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CAPÍTULO 6

SUMÁRIO
6 PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

6.1 INTRODUÇÃO – Revisão histórica


6.1.1 Reencarnação e metempsicose
6.1.2 Reencarnação e ressurreição
6.1.3 Reencarnação na Bíblia e nos Evangelhos
6.1.4 Reencarnação e evolução anímica
6.1.5 Reencarnação e a evolução do homem
6.1.6 Evidências da reencarnação

6.2 OBJECTIVO DA ENCARNAÇÃO

6.3 DA VOLTA DO ESPÍRITO, EXTINTA A VIDA


CORPORAL, À VIDA MATERIAL

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6. PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS


6.1. INTRODUÇÃO – REVISÃO HISTÓRICA
“A doutrina das vidas sucessivas, ou reencarnação, é também chamada palingene-
sia, de duas palavras gregas -
palin, de novo, genesis, nasci-
mento. O que há de mais notá-
vel é que, desde os albores da
Civilização, ela foi formulada, na
Índia, com uma precisão que o
estado intelectual dessa época
longínqua não fazia pressagiar.”
(2) (*)
Com efeito, desde a mais
alta antiguidade, os povos da
Ásia e da Grécia acreditaram na
imortalidade da alma, e mais
ainda, muitos procuravam saber
se essa alma fora criada no momento do nascimento ou se existia antes. (2)
A Índia é, muito provavelmente, o berço intelectual da humanidade, e é
interessante que se encontrem nos vedas, no Bhagavad Gita passagens como as que
se seguem:
“Assim como se deixam as vestes gastas para usar vestes novas, também a
alma deixa o corpo usado para revestir novos corpos” e “Os mundos voltarão a Bra-
ma, ó Arjuna, mas aquele que me atingiu não deve mais renascer.” (2)
Encontra-se no Mazdeísmo, religião da Pérsia, uma concepção muito elevada,
a da redenção final concedida a todas as criaturas, depois de haverem, entretanto,
experimentado as provas expiatórias que devem conduzir a alma humana à sua feli-
cidade final. (2)
Na Grécia vai encontrar-se a doutrina das vidas sucessivas nos poemas órficos;
era a crença de Pitágoras, de Sócrates, de Platão, de Apolónio e de Empédocles.
Com o nome de metempsicose, falam dela muitas vezes nas suas obras em termos
velados, porque, em grande parte, estavam ligados pelo juramento iniciático; contu-
do, ela é afirmada com clareza no último livro da República, em Fedra, em Timeu e
em Fedon. (5)
Platão adopta a ideia pitagórica da palingenesia. Ele fundou-a em duas razões
principais, expostas no Fedon. A primeira é que, na Natureza, a morte sucede à vida,
e, sendo assim, é lógico admitir que a vida sucede à morte, porque nada pode nascer
do nada, e se os seres que vemos morrer não devessem voltar mais à Terra tudo
acabaria por se absorver na morte. Em segundo lugar, o grande filósofo baseia-se na
reminiscência, porque, segundo ele, aprender é recordar. (2)
A escola neoplatónica de Alexandria ensina a reencarnação, precisando, ain-
da, as condições, para a alma, dessa evolução progressiva. (2)
Para Plotino, a alma comete faltas, é condenada a expiá-las, recebendo puni-
ções em infernos tenebrosos; depois, é obrigada a passar a outro corpo, para reco-
meçar as suas provas. (2)
(*) Os algarismos colocados entre parênteses correspondem, na bibliografia,
bibliografia no final dos resumos de
cada capítulo, aos mesmos algarismos com que estão assinaladas as fontes que serviram de base ao
texto, ou extraídas as citações.
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Porfírio não crê na metempsicose, ainda mesmo como punição das almas per-
versas e, segundo ele, a reencarnação só se opera no género humano. (2)
Segundo Jâmblico, a justiça de Deus não é a justiça dos homens. O homem
define a justiça sob o ponto de vista da sua vida actual e do seu estado presente.
Deus define-a relativamente às nossas existências sucessivas e à universalidade das
nossas vidas. (2)
Entre os romanos, que receberam a maior parte dos seus conhecimentos da
Grécia, Virgílio exprime claramente a ideia da palingenesia. Diz também Ovídio que a
sua alma, quando for pura, irá habitar os astros que povoam o firmamento, o que
estende a palingenesia até aos outros mundos semeados no espaço. (2)
Os gauleses praticavam a religião dos druidas, acreditavam na unidade de
Deus e nas vidas sucessivas. (2)
Durante todo o período da Idade Média, a doutrina palingenésica ficou vela-
da, porque era severamente proscrita pela Igreja, então toda-poderosa. Foi preciso
chegar aos tempos modernos, e à liberdade de pensar e discutir publicamente, para
que a verdade das vidas sucessivas pudesse renascer à grande luz da publicidade. (2)
Descartes, Leibnitz e Kant tiveram uma certa intuição destes factos (caracte-
res dissemelhantes dos gémeos e terem os meninos-prodígio talentos que os pais
não possuíam); Descartes, sobretudo, na sua teoria das ideias inatas refere-se a ela.
(6)
Todas estas religiões se basearam na crença nas vidas sucessivas: o Brama-
nismo, o Budismo, o Druidismo, o Islamismo. O Cristianismo não abriu excepção à
regra. Traços desta doutrina se nos deparam no Evangelho. Os padres gregos Oríge-
nes, Clemente de Alexandria e a maior parte dos cristãos dos primeiros séculos admi-
tiam-na. (6)
Ainda que em tempos remotos grandes pensadores cristãos tenham aceite a
doutrina das vidas sucessivas, como Orígenes, Agostinho, Francisco de Assis, Jeróni-
mo, entre inúmeros outros pensadores religiosos e leigos, antigos e modernos, mui-
tos mantêm-se na obstinada negativa de quem concluiu sem estudar, como o que
não viu e não gostou.
Segundo Leslie D. Weatherhead, da Igreja Anglicana de Londres (The Case for
Reencarnation, de Leslie D. Weatherhead, Londres, 1958), o conceito das vidas su-
cessivas foi rejeitado pela Igreja Católica no Concílio de Constantinopla, em 553, por
votação, na qual a reencarnação perdeu por 3 a 2. O que realmente aconteceu foi
que um sínodo local condenou os ensinamentos de Orígenes acerca da preexistência
da alma, em 553, na cidade de Constantinopla, crê-se que até por imposição política
do imperador Justiniano, a cuja esposa desagradava a ideia de poder reencarnar
como escrava, se maltratasse os escravos, como então se ensinava. (14)

6.1.1. REENCARNAÇÃO E METEMPSICOSE

"Poderia encarnar num animal o espírito que animou o corpo de um ho-


mem?". Allan Kardec submete aos espíritos a questão, inscrevendo-a sob o n.º 612
em O Livro dos Espíritos, para averiguar a veracidade ou não de certas afirmações
populares que informavam poderem as almas retornar à Terra num corpo de animal
para pagamento de infracções cometidas contra a Lei.
Esclarecem os espíritos:
"Isso seria retrogradar e o espírito não retrograda. O rio não remonta à sua
nascente".
E o Codificador comenta:

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"Seria verdadeira a
metempsicose, se indicasse
a progressão da alma,
passando de um estado
inferior a outro superior,
onde adquirisse
desenvolvimentos que lhe
transformassem a natureza.
É, porém, falsa no sentido
de transmigração directa da
alma do animal para o
homem e reciprocamente,
o que implicaria a ideia de
um retrocesso." (9)
A reencarnação,
como os espíritos a
ensinam, funda-se, ao contrário, na marcha ascendente da Natureza e na progressão
do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a dignidade. O
que o rebaixa é o mau uso que faz das faculdades que Deus lhe outorgou para que
progrida. (9)
Emmanuel explica como nasceu entre os egípcios a doutrina da metempsico-
se:
O grande povo dos faraós guardava a reminiscência do seu doloroso degredo
na face obscura do mundo terreno. E tanto lhe doía semelhante humilhação que, na
lembrança do pretérito, criou a teoria da metempsicose, acreditando que a alma de
um homem podia regressar ao corpo de um irracional, por determinação punitiva
dos deuses. A metempsicose era o fruto da sua amarga impressão, a respeito do
exílio penoso que lhe fora infligido no ambiente terrestre. (7)
Pitágoras foi o primeiro que introduziu na Grécia a doutrina dos renascimen-
tos da alma, doutrina que havia conhecido nas suas viagens ao Egipto e à Pérsia. Ele
tinha duas doutrinas, uma reservada aos iniciados, que frequentavam os mistérios, e
outra destinada ao povo; esta última deu nascimento ao erro da metempsicose. Para
os iniciados, a ascensão era gradual e progressiva, sem regressão às formas inferio-
res, enquanto ao povo, pouco evoluído, se ensinava que as almas ruins deviam re-
nascer em corpos de animais. (2)
O vulgo não quer ver hoje na metempsicose mais do que a passagem da alma
humana para o corpo de seres inferiores. Na Índia, no Egipto e na Grécia ela era
considerada, de um modo mais geral, como transmigração das almas para outros
corpos humanos. Tendemos a crer que a descida da alma à animalidade num corpo
inferior não era, como a ideia do inferno, no Catolicismo, mais do que um espanta-
lho, destinado, no pensamento dos antigos, a apavorar os maus. Qualquer retroces-
so desta espécie seria contrário à justiça, à verdade; além de que o desenvolvimento
do organismo, ou perispírito, vedando ao ser humano a possibilidade de continuar a
adaptar-se às condições da vida animal, torná-la-ia, aliás, impossível. (5)

6.1.2. REENCARNAÇÃO E RESSURREIÇÃO

A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurrei-
ção. Só os saduceus, cuja crença era a de que tudo acaba com a morte, não acredi-
tavam nisso. As ideias dos judeus sobre esse ponto, como sobre muitos outros, não

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eram claramente definidas,


porque tinham apenas vagas e
incompletas noções acerca da
alma e da sua ligação com o
corpo. Eles acreditavam que um
homem que vivera poderia revi-
ver, sem saberem exactamente
de que maneira o facto poderia
dar-se. Designavam pelo termo
ressurreição o que o Espiritismo,
mais judiciosamente, chama
reencarnação. Com efeito, a
ressurreição dá ideia de voltar à
vida o corpo que já está morto, o
que a Ciência demonstra ser
materialmente impossível,
sobretudo quando os elementos
desse corpo já se acham desde há muito tempo dispersos e absorvidos. A reencarna-
ção é a volta da alma, ou espírito, à vida corpórea, mas em outro corpo especialmen-
te formado para ele e que nada tem de comum com o antigo. A palavra ressurreição
podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas. Se, por-
tanto, segundo a crença deles, João Baptista era Elias, o corpo de João não podia ser
o de Elias, pois João fora visto criança e seus pais eram conhecidos. João, pois, podia
ser Elias reencarnado, porém, não ressuscitado. (10)

6.1.3. A REENCARNAÇÃO NA BÍBLIA E NOS EVANGELHOS

Entre os hebreus, a ideia das vidas anteriores era geralmente admitida. A


crença nos renascimentos da alma encontra-se indicada em inúmeras passagens da
Bíblia, de forma mais ou menos velada, porém, claramente nos evangelhos.
Em Isaías, Cap. XXVI, v. 19, encontramos:
“Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo; aqueles que
estavam mortos em meio a mim ressuscitarão. Despertai do vosso sono e entoai lou-
vores a Deus, vós que habitais o pó.”
É também muito explícita esta passagem de Isaías:
“Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo”.
Se o profeta houvera querido falar da vida espiritual, se houvera pretendido dizer
que aqueles que tinham sido executados não estavam mortos em espírito, teria dito
“ainda vivem”, e não “viverão de novo”. No sentido espiritual, seria um contra-senso,
pois implicaria uma interrupção na vida da alma. No sentido da regeneração moral,
seria a negação das penas eternas, pois estabelece, em princípio, que todos os que
estão mortos viverão. (10)
E Job, no Cap. XIV, v. 10 a 14, na versão da Igreja Grega, assim escreve:
“Quando o homem está morto, vive sempre; acabando os dias da minha exis-
tência terrestre, esperarei, porquanto a ela voltarei de novo.”
A versão da Igreja Grega é mais explícita, se é que isso é possível. Acabando
os dias da minha existência terrena, esperarei, porquanto a ela voltarei, ou voltarei à
existência terrestre. Isto é tão claro como se alguém dissesse: “Saio de minha casa,
mas a ela tornarei.” (10)

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Em várias passagens dos evangelhos aparece claramente a ideia da reencar-


nação, sendo referida pelos evangelistas, demonstrando que era ponto de uma das
crenças fundamentais dos judeus.

1. "Jesus, tendo vindo às cercanias de Cesareia de Filipe, interrogou assim


seus discípulos: – Que dizem os homens em relação ao Filho do Homem? Quem di-
zem que eu sou?. Eles lhe respondem: – Dizem uns que és João Baptista; outros, que
Elias; outros, que Jeremias, ou algum dos profetas. Perguntou-lhes Jesus: – E vós,
quem dizeis que eu sou?. Simão Pedro, tomando a palavra, respondeu: – Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo.” (S. Mateus, Cap. XVI, vv. 13 a 17; S. Marcos, Cap. VIII,
vv. 27 a 30).
2. “Nesse interim, Herodes, o Tetrarca, ouvira falar de tudo o que fazia Jesus,
e seu espírito se achava em suspenso - porque uns diziam que João Baptista ressusci-
tara dentre os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que um dos antigos pro-
fetas ressuscitara. Disse então Herodes: – Mandei cortar a cabeça a João Baptista;
quem é então esse de quem ouço dizer tão grandes coisas? E ardia por vê-lo.” (S.
Marcos, Cap. VI, vv. 14 a 16; S. Lucas, Cap. IX, vv. 7 a 9).
3. “Após a transfiguração, os seus discípulos então o interrogaram desta for-
ma:
– Porque dizem os escribas ser preciso
que antes volte Elias? Jesus lhes respondeu: – É
verdade que Elias há-de vir e restabelecer todas
as coisas, mas eu vos declaro que Elias já veio e
eles não o conheceram e o trataram como lhes
aprouve. É assim que farão sofrer o Filho do
Homem. Então seus discípulos compreenderam
que fora de João Baptista que ele falara”. (S.
Mateus, Cap. XVII, vv. 10 a 13; S. Marcos, Cap.
IX, vv. 11 a 13).
A ideia de que João Baptista era Elias e
de que os profetas podiam reviver na Terra está
em muitas passagens dos evangelhos,
notadamente nas acima reproduzidas (n.º 1, 2 e
3). Se fosse errónea essa crença, Jesus não
houvera deixado de a combater, como
combateu tantas outras. (10)
O Evangelho de S. João apresenta
afirmação ainda mais categórica do Cristo com
referência à doutrina das vidas sucessivas:
“Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, senador dos
judeus, que veio à noite ter com Jesus e lhe disse:
– Mestre, sabemos que vieste da parte de Deus para nos instruir como um
doutor, porquanto ninguém poderia fazer os milagres que fazes se Deus não estives-
se com ele. Jesus lhe respondeu: – Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode
ver o reino de Deus se não nascer de novo. Disse-lhe Nicodemos: – Como pode nas-
cer um homem já velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, para nascer
segunda vez? Retorquiu-lhe Jesus: – Em verdade, em verdade, digo-te: Se um ho-
mem não renasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é
nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te admires de
que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo. Respondeu-lhe Nicodemos: –
Como pode isso fazer-se? - Jesus lhe observou: – Pois quê! És mestre em Israel e ig-
noras estas coisas?". (S. João, Cap. III, vv. 1 a 12).

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Esta última observação do Cristo mostra bem que ele se surpreendeu não co-
nhecesse um mestre em Israel a reencarnação, porque ela era ensinada como dou-
trina secreta aos intelectuais da época.
Uma das provas que se pode apresentar é a de que existiam ensinos ocultos ao co-
mum dos homens, e que foram compilados nas diferentes obras que constituem a
Cabala. (2)
No ensino secreto, reservado aos iniciados, proclamava-se a imortalidade da
alma, as vidas sucessivas e a pluralidade dos mundos habitados. (2)
Não há dúvida de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarna-
ção era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os
profetas confirmaram de modo formal; donde se segue que negar a reencarnação é
negar as palavras do Cristo. Um dia, porém, as suas palavras, quando forem medita-
das sem ideias preconcebidas, reconhecer-se-ão autorizadas quanto a esse ponto,
bem como em relação a muitos outros. (10)
A essa autoridade, do ponto de vista religioso, se adita, do ponto de vista filo-
sófico, a das provas que resultam da observação dos factos. Quando se trata de re-
montar dos efeitos às causas, a reencarnação surge como necessidade absoluta,
como condição inerente à humanidade; numa palavra: como lei da natureza. (10)
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências são
ininteligíveis, na sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que têm dado
lugar a tão contraditórias interpretações. Somente esse princípio lhes restituirá o sen-
tido verdadeiro. (10)

6.1.4. REENCARNAÇÃO E A EVOLUÇÃO ANÍMICA

Tomando-se a humanidade no grau mais ínfimo


da escala espiritual, perguntar-se-á se é aí o ponto
inicial da alma humana.
Na opinião de alguns filósofos espiritualistas,
o princípio inteligente, distinto do princípio
material, individualiza-se e elabora-se, passando
pelos diversos graus da animalidade. É aí que a
alma se ensaia para a vida e desenvolve, pelo
exercício, as suas primeiras faculdades. Esse seria
para ela, por assim dizer, o período de incubação.
Chegada ao grau de desenvolvimento que esse
estado comporta, ela recebe as faculdades
especiais que constituem a alma humana. Haveria
assim filiação espiritual do animal para o homem,
como há filiação corporal. (12)
Este sistema, fundado na grande lei de
unidade que preside à criação, corresponde,
forçoso é convir, à justiça e à bondade do Criador;
dá uma saída, uma finalidade, um destino aos animais, que deixam então de formar
uma categoria de seres deserdados, para terem, no futuro que lhes está reservado,
uma compensação para os seus sofrimentos. O que constitui o homem espiritual não
é a sua origem; são os atributos especiais com que ele se apresenta dotado ao entrar
na humanidade, atributos que o transformam, tornando-o um ser distinto, como o
fruto saboroso é distinto da raiz amarga que lhe deu origem. Por haver passado pela
fieira da animalidade, o homem não deixaria de ser homem; já não seria animal,

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como o fruto não é a raiz, como o sábio não é o feto informe que o pôs no mundo.
(12)
O sentimento da justiça absoluta diz-nos também que o animal, tanto quanto
o homem, não deve viver e sofrer para o nada. Uma cadeia ascendente e contínua
liga todas as criações; o mineral ao vegetal, o vegetal ao animal, e este ao ente hu-
mano. (4)
A alma elabora-se no seio dos organismos rudimentares. No animal está ape-
nas em estado embrionário; no homem adquire o conhecimento, e não pode retro-
gradar mais. Porém, em todos os graus ela prepara e dá forma ao seu invólucro. As
formas sucessivas que reveste são a expressão do seu valor próprio. A situação que
ocupa na escala dos seres está em relação directa com o seu estado de adiantamen-
to. (4)
A finalidade da alma é o desenvolvimento de todas as faculdades a ela ine-
rentes. Para consegui-lo, é obrigada a encarnar grande número de vezes na Terra, a
fim de cimentar as suas faculdades morais e intelectuais, enquanto aprende a senho-
rear e governar a matéria. É mediante uma evolução ininterrupta, a partir das formas
de vida mais rudimentares, até à condição humana, que o princípio pensante con-
quista, lentamente, a sua individualidade. Chegado a esse estágio, cumpre-lhe fazer
eclodir a sua espiritualidade, dominando os instintos remanescentes da sua passa-
gem pelas formas inferiores, a fim de elevar-se, na série das transformações, para
destinos sempre mais altos. (3)
No dia em que a alma, libertando-se das formas animais chegar ao estado
humano, conquistar a sua autonomia, a sua responsabilidade moral, e compreender
o dever, nem por isso atingirá o seu fim ou terminará a sua evolução. Longe de aca-
bar, começará a sua obra real; novas tarefas a chamarão. As lutas do passado nada
são ao lado das que o futuro lhe reserva. Os seus renascimentos em corpos carnais
se sucederão. (4)

6.1.5. REENCARNAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO HOMEM

Quando o espírito tem de encarnar


num corpo humano em vias de formação, um
laço fluídico, que não é mais não do que uma
expansão do seu perispírito, liga-o ao germe
que o atrai com uma força irresistível, desde o
momento da concepção. À medida que o
germe se desenvolve, o laço encurta-se. Sob a
influência do princípio vito-material do germe,
o perispírito, que possui certas propriedades
da matéria, une-se, molécula a molécula, ao
corpo em formação, daí poder dizer-se que o
espírito, por intermédio do seu perispírito, se
enraíza, de certa maneira, nesse germe, como
uma planta na terra. Quando o germe chega
ao seu pleno desenvolvimento, é a união
completa; nasce, então, o ser para a vida
exterior. (12)
À medida que o espírito se purifica, o
corpo que o reveste aproxima-se igualmente
da natureza espiritual. Torna-se-lhe menos

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densa a matéria, deixa de rastejar penosamente pela superfície do solo, menos gros-
seiras lhe são as necessidades físicas, não sendo mais preciso que os seres vivos se
destruam mutuamente para se nutrirem. O espírito acha-se mais livre e tem, das coi-
sas longínquas, percepções que desconhecemos. Vê com os olhos do corpo o que só
pelo pensamento entrevemos. (9)
Da purificação do espírito decorre o aperfeiçoamento moral dos seres encar-
nados. As paixões animais enfraquecem-se e o egoísmo cede lugar ao sentimento de
fraternidade. Assim, nos mundos superiores ao nosso, desconhecem-se as guerras,
carecendo de objecto os ódios e as discórdias, porque ninguém pensa em causar
dano ao seu semelhante. A intuição que os seus habitantes têm do futuro, a segu-
rança que uma consciência isenta de remorsos lhes dá, fazem com que a morte ne-
nhuma apreensão lhes cause. Encaram-na de frente, sem temor, como simples trans-
formação. (9)
A duração da vida, nos diferentes mundos, parece guardar proporção com o
grau de superioridade física e moral de cada um, o que é perfeitamente racional.
Quanto menos material o corpo, menos sujeito às vicissitudes que o desorganizam.
Quanto mais puro o espírito, menos paixões a miná-lo. É essa, ainda, uma graça da
Providência, que desse modo abrevia os sofrimentos. (9)

6.1.6. EVIDÊNCIAS DA REENCARNAÇÃO

Podemos enumerar quatro tipos de evidências da reencarnação:


1. Os meninos-prodígio;
2. As crianças que se lembram de vidas anteriores;
3. As comunicações mediúnicas;
4. As terapias médicas e psicológicas que usam regressão de memória.
Destas quatro evidências, as últimas três são evidências científicas.
Quanto aos
meninos-prodígio,
poderemos interrogar-
nos: – De onde vêm tan-
tos conhecimentos?
Como compreender, por
exemplo, que uma cri-
ança de sete anos de
idade esteja licenciada
em física, uma outra de
onze anos licenciada em
matemática, outras de
dois ou três anos de
idade que falem seis línguas diferentes, sem nunca terem aprendido? Não havendo
explicação nesta existência física, de duas uma: ou Deus privilegia uns seres em de-
trimento de outros, ou então, todos tiveram as mesmas oportunidades, começando
simples e ignorantes, e foram palmilhando o seu roteiro evolutivo, uns esforçando-se
mais que outros, e daí a dissemelhança evolutiva presente no nosso planeta. Assim
sendo, os meninos-prodígio seriam pessoas com grande cabedal de conhecimentos
trazido de vidas anteriores e que nesta existência carnal têm a capacidade de ter
acesso a essa informação que trazem do passado.
As crianças que se lembram de vidas anteriores têm proporcionado investiga-
ções espantosas aos cientistas de todo o mundo. Refira-se, por exemplo, os estudos

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rigorosamente científicos levados a cabo


pelo Prof. Dr. Ian Stevenson, nos EUA, que
estudou mais de dois mil casos de crianças
que se lembravam de vidas anteriores
usados no seu livro Vinte Casos Sugestivos
de Reencarnação. O Dr. Hemendras Nath
Banerjee, na Índia, durante vinte e cinco
anos compilou mais de mil e cem casos em
todo o mundo no seu livro Vida Pretérita e
Futura (Edições Nórdica, Rio de Janeiro,
Brasil, 2.ª Edição, 1987). O Eng.º Hernâni
Guimarães Andrade, no Brasil, compilou
vários casos de reencarnação no seu livro
Reencarnação no Brasil, (Edições O Clarim,
Brasil, 1986). De realçar que a grande
maioria destes investigadores não é
espírita. Investigaram casos onde a
hipótese da reencarnação de pessoas
recentemente falecidas é a única hipótese
plausível e com base científica, de entre as
restantes hipóteses de explicação.
Através das comunicações
mediúnicas, houve espíritos que
informaram que iriam reencarnar num
determinado local, numa determinada família e, às vezes, dando sinais ou caracterís-
ticas que a posteriori eram reconhecidos. Houve casos desses catalogados aquando
das experiências de Allan Kardec (ver colecção da Revista Espírita, de Allan Kardec) e
com o médium Francisco Cândido Xavier, em que pelo menos um dos casos está
estudado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas, do Brasil, pelo Eng.º
Hernâni Guimarães Andrade e sua equipa.
As terapias médicas que usam regressão de memória, com fins terapêuticos,
têm sido a mais recente evidência científica da reencarnação. Veja-se as pesquisas da
Dr.ª Edith Fiore, nos EUA no seu livro Já Vivemos Antes, (Edições Europa-América,
Portugal, 1978), do Dr. Brian Weiss, nos EUA no seu livro Muitas Vidas, Muitos Mes-
tres, da Dr.ª Maria Júlia Prieto Peres, psiquiatra, no Brasil, do Dr. Morris Netherton,
nos EUA, da Dr.ª Helen Wambach no seu livro Recordando Vidas Passadas, (Edições
Pensamento, São Paulo, Brasil, 1995), onde pessoas em estado de hipnose profunda,
ou então em estados alterados de consciência, regridem a situações, a espaços tem-
porais que identificam como sendo de outras existências carnais, bem como nos pla-
nos entre vidas (no mundo espiritual), dando muitas vezes pormenores exactos, que
depois de pesquisados são confirmados pelos cientistas, como, por exemplo, locais,
nomes, datas, entre outros, tudo isto relativamente a épocas muito remotas (veja-se
as experiências da Dr.ª Edith Fiore no seu livro acima referido).
Quando a reencarnação (que é defendida por cerca de 2/3 da população
mundial, de acordo com estatísticas) for bem assimilada, a xenofobia deixará de exis-
tir, já que saberemos que poderemos reencarnar naquele país ou povo que agora
rejeitamos ou odiamos. O racismo deixará de ter suporte, pois entenderemos que os
espíritos não têm cor e que poderemos reencarnar na raça que agora repudiamos. A
superioridade sexual deixará de existir, pois saberemos que tanto poderemos reen-
carnar como homem ou mulher, de acordo com as nossas necessidades evolutivas. A
própria ecologia será privilegiada, pois o homem sabe que amanhã, quando voltar a

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este planeta, encontrá-lo-á como o deixou, recebendo, assim, o fruto dos desmandos
de agora ou, então, da sua preservação.
A compreensão da reencarnação será a pedra-de-toque para que a sociedade
se torne mais justa, mais fraterna e mais feliz.

6.2. OBJECTIVO DA ENCARNAÇÃO

Deus impõe aos espíritos a encarnação com o objectivo de fazê-los chegar à


perfeição, passando pelas vicissitudes da existência corporal.
Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o espírito em condições de su-
portar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mun-
do, toma o espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse
mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que,
concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta. (9)
Todos são criados simples e ignorantes e instruem-se nas lutas e tribulações
da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer alguns felizes, sem fadigas e
trabalhos, por conseguinte, sem mérito. (9)
Daí concluir-se que os
seres considerados eleitos -
anjos, arcanjos, querubins e
serafins - são a representação
das almas que já atingiram,
pelo seu esforço, graus de
elevação espiritual, passando,
como não poderia deixar de
ser, pelos mesmos estágios
inferiores da escala evolutiva.
O atrasado possui
inclinação para o mal,
inteligência limitada; regozija-
se com a violência, compraz-
se na vida viciosa. Quando
deixa o corpo, os sentimentos
acompanham-no. Com a
evolução, ele vai-se modifican-
do. As lutas do mundo, os sofrimentos, através das vidas, é que lhe vão aprimorando
a alma. (13)
A Terra é como uma escola e um hospital. Vê-se o aluno ir progredindo à me-
dida que muda de classe; a sua cultura é em função do tempo e do estudo; quando
o corpo se debilita vai a um centro de saúde, onde o médico lhe retempera e restitui
as forças. (13)
Assim é a Terra para o incipiente. Ele aporta aqui como selvagem ou bárbaro.
E continua a sua peregrinação, curando-se no hospital planetário, com a terapêutica
do sofrimento, ilustrando-se com as lições que recebe de vida em vida, até que,
inteiramente puro, fica livre das vidas materiais e entra para o nirvana dos budistas
ou para as regiões de paz; a felicidade consiste nessa tranquilidade dos justos; não a
podemos perceber nem vislumbrar, porque nunca a possuímos, envoltos nos turbi-
lhões, na azáfama, no nevoeiro, nas paixões violentas desse mundículo onde nos
encontramos atolados. (13)

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Os espíritos que seguem o caminho do bem chegam mais depressa aos níveis
mais elevados de aperfeiçoamento intelectual e moral; sendo as aflições da vida fruto
da imperfeição do espírito, quanto menos imperfeições menos tormentos. Aquele
que não for invejoso, nem ciumento, nem avarento, nem ambicioso, não sofrerá as
torturas que se originam dessas imperfeições.
Os espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem nem por isso
são espíritos perfeitos. Não têm, é certo, maus pendores, mas precisam adquirir a
experiência e os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição. Podemos
compará-los a crianças que, seja qual for a bondade dos seus instintos naturais, ne-
cessitam desenvolver-se, e esclarecer-se e não passam, sem transição, da infância à
madureza. (9)
Depende dos
espíritos progredirem
mais ou menos
rapidamente em busca
da perfeição,
conforme o desejo que
têm de alcançá-la e a
submissão que
testemunham à
vontade de Deus. Os
espíritos não podem
conservar-se
eternamente nas
ordens inferiores;
mudam de ordem
mais rápida ou demo-
radamente, porém não podem degenerar. À medida que avançam, compreendem o
que os distancia da perfeição. O espírito, ao concluir uma prova, fica com a ciência
que daí lhe veio, e não a esquece. Pode permanecer estacionário durante algum
tempo, porém não retrograda.
A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do espírito:
ao progresso intelectual pela actividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral
pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das
boas ou más qualidades. (11)
A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o
egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade,
a má-fé, a hipocrisia, numa palavra, tudo o que constitui o homem de bem, ou
perverso, tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus
semelhantes. (11)
Uma só existência corporal é manifestamente insuficiente para o espírito ad-
quirir todo o bem que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra. (11)
Deus, que é soberanamente justo e bom, concede ao espírito tantas encarna-
ções quantas as necessárias para atingir o seu objectivo: a perfeição. (11)
Para cada nova existência junto à permeio à matéria, o espírito entra com o
cabedal adquirido nas anteriores, em aptidões, conhecimentos intuitivos, inteligência
e moralidade. Cada existência é, assim, um passo avante no caminho do progresso.
(11)
A encarnação é inerente à inferioridade dos espíritos, deixando de ser neces-
sária desde que estes, transpondo-lhe os limites, ficam aptos para progredir no esta-
do espiritual, ou nas existências corporais de mundos superiores, que nada têm da
materialidade terrestre. Da parte destes a encarnação é voluntária, tendo por fim

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exercer sobre os encarnados uma acção mais directa e tendente ao cumprimento da


missão que lhes compete junto dos mesmos. Desse modo, aceitam abnegadamente
as vicissitudes e sofrimentos da encarnação.
(11)
A pluralidade das existências, cujo
princípio Jesus estabeleceu no Evangelho,
sem, todavia, definir, como a muitos outros, é
uma das mais importantes leis reveladas pelo
Espiritismo, pois demonstra-lhe a realidade e a
necessidade do progresso. Com esta lei, o
homem explica todas as aparentes anomalias
da vida humana; as diferenças de posição
social; as mortes prematuras que, sem a
reencarnação, tornariam inúteis à alma as
existências breves; a desigualdade de aptidões
intelectuais e morais, pela ancianidade do
espírito que mais ou menos aprendeu e
progrediu, e traz, nascendo, o que adquiriu
nas suas existências anteriores. (12)
Com a reencarnação desaparecem os
preconceitos de raça e de casta, pois o
mesmo espírito pode tornar a nascer rico ou
pobre, capitalista ou proletário, chefe ou
subordinado, livre ou escravo, homem ou
mulher. De todos os argumentos invocados
contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do
mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao facto material da reencarnação. Se,
pois, a reencarnação funde numa lei da Natureza o princípio da fraternidade univer-
sal, também funde na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguin-
te, o da liberdade. (12)
Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente
irreconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela
falta de um só; seria também um contra-senso, e tanto menos justificável quanto,
segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a
sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o
germe das suas imperfeições, dos defeitos que não corrigiu, e que se traduzem pelos
instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pe-
cado original, cujas consequências naturalmente sofre, mas com a diferença capital
de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e com outra dife-
rença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, de
que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir,
quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e,
assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e
possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada. (12)
A reencarnação é um processo de aperfeiçoamento espiritual. A volta do espí-
rito à vida corporal tem um objectivo; não é acção do acaso, nem capricho dos céus.
Não há experiência reencarnatória sem motivo, ensina o Espiritismo. (1)
O aspecto moral da reencarnação deve merecer sempre uma consideração
muita lúcida, justamente porque esse aspecto se reflecte na vida familiar, nas rela-
ções profissionais, enfim, na vida social. A noção de uma única existência não nos
daria uma visão real de justiça no tempo e no espaço. A reencarnação não é, portan-
to, simples questão de crença, mas um princípio lógico, assim o entendemos, pois

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abre à inteligência inquiridora uma perspectiva de justiça muito mais ampla, através
de existências diversas. (1)
Em relação ao Espiritismo, o pensamento reencarnacionista está expresso em:
Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei. (9)
Allan Kardec formulou aos espíritos a questão n.º 196 inscrita em O Livro dos
Espíritos, cuja resposta apresenta a súmula dos objectivos da encarnação:
“Não podendo os espíritos aperfeiçoar-se, a não ser por meio das tribulações
da existência corpórea, segue-se que a vida material seja uma espécie de crisol ou de
depurador, por onde têm que passar todos os seres do mundo espiritual para alcan-
çarem a perfeição?
– Sim, é exactamente isso. Eles melhoram-se nessas provas, evitando o mal e
praticando o bem; porém, somente ao cabo de mais ou menos longo tempo, con-
forme os esforços que empreguem; somente após muitas encarnações sucessivas, ou
depurações, atingem a finalidade para que tendem.” (9)
A obrigação que o espírito encarnado tem de prover ao alimento do corpo, à
sua segurança, ao seu bem-estar, força-o a empregar as suas faculdades em investi-
gações, a exercitá-las e desenvolvê-las. Útil, portanto, ao seu adiantamento é a sua
união com a matéria. (12)
Daí, constituir a encarnação uma necessidade. Além disso, pelo trabalho inte-
ligente que ele executa em seu proveito, sobre a matéria, auxilia a transformação e o
progresso material do globo que lhe serve de habitação. (12)

6.2.1. JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO

A
reencarnação,
afirmada pelas
vozes de além-
túmulo, é a única
forma racional
que pode admitir
a reparação das
faltas cometidas e
a evolução
gradual dos seres.
Sem ela, não se vê
sanção moral
satisfatória e
completa; não há
possibilidade de
conceber a existência de um ser que governe o universo com justiça. (5)
Se admitirmos que o homem vive actualmente pela primeira vez neste mun-
do, que uma única existência terrestre é o quinhão de cada um de nós, a incoerência
e a parcialidade, forçoso seria reconhecê-lo, presidem à repartição dos bens e dos
males, das aptidões e das faculdades, das qualidades nativas e dos vícios originais.
(5)
Todos os espíritos tendem para a perfeição e Deus lhes faculta os meios de
alcançá-la, proporcionando-lhes as provações da vida corporal. A Sua justiça, porém,
concede-lhes realizar, em novas existências, o que não puderam fazer, ou concluir,
numa primeira prova. (9)

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Deus não obraria com equidade, nem de acordo com a sua bondade, se con-
denasse para sempre os que talvez hajam encontrado, oriundos do próprio meio em
que foram colocados e alheios à vontade que os animava, obstáculos ao seu melho-
ramento. Se a sorte do homem se fixasse irrevogavelmente depois da morte, não
seria uma única a balança em que Deus pesa as acções de todas as criaturas e não
haveria imparcialidade no tratamento que a todas dispensa. (9)
A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o mesmo
espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à ideia que forma-
mos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral infe-
rior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois oferece
os meios de resgatarmos os nossos erros, em novas provações. A razão no-la indica e
os espíritos a ensinam. (9)
O homem, que tem consciência da sua inferioridade, haure consoladora espe-
rança na doutrina da reencarnação. Se crê na justiça de Deus, não pode contar que
venha a achar-se, para sempre, em pé de igualdade com os que mais fizeram do que
ele. Sustém-no, porém, e reanima-lhe a coragem a ideia de que aquela inferioridade
não o deserda eternamente do supremo bem e que, mediante novos esforços, dado
lhe será conquistá-lo. Quem é que, ao cabo da sua carreira, não deplora haver tão
tarde ganho uma experiência de que já não mais pode tirar proveito? Entretanto,
essa experiência tardia não fica perdida; o espírito a utilizará em nova existência. (9)

6.3. DA VOLTA DO ESPÍRITO, EXTINTA A VIDA CORPORAL, À


VIDA ESPIRITUAL

No intervalo das existências corporais, o espírito torna a entrar no mundo espi-


ritual, onde é feliz ou desgraçado segundo o bem ou o mal que fez. (11)
Uma vez que o estado espiritual é o estado definitivo do espírito e o corpo es-
piritual não morre, deve ser esse também o seu estado normal. O estado corporal é
transitório e passageiro. É no estado espiritual, sobretudo, que o espírito colhe os
frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação; é também nesse estado
que se prepara para novas lutas e toma as resoluções que há-de pôr em prática na
sua volta à humanidade. (11)
O estudo das comunicações espirituais provou-nos, de maneira irrefutável, que
a situação da alma, depois da morte, é regida por uma lei de justiça infalível, segun-
do a qual o ser se encontra em condições de existência que são rigorosamente de-
terminadas pelo seu grau evolutivo e pelos esforços que faz para se melhorar. (2)
As nossas relações com o Além ensinaram-nos, ainda, que não existe inferno,
nem paraíso, mas que a lei moral impõe sanções inelutáveis àqueles que a violaram,
enquanto reserva a felicidade aos que se esforçaram por praticar o bem sob todas as
formas. (2)
Por um efeito contrário, a união do perispírito e da matéria carnal, que se efec-
tuara sob a influência do princípio vital do germe, cessa desde que esse princípio
deixa de actuar, em consequência da desorganização do corpo. Como era mantida
por uma força actuante, tal união desfaz-se logo que essa força deixa de actuar. En-
tão, o perispírito desprende-se, molécula a molécula, conforme se unira, e ao espírito
é restituída a liberdade. Assim, não é a partida do espíri
espíri to que causa a morte do
corpo; esta é que determina
determina a partida do espí
espí rito. (12)
O Espiritismo, através da observação dos factos, dá a conhecer os fenómenos
que acompanham essa separação, que, às vezes, é rápida, fácil, suave e insensível,

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ao passo que doutras é lenta, laboriosa, horrivelmente penosa, conforme o estado


moral do espírito, e pode durar meses inteiros. (12)
A alma desprende-se gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a
quem se restitua subitamente a liberdade. Aqueles dois estados tocam-se e confun-
dem-se, de sorte que o espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam.
Estes laços desatam-se, não se quebram. (9)
Durante a vida, o espírito acha-se preso ao corpo pelo seu envoltório semimate-
rial, ou perispírito. A morte é somente destruição do corpo; não a desse outro invó-
lucro, que do corpo se separa quando cessa neste a vida orgânica. A observação
demonstra que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se com-
pleta subitamente; que, ao contrário, se opera gradualmente e com uma lentidão
muito variável conforme os indivíduos. Em alguns é bastante rápida, podendo dizer-
se que o momento da morte é mais ou menos o da libertação. Noutros, naqueles,
sobretudo, cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos
rápido, durando, algumas vezes, dias, semanas e até meses, o que não implica exis-
tir, no corpo, a menor vitalidade, nem a possibilidade de volver à vida, mas uma sim-
ples afinidade com o espírito, afinidade que guarda sempre proporção com a pre-
ponderância que, durante a vida, o espírito deu à matéria. É, com efeito, racional
conceber-se que quanto mais o espírito se tenha identificado com a matéria, mais
penoso lhe seja separar-se dela; ao passo que a actividade intelectual e moral, a ele-
vação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a
vida do corpo, de modo que, chegando a morte, é quase instantâneo. Tal o resulta-
do dos estudos feitos em todos os indivíduos que se têm podido observar por ocasi-
ão da morte. Essas observações provam, ainda, que a afinidade persistente entre a
alma e o corpo, em certos indivíduos, é às vezes muito penosa, porquanto o espírito
pode experimentar o horror da decomposição. Este caso, porém, é excepcional e
peculiar a certos géneros de
vida e a certos géneros de
morte. Verifica-se com alguns
suicidas. (9)
Na agonia, a alma, algu-
mas vezes, já tem deixado o
corpo; nada mais há que a vida
orgânica. O homem já não tem
consciência de si próprio;
entretanto, ainda lhe resta um
sopro de vida orgânica. O
corpo é a máquina que o
coração põe em movimento.
Existe enquanto faz circular
nas veias o sangue, para o
qual não necessita da alma. (9)
Por ocasião da morte,
tudo, a princípio, é confuso. A
alma precisa de algum tempo
para entrar no conhecimento
de si própria. Ela acha-se como
que aturdida, no estado de
uma pessoa que despertou de
profundo sono e procura ori-
entar-se sobre a sua situação.
A lucidez das ideias e a

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memória do passado voltam-lhe à medida que se apaga a influência da matéria que


ela acaba de abandonar, e à medida que se dissipa a espécie de névoa que lhe obs-
curece os pensamentos. (9)
É muito variável o tempo que dura a perturbação que se segue à morte. Pode
ser de algumas horas, como também de muitos meses e até de muitos anos. Naque-
les que, desde quando ainda viviam na Terra, se identificavam com o estado futuro
que os aguardava, é menos longa, porque esses compreendem imediatamente a
posição em que se encontram. (9)
Aquela perturbação apresenta circunstâncias especiais, de acordo com os ca-
racteres dos indivíduos e, principalmente, com o género de morte. Nos casos de
morte violenta, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o espírito
fica surpreendido, espantado e não acredita estar morto. Obstinadamente, sustenta
que não o está. No entanto, vê o seu próprio corpo, reconhece que esse corpo é seu,
mas não compreende que se ache separado dele. Acerca-se das pessoas a quem es-
tima, fala-lhes e não percebe porque não o ouvem. Semelhante ilusão prolonga-se
até ao completo desprendimento do perispírito. Só então o espírito se reconhece
como tal e compreende que não pertence mais ao número dos vivos. Este fenómeno
explica-se facilmente. Surpreendido de improviso pela morte, o espírito fica atordoa-
do com a brusca mudança que nele se operou; considera ainda a morte como sinó-
nimo de destruição, de aniquilamento. Ora, porque pensa, vê, ouve, tem a sensação
de não estar morto. Mais lhe aumenta a ilusão o facto de se ver com um corpo se-
melhante, na forma, ao precedente, mas cuja natureza etérea ainda não teve tempo
de estudar. Julga-o sólido e igual ao primeiro e, quando se lhe chama a atenção para
esse ponto, admira-se de não poder palpá-lo. Certos espíritos revelam essa particula-

ridade, se bem que a morte não lhes tenha sobrevindo inopinadamente. Todavia,
apresenta-se sempre mais generalizada entre os que, embora doentes, não pensa-
vam morrer. Observa-se, então, o singular espectáculo de um espírito assistir ao seu
próprio enterro como se fora o de um estranho, falando desse acto como de coisa
que lhe não diz respeito, até ao momento em que compreende a verdade. (9)

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A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de


bem, que se conserva calmo, semelhante, em tudo, a quem acompanha as fases de
um tranquilo despertar. Para aquele cuja consciência ainda não está pura, a pertur-
bação é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam à medida que se compe-
netra da situação. (9)
Nos casos de morte colectiva tem sido observado que todos os que perecem ao
mesmo tempo nem sempre tornam a ver-se logo. Presas da perturbação que se se-
gue à morte, cada um vai para seu lado, ou só se preocupa com os que lhe interes-
sam. (9)
A alma desencarnada procura, naturalmente, as actividades que lhe eram predi-
lectas nos círculos da vida material, obedecendo aos laços afins, tal qual se verifica
nas sociedades da Terra. (8)
“As vossas cidades não se encontram repletas de associações, "de grémios", de
classes inteiras que se reúnem e se sindicalizam para determinados fins, conjugando
idênticos interesses de vários indivíduos? Aí não se abraçam os agiotas, os políticos,
os comerciantes, os sacerdotes, objectivando cada grupo a defesa dos seus interes-
ses próprios?” (8)
O homem desencarnado procura ansiosamente, no espaço, as aglomerações
afins com o seu pensamento, de modo a continuar o mesmo género de vida aban-
donado na Terra, mas, tratando-se de criaturas apaixonadas e viciosas, a sua mente
reencontrará as obsessões da materialidade, como as do dinheiro, álcool, etc., obses-
sões que se tornam o seu martírio moral a cada hora, nas esferas mais próximas da
Terra. (8)
“Daí a necessidade de encararmos todas as nossas actividades no mundo como
tarefa de preparação para a vida espiritual, sendo indispensável à nossa felicidade,
além do sepulcro, que tenhamos um coração sempre puro”. (8)
Na questão 165 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec faz a seguinte indaga-
ção: “O conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência sobre a duração, mais
ou menos longa, da perturbação?” Os espíritos responderam, taxativamente: “Influ-
ência muito grande, pois o espírito já antecipadamente compreendia a sua situação.
Mas, a prática do bem e a consciência pura são o que maior influência exercem”. (9)

RESUMO
INTRODUÇÃO – REVISÃO HISTÓRICA

A doutrina das vidas sucessivas, ou reencarnação, é também chamada palin-


genesia, de duas palavras gregas - palin, de novo, e genesis, nascimento.
Foi formulada nos albores da Civilização, na Índia. Os povos da Ásia e da Gré-
cia acreditavam na imortalidade da alma e procuravam saber se fora criada no mo-
mento do nascimento ou se existia antes.
Nos vedas, no Bhagavad Gita, encontram-se citações sobre a pluralidade das
vidas. A religião da Pérsia, o Mazdeísmo, apresentava uma concepção muito elevada,
a da redenção final, após várias provas expiatórias.
Platão apresenta, no Fedon, a teoria das vidas sucessivas, na afirmação
“aprender é recordar.”
A escola neo-platónica de Alexandria, com Plotino, Porfírio e Jâmblico, ensina-
va a reencarnação.
Os romanos, através de Virgílio e Ovídio, falam das vidas sucessivas.

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Os gauleses praticavam a religião dos druidas e acreditavam na unidade de


Deus e nas vidas sucessivas.
Descartes, Leibnitz e Kant tiveram certa intuição dessa doutrina.
O Bramanismo, o Budismo, o Druidismo, o Islamismo baseiam-se na crença
das vidas sucessivas.
O Cristianismo não abriu excepção à regra. Orígenes, Clemente de Alexandria
e a maior parte dos cristãos dos primeiros séculos admitiam a doutrina da palingene-
sia.

REENCARNAÇÃO E METEMPSICOSE

O espírito não pode encarnar no corpo de um animal, como entende a dou-


trina da metempsicose, pois isso seria retrogradar e o espírito não retrograda. É falsa
a ideia da metempsicose, no sentido da transmigração directa da alma do animal
para o homem e reciprocamente, o que implicaria a ideia de uma retrogradação.
A reencarnação funda-se na marcha ascendente da Natureza e na progressão
do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a dignidade.
Emmanuel explica que a doutrina da metempsicose surgiu com os egípcios,
como reminiscência do seu doloroso degredo na face obscura do mundo terreno.
Pitágoras foi o primeiro personagem que introduziu na Grécia a doutrina dos
renascimentos da alma. Ele tinha duas doutrinas: a reservada aos iniciados, que fre-
quentavam os mistérios, e outra destinada ao povo, que deu nascimento ao erro da
metempsicose.

REENCARNAÇÃO E RESSURREIÇÃO

A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurrei-
ção. Eles acreditavam que um homem que vivera podia reviver, sem saberem exac-
tamente de que maneira o facto poderia dar-se.
A ressurreição dá a ideia de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a
Ciência demonstra ser materialmente impossível. A reencarnação é a volta da alma,
ou espírito, à vida corpórea, mas noutro corpo, especialmente formado para ele e
que nada tem de comum com o antigo. A ressurreição podia ser aplicada a Lázaro,
mas não a Elias, nem aos outros profetas.

A REENCARNAÇÃO NA BÍBLIA E NOS EVANGELHOS

A ideia das vidas anteriores era geralmente admitida entre os hebreus.


A Bíblia e os evangelhos apresentam inúmeras citações que indicam a doutri-
na das vidas sucessivas.
Isaías, Cap. XXVI, v.19: “Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada vi-
verão de novo; aqueles que estavam mortos em meio a mim ressuscitarão”.
Job, Cap. XIV, v.10 a 14: “Quando o homem está morto, vive sempre; aca-
bando os dias da minha existência terrestre, esperarei, porquanto a ela voltarei de
novo.”

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S. Mateus, Cap. XVI, v.13 a 17 - S. Marcos, Cap. VIII, v. 27 a 30: “... porque
uns diziam que João Baptista ressuscitara dentre os mortos; outros que aparecera
Elias; e outros que um dos antigos profetas ressuscitara...”.
S. Mateus, Cap. XVII, v.10 a 13; S. Marcos, cap. IX, v.11 a 13: “... É verdade
que Elias há-de vir e restabelecer todas as coisas, mas eu vos declaro que Elias já veio
e eles não o conheceram e o trataram como lhes aprouve... Então seus discípulos
compreenderam que fora de João Baptista que ele falara.”
S. João, Cap. III, v.1 a 12: “... Jesus lhe respondeu: – Em verdade, em verda-
de, digo-te explica: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo. Disse-
lhe Nicodemos: – Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar no
ventre de sua mãe, para nascer segunda vez? Retorquiu-lhe Jesus: – Não te admires
de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo. Respondeu-lhe Nicodemos: –
Como pode isso fazer-se? Jesus lhe observou: – Pois quê! És mestre em Israel e igno-
ras estas coisas?”
Esta última observação de Jesus demonstra que a reencarnação era ensinada
aos intelectuais da época.
Existiam ensinos secretos, reservados aos iniciados, que foram compilados nas
diferentes obras dos hebreus e que constituem a Cabala.
Sob o nome de ressurreição, a reencarnação era o ponto de uma das crenças
fundamentais dos judeus.
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências são
ininteligíveis, na sua maioria, as máximas do Evangelho. Somente o princípio da re-
encarnação dará a essas máximas o sentido verdadeiro.

REENCARNAÇÃO E A EVOLUÇÃO ANÍMICA

O princípio inteligente, distinto do princípio material, individualiza-se e elabo-


ra-se, passando pelos diversos graus da animalidade. É aí que a alma se ensaia para a
vida e desenvolve, pelo exercício, as suas primeiras faculdades. Chegada ao grau de
desenvolvimento que esse estado comporta, ela recebe as faculdades especiais que
constituem a alma humana.
O que constitui o homem espiritual não é a sua origem; são os atributos es-
peciais com que se apresenta dotado ao entrar na humanidade. Por haver passado
pela fieira da animalidade, o homem não deixaria de ser homem; já não seria animal,
como o fruto não é a raiz, como o sábio não é o feto informe que o pôs no mundo.
Uma cadeia ascendente e contínua liga todas as criações; o mineral ao vege-
tal, o vegetal ao animal, e este ao ente humano.
A alma elabora-se no seio dos organismos rudimentares. No animal está ape-
nas em estado embrionário; no homem adquire conhecimento e não mais pode re-
trogradar.
A finalidade da alma é o desenvolvimento de todas as faculdades a ela ine-
rentes.
Para consegui-lo, é obrigada a encarnar grande número de vezes na Terra, a
fim de cimentar as suas faculdades morais e intelectuais. É mediante uma evolução
ininterrupta, a partir das formas de vida mais rudimentares, até à condição humana,
que o princípio pensante conquista, lentamente, a sua individualidade. Chegado a
esse estágio, cumpre-lhe fazer eclodir a sua espiritualidade, dominando os instintos
remanescentes da sua passagem pelas formas inferiores, a fim de elevar-se, na série
das transformações, para destinos sempre mais altos.

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REENCARNAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO HOMEM

À medida que o espírito se purifica, o corpo que o reveste aproxima-se igual-


mente da natureza espiritual. Torna-se-lhe menos densa a matéria, menos grosseiras
as necessidades físicas.
Da purificação do espírito decorre o aperfeiçoamento moral dos seres encar-
nados.
Quanto menos material o corpo, menos sujeito às vicissitudes que o desorga-
nizam.
Quanto mais puro o espírito, menos paixões a miná-lo.

OBJECTIVO DA ENCARNAÇÃO

Deus impõe aos espíritos a encarnação, com o objectivo de os fazer chegar à


perfeição e colaborar, na parte que lhes toca, na obra da criação. Todos os espíritos
são criados simples e ignorantes e instruem-se nas lutas e tribulações da vida corpo-
ral.
Os anjos, arcanjos, querubins, serafins são a representação, para os homens,
daquelas almas que, pelo seu esforço, já atingiram a elevação espiritual. Os espíritos
que seguem o caminho do bem nem por isso são espíritos perfeitos; precisam adqui-
rir a experiência e os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição.
Os espíritos não podem conservar-se eternamente nas ordens inferiores, em-
bora dependa deles o progredirem mais ou menos rapidamente em busca da perfei-
ção. Podem permanecer estacionários durante algum tempo, porém não retrogra-
dam.
A encarnação é necessária para o duplo progresso - moral e intelectual - do
espírito.
Uma só existência corporal é insuficiente para o espírito adquirir todo o bem
que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra. Deus concede ao espírito tantas encar-
nações quantas as necessárias para atingir a perfeição.
Com a pluralidade das existências, o homem explica todas as aparentes ano-
malias da vida humana: as diferenças sociais; as mortes permaturas; a desigualdade
de aptidões intelectuais e morais. Desaparecem os preconceitos de raça e de casta,
pois o mesmo espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário,
chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher.
A reencarnação é um processo de aperfeiçoamento espiritual. Não há experi-
ência reencarnatória sem motivo.
O pensamento reencarnacionista está inscrito na frase: Nascer, morrer, renascer
ainda, progredir sempre, tal é a lei.
Os espíritos melhoram-se evitando o mal e praticando o bem.

JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO

A reencarnação é a única forma racional que admite a reparação das faltas


cometidas e a evolução gradual dos seres.

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Todos os espíritos tendem para a perfeição e Deus lhes faculta os meios de


alcançá-la, proporcionando-lhes as provações da vida corporal.
Se a sorte do homem se fixasse irrevogavelmente depois da morte, não seria
uma única a balança em que Deus pesa as acções de todas as criaturas e não haveria
imparcialidade no tratamento que a todas dispensa.
A doutrina da reencarnação é a única que corresponde à ideia que formamos
da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a
única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois oferece-nos os
meios de resgatarmos os nossos erros, por novas provações. A razão no-la indica e
os espíritos a ensinam.

DA VOLTA DO ESPÍRITO, EXTINTA A VIDA CORPORAL, À VIDA


ESPIRITUAL

No intervalo das existências corporais o espírito torna a entrar no mundo espi-


ritual. Aí é feliz ou desgraçado, conforme o bem ou o mal que fez.
O estado corporal é transitório e passageiro. O estado espiritual é o estado
definitivo do espírito. É neste estado, sobretudo, que o espírito colhe os frutos do
progresso realizado pelo trabalho da encarnação.
A situação da alma, depois da morte, é regida por uma lei de justiça infalível,
segundo a qual o ser se encontram em condições de existência que são rigorosa-
mente determinadas pelo seu grau evolutivo e pelos esforços que faz para se melho-
rar.
A morte do corpo físico é que determina a partida do espírito, não é a partida
do espírito que causa a morte do corpo.
Essa separação pode ser rápida, fácil, suave e insensível ou poderá ser lenta,
laboriosa, horrivelmente penosa, conforme o estado moral do espírito.
Durante a vida, o espírito está preso ao corpo pelo seu perispírito. A morte é
somente a destruição do corpo; não a desse outro invólucro, que do corpo se separa
quando cessa neste a vida orgânica.
A actividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um
começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo.
Na agonia, a alma, algumas vezes, já tem deixado o corpo; nada mais há que
a vida orgânica.
Por ocasião da morte, tudo, a princípio, é confuso. A alma precisa de algum
tempo para entrar no conhecimento de si mesma. A lucidez das ideias e a memória
do passado voltam-lhe à medida que se apaga a influência da matéria que ela acaba
de abandonar.
É muito variável o tempo que dura a perturbação que se segue à morte.
A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de
bem; para aquele cuja consciência ainda não está pura, a perturbação é cheia de
ansiedade e de angústias, que aumentam à medida que se compenetra da situação.
A alma desencarnada procura, naturalmente, as actividades que lhe eram
predilectas nos círculos da vida material.
O homem desencarnado procura, ansiosamente, no espaço, as aglomerações
afins com o seu pensamento, de modo a continuar o mesmo género de vida aban-
donado na Terra. Daí a necessidade de encararmos todas as nossas actividades no
mundo como tarefa de preparação para a vida espiritual, sendo indispensável à nos-
sa felicidade além do sepulcro que tenhamos um coração sempre puro.

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O conhecimento do Espiritismo tem grande influência na duração mais ou


menos longa da perturbação espiritual após a morte, pois o espírito já antecipada-
mente compreendia a sua situação. Mas a prática do bem e a consciência pura são o
que maior influência exercem.

BIBLIOGRAFIA

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ção, Livraria Ghignone Editora
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sileira
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ta Brasileira
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(5) Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Segunda Parte, Cap. XIII e
XVII, 11.ª Edição da Federação Espírita Brasileira
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deração Espírita Brasileira
(12) Allan Kardec, A Génese, Cap. I e XI, 19.ª Edição (Popular) da Federação Espírita
Brasileira
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