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Profª Samara Fernandes

REALISMO/ NATURALISMO (1881-1900)

CONTEXTO-HISTÓRICO:
O Realismo foi o estilo de época que predominou, na literatura, durante a segunda metade do século XIX, um
período rico em acontecimentos.
A Revolução Industrial já se encontrava em seu segundo momento, transformando o sistema capitalista e fazendo
surgir uma nova burguesia e uma nova elite, que passaram a ocupar papel de destaque no cenário histórico desse
período. Além disso, com a abolição da escravatura, duras condições de trabalho nas fábricas e salários miseráveis eram
impostos ao proletariado, o que gerou grandes movimentos sociais e políticos, tais como o Socialismo, o Comunismo e
o Anarquismo.
As descobertas científicas e as novas doutrinas criavam inusitadas referências para toda a sociedade. O mundo
conhecia a luz elétrica, o automóvel, isto e, uma outra realidade. Desenvolveram-se várias correntes de pensamento no
campo da Filosofia, da ciência, da Economia e da Psicologia.
- Segunda Revolução Industrial1.
- Guerra do Paraguai.
- Movimento abolicionista e republicano.
- Tendências científicas e filosóficas: Positivismo(Augusto Comte); Evolucionismo, (Charles
Darwin);Determinismo ( Hypolite Taine); Socialismo científico ( Karl Marx).

POSITIVISMO

Corrente de pensamento fundada por Augusto Comte (1789-1857), só admite as verdades positivas, ou seja, as
científicas, aquelas que provêm do experimentalismo, da observação e constatação. Para Comte, só cinco ciências
eram relevantes: a Astronomia, a Física, a Química, a Fisiologia e a Sociologia, assim enumeradas em ordem de
importância. Esta última, pela sua complexidade, permitiria reformas sociais.
Comte afirmava que a finalidade do saber científico é a previsão: “saber para poder”. No âmbito social e econômico, o
filósofo propõe uma organização racional, que se direcione para os interesses coletivos, neutralizando assim os motivos
de guerra e discórdia entre as nações. Comte acreditava que se pode alcançar qualquer objetivo, desde que se saiba
também imprimir às situações as causas necessárias à obtenção dos objetivos desejados.

DETERMINISMO
Essa corrente foi desenvolvida por Hipólito Adolfo Taine (1828-1893), que aplicou o método experimental das Ciências
Naturais às diversas produções do espírito humano. Taine afirmava que o comportamento humano era condicionado
pelas influências da raça, do contexto histórico e do meio ambiente.

EVOLUCIONISMO
A teoria da evolução das espécies foi elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1862), que retomou a
teoria da evolução das espécies de Lamark (1744-1829), apoiando-se ainda em experimentos de seleção da cultura de
plantas e da criação de animais. Darwin elaborou a teoria da seleção natural, defendendo que a concorrência entre as
espécies eliminaria os organismos mais fracos, permitindo à espécie inteira evoluir, graças às heranças genéticas
favoráveis dos indivíduos mais fortes e mais aptos. Darwin demonstrou cientificamente que os seres humanos e os
macacos têm um antepassado em comum - questionando assim a existência de Deus, fato que criou um escândalo na
sociedade da época.

1 A Primeira etapa da Revolução Industrial: Entre 1760 a 1860, e ficou limitada, primeiramente, à Inglaterra. Houve o
aparecimento de indústrias de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico. Nessa época o aprimoramento das máquinas a vapor
contribuiu para a continuação da Revolução.
A Segunda Etapa da Revolução Industrial: A segunda etapa ocorreu no período de 1860 a 1900, ao contrário da primeira fase,
países como: Alemanha, França, Rússia e Itália também se industrializaram. O emprego do aço, a utilização da energia elétrica e dos
combustíveis derivados do petróleo, a invenção do motor a explosão, da locomotiva a vapor e o desenvolvimento de produtos
químicos foram as principais inovações desse período.
A Terceira Etapa da Revolução Industrial: Alguns historiadores têm considerado os avanços tecnológicos do século XX e XXI
como a terceira etapa da Revolução Industrial. O computador, o fax, a engenharia genética, o celular seriam algumas das inovações
dessa época.

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SOCIALISMO CIENTÍFICO OU MARXISMO

Em 1848, os economistas e filósofos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) publicaram o
Primeiro Manifesto Comunista, destinado, sobretudo, à classe operária, pretendendo despertar a consciência de classes-
pregava-se uma revolução internacional que derrubasse a burguesia, o sistema capitalista, e implantasse o comunismo.
A pedra fundamental do marxismo está na ideia de socialização dos meios de produção. Em O Capital, obra de Karl
Marx, estão os principais conceitos do marxismo.

MARCO INICIAL:

Realismo: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)- romance de Machado de Assis.


Naturalismo: O mulato (1881) - romance de Aluísio Azevedo.

CARACTERÍSTICAS:

REALISMO:
1) Objetividade: verossimilhança, fidelidade do real. Aparece como negação ao subjetivismo romântico e nos mostra o
homem voltado para aquilo que está diante e fora dele, (o não- eu;) o personalismo cede terreno ao universalismo. O
materialismo leva à negação do sentimentalismo e da metafísica.
2) Impessoalidade: atitude neutra (aparente)- aproxima-se do homem comum, e seus contrastes.
3) Análise psicossocial da personagem: comportamento do personagem (o fraco- a prostituta.)
4) O presente e o contemporâneo: preocupa-se com assunto de sua época.
5) Detalhismo descritivo: apresentação minuciosa das personagens e ambientes. (O escritor realista e/ou naturalista
procura selecionar detalhes que retratem fielmente a realidade.)
6) Lentidão narrativa: por causa do detalhismo descritivo. (A preocupação de apresentar a história, a cena, a
paisagem, a coisa enfim como é na realidade).
7) Sensorialismo: exploração dos sentidos. (O homem uma peça crítica do presente. Nada de passado ou de futuro, a
vida é o presente, revelando a miséria moral ou econômica.)

NATURALISMO:
1) Determinismo: personagem condicionado pelos três fatores: " raça-meio-momento".
2) Cientificismo: aplicação do método experimental à literatura. (Os naturalistas procuravam observar o homem
objetivamente, considerando-o como um caso a ser pensado).
3) O patológico: destaque às situações e personagens anormais, doentios, desequilibrados, mórbidos. (Procurando
comprovar suas teses deterministas, os naturalistas preferiam personagens mórbidas, adúlteras, psiquicamente
desequilibradas, assassinos, bêbados, miseráveis, doentes prostitutas, etc...)

DIFERENÇAS ENTRE REALISMO E NATURALISMO

Os escritores realistas propunham-se a fazer o “romance de revolução”, pretendiam reformar a sociedade por
meio de literatura crítica. Preferiam trabalhar com um pequeno elenco de personagens a analisá-los psicologicamente.
Esperavam, com isso, que os leitores se identificassem com as personagens e as situações retratadas e, a partir de uma
autoanálise, pudessem transformar-se.
Já os naturalistas estavam comprometidos com a ótica cientificista da época, objetivavam desenvolver o
“romance de tese”, no qual seria possível a demonstração das diversas teorias científicas. Os naturalistas retratam
preferencialmente o coletivo, envolvendo as personagens em espaços miseráveis, corrompidos social e/ou moralmente,
pois acreditavam que a concentração de muitas pessoas num espaço desfavorável fazia aflorar os desvios
psicopatológicos, um alvo de interesse desses escritores. Os naturalistas veem o mundo com olhos biológicos, reduzem
o homem à condição animal, fazendo prevalecer o instinto sobre a razão. Os aspectos desagradáveis e repulsivos da
condição humana são valorizados, como uma forma de reação ao idealismo romântico.
Sob essa ótica o Homem se comporta como um animal, ou seja, não usa a razão, pois os seus instintos
naturais são mais fortes. Ainda sob esse ponto de vista, o comportamento humano nada mais é do que o reflexo do
meio em que o homem vive (Esse meio é composto por educação, pressão social, o próprio meio ambiente etc.). Um
bom exemplo disso, é o personagem “Pombinha”, da obra “O cortiço”, de Aluísio Azevedo. No início do romance ela
era uma jovem cheia de virtudes e destinada ao casamento. No entanto, devido às influências do seu meio, cedeu ao
homossexualismo e à prostituição.

IDEOLOGICAMENTE: os autores desse período são antimonarquistas, assumindo uma defesa clara do
ideal republicano; negam a burguesia a partir da célula-mãe da sociedade- a família; eis por que a insistência nos
triângulos amorosos, formados pelo pai traído, a mãe adúltera e o amante, que é normalmente um "amigo da casa"; são
anticlericais , destacando-se em suas obras os padres corruptos e a hipocrisia de velhas beatas. Nesse particular,
merece destaque o romance O mulato, de Aluísio Azevedo, no qual, em meio à sociedade conservadora e

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preconceituosa de São Luís do Maranhão, move-se com desenvoltura a diabólica figura do padre Diogo, o grande vilão
da história, que tem sobre suas costas o peso de duas mortes.

ROMANCE REALISTA
Cultivado por Machado de Assis, é uma narrativa mais preocupada com a análise psicológica, fazendo críticas
à sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. Por outro lado, o romance realista analisa a
sociedade "por cima", ou seja, seus personagens são capitalistas, pertencem à classe dominante. O romance realista é
documental, retrato de uma época.

ROMANCE NATURALISTA

Cultivado no Brasil por Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Domingos Olímpio, Inglês de Sousa e
Manuel de Oliveira Paiva, o romance naturalista é marcado por forte análise social a partir de grupos humanos
marginalizados, valorizando o coletivo. É tradicional a tese de que, em O cortiço, o principal personagem não é João
Romão, nem Bertoleza, nem Rita Baiana, mas sim o próprio cortiço, devidamente antropomorfizado. Por outro lado, o
Naturalismo apresenta romances experimentais; a influência de Charles Darwim se faz sentir na máxima naturalista
segundo o homem é um animal; portanto, antes de usar a razão, deixa-se levar pelos instintos naturais.

MACHADO DE ASSIS

- Romancista, contista, poeta, crítico literário, cronista e teatrólogo.


- Liderou a fundação da Academia Brasileira de Letras e foi seu presidente perpétuo.

Romances da fase romântica:


Ressurreição, A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia.

Romances da fase realista:


Memórias Póstumas de Brás Cubas(1881): (narrado em 1ª pessoa. O defunto autor Brás Cubas escreve sua
autobiografia, na qual expõe e analisa impiedosamente o comportamento humano e suas secretas e mesquinhas
motivações. Sua amante Virgília, mulher de Lobo Neves. O reencontro com o ex-colega Quincas Borba, filósofo do
Humanitismo. Humanitismo- caricatura que Machado de Assis criou para retratar a religião -positivista-

Quincas Borba(1891): (narrado em 3ª pessoa. História de Rubião que herda os bens do amalucado filósofo Quincas
Borba, junto com seu cão também chamado Quincas Borba. Vai Morar no Rio de Janeiro. Provinciano Rico e ingênuo,
cai na mão de Camacho e do casal Sofia e Palha, que o deixam na miséria. Vai ficando louco volta para Barbacena,
MG, onde morre pobre e demente).
Dom Casmurro(1899): narrado em 1ª pessoa por Bentinho, que rememora seu namoro e casamento com Capitu. A
separação do casal, motivada pela certeza que Bentinho diz ter de que ela o havia traído com Escobar, um amigo do
casal. E a prova seria a semelhança física que haveria entre o filho deles, Ezequiel e Escobar.)

Outros romances da fase realista: Esaú e Jacó(1904), Memorial de Aires( 1908)


Características: ruptura da sequência linear do enredo (interferência do narrador; multiplicidade e fragmentação dos
episódios, ênfase nos aspectos psicomorais); o adultério; a loucura; a hipocrisia; o humor irônico e o pessimismo.

Os principais Contos de Machado de Assis: Histórias da Meia-Noite (1873), Papéis Avulsos (1882), Histórias sem
Data (1884), Páginas Recolhidas (1899), Várias Histórias Completas (1901), Relíquias da Casa Velha (1906).
Teatro: Tu, Só Tu, Puro Amor... (1881).

RAUL POMPÉIA

Romance principal- O Ateneu: de fortes traços autobiográficos, é narrado em 1ª pessoa por Sérgio, personagem-
narrador que, adulto, rememora criticamente suas experiências e impressões de estudante no Colégio Ateneu, dirigido
por Aristarco. A crítica ao universo escolar amplia-se numa crítica ao universo social e político do Brasil daquela época.
Romance classificado como misto de realista e impressionista. Linguagem muito trabalhada.

ALUÍSIO AZEVEDO
Principais romances: O mulato(1881), Casa de Pensão(1884), O cortiço(1890).
O cortiço (sua obra-prima): história da origem e evolução de uma habitação coletiva onde vivem operários, lavadeiras,
funcionários humildes, gente simples e desafortunados, num ambiente de miséria, promiscuidade e violência. Estes

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personagens eram explorados pelo português João Romão, dono do cortiço e do armazém. Destacam-se os personagens:
a negra Bertoleza, Jerônimo, Firmo e Rita Baiana.

OUTROS ROMANCISTAS E NATURALISTAS


Inglês de Sousa: O cacaulista; Histórias de um pescador; O coronel sangrado, O missionário (romances)
Adolfo Caminha: A normalista, O Bom Crioulo; Tentação (romances)
Júlio Ribeiro: A carne; Padre Belchior de Pontes.
Manuel de Oliveira Paiva: Dona Guidinha do Poço; A afilhada.
Domingos Olímpio: Luzia-Homem.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA OBRA MACHADIANA

Enquanto outros renomados escritores limitaram-se a descrever externamente as atitudes e ações de suas
personagens, Machado de Assis foi além, ocupou-se principalmente das classes alta e média urbanas, mais precisamente
do Rio de Janeiro, e penetrou-lhes na consciência, examinou-lhes o mundo interior, analisou-as pelo avesso,
apresentando um conhecimento profundo da complexidade e das contradições não só dessas personagens, mas também
da personalidade humana.
A obra de Machado de Assis traz aventura, emoção e suspense, mas tudo diluído em duas prioridades: a análise
psicológica e a especulação filosófica acerca da condição humana.

1) PERSONAGENS MACHADIANAS
O escritor busca inspiração nas ações rotineiras do homem. Penetrando na consciência das personagens. Machado
mostra-nos, de maneira impiedosa e aguda, a vaidade, a futilidade, a hipocrisia, a ambição, a inveja, a inclinação ao
adultério. Como este escritor capta sempre os impulsos contraditórios existentes em qualquer ser humano, torna-se
difícil classificar suas personagens em boas ou más.
Escolhendo suas personagens entre a burguesia, que vive de acordo com o convencionalismo da época, Machado
desmascara o jogo das relações sociais, enfatizando o contraste entre essência (o que as personagens são) e aparência
(o que as personagens demonstram ser): o caráter relativo da moral humana, as convenções sociais e os impulsos
interiores, a normalidade e a loucura, o acaso, o ciúme, a irracionalidade e a crueldade.
As personagens machadianas podem ser transplantadas para qualquer época, pois são pessoas comuns, movidas pelo
egoísmo e por uma vaidade ridícula ⎯ que faz com que não se perceba a precariedade da condição humana. Machado
acreditava realmente que "o homem é o lobo do homem".
O sucesso financeiro e social é, quase sempre, o objetivo último dessas personagens.

2) PESSIMISMO
a) O homem deforma-se por causa de um sistema social que o leva a tornar-se hipócrita para ser aceito pela opinião
pública. Daí decorre uma metáfora frequente na obra de Machado: a comparação da vida com uma peça de teatro, onde
todos representam um papel.
b) O tédio e a dor são os grandes inimigos da felicidade.
c) Todo ser humano tem de viver uma vida que não escolheu e cujo destino lhe escapa.
d) As causas nobres sempre ocultam interesses impuros.
Seu pessimismo, no entanto, não é angustiado nem desesperador. Tende para a ironia e propõe a aceitação do prazer
relativo que a vida pode oferecer, já que a felicidade absoluta é inatingível.
Os protagonistas machadianos anulam a própria existência: Brás Cubas nada construiu ou influenciou,
morrendo solteiro e sem filhos. Quincas Borba morreu semidemente, solteiro e sem filhos; Rubião, também solteiro e
sem filhos, foi trapaceado, perdeu sua fortuna e morreu na sarjeta como mendigo; Bentinho morreu só e casmurro,
acreditando até o fim que seu filho era fruto do adultério de sua esposa com o amigo Escobar; Pedro e Paulo, os
gêmeos de Esaú e Jacó, brigam até o fim, sem chegar a nenhuma conclusão. Da mesma forma, o Conselheiro Aires,
também era viúvo e sem filhos. A nenhum deles Machado concede o poder de conduzir e transformar a própria vida ou
a alheia. O capítulo final de Memórias Póstumas, o ontológico 2 das negativas, é exemplo cabal do pessimismo do
narrador.

3) TEORIA DO HUMANITISMO (ou visão irônica das teorias filosóficas e científicas da época)
Trata-se de uma teoria formulada pelo personagem Quincas Borba, que aparece em dois romances de Machado.
O Humanitismo, na verdade, é uma caricatura que Machado criou para retratar uma "religião positivista"
comum em sua época, uma crença ferrenha na capacidade da ciência em resolver todos os problemas da humanidade,
"religião" esta que pretendia salvar o mundo e o homem.

2 (em grego ontos e logoi, "conhecimento do ser") é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos
entes e das questões metafísicas em geral. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza
comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. Costuma ser confundida com metafísica. Conquanto tenham certa comunhão ou
interseção em objeto de estudo, nenhuma das duas áreas é subconjunto lógico da outra, ainda que na identidade.

4
"Quanto ao Quincas Borba, expôs-me enfim o Humanitismo, sistema de filosofia destinado a arruinar todos os
demais sistemas. [...]" ⎯ [...] Queres uma prova da superioridade do meu sistema? Contempla a inveja. Não há
moralista grego ou turco, cristão ou muçulmano, que não troveje contra o sentimento de inveja. [...] (Memórias
Póstumas de Brás Cubas, Capítulo CXVII - "O Humanitismo").

4) A IRONIA E O HUMOR.
Para exteriorizar o desencanto e o desalento ante a condição humana, Machado utilizou, sobretudo, o humor,
extremamente e marcado por cortantes ironias, revelando nítidas influências da literatura inglesa.
O humor machadiano dá um tom grave ao ridículo, acentuando-o, ou atribui leveza a coisas sérias, conduzindo
o leitor a refletir sobre a condição humana. Exemplo disso pode ser observado na forma como o narrador, em Memórias
Póstumas, indica o tempo de duração do relacionamento amoroso entre os personagens Marcela e Brás Cubas:
Ex. "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis".

5) PROCESSO NARRATIVO.
O processo narrativo nas obras de Machado de Assis apresenta, entre outras características, a digressão, a
conversa com o leitor, a metalinguagem e uma visão ao mesmo tempo trágica e irônica da vida.
Machado preocupa-se muito mais com a análise das personagens do que com a ação ao longo de seus
romances. Por isso, pode-se dizer que, em suas narrativas, pouca coisa "acontece". Em outras palavras, há poucos fatos,
acontecimentos em suas histórias, e todos são ligados entre si por reflexões profundas.
Outra característica da prosa machadiana é a conversa com o leitor e/ou diálogo com o leitor e a análise que o
autor faz da própria narrativa. Do emprego desses dois recursos decorrem as seguintes consequências:
a) A narrativa tem sua ordem cronológica frequentemente interrompida;
b) O narrador rompe o envolvimento emocional do leitor com a obra, propiciando momentos de reflexão sobre
o que se está lendo, procedimento este denominado digressão.

Ex. "Tu tens pressa de envelhecer e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente e
este livro e o meu estilo são como os ébrios: guinam à direita, à esquerda, andam, param, resmungam, urram,
gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem (...) (Memórias póstumas de Brás Cubas) [conversa com o leitor e
metalinguagem].

6) A INTERTEXTUALIDADE.
Denomina-se intertextualidade à retomada de um texto em outro. Nos exemplos citados a seguir, tem-se uma pequena
ideia da forma como, nos grandes textos, Machado usa a intertextualidade.

Ex. Em Memórias Póstumas, que é o texto original, Machado enxerta referências sobre, por exemplo, Diálogo dos
Mortos, de Luciano de Samosata, que viveu no século II d. C. O personagem principal dos Diálogos é Menipo de
Gadara e a temática apresenta o personagem, após a morte, tecendo críticas ao mundo dos vivos.
Ex. Em Dom Casmurro, texto original de Machado, Há referências à tragédia Otelo, de Shakespeare (o personagem
Bentinho, inclusive, vai ao teatro assistir à peça de mesmo nome). A temática em Otelo é a do homem que julga estar
sendo traído pela esposa e pelo melhor amigo. Ciúme, paixão doentia e crime passional.
Ex. Em Esaú e Jacó, este romance de Machado apresenta referências à narrativa bíblica sobre a relação tensa e trágica
entre dois irmãos, isto é, Caim e Abel. A temática bíblica mostra dois irmãos que competem o tempo todo.

7) O FOCO NARRATIVO

a) O autor é considerado "mestre da narrativa em primeira pessoa";


b) As narrativas machadianas expõem o que o crítico brasileiro Alfredo Bosi chama de "máscaras sociais".
c) Machado costuma fazer, de forma brilhante, a exposição e análise do caráter psicológico de suas personagens.

(...) Meti-lhe na mão um cruzado de prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor
direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me
grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo: eu pagara-lhe bem,
pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os
vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado de prata. Porque, enfim, ele não levou em mira
nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício. Acresce que a
circunstância de estar, não mais adiante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constituí-lo
simples instrumento da Providência; e de um outro modo, o mérito do ato era positivamente nenhum. Fiquei desolado
com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi
tudo?) tive remorsos. (Memórias Póstumas de Brás Cubas. Capítulo XXI. "O Almocreve")

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