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O ateísmo sistemático
20. O ateísmo moderno apresenta muitas vezes uma forma sistemática, a qual,
prescindindo de outros motivos, leva o desejo de autonomia do homem a um tal grau
que constitui um obstáculo a qualquer dependência com relação a Deus. Os que
professam tal ateísmo, pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu
próprio fim, autor único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é incompatível
com o reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas as coisas; ou que, pelo
menos, torna tal afirmação plenamente supérflua. O sentimento de poder que os
progressos técnicos hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.
Não se deve passar em silêncio, entre as formas atuais de ateísmo, aquela que
espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação económica. A esta, dizem,
opõe-se por sua natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a
esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena. Por
isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam
violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão
de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.
1
Cfr. Pio XI, Enc. Divini Redemptoris, 19 março 1937: AAS 29 (1937), p. 65-106; Pio XII,
Enc. Ad Apostolorum Principis, 29 junho 1958: AAS 50 (1958), p. 601-614; João XXIII,
Enc. Mater et Magistra, 15 maio 1961: AAS 53 (1961) p. 451-453; Paulo VI, Enc. Ecclesiam
Suam, 6 agosto 1964: AAS 56 (1964), p. 651-653.
felicidade. Ensina, além disso, a Igreja que a importância das tarefas terrenas não é
diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos
motivos a sua execução. Pelo contrário, se faltam o fundamento divino e a esperança
da vida eterna, a dignidade humana é gravemente lesada, como tantas vezes se
verifica nos nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado e da dor, ficam
sem solução, o que frequentemente leva os homens ao desespero.
Entretanto, cada homem permanece para si mesmo um problema insolúvel,
apenas confusamente pressentido. Ninguém pode, na verdade, evitar inteiramente
esta questão em certos momentos, e sobretudo nos acontecimentos mais importantes
da vida. Só Deus pode responder plenamente e com toda a certeza, Ele que chama o
homem a uma reflexão mais profunda e a uma busca mais humilde.
Quanto ao remédio para o ateísmo, ele há de vir da conveniente exposição da
doutrina e da vida íntegra da Igreja e dos seus membros. Pois a Igreja deve tornar
presente e como que visível a Deus Pai e a seu Filho encarnado, renovando-se e
purificando-se continuamente sob a direção do Espírito Santo.2 Isto há de alcançar-se,
antes de mais, com o testemunho duma fé viva e adulta, educada de modo a poder
perceber claramente e superar as dificuldades. Magnífico testemunho desta fé deram
e continuam a dar inúmeros mártires. Ela deve manifestar a sua fecundidade,
penetrando toda a vida dos fiéis, mesmo a profana, levando-os à justiça e ao amor,
sobretudo para com os necessitados. Finalmente, o que contribui mais que tudo para
manifestar a presença de Deus é a caridade fraterna dos fiéis que unanimemente
colaboram com a fé do Evangelho3 e se apresentam como sinal de unidade.
Ainda que rejeite inteiramente o ateísmo, todavia a Igreja proclama sinceramente
que todos os homens, crentes e não-crentes, devem contribuir para a reta construção
do mundo no qual vivem em comum. O que não é possível sem um prudente e sincero
diálogo. Deplora, por isso, a discriminação que certos governantes introduzem entre
crentes e não-crentes, com desconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa
humana. Para os crentes, reclama a liberdade efetiva, que lhes permita edificar neste
mundo também o templo de Deus. Quanto aos ateus, convida-os cortesmente a
considerar com espírito aberto o Evangelho de Cristo.
Pois a Igreja sabe perfeitamente que, ao defender a dignidade da vocação do
homem, restituindo a esperança àqueles que já desesperam do seu destino sublime, a
sua mensagem está de acordo com os desejos mais profundos do coração humano.
Longe de diminuir o homem, a sua mensagem contribui para o seu bem, difundindo
2
Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. I, n. 8: AAS 57 (1965), p.
12.
3
Cfr. Fil. 1,27.
luz, vida e liberdade; e, fora dela, nada pode satisfazer o coração humano: «fizeste-
nos para Ti», Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não repousa em Ti».4
13
Cfr. Rom. 8, 1-11.
14
Cfr. 2 Cor. 4,14.
15
Cfr. Fil. 3,10; Rom. 8,17.
16
Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 16: AAS 57 (1965), p.
20.
17
Cfr. Rom. 8,32.
18
Cfr. Liturgia Pascal bizantina.
19
Cfr. Rom. 8,15 e Gal. 4,6; Jo. 1,12 e Jo. 3, 1-2.