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Três sujeitos em três linguagens1

André Santa Rosa2, Lara Thaíse Arruda Borges3, Maria Eduarda De Martino Junqueira
Franco4

Resumo: Através do questionamento: “que pretendemos dizer com crise


de identidade?”, o trabalho se debruça sobre as possíveis representações
dos sujeitos segundo o teórico cultural e sociológico britânico-jamaicano
Stuart Hall. Dentro da nossa época de fraturas de sistemas políticos, novas
tendências tecnológicas, debates sobre representação e representatividade
e uma dissipação da ideia de presença, se faz cada vez mais necessário
pensar qual o lugar do conceito de Identidade. Esse trabalho tem como
objetivo partir dos três sujeitos de Stuart Hall, para criar representações
visuais, que servissem de metáfora ou ilustração para identidades distintas.

Palavras-Chave: Identidade. Stuart Hall. Significado.

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Introdução

Partindo da questão: “que pretendemos dizer com crise de identidade?”, o teórico


cultural e sociólogo britânico-jamaicano Stuart Hall, se debruça sobre acontecimentos
culturais contemporâneos e do passado para pensar o conceito de identidade. “O próprio
conceito com o qual estamos lidando, "identidade", é demasiado complexo, muito pouco
desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser
definitivamente posto à prova” (Hall, 1992, p. 8). A hipótese de partida do autor é que as
identidades modernas estão sendo deslocadas ou fragmentadas, e isso resulta no sujeito pós-
moderno. Parafraseando o crítico cultural Kobena Mercer em busca de respostas para a ideia
de crise de identidade, Hall cita: "A identidade somente se torna uma questão quando está em
crise, quando se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e
da incerteza" (Mercer, 1990, p. 43).

Justificativa
Dentro da nossa época de fraturas de sistemas políticos, novas tendências
tecnológicas, debates sobre representação e representatividade e uma dissipação da ideia de
presença, se faz cada vez mais necessário pensar qual o lugar do conceito de Identidade.
Pensar sobre os fenômenos que tangenciam a Identidade é uma forma de localizar o sujeito
no mundo e entender suas ações, crises e questões. Se estamos em uma pandemia em que

1 Trabalho de resultado da disciplina Linguagem e Comunicação do curso de Pós Graduação em Direção de


Arte no 2º semestre de 2021 orientado pela Professora Doutora Carolina Lara Kallas.
2 André Santa Rosa é estudante de Direção de Arte da Faculdade de Belas Artes, jornalista formado pela
Universidade Federal de Pernambuco, pesquisador e crítico literário. E-mail: andrefcsr@gmail.com.
3 Lara Thaíse Arruda Borges é formada em Cinema e Audiovisual pelo Centro Universitário Jorge Amado,,
pós-graduanda em Direção de Arte da Faculdade de Belas Artes e crítica de cinema. Email:
lara_arruda7@hotmail.com
4 Maria Eduarda De Martino Junqueira Franco é Diretora de Arte e Publicitária formada pela Escola Superior
de Propaganda e Marketing. Email: dudajunqueiraf@gmail.com
descobrimos novas formas de nos relacionarmos com o outro e com nós mesmos, a questão
da Identidade se torna central dentro das inquietações humanas. Se antes nossos corpos
faziam parte constituinte para nossa Identidade, qual o lugar da identidade na era das redes
sociais? Não buscamos aqui respostas irredutíveis ou fechadas, mas sim construir esboços
que fazem parte de uma um panorama amplo sobre o conceito.

Objetivo
Como todo fenômeno cultural, Hall defende os princípios da escola britânica de
Estudos Culturais: devemos sempre atentar para as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais. Dessa forma, na primeira parte do livro, o autor
caracteriza a história a partir de três sujeitos: iluminista, sociológico e pós-moderno. Esse
trabalho tem como objetivo partir dos três sujeitos de Stuart Hall, para pensar representações
visuais, que servissem de metáfora ou ilustração para identidades distintas. Levando em
consideração que tudo comunica e tudo é linguagem, ou seja, todos elementos postos buscam
narrar esses personagens, a partir de um exercício próprio de Direção de arte.

Capítulo 1: Sujeito iluminista (cenografia)

Segundo Stuart Hall, o sujeito do Iluminismo ou sujeito iluminista tem sua identidade
centrada, unificada, sempre norteado pelas capacidades da razão, da consciência e da ação.
Essa centralidade da identidade do sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que
permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou ''idêntico" a ela ao longo de sua
existência. “Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se ver que essa era uma concepção
muito ''individualista" do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade dele: já que o
sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino)”, escreve o autor. Ou seja,
partimos desse sujeito unificado, masculino e racional para pensar uma identidade rija e
positivista.

Figura 1: mosaico de imagens Sujeito Iluminista

Figura 2: video do Sujeito Iluminista


Na ilustração desse primeiro sujeito, utilizamos materiais que remetessem a três
elementos: luz (da ciência e do conhecimento), ciência e conhecimento acadêmico e burguês.
A ideia da Cenografia (registrada em vídeo ou foto) foi representar esse sujeito a partir do
que seria sua escrivaninha ou mesa de trabalho. A começar pelo livro, que optamos por um
material de capa dura e de folhas douradas, que remetem a rigidez e a certo tom de
sofisticação do iluminismo, dado que o acesso aos livros e a leitura eram muito restritos nessa
época. O escritor do livro também não é por acaso: Júlio Verne, um homem burguês
contemporâneo ao iluminismo, que tem suas histórias voltadas para ficção científica e ao
sentimento de expansão da tecnologia e conhecimento humano.
Em uma das imagens, o livro posa ao lado do globo, que remete a um homem
cientificista e em busca de uma razão mesmo que contrarie a fé. Isso se relaciona diretamente
às disputas entre os renascentistas e a Igreja Católica sobre o formato da terra. A vela que
acende e ilumina as palavras e o espaço na escuridão remete a questão da “luz do
conhecimento” e dessa figura centrada: só é capaz de enxergar aquilo que está “iluminado”,
sem panorâmicas ou nuances. Por fim, atentamos a cor do fundo, o vermelho. A cor vermelha
está muito relacionada à nobreza, à masculinidade e à revolução. Vale lembrar que esse
homem iluminista é fruto do surgimento da prensa de Gutenberg 5 e das revoluções burguesas
como a francesa. Ele é fruto de certeza numa ideia fixa e irredutível de progresso, sendo essa
certeza e o caráter imutável um de seus principais traços.

Capítulo 2: Sujeito Sociológico (fotografia interativa)

De acordo com Stuart Hall, o Sujeito Sociológico é aquele no qual a identidade é


formada pela interação entre o “eu” e a sociedade. É de forma contínua que ocorre esta
mudança, visto que, em contato com os outros, o sujeito sofre alterações; ainda, existindo um
“eu real” que permanece em seu núcleo. “A identidade, nessa concepção sociológica,
preenche o espaço entre o "'interior" e o "exterior"- entre o mundo pessoal e o mundo
público. O fato de que projetamos a "nós próprios" nessas identidades culturais, ao mesmo
tempo que internalizamos seus significados e valores, tornados "parte de nós", contribui para
alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo
social e cultural. A Identidade, então, costura (ou, para usar metáfora, "sutura") o sujeito à
estrutura” (Hall, 1992, p. 11-12).

5 Johannes Gutenberg por volta de 1450, cria a prensa com base nas prensas de vinhos. < acesso
https://pt.wikipedia.org/wiki/Prensa_m%C3%B3vel >
Partindo desse pressuposto, para ilustrar o segundo sujeito, escolhemos assim, uma
foto onde são expostos dois sujeitos iguais em 3D; um deles é formado pelo núcleo
sociológico, ou seja, pela intervenção d’outro, enquanto, em tela azul, desaparece, deixando
apenas o núcleo real do indivíduo. Este foi feito através da junção de duas imagens
espelhadas, para representar o sujeito olhando para o outro, colocando um filtro vermelho e
azul para dar o efeito desejado ao espelhar a tela; a qual foi espelhada com o celular em um
filtro azul. Mesmo que essas cores se complementam em oposição. Esse, seria formado pela
primeira caracterização do ser, enquanto o outro, no qual formam-se as duas imagens, seria o
Sujeito Sociológico explicado por Hall.
Assim, temos a visão da descrição de Hall a partir de um efeito fotográfico de edição,
podendo visualizar ilustrativamente como seria a relação d’este para com o outro e o cerne de
si mesmo. Ele é resultado do pessoal e do público, no qual ocupa-se espaços não apenas de
nós mesmos, mas também espaços culturais nos quais o indivíduo se identifica.

Figura 3: imagem espelhada

Figura 4: visão do sujeito a partir do filtro “social”


Capítulo 3: Sujeito Pós-Moderno (instalação)

O Sujeito Pós-Moderno é explicado por Stuart Hall como um sujeito sem identidade
fixa, mas sim uma identidade múltipla, muitas vezes até mesmo contraditória. O sujeito pós-
moderno é definido pela história, onde o indivíduo é formado e reformado durante a sua vida
e devido as suas influências, ele “assume identidades diferentes em diferentes momentos”.
Este indivíduo faz da identidade uma celebração constante (por exemplo com filtros do
instagram e selfies), a identidade unificada, completa e segura acaba sendo apenas uma
fantasia, e o sistema de significados e representações se multiplicam.
Para ilustrar o objeto do Sujeito Pós-Moderno, utilizamos a intertextualidade, as
máquinas e tentamos representar o espaço e o tempo. Assim foi criado um vídeo, com
colagens digitais que representavam diferentes momentos e identidades de uma das
participantes do projeto, no final com todas essas identidades individuais multiplicadas e
misturadas. Para apresentar o projeto, resolvemos utilizar o canvas como uma materialização
do do indivíduo, uma tela em branco onde a cada momento poderia ser criado, recriado,
representado e ressignificado. Dessa maneira, o ideal seria colocarmos um projetor, para que
assim a identidade do indivíduo fosse apresentada em seu corpo.
Despropositadamente nos vimos em um dos males da modernidade: depender da
tecnologia. O projetor, nosso objeto tecnológico escolhido nos veio a falhar e com isso
precisávamos entrar com uma nova ideia, um novo meio de nos comunicarmos. Acabou que
nosso projetor criado em casa com caixa de papelão, fez parte da direção de arte do projeto e
nos ajudou a significar o nosso sujeito.

Figura 5: mosaico do Sujeito Pós-moderno


Considerações finais

O trabalho buscou pensar formas possíveis de representar os três conceitos de Hall,


que são muito caros para entender o papel da identidade na contemporaneidade. Com cada
linguagem exercendo uma função específica, com os elementos pontuados dentro das obras
para fixar a materialização do sujeito. Através da direção de arte, a finalidade foi pensar na
significância e em como nada que está inserido é por acaso.
Se pensarmos no ponto de vista do roteiro (o texto em estudo), cada elemento inserido
dentro das imagens e instalação são uma interpretação pessoal das palavras ditas por Stuart
Hall. Como visto em nossos estudos, a semiótica se torna nossa ferramenta para adicionar os
significados e símbolos postos em nossa direção de arte. Como pontua Lucia Santaella, “... o
signo, fosse capaz de atingir a mais absoluta identidade e completude em relação ao objeto
que representa, então não seria mais um signo, seria o próprio objeto, e este, o objeto, estaria
fadado ao desaparecimento”. Então o trabalho trata de construir versões visuais, de nossas
próprias interpretações do trabalho de Hall.

Lista de Imagens
Fig. 1: mosaico de imagens Sujeito Iluminista (página 2)

Fig. 2: video do Sujeito Iluminista (página 3)

Fig. 3: imagem espelhada (página 4)

Fig. 4: visão do sujeito a partir do filtro “social” (página 4)

Fig. 5: mosaico do Sujeito Pós-moderno (página 5)

Referências bibliográficas

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da


Silva &. Guaciara Lopes Louro. Rio de. Janeiro: Lamparina, 2014.

MERCER, Kobena. Black art and the burden of representation, Third Text, 4:10,61-78,
DOI: 10.1080/0952882900857625, 1990.

SANTAELLA, Lúcia. O signo à luz do espelho. In:______. FOLHETIM, set.1984.

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