foi
quando ele a encarou e com um largo sorriso caiu para trás.
— Romero! Romero! Porra! — atrapalhou-se na porta, que estava com a tranca colocada e
quase a derruba antes de conseguir abri-la.

Lançou-se ao lado do amigo, que permanecia sorrindo e verificou que não respirava, mas
que lhe restava algum sinal de pulsação.

Michele era muito forte e Romero pequeno e magricela, logo foi fácil para ela erguê-lo e
partir em busca de ajuda. O jogou numa viatura e saiu em velocidade para o hospital.

Mal saiu do bairro e chocou-se violentamente contra uma caminhonete em um cruzamento.

Tentou manter-se acordada, mas não conseguiu. A última imagem que viu foi Romero ao
seu lado, com olhar congelado e um sorriso tranquilo estampado no rosto.

Capítulo III - Persona non grata

Seis meses antes do caos se instaurar por completo na cidade de Vitória régia, Anna estava
em uma jornada de introspecção em um templo no Tibete. Por esse motivo apenas soube
da morte da sua irmã mais nova, Júlia, quase meio ano depois do ocorrido.

A terrível notícia veio-lhe quando pegou seu celular de volta de um cofre no aeroporto, o
qual havia guardado no início da sua viagem.
Fez isso pois pensou ser a melhor escolha, já que buscava distanciar-se de todos para
assim alcançar o seu tão almejado crescimento espiritual.

Agora a ideia que outrora lhe pareceu perfeita, havia se tornado o seu mais profundo
arrependimento.

Sentia-se muito mal, pois além do triste fato da sua irmãzinha agora estar morta, ela não
poderia sequer se despedir devidamente dela.

Ao chegar de volta ao Brasil, ainda no aeroporto da capital do estado, teve um


desentendimento com um segurança, que insistia em revistar sua bagagem
minuciosamente, fazendo-lhe repetidas perguntas sobre uso de dorgas e suas tatuagens.
Anna tinha ambos os braços repleto delas, uma na nuca e várias outras as quais não se
mostravam sob a luz do sol.

- O que você tá querendo insinuar, com isso? - indignou Anna. - O que as minhas tatuagens
têm a ver com essa merda toda?

- É melhor a senhora abaixar seu tom de voz!

- Eu falo do jeito que achar melhor, meu senhor! - esbravejou ela, com ainda mais vigor. - E
exijo a presença de alguém da administração, agora mesmo. Isso que você tá fazendo é
abusivo e discriminatório, sabia?!

- Se, a senhora insistir em prosseguir com o desacato, eu serei obrigado a detê-la!


Nesse instante uma policial passou em frente à sala e imediatamente Anna lhe pediu ajuda.
A militar entrou andando devagar, mal olhou Anna nos olhos e logo desviou sua atenção às
tatuagens.

- O que está acontecendo aqui? - perguntou ela, dirigindo-se ao segurança.

- Essa cidadã é suspeita de tráfico de drogas e está se recusando a cooperar.

- Seu filho da puta, mentiroso do caralho! - Anna ergueu a mão, apontando para o
segurança e quase que imediatamente teve o braço torcido pela policial militar.

- Muito bem, a senhora está sendo detida!

- Ô mulher, é sério isso? - indagou Anna, encarando-a atônita. - Tu tinha a obrigação de me


defender, porra!

- Não defendo bandidos, moça! - retrucou ela entredentes, fechando as algemas e


apertando-as bem forte.

- Bandido?! Bandido?! - continava Anna inconformada, enquanto era conduzida


truculentamente pelo saguão do aeroporto, em frente à dezenas de pessoas que a
encaravam com olhares de reprovação. - É foda, viu!

Foi detida umas onze horas da noite e foi largada numa salinha, com apenas duas cadeiras
e uma mesa no centro. Ficou esperando que alguém aparecesse por uma seis horas
seguidas. Sentiu sede, vontade de ir ao banheiro, dores no corpo e sono, mas não havia
nada que pudesse fazer.

Quando finalmente um policial apareceu, soltou-lhe as algemas, a conduziu para fora da


sala e depois de entregar-lhe seus pertences, disse:

- Pode ir, tá liberada.

- Como é? Eu posso ir embora, assim?

- Você prefere ficar presa?

- Claro que não, mas... Escute aqui! Eu vou fazer uma denúncia quanto a isso! Você tá me
entendendo?

- Faça o que achar melhor, moça. Agora vá embora, tenho trabalho a fazer.

- Ai, que ódio!

Saiu da delegacia pisando forte, meio sem rumo ainda. Depois de algumas calçadas parou,
respirou fundo, pegou o celular e pediu um carro de aluguel por um aplicativo.
Não mais que uns dez minutos depois chegou um rapaz, dirigindo uma picape Frontier prata
e buzinou acenando em sua direção.

- Foi a senhora que pediu um carro de aluguel?

Tragando-se mutuamente com um cigarro, Anna se engasgou com a fumaça, quando viu o
tamanho do veículo.

- Sim, pedi um carro, não um caminhão, meu filho.

- Eu sei, senhora, mas infelizmente o modelo que pediu já não estava mais conosco, desde
ontem. Porém tenho certeza que irá apreciar esse e não pagará nada a mais por ele.

- Tá, tá... Me dá essas chaves, aqui.

Tomou as chaves da mão do rapaz num tranco e entrou no carro, batendo a porta com
violência. Imediatamente sentiu-se mal pelo que acabara de fazer e logo tratou de
corrigir-se.

- Me desculpe moço, é que eu não estou tendo um dia muito bom.

- Tudo bem senhora, nem se preocupe. Faça uma boa viagem.

- Obrigada! Tenha um bom dia.

- Bom dia pra senhora também!... puta (sussurrou ele).

Anna já havia dado partida no carro, porém pôde ouvir o xingamento. Respirou fundo, sorriu
e pensou, "bom, estamos quites".

O carro realmente era ótimo e não havia levado mais que uma hora e meia para chegar em
Vitória régia.
Estava ligando para sua mãe, mas estranhamente ela não atendia ou retornava as ligações
desde o dia anterior. Começava a se preocupar.

"Esse telefone está desligado ou fora da área de cobertura, por favor tente novamente mais
tarde"

- Ora merda, qual é a dessa jóssa?! Não tá nem chamando mais!

Sem querer derrubou o celular no piso do carro e abaixou-se para pegá-lo. Enquanto
procurava com a ponta dos dedos, ouviu o ronco alto do motor de um veículo se
aproximando com muita velocidade e quando ergueu-se não foi capaz de fazer nada, pois
imediatamente chocou-se de frente com ele.

cleck, clack, cleck, clack, cleck...

- Aaaa... Ah, meu deus! - resmungava Anna, enquanto tentava soltar o sinto de segurança.
fommmm...

- Uma viatura, meu deus?! - exclamou, segurando os cabelos para trás entre os dedos. -
Agora eu me lasquei de vez!

No banco do motorista do outro carro havia uma mulher negra, de uns trinta e poucos anos,
desmaiada e pressionando a buzina com a cabeça. No banco do caronas, um cara magro,
com uns quarenta e poucos anos e uma expressão estranha estampada numa face vítrea.

Voltou ao seu veículo às pressas, pegou o celular debaixo do banco e pressionou a tecla
"power" repetidamente.

"Serviço de Emergência, em que posso ajudar?"

- Preciso de ajuda médica, com urgência, por favor!

"Ok! Aguarde só um instante, por favor."

"Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, em que posso ajudar? "

- Oi, eu me envolvi em um acidente de trânsito, aqui... Aqui... Meu deus, eu nao sei o nome
dessa rua?

"Senhora?... Senhora?

- Oi? Oi, tô aqui!

"A senhora, pode me informar quantas pessoas estão envolvidas nesse acidente? "

- Sim! Duas!.. Espera, três, comigo três, mas eu estou bem, eu acho?

"Senhora, agora preciso que me escute com atenção. A senhora vai afastar o telefone do
ouvido e olhar para a tela, eu irei enviar uma mensagem via USSD, solicitando sua
localização. Basta confirmar o envio e aguardar a nossa equipe. E por favor, peço que
aguarde a chegada da ajuda no local e que não execute nenhum procedimento com os
feridos, caso não seja habilitada à fazê-lo. Tudo bem?"

- Tudo bem, tudo bem. Estou aguardando.

"Pronto, já pode olhar para a tela do seu celular agora, senhora."


Capítulo IV - HMVR

O hospital municipal de Vitória régia seguia na correria de sempre. Com um quadro de


funcionários sempre em deficit e recursos escassos, trabalhar no HMVR era um exercício
constante de descoberta de novas habilidades de improviso.

Anna aguardava atendimento sentada em uma cadeira enferrujada, fazia uns quarenta
minutos, enquanto Michele havia sido levada lá pra dentro desde que chegaram.

Começava a perder a paciência e sentiu vontade de ir embora, pois sentia-se bem e não
havia sofrido nenhum dano, além de um pequeno corte na teste o qual já havia sido tratado
devidamente pelos paramédicos. O problema é que estava certa que teria que ser
interrogada pela polícia, por ter se tratado de um acidente. Só esperava que não quisessem
lhe culpar pelo ocorrido, pois se assim fosse ela estaria muito ferrada.

Viu que os paramédicos não deram mais atenção ao homem do banco de caronas, depois
que verificaram seus sinais vitais e ele não havia vindo com ela e a outra mulher na mesma
ambulância, logo concluiu que ele estava morto.

- Seu sobrenome é Faust? Anna Faust

Perguntou uma enfermeira corpulenta, enquanto olhava para uma ficha de prontuário, com
uma expressão um tanto intrigada.

- Sim, Anna Eleanor Faust.

- Você conhece dona Angelina Faust?

- Conheço sim, é a minha mãe. - falou já levantando-se da cadeira. - O que há com ela?
- É que estou vendo aqui que ela foi internada há dois dias, na unidade de tratamento
intensivo - falava a enfermeira, enquanto lia o as informações do prontuário. - Deu entrada
com múltiplas fraturas e um edema cerebral.

- Ah, meu deus! Meu deus! Como isso aconteceu?!

- Acho que seria melhor a senhora falar com a polícia

- Não fui eu que causei essa merda desse acidente, foi aquela policial que estava dirigindo
como uma louca! Eu quero saber o que aconteceu com a minha mãe, moça...

- Ei, ei, ei! - interpôs-se a enfermeira, impedindo Anna de prosseguir em seu desabafo. -
Estou falando que o caso da sua mãe está relacionado à um crime e que você deve se
informar com a polícia para saber dos detalhes.

- Um crime?! - Anna mordeu os lábios, enquanto duas grande lagrimas desceram-lhe rosto
abaixo.

- Você quer vê-la?

- Sim, sim, por favor. - respondeu exugando as lágrimas e pegando sua bolsa prontamente.

Enquanto seguia a enfermeira pelos corredores do hospital, Anna avistou Michele de


relance, sentada numa maca, com um soro preso ao braço. Estava com a cabeça baixa e
parecia ter chorado.

Sentiu-se triste por ela.

Um pouco depois chegaram ao leito que a sua mãe estava e não pode conter-se ao vê-la
daquele jeito. Tentou segurar as lágrimas e logo pediu para ficar a sós com ela, desabando
assim que a enfermeira deixou o quarto.

Lamentava por ter sido tão idiota e ter optado por ficar longe das pessoas que amava. Havia
perdido sua irmãzinha querida e agora podia perder sua mãe.

Depois de uns cinco minutos a enfermeira voltou e lhe disse que ela precisava sair. Andou
pelo corredor de volta a sala onde estava, porém não pensava muito no que estava
fazendo. Sentia-se perdida, sem chão.

- Eu não vou ficar aqui, já disse que estou bem! - trovejou Michele, saindo abruptamente do
quarto onde estava e chocando-se contra Anna, novamente.

- Nossa!.. Desculpe moça, eu... - Ah! É sério isso?! Você vai continuar aparecendo na
minha frente, do nada?

Anna ficou parada por um tempo, olhando fixamente para Michele, ainda com os olhos
marejados e o pensamento distante. Até que voltou à si e disse, com uma voz rouca:
- Me desculpe.

Michele pareceu ter ficado desconcertada pela atitude da moça e entre um balbuceio e
outro, também se desculpou. Apanhou seu telefone que havia caído e voltou a falar com
Anna.

- Você está bem? Se machucou no acidente?

- Não, não. Nada sério, apenas isso - disse apontando para o curativo na testa. Fez uma
pausa e olhou para baixo, antes de continuar. - Sinto muito pelo seu amigo, eu sinto muito
mesmo.

- Eu agradeço - puxou um cartão de dentro da bolsa e entregando a Anna, concluiu. - Agora


tenho que ir, me desculpe mais uma vez por toda essa confusão. Por favor, me ligue nesse
número que resolveremos qualquer problema relacionado aos danos do seu veículo.

- Ei, espere! Você é policial, não é? Posso te fazer umas perguntas?

- Importa-se em fazer sua perguntas enquanto anda comigo? Tenho que buscar minha filha
na escola e já estou atrasada.

- Ah, claro que não - respondeu Anna, apertando o passo para acompanhá-la no ritmo da
caminhada. - Você sabe me dizer o que exatamente foi que aconteceu com a minha mãe?
Angelina Faust.

- Então você é a filha mais velha? - disse Michele com surpresa, olhando para Anna uma
vez mais. - Sinto muito pelo que está acontecendo na sua família. Veja, de acordo com as
testemunhas, ela foi agredida por alguns fanáticos que estavam fazendo algum tipo de
manifestação na praça do centro da cidade. Ainda não estou bem a par a situação, pois
estamos passando por momentos difíceis, como você já deve estar sabendo.

- Não, não estou sabendo de nada. Pra falar a verdade, acabei de chegar ao país, estive
incomunicável por quase seis meses.

- Nossa! Esteve presa?

- Tava demorando! - Anna fez uma expressão de desânimo. - Ter tatuagens não é sinônimo
de ser bandido, sabía?

Michele parou abruptamente, virou-se para Anna a encarando sem expressar qualquer
reação e puxou a linha do decote da regata que vestia por baixo de uma camisa de botões
aberta, mostrando seu peito quase que completamente. Sua pele também era coberta por
inúmeras tatuagens.

- Nossa! Mas que belos... desenhos!

- Ok. Pra ver mais que isso, tem que me levar pra uma noite de vinho e sushi - disse
Michele rindo, enquanto fechava os botões da blusa.
- Bom saber... - completou Anna, desviando o olhar e assumindo um tom enrubescido nas
bochechas.

Continuando a conversa, Michele contou a Anna breveme sobre as misteriosas mortes que
estavam ocorrendo na cidade e que a sua irmã, Júlia, provavelmente teria sido o primeiro
caso.

Enquanto Anna tentava acomodar tanta informação bizarra em sua mente em tão pouco
tempo, elas chegaram ao balcão da recepção, onde Michele pediu para assinar o termo de
responsabilidade da sua saída.

- Me dê o prontuário dela, eu também vou assiná-lo.

- A senhora não pode assinar pela saída de outra pessoa - retrucou a recepcionista.

- Eu sou a delegada Michele Silva - disse mostrando o seu distintivo - e essa mulher está
sob minha custódia.

- Peraí, cê vai me prender?!

Michele fez um sinal com a mão, por baixo do balcão, mandando Anna ficar quieta.

Enquanto a enfermeira acessava os prontuários num tablet e os entregava a Michele, uma


médica esguia chegou do lado, pedindo a recepcionista os registros de uma paciente e
chamou atenção pela sua altura, pois aparentava ter quase uns dois metros.

A médica começou uma conversa com a outra mulher enquanto lia um prontuário e em
certo momento desabafou.

- Com essa somam trinta e sete pacientes que recebo com o mesmo quadro. Eles não
reagem a nada, estão bem fisicamente, porém simplesmente não reagem a nada. É como
se não estivessem aqui. Fossem apenas cascas vazias, sabe?

- Você disse trinta e sete? - perguntou, Michele.

- Sim, exatamente - respondeu a doutora, parecendo um pouco desconfortável com a


intromissão.

- Ah, me desculpe - apressou-se Michele em se apresentar, extendendo a mão. - Eu sou a


delegada da cidade, Michele Silva.

- Olá Michele, muito prazer, eu sou Ruth Branco, psiquiatra aqui no HM. Como posso
ajudá-la?

- Estou em uma investigação, doutora e se possível, gostaria de obter algumas informações


sobre esses seus pacientes. Se possível, é claro.
- Veja delegada, profissionalmente há impedimentos quantos a liberação de informações
sobre meus pacientes, como a senhora bem sabe. No entanto, se é importante para sua
investigação, estou certa que não terá problemas em conseguir um mandado.

- Claro, claro, doutora, eu compreendo e vou tratar de conseguir o tal mandado - disse
Michele, sorrindo e tentando ao máximo ser agradável. - Mesmo assim, correndo o risco de
ser muito insistente, poderia me dizer se essa sua última paciente seria uma garota magra,
usando um vestido leve?

A doutora Ruth ficou parada alguns segundos, olhando Michele bem dentro dos olhos e por
fim falou:

- Delegada, consiga o mandado!..

Em seguida pegou uns papéis em cima do balcão e se retirou, no entanto ao passar por
Michele, a olhou meio de lado e falou baixinho, "e sim, ela tem essa aparência".

Ao sair do hospital, Anna começou a questionar Michele, sobre qual relação ela achava que
havia entre esses tais pacientes e os que morreram misteriosamente. E quem era essa
garota de vestido, a qual ela tinha interesse em saber.

- Me diga Anna, o que você quer aqui na cidade? - perguntou Michele, voltando-se para
Anna e segurando a maçaneta de uma viatura, dirigida por um policial militar, o qual parecia
já estar aguardando por ela. - Veio apenas ver a família ou pretende investigar o que
aconteceu com a sua irmã?

- Caso eu pretenda investigar, você vai querer me impedir?

- Na verdade ia lhe pedir ajuda - respondeu a delgada, sorrindo. - O que acha, vamos
trabalhar juntas, nisso?

- Claro que sim! Só me diga o que devo fazer.

- Comece tentando descobrir se há alguém que fosse próximo da sua irmã e que tenha sido
internado em alguma clínica psiquiátrica, recentemente.

- Sim, senhora! - respondeu Anna, fazendo sinal de continência, enquanto a viatura partia,
com Michele sorrindo pra ela.

Mal havia passado do meio dia e Anna já estava exausta. Tanta coisa aconteceu em tão
pouco tempo, que a cabeça dela estava fervilhando com tantas informações.

Acessou um aplicativo transporte e solicitou uma corrida para sua casa, enquanto esperava
acendeu um cigarro e ficou parada em frente ao hospital olhando em volta, procurando ver
um Cobalt branco, porém não fazia ideia de como era esse tipo carro.
Foi quando viu, do outro lado da rua, um homem magro, de meia idade, vestido em um
terno preto e segurando um livro na mão, a olhando fixamente. Ficou paralisada por um
tempo, olhando o estranho, se perguntado se ele realmente estava olha do para ela.

- Olá! - acenou um motorista de um Cobalt branco, em sua frente. - Vamos?

- Oi, sim, sim... - disse absorta, entrando no veículo.

Enquanto o carro partiu, viu que o homem de terno ainda estava lá e não havia movido um
músculo senão para manter-se olhando em sua direção, de repente juntaram-se outros dois
à ele, vestidos da da mesma forma e também olhando todos em sua direção.

Um arrepio lhe subiu à espinha.

Capítulo V - A fábrica

Meia hora depois de ter chegado em casa e perceber que sua bagagem havia ficado no
carro que se envolvera no acidente e junto com ela suas chaves. Anna xingou, sentou-se no
chão por um tempo, pensou em ligar para Michele, mas findou por arrobar a porta dos
fundos com a ajuda de uma pá, que estava no quintal.

Sentia-se muito cansada, então tratou de tomar um banho quente e por umas roupas mais
confortáveis.

Com uma caneca de leite morno, foi caminhando até a porta do quarto de Júlia e deteve-se
ao tocar à maçaneta. Pensando como nada daquilo parecia real. Como se convencer de
que jamais veria a sua pequena louquinha, novamente?

Sorriu lembrando de como Júlia costumava falar sem parar e que muitas das vezes sequer
prestava atenção no que ela estava dizendo, mesmo assim sorria e afirmava alguma coisa
aleatória.

"Desculpe minha garotinha, devia ter lhe dado mais atenção. Eu sou mesmo uma idota!"

Por fim tomou coragem de entrar. Ficou parada no meio do cômodo, olhando para todas as
coisas à sua volta. Tudo estava como deveria estar, até havia certa bagunça, nuns livros em
cima da mesa de estudos.

Foi até a cama, puxou as cobertas e deitou-se, enrolada nelas. Chorou até cair no sono.

Do outro lado da cidade, na escola de ensino fundamental Maria Montessori, Michele


atravessava a rua correndo, de volta para a viatura, quando seu telefone tocou.

- Alô! - atendeu ofegante.

- Oi, Michele, é Anna. Desculpe já estar te ligado, mas você sabeira me dizer onde posso
encontrar o meu carro? - deu uma pausa, pois pensou tê-la ouvido falando ao fundo com
outra pessoa.
- Michele?

- Oi, Anna, me desculpe, mas não posso te ajudar agora - falava ofegante. - Acabaram de
sequestrar a minha filha!

Ah, meu deus, Michele! Sinto muito - disse sentindo-se aflita. - Por favor, me diga se posso
fazer algo para ajudá-la.

- Desculpe Anna, mas tenho que desligar.

Michele tomou as chaves da viatura da mão do policial militar e saiu com o carro, o
deixando lá plantado.

Chegou na delegacia, correu até a sua sala e começou a tentar abrir uma gaveta na sua
mesa, porém estava trancada de chave.

Puxou a arma da cintura, destravou, encostou o cano em cima da mesa, na posição que
ficava a fechadura e disparou duas vezes seguidas. Um policial apareceu assustado, mas
logo percebeu o que a delegada havia feito e vendo que ela não estava para conversa,
optou por não falar nada.

De dentro da gaveta ela tirou seu celular pessoal, o outro que carregava era o da delegacia,
acessou um aplicativo de rastreamento, clicou em cima da foto da sua filha e uma tela de
transição carregou por algum tempo. Logo apareceu um mapa com um ponto azul e um
vermelho em movimento.

Pegou mais um carregador de nove milímetros e voltou correndo para o carro. Saiu
cantando pneus.

Sabia para onde estavam se dirigindo, uma antiga fábrica de produtos alimentícios,
desativada há mais de vinte anos.
Conhecia bem o lugar, pois não havia mais que alguns meses que cuidou de um caso de
suicídio coletivo lá.

Três pessoas haviam cortado os próprios pulsos e foram encontradas caídas em volta de
um desenho estranho no chão, o que pareceu ser algum tipo de ritual religioso.

Chegou na frente da antiga edificação, saltou do veículo e correu portões adentro sem
hesitar. Segurava o celular com uma mão, verificando sempre a localização do ponto
vermelho com relação a sua e mantinha a arma levantada na outra.

Mesmo sendo dia a medida que entrava no prédio ficava cada vez mais escuro, por isso
tratou de ligar uma pequena lanterna de bolso e a prendeu na camisa.

O lugar parecia um labirinto úmido, sujo e enferrujado. O único som que podia ouvir, além
das suas pegadas, era do vento uivando violentamente, ao passar pelas incontáveis frestas
do telhado.

Começava a sentir uma forte sensação claustrofóbica, parecia que quanto mais adentrava
naquele lugar tudo ficava mais próximo, mais sufocante.

De repente tomou um susto tão grande, que quase disparou sua arma.
Havia avistado uma figura humana no fim de um corredor, mas logo percebeu que
tratava-se de seu próprio reflexo, num espelho sujo.

Era estranho que o corredor terminasse em uma parede de espelho, mais estranho ainda
era que o ponto vermelho no seu mapa apontava naquela direção.

Guardou telefone no bolso, segurou a arma com as duas mãos e seguiu lentamente,
tentando ver se havia alguma porta rente àquelas paredes que porventura não estivesse
enxergando em meio à toda aquela escuridão.

Já bem próximo ao espelho virou-se para a direita, pois havia um relevo na parede que lhe
pareceu um alizar de porta, mas teve uma sensação estranha e lentamente voltou a cabeça
para sua imagem no espelho.
Sentiu o ar deixar-lhe os pulmões e o chão sair dos seus pés. Sua imagem a estava
encarando de volta com um sorriso no rosto.

Virou-se bruscamente, apontando a arma para o seu reflexo e ficou ainda mais surpresa
quando percebeu que ela sequer tentou imitá-la, mas manteve-se erguida, com os braços
baixos e o mesmo sorriso estampado no rosto.

- Quem quer que seja você, coloque essa arma imediatamente no chão!

- O reflexo pareceu ter entendido a ordem, porém não colocou a arma no chão, mas a
guardou de volta no coldre. Abaixou-se, sem deixar de manter os olhos nos de Michele e
tirou de debaixo da perna da calça, uma pequena faca.

Michele sabia que tinha uma faca nesse exato local e até podia senti-la apertando seu
tornozelo.

Agora sua mente sequer conseguia conjecturar como tal bizarra situação poderia estar
acontecendo e não fazia ideia de como agir.

- Abaixe essa arma, moça! Essa é a última vez que aviso.

O irreflexo ergueu a faca, colocou a ponta debaixo do olho esquerdo e com um movimento
lento e torturante cravou-a no globo ocular e o puxou para fora da órbita.

Michele sentiu uma dor tão forte em si mesma, que quase desmaiou. Levou a mão em cima
do olho e soltou um grunhido entredentes, cambaleando. Nem mesmo percebeu que havia
deixado a arma cair. A dor parecia enraizar-se pelo seu crânio até alcançar a nuca e teve
que fazer força e prender a respiração para suportar o pico e aguardar que se dissipasse.

Aos poucos conseguiu erguer-se novamente. Viu a figura que lhe era idêntica ainda de pé,
com um buraco no lugar onde ficava o olho e um lado do rosto coberto de sangue que
descia pela sua blusa.

Ela ainda mantinha-se com aquele sorriso doentio, sem demonstrar ter sentido qualquer dor
pela injúria.

Michele cambaleou alguns passos para frente e ainda ofegante e trêmula, pegou a arma no
chão.
A medida que voltava a encarar a aberração, percebeu pela periférica que ela estava
prestes a arrancar o outro olho, logo não pensou duas vezes e disparou a arma em sua
direção.

O espelho partiu-se em milhares de pedaços, fazendo um som que se assemelhava a uma


multidão de crianças gargalhando.
Dessa vez Michele sentiu uma dor muito mais forte que a anterior, parecia que sua cabeça
ia explodir. Apertando as têmporas com ambas as mão, soltou um grito estridente, que aos
seus ouvidos soou como um rugido gutural e caiu desacordada.

Capítulo VI - O resgate

Na mesa de cabeceira no quarto de dona Angelina havia um grande envelope amarelo,


aberto.
Anna o pegou e logo viu que o que estava dentro eram pertences de Júlia. Resumiam-se à
um celular e uma carteira.

Ligou o aparelho e enquanto o aguardava iniciar, deu uma rápida vista de olhos no resto.
Um lip tint, algum dinheiro, um par de cartões de crédito e uma camisinha.
"Mas, vejam só! Prevenida!"

Finalmente o celular havia iniciado e estava na tela de bloqueio. Logo de cara viu que uma
das formas de desbloqueá-lo era por impressão digital, o que não era uma opção e a outra
era um padrão de traços, em nove pontos.

Tentou algumas vezes, porém sem sucesso, parou antes que piorasse a situação.

Passou um tempo com os pertences da irmã no colo, devagando sobre várias coisas,
dentre elas como iria desbloquear aquele telefone, sem perder os dados e também sobre
como Michele estaria naquele momento.

Num rompante, saltou da cama da mãe, deixando a carteira cair e saiu correndo em direção
ao quarto da irmã.

Ligou um computador velho, que ficava em cima da mesa de estudos, o qual prontamente
iniciou o sistema operacional com um som peculiarmente conhecido e de pronto
apresentou-lhe a tela da área de trabalho.

De certo Júlia mal usava aquela velharia, então não iria se preocupar em bloqueá-lo com
senha. Agora era torcer para que ela tivesse deixado o email aberto.
"Aê, porra! Eu sou um gênio!"

Depois de seguir um passo-a-passo para desbloquear o celular, via email, o qual parecia
extremamente simples, mas que lhe tomou uma hora e meia entre tentativas e vídeos no
YouTube, ensinando como fazer, conseguiu acesso ao aparelho.

Nas últimas chamadas tinham as seguintes ligações:

Laura BFF
Mãezinha S2
Branco Odonto
Laura BFF
Pizzaria (essa é top)
Laura BFF
Vinicius MF

Os três primeiros registros estavam datados do dia a morte da sua irmã e agora sabia que a
última pessoa com quem ela havia falado tinha sido essa tal de Laura. A ligação para a
clínica odontológica era, normal, pois ela havia sido encontrada morta na sala de espera
desse lugar, pela assistente do dentista, era certo que havia sido uma ligação para
confirmar a consulta ou algo do tipo. Todas as outras ligações eram dos dias anteriores.

No whatsapp Anna foi direto na conversa com Laura, a qual estava fixada no topo das
conversas, o que provavelmente denotava a proximidade de ambas.

Depois de ler uma porrada de texto e ouvir mais um tanto de áudios que não levavam a
nada, além de conversas de adolescentes, chegou a conclusão que sua única descoberta
era que Júlia havia estado com a garota Laura, pois as últimas mensagens que trocaram
havia sido.

---------------------------------------------------------
tá combinado 22:59 ✔✔

n clínica amanhã às8h 22:59 ✔✔

Blz 👍 23:02
❤✔
---------------------------------------------------------

Pegou o número de Laura e fez uma ligação do seu próprio telefone. Chamou algumas
vezes, mas caiu na caixa postal. Fez mais três tentativas e quando já estava prestes a
desistir e tentar procurá-la pessoalmente, uma voz embargada e feminina atendeu a
ligação.

- Alô?
- Olá, Laura?
- Não... (Suspiros), eu sou a mãe dela. Quem gostaría?
- Ah, oi... É... Eu sou Anna, Anna Faust. Irmã de Júlia, colega da sua filha.
- Ah! Sei... Digo, olá Anna, sinto muito pela sua mãe, fiquei sabendo hoje cedo o que
aconteceu com ela, posso imaginar como deve estar sendo difícil pra você.
- Muito obrigado, realmente não está sendo nada fácil, mas me diga... Será que eu poderia
falar com a Laura, acho que ela poderia me ajudar a tirar uma dúvida a respeito da minha
irmã, a final elas eram tão amigas.
- Oh, minha filha, infelism... (Choro), infelismente a nossa filhinha está... Meu deus! (Choro
mais intenso seguido do som do telefone sendo colocado em algum lugar, como uma mesa.
Depois de uns cinco segundos alguém pegou o telefone e falou. Era uma voz masculina e
parecia irritado:

- Quem está falando?

- Oi, meu nome é Anna Faust, eu estou tentando falar com Laura, pois...
- Laura não pode falar com ninguém, ela está internada numa clínica psiquiátrica e sequer
come, sem que alguém tenha que ajudá-la.

- Meu deus, eu sinto muito! Mas o que foi que aconteceu com ela?

- Qual o motivo do seu interesse nisso tudo agora? Você é desprezível, sabia? - Anna até
afastou-se um pouco do telefone, pois quem estava do outro lado começou a falar bem
mais alto, quase gritando. - Sua irmã morreu há mais de seis meses e agora que você vem
dar as caras, fingindo que se importa com alguma coisa? Ora, me poupe!

Anna ouviu o som que marcava o fim da ligação e ficou ainda alguns segundos parada, sem
conseguir sequer mover um músculo. Aquilo havia sido bem grosseiro, mas ao mesmo
tempo de certa utilidade, pois tinha descoberto exatamente o que Michele lhe pedira.

Restava agora saber o que deveria fazer. Ligar para Michele ou dar-lhe um tempo devido a
situação que ela se encontrava?
Anna nunca foi de ficar muito tempo indecisa e do nada, como se jogasse uma moeda,
decidia o que iria fazer.

Fez a ligação.

- Alô, Michele? Alô?


- Abaixe essa arma, (inaudível)! Essa é a última vez (inaudível) - ouviu em um som abafado.
- Oi? Michele! Michele!
- (Som de alguém grunhindo e rastejando).
- Michele, o que está acontecendo? Por favor!
- (Disparo de arma de fogo) AAAHHHGG!!! (Baque abafado).
- Meu deus, Michele!!!

Anna gritou pela delegada mais algumas vezes, mas não obteve resposta alguma. Então
desligou e imediatamente ligou para emergência.

"Serviço de Emergência, em que posso ajudar?"

- Oi, eu preciso falar com alguém da polícia, por favor.

"Ok! Aguarde só um instante, por favor."

Tuuu, tuuuu...

"Delegacia."

- Oi, por favor, eu gostaria de informar que está havendo um possível problema com a
delgada, Michele. Eu acabei de ligar pra ela e...

"Espere, espere senhora! De que tipo de problema a senhora está falando? A senhora está
próximo da delegada?"
- Não, não! É isso que estou tentando dizer. Eu acabei de ligar para ela e... Eu acho que,
sei lá, o celular atendeu no bolso dela, ou algo assim e eu pude ouvir ela mandando alguém
abaixar a arma. Sabe? E em seguida houve um disparo.

"Um disparo de arma de fogo senhora?"

- É, né?!

"Ok, senhora. Qual o seu nome?"

- É Anna, Anna Faust.

"Muito bem... É... Obrigado pela sua ligação, eu vou tentar localizar a delegada."

- Está bem, faça isso! Obrigada.

O agente Robson Oliveira havia presenciado a delegada disparar duas vezes contra sua
própria mesa algumas horas antes e sair bem agitada, por isso levou a ligação mais a sério
do que teria feito em ocasião diferente. Tentou comunicação por ligação umas três vezes,
mas sua chefe não estava atendendo.

Correu no estacionamento e viu qual o carro que a delegada havia saído, voltou para dentro
da delegacia no mesmo pique e foi direto ao primeiro computador que encontrou. Abriu o
sistema da polícia, digitou o número da viatura e em alguns segundos obteve a localização.
Estava parada fora da área urbana. Tentou contato pelo rádio, porém não teve sucesso.

Robson não tinha experiência de campo alguma, trabalhava no arquivo de provas, mas não
havia ninguém alí que ele podesse pedir ajuda nessa missão pois, fora ele, apenas Judith,
uma escrivã que parecia ter uns noventa anos e Humberto, dos serviços gerais,
encontravam-se na delegacia.

Pois bem, pegou um coldre, meio desengonçado conseguiu vesti-lo, verificou a munição, as
armas, sua identificação e depois de um longo suspiro, saiu da delegacia e pegou uma
viatura.

Quase uma hora depois, o agente Robson encontrou Michele, caída no chão sujo de uma
fábrica abandonada. Só conseguiu realizar tal feito, por ter tido a brilhante ideia de ir ligando
para o telefone dela a medida que entrava na fábrica e assim seguiu o som de chamada
que ele emitia.

Com a ajuda de uma unidade S.A.M.U, eles a resgataram e a levaram para a ala de
emergência do HMVR.

Ela seguiu desacordada.

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