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A tentação da religião fácil

Cardeal Odilo Pedro Scherer-Arcebispo de São Paulo (SP)

Não está fácil ser cristão, em várias partes do mundo! Muitos estão sendo
cerceados em sua liberdade de consciência, perseguidos e martirizados,
apenas por serem discípulos de Jesus Cristo. São muito atuais as palavras de
advertência de Jesus, ao encorajar os discípulos, falando-lhes do que os
esperava: "sereis perseguidos e odiados por minha causa" (cf Lc 21, 12-19).
Jesus não prometeu vida fácil a seus seguidores!

A cena de Jesus com seus discípulos no caminho para Jerusalém, retratada no


Evangelho de São Mateus (cf Mt 16,21-27), é muito ilustrativa. Jesus lhes fala
da própria rejeição pelas autoridades do templo de Salomão, em Jerusalém, de
seus sofrimentos, morte na cruz e ressurreição ao terceiro dia. Pedro, cheio de
vontade de "defender" o Mestre, quer convencê-lo a desistir do caminho para
Jerusalém: "Deus te livre, isso não te acontecerá!"

As palavras de Jesus a Pedro são duras: "vá para longe de mim, satanás! És
para mim, ocasião de tropeço!" São as mesmas palavras usadas por Jesus
para superar a terceira tentação no deserto, antes de iniciar sua missão pública
(cf Mt 4,10). Pedro fazia o papel de "tentador" e Jesus o afastou
decididamente, continuando seu caminho para Jerusalém: "tu não pensas
conforme Deus, mas conforme os homens!" (cf Mt 16,23).

De qual tentação tão grave se tratava? Se Jesus desse razão a Pedro, evitaria
os sofrimentos anunciados. Qual seria o mal? É que essa tentação implicava
em desistir do Evangelho e da missão de Jesus. Pedro, ingenuamente,
querendo impedir que algo de mal acontecesse a Jesus, acabaria desviando
Jesus do seu caminho, impedindo-o de ser a testemunha fiel da verdade de
Deus, de ser coerente e fiel à missão de manifestar o amor de Deus até às
últimas consequências. Era uma grande tentação!

Jesus não atrai os discípulos para facilidades, vantagens, prosperidade e


glórias terrenas: "se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua
cruz e me siga!" (Mt 16,24). Várias outras passagens do Evangelho retratam o
convite a seguir Jesus, não por interesses pessoais, mas a abraçar de coração
inteiro o Evangelho do reino de Deus por ele anunciado e tornado presente no
mundo.

É antiga e sempre atual a tentação de oferecer Jesus como um "produto" para


a solução mágica para todos os males, sem a exigência de verdadeira fé e
conversão ao reino de Deus. Um cristianismo sem mudança de vida, sem cruz
nem renúncia aos próprios projetos, sem sintonia com o projeto de Deus, sem
os 10 mandamentos da lei de Deus, seria falsificar Jesus e o Evangelho!

Essa tentação traiçoeira, mais do que nunca, pode ser atual em nossos dias:
pretende-se apresentar um Jesus simpático e atraente, produto falsificado nas
vitrines de um mercado religioso sempre mais florescente, para atrair adeptos
com toda sorte de facilidades e vantagens. Lembrou o Papa Francisco: uma
Igreja sem Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, acabaria sendo uma
espécie de "ONG do bem", mas não seria mais a Igreja de Cristo!

Tentação perigosa, pois mexe com coisas muito sérias e induz a engano fatal:
"de que adianta alguém ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida?" –
pergunta Jesus. (cf Mt 16,26). Quem busca Jesus apenas para ter vantagens
pessoais, facilidades, vaidades e riquezas, não "arrisca" nada por ele; não é a
Jesus e o reino de Deus que busca, mas apenas a si próprio e a seus projetos
pessoais. A "renúncia a si mesmo" equivale, de fato, à primazia absoluta dada
a Deus e a seus caminhos.

A "religião fácil" é uma tentação perigosa, um grave engano! No final de tudo,


se não houve sincera conversão e "renúncia a si mesmo", mesmo tendo
conseguido todas as vantagens do mundo, a frustração poderá ser total.

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