Você está na página 1de 4
CAPITULO 2 Definigao de experimento Em cigncias fisicas e naturais, a noglo de experimento esta associada a idéia de laborat6rio. Os experimentos sto realizados em laborat6rios para tentar evitar interferéncias, isto é, para isolar o fendmeno pesquisado de qualquer outra influéncia, Nesse ambiente controlado se introduz a suposta causa ¢ se verifica se 0 efeito acontece. Em algumas ciéncias sociais, como a psicologia social, também existem laboratsrios, embo 2 com muito menos freqdéncia [Em ciéncias sociais hd trés requisitos basicos para considerar que uma pesquisa é um experimento: © a introdugdo da causa, ou melhor, da varidvel independent pelo pesquis dor, A causa no acontece naturalmente;_¢ artficialmente introduzida no ‘momento decidido pelo experimentador. Observam-se, eto, quais os efei {0s produzidos. Assim nko restam vidas a respeito de qual seja a causa e qual o efeto, pois. a seqiéncia temporal € controlada pelo pesquisador. Em conseqUéneia, a grande maioria das pesquisas em-eiéncias sociais ¢ do tipo observacional, endo experimental, jé que se limitam a medit varidveis ind pendentes e dependentes tl como ocorrem naturalmente na realidade, Uma pesquisa de opinido piblica, uma andlise de registos histéricos ou adminis ttaivos, uma etnografia, um censo demogrifico nfo poderR0 nunca ser cha- ‘mados de experimentos; 2 0 controle da situagdo-experimenta, para-evitar intrferéncias. de outros fenémenos além dos pesquisados. Essa é a fungio do laboratério em cién- cins fisias e natuais. Em ciéncias sociais, esse objetivo pode ser ta alcangado através do controle da situaglo num contexto natural, o chamado 5 Ver soso, 20 was Socials CKO A AVAUIAGKO bE PR experimento natural, Assim, 0 experimentador nfo apenas introduz a varia vel independente, mas também exerce um forte controle sobre o processo € fo contexto para poder mensurar exclusivamente o efeito da varivel intro: luzida, sem outras influéncias improcedentes. A vantagem desse controle ‘yem acompanhada do inconveniente da maior artifcialidade do ambiente experimental, Por isso muitos se perguntam se o que € verdade num con- texto artificial e formalizado pode igualmente aplicar-se a um ambiente natural a adesignagdio aleat6ria das unidades (pessoas, instituigdes etc.) para os ‘grupos experimental e de control, a fim de garantir a equivaléncia de = sm essas trés condigdes, uma pesquisa no pode ser considerada um experimento, Vale a pena analisar em detalhe a ldgica experimental que esta por tras dessas condigdes. A légica experimental parte de um contrafactual impossivel. A prinei- pio, gostariamos de comparar o resultado de uma mesma pessoa ou institui- gio na presenga e na auséneia da causa pesquisada, num mesmo momento. Isso. ¢ logicamente impossivel, pois uma. pessoa nao. pode experimentar simultaneamente-@ presenga e a auséncia de certa-causa. Uma opgio é sub: ‘meter a pessoa, alternativamente, & presenga ¢ & auséncia da causa, em momentos sucessivos. Essa possibilidade nao esta livre de problemas. Em primeito lugar, a introdugio da causa poderia ter efeitos permanentes, ¢ nesse caso nao faria sentido voltar a medir a pessoa num segundo momento, depois de retirar a causa, Em segundo lugar, como se trata de dois momen- tos diferentes, existe a possibilidade de-que-alguma-outra coisa acontega esse intervalo que mude a medig&o, Outra opedo € aplicar a causa a um grupo de pessoas e ndo aplicé-la a outro grupo que seja 0 mais parecido ‘possivel com o primeira. © primeiro grupo, em que a causa pesquisada est presente, chama-se grupo experimental, e 0 segundo, em que @ causa est ausente, grupo de controle, A comparagio entre ambos permite inferir qual © efeito de tal causa, ja que esta é, a principio, a nica diferenea entre os dois grupos, que so iguais em tudo 0 mais. O grupo de controle pode ser considerado uma forma operativa de aplicar a velha formula légica latina ceteris paribus, isto é, “tudo o mais sendo constante”, necessaria para poder fazer inferéncias da comparagto de duas situagBes que divergem apenas no elemento considerado, DEFNICKO OF ExPenmento 2 A equiparagio dos dois grupos pode ser feita através de dois tipos de ‘mecanismas: a ‘experimental ‘importantes. Por exemplo, seo sexo é uma varidvel relevante, pode-se esta- belecer a mesina proporeao de homens e mulheres nos dois grupos. Dessa forma, o sexo, mesmo tendo um efeito sobre a varivel dependente, nfo faré nnenhuma diferenga no grupo de controle em relagao ao grupo experimental Essa € a forma mais intuitiva de tentar controlar 0 efeto de uma varivel, mas 36 garante igualdade em razio das dimensbes conhecidas, que foram levadas em consideragéo no processo de slegio. Quando virias dimensBes so consideradas simultaneamente, apresentam-se também problemas logis- ticos. Se os grupos devem ser iguas na proporglo dos sexos, a taefa ésim- piles; mas se devem ser equivalentes em termos.de sexo, idade, origem socioecondmica, pontuagao no test incial e tipo de escola, ela se complica bastante, Isso pode implica, as vezes, a busca de pessoas com caracterist as muito incomuns. 2. aleatorizagdo da designagio dos individuos para os grupos experimental & fe controle, Nesse caso, a sorte é que determina quem fara parte de um grupo ou de outro, A aleatoriedade do processo garante, probabilistica- mente, uma similaridade entre os dois grupos. mas nao uma equivaléncia, “absoluta, desde que o tamanho da amostra sejasuficientemente grande, Por ‘exemplo, se 0 pertencimento a0 grupo for deixado ao acaso, a proporgao de homens e mulheres sera parecida nos dois grupos, mas no se poder garan- tir que o nimero de homens © mulheres sea exatamente igual em ambos. Esse procedimento tem portanto a desvantagem de no assegurar uma equix -valéncia totale de depender de um tamanho de amostra suficiente. Em con- trapartda, tem também a grande vantagem de nivelar 0s grupos nfo apenas nas dimens6es reconhecidamente relevantes, mas em fodas em geral, inclu- sive aquelas que ainda nao foram identificadas como importantes. Assim, a aleatorizagio nao promete uma garantia.de igualdade absoluta dos dois gru- ‘pos numa certa dimensio, mas oferece, de forma aproximada, uma protecio geral contra as diferencas eniFe 05 dois grupos. Por isso é considerada o pro- cedimento-padrio a ser utilizado e 0 unico que garante uma’equivaléneia suficiente entre os grupos. A tal ponto que, se a designagao para os grupos nio for feta de forma aleatéria, a pesquisa no poderd ser considerada experimental. Vale lembrar que a seleedo de pessoas ndo precisa ser aleato- 2 InetEODUGAO A AVALIAGAO DE PROGRAMAS SOCIAIS Fia, podendo-se selecionar para o estudo pessoas com caracteristicas muito especificas, A distribuigdo das unidades (pessoas, instituigbes etc.) entre os dois grupos & que precisa ser aleatia, As vezes pode-se adotar uma estratégia mista, Quando uma varidvel independente tem influéncia decisiva sobre a variivel dependente, convém garantir a jgualdade absoluta entre os dois grupos através da-equalizagao, em vez de nos limitarmos a uma igualdade aproximada por meio da aleatoriza- #0. Supondo que-o sexo seja essa variavel crucial. a equalizagao determina- ria 0 mesmo nimero-de homens ¢ mulheres nos. grupos experimental ¢ de ‘controle, No entanto, a distribuigo das unidades, uma vez cumpridas as con- digdes da equalizacdo, continuaria a ser feita de modo aleatério, No exemplo, a definigito de quais homens e quais mulheres entrariam no grupo experimen- aleatoriamente. Assim, aos beneficios de tal e quais no de controle seria feita uma igualdade absoluta nas varidveis mais importantes soma-se a vantagem de uma equiparagdo aproximada de todas as demais yariaveis, ja que a sele 0 dentro das quotas ¢ realizada de forma aleatéria, Um dos,exemplos ckissicos da aplicagio experimental encontra-se nas ciéncias biomédicas, Para testar um novo produto farmacéutico, por exemplo, uuma vacina, é preciso comparar pessoas vacinadas com outras ndo-vacinadas. Como as doengas afetam uma pessoa entre muitas, € preciso estudar um gtupo telativamente grande para poder tirar conclusées. Muitas vacinas ivos que devem ser pesquisados. podem ter também efeitos secundérios neg; Todavia, outras tantas nfo oferecem protegdo total, apenas reduzem significa- tivamente a probabilidade dé contrair a doenga, Portanto, © nlimero de pes soas pesquisado devera ser ainda maior, © famoso experimento com a vacina de Salk contra a poliomielite® incluiu mais de 1 milhao de criangas. Tal estudo observou todos os requisites metodolégicos, As eriangas receberam todas uma injegao. Metade delas foi inoculada com a vacina, conformando 0 ‘grupo experimental, e 2 outra metade com uma solugfo salina de aparéncia upo de controle. Essa substancia similar e de efeito inéeuo, conformando 0 que ndo possui principios ativos conhecida como placebo e sua fungao é fazer com que o tratamento do grupo de controle seja igual ao do grupo expe- rimental enr tudo, menos na causa pesquisada — no caso, a vacina de Salk, Ver Meier 1978 Dernicho 5 ExrERMENTO 23 Isso é importante porque existem situagdes em que a mera sensacdo de estar sendo tratado pode ter efeitos terapéuticos. O paciente pode experimentar ‘uma methora real devido a fatores psicoldgicos, e nao natureza do produto ‘administrado, Em conseqaéncia, ¢ sempre recomendével comparar o efeito do remédio no grupo expe nada ¢ feito, mas com um mental, nfo com um grupo de controle em que rupo de controle com placebo. O efeito do pla- cebo estara presente nos dois grupos, e a diferenga entre ambos resultaré da ago do principio ativo analisado. Obviamente, para que o placebo funcione como tal, 0 paciente néio deve saber que esté tomando placebo; se no, 0 efeito psicolégico pode desaparecer (afinal, ele sabe que esti tomando algo que no serve para nada) e as pessoas podem inclusive se negar a continuar 0 processo, De fato, a distribuigao das criangas entre os grupos experimental e de controle foi realizada de forma aleatéria e sem que elas soubessem a que ‘grupo pertenciam. Todavia, os médicos que administraram as injegdes desco- nheciam, em cada caso, se estavam inoculando a vacina ou o placebo. Isso para evitar que pudessem, de algum modo, influenciar as pessoas ou tomar alguma decisio que mudasse 0 plano experimental. As injegbes eram identifi cadas por um cédigo e apenas a equipe central sabia se 0 mesmo correspon- dia a0 grupo experimental ou ao de controle, Esse é o chamado procedimento ‘duplo-cego", em que nem o paciente nem o médico sabem se o primeiro faz parte de um grupo oui do outro. Os médicos apenas anotavam a identidade das Pessoas e 0 cédigo das substincias inoculadas. Ao longo do tempo, 0s casos suspeitos de poliomielite foram diagnosticados e registrados. A equipe que fazia 0 diagnéstico também ignorava se a crianga tinha recebido vacina ou placebo, a fim de que isso ndo introduzisse um viés no préprio diagnéstico, ja que muitos casos eram de diagnéstico duvidoso. Certo tempo depois, compa raram-se as taxas de incidéncia de poliomielite entre as eriangas pertencentes aos dois grupos. A taxa entre os qu um_a.vacina oi significativa- ‘mente inferior a taxa dos que foram inoculados com placebo, O experimento foi, portanto, favoravel a vacina como forma de prevengio da docnea. Na verdade, 0 “duplo-cego” desempenha um papel muito importante pois uma das principais dificuldades em muitos estudos é garanti a distribui- ‘¢80 dos casos entre os dois grupos de acordo com o plano experimental origi- nal, isto é, de forma aleatéria. Nao € raro encontrar médicos que desejam garantir 0 novo produto o qual poderia representar uma esperanca — de vida para os doentes mais graves. Ou enfermeiras que, por alguma raziio, mudam a 24 InmoougAo A AVAUIAGKO OE PROGEAMAS SOCIAIS designagao de um paciente para o grupo assinalado. Quando o préprio pessoal ‘meédico ignora a que grupo pertence um paciente, é muito mais dificil intro- duzir algum viés na composigo dos grupos. Quando existem razées éticas para ministrar o tratamento, mesmo nilo tendo sido comprovada a sua eficd- cia, a certos pacientes, como ¢ 0 caso dos que padecem de doengas para as, quais nao existe cura conhecida, adotam-se procedimentos mistos. Por exem- plo, o tratamento é ministrado a todos os casos mais graves, e 0 experimento € realizado com os doentes de gravidade média, dividindo-os aleatoriamente ‘em grupos experimental e de controle. Vale lembrar que 0s produtos no tém eficiéncia garantida antes de serem apropriadamente testados © que muitos deles podem ter efeitos secundirios negatives que precisam também ser ava- liados. Assim, os experimentos biomédicos envolvem com fregiiéncia dile- mas éticos complicados. Por exemplo, como saber quando a evidéncia experimental pode ser considerada suficietemente forte para inerromper 0 experimento e deciie minisrar (ou suspender, se os resultados forem negati- os) 0 tratamento a todos os pacientes? Orisco de intrrompero experimento de forma prematura, sem se ter chegado a conclusdes suficientemente clara, deve ser pesado contra orsco de perder vidas de pacientes que poderiam ter sido salvas com a decisto de parar 0 experimento Esse € um exemplo de como o experimento € usado na drea biomédica para determinar a causalidade — no caso, aeficigncia de um produto Em cineias sociais, 0s experimentos também podem contibuir para esclarecer a causaldade. No entanto, a realizagio de experimentos freqUente- mente ¢ limitada por virios fatores. As vezes, 0 experimento-érigarasamente “impossivel, Um historiadornlo pode recorrer aos experimentos mais do que uty astrOnomo, Outras vezes,exstem barreiras dieas& realizagao de experi- mentos. Um antropsogo, por exemplo, no pode introduzir um choque cultu- ral numa comunidade s6 para observar como ela rage ‘Com mais frequéncia, existem limitagdes logistics, sociais e politicas & execugto de experimentos. A. simples idsia de que recursos socialmente escassos.¢ valorizados vlo ser distibuidos segundo um erteio-baseado na sorte-costuma gerar muitas resisténcas. De fato, nos palses onde a nogdo de experimentos e quase-experimentos para a avaliagao de politica piblicas ¢ hoje acita como um principio, a mudanga nessa diregdo custow décadas de Persuasio As autoridades podem decidir que vao empreender um programa de ajuda escolar segundo as necessidades de cada escola, e nto segundo 0 cri- trio aleatorio-do experimentador Um programa de informaséo sobre meéto- InuGAO BE ExrERMENTO 25 dos anticoncepcionais para comunidades rurais pode néo se prestar & realizacao de um experimento devido a problemas logisticos e de comunicagao e a difi- cculdade de manter uma comunidade no grupo experimental e outra vizinha no ‘upo de controle, sem que ela saiba disso, Um experimento sobre a eficicia de penas alternativas como substituto das penas de privagao de liberdade ode nio ser vidvel por ser considerado perigoso ou por nfo ter 0 aval legis lativo necessétio, AS intimeras limitages impostas aos experimentos fizeram com que sur- sisse a nogiio de quase-experimento. Como a propria palavra indica, trata- de uma pesquisa concebida sob 0 esquema experimental, mas que descumpre” alguma das condigdes basicas para ser chamada de experimento @.controle do contexto © das varidvels intervenientes & muito pequeno ou inexistente 2. existem 0s grupos experimental e de controle, mas a designagao das uni- dades (pessoas, instituigdes etc.) para ambos n&o'€ feita de modo aleaté=» Fio, no sendo possivel, portanto, garantir a equivaléncia entre os dois. ‘Sto 0s chamados grupos nio-equivalentes, Tenta-se estabelecer a-maior similaridade possivel entre os dois grupos. Quanto mais parecidos eles forem, mais forte sera inferéncia causal do estudo, Como o procedi- mento nao é aleatério, pode-se-buscar a similaridade entre os grupos” em dimensdes reconhecidamente relevantes, mas nao em outras que ainda nfo sto concebidas como tais. Muitas vezes, os grupos de controle sto ctiados a posteriori; apés a introdugio do tratamento no grupo experimen- {BI-Iss0 obviaiiente impossibilita o experimento, visto que a distribuigio de casos entre 0 grupo experimental e de controle jé foi feita, mas nto de forma aleatiia, Nesses casos, ¢ fundamental procurar grupos de controle {io parecidos com o grupo de-cqntrole quanto possivel A aplicagdo dos estudos quase-experimentais permitiu utilizar esse tipo de metodotogia em muitas circunsténcias em que 0 experimento nfo era pos- sivel. No jargiio de avaliagaio de programas, os estudos quase-experimentais methoraram a avaliabilidade™ de muitos pr

Você também pode gostar