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construção dos navios, quando Bias de Priéne ou, segundo
outros, Pitacus de Mitileno, veio a Sardes. Perguntando-lhe
Creso se havia na Grécia algo de novo, sua resposta fez cessar
os preparativos. “Príncipe, — disse-lhe ele — os insulares,
estão adquirindo grande quantidade de cavalos, com o propósito
de vir atacar Sardes e combater-te”. Creso, julgando ser isto
verdade, redarguiu: “Possam os deuses inspirar aos insulares o
desejo de atacar os Lídios com cavalaria!” “Parece-me, senhor,
— volveu Bias — que desejais ardentemente dar-lhes combate
a cavalo, no continente, e vossas esperanças são fundadas; mas
logo que souberem que preparais uma frota para atacá-los,
aprestar-se-ão imediatamente para surpreender os Lídios no
mar, pois outra coisa não aspiram senão vingar em vós os
gregos do continente, por vós reduzidos à escravidão”. Creso,
encantado com esta observação, que lhe pareceu muito sensata,
abandonou o projeto e fez aliança com os Iônios das ilhas.
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XXX — Sólon, tendo saído de Atenas por esse motivo
e, também, para satisfazer a curiosidade, dirigiu-se
primeiramente ao Egito, à corte de Amasis, e de lá a Sardes, à
de Creso, que o recebeu com distinção e o alojou no próprio
palácio real. Três ou quatro dias depois de sua chegada, foi
conduzido, por ordem do príncipe, ao tesouro, onde Creso lhe
mostrou todas as suas riquezas. Quando Sólon já tinha visto e
observado bem tudo, o rei falou-lhe nestes termos: “A notícia
de tua sabedoria e de tuas viagens chegou até nós; e não ignoro
absolutamente que, percorrendo tantos países, não tens outro
fim senão o de instruir-te sobre as suas leis, seus costumes e
aperfeiçoar teus conhecimentos. Quero que me digas qual o
homem mais feliz que viste até hoje”. Naturalmente, o soberano
lhe fazia esta pergunta por julgar-se o mais feliz dos mortais. “É
Telo de Atenas” — tespondeu Sólon sem lisonjeá-lo e sem
disfarçar a verdade. Ante essa resposta, volveu Creso: “Por que
julgas Telo tão feliz?” “Porque, residindo numa cidade
florescente, — continuou Sólon — teve dois filhos lindos e
virtuosos, e cada um lhe deu netos, que viveram muitos anos, e
afinal, depois de haver usufruído uma fortuna considerável em
relação às do nosso país, terminou os seus dias de maneira
admirável: num combate dos Atenienses com seus vizinhos de
Eleusis. Saindo em socorro dos primeiros, pôs em fuga os
inimigos e pereceu gloriosamente. Os Atenienses ergueram-lhe
um monumento por subscrição pública, no próprio local onde
ele tombou morto, e lhe tributaram grandes honras”.
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dois jovens tinha absoluta necessidade de ir ao templo num
carro, e os bois tardavam a chegar do campo. Os rapazes, vendo
o tempo passar, puseram-se eles mesmos sob a canga, e
puxando o carro, no qual ia a mãe, conduziram-no assim, numa
distância de quarenta e cinco estádios, até o templo da deusa.
Depois dessa bela ação, testemunhada por grande número de
pessoas, terminaram seus dias da maneira mais ditosa,
pretendendo a divindade, com isso, mostrar que é mais
vantajoso para o homem morrer do que viver: Os Árgios,
reunidos em torno dos dois jovens, louvaram-lhes o
procedimento, enquanto as mulheres felicitavam a sacerdotisa
por possuir tais filhos. Esta, no auge da alegria, cumulada de
elogios, de pé, junto à estátua, pediu à deusa que concedesse
aos dois jovens, Cléobis e Biton, que a tinham honrado tanto, a
maior felicidade que pode alcançar um mortal. Terminada a
prece, depois do sacrifício e do festim solene, os rapazes
adormeceram no próprio templo, para não mais despertar. Os
Árgios ergueram estátuas a ambos e os consagraram a Delfos,
como homens perfeitos”.
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vinte e cinco mil quinhentos e cinqüenta dias. Ora, entre esses
vinte e cinco mil quinhentos e cinqüenta dias, perfazendo
setenta anos, não encontrareis um que não traga um
acontecimento semelhante a outros. É preciso convir, senhor,
que o homem não é senão vicissitudes. Possuís certamente
riquezas consideráveis e reinais sobre um grande povo, mas não
posso responder à vossa pergunta sem saber se terminareis os
vossos dias na abundância; pois o homem cumulado de riquezas
não é superior àquele que possui o necessário, a menos que a
boa sorte o acompanhe e que, gozando de todas essas espécies
de bens, termine venturosamente a existência. Nada mais
comum do que a desgraça na opulência e a ventura na
obscuridade. Um homem imensamente rico mas infeliz tem
apenas duas vantagens sobre o feliz, enquanto que este conta
com grande número delas sobre o rico infeliz. O homem rico
está mais em condições de satisfazer seus desejos e de suportar
grandes perdas, mas se o outro não pode resistir a essas perdas,
nem contentar os desejos, sua felicidade o põe a coberto de
umas e de outros. Aliás, admitindo que ele esteja no uso de
todos os seus membros, goze de boa saúde, não sofra nenhum
desgosto e seja feliz com os filhos; se a todas essas vantagens
acrescentardes a de uma morte gloriosa, aí tereis o homem que
procurais. Ele, sim, merece a classificação de feliz. Mas, antes
da morte, evitai julgá-lo; não lhe deis esse nome; considerai-o
somente bem aquinhoado.
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saída; pois Deus, depois de entremostrar a felicidade a certos
homens, costuma destruí-la por completo de um momento para
outro.”
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Tmolus, por acreditá-lo inacessível. Hiroeade percebera na
véspera um lídio descendo da cidadela por aquele ponto, a fim
de apanhar uma moeda que lhe escapara das mãos, e o vira
subir, em seguida, pelo mesmo caminho. Esta observação
impressionou-o e fê-lo refletir. Subiu, ele próprio, por ali,
acompanhado de outros persas. Seguia-o, pouco mais atrás, uma
grande quantidade de soldados. Assim foi tomada Sardes, e a
cidade inteira entregue à pilhagem.
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comprovar se Creso, cujo espírito piedoso era tão proclamado,
seria preservado das chamas por alguma divindade. Já sobre a
fogueira, o rei dos Lídios, apesar da dor cruciante que
experimentava, lembrou-se das palavras de Sólon, de que
“nenhum homem pode dizer-se feliz enquanto respirar”,
palavras que então lhe pareciam inspiradas por um deus. A esse
pensamento, assegura-se ter ele, com um longo suspiro, saído
do silêncio em que se vinha mantendo, exclamando por três
vezes: “Sólon!” Ciro, ouvindo-o, perguntou por intermédio dos
intérpretes a quem invocava o prisioneiro. Creso, a princípio,
nada respondeu; mas, compelido a falar, disse-lhe: “É um
homem cujo convívio eu preferiria às riquezas de todos os reis”.
Parecendo aos persas obscura aquela resposta, eles o
interrogaram de novo. Vencido pela insistência, Creso
respondeu afinal, declarando que certa ocasião Sólon, de
Atenas, viera à sua corte, e tendo contemplado todas as suas
riquezas, nenhuma importância lhes dera. Tudo acontecera,
porém, como Sólon previra, embora seu discurso não tivesse
sido dirigido especialmente ao rei dos Lídios, pois era antes
uma advertência a todos os homens em geral e, sobretudo, aos
que se julgam felizes. Assim falou Creso. O fogo já havia sido
ateado e a fogueira já começava a arder pelas extremidades
quando Ciro, recebendo pelos intérpretes a resposta do soberano
vencido, arrependeu-se do seu gesto. Lembrou-se de que
também era um ser humano e que, não obstante, estava fazendo
queimar um seu semelhante, que não se julgara menos feliz do
que ele. Por outro lado, temia a vingança dos deuses; e
refletindo sobre a instabilidade das coisas humanas, mandou
apagar imediatamente a fogueira e fazer descer Creso e seus
companheiros de infortúnio. Todavia, os maiores esforços já
não conseguiam debelar a violência das chamas.
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oferendas lhe foram agradáveis, o socorra e o salve de tão
iminente perigo. Essas súplicas eram acompanhada de copiosas
lágrimas. De súbito, num céu límpido e radioso, nuvens
pardacentas se aglomeram; desaba uma tempestade, e a chuva,
caindo em abundância, apaga o fogo. Tão prodigioso fato veio
mostrar a Ciro o quanto Creso era querido pelos deuses por suas
virtudes. Fazendo-o descer da fogueira, falou-lhe nestes termos:
“Ó Creso, quem te aconselhou a invadir minhas terras com um
exército, declarando-te meu inimigo em vez de buscares a
minha amizade?” “Teu destino feliz e a má sorte me arrastaram,
senhor, a esta malfadada empresa — respondeu Creso. — O
deus dos Gregos foi o culpado de tudo; ele, somente ele,
persuadiu-me a atacar-te. É preciso ser muito insensato para
preferir a guerra à paz. Na paz, os filhos sepultam os pais; na
guerra, os pais sepultam os filhos. Enfim, aprouve aos deuses
que as coisas assim se passassem”.
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escravo, julgo-me no dever de advertir-te sobre o que mais
vantajoso me pareça, quando o percebo melhor do que tu. Os
Persas, indisciplinados por índole, são pobres. Se permites que
eles pilhem esta cidade e retenham os despojos, é provável que
quem lograr o melhor quinhão se disponha à revolta. Se
aprecias meus conselhos, ordena a alguns dos teus guardas que
se coloquem à entrada da cidade e exijam de tuas tropas os
despojos, sob o pretexto de que é preciso consagrar a décima
parte a Júpiter. Por esse meio não atrairás o ódio dos soldados,
embora privando-os do produto da pilhagem; e quando eles
souberem que não queres nada para ti, obedecerão de muito boa
vontade.
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neceu imóvel foi por estarmos ainda distantes, mas tudo leva a crer que
sairá para combater no momento em que nos vir devastar suas proprieda
des. Sempre que as coisas acontecem diante de nossos olhos e nos vemos
diretamente vítimas de um tratamento insólito, a cólera nos inflama; a partir
daí já não refletimos e passamos a agir impetuosamente. Deve ser especial
mente assim para os atenienses, que pretendem comandar os outros e estão
mais habituados a devastar as cidades alheias que a ver a sua arrasada.
"Então, já que empunhamos as armas contra uma cidade tão podero
sa, e que nosso conceito e o de nossos antepassados depende de nossos
sucessos ou reveses, segui a rota que vos será traçada. Observai antes de
tudo a disciplina, sede vigilantes, rápidos para apreender as ordens. Nada é
mais belo e ao mesmo tempo mais seguro que um grande exército moven
do-se em perfeita unidade."
MAR EGEU
o
ÁTICA E ARREDORES
27 O Cerâmico exterior, ou fora-das-muralhas, logo depois das Duas Portas (Dípy/on). Essa
estrada era para Atenas o que a Via Ápia era para Roma.
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para o local do mausoléu, subiu à plataforma, bastante alta para que a sua
voz fosse ouvida tão longe quanto possível pela multidão, e disse o seguinte:
37. "Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas insti
tuições de nossos vizinhos"; ao contrário, servimos de modelo a alguns 29 ao
invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas
da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais
para a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se
é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma
classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente,
a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à
cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição.
Conduzimo-nos liberalmente em nossa vida pública, e não observamos com
uma curiosidade suspicaz a vida privada de nossos concidadãos, pois não
nos ressentimos com nosso vizinho se ele age como lhe apraz, nem o olha
mos com ares de reprovação que, embora inócuos, lhe causariam desgosto.
Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio pri
vado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente
por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às
leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às
que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a
todos.
28 Alusão aos espartanos, cujas instituições teriam sido copiadas de ereta; veja-se Aristóteles,
29 Possível alusão à embaixada vinda de Roma em 454 a.c. para examinar a constituição de
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41. "Em suma, digo que nossa cidade, em seu conjunto, é a escola de
toda a Hélade e que, segundo me parece, cada homem entre nós poderia,
por sua personalidade própria, mostrar-se auto-suficiente nas mais variadas
formas de atividade, com a maior elegância e naturalidade. E isto não é
mero ufanismo inspirado pela ocasião, mas a verdade real, atestada pela
força mesma de nossa cidade, adquirida em conseqüência dessas qualidades.
Com efeito, só Atenas entre as cidades contemporâneas se mostra superior
à sua reputação quando posta à prova, e só ela jamais suscitou irritação nos
inimigos que a atacaram, ao verem o autor de sua desgraça, ou o protesto
de seus súditos porque um chefe indigno os comanda. Já demos muitas
provas de nosso poder, e certamente não faltam testemunhos disto; sere
mos portanto admirados não somente pelos homens de hoje mas também
do futuro. Não necessitamos de um Homero para cantar nossas glórias,
nem de qualquer outro poeta cujos versos poderão talvez deleitar no mo
mento, mais que verão a sua versão dos fatos desacreditada pela realidade.
Compelimos todo o mar e toda a terra a dar passagem à nossa audácia, e
em toda parte plantamos monumentos imorredouros dos males e dos bens
que fizemos", Esta, então, é a cidade pela qual estes homens lutaram e mor
30 Subentenda-se: "dos males feitos aos inimigos e bens feitos aos amigos".
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reram nobremente, considerando seu dever não permitir que ela lhes fosse
tomada; é natural que todos os sobreviventes, portanto, aceitem de bom
grado sofrer por ela.
44. "Eis porque não lastimo os pais destes homens, muitos aqui pre
sentes, mas prefiro confortá-los. Eles sabem que suas vidas transcorreram
em meio a constantes vicissitudes, e que a boa sorte consiste em obter o que
é mais nobre, seja quanto à morte - como estes homens - seja quanto à
amargura - como vós, e em ter tido uma existência em que se foi feliz
quando chegou o fim. Sei que é difícil convencer-vos desta verdade, quando
lembrais a cada instante a vossa perda ao ver os outros gozando a ventura
em que também já vos deleitastes; sei, também, que se sente tristeza não pela
falta de coisas boas que nunca se teve, mas pelo que se perde depois de ter
tido. Aqueles entre vós ainda em idade de procriar devem suavizar a tristeza
com a esperança de ter outros filhos; assim, não somente para muitos de
vós individualmente os filhos que nascerem serão um motivo de esqueci
mento dos que se foram, mas a cidade também colherá uma dupla vanta
gem: não ficará menos populosa e continuará segura; não é possível, com
efeito, participar das deliberações na assembléia em pé de igualdade e pon
deradamente quando não se arriscam filhos nas decisões a tomar. Quanto a
vós, que já estais muito idosos para isso, contai como um ganho a maior
porção de vossa vida durante a qual fostes felizes, lembrai-vos de que o
porvir será curto, e sobretudo consolai-vos com a glória destes vossos fi
lhos. Só o amor da glória não envelhece, e na idade avançada o principal
não é o ganho, como alguns dizem, mas ser honrado.
45. "Para vós aqui presentes que sois filhos e irmãos destes homens,
antevejo a amplitude de vosso conflito íntimo; quem já não existe recebe
elogios de todos; quanto a vós, seria muito bom se um mérito excepcional
fizesse com que fosseis julgados não iguais a eles, mas pouco inferiores. De
fato, há inveja entre os vivos por causa da rivalidade; os que já não estão em
nosso caminho, todavia, recebem homenagens unânimes.
"Se tenho de falar também das virtudes femininas, dirigindo-me às
mulheres agora viúvas, resumirei tudo num breve conselho: será grande a
vossa glória se vos mantiverdes fiéis à vossa própria natureza, e grande tam
bém será a glória daquelas de quem menos se falar, seja pelas virtudes, seja
pelos defeitos.
verão os peloponésios e seus aliados, com dois terços de suas forças como
antes, invadiram a Ática sob o comando de Arquídamos filho de Zeuxídamos,
rei dos lacedernônios, e ocupando posições convenientes passaram a devas
tar a região. Poucos dias após a entrada deles na Ática manifestou-se a pes
te 34 pela primeira vez entre os atenienses. Dizem que ela apareceu anterior
mente em vários lugares (em Lemnos e outras cidades), mas em parte alguma
se tinha lembrança de nada comparável como calamidade ou em termos de
destruição de vidas. Nem os médicos eram capazes de enfrentar a doença,
já que de início tinham de tratá-la sem lhe conhecer a natureza e que a mor
talidade entre eles era maior, por estarem mais expostos a ela, nem qualquer
outro recurso humano era da menor valia. As preces feitas nos santuários,
ou os apelos aos oráculos e atitudes semelhantes foram todas inúteis, e afinal
a população desistiu delas, vencida pelo flagelo.
34 A doença subjacente à peste de Atenas não foi identificada até hoje de maneira segura com
qualquer das enfermidades conhecidas. Alguns estudiosos falam em febre tifóide eruptiva,
outros em tifo, cujos sintomas se aproximam mais do descritos com tanta precisão por Tucídides.