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A QUESTÃO DO FILIOQUE
1 Quando se fala do Pai como princípio absoluto, não se tenciona dizer que o Filho é
relativo ou é inferior ao Pai. Em Deus não há maior ou menor nem anterior ou poste
rior.
2
Do verbo latíno faz-se processão, vocábulo da Teologia Sistemática, que difere de
procissão.
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2. As etapas da controvérsia
A profissão de fé mais antiga que menciona a proveniência do Es
pírito a partir do Pai e do Filho é um Credo atribuído a S. Dâmaso Papa
(366-384) 1 • Outras profissões de fé dos séculos IV-VI incluem o Filioque,
geralmente na Espanha, onde estava difundida a concepção do Filioque.
Compreende-se então que alguns Concílios regionais de Toledo
tenham feito idêntica declaração. Foi o que se deu em 447, 633, 638 ...
Muito mais importante e ousada foi a inserção do Filioque no Cre
do niceno-constantinopolitano. Os Concílios da Espanha adotaram esta
medida no intuito de mais difundir tal crença. O primeiro testemunho de
tal inserção data de 589: o Concílio de Toledo Ili recitou o símbolo da fé
com o Filioque, e pronunciou o anátema sobre quem recusasse crer que
o Espírito Santo procede do Pai e do Filho; os conciliares, por quanto se
depreende das atas do Concílio, julgavam que tal doutrina já fora profes
sada por Nicéia I e Constantinopla 1. - A inserção do Filioque no símbolo
foi igualmente professada pelos Concílios regionais de Toledo VIII {653),
XII (681), XIII (683), XIV (688), XVII (694), como também pelo 42 Concílio
regional de Braga (675) e pelo de Mérida (666).
Enquanto isto acontecia, alguns teólogos rejeitavam o acréscimo
do Filioque ao símbolo. A sé de Roma ou os Papas aceitavam a doutrina
do Filioque, mas não favoreciam a inserção feita no Credo; repetida
mente rejeitaram instâncias de cristãos sinceros que pediam à Santa Sé
o reconhecimento e a oficialização do Filioque no símbolo de fé. Tinham
consciência de que tal gesto podia melindrar os gregos, que, por razões
culturais, lingüísticas e políticas, se distanciavam aos poucos da Sé de
Roma (desejosos de fazer de Constantinopla a Nova Roma). Por conse
guinte, nos séculos VINIII os Papas se abstinham de falar do Filioque
na sua profissão de fé.
Da península ibérica a profissão do Filioque passou para o reino
dos francos. Como atestam os Livros Carolinos, redigidos em 794 por
ordem de Carlos Magno, tal uso era comum no território franco. A propa
gação deste costume era, em grande parte, movida pelo desejo de afas
tar qualquer heresia que restaurasse o adopcionismo o u o
subordinacionismo. Em 809 o Filioque era cantado na capela de Carlos
Magno.
No séc. VIII deu-se ainda o caso dos monges latinos de Jerusalém.
Com efeito; Carlos Magno estava em boas relações com o Califa Haroum
- ai - Raschid, senhor da Terra Santa; em conseqüência o califa outorgou
ao rei dos francos uma certa soberania sobre Jerusalém. Havia monges
1 Há quem diga que a prioridade toca a S. Ambrósio de Milão (t 397).
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Santa Sé, que resistiu até o século XI. Em 1013, porém, o Imperador
Henrique li (1002-1024) instou, mais uma vez, junto ao Papa Bento VIII
(1012-1024) para que inserisse o Filioque no canto do Credo em Roma;
o Pontífice anuiu ao pedido em 1014, ficando assim os latinos unânimes
na observância de tal praxe.
No século IX, o Patriarca Fócio de Constantinopla levantou de novo
a questão acusando os latinos de ser "transgressores da Palavra de Deus,
corruptores da doutrina de Jesus Cristo, dos Apóstolos e dos Padres;
seriam novos Judas a dilacerar os membros de Cristo". O Patriarca era
movido não somente por zelo religioso, mas também por àmbição políti
ca, já que desejava exaltar a nova Roma em detrimento da primeira.
Redigiu uma carta encíclica aos Patriarcas e Arcebispos do Oriente, em
que abordava questões discutidas, inclusive a do Filioque, e chegou a
escrever:
"O símbolo de fé diz somente que o Espírito Santo procede do Pai.
Por conseguinte o símbolo afirma que o Espírito Santo procede do Pai
somente".
Como se vê, Fócio usa uma dialética vazia, que peca contra as
regras da Lógica, maltratando o advérbio somente.
Em 867, Fócio reuniu em Constantinopla um Concílio anti-romano,
pouco freqüentado.
Depois de Fócio, a situação se acalmou até o Patriarca Sísimo, de
Constantinopla, que em 995 renovou os ataques aos latinos. As suas
invectivas chegaram ao termo final sob o Patriarca Miguel Cerulário, quan
do em 1054 se deu a ruptura, até hoje existente, entre gregos e latinos.
De então por diante o Filioque foi sendo abertamente professado
pelos Papas e pelos Concílios do Ocidente. Com efeito, em 1098 um
Concílio em Bari (Itália) travou um debate com os gregos, professando o
Credo ampliado. Em 1215 o Concílio do Latrão IV professou a processão
do Espírito a partir do Pai e do Filho na sua exposição dogmática Firmiter
credimus. Em 1274 o Concílio de Lião li condenou com anátema os que
negavam tal artigo.
Ao afirmar que o Espírito procede do Pai e do Filho, os latinos não
quiseram negar a fórmula grega"... do Pai pelo Filho"; elas se conciliam
entre si, pois que o Pai gera o Filho dando-lhe a peculiaridade de ser
Princípio do qual procede o Espírito Santo (está claro que isto não impli
ca prioridade de dignidade ou de tempo para o Pai em relação ao Filho e
ao Espírito Santo).
A teologia escolástica medieval latina, seguindo as pegadas de
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' Rutenos são os cristãos dependentes da antíga metrópole Kiev (Ucrânia), que após
o cisma se uniram à Santa Sé pelo tratado de Brest-Litovak (25/12/1595). São ditos
"uniatas" porque se uniram a Roma.
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S. Hilário de Poitiers {t 367) escreve: "A quem julga que há diferença entre receber
do Filho (Jo 16, 15) e proceder (procedere) do Pai (Jo 15,26), respondemos que é
certo que é uma só e mesma coisa receber do Filho e receber do Pai" (De Trinitate
VIII 20). É neste sentido da comunicação da Divindade pela processão que S.
Ambrósio de Milão formula o Filioque: "O Espírito Santo, quando procede (procedit)
do Pai e do Filho, não se separa do Pai nem se separa do Filho" (De Spíritu Sancto
I, 11, 120). Desenvolvendo a teologia do Filioque, S. Agostinho quis salvaguardar a
monarquia do Pai no seio da comunhão consubstancial da Trindade: "O Espírito
Santo procede do Pai a título de princípio {príncipaliter), e, pelo dom intemporal do
Pai ao Filho, procede do Pai e do Alho em comunhão (communiter)" (De Trinitate
XV 25,47). Ver S. Leão Magno, sermões LXXV,3 e LXXVI, 2.
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