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A ASSUNÇÃO DE MARIA

Por William Webster

A doutrina católica romana da assunção de Maria está igualmente desprovida


de qualquer tipo de evidência convincente.[1] Ela ensina que Maria foi
ascendida ao céu em corpo e alma sem que tenha experimentado a morte, ou
logo após sua morte. Esta alegação extraordinária só foi oficialmente declarada
como um dogma da fé católica romana em 1950, embora tenha sido crida por
muitos por centenas de anos. Contestar essa doutrina, de acordo com o
ensinamento romano, resulta na perda da salvação, mesmo não havendo prova
escriturística para ela e mesmo escritor católico romano Eamon Duffy
entendendo que “claramente não há qualquer evidência histórica que a
apoie...”[2]
Por séculos na Igreja antiga houve um completo silêncio a respeito o fim
de Maria. A primeira menção dele é feita por Epifânio em 377 d.C., e ele
especificamente declara que ninguém sabe o que aconteceu com Maria. Ele
viveu próximo à Palestina e se houve mesmo uma tradição crida e ensinada na
igreja quanto às assunção de Maria ele a teria afirmado. Mas ele claramente
declara que “ninguém conhece o fim dela”.[3] Em adição a Epifânio, há
Jerônimo que também viveu na Palestina e não registra qualquer tradição de
uma assunção.
Isidoro de Sevilha, no século VII, ecoa Epifânio dizendo que ninguém possui
absolutamente qualquer informação sobre a morte de Maria. Portanto, não
existe testemunho patrístico sobre esse assunto. Mesmo historiadores católicos
romanos admitem prontamente este fato:

Nestas condições, não buscaremos o pensamento patrístico – como alguns


teólogos ainda hoje, de uma forma ou de outra, buscam – para nos transmitir, a
respeito da Assunção de Maria, uma verdade recebida tal como no inicio e
comunicada a eras subsequentes. Tal atitude não corresponde aos fatos.[4]

Como então este ensino veio a ter tamanha proeminência na Igreja a ponto
de ser declarado como uma questão de dogma em 1950?
O primeiro Pai da Igreja a afirmar explicitamente a assunção de Maria foi
Gregório de Tours em 590 d.C. Mas as bases para seu ensinamento não era a
tradição da Igreja, mas sua aceitação de um evangelho apócrifo conhecido como
o Transitus Beatae Mariae cujas as primeiras informações são do fim do século V
e que foi atribuído de forma espúria a Melito de Sardis.
Muitas versões desta literatura foram desenvolvidas ao longo tempo e são
encontradas em todo o Oriente e Ocidente, porém todas originadas de uma
única fonte. Assim, a literatura do Transitus é a verdadeira fonte do ensino da
Assunção de Maria e as autoridades católicas romanas admitem esse fato. O
mariólogo Juniper Carol, por exemplo, escreve: “a primeira testemunha
expressa no Oriente de uma genuína assunção vem a nós através de um
evangelho apócrifo, o Transitus Beatae Marieae do Pseudo-Melito”.[5] Foi através
deste escrito que os mestres do Oriente e do Ocidente passaram a abraçar e
promover o ensinamento.
Mas foram necessários vários séculos para que ele começasse a ser geralmente
aceito. O mais antigo discurso existente sobre a Festa da Dormição de Maria
afirma que a Assunção de Maria veio do Oriente em fins do século VII e inicios
do século VIII.[6] A literatura do transitus é, portanto, altamente significativa e
importante para que entendamos a natureza destes escritos. A Igreja Católica
Romana quer nos fazer crer que este evangelho apócrifo expressa uma crença
comum existente entre os fieis a respeito de Maria e que o Espírito Santo o usou
para tornar mais generalizada a consciência da Igreja sobre a verdade da
Assunção de Maria.
No entanto, a evidência histórica sugere o contrário. A verdade é que,
assim como com o ensino da imaculada conceição, a Igreja Romana tem
abraçado e é responsável por promover ensinamentos que não possuem origem
entre os fieis, mas em escritos heréticos que foram oficialmente condenados
pela Igreja antiga.
A história prova que o ensinamento do Transitus fez com que a Igreja o
considerasse herético. Em 495 d.C. o Papa Gelásio emitiu um decreto
intitulado Decretum de Libris Canonicis Eclesiasticis et Apocryphis. Esse decreto
apresenta de forma oficial os escritos que eram considerados canônicos e
aqueles que eram apócrifos e deveriam ser rejeitados. Ele traz uma lista de
escritos apócrifos e faz a seguinte declaração a respeito deles:

Os escritos restantes que tem sido compilados ou reconhecidos pelos heréticos e


cismáticos a Igreja Católica e Apostólica Romana de forma alguma os recebe;
destes, pensamos ser certo citar abaixo alguns que tem sido transmitidos, mas
que devem ser evitados pelos católicos.[7]

Na lista de escritos apócrifos que devem ser rejeitados, Gelásio apresenta


a seguinte obra: Liber qui apelatur Transitus, id est Assumption Sanctae Mariae,
Apocryphus.[8] Isso quer dizer especialmente o escrito do Transitus da Assunção
de Maria. No fim do decreto ele declara que essa e todas as outras literaturas
listadas são heréticas e que seus autores e ensinos e todos os que aderem a eles
estão condenados sob o anátema eterno e indissolúvel. Ele também põe
o Transitus na mesma categoria de escritos heréticos como os de Arius, Simão o
Mago, Marcião, Apolinário, Valentino e Pelágio. Essas são suas palavras:

Esses e [escritos] similares a esses, que... todos os heresiarcas e seus discípulos


ou cismáticos tem ensinado ou escrito... confessamos não serem apenas
rejeitados, mas também banidos de toda a Igreja Católica Romana e juntamente
com seus autores e seguidores são condenados para sempre em indissolúvel
vínculo de excomunhão.[9]

O Papa Gelásio explicitamente condena os autores bem como seus


escritos, os ensinamentos que eles promovem e todos os que os seguem. E,
significantemente, todo esse decreto e sua condenação foram reafirmados pelo
Papa Hormisdas no século VI. Esses fatos provam que a Igreja antiga via o
ensino da Assunção de Maria não como uma expressão legítima de uma crença
piedosa dos fieis, mas como uma heresia digna de condenação.
Há aqueles que questionam a autoridade do assim chamado decreto
gelasiano em bases históricas dizendo que é atribuído a Gelásio de forma
espúria. Entretanto, as autoridades católicas romanas Denzinger, Charles
Joseph Hefele, W.A. Jurgens e a Nova Enciclopédia Católica afirmam que o
decreto deriva do Papa Gelásio,[10] e o Papa Nicolau I em uma carta aos bispos
da Gália (c. 865 d.C.) cita oficialmente esse decreto e atribui a Gelásio I.
Pio XII, em seu decreto de 1950, declarou a Assunção de Maria como um
dogma revelado por Deus. Mas as bases sobre as quais ele justifica sua asserção
não são nem a Escritura nem o testemunho patrístico, mas uma teologia
especulativa. Ele conclui que, por ele parecer racional e porque Deus deve ter
seguido certo curso de ação com respeito à pessoa de Maria, e porque ele tem
todo o poder – o que ele tem realmente demonstrado – devemos, portanto,
acreditar que ele agiu dessa forma. Tertuliano lidou com um raciocínio similar
de certos homens em sua época que procuravam apoiar ensinamentos heréticos
com o argumento de que nada é impossível para Deus. Suas palavras
permanecem como uma grande repreensão à Igreja Romana de nossos dias em
seus equivocados ensinamentos sobre Maria:

Mas se nós escolhermos aplicar esse princípio tão extravagante e severamente


em nossas imaginações caprichosas, nós podemos então entender que Deus tem
feito tudo o que nós queremos, sobre a base de que nada é impossível para Ele.
Entretanto, não devemos supor que pelo fato de Deus poder todas as coisas Ele
tenha feito o que de fato não fez. Nós devemos procurar saber se ele realmente fez
isso... será seu dever, no entanto, aduzir provas a partir das Escrituras como nós
fazemos.[11]

Tertuliano diz que nós só podemos saber se Deus tem feito algo pela
validação da Escritura. Não ser capaz de fazê-lo invalida qualquer alegação de
ensino revelado por Deus. Isso nos leva novamente ao princípio patrístico
da Sola Scriptura, um princípio que tem sido repudiado pela Igreja Católica
Romana e que tem resultado em sua adesão e promoção de ensinamentos que
nunca foram ensinados na Igreja antiga, tais como a Assunção de Maria.
O único motivo que o fiel católico romano possui para crer no dogma da
Assunção de Maria é que a “Igreja Infalível” o declarou. Mas dados os fatos
acima, a alegação de infalibilidade mostra-se completamente infundada. Como
pode uma Igreja que é supostamente infalível promover ensinamentos que a
Igreja antiga condenou como heréticos? Enquanto um antigo Papa decreta
anatemizados aqueles que creem no ensino de um evangelho apócrifo, agora
um decreto papal condena àqueles que descreem dele. A conclusão tem de ser
que ensinamentos tais como a Assunção de Maria são ensinamentos e tradições
de homens, não revelações de Deus.
Extraído do livro The Church of Rome at the Bar of History [A Igreja de Roma no
Tribunal da História] de William Webster, pp. 81-85.

Tradução livre: Fabiano Raposo.

[1] Para documentação sobre o dogma da Assunção de Maria veja apêndice 7.


[2] Eamon Dufy, What Catholics Believe About Mary (London: Catholic Truth
Society, 1989), p.17.
[3] “Mas se alguns pensam que estamos enganados, deixe-os procurar nas
Escrituras. Eles não encontrarão a morte de Maria; não encontrarão se ela
morreu ou não morreu; não encontrarão se ela foi sepultada ou não... A
Escritura é totalmente silente [sobre o fim de Maria]... De minha própria parte
não me atrevo a dizer, mas mantenho meus próprios pensamentos e pratico o
silêncio... O fato é que a Escritura ultrapassa o entendimento humano e deixa
[essa questão] incerta... Ela morreu? Não sabemos... Se a santa virgem morreu e
foi sepultada... Ou se foi assassinada... Ou se permaneceu viva, sendo que nada
é impossível para Deus que pode fazer o que desejar; pois seu fim ninguém
conhece” Epiphanius, Panarion, Haer. 78.10-11, 23. Citado por Juniper Carol ,
O.F.M. ed., Mariology, vol.II (Milwaukee: Bruce, 1957), pp. 139-40.
[4] Juniper B. Carol, O.F.M., Ed., Mariology, vol.I (Milwaukee: Bruce, 1955), p.
154.
[5] Ibid., vol.I, p. 149.
[6] Ibid., Vol.II, p.147.
[7] New Testament Apocrypha, William Schneemelcher, ed. (Cambridge: James
Clarke, 1991), p.38.
[8] Papa Gelásio I, Epistle 42, Migne Series, M.P.L. vol. 59, col. 162.
[9] Henry Denzinger, The Sources of Catholic Dogma (London: Herder, 1954), pp.
69-70.
[10] Henry Denzinger, The Sources of Catholic Dogma (London: Herder, 1954), pp.
66-69.
W.A. Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol.I (Collegeville: Liturgical,
1970), p. 404.
New Catholic Encyclopedia, vol.VII (Washington D.C.: Catholic University,
1967), p. 434.
Hefele, A History of the Councils of the Church (Edinburgh: T&T. Clark, 1895),
vol.IV, pp. 43-44.
[11] Alexander Roberts e James Donaldson, Tha Ante-Nicene Fathers, vol.III, Latin
Christianity: Its Founder, Tertulian, Against Praxeas, cap. X e XI (Grand Rapids:
Eerdmans, 1951), p. 605.

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