Você está na página 1de 49

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CURSO DE JORNALISMO

“Se alguém tem que morrer, que seja pra melhorar”: tragédia, justiça e luto
a partir da canção Réquiem para Matraga e da obra A hora e a vez de Augusto
Matraga

André Felipe Costa Santa Rosa Lima


RECIFE
2021
ANDRÉ FELIPE COSTA SANTA ROSA LIMA

“Se alguém tem que morrer, que seja pra melhorar”:


tragédia, justiça e luto a partir da canção Réquiem para Matraga e da obra A hora e a vez de
Augusto Matraga

Monografia apresentada ao
Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal de Pernambuco,
como parte das exigências para a
obtenção do título de Graduação em
Jornalismo, sob orientação do professor
Jeder Janotti Júnior.

Local, ____ de _____________ de _____.


BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Jeder Janotti Jr.

________________________________________
Prof. Thiago Soares

________________________________________
Schneider Carpeggiani de Queiroz
AGRADECIMENTOS

Para minha mãe, Joedy Santa Rosa, que me deu a primeira canção. Para meu pai, Paulo José,
que me fez enxergar com mais simplicidade. Para minha avó, Maria José, a primeira a me
contar estórias e histórias. Para minha madrinha, Láyra Santa Rosa, que em alguma tarde, nos
anos 2000, decidiu me levar para conhecer uma redação de jornal pela primeira vez.

O TCC é dedicado, também, para meus irmãos: Paulo José Filho, Palmyra Santa Rosa e
Maria Eduarda Santa Rosa. E, é claro, para o companheiro da vida, meu cachorro Godard.

Esse trabalho não seria possível sem todos meus amigos que amam falar sobre música, filmes
e literatura e sempre estão nas entrelinhas: Caio, Mateus, Gabriel, Daniel, Cássio, Clara,
Luiza, Bia, Rafael, Sky, Mariana e Lara. Para Marcela, que me acompanhou na escrita desse
TCC e transformou tantas coisas na minha vida.

Também não teria nada sem o amor de todos meus amigos da minha segunda cidade, Recife,
que me apresentaram lugares, que viveram momentos e mudaram a minha vida: Flávio,
Arthur, Mikha, Samantha, Camila, Caio, Giovanna, Helo, Júlia Rodrigues, Júlia, Vinícius e
Xainã. Para Alan, Daniel e Mário, que foram professores e amigos, não necessariamente
nesta ordem. Para Alice e Ana Luiza, que foram uma segunda casa nessa cidade caótica. Para
o Cinema São Luiz, para o bar Boi Neon e Box Vitória Régia e para o Centro de Artes e
Comunicação.

Parte da minha trajetória dedico aos aprendizados e à minha equipe do caderno de cultura
Diario de Pernambuco: Rodolfo, Juliana e Emannuel, grupo incrível de pessoas com que tive
as primeiras experiências escrevendo profissionalmente. Mais recentemente, também, à
minha equipe no Suplemento Pernambuco: Hana, Igor e, especialmente, Schneider, que além
de editor é amigo, escritor do prefácio do meu primeiro livro de poemas, manager literário,
curador de playlist do Spotify e um professor em todas as maneiras mais formais e informais
que lhe cabem.

Essa pesquisa, que fala em transmissão de conhecimento, não seria nada sem os professores.
Lembro de abrir uma caixa de pandora e me deparar com mil possibilidades após assistir aula
do professor Thiago Soares no primeiro período. Lembro, também, da generosidade,
acolhimento, dos aprendizados e das conversas de bar com o professor Jeder Janotti Jr., meu
orientador e padrinho emocional dessa pesquisa e tantas outras que farei.

Dedico esse trabalho para Marielle Franco, que o motiva e cujo assassinato até hoje me
comove e revolta até os poros.
just like a folk song
our love will be passed on
- T.S.

fui embora,
me diverti,
amei partir
- B. M.

Nasci numa aldeia


pequena, reclusa, como um útero
e ainda não saí dela
- Adonis
RESUMO

Essa pesquisa possui sete ensaios acadêmicos, que têm como objetivo explorar a pergunta:
como podemos pensar a canção e narrativa de Matraga como formador de um imaginário de
tragédia brasileiro? Inicialmente composta para o clássico A Hora e a Vez de Augusto
Matraga (1965), filme de Roberto Santos, a canção de Réquiem para Matraga, de Geraldo
Vandré, que pode ser interpretada como uma possível adaptação para o conto de João
Guimarães Rosa. Utilizando uma metodologia de análise constelacional, proposta por
Mariana Souto, e inspirada no olhar impressionista dos ensaios de Silviano Santiago, esta
pesquisa tem como intenção pensar a construção de um imaginário de luto e tragédia
nacional, além da figura do cancioneiro e da canção como dispositivos de transmissão de
fabulações.

Palavras-Chave: Canção; Tragédia; Revolta; Augusto Matraga; Literatura.


ABSTRACT

This research has seven academic essays, which aim to explore the question: How can we
think about Matraga's song and narrative as forming an imaginary of Brazilian tragedy?
Initially composed for the classic A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965), a film by
Roberto Santos, the song Réquiem para Matraga, by Geraldo Vandré, is a possible
interpretation for adaptation of the short story by João Guimarães Rosa. Using a methodology
of constellation analysis, proposed by Mariana Souto, and inspired by an impressionist look
at Silviano Santiago's essay, this research intends to think about the construction of an
imaginary of mourning and national tragedy, in addition to thinking about the place of the
figure of the protest singer and the song as a device for transmitting fables.

Keywords: Song; Tragedy; Uprising; Augusto Matraga; Literature.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 19

FIGURA 2 19

FIGURA 3 27

FIGURA 4 28
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS 5

RESUMO 8

ABSTRACT 9

LISTA DE FIGURAS 10

SUMÁRIO 11

INTRODUÇÃO 12
1.2. “Vim aqui só pra dizer”: Geraldo Vandré e Augusto Matraga hasteiam suas
bandeiras 16
1.3. “O correr da vida embrulha tudo”: considerações sobre essa pesquisa 20

DESENVOLVIMENTO 27
2.1. “Tanta vida pra viver”: justiça e tragédia brasileira em A hora e a vez de
Augusto Matraga 27
2.2. Rosa feroz, na narração de Silviano Santiago 32
2.3. “Com tanto pra se salvar”: mesmo relógio e diferentes horas de Vandré e
Augusto 34
2.4. O cancioneiro enquanto Sebastião 40

CONCLUSÃO 45

REFERÊNCIAS 48
1. INTRODUÇÃO

1.1. “I'm on the pavement, thinkin' about the government”1: os encontros e as canções de
revoltas possíveis

A canção é uma das formas mais populares de narrativa. Ela primeiro chegou na minha vida
– assim como na de muitos – sem pedir licença. Tenho pra mim que a primeira canção da
minha vida já estava endereçada a mim antes que fosse possível ter essa escolha. Uma canção
de amor – Exagerado, de Cazuza2 – dedicada por minha mãe, de versos soltos ou completa,
repetida desde de sempre. Quase que ironicamente uma canção que canta: “Daqui até a
eternidade / Nossos destinos foram traçados na maternidade”. Talvez caiba até pensar nesse
verso como uma ambiguidade: se o amor materno ou a relação com a música. Um destino
maternal ou um destino ao lado da canção. Lembro de assistir em entrevista para Marília
Gabriela3, de 1988, o próprio Cazuza explicando como Exagerado é uma espécie de epíteto
hiperbólico pras canções e poesias românticas. Uma canção sobre o exagero das canções de
amor. Acho justo dizer que, minha mãe me perdoe, por que não até o lado piegas de cantar o
amor? Justo que sim. Uma canção sobre o exagero possível que cabe nas próprias canções.
Ou a canção que canta a própria canção.

Quem se aproveita muito bem desse exagero como mote é o professor e escritor Silviano
Santiago. “Cazuza aparece na cena artística brasileira no momento em que os jovens já não
têm as profundas inquietações políticas centradas na derrota da ditadura militar”, escreve
Silviano em Cazuza, autobiógrafo selvagem, texto para o Suplemento Pernambuco4. É um
artista da crítica dos costumes da juventude, fruto de um processo de abertura. Nesse sentido,
coube criticar até a pieguice de falar sobre o amor e a tradição poética, sendo selvagem e livre
como foi. Uma canção pode se referir de forma crítica a toda uma tradição poética romântica?

Falo do meu encontro com essa canção – ou a canção que me encontra – para utilizar de um
terrível deslocamento temporal como reflexão: até ser transmitida para mim, através da
minha mãe, a canção viajou uma longa jornada através dos séculos como forma de
1
Bob Dylan em Subterranean sick blues. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=MG jIBE vx0>
2
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ZBwjT-3t2O8>
3
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=dPj543V8xVQ>
4
Disponível em
<https://suplementopernambuco.com.br/artigos/2519-cazuza,-autobi%C3%B3grafo-selvagem.html>
transmissão de histórias e estórias. O formato que popularmente conhecemos da canção –
enquanto composição musical para a voz humana, escrita, normalmente sobre um texto, e
acompanhada por instrumentos musicais5 – é uma invenção do século XIII, que sobreviveu
como uma espécie de dispositivo de articulação entre contextos, narrativas, afetos e imagens.
Na sua etimologia do latim, cantĭo, canção é aquilo que se canta, produzido a partir de sons
melodiosos (MARTINEZ e BRAGA, 2008). Melodioso, porque nem todo som é bom ou
agradável aos ouvidos. A canção não, ela é feita como se o mundo fosse esse ruído e
tivéssemos essa chance de ordená-lo. Um trabalho humano para alcançar uma linguagem
sonora que comunique, ou melhor, que entorne luto, beleza, revolta, felicidade ou o que seja.
Uma máquina disforme para ordenar o caos dessas coisas.

No medievo, essa máquina foi marcada pelo Canto do Cavaleiro e trovadores de versos
camponeses, enquanto dentro das Igrejas católicas se tinha o Canto Gregoriano como um
forte demarcador social e de classe. Até chegar para as nossas sociedades ocidentais e
urbanas, a trama histórica que construiu as relações de produção, difusão e circulação da
música/canção popular urbana como conhecemos foi gestada entre os fins do século XIX e
início do XX, como aponta Vinci de Moraes (2000). Partindo para um panorama
historiográfico da canção urbana, o pesquisador aponta as questões dos mecanismos sociais e
tecnológicos de circulação deste formato.

Primeiro, elas surgem vinculadas com algumas formas de entretenimento


urbano pago (como circos, bares, cafés, teatros etc) ou não (festas públicas,
festas privadas, encontros informais etc). Se a princípio a geração e criação
dessas canções não era destinada ao mercado, gradativamente elas
incorporam-se a ele; conseqüentemente o profissionalismo, ainda que
precário, do artista passa a ser uma realidade palpável e desejável; e,
finalmente, a canção é obrigada a dialogar de diversas maneiras, positiva e
negativamente, com os meios de comunicação eletro-eletrônicos. (VINCI
DE MORAES, 2000)

Cria-se a canção como forma de manejar a vida na cidade. Só em seguida, cria-se o artista
profissional. Um apontamento necessário é pensar como, com o acirramento das tecnologias
de reprodutibilidade da canção – algo intensificado no pós-saber enciclopédico à Borges, que
antes caberia numa biblioteca, versus o atual oceano anacrônico de referências em desordem
–, a canção se torna mais presente e distinta em meios e ordens históricas. Pode-se reunir em
pequenas interfaces canções dos seis continentes, de uma ópera até um funk, em uma
possibilidade de presença e escuta muito distinta.
5
Disponível em < https://musicalidades.com.br/o-que-e-cancao/ >
Foi de certa forma já vivendo parte arcaica dessa realidade de interfaces de fácil
reprodutibilidade da música e maior presença dela, que, a partir de um aparelho de MP3,
conheci Bob Dylan. Era adolescente, tinha acabado de conhecer os beatniks através de Pé na
estrada, de Jack Kerouac, e O Uivo, de Allen Ginsberg. Dylan chegou como um furacão.
Uma representação máxima de um ideal de diletantismo, meio guru espiritual e enigma. Sim,
alguns "símbolos de juventude brasileiros da canção do século passado”, como Gilberto Gil e
Caetano Veloso, já faziam parte da minha vida – de forma mais soturna e involuntária, por se
tratar de uma escolha natural que você compartilha com a família.

Nasci em um momento de aurora da democracia no país. Até 2013 não tinha convivido com
turbulências políticas. Alguns escândalos na mídia, mas nada perto do que temos hoje. Nasci
na segunda metade do governo de Fernando Henrique Cardoso, atravessei dois governos
petistas, de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, acreditando que vivia em um país
feliz e promissor. Era um país feliz e promissor. Não sabia o que era uma crise política. Em
2013, eu e boa parte da minha juventude se manifestou politicamente pela primeira vez. Ouvi
pela primeira vez uma canção dos anos 60, sobre a ditadura militar, tocando na rua em tom de
atualidade. Ou de atemporalidade. No terceiro ou quarto protesto pediam pras pessoas
abaixarem bandeiras de partidos e as camisas da CBF já dominavam os atos, usurpando o
lugar das camisas vermelhas e o preto dos Black Blocs. De 2016 pra cá, vivemos só de
derrotas. Em todas elas estive acompanhado de Dylan. E parecia me conectar mais a seu
tempo, ao passo que coletivamente pareciamos nos aproximar cada vez mais de uma nuvem
pesada com a cara dos anos de chumbo. E as canções executavam seu papel definitivo de
fazer com que essas imagens, infelizmente, voltassem a fazer mais sentido do que dez anos
atrás.

Mesmo que tivesse várias canções de amor, Dylan chegou até mim através das músicas de
protesto. You don't need a weather man / To know which way the wind blows. Nesse sentido,
também foi uma das primeiras vezes que passei a pensar a canção a partir da sua composição,
da sua poesia e letra. Não à toa, quando Dylan recebeu – e em seguida recusou – o Nobel de
Literatura em 2017, não fui acometido de nenhuma estranheza. Sua literatura, discurso e
força narrativa sempre me pareceram coisas indissociáveis da melodia. Indissociáveis e
poderosas.
Na constelação histórica e gêneros, a fase cancioneiro de protesto de Dylan, pela qual me
apaixonei, estava localizada ao lado da canção folk revival, fruto do desmembramento de
folklore em que “folk” significa povo e “lore”, conhecimento. O surgimento do gênero foi um
resgate e renovação da tradição poética e sonora da canção de vários países durante o século
XX, muito disseminado na cultura midiática a partir do movimento American Folk Revival6.
Esse revival viria para resgatar concepções do surgimento medieval da canção, como a figura
do bardo ou cancioneiro, o poder do relato oral, da narração de histórias e da própria história
como narrativa, através do canto (VINCI DE MORAES, 2000). Talvez tenha como exemplo
máximo e direto dessa forma de transmissão de narrativo pelo relato oral a partir do que Bob
Dylan fez em Hurricane, canção inspirada na autobiografia de Rubin “Hurricane” Carter,
The Sixteenth Round, que Carter tinha criado para "African-American Civil Rights
Movement (1955-1968)". É possível dizer que a partir disso, um caso de racismo e uma
prisão arbitrária se propagou para o mundo todo no formato de canção-protesto-transmissão
de conhecimento.

Atento aqui, que ao tratar da canção folk, me refiro sempre ao dito folk revival. Meu
entendimento é de transculturalidade do gênero, levando em consideração a natureza
folclórica da canção, pensando ela a partir de elementos nostálgicos dentro da ordem da
modernidade. O folk revival trata de uma canção da modernidade, criando um imaginário
folk de dentro da canção moderna.

Sem implicar genealogias ou tentar colocar em pé de igualdade contextos políticos e


nacionais distintos, é necessário pontuar que parte de movimentos globais dos impactos
norte-americanos e do crescimento da contracultura exerceram, de várias maneiras, forças
sobre o olhar político e de resgate da canção popular feito pela MPB. Com traços do samba
de roda, repente, bolero e balada romântica, a MPB construiu, através dos festivais
universitários da década de 1960, uma música popular que foi trilha sonora das injustiças
sociais do Regime Militar. Mais especificamente o samba-protesto e a canção popular latina,
que tem sua relação com os movimentos Chilenos e Argentinos. A ponte entre a poética do
folk revival norte-americano e da MPB brasileira foi apontada por Vieira Cesar (1990), em
uma dissertação sobre a poética de protesto entre Bob Dylan e Chico Buarque:

6
A revitalização da música folclórica se deu a partir da década de 1930 e seguiu até seu auge na década de
1960. As canções tradicionais ganharam contexto de protesto, significando-as num contexto social e político.
Os movimentos musicais - a protest song americana (1961) e o
samba-protesto brasileiro (1964) - surgiram como manifestações que se
empenharam na mudança da realidade histórico-social de seus respectivos
países. A poética desses autores, deste modo, preocupa-se com a realidade
imediata e volta-se para a poesia social, tornando as palavras uma fonte de
comunicação dirigida para diversos níveis, desempenhando um papel que a
poesia literária não poderia aparentemente realizar. (VIEIRA CESAR,
1990, pág. 03)

O que me parece interessante pensar aqui, nesta série de ensaios acadêmicos, é como essa
poética social atravessa imagens específicas e genéricas. Adianto que busco fazê-lo por um
viés constelacional, trabalhando possíveis conexões entre diferentes obras do cinema,
literatura, sempre tendo como referência de partida esse lugar da canção, mas admitindo que
tanto o conto, quanto o filme poderiam render uma monografia por si só. A canção como
máquina potente de criação de imagens: um sistema de conhecimentos que se propaga pelo
ar, em forma de oralidade e narrativa. Uma forma de narrar um filme, ou até mesmo uma
tragédia nacional. E, justamente pela possibilidade de trazer uma imagem de narrativa e
tragédia tão clássica, ela sobrevive através do tempo. Desde o século XX, me parece que a
canção é a forma mais popular de se contar uma história. Mas que enredo ela está a cantar
sobre o Brasil?

1.2. “Vim aqui só pra dizer”: Geraldo Vandré e Augusto Matraga hasteiam suas bandeiras

Em 1968, uma vaia sólida ecoava nos estúdios Globo, durante a apresentação da música
vencedora do III Festival Internacional de Canção. As vítimas da vaia eram figuras
improváveis para o papel: Chico Buarque e Tom Jobim, que apresentavam a canção Sabiá.
Acontece que o problema não era a música em si, mas a canção que havia sido “injustiçada”
naquela noite: Pra não dizer que não falei da Flores (1968), do paraibano Geraldo Vandré.
Criminalizada pelo governo, por ser tida como um hino da luta armada contra os militares7, a
música sofreu boicote no Festival e motivou a perseguição do cantor. Mas era, de forma
unânime, a querida do público.

Durante a ditadura, Vandré foi exilado no Chile, Peru e, de lá, para a Argélia, Alemanha,
Grécia, Áustria, Bulgária e França. Quando retornou ao Brasil, desistiu da vida pública,
tornou-se advogado e servidor público, fez poucos shows e deu raras entrevistas. Tornou-se
7
Disponível em
<https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-dia-em-que-vaiaram-vitoria-de-chico-buarque-musi
ca-de-resistencia-de-vandre-e-o-festival-internacional-da-cancao.phtml>
uma espécie de Bartleby8 da música. I would prefer not to. Nunca mais voltou a ocupar
espaço central na arte brasileira. Em suas justificativas, dizia que o Brasil passou por um
“processo de massificação cultural e histórica”. Primeiro, o conheci estudando a história da
ditadura civil-militar do país. Suas canções ocupavam os dizeres de faixas e placas,
ilustravam documentários e era sempre um nome que corria por fora – mas na dianteira – nas
discussões sobre a música desse período. O mistério acerca de Vandré e o papel da sua
canção para o imaginário brasileiro sempre me intrigou. Assistia à entrevista gravada que
concedeu a Geneton Moraes Neto, feita durante os anos 1970, me perguntando porque
decidiu dizer “não” a tudo. Inclusive, se negando ao enquadramento da dita “canção de
protesto”. “Eu não faço canção de protesto. Eu faço, fazia, música brasileira, canções
brasileiras”, disse. “Faço, fazia”, ele disse, em ato falho.

Vandré também me intrigava por conta da famosa declaração “Arte não é panfleto”, feita em
uma entrevista para a Folha de São Paulo, em 1973. Nela, o artista comenta sua relação com
o papel político da arte: “Todas as minhas músicas são de amor. De amor particular por uma
mulher ou de amor geral por todo um povo. Além do mais, não sou profissional da política.
(...). Trago dentro de mim os sonhos do Nordeste. O Nordeste é fundamental, o maior
repositório de cultura popular. No Norte é pelo menos metade de mim, não só as tristezas,
mas também as alegrias”.

Mesmo sendo essa presença misteriosa e indissociável, a assombração de suas canções


ressurgiu para mim mais recentemente – e para o grande público consumidor de arte no
Brasil – na explosão que foi o lançamento de Bacurau (2019), de Kléber Mendonça Filho e
Juliano Dornelles. Naquele contexto, tínhamos sido derrotados mais uma vez nas eleições de
2018. Somente o Nordeste tinha optado por um caminho diferente: o PT ganhou em todos os
estados, enquanto Bolsonaro venceu no resto (com exceção do Pará). Desde o pleito, muito
foi pensando sobre qual lugar o Nordeste ocupa no país, enquanto reserva moral, cultural e
rasura política. Durante o frenesi da exibição de pré-estreia no Cinema São Luiz, me deparei
com a canção Réquiem para Matraga como quem é revisitado por um fantasma do século
passado. No filme, a cidade de Bacurau acabava de ser invadida por forças estrangeiras e
alguns de seus cidadãos foram mortos a sangue frio.

Vim aqui só pra dizer


8
Personagem “desistente” do conto Bartleby, o escrivão, de Herman Melville.
Ninguém há de me calar
Se alguém tem que morrer
Que seja pra melhorar
Tanta vida pra viver
Tanta vida a se acabar
Com tanto pra se fazer
Com tanto pra se salvar
Você que não me entendeu
Não perde por esperar9

Uma letra simples, de dez versos, rimas com infinitivos e tom de anunciação potente. Alguém
que pede passagem para lhe contar algo. Definitivamente uma dessas canções que não pedem
licença. Composta simplesmente por um violão, harmonia de vozes, metais e um rufo de
outro violão, como o conjunto do som dos cascos de uma boiada ou uma marcha militar. Era
uma espécie de alienígena, por muito mais o movimento Chileno e Argentino da nova
canção, do que os sambas-protestos que eram bem mais populares no Brasil. Réquiem para
Matraga, carrega em seu nome o próprio conceito de réquiem (descanso), que é uma forma
tradicional de canção de luto católica na Europa. É folclore e narrativa que apontam para um
tipo de primórdio da canção de tragédia.

Contudo, não foi a primeira vez que a canção apareceu em um filme do cinema brasileiro, e
eu sabia disso quando a reencontrei. Inicialmente foi composta para o clássico A Hora e a Vez
de Augusto Matraga (1965), filme de Roberto Santos, com produção de Vandré e
participação do poeta recifense Solano Trindade. Quando assisti pela primeira vez, fiquei
impressionado pela força narrativa e pela maneira como Leonardo Villar brilhava em tela,
enquanto algoz e sofredor ao mesmo tempo. Enquanto figura mundana. O filme, já conhecido
por sua importância na cinematografia brasileira, é baseado no conto homônimo de Rosa e
configura o top 10 da lista de filmes brasileiros da Abraccine10. Teve um remake em 2011,
mas nem de longe com algum impacto da obra clássica.

9
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=jOfpxgWFWYs>
10
Acessado em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_100_melhores_filmes_brasileiros_segundo_a_ABRACCINE>
O conto no qual o filme se baseia faz parte do livro Sagarana, publicado em 1946. Nele, João
Guimarães Rosa narra a história de Augusto Matraga (que no filme é interpretado por
Leonardo Villar), um fazendeiro rústico e agressivo, espécie de carrasco da região. Sua
esposa foge com sua filha. Traído, Augusto sofre uma emboscada feita por seus inimigos e é
dado como morto. Cai no fundo de uma vala, é resgatado e acolhido por uma família negra,
volta suas forças para a espiritualidade, na qual encontra novas motivações para viver. Até
que conhece Joãozinho Bem Bem, um jagunço que instiga sua sede por vingança e faz
Matraga oscilar entre seu misticismo e a natureza humana violenta. A partir daí, o
protagonista vai em busca de sua hora e vez. No filme, a canção feita por Vandré acompanha
vários trechos: como toada, apenas o instrumental e a versão cantada. O protagonista passa
essencialmente por três fases, em que entendemos formas diferentes de enxergar o mundo e
formas diferentes de tragédia. É uma jornada que relembra as histórias – ou estórias –
populares nordestinas, ou da parte mais sertaneja de Minas Gerais, onde de fato se ambienta e
estado do autor, Guimarães Rosa.

Em crítica publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 1966, Almeida Salles resume o


espírito que norteia a recepção da obra: "Matraga atinge um regional que adquire desde logo
uma dimensão universal. [...] Não tínhamos tido uma iconografia cinematográfica sertaneja
com a sutileza, a profundidade e ao mesmo tempo o depuramento de que este filme nos dá
prova. Principalmente o despojamento que retira desta obra qualquer caráter folclórico. O
folclore é o regionalismo em estado cru. O Matraga de Roberto Santos transcende o folclore
para dar uma imagem de uma região do Brasil, a menos demagógica possível, mas rica de
peculiaridades e de autenticidade".

Ao assistir Bacurau e lembrar do clássico moderno brasileiro, pensei em como, de alguma


forma, através desses dispositivos culturais do cinema, conto e da canção, há uma
sobrevivência do desejo de luta e do sentimento de luto e tragédia do imaginário brasileiro.
Isso não é um movimento único, são inúmeras as canções da ditadura que continuam a
dialogar com o momento fazendo parte de protestos, filmes e diversos produtos culturais.
Aqui, o cinema se localiza como um exercício de cultura de massas, tal qual a canção, que
ocupa um espaço central na indústria cultural e na formulação de processos culturais
subjetivos e coletivos em uma sociedade.
Para Benjamin, o cinema é um dos agentes mais poderosos de massificação do mundo
moderno. No processo coletivo de usufruto do cinema ocorre a dessubjetivação do indivíduo.
Nulificado no todo, o indivíduo torna-se, por seu próprio desejo, massa, processo
fundamental para a consolidação da indústria cultural, que se funda exatamente nesse
processo de perda do indivíduo e de constituição da massa que partilha o interesse, o desfrute
e o gozo pela mesma mercadoria. (PIRES e PEREIRA DA SILVA, 2014)

A linguagem cinematográfica atua como essa agência de representação social imaginária, que
aponta diversos discursos dentro de uma própria obra. Um conjunto de figurações que
caminha entre a linha tênue de reiterar padrões vistos de acordo com nossa sociedade e
repelir ideias tidas como senso comum. Com o conto de Rosa assumindo um local de obra de
origem, de onde emanam os afetos do filme e da canção; que cristaliza uma imagem das
estórias e histórias de tragédia popular. Narrativas como as que se ouve nas calçadas dos
interiores do país, geralmente contadas pelas línguas mais articuladas que conhecemos.

1.3. “O correr da vida embrulha tudo”11: considerações sobre essa pesquisa

Tendo esse arejar por entre linguagens (cinema, literatura e música) como espinha dorsal
desta pesquisa, me detenho a pensar, a partir da pesquisa de Mariana Souto (2020), a ideia de
Constelação em um modo comparatista. Aciono a partir da Hora e a Vez de Augusto Matraga,
assumindo como perspectiva que o vetor central seja a canção, mas sem deixar de reconhecer
que, em outras pesquisas ou em outros momentos desta minha própria, é possível tomar o
filme ou o livro como vetor.

A comparação se mostra pertinente quando o objetivo é, mais do que se


deter sobre traços verticais das obras, apreender a dinâmica e as conexões
entre elas. Como são múltiplos os modos de agrupamento, combinações e
pareamentos entre filmes, muitas são as vertentes comparatistas que
poderíamos pesquisar, como inventário, coleção, série histórica,
comparação prismática e constelação. (SOUTO, 2020).

É uma proposta de encarar os objetos e suas interações como sistemas vivos: reagentes entre
si, tecendo relações de afinidade, estranhamento, amizade, semelhança e diferença. Afinal,
quem cria as constelações – aqui me refiro às astronômicas e ao conceito – é sempre o olhar
humano, pensando em linhas imaginárias entre três ou mais pontos. São fenômenos
11
Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas.
cronologicamente distantes e heterogêneos, mas que iluminam-se. Essa metodologia
constelacional, permite uma historicidade interna, exibida pelo brilho próprio de cada obra e
das possibilidades de linhas imaginárias. “A constelação tem, assim, um poder revelador de
ajudar a produzir uma releitura, sendo capaz de inspirar o presente ou de trazer alguma
espécie de redenção para os ocorridos do passado” (SOUTO, 2020). Com intenção de
exemplificar, em uma organização visual – bem como Souto faz em seu artigo –, demonstro
dois exemplos aqui.

FIG 1. Constelação possível 1

Fonte: Elaborada pelo autor

FIG 2. Constelação possível 2

Fonte: Elaborada pelo autor

Na FIG. 1, temos a constelação principal desta pesquisa. Numa extremidade a obra original,
criada por Guimarães Rosa, que se conecta diretamente com o filme feito quase 20 anos
depois por Roberto Santos. A relação entre as duas se dá em uma nível discursivo e textual
mais direto, representada por uma linha quase reta, pelo fato óbvio de se tratar de uma
adaptação direta para o cinema. Contudo não é uma linha perfeita, por um motivo simples:
uma outra linguagem confere um outro potencial e outra forma poética. No alto da imagem, a
versão da canção feita por Vandré para o filme, que não se trata de uma adaptação, mas uma
criação original para outra obra. Elas estão mais próximas, tanto por uma questão
cronológica, quanto por se tratar de uma inspiração não direta, contudo, que existe
condicionado a outra obra. Por fim, o Réquiem se conecta ao A hora e a vez de Augusto
Matraga por um viés das imagens produzidas: a tragédia, o luto e sua força enquanto
narrativa nacional, e uma espécie de parente em segundo grau por se tratar de uma obra
inspirada na adaptação do texto. Já na FIG. 2, adiciona uma nova conexão possível: o filme
Bacurau como uma forma de reencontrar a canção, além de ser uma obra muito influenciada
pelo cinema de Roberto Santos.

Para objetivos de delimitação de corpus, escolhi pensar de forma constelacional três obras: a
canção Réquiem para Matraga, de Vandré, o texto A hora e vez de Augusto Matraga, de Rosa
e o filme homônimo, dirigido por Roberto Santos. Não me detenho aqui a pensar nenhum dos
tipos de mídia a partir de uma hierarquia, ou pensar cada uma delas como obras isoladas.
Como forma de interpelar a completude da obra e de seu poder como artefato histórico, fruto
de um contexto, de subjetividades e de um imaginário, minha análise terá enfoque principal
na textualidade e criação de imagens desmembrando para suas reverberações na canção e no
filme.

Ainda estava no ensino fundamental quando passei pela experiência extremamente comum de
entrar em sala de aula e ver que um professor iria passar um filme. TV de tubo e, em uma
aula sobre Revolução Industrial, uma fita antiga apresentava Tempo Modernos, clássico do
cinema silencioso de Charles Chaplin. Essa cena se repete para muitos. Só mais
recentemente, me deparei com uma frase intrigante do crítico e cineasta francês Eric Rohmer
que dizia: "todo filme é também um documentário de sua época". Nesse sentido, penso em
entender as articulações da canção no cinema nacional e como se compõe parte de uma
cultura de massas brasileira extremamente influente, que reitera tradições e rupturas
artísticas. Ou seja, entender possíveis leituras para produtos culturais nos ajuda a
compreender narrativas e contextos nacionais. A canção de protesto foi reinventada à
brasileira, a partir de motes que diziam muito sobre o clima político da época, e suas imagens
sobrevivem até hoje.
Em um contexto de pandemia e retorno da extrema direita, voltamos a reimaginar nossas
tragédias nacionais em contextos extremamente políticos. Pretendo, aqui, criar uma espécie
de divã das imagens de diversas perdas e lutos, ou lutas. Vemos essas canções e imagens
ganharem novas reverberações em protestos, filmes e programas televisivos. Apesar de
contextos distintos, imagens de luto brasileiro se preservam. Entendê-las é uma forma de
articular experiências artísticas ao imaginário nacional e seus contextos políticos e sociais.
Pensar a canção de Geraldo Vandré para o filme de Roberto Santos me permite localizar, em
um contexto ampliado, um dos momentos mais icônicos da história do Brasil – de muita
repressão, mas que, através da figura do cancioneiro e do artista, ajudou a formular imagens
que partem o luto até uma motivação de luta.

Pensar esse imaginário também nos leva a entender um pouco da história de injustiças sociais
e mortes arbitrárias da América Latina: do movimento Mães de Maio, à morte do estudante
Edson Luis, na ditadura militar, e ao assassinato da vereadora Marielle Franco.

Penso nas seguintes hipóteses: 1. A canção Réquiem para Matraga e o filme A Hora e a Vez
de Augusto Matraga constituem fonte afetiva e simbólica do imaginário brasileiro sobre o
luto e a resistência. 2. O luto na canção Réquiem pra Matraga e no cinema nacional está
ligado às injustiças sociais e aos levantes populares, por um sentimento que mistura a perda e
as precariedades de algumas vidas no país. 3. O cinema brasileiro e a canção popular dos
anos 1960 são fortes agenciadores de ideias políticas na arte nacional. 4. Com a volta de
ameaças autoritárias e tragédias nacionais a partir de 2016, esse imaginário nacional volta a
ganhar potência nas artes e no debate público, a exemplo de Bacurau.

Para sistematizar em objetivo geral as razões desta pesquisas, tenho como intenção trazer
algumas análises em forma de ensaio acadêmico, para pensar o papel da canção Réquiem
para Matraga e da obra A Hora e a Vez de Augusto Matraga como uma forma constitutiva de
um imaginário nacional de tragédia. Nesse sentido, tenho outros objetivos específicos que irei
enumerar aqui: 1. Pensar a obra a partir da ideia do luto no popular nacional; 2. Pensar a
figura do cancioneiro; 3. Identificar as relações poéticas, imagéticas e sonoras, entre luto e
tragédia política nesse imaginário
A partir da perspectiva dos estudos de cinema e música, proponho para a pesquisa uma
perspectiva multidisciplinar. Utilizando o viés dos estudos culturais, musicologia, história,
antropologia e estudos de estética, a pesquisa busca investigar possíveis acionamentos do luto
na cultura brasileira. Como de interesse na abordagem dos estudos culturais, penso em uma
reunião de conceitos interdisciplinares da perspectiva inglesa dos estudos culturais, sempre
levando em conta recortes como de Ideologia, nacionalidade, gênero e classe social. Para uma
pesquisa que articula três fronts, que são o cinema, a literatura e a música.

Me baseio nas questões de Vinci de Moraes para pensar a relação entre canção popular e o
conhecimento histórico e imaginário. A articulação se constrói a partir de uma forma musical
voltada para articulação de experiências humanas e históricas de forma a abarcar fortes
aspectos da realidade social, como bem fez a obra de Vandré.

Entre as inúmeras formas musicais, a canção popular (verso e música), nas


suas diversas variantes, certamente é a que mais embala e acompanha as
diferentes experiências humanas. E provavelmente, como apontou Antonio
Alcântara Machado, citado na epígrafe12, ela está muito mais próxima dos
setores menos escolarizados (como criador e receptor), que a manejam de
modo informal (pois, como a maioria de nós, também é um analfabeto do
código musical) e cria uma sonorização muito própria e especial que
acompanha sua trajetória e experiências. Além disso, a canção é uma
expressão artística que contém um forte poder de comunicação,
principalmente quando se difunde pelo universo urbano, alcançando ampla
dimensão da realidade social. (VINCI DE MORAES, 2000)

Ou seja, entre outras coisas, o autor reitera que a canção e a música popular ocupam um
espaço na sociedade e na pesquisa científica “que poderiam ser encaradas como uma rica
fonte para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores
da sociedade pouco lembrados pela historiografia”. O autor reitera que, na sua visão, a
música popular não deve ser compreendida apenas como texto, mas as análises devem
ultrapassar limites meramente poéticos

Todavia, é preciso considerar também que muitas vezes as formulações


poéticas concedem mais indicações e caminhos que as estritamente
musicais, que podem redundar em torno das mesmas estruturas,
formulações melódicas, ritmos e gêneros conhecidos. Por isso, para
compreender a poesia da canção popular, é necessário entender sua forma
toda especial, pois ela não é para ser falada ou lida como tradicionalmente
ocorre. Na realidade, a letra de uma canção, isto é, a "voz que canta" ou a
"palavra-cantada", assume uma outra característica e instância

12
Na epígrafe em questão, o autor usa o trecho: Toda gente sabe: verso e música são as expressões de arte
mais próximas do analfabeto. Conjugados assumem um poder de comunicação que fura a sensibilidade mais
dura. (Antônio Alcântara Machado)
interpretativa e assim deve ser compreendida, para não se distanciar das
suas íntimas relações musicais. (VINCI DE MORAES, 2000).

Tendo a questão do imaginário social como centro de onde emanam as questões desta
pesquisa, penso em como a pesquisadora Eni Puccinelli Orlandi (1984) articula em suas
pesquisas questões como imaginário e discurso a partir da linguística. Segundo Puccinelli
Orlandi, o imaginário seria um conceito muito eficaz para determinar relações sociais,
constituir práticas e um funcionamento ideológico que atravessaria uma instância discursiva
do conteúdo.

Como diz Sercovich (1977), a dimensão imaginária de um discurso é sua


capacidade para a remissão de forma direta à realidade. Daí seu efeito de
evidência, sua ilusão referencial. Por outro lado, a transformação do signo
em imagem resulta justamente da perda do seu significado, do seu
apagamento enquanto unidade cultural ou histórica, o que produz sua
"transparência". (PUCCINELLI ORLANDI, 1994)

A autora trabalha essa ideia de transparência da linguagem com seus sentidos, pensando o
discurso como a possibilidade de entender a história “não como sucessão de fatos com
sentidos já dados, dispostos em sequência cronológica, mas como fatos que reclamam
sentidos”. Essa formatação de pensamento nos permite pensar a relação entre o produto
cultural de Vandré e o filme de Roberto Santos, dentre um contexto de articulação e fatos
históricos que “reclamam sentidos”.

Outro conceito de imaginário que trago, esse mais canônico, é do francês Gilbert Durand.
Tratando diretamente das artes e da música, Durand argumenta que o imaginário é alógico, de
identidade não localizável e deslocado temporariamente. É algo que escapa, seguindo um
padrão de contradições. Em resumo, as figuras do imaginário, principalmente o mito, se dá
pela redundância quer dos seus temas, quer das suas sequências simbólicas.

O imaginário nas suas manifestações mais típicas (sonho, devaneio, rito, mito,
narrativa de imaginação, etc.) é portanto alógico relativamente à lógica ocidental,
desde Aristóteles até mesmo de Sócrates. Identidade não localizável, tempo não
dissimétrico, redundância, metonímia ‘holográfica’, definem uma lógica
‘alternativa’ que, por exemplo, a do silogismo ou da descrição temporal, mas mais
próxima, em certos aspectos, da música. Esta última, como o mito ou o devaneio,
repousa sobre as transposições simétricas, dos ‘temas’ desenvolvidos ou mesmo
‘variados’, um sentido que só se conquista pela redundância (refrão, sonata, fuga,
leitmotiv, etc.) persuasiva de um tema. A música, mais que qualquer outra, procede
por um assédio de imagens sonoras ‘obsessivas’ (DURAND, 1994, p.57).
Obviamente, não estamos propondo um "decifrar das imagens", mas ocupar-se em
demonstrar, no espaço escolar, o caráter representacional das imagens produzidas pelo
cinema. As imagens produzidas pelo cinema são imagens; não são verdades absolutas,
embora se aproximem, através da apropriação de um sistema de significados próprios de uma
determinada cultura, dos símbolos produzidos por esta mesma cultura. (PIRES e PEREIRA
DA SILVA, 2014). Ainda tratando da questão fílmica, Morettin propõe um método de pensar
os significados a partir da própria análise da obra, abordando a singularidade de seus agentes
e contextos.

[...] para que possamos recuperar o significado de uma obra


cinematográfica, as questões que presidem seu exame devem emergir de
sua própria análise. A indicação do que é relevante para a resposta de
nossas questões em relação ao chamado contexto somente pode ser
alcançada depois de feito o caminho acima citado, o que significa aceitar
que todo e qualquer detalhe (do filme) [...] trata-se de desvendar os
projetos ideológicos com os quais a obra dialoga e necessariamente trava
contato, sem perder de vista sua singularidade dentro do seu contexto.
(MORETTIN, 2003, p. 38)

Uma outra perspectiva de imaginário que entrecorta essa pesquisa é a que o antropólogo
Edgar Morin traz no livro O homem e o cinema imaginário (1997). Articulando a relação
entre cinema, pensamento complexo e imaginário, Morin é um autor de acesso para
fundamentar minha relação entre a canção no cinema nacional e as imagens do contexto
político da época. Em sua proposta metodológica, Morin busca uma compreensão da
realidade através de duas ideias fundamentais: para além de estudar o cinema através da
antropologia, é necessário estudar um noção de “homem do cinema”; além distinguir o real e
o imaginário, é importante perceber ambos em “sua unidade complexa e a sua
complementaridade”. Entre outras coisas, não só perceber como anseios de sociedade são
refletidos no cinema, mas projeções de ancestralidades, mitos fundadores de nações e ideias
de futuro.

Tanto a canção de Vandré e o filme de Roberto Santos dialogavam diretamente na construção


metafórica e imagética de uma resistência frente às opressões do regime. Ou, até mesmo
pensar, como esses produtos culturais tão imbricados também falam sobre a figura do
cancioneiro como esse mensageiro errante das injustiças e anseios nacional. Partindo do
pressuposto que elaborei para o TCC, a pesquisa pretende compreender, a partir dessa relação
entre imagem e som: Como podemos pensar a canção e a narrativa de Matraga como
formador de um imaginário de tragédia brasileiro?
2. DESENVOLVIMENTO

2.1. “Tanta vida pra viver”: justiça e tragédia brasileira em A hora e a vez de Augusto
Matraga

Do alto de uma falésia, alguém assiste as ondas do mar ricochetear nas rochas. Nenhum
abalo, nenhum sinal de danos. Passam-se anos, décadas, séculos. Em algum momento, as
ondas naturalmente conseguem arrancar sedimentos dessas rochas, e em um processo de
erosão, algo se desmancha. Quem sabe até – depois de algum tempo – essas ondas consigam
derrubar o topo da falésia. Essa é a imagem de onde parte o teórico Didi-Huberman para
pensar a revolta no ensaio Ondas, torrentes e barricas (2019). Lembro que meu encontro com
esse ensaio se deu de forma bastante irônica: estava no topo de um prédio de pelo menos 10
andares na Av. Paulista, onde é sediado o Instituto Moreira Salles, e de onde, do alto, eu pude
ver um pequeno protesto passando pela avenida. Tinham se passado três dias desde que o
presidente da Bolívia, Evo Morales, fora deposto em mais um golpe na América Latina. Do
alto, enquanto folheava as páginas desse ensaio, assistia o pequeno grupo de descendentes e
bolivianos moradores da capital paulista com bandeiras coloridas, se manifestando em meio à
calidez do cinza da cidade. Li o ensaio nesse contexto e, apenas tempos depois, o confrontei
enquanto estava lendo Sagarana, de Guimarães Rosa.

“Matraga não é matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel
Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-de-Embira”, descreve Rosa, ao não descrever.
Assim começa o conto, com Nhô Augusto sendo um carrasco no sertão, filho de coronel,
sobrinho de bandido e representante dos mandos e desmandos locais. Como apontado por
Antonio Candido, é um dos primeiros trabalhos de Rosa a tratar com potencialidade do
jaguncismo e consequentemente de raízes da relação poder institucional vs. oficial no Brasil.
“As raízes do jagunço de Guimarães Rosa já se encontram em seu primeiro livro no conto ‘A
hora e a vez de Augusto Matraga’. Nele, começamos por uma entrada mais ou menos
corriqueira no jaguncismo literário.” (CANDIDO, 2004, p. 115)

Assim como o banditismo social do cangaço – que para alguém que nasceu no Nordeste,
como eu, é um símbolo entranhado e controverso –, o jaguncismo é representativo da herança
direta das estruturas coloniais e escravagistas. Mesmo que seja um grupo de homens livres,
alguns encontram no pathos da violência e no caráter autoritário, uma forma de sobreviver a
partir da lei do mais forte. Lei do mais forte, que não pode ter sublimado o mandante: os
coronéis, donos de latifúndios, que se beneficiam dessas estruturas. Em um paralelo urbano,
lembra bastante a relação entre políticos e milícias policiais na periferia. Um dos trechos que
exprime bem essa relação de autoritarismo e força é na abertura do conto, quando Nhô
Augusto utiliza força bruta para interferir num leilão de prostitutas na cidade.

E, aí, de repente, houve um deslocamento de gentes, e Nhô Augusto,


alteado, peito largo, vestido de luto, pisando pé dos outros e com os braços
em tenso, angulando os cotovelos, varou a frente da massa, se encarou com
a Sariema, e pôs-lhe o dedo no queixo. Depois, com a voz de meio-dia,
berrou para o leiloeiro Tião: -Cinquenta mil-réis!... Ficou de mãos na
cintura, sem dar rosto ao povo, mas pausando para os aplausos. -Nhô
Augusto! Nhô Augusto! E insistiu fala mais forte: -Cinquenta mil-réis, já
disse! Dou-lhe uma! Dou-lhe duas! Dou-lhe duas - dou-lhe três!... (ROSA,
2001, p. 364)

Augusto é o topo de em uma estrutura patriarcal: algoz de sua mulher e filha, impõe a força
bruta aos outros homens. Até este momento, não há dor para ele, apenas para as pessoas ao
seu redor. Contudo, um dos signos mais poderosos dessa narrativa é a Fortuna, filha de
Júpiter e símbolo do acaso. Ou até, se pensar no clássico gênero de tragédia grega e o caráter
do protagonista que o conduz ao erro trágico, a Hamartia13. E é desse acaso que Nhô Augusto
é acometido. Os ventos sopram contrários. O jovem que iria ser padre e foi desviado por seu
pai e seu tio é abandonado por sua filha e esposa. Em seguida, é abandonado também pelos
homens que conferiam seu poder, no caso, seus jagunços. Eles se aliam a outro homem, com
mais poder que Augusto. O bando o ataca e o deixa quase morto.

Aqui penso no ensaio de Didi-Huberman (2019). Ele fala no texto sobre a potência em
imagens-sintomas e imagens-desejos. A primeira, seria qualificada como os rastros das
catástrofes morfológicas. Já a segunda, uma forma de experienciar a força das potências
através dos desejos. Ambas imagens se relacionam com a imagem das ondas e das falésias.
Os levantes pessoais e coletivos, segundo Didi-Huberman, são sempre ciclos, como as marés.
Aos poucos desgastam e derrubam algo da solidez institucional. Quando penso na narrativa
de A hora e a vez de Augusto Matraga, a partir da ideia dessa ideia de levante, sou levado
diretamente dos pontos central do ensaio: o sentimento de mudança (ou a força das marés),
geralmente nasce através da dor.

13
O termo aparece de forma bastante contundente na Poética, de Aristóteles.
“(...) como vemos em O encouraçado Potemkin, entre mil outros exemplos
possíveis – no sentimento doloroso causado pela perda e na possibilidade oferecida
às pessoas de manifestar essa dor: de expor o que sentem, no duplo sentido do
termo, como expressão visível (expor seu sofrimento aos olhos de todos) quanto no
sentido de assumir o risco (se expor ao perigo da repressão e, portanto, a um novo
sofrimento).” (HUBERMAN, 2019, p. 118)

Augusto não é herói. Muito menos mártir. O que reitera de forma contundente que não existe
narrativa de bom mocismo pras revoltas ao sul – como de fato não há para os grandes
símbolos políticos da América do Sul, como Che Guevara e Simón Bolívar. O que me parece
interessante é enxergar como existem duas possíveis revoltas no livro, a partir dessa ideia de
Didi-Huberman. A primeira delas é: Augusto foi o primeiro a sofrer um levante, através da
sua família e do seu bando. A partir dos maus tratos e do luto constante para família e
amigos, ele sofre um contra-ataque. Foi jogado da vala prestes a morrer. Uma vala literal,
mas também metafórica: um mergulho para se tornar outra pessoa. Nhô Augusto morre ali.
Agora quem assume a narrativa é Augusto Matraga, homem manco, pobre e abandonado. Nas
noites de dor e enfermidade, chora e chama por sua mãe. No fim das contas, ganhou a vida
que iria ter se não fosse a corrupção de seu parentes na infância: se torna um religioso. Para
além disso, se torna um altruísta e um camponês. Como dito antes – e repito – não se torna
herói, mas uma outra figura, marcada pela redenção e por suas dores pessoais. Esperando a
hora e vez de sua revolta pessoal.

Uma questão muitas vezes sublimada na narrativa de Matraga é o fato de que, após sofrer a
revolta de sua família e seus “homens de confiança”, acaba por ser resgatado e renasce num
seio familiar negro e pobre. Como se uma forma de se transformar em um outra pessoa e
renascer fosse se reencarnando em um lar que nunca tivesse sido criado, que era justamente o
oposto de tudo que Augusto não era. Assim nasce Augusto Matraga: das diferenças entre
vidas, das tragédias de desigualdade nacional e das diferenças raciais enraizadas. Talvez
pouco consciente disso, mas de toda maneira produto dessa vida outra. Enquanto vive esse
renascimento, temos a cena de Matraga na chuva. Como se a água batizasse. Purificasse o
corpo de quem ele um dia já foi.

FIG 3. Batismo de Matraga


Fonte: Reprodução/Youtube

Não tarda para "tentação" na vida de Augusto surgir. E ele, de fato, reza e pede para que não
seja consumido: a chegada do bando de pistoleiros de Joãozinho Bem-bem ao sítio abala
Augusto. God show me the way because the Devil's trying to break me down, como diria
Kanye, em Jesus Walks. Ele se vê reconhecido em Joãozinho, ou melhor, vê Nhô Augusto.
Aqui a Fortuna atua novamente: depois de negar a tentação, Augusto se muda para um outro
vilarejo. Por crueldade de seu destino, Joãozinho Bem-bem vai até a cidade para assassinar e
pilhar famílias da região. A sua hora o persegue, por mais que corra, esse elemento oracular e
obra do destino, consolidado pelas narrativas gregas, se faz presente.

Aqui abro um parênteses para comentar quatro pontos adicionados ao filme, que não estavam
presentes no conto: Nhô Augusto assusta as criancinhas vestidas de anjo e os moradores do
lugar; na cena final a luta do filme se passa dentro de uma igreja e no conto, em uma casa; a
cena em que nhô Augusto doma o jumento, momento fundamental do filme é uma adição de
Roberto Santos; ao fim do filme temos uma cena do enterro, que já demarca um caráter de
santificação de Augusto pela população, algo que não aparece de forma alguma no conto.

Enquanto lia fui acometido por como Rosa conduz com maestria os simbolismos cristãos e as
ambiguidades dos personagens. Cristianismo brasileiro, que é inclusive roteiro com diversas
reencenações: a ressurreição, o lar camponês e pobre, a redenção e sacrifício pelos outros.
Isso faz, inclusive, com que a ideia de justiça seja muito mais divina e menos social. Algo
que, como apontarei em breve, é completamente ressignificado pela canção de Geraldo
Vandré – ao passo que já é em algum nível na cena final do filme. E Vandré é como uma voz
onipresente: atua como o antigo coral das encenações gregas, que eram como uma voz divina
ou até uma personagem.

No que aponta o pesquisador e crítico Antonio Candido, o gesto de Augusto matar Joãozinho,
outro jagunço como ele, reitera a narrativa a partir da chave da tragédia nacional. É como na
raiz desse país, no folclore, a justiça se desse apenas entre iguais. Desvelados não como
somente oprimidos, mas frutos de tragédias incapazes de promover mudança social,
refletindo a justiça privada na vida pública brasileira. Para além de interpretar o gesto como
“lei dos brutos” ou “olho por olho e dente por dente”, a cena final fala muito sobre em que
nível informal a justiça se dá no país.

FIG 4. Morte de Matraga

Fonte: Reprodução/Youtube

Na análise do professor Nilson Nobuaki Yamauti (2005), existe um caráter simbólico da ética
cristã muito poderosa no conto. É uma espécie de conforto moral na religião, mas também,
uma preservação dos oprimidos, que já vivem em um purgatório na terra. (YAMAUTI, 2005,
p. 214, 215). Contudo, a rasura em A hora e a vez é não iniciar sua história com um
personagem perfeito enviado por Deus. Ele se liberta do passado para avançar em um futuro
possível, e sua libertação é a morte.

De todo, Augusto é uma figura demasiada humana, uma história com uma espécie de Jesus,
mas que não é filho de Deus. Mundana e essencialmente fruto de camadas e contextos sociais
muito brasileiros. Incorporando a gênesis da revolta segundo Didi-Huberman, após ter
conhecido a dor, o protagonista se sente apto, no sentido de assumir o risco. Aqui é a segunda
revolta presente no conto. Essa entre Augusto e Nhô Augusto, entre jagunço e o jaguncismo,
vida e morte, ser carrasco e virar símbolo de salvação para toda uma vila. Ele briga
violentamente com Bem-bem para salvar a cidade. Nesse momento ele sabe: chegou sua hora
e vez.

2.2. Rosa feroz, na narração de Silviano Santiago

Há algo de selvagem em Guimarães Rosa. É isso que Silviano nos apresenta em Genealogia
de Ferocidade: um mapa noturno para um Rosa e um Grande sertão: veredas como “objeto
estético insólito”, “monstro” de “beleza selvagem” (SANTIAGO, 2017, p. 11). Penso que A
hora e a vez de Augusto Matraga, mesmo sendo anterior a Grande sertão, é passível da
importação de algumas fabulações, justamente por entender que a constelação construída
aqui, parte do método de irromper no sistema literário brasileiro de modo intempestivo. Em
outras palavras, Silviano propõe um olhar feroz para um escritor cuja obra era feroz. A ideia é
que seria chegado o momento de libertar o monstro do efeito de uma tradição crítica, muito
pautada numa hegemonia eurocêntrica, que se fundou com Antonio Candido.

Vale ressaltar, que as recepções críticas mais imediatas das obras de Rosa foram marcadas por
demasiada incompreensão, como em Ferreira Gullar: “uma história de cangaço contada para
linguistas”; ou Adonias Filho: “um equívoco literário”. Ao tratar de Grande Sertão, em suma,
uma das principais domesticações se dá pela relação à questão da sexualidade “desviante”;
pelo “envelopamento” da “inédita, fluvial, verde e agreste disposição cênica do sertão
mineiro”. Como descreve Silviano, “obviamente, Euclides da Cunha escreveu essa
maravilhosa epopéia dizendo que nossa República começou com um crime”. E foi justamente
por esse olhar que muitas vezes a leitura de Rosa foi guiada. Mesmo que Grande Sertão se
tratasse de uma outra coisa, Os Sertões foi um projetou um miragem sobre Grande Sertão,
impedindo boa parte da crítica vislumbrar que haviam muito mais contornos metafísicos,
muito mais força imagética ancestral e selvagem.

Rosa era um estranho – que se tornou muito celebrado –, porém um estranho. “Em 1956,
quando foi publicado, o estilo era ditado por Brasília: retas, o mínimo, vidros e transparência.
Na Bienal de São Paulo, vemos trabalhos abstratos como a escultura em aço inoxidável
Unidade tripartida, de Max Bill, e, no campo da pintura, Ivan Serpa, com o quadro abstrato
geométrico. Qual era a poesia dominante? João Cabral de Melo Neto, sempre as mesmas
vinte palavras. Ora, se você abre o Grande sertão: veredas, vê ‘diabo’ se repetir trinta e duas
vezes”, pontua o pesquisador em entrevista para a Revista da UFRJ.14

A potência wilderness: “desconstruir significa desatar o elo proposto pela tradição historicista
e amistosa”. Essa desconstrução proposta por Silviano é pautada em uma relação de convívio
conflitiva com os projetos críticos que o alimentaram. Em contrapartida, propõe: “o modo de
abertura ao mundo do olhar e do corpo animal, questão que fascina, mas que ainda embrutece
o pensador que só consegue se afirmar teoricamente pela visão antropocêntrica do mundo”
(SANTIAGO, 2017, p. 107). Encarar o corpo animal é pensar políticas de gestos para além
dessa figura antropocênica. Disputar um Rosa centauro: tronco de homem – do neologismo,
logos e da arquitetura narrativa sofisticada –, com corpo e pernas de cavalo – da força
dionisíaca, ou melhor, exusíacas15. Pensar Matraga a partir da ideia do devir, afinal, “Matraga
não é Matraga, não é nada”. É a ideia de que a narrativa é de travessia para outra margem,
imagem não humana e de força natural. Matraga é virada. Uma possibilidade de virada, uma
roda viva, que abandona identidade e transforma formas de habitar suas experiências até a
chegada de sua “hora”, momento em que não pode ser mais nada além do que um homem à
beira do precipício.

Importo a ideia de monstruosidade para A hora e a vez, para pensar dois elementos
monstruosos que me puxam a atenção: 1) a questão do masculinismo – uma espécie de
chifres do bicho ignorados pela crítica –, e 2) a dificuldade de se pensar o lugar a obra para
um imaginário nacional, considerando para além da questão óbvia do jaguncismo e da
religião. O segundo, diz mais respeito a sua recepção inicial, que se dá por um apagamento da
força das imagens do conto, retendo muito mais a ideia de uma narrativa engavetada em sua
paisagem e em um traço “regionalista”. Esse foi uma espécie de fantasma da obra: uma
sombra que pairava impedindo muito da recepção da época de enxergar contornos políticos.
Como bem pontua Silviano, Guimarães Rosa é tido como um autor não político, mas talvez
seja o mais radicalmente político. Não é político “pela descrição da atualidade, mas por

14
Disponível em <https://revistas.ufrj.br/index.php/flbc/article/view/17389/14192>.

15
Termo que vem como forma de descolonizar o Apolíneo e Dionisiaco consolidado por Nietzsche. O Exusíaco
parte da imagem de Exu menino, que colheu o mel dos gafanhotos, mamou o leite das donzelas e acertou o
pássaro ontem com a pedra que atirou hoje; é o subversivo que, em um verso de Ifá, quando está sentado bate
com a cabeça no teto e em pé não atinge nem mesmo a altura do fogareiro.
construir, em uma linguagem muitas vezes não comprometida com o estilo dominante da
época, algo que sobressai e nos intriga nessa relação estreita, que existe nos enclaves, entre
homem e animal”. Ao tentar colocar Rosa no gibão de vaqueiro, os críticos perderam tudo
que a obra poderia ter sido. Penso em Vandré, muitas vezes lido como cantador nordestino,
que fez "músicas de protesto” no século passado, sem tampouco atentar para o caráter
metafísico e às vocações de suas imagens.

Ainda sobre o monstro domado pela crítica em A hora e a vez, sinto que é preciso reiterar que
toda trajetória de Augusto Matraga é muito lida a partir da ideia de patriarcado, como
estrutura de poder, enquanto sua narrativa masculinista é apagada. É preciso reconhecer
Matraga como sujeito de identidade etéreas, contudo, inerentemente masculinista em todas
suas viradas e práticas de gêneros. Por masculinismo, entendo o conjunto de práticas,
ideologias e movimentos culturais da masculinidade. No caso de Matraga, esse masculinismo
muito se relaciona com a ideia do Cristianismo Muscular16. De disciplina, força moral e dever
– muito agenciado pela religião. Essa segunda crítica, admito que pode soar injusta com o
tempo e meus parceiros de profissão que escreveram sobre a obra na época.

O debate de gênero certamente não deveria ser o mesmo. Mas, hoje, seria impossível pensar
em Matraga sem imaginar como o roteiro de masculinismo faz parte da sua purificação.
Como também seria impossível pensar a figura de Vandré e do cancioneiro sem pensar nos
fetiches masculinos de liberdade que ele reitera. A hora e a Vez é um conto sobre viradas. A
única coisa que permanece é uma certa aridez com o qual Matraga se narra: inclusive, a sua
própria ideia de catarse. Sua hora e vez tem a ver com um gozo masculino, que nem a religião
consegue lhe ausentar: no ápice da história dois homens lutam até a morte. Dois homens, que
por diversas vezes se chamam de irmãos e se entendem mais do que família um pro outro. E
agarrados sangram juntos.

2.3. “Com tanto pra se salvar”: mesmo relógio e diferentes horas de Vandré e Augusto

A música surgia antes mesmo das imagens ou do texto. Nas salas de cinema brasileiras, em
1965, quem decidiu assistir A Hora e a vez de Augusto Matraga acabou por se deparar com
16
Movimento filosófico nascido na Inglaterra, que se caracteriza pela crença no dever patriotico, disciplina,
masculinidade e na moral e físico atlético.
uma obra dentro da obra. No Recife, o filme passou no Cinema Moderno, Trianon e no
Cinema São Luiz. Basta consultar as programações nos jornais locais da época e vai tá estar
lá: sempre com uma pompa de que o filme se tratava de uma espécie de bang bang nacional.
Eram os anos de cinema de cangaço, uma espécie de western nacional. Ainda que não fosse
um filme sobre isso, A hora e a vez acabou por ser lido nessa chave, da mesma forma que o
conto de Rosa fora lida pela chave crítica de Os Sertões.

Esse filme, antes de imprimir em tela qualquer imagem, tinha uma canção. Uma canção
popular, meio folclórica e meio mitológica, carregando em seu título a palavra réquiem. Os
réquiens, na tradição católica, são uma prece para os mortos. Canções de luto em sua
essência. Dentro do campo composição musical, é um texto litúrgico da missa dos mortos
cujo introito começa com as palavras latinas requiem aeternam ('repouso eterno')17. Uma
anedota que vale ser citada sobre a composição mais famosa dos réquiens, o Réquiem em ré
menor de Mozart. A história é que foi um desconhecido quem encomendou ao músico o
réquiem. Essa pessoa queria uma peça para uma esposa moribunda. O homem entregou o
adiantamento do pagamento pela obra, disse que voltaria depois de um mês e em seguida
desapareceu. Alguns meses depois, cobrou a composição e tornou a desaparecer. Obsessivo
com a situação e já fascinado pela morte, a situação toda levou Mozart a crer que o
desconhecido se tratava de um mensageiro, que lhe requisitou a canção para o enterro do
próprio Mozart. No fim, ela nunca chegou a ser concluída. Mozart morreu em 1791, e a
composição foi terminada por outros compositores de Viena.

Desde então, tornou-se uma espécie de composição carregada com uma aura soturna e
misteriosa. Em específico, a que ecoou nas salas de cinema em 1965 era Réquiem para
Matraga, uma composição de Vandré, e seu luto era escrito para Augusto, protagonista do
filme. Uma canção melancólica e energizada, de poucos versos. Engraçado, uma canção que
presta condolências a uma personagem de luto negado. Como se a existência dela implicasse
uma extensão do que não cabe na obra, ou uma forma de rasurar ela mesma. Em Réquiem,
fica claro que a letra se trata de um comentário do compositor Vandré sobre a trajetória da
narrativa protagonista, estando presente no início do filme em forma de aboio sem palavras e
ao fim com sua letra. "Vim aqui só pra dizer / Ninguém há de me calar / Se alguém tem que

17
Definiçao disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%A9quiem
morrer / Que seja pra melhorar / Tanta vida pra viver / Tanta vida a se acabar / Com tanto pra
se fazer / Com tanto pra se salvar / Você que não me entendeu / Não perde por esperar".

A história sobre Mozart e seu mecena fantasmal me faz pensar em duas questões que servem
para pensar o réquiem de Vandré. A primeira, é a relação estreita dessa modalidade de
composição com uma tradição religiosa, mais especificamente uma canção endereçada a
alguém, mas repleta de fantasmas do próprio compositor. Algo que fala sobre Vandré e o
ethos do conto ao mesmo tempo. Outra questão, é pensar como a tradição dessa composição
evoca imagens anteriores ao próprio Vandré, ou Augusto, ou Rosa, se tratando como uma
espécie de imagem sobrevivente, no que Aby Warburg chamaria de pathos – emoções básicas
engendradas na civilização ocidental – em seu projeto inacabado, o Atlas de Imagens
Mnemosine.

Em 1965, a hora e a vez para Vandré era outra: nesse mesmo ano, além do Réquiem para
Matraga, lançou o disco Hora de Lutar, seu segundo álbum lançado pela Continental. O disco
é marcado por uma força prismática da música popular brasileira: da bossa nova com Baden
Powell, ao forró como Asa Branca de Luiz Gonzaga, passando pela marchinha Sonho de um
Carnaval, escrita por Chico Buarque. Um álbum com pretensões narra o Brasil a partir de
uma pluralidade de cores, que naquele momento lhe faltava. O disco fez um tremendo
sucesso e abria com o soneto do poeta português Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se
as vontades”. Quase uma versão poética da língua portuguesa para o The Times are a
Changin’, de Bob Dylan, que havia sido lançado no ano anterior e fazia barulho nos Estados
Unidos.

O Hora de Luta foi um disco que, de certa forma, radicalizou as expressões de conflito em
relação ao contexto político na obra de Vandré. Sonoramente é bastante marcado por
elementos da música africana, com forte levada da percussão, e traz em sua capa uma roda de
capoeira. Isso fica evidente principalmente nas faixas Dia de festa, Aruanda e Canto do mar.

Nessa fase de sua carreira, Vandré vivia um projeto artístico e político que passava por
“diminuir o vácuo existente, e cada vez maior, entre a realidade musical de nosso povo e o
comportamento musical da maioria dos nossos compositores de agora”. Nesse sentido, se
desprende da fórmula jazzística da bossa nova e adentra uma interpretação da temática
nordestina, com uma grande preocupação para temas de grandiosidade nacional e continental.
A partir deste momento surgiram canções como “Canção nordestina” e “Fica mal com Deus”.
Seu projeto político e musical tinha um propósito muito claro: elaborar uma música moderna
e próxima do popular.

Na introdução da canção Terra Plana, gravada para o disco Canto Geral, em 1968, Vandré
explica seu projeto artístico: “Me pediram para deixar de lado toda a tristeza, para só trazer
alegrias e não falar de pobreza. E mais, prometeram que se eu cantasse feliz, agradava com
certeza. Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vi. Canto sem competidor, partindo da
natureza do lugar onde nasci. Faço versos com clareza, rima, belo e tristeza. Não separo dor
de amor. Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho, de que o poder
que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que me fez cantador”.

No mesmo ano de Hora de Lutar, passou pela experiência de trabalhar a canção de Réquiem
para Matraga. Por mais que contribuído com uma faixa, a canção trouxe elementos que foram
marcantes para que Vandré produzisse as canções de sua “fase sertaneja”, como Disparada e
Ventania, que além de sonoridade, tem sua temática marcada por personagens e paisagens
muito relacionáveis com a obra de Rosa. O momento de composição de Réquiem representa
uma hora de travessia para um acirramento do discurso político na carreira do cantor.

A canção em si é marcada por uma performance serena e cavernosa, completamente


enunciativa e oracular. A influência sonora vem do rasqueado, estilo musical de ritmo da
região do Mato Grosso, fronteiriço e de fortes influências do folclore paraguaio. Vale lembrar
que essa colcha de retalhos – faixa inspirada em Rosa, com título de réquiem e influências
latinas – se dá em um momento de aproximação artística entre os países latinoamericanos.
Seja através da literatura, cinema ou canção. Ao mesmo tempo, estávamos vivendo a
contradição de países cada vez mais fechados, imersos em ditaduras. Ou seja, era um
momento de pensar num luto coletivo da própria América Latina.

Ela tem uma marca muito forte de onisciente e anunciação no filme. É uma voz sem lugar,
uma espécie de narrador paralelo e musical. Um segundo Deus, que não o autor. O vocal da
música no filme, por vezes parece querer reafirmar a solidão do personagem principal. Em
outros momentos, demonstra seu conflito diante do mundo. O seu peso é de arauto: um
oráculo invisível que acompanha a personagem do começo ao fim do filme, bem como os
corais que narravam as tragédias gregas.
Vandré relê Rosa
Quando Rosa escreveu o conto, o país vivia outro momento – quase diametral – ao de quando
Vandré escreveu a canção: em 1946 o país tinha uma nova Constituição, restaurou a
democracia imbuída pelo Estado Novo (1937-1946), acrescendo direitos trabalhistas, além do
apreço pelo Poder Legislativo. Digo isso, pois sinto que o ponto central para pensar a leitura
de Vandré, é entendê-la como imersa nas políticas nacionais da esquerda naquele momento.

A questão de uma consciência social nos gestos de Matraga não é algo dado no conto. E aqui
não estou dizendo que o músico teve uma leitura equivocada da obra: apenas entendo que, ao
criar uma obra contaminada pelos tons de revolta e tragédia nacional, consciente ou
inconscientemente, acabou aproximando as imagens de seu contexto de luta política. Porque
o processo de aprendizagem de altruísmo e renascimento em um lar oprimido no conto não
implica em Augusto Matraga uma leitura de levante social. Por mais simbólico que seja
sacrificar sua vida pela população de uma cidade, trata-se de uma força motivada pela
religião e o poder de renúncia. A hora e a vez de Augusto é metafísica, é a sua libertação. Já a
de Vandré, é a sua hora de lutar contra um governo autoritário e assassino. É possível dizer,
que essa forma como Vandré releu as imagens de revolta do conto está muito mais ligada a
como a visão das esquerdas brasileiras está impregnada por uma poética do cristianismo.
Tanto que o socialismo cristao estava em alta naqueles anos, principalmente a partir da
atuação de padres progressistas como Dom Hélder Câmara. E nisso há beleza: a forma como
Vandré modula imagens dessa ideia de tragédia, cristianismo e justiça para o contexto da
canção popular urbana. Como uma máquina capaz de arejar imagens anteriores a ela mesma.

Como relembra em análise a professora Inimá Simões (1997), o próprio diretor do filme,
Roberto Santos, comentou que Vandré teve uma relação muito própria com o filme e durante
toda produção a sua leitura da narrativa foi respeitada:

Matraga é um filme de sensações e os comentários cantados de Vandré


contribuem para isso, embora, às vezes surjam dúvidas sobre a perfeita
articulação com o sentido da trama. Roberto contou uma vez em João
Pessoa, no Seminário Paraibano sobre Cinema e Literatura, realizado em
1977, que a música de Geraldo Vandré não se ajustava ao desenho
psicológico do anti-herói Matraga, como ocorria com os versos 'se alguém
tem que morrer que seja pra melhorar'. Penso que ele foi surpreendido e
nunca pesou em limitar a inventividade de Vandré, o entusiasmo que o
levava na alta madrugada frente ao prédio onde Roberto morava, para
cantar alguma composição que tinha feito para a trilha. (SIMÕES, 1997, p.
85)

Me parece que quando se refere às sensações, Simões esteja se referindo a algo como um
pathos compartilhado pelas imagens construídas. Mesmo que discursivamente, desemboquem
em coisas diferentes. É como se Vandré e Augusto olhassem para o mesmo relógio, mas
vissem horas diferentes nele.

Pensando na práxis dos levantes, uma relação entre pathos e logos, em que logos pode
representar tanto um racionalismo cristão – como no conto –, quanto um racionalismo
político de esquerda – como aparece na canção. São as mesmas equações para o levante, mas
cada obra opera o denominador da logos sob outro significado discursivo: “(...) o impulso se
situa num espaço da relação entre páthos (da dor vivida) e o logos (do direito exercido): é
justamente por isso que a queixa não atendida leva ao ato de dar queixa”, como diz o textos
Ondas, torrentes e barricadas (2019). E essa turbulência entre pathos e logos é justamente o
que vai criar a tensão do levante.

A começar pelo caráter enunciativo, a primeira frase dita pela cancioneiro demarca uma ideia
forte de oralidade e do caráter discursivo. Já o segundo verso pode ser lido como uma
oposição à censura ou as maneiras simbólicas e palpáveis de silenciamento. Completando a
estrofe, os dois versos que delimitam o que Didi-Huberman chama de “cena de luto, seguida
pela grande onda insurrecional que vem depois do lamento coletivo”. É uma forma de
Vandré, através da tragédia de Matraga, pontuar um luto e luta política por cada vida perdida,
dessa vez se referindo muito mais à situação política que o país vivia.

Relembrando a anedota de Mozart, o réquiem é endereçado a quem afinal? Augusto? Vandré?


Ao luto coletivo? Essa nuvem de imprecisão torna a canção essa potência manipulável. Essa
estrofe inicial da canção, que me leva diretamente ao poema La Commune (1871), da poetisa
e militante anarquista Louise Michel, e também à imagem criada por Didi-Huberman no
ensaio:

Quando a multidão calada


se disser pronta para morrer,
como uma onda pesada,
a comuna vai se erguer.
Uma multidão avança
Vem por todos os caminhos
São os espectros da vingança

Na estrofe seguinte, Vandré versa: “Tanta vida pra viver / Tanta vida a se acabar / Com tanto
pra se fazer / Com tanto pra se salvar / Você que não me entendeu / Não perde por esperar”.
Dentro do contexto em que foi escrita, e se pensarmos o projeto artístico de Vandré, a palavra
tanta parece se referir a um contexto de luto coletivo. Já o “com tanto para se fazer e para se
salvar" é possivelmente uma retificação de um forma de impotência diante do luto. As duas
últimas linhas podem ser pensadas como a revanche, o payback ou a vingança. A canção se
encerra com a ideia de “você não perde por esperar”. Uma forma de reafirmar que a dor não
foi sentida em vão: ela será combustível para reação, tal qual os “espectros da vingança”, de
Louise Michel.

2.4. O cancioneiro enquanto Sebastião

O bardo é uma figura arquetípica, misto de lenda e realismo da Europa céltica e gaulesa, que
acompanha a canção como uma espécie de enunciador. Antes mesmo de existir a concepção
moderna da profissão de músico ou poeta e compositor, os bardos cruzavam uma Europa
medieval como uma espécie de narrador sonoro de seu tempo. No tarot, fonte simbólica
potente para pensar imagens do ocidente, a carta do Louco é por vezes representada por um
bobo da corte ou um bardo. Ele caminha sorridente, mesmo sendo alguém que caminha
solitário. Na imagem, um cão tenta avisá-lo do precipício que tem à frente, mas parece que
ele nem percebe, por estar caminhando em direção ao que quer, mas também aos acasos
possíveis na jornada.

Pensando na figura do louco, bardo ou o coringa, lembro da homenagem que Dylan prestou à
figura em Jokerman – uma de suas melhores músicas –, do álbum Infidels (1983). “Eu e outro
cara andamos de barco pelo Caribe. 'Jokerman' meio que veio até mim entre as ilhas. É muito
místico. As formas, as sombras, parecem ser ancestrais. Essa música é inspirada por esses
espíritos", escreve Dylan18. Num misto de referências bíblicas e o andar solitário do louco,
Jokerman narra um tipo de viajante, boêmio, implacável, como um bardo ou cancioneiro.
18
Disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/Jokerman_(song)>
Você é um homem das montanhas, você pode andar sobre as nuvens
Manipulador de multidões, você distorce sonhos
Você vai para Sodoma e Gomorra
Mas o que importa? Lá ninguém vai querer casar com a sua irmã
Amigo do mártir, amigo da mulher infame
Você olha para a fornalha ardente, vê um homem rico sem nome

Coringa dance ao som do rouxinol


Pássaro voe alto sob o luar
Oh, oh, oh, Coringa19

O coringa é uma imagem dupla, sobrevivente para se pensar de duas maneiras. Por um lado,
fruto de uma loucura social, muitas vezes relacionada na cultura pop a algum tipo de desastre
químico ou social. Por outro, representante de um extravagância e loucura artística: a figura
do bardo e do coringa é encenada a todo tempo por artistas modernos – inclusive, pelo
próprio Dylan, por Jack Kerouac e Allen Ginsberg, mas também por Vandré. Sinto que esse é
um dos signos que conecta todos esses exemplos: a persona errática, responsável por viajar
com os próprios pés, ouvir e contar histórias. Ser cancioneiro é ser poeta e historiador. Uma
pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as
histórias do seu povo em poemas recitados. Além de tudo, assumia o papel de ser narrador
moral de seus tempos, um tipo de professor e historiador informal. Inclusive, um arquétipo
que é carregado por um outro tipo de sentido para a palavra história: por se tratar de alguém
que ouve e conta elas, é um narrador que trata a história como, também, uma possibilidade de
ficcionalização. Esse jogo de jokers e narradores têm um papel demasiado perigoso, mas que
ajuda a mistificar trajetórias de artistas e ganha muita potência como reiteração de personas
na mídia.

Enquanto uma figura de liberdade e pautada em ideias de liberdade e independência, é


interessante pensar também a figura do cancioneiro e do bardo enquanto um fetiche
masculino, da figura do self-made man, capaz de criar seu próprio destino. No caso do
beatniks e de Dylan, reiteraram bastante a ideia da famosa highway 66, que os levava para o

19
Tradução disponível em <https://www.letras.mus.br/bob-dylan/68252/traducao.html>.
Oeste, numa espécie de reencarnação moderna do mito do cowboy americano. A trajetória do
cowboy começa em 1500, como uma tradução literal do termo espanhol “vaquero”, atribuído
para quem tangia o gado – que na época eram os nativos americanos e mexicanos, muitos
deles negros. Sabemos que, no fim, essa origem não tão familiar viria a ser apagada da
narrativa hollywoodiana. Paralelamente a isso, o período de 1860 a 1890 seria denominado
“Velho Oeste”. Os anos são marcados pela expansão em direção ao Oceano Pacífico, sobre o
território dos ameríndios. A ideia do cowboy está, segundo Bill C. Malone (2018), associada
também a uma expansão cultural dos Estados Unidos para o West. O cowboy é um tipo de ID
do homem: um lugar de projeções de desejos e fetiches. Não à toa, muitos dos gêneros –
country, bluegrass e folk – ligados ao cultural cowboy são marcados por seus cancioneiros
trajando botas.

Apontando para uma perspectiva nacional, com Vandré o roteiro segue uma lógica
extremamente contaminada por estereótipos e ideias de um homem regional e nordestino, que
passa pelo êxodo e carrega com si a história de um “outro Brasil”. Vivemos na terra dos
exploradores românticos, dos roteiros de descoberta colonial, passando pelos bandeirantes até
os fluxos migratórios do Norte/Nordeste para o eixo Rio-São Paulo. Mesmo que ambos os
casos sigam uma lógica fetichista, elistista e masculinista, acabam por ser reiterados tanto
pelas falas dos artistas, quanto por roteiros performáticos em letras e narrativas artísticas.
Uma série de reiterações do cristianismo muscular (citado no capítulo anterior) e da ideia de
que aquele corpo é um arauto, passível de ressurreições e ameaça ao status quo com a sua
mensagem. “Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vi. Canto sem competidor,
partindo da natureza do lugar onde nasci. Faço versos com clareza, rima, belo e tristeza. Não
separo dor de amor”, como marca da abertura de Hora de Lutar, de Vandré. O cancioneiro é,
então, construído como essa figura do sofredor: ama sua mulher, conta histórias do que viu e
viveu e morre – de preferência, injustamente – pelo seu país. Aqui os enredos do sofredor se
confundem, pois o próprio Augusto Matraga parece reencenar esse lugar.

É pungente também o lugar do cristianismo nessas encenações. Elas são o tempo todo
atravessadas por catarses messiânicas, que se confundem com políticas de esquerda e ideias
de solidariedade, justiça e luta popular. É uma leitura do século XX que sobrevive hoje: a
confusão do messianismo católico e do socialismo. É claro, temos que sempre trazer para
perto da discussão como o contexto foi muito pautado, principalmente em Pernambuco, pela
relação estreita entre os Centros populares de cultura ligada à Igreja Católica durante a
Ditadura Militar.

Pode-se dizer que a centralidade de figuras políticas e artísticas imbuídas de roteiros de


cristianismo e atentas às políticas sociais nos deu uma espécie de Sebastianismo de esquerda
como herança cultural. O cancioneiro latino-americano é, antes de tudo, um Sebastião. O
próprio Geraldo Vandré reitera isso, provavelmente de forma involuntária, ao simplesmente
desaparecer da vida pública e por anos ser procurado, aclamado e convocado. Se não temos
um corpo, pode-se acreditar no retorno de D. Sebastião, para salvar o Reino de Portugal. E
como Sebastião, ele nunca voltou. Essa narrativa é a mesma que conduz a persona de figuras
políticas como Lula ou Antônio Conselheiro. São corpos e narrativas que se confundem, em
mitos de heroísmo e do sofrimento latino-americano.

Ser cancioneiro é como o lema da bandeira de Hélio Oiticica: ser herói, ser marginal. É
também ser Sebastião e estar sempre fantasmal. Aproveitando uma oportunidade para
retorno. Está implicado na figura: ninguém conhece as histórias e esse chão em que pisamos
como ele. Matraga, Vandré, Lula ou Antônio Conselheiro são todos Sebastião, de alguma
forma. Ouso dizer, que a própria canção Réquiem para Matraga assume em Bacurau um
roteiro de Sebastião: uma música original dos tempos cultuados do cinema nacional, que
retorna no último filme a sobreviver aos desmontes. Mas todo Sebastião é, também, um
fantasma. E todo fantasma é familiarmente estranho.

2.5. Canção enquanto sabença e transmissão de conhecimentos

Algumas coisas possuem em si o acúmulo de muitas vozes anteriores. Digo isso, porque o
vento não leva palavra alguma: depois que se entra pelos ouvidos de outro alguém, as
palavras marcam como tatuagem. Enquanto escrevia os textos aqui presentes, me deparei
com essas: “Lembro de uma canção / Que ela cantava pra mim / Um trem numa estação que
partiu levando o bem derradeiro / e só deixou no meu peito uma grande dor”, em Cavaleiro
de São Joaquim, de Elomar. Imediatamente tive alguma impressão que, se a linguagem de
Rosa tivesse uma versão musicada, ela certamente seria feita por Elomar. Tanto que o baiano
criou o Canto do Sertão – Um aboio para Rosa, um espetáculo dedicado ao escritor. Um João
Guimarães Rosa musical. Da linguagem arcaica de Elomar, podemos observar a frequência
das variantes pronominais “ancê”, “iancê” e “você”, passando por uma ideia potente de
poliglossia: do dialeto sertanejo ao dos pampas; do português culto ao arcaico, medieval,
manipulando com facilidade também as línguas estrangeiras. Coisas que Elomar e Rosa
compartilham.

A linguagem em Rosa e Elomar são sofisticadas, por trazerem uma “linguagem dialetal
sertaneza”, de maneira arcaizante, flutuando entre vernacular, a erudição e o neologismo,
entendendo o sistema da canção, da escrita e da palavra como uma forma viva e suscetível a
dinâmicas. Segundo a professora e pesquisadora Jerusa Pires Ferreira: "Ajuntam céus e
terras, crenças e vivências, coisas grandes e pequenas, e se organiza a recriação do grande
texto oral, sertanejo, Ibérico e universal. É como se ouvisse um canto de milênios, os gêneros
da poesia medieval, do grande relato épico, o mundo misterioso, mais a captação de
flagrantes da vida sertaneja". Texto oral, local, singular e universal.

Essa descrição chega de forma incrível para essa pesquisa, pois consegue traduzir tão bem
gostos em comum entre os cancioneiros Vandré e Elomar, mas, também, do escritor Rosa.
Quando abro o texto dizendo que algumas coisas soam como acúmulo de vozes, penso que,
às vezes, a canção canta toda sua tradição ao simplesmente existir. Ela não é um sistema
fechado: para sabermos cantar qualquer música, primeiro temos que ouvi-lá. É um processo
de troca, porque se ouve, se incorpora e, em seguida, se repassa.

Em Sagarana, livro no qual o conto A hora e a vez de Augusto Matraga aparece, Rosa buscou
pensar justamente sobre essa tradição e sobre a transmissão e o acúmulo dela. O título, saga -
rana, forma o neologismo para épico-comum: "saga", radical de origem germânica que
significa "canto heróico", "lenda” e "rana", palavra de origem tupi que significa "que exprime
semelhança ". A palavra forma algo que significa "próximo a uma saga". Uma história que
poderia ser dos mitos gregos, ou narrativas de um bardo medieval, mas ao mesmo tempo são
demasiadamente humanas e terrenas como as repentes dos sertanejos. O épico enquanto
gênero parte de uma tradição da poesia oral para se construir mitos fundadores. É como se
cada peça da nossa civilização, em algum momento, tivesse sido passada de boca a boca,
muito antes da impressão ou de outros mecanismos de registro para além do oral.

Sinto que Vandré faz em Réquiem para Matraga e Elomar faz em sua obra é carregar o gesto
clássico e épico da narração oral. Mesmo que em outro suporte, Guimarães Rosa também se
apropria de vários gestos de transmissão de conhecimento via oralidade em Sagarana, e isso
só é possível por conta de sua ferocidade linguística, que nos permite entender traços
extremamente orais em seu texto. Aqui, coloco esses três próximos na constelação,
justamente por me fornecerem por aproximação um panorama interessante de como a canção
pode, e deve ser vista, como uma forma de narração e transmissão de conhecimento tanto
quanto qualquer outro suporte.

Quando penso na canção como forma de transmissão de conhecimento, falo mais de um


ponto de vista da sabença, ou seja, a soma ou o acúmulo de muitos conhecimentos, populares
e eruditos. E essa figura, portadora desse conhecimento e responsável pela sua transmissão, é
por excelência o cantador e o cancioneiro. Como se eles estivessem ali por todos antes deles.
Como se, em cada história que contam, estivesse contida todas as outras que já ouviram. A
canção é um dispositivo – sofisticadíssimo, diga-se de passagem – de transmissão de sabença,
porque antes mesmo de saber o que é a vida, ouvimos uma canção que nos dá algumas pistas
sobre ela. Mas, vale ressaltar, a beleza está também nessa transmissão que não se dá por
maneiras estritamente racionalizadas (como uma letra que te conta uma história ou uma
forma letrada de aprender algo). Na verdade, existe nessa transmissão oral de sabença
enquanto forma de conhecimento emocional: uma espécie de micro políticas subjetivas de
aprendizado.

O que Vandré faz com Réquiem para Matraga é uma leitura sua, de um conto sobre tragédia
nacional e ciclos. Partindo de Rosa, ele contamina a obra com suas observações sobre o que
seria a tragédia: aí resta a importância da canção como fabulação como formas de habitar o
mundo. Conta um conto e aumenta um ponto, porque entende que a canção é a sua forma
própria de narrativização do mundo. Nisso cabe muito acúmulo de vozes passadas, mas
também cabe muita beleza.

3. CONCLUSÃO
Partindo da canção Réquiem para Matraga, de Geraldo Vandré, busquei construir aqui uma
série de sete ensaios acadêmicos que pudessem pensar narrativas contemporâneas. A sombra
que paira sobre esses textos é a de Silviano Santiago, ainda que nem sempre em citação
direta, sinto que o autor e acadêmico me permitiu pensar o mundo a partir do ensaio.
Imaginar as políticas emocionais e culturais do texto. Esses ensaios buscam ser um circuito
aberto e são fabulações tanto quanto a própria canção. Inicialmente foi composta para o
clássico A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965), filme de Roberto Santos, Réquiem para
Matraga foi um objeto que considerei interessante também para pensar um trabalho que
dialogasse com múltiplas coisas. Seria impossível falar da canção sem falar do filme e muito
menos sem falar do conto. A ideia de constelação, proposta por Mariana Souto, é muito
importante para mim: ela aponta para uma ancestralidade cósmica, que por séculos ajudou a
guiar a humanidade. É ela quem me guia aqui.

Com a volta das imagens e de espectros dessas obras do século passado, é possível narrar
nosso presente tão contaminado emocionalmente e politicamente por essas questões. Jogamos
luz ao passado para ver se ele nos ilumina de volta. Se, de toda forma, na política federal
deste país voltamos às tensões dos tempos da ditadura, do ponto de vista cultural foi aberta
uma caixa de pandora anacrônica que nos atravessa por essas imagens. Se falo de tragédia
nacional, foi porque nos últimos anos vi uma presidenta sofrer um golpe de estado, vi uma
vereadora negra e bissexual ser brutalmente assassinada e vi o primeiro presidente operário
ser preso sem provas.

Essa pesquisa partiu da hipótese central de que a canção de Vandré “sobrevivia” através do
tempo por conta de suas imagens arquetípicas. Ao fim, o que encontrei foi um sistema de
disputas entre narrativas muito mais complexo, que diz muito sobre nós enquanto brasileiros
e consumidores da arte nacional. Cheguei algumas conclusões e pontuo cinco delas aqui: 1.
Tanto Rosa, quanto Vandré utilizam de imagens seculares de tragédia, remontando inclusive o
gênero grego. Contudo, cada um está demasiadamente contaminado pelos zeitgeist próprios;
2. O roteiro da tragédia nacional passa pelo sentimento de luto e pelo lugar central das
imagens do cristianismo; 3. Geraldo Vandré por vezes parece reencenar a própria personagem
de Matraga, enquanto sofredor e enquanto voz oracular; 4. O cancioneiro é figura importante
para entender uma série de fetiches masculinos, mas também do papel político e do
sebastianismo na América Latina; 5. O suporte da canção é um dispositivo contemporâneo
poderoso para narrar subjetividade e criar fabulações. Essas questões, que estão longe de
serem respostas, se relacionam diretamente com os objetivos específicos pontuados na
Introdução: 1. Pensar a obra a partir dessa ideia do luto no popular nacional; 2. Pensar a
figura do cancioneiro; 3. Identificar as relações poéticas, imagéticas e sonoras, entre luto e
tragédia política nesse imaginário.
Como continuidade da exploração realizada aqui, é de interesse expandir a pesquisa em
algum programa de pós-graduação em Comunicação ou Letras. Esse lugar da literatura
enquanto objeto e prática textual me encanta por possibilitar uma abordagem acadêmica sem
os lugares dados. Marca também um lugar que ela ocupa na minha vida agora, enquanto
poeta. Imagino que ainda existe um caminho e possibilidades muito interessantes para pensar
a canção a partir da Teoria da Literatura, expandir o gênero do ensaio na academia e buscar
formas de dialogar com fabulações subjetivas e teóricas em conjunto. Creio que ambas são
imbricadas e se iluminam de forma recíproca. Construir novas relações, mudar as rotas e
desfazer roteiros. Procurar um rosto selvagem para observar as narrativas contemporâneas.
REFERÊNCIAS

ABRACCINE. Abraccine organiza ranking dos 100 melhores filmes brasileiros.


Disponível em:
https://abraccine.org/2015/11/27/abraccine-organiza-ranking-dos-100-melhores-filmes-brasil
eiros/. Acesso em: 1 dez. 2020.

AUGUSTO, B. F. Sobre flores e canhões: canções de protesto em festivais de música


popular. Per musi , Belo Horizonte, v. 29, n. 1, p. 1-20, jul./2014.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade. In: _____. Magia e
Técnica, arte e política - ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas,
volume I, 2ª edição, São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

CANDIDO, Antonio. Jagunços mineiros de Claudio a Guimarães Rosa. In: ______.


Vários Escritos. São Paulo, Rio de janeiro: Duas Cidades, Ouro sobre azul, 2004.

CARDOSO, MARILU. Música, política, repressão e resistência: Geraldo Vandré. XXVIII


Simpósio Nacional de História, [s. l.], v. 1, ed. 1, 1 jun. 2015.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Que emoção! Que emoção? Tradução de Cecília Ciscato. São
Paulo: Editora 24, 2016.

DURAND, Gilbert. L’ imaginaire. Essai sur les sciences et la philosophie de l’image. Paris:
Hatier, 1994.

CESAR, Ligia Vieira. POESIA E POLÍTICA NAS CANÇÕES DE BOB DYLAN E


CHICO BUARQUE . 1. ed. Curitiba: UFPR, 1990. p. 1-125.

CONTRACAMPO. Transcendência da revolta. Disponível em:


http://www.contracampo.com.br/27/matragaalmeidasalles.htm. Acesso em: 1 dez. 2020.

IAZZETTA, Fernando. A imagem que se ouve. 1. ed. São Paulo: USP, 2009. p. 1-20.

MORAES, J. G. V. D. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Rev.


bras. Hist , São Paulo , v. 20, n. 39, p. 1-7, fev./2017.

MORIN, Edgar. O
​ Cinema ou o Homem Imaginário​. Lisboa: Relógio d’Água Editores.
1997.

ORLANDI, E P. DISCURSO, IMAGINÁRIO SOCIAL E CONHECIMENTO . Em Aberto,


Brasilia, v. 61, n. 1, p. 1-20, jun./1994.

PIRES e PEREIRA da SILVA. O cinema, a educação e a construção de um imaginário social


contemporâneo. Educ. Soc. , Campinas, v. 35, n. 127, p. 1-17, jun./2014.
PEREIRA de SÁ e JANOTTI JR; Revisitando a noção de gênero musical em tempos de
cultura musical digital. Galaxia , São Paulo, v. 41, n. 1, p. 128-139, ago./2019.

SASSO, WILSON. A hora e vez de Augusto Matraga : da literatura ao cinema. 2004.


121 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004.

SIMÕES, lnimá. ROBERTO SANTOS: a hora e vez de um cineasta. São Paulo: Estação
Liberdade, 1997, p. 85

SOUTO, MARIANA. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema.


SciELO , São Paulo, v. 45, 1 dez. 2020.

TEIXEIRA, A. F. A. M. C. S. Gilbert Durand e a pedagogia do imaginário. Letras de Hoje,


Porto Alegre, v. 44, n. 4, p. 7-13, dez./2009.

WARBURG, ABY. O Nascimento de Vénus e a Primavera de Sandro Botticelli, trad. A.


Morão, Lisboa, KKYM, 2012.

YAMAUTI, Nilson Nobuaki. Literatura e sociedade: a barbárie resultante da ausência de


um Estado Democrático de Direito no mundo de Augusto Matraga. Acta Sci. Human
Soc. Sci. Maringá, v. 27, n. 2, p. 203-221, 2005

Você também pode gostar