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06/09/2023, 17:20 Orígenes e a reencarnação - Veritatis Splendor

Orígenes e a reencarnação
Veritatis Splendor 3 de fevereiro de 2002 Espiritismo, Patrologia No
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Orígenes e origenismo

Orígenes (185-254) foi mestre de famosa Escola de Teologia em

Alexandria (Egito) no séc. III. Nessa época, os pensadores cristãos

tentavam penetrar nos dados do Evangelho mediante o instrumentos

da filosofia ou da sabedoria humana (grega) anterior a Cristo. A

teologia ainda estava em seus primórdios; as fórmulas oficiais da fé da

Igreja eram então muito concisas; em conseqüência, ficava margem

assaz ampla para que o estudioso propusesse sentenças destinadas a

elucidar, na medida do possível, os artigos da fé. Orígenes entregou-se

a essa tarefa, servindo-se da filosofia do seu tempo e, em particular,

da filosofia platônica. Ao realizar isso, Orígenes fazia questão de

distinguir explicitamente entre proposições de fé, pertencentes ao

patrimônio da Revelação cristã, e proposições hipotéticas, que ele

formulava em seu nome pessoal, à guisa de sugestões; além disto,

professava submissão ao magistério da Igreja caso esta rejeitasse

alguma das teses de Orígenes.

Ora, entre as suas proposições pessoais, Orígenes formulou algumas

que de fato vieram a ser recusadas pelo magistério da Igreja.

Assim, inspirando-se no platonismo, derivava a palavra grega psyché

(alma) de psychos (frio), e admitia que as almas humanas unidas à

matéria, tais como elas atualmente se acham, são o produto de um

resfriamento do fervor de espíritos que Deus criou todos iguais e

destinados a viver fora do corpo; a encarnação das almas, portanto, e

a criação do mundo material dever-se-iam a um abuso da liberdade ou

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um pecado dos espíritos primordiais, que Deus terá punido, ligando

tais espíritos à matéria. Banidos do céu e encarcerados no corpo,

estes sofrem aqui a justa sanção e se vão purificando a fim de voltar a

Deus; após a vida presente, alguns ainda precisarão de ser purificados

pelo fogo em sua existência póstuma, mas na etapa final da história

todos serão salvos e recuperarão o seu lugar junto de Deus; o mundo

visível terá então preenchido o seu papel e será aniquilado.

Note-se bem: Orígenes propunha essas idéias como hipóteses, e

hipóteses sobre as quais a Igreja não se tinha pronunciado

(justamente porque pronunciamentos sobre tais assuntos ainda não

haviam sido necessários). Não havia, pois, da parte de Orígenes a

intenção de se afastar do ensinamento comum da Igreja a fim de

constituir uma escola teológica própria ou uma heresia (?heresia?

implica obstinação consciente contra o magistério da Igreja).

A desgraça de Orígenes, porém, foi ter tido muitos discípulos e

admiradores… Estes atribuíram valor dogmático às proposições do

mestre, mesmo depois que o magistério da Igreja as declarou

contrárias aos ensinamentos da fé.

É preciso observar ainda o seguinte: Orígenes admitiu também como

possível a preexistência das almas humanas. Ora esta doutrina não

significa necessariamente reencarnação; apenas quer dizer que, antes

de se unir ao corpo, a alma humana viveu algum tempo fora da

matéria; encarnou-se depois…; daí não se segue que se deva encarnar

mais de uma vez (o que seria a reencarnação propriamente dita).

Aliás, Orígenes se pronunciou diretamente contrário à doutrina da

reencarnação… Com efeito, em certa passagem de suas obras

considera a teoria do filósofo Basílides, o qual queria basear a


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reencarnação nas palavras de São Paulo: “Vivi outrora sem lei…” (Rm

7,9). Observa então Orígenes: Basílides não percebeu que a palavra

“outrora” não se refere a uma vida anterior de S. Paulo, mas apenas a

um período anterior da existência terrestre que o Apóstolo estava

vivendo; assim, concluía Origenes, “Basílides rebaixou a doutrina do

Apóstolo ao plano das fábulas ineptas e ímpias” (cf. In Rom VIII).

Contudo, os discípulos de Orígenes professaram como verdade de fé

não somente a preexistência das almas (delicadamente insinuada por

Orígenes), mas também a reencarnação (que o mestre não chegou de

modo algum a propor, nem como hipótese).

Os principais defensores destas idéias, os chamados “origenistas”

foram monges que viveram no Egito, na Palestina e na Síria nos séc.

IV/VI. Esses monges, como se compreende, levando vida muito

retirada, entregue ao trabalho manual e à oração, eram pouco

versados no estudo e na teologia; admiravam Orígenes principalmente

por causa dos seus escritos de ascética e mística, disciplinas em que o

mestre mostrou realmente ter autoridade. Não tendo, porém, cabedal

para distinguir entre proposições categóricas e meras hipóteses do

mestre, os origenistas professavam cegamente como dogma tudo que

liam nos escrito de Orígenes; pode-se mesmo dizer que eram tanto

mais fanáticos e buliçosos quanto mais simples e ignorantes.

A tese da reencarnação, desde que começou a ser sustentada pelos

origenistas, encontrou decididos oponentes entre os escritores

cristãos mesmos, que a tinham como contrária à fé. Um dos

testemunhos mais claros é o de Enéias de Gaza (? 518), autor do

“Diálogo sobre a imortalidade da alma e a ressurreição”, em que se lê

o seguinte raciocínio:

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“Quando castigo o meu filho ou o meu servo, antes de lhe infligir a

punição, repito-lhe várias vezes o motivo pelo qual o castigo, e

recomendo-lhe que não o esqueça para que não recaia na mesma

falta. Sendo assim, Deus, que estipula… os supremos castigos, não

haveria de esclarecer os culpados a respeito do motivo pelo qual Ele

os castiga? Haveria de lhes subtrair a recordação de suas faltas,

dando-lhes ao mesmo tempo a experimentar muito vivamente as suas

penas? Para que serviria o castigo se não fosse acompanhado da

recordação da culpa? Só contribuiria para irritar o réu e levá-lo à

demência. Uma tal vítima não teria o direito de acusar o seu juiz por

ser punida sem ter consciência de haver cometido alguma falta?” (ed.

Migne gr., t. LXXXV, 871).

Sem nos demorar sobre este e outros testemunhos contrários à

reencarnação no séc. VI, passamos imediatamente à fase culminante

da controvérsia origenista.

“Não” à reencarnação

No início do séc. VI estava o origenismo muito em voga nos mosteiros

da Palestina, tendo como principal centro de propagação o mosteiro

da ?Nova Laura? ao sul de Belém: aí se falava, com estima, de

preexistência das almas, reencarnação, restauração de todas as

criaturas na ordem inicial ou na bem-aventurança celeste… Em 531, o

abade São Sabas, que, com seus 92 anos de idade, se opunha

energicamente ao origenismo, foi a Constantinopla pedir a proteção

do Imperador para a Palestina devastada pelos samaritanos, assim

como a expulsão dos monges origenistas. Contudo alguns dos monges

que o acompanhavam, sustentaram em Constantinopla opiniões

origenistas; regressou à Palestina, para aí morrer aos 5 de dezembro

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de 532. Após a morte de S. Sabas, a propaganda origenista

recrudesceu, invadindo até mesmo o mosteiro do falecido abade (a ?

Grande Laura?); em conseqüência, o novo abade, Gelásio, expulsou do

mosteiro quarenta monges. Estes, unidos aos da ?Nova Laura?, não

hesitaram em tentar tomar de assalto a ?Grande Laura?. Por essa

época, os origenistas (pelo fato de combater uma famosa heresia

cristológica, dita ?monofisitismo?) gozavam de grande prestígio,

mesmo em Constantinopla. Com o passar do tempo, a controvérsia

entre os monges da Palestina foi-se tornando cada vez mais acesa,

exigindo em breve a intervenção das autoridades. Foi o que se deu em

539: o Patriarca de Jerusalém mandou pedir ao Imperador Justiniano

de Constantinopla o seu pronunciamento contra o origenismo

(naquela época os temas teológicos interessavam ao Imperador tanto

quanto as questões de administração pública). Justiniano, em

resposta, escreveu um trato contra Orígenes, de tom extremamente

violento, que se encerrava com uma série de dez anátemas contra

Orígenes, dos quais merecem atenção os seguintes:

1. Se alguém disser ou julgar que as almas humanas existiam

anteriormente, como espíritos ou poderes sagrados, os quais,

desviando-se de visão de Deus, se deixaram arrastar ao mal, e,

por este motivo, perderam o amor de Deus, foram chamados

almas e relegados para dentro de um corpo à guisa de punição,

seja anátema.

2. Se algum disser ou julgar que, por ocasião da ressurreição, os

corpos humanos ressuscitarão em forma de esfera, sem

semelhança com o corpo que atualmente temos, seja anátema.

3. Se alguém disser ou julgar que a pena dos demônios ou dos

ímpios não será eterna, mas terá fim, e que se dará uma

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restauração apokatástasis, reabilitação) dos demônios, seja

anátema?. Justiniano em 543 enviou o seu tratado com os

anátemas ao Patriarca Menas de Constantinopla, a fim de que

este também condenasse Orígenes e obtivesse dos bispos

vizinhos e dos abades de mosteiros próximos igual

pronunciamento. Assim intimado, Menas reuniu logo o

chamado ?sínodo permanente? (conselho episcopal) de

Constantinopla, o qual, por sua vez, redigiu e promulgou quinze

anátemas contra Orígenes, dos quais os quatro primeiros nos

interessam de perto:

4. Se algum crer na fabulosa preexistência das almas e na

repudiável reabilitação das mesmas (que é geralmente

associada àquela), seja anátema.

5. Se algum disser que os espíritos racionais foram todos criados

independentemente de matéria e alheios ao corpo, e que vários

deles rejeitaram a visão de Deus, entregando-se a atos ilícitos,

cada qual seguindo suas más inclinações, de modo que foram

unidos a corpos, uns mais, outros menos perfeitos, seja

anátema.

6. Se alguém disser que o sol, a lua e as estrelas pertencem ao

conjunto dos seres racionais a que se tornaram o que eles hoje

são por se voltarem para o mal, seja anátema.

7. Se alguém disser que os seres racionais nos quais o amor a

Deus se arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosseiros

como são os nossos, e foram em conseqüência chamados

homens, ao passo que aqueles que atingiram o último grau do

mal tiveram como partilha corpos frios e tenebrosos, tornando-

se o que chamamos demônios e espíritos maus, seja anátema?.

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O Papa Vigílio e os demais Patriarcas deram a sua aprovação a esses

artigos. Como se vê, tal condenação foi promulgada por um sínodo

local de Constantinopla reunido em 543, e não pelo Concílio

ecumênico de Constantinopla II, o qual só se realizou em 553. Neste

Concílio ecumênico, a questão da pré-existência e da sorte póstuma

das almas humanas não voltou à baila; verdade é que Orígenes aí foi

condenado juntamente com outros escritores cristãos por causa de

erros concernentes a Cristo.

Em conclusão, observamos o seguinte:

1. A doutrina da reencarnação nunca foi comum, nem é primitiva

na Igreja Católica (atestam-no os depoimentos dos antigos

escritores cristãos atrás mencionados);

2. Após Orígenes (séc. III), ela foi professada por grupos

particulares de monges orientais, pouco versados em teologia,

os quais se prevaleciam de afirmações daquele mestre,

exagerando-as (daí a designação de ?origenistas?, que lhes

coube);

3. Mesmo dentro da corrente origenista, a teoria da reencarnação

não teve a voga que tiveram, por exemplo, as teses da

preexistência das almas e da restauração de todas as criaturas

na suposta bem-aventurança inicial;

4. Por isto as condenações proferidas por bispos e sínodos no séc.

VI sobre o origenismo versam explicitamente sobre as doutrinas

da preexistência e da restauração das almas (o que

naturalmente implica a condenação da própria tese da

reencarnação, na medida em que esta tese depende daquelas

doutrinas e era professada pelos origenistas);

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5. A doutrina da reencarnação foi rejeitada não somente pelo

magistério ordinário da Igreja (baseado na palavra da S.

Escritura) desde os tempos mais remotos, mas também pelo

magistério extraordinário nos concílios ecumênicos de Lião em

1274 (?As almas… são imediatamente recebidas no céu?) e de

Florença em 1439 (?As almas… passam imediatamente para o

inferno a fim de aí receber a punição?) Cf. Denzinger

´Schönmetzer, Enquirídio nº 857 (464) e 1306 (693). Ver também

Concílio do Vaticano II, Const. Lumen Gentium nº 48: ?

Terminado o único curso de nossa vida terrestre, possamos

entrar nas bodas?.

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