Você está na página 1de 8

Como extrair Força Vital da oferenda?

Primeiro é preciso compreender que o termo "Força Vital” é empregado


para designar a força física e espiritual. Essa força pode ser extraída de uma
oferenda em função dela poder reorganizar (zerar) as energias em torno de nós
e nutrir a essência de nossas almas. Isso pode ser feito de várias maneiras, por
exemplo, com oferendas individuais, doação de dinheiro e alimentos ou
organizando festas para os Òríÿà(s) – Ìyágbà(s), ßàngó, Ògún, Èÿù, etc.
Quando se trata de uma festa exige convites aos amigos. Nesse caso,
animais quadrúpedes, aves, tubérculos, grãos, bebidas e água são sacrificados
para intensificar o nosso compromisso com a vida. Mas, no final, as carnes dos
animais e essas outras coisas usadas na oferenda são servidas numa refeição
comunal com votos de boas-vindas aos convidados. Acreditamos que a “Força
Vital” extraída dos animais deve ser dividida e propagada pelos familiares e
amigos.
Somente esse “saber dividir bênçãos e/ou força vital” faz de nossa
cultura a mais importante da Terra. Isso reafirma o compromisso entre o reino
dos antepassados com o reino dos vivos. Religa (reli-gare) o Céu (espaço) a Terra,
misturando divindades e seres humanos para festejar a continuidade.
A ideia é que o acordo firmado entre os animais e os seres humanos
continue garantindo aos espíritos da vida (energias reorganizadas pelos
sacrifícios) o fornecimento de alimentos para todos. O conhecimento é
profundo. Nada é feito sem o devido respeito.
Todos respeitam os animais e as coisas sacrificadas para fornecer a
comida de “hoje”. Todas as pessoas elevam seus espíritos, fazem saudações,
orações e pedem desculpas pelos sacrifícios para que os espíritos dos animais
também sejam elevados e voltem a fornecer alimentos às gerações futuras.
Sempre que um sacrifício animal (força vital) é feito diante de quaisquer
dos Òríÿà(s), Ògún, por fazer parte do processo ritual (faca) é evocado para
assumir o encargo do ato. Há um entendimento profundo do acordo.
Divindades, humanos, animais, plantas e minerais – tudo faz parte do Todo.
Nada é feito sem razão ou sem a devida responsabilidade.
Por que há falta de aceitação ou pré-conceito
contra os sacrifícios?

A falta de aceitação advém da falta de conhecimento e entendimento.


Isto gera o preconceito – a ideia de que tudo não passa de crendice popular.
Criam-se fantasmas e todo homem de cultura primitiva (primeira) é visto como
um selvagem. Com essas perturbações mentais, pessoas afoitas em suas
conclusões, abortam pensamentos e sentimentos, e deturpam todos os nossos
conceitos. Dentre eles, o sacrifício animal. Esse, apesar de fazer parte do awo
Ògún, sabedoria do Òríÿà do ferro, que produz o sangue no osso, e que, além disso,
é a maior força civilizatória da humanidade, ainda é o aspecto de nossa cultura
mais grosseiramente mal compreendido.
Dessa maneira, para compreender os segredos internos do corpo e da
alma humana, no sentido de repor a Força Vital que perdemos a cada instante
em função da desorganização das energias que circundam o espaço, é preciso
compreender profundamente o sacrifício com o sangue e a importância de Ògún
– Dono do osso, e do sangue produzido na medula óssea.

Quando nos referimos ao sacrifício, parece aos preconceituosos, que, de


pronto, apresentamos um bode preto e chifrudo jorrando o sangue para todos
os lados, mas o sacrifício é de qualquer coisa.
Ifá diz:
— A água com a qual lavamos as mãos não será mais tocada.
Ninguém toma banho, lava o rosto ou as mãos sem sacrificar água.
Grãos cozidos não nascem!
Será que os preconceituosos não comem?
Será que todos “agora” vivem de luz?
Sacrifício pode ser inclusive de transpiração e lágrimas.
O sacrifício do profissional magarefe (açougueiro) não pode ser
comparado com o Sacro-Ofício do sacerdote. Esse exige protoloco e não causa
sofrimentos ao animal. É realizado para afastar os efeitos maléficos da tristeza,
dor, doença, mágoa, raiva, intriga e miséria. Limpa a alma! Traz boa sorte e não
somente comida.
Pensam “os preconceituosos” que não compreendemos as nossas
práticas. Sabemos muito bem que nada na vida pode ser obtido somente com
sacrifícios de coisas e animais. Não sabem, por exemplo, que, quando
desejamos alcançar a nossa civilidade espiritual a fim de cumprir um propósito
divino e alcançar uma bênção do espaço, que isso pode ser obtido através da
oração sobre um simples copo d’água; que o poder da oração cristaliza as
partículas da água criando sons de baixa frequência que retornam com a
mensagem para realizar o milagre. Ainda assim, o nosso sentimento é pelo
sacrifício da água.
Também não sabem que para nós a água é mais importante do que o
sangue. Nem que consideramos o sangue uma qualidade de água ou um rio de
água quente que circula em nossas veias. Agora, compreender que o sangue, de
algum modo, é água, não é tão simples para pessoas que têm suas “taças”
cheias de maus sentimentos.
O banho de sangue, de decocção vegetal (àgbò) ou de água pura,
regenera a força vital e alivia a fadiga de qualquer pessoa. Desse modo, a
pessoa não iniciada pode dizer uma oração à Yemôja em sua própria linguagem
dentro de uma bacia de água límpida, “respirar a oração” de dentro da água e
usá-la para beber ou tomar banho que será abençoada.
O efeito curativo da água para o banho pode ser potencializado com a
adição de sal porque a torna preservativa e preventiva. Contudo, isso não
significa dizer que água pura substitua o banho com folhas e de sangue em
todos os casos. Existem normas para essas coisas mesmo sabendo que para
alguns casos existe uma espécie de folha que substitui o sangue.

O que é possessão ou transe?


Não somos dominados nem acabrunhados por nada!
Temos somente a preocupação e a necessidade de preservar a disciplina
espiritual. No entanto, através do conhecimento, levando aos iniciados os
esclarecimentos necessários para que consigam alcançar níveis de “consciência
elevada”. Isso os deixa distante de serem pessoas possessas ou possuídas.
O nosso nível de “consciência elevada e civilizada” é considerado pelos
preconceituosos, por pessoas que não compreendem e por àquelas que não
creem no homem divino; fora do padrão da imaginação comum. Contudo, ou
longe disso tudo, o que buscamos é despertar em nós as “partículas divinas”
para que nos tornemos semelhantes. Erroneamente, esse estado de consciência
alterada é chamado de possessão ou de incorporação. Não consigo imaginar
que sejam essas expressões pejorativas. Penso que são apenas inadequadas para
descrever as diversas formas de sensibilidades, através das quais, distinguimos
os iniciados em Òríÿà(s), se levarmos em consideração a compreensão que cada
pessoa tem sobre o mistério que envolve sua própria existência.
É possível despertar o Òríÿà – Origem Ancestral – centelhas divinas
deixadas no homem, e o Egún – ancestral humano, por exemplo, através da
disciplina dos pensamentos, intuições, sentimentos e esclarecimentos
adequados para os sonhos. Esses estão intimamente relacionados à fonte de
nossas consciências, mas é apenas um, dentre os infinitos meios de
comunicação e/ou manifestação que existe. Nesse sentido, podemos afirmar
que cultuar Òríÿà é buscar obter a capacidade de despertar essas centelhas
divinas – desde sonhos, intuições, pensamentos, sentimentos, ações e uso
adequado das palavras.
Tudo isto, claro, é mais fácil para a pessoa iniciada. Essa tem a
oportunidade de receber orientações sobre as várias maneiras que podem levá-
la a obter melhores respostas de seu interior.
Essas respostas são “elos” entre o iniciado e o Òríÿà, do qual, descende
e/ou que lhe deu origem. Por essa razão, associado a sua rede de comunicação
espiritual.
As palavras do yorùbá: àlá, sonho ou visão; àlà, pano branco; àlálá, sonhador,
referem-se à pessoa que através dos sonhos acessa a fonte de seus sentimentos
adequadamente para se comunicar intimamente com seus Òríÿà(s) e ancestrais.
É possível a qualquer pessoa desenvolver esse tipo de relação com os
Òríÿà(s) e ancestrais da família. Basta aceitar a influência das divindades para
que os fenômenos ocorram através dos sonhos, sentimentos, intuições e dos
transes – que a meu ver não se encaixam desse contexto. Tudo depende da
sensibilidade interior desenvolvida. Todos têm o direito a essas bênçãos.
A ideia é que as forças da natureza que sustentam a vida na Terra
podem organizar nossos sentimentos e nos levar a esse estado de consciência
alterada tão brilhantemente civilizada e harmoniosa que rapidamente nos ligam
aos poderes da criação. Contudo, para alcançar esse estado de consciência que
chamamos de ôgbón-inú, sensibilidade interior, ou um nível de crescimento
espiritual elevado, o indivíduo precisa ser verdadeiramente disciplinado. Neste
contexto, a ideia de possessão não cabe! Pois:
 O termo yorùbá usado para definir “possessão” é ìní, propriedade.
Aplicado negativamente porque ninguém é propriedade de ninguém.
Nem mesmo dos Òríÿà(s).
Outra palavra que define possessão é jogún, tomar posse.
Acontece que ninguém é possuído pelos Òríÿà(s). Eles vêm de dentro
das pessoas, vivem nas pessoas fazendo-as pensar e sonhar...
 O termo usado para definir livre-arbítrio é ogún-ibi que significa:
direito adquirido pelo nascimento. É uma dádiva de Olódùmarè, Deus.
 A frase usada para designar a presença do Òríÿà no iniciado é
Òríÿà-gún-ni que significa o Òríÿà o tomou.

Òríÿà-gún-ni descreve perfeitamente o iniciado que assume as


características de uma determinada divindade. Pois, além de se manifestar com
esse estado de consciência alterada, também aparece para representar a profunda
ligação que existe entre os indivíduos da comunidade com o àÿç - poder dos
Òríÿà(s). Ou seja, “ele” se manifesta para todos.
Ainda que desse modo, pareça sugerir posse, em minha opinião, a
palavra possessão não passa de uma intrusão ou tentativa de desconstruir nossos
conceitos. Visto que o estado de “consciência alterada” se trata de uma força
interna intrínseca capaz de desbloquear o enigma divino no interior de
qualquer pessoa.
Ninguém é visto como bicho!
Ifá nos ensina que:
— Toda pessoa vem para a Terra trazendo centelhas divinas – partículas
de cristais, em sua Orí, Espírito Interior – Alma.
Nascemos adequados para alcançar esses cristais –-- centelhas –- de
nossa mente interior, mas ogún-ibi - o direito adquirido com o nascimento – livre-
arbítrio, nos permite escolher desenvolver ou não essa sensibilidade.
Infelizmente a falta de entendimento dos vários aspectos de nossa
cultura levam as pessoas a tirarem conclusões precipitadas. Somando-se a isto o
fato de em nosso meio, existir pessoas completamente desinteressadas em
estudar esses assuntos mais profundamente. Tenho dito que estão preocupadas
com os enfeites; em receber seus Òríÿà(s) sem saber como isso se dá; em dançar
como quem espalha brasas; dentre outros enganos. É o que de fato vem
acontecendo nas Çgbë(s), Comunidades/Terreiros de Candomblé –-- tidos por
organizados. Poucos têm alguma noção da disciplina espiritual que envolve
tudo isso. São cheios de boas intenções. Mas disso, o inferno também está cheio.
Por: Orlando J. Santos Bàbá Ògún Dímõlõkõ

Você também pode gostar