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Equipe
TRADUÇÃO E REVISÃO INICIAL

EQUIPE PEGASUS MC & GOSTOSÕES

REVISÃO FINAL

REIKUC

LEITURA FINAL

SILVIA HELENA – MARIZA MIRANDA

FORMATAÇÃO

DANIELA RODRIGUES

VERIFICAÇÃO

LUANA

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AVISO I
Por favor, não publicar o arquivo do livro em comunidade de
redes sociais, principalmente no Facebook!
Quer baixar livros do PL? Entre no grupo de bate-papo, entre
no fórum, no blog, lá você encontrará toda a biblioteca do PL ou envie
por e-mail a quem pedir.
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PL!
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Gostou do livro e quer conversar com sua autora favorita?


Evite informa-la que seus livros em inglês foram traduzidos e
distribuídos pelos grupos de revisão! Se quiser conversar com ela,
informe que leu os arquivos no idioma original, mas, por favor, evite
tocar no nome do PL para autores de romance!

A equipe do PL agradece!

Cuidado com comunidades/fóruns que solicitam dinheiro para ler


romances que são distribuídos gratuitamente!
Nós do PL somos contra e distribuímos livros de forma gratuita,
sem nenhum ganho financeiro, de modo a incentivar a cultura e a
divulgar romances que possivelmente nunca serão publicados no Brasil.

Solicitar dinheiro por romance é crime, é pirataria!

Não aceitamos reclamações sobre as traduções dos grupos! Não


gostou, leia o livro no idioma original.

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AVISO II
A tradução em tela foi efetivada pelo grupo Pégasus
Lançamentos de forma a propiciar ao leitor o acesso à obra,
incentivando-o à aquisição integral da obra literária física ou em
formato e-book. O grupo tem como meta a seleção, tradução e
disponibilização apenas de livros sem previsão de publicação no Brasil,
ausentes qualquer forma de obtenção de lucro, direto ou indireto.
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autores e editoras, o grupo, se prévio aviso e quando julgar necessário
poderá cancelar o acesso e retirar o link de download dos livros, cuja
publicação for veiculada por editoras brasileiras.
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obra destina-se tão somente ao uso pessoal e privado, e que deverá
abster-se da postagem ou hospedagem do mesmo em qualquer rede
social e, bem como abster-se de tornar público ou noticiar trabalho
de tradução do grupo, sem a prévia e expressa autorização do mesmo.
O leitor e usuário, ao acessar a obra disponibilizada, também
responderão individualmente pela correta e licita utilização da mesma,
eximindo o grupo citado no começo de qualquer parceria, coautoria ou
coparticipação em eventual delito cometido por aquele que, por ato ou
omissão, tentar ou concretamente utilizar da presente obra literária
para obtenção de lucro direto ou indireto, nos termos do art. 184 do
código penal e lei 9.610/1998.

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Sinopse
As pessoas que amamos são ladrões.
Elas roubam nossos corações. Roubam nossa respiração.
Roubam nossa sanidade.
E nós permitimos.
De novo e de novo, de novo e outra vez.

Dizem que nunca esquecemos a primeira vez.


No meu caso foi com um músico sem casa que me fodeu sob
uma ponte.
Ele foi meu primeiro amor. E, quatorze anos depois, ainda não
consigo tirá-lo da cabeça.
Ele quebrou todas as minhas regras.
Também partiu meu coração.
Eu o vi subir ao estrelato torcendo por ele de longe.
Mas nunca fui uma fã, apenas uma garota apaixonada.

O amor vence tudo, certo?


Deve ser verdade, porque estou devastada, arruinada,
precisando que seja verdade.
Não podemos voltar no tempo, gostaria de poder.
Voltar à ponte. Voltar para a época que ele cantava apenas para
mim.

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Capítulo 1
Piper
1998

Um cardápio voa sobre minha mesa e bate no meu suporte


de clipes de papel.

— Terra para Piper Karel. — Minha colega de trabalho


Melissa diz, ignorando o desastre que acabou de causar. — Quão
interessante pode realmente ser o trabalho de recepcionista?
Chamei seu nome três vezes! Farei o pedido para o almoço e vou
buscá-lo. Você quer alguma coisa?

São 10:30 da manhã e ainda estou tomando o chá que fiz


hoje cedo. Estive muito ocupada com minha caixa de entrada de e-
mail para tocar em minha barra de granola, muito menos para
pensar sobre o que gostaria para o almoço. Eu me pergunto como
está a caixa de entrada no e-mail de Melissa para o almoço ser sua
prioridade.

Entrego a ela o cardápio quadriculado e organizo meus clipes


de papel de volta na pequena caixa retangular magnética. — Não,
obrigada. Estou bem.

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— Talvez se almoçasse de vez em quando não fosse tão chata,
Piper.

— Eu almoço, Melissa. Gosto de comer no parque e tomar ar


fresco, em vez de ficar dentro do escritório nove horas seguidas
todos os dias.

— Você perde toda a diversão saindo do escritório para


almoçar todos os dias. As coisas boas acontecem aqui no refeitório.

Ah sim. As fofocas do escritório. Na semana passada, perdi


algum drama. E, se um dia, concorrer a uma promoção, posso
garantir que não parabenizarei minha concorrente jogando a salada
em seu colo.

— Gosto de tirar um tempinho apenas para mim de vez em


quando — respondo.

— Certo. Aproveite tranquilamente seu almoço então.


Sozinha. Como de costume. — Ela joga o cabelo para trás e se afasta
com o cardápio debaixo do braço.

Aos vinte e um anos, sou a pessoa mais jovem do escritório.


Trabalho para uma pequena empresa de design de moda. Nossas
linhas de roupas esportivas são populares em todo o país e há pouco
tempo, fizemos uma parceria com uma estilista famosa, as calças
de yoga colocaram a empresa no topo. Comecei a trabalhar como
recepcionista e assistente de escritório em tempo parcial no meu
último ano do ensino médio e fui contratada em tempo integral
depois que me formei. Responder a telefonemas e escrever cartas
não é exatamente a minha ideia de carreira, mas paga as contas. A
empresa está crescendo de forma gradativa e sempre surgem vagas
para novos cargos. Estou esperando que a vaga certa desperte meu
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interesse, quero que seja em marketing ou desenvolvimento de
produtos. Por enquanto, fico feliz em aprender tanto quanto possível
sobre os produtos e a empresa.

Quando aceitei o trabalho, esperava que fosse um novo


começo. Estava ansiosa para ficar perto de pessoas que não sabiam
quão estranha sempre fui e queria fazer novos amigos.

Para todos eu era a garota que vomitou no primeiro dia da


primeira série, que tropeçou usando botas pretas e uma minissaia
no primeiro dia do ensino médio. Caí como um bebê, pernas abertas,
mostrando minha calcinha de gatinho para metade da escola. Com
certeza nunca esqueceram que era a única menina usando calcinha
de gatinho. Os garotos ronronaram e miaram para mim por meses,
as garotas me apelidaram de Pussypuker1.

Tempo divertido.

Eu tinha grandes esperanças de me juntar ao mundo do


trabalho – uma verdadeira atmosfera profissional. Não esperava
ficar cercada por homens casados que flertavam com todas as
mulheres. Viciados em café estressados que gritavam debruçados
em suas planilhas. Nem mulheres que fofocavam e espalhavam todo
o drama como se fossem pagas para fazê-lo.

Bem-vindos à vida adulta.

E certamente não esperava que Melissa, que se formou no


colegial um ano antes de mim, começasse a trabalhar aqui faz
alguns meses. Ela era uma das garotas populares na escola. Tinha
as roupas mais bonitas, o carro mais bonito, amigos embasbacados

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Algo constrangedor, grotesco.

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a cada palavra sua e todos os homens atraentes ofegando ao seu
redor. Minha falta de jeito e incidentes aleatórios foram uma grande
fonte de diversão para ela naquela época. É muito mais sutil ao
zombar de mim atualmente, apesar de ainda ser irritante.

Pouco antes do meio dia, dou dois passos para o pátio do


prédio quando algo se choca contra minha cabeça. Duro, suave e...
abanando? Toco um ponto dolorido acima da minha têmpora. Um
pequeno pássaro azul aterrissa no chão, perto dos meus pés, antes
de voar para a árvore mais próxima.

Que merda? Fecho meus olhos lutando com a dor latejante,


imaginando o que significaria um pássaro colidir com minha cabeça.

Uma risada surge a minha direita. Melissa e uma mulher da


contabilidade estão fumando e balançando a cabeça para mim.
Tenho certeza que ouvi a palavra idiota sendo sussurrada na minha
direção.

Engolindo meu constrangimento, procuro o espelho


compacto na minha bolsa. O tranquilo parque fica a apenas alguns
quarteirões de distância, quero ter certeza de que não tenho um
corte na cabeça, o que aumentaria minha humilhação. Suponho que
o ponto de impacto foi o bico, depois da inspeção, não vejo sangue
– apenas uma leve vermelhidão... e uma minúscula pluma azul
presa na minha testa.

— Pássaro idiota… — Murmuro enquanto limpo a evidência.

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Uma buzina soa e pulo derrubando meu espelho, que se
espatifa no chão.

Merda!

— Preste atenção, sua idiota! — Grita a motorista. Meu


coração acelera quando noto que, sem perceber, fiquei parada no
meio da movimentada faixa de pedestres. A mulher desvia seu sedan
marrom de mim e dos pedaços do meu espelho quebrado enquanto
corro para o outro lado da rua, murmurando um pedido de
desculpas.

Fodidas segundas-feiras! Se um gato preto cruzar meu


caminho, desistirei e voltarei para casa para me esconder sob a
segurança de um macio edredom.

Estou perto do banco do parque que usava durante a minha


hora de almoço nos últimos três meses, sinto alguma coisa diferente
no ar, algo alegre que não consigo decifrar. Os sons usuais de
crianças rindo e brincando parecem abafados, como se tivessem
desaparecido ao fundo. Estou intrigada com algo que nunca ouvi
antes – música acústica suave.

A melodia convidativa fica mais alta a cada passo. A fonte


não está longe do que considero meu banco. Estou surpresa em ver
que não é um rádio, como pensava e sim um homem que aparenta
ter entre vinte e trinta anos, sentado no chão com um violão. Ele
está encostado em uma pilha de tijolos decorativos. Um pequeno
cachorro marrom de orelhas caídas, usando uma bandana preta,
sentado ao lado.

Quando passo por ele, para chegar ao meu banco, percebo


que quase todos os espaços visíveis de seu corpo, com exceção do
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rosto, estão cobertos de tatuagens. Desenhos negros, tribais
espreitam de buracos em seu jeans surrados. Faces, flores e nuvens
cobrem seus braços, e os desenhos se espalham pela parte de cima
de suas mãos e ao longo de seus dedos talentosos. Eu tenho uma
tatuagem no meu pulso – uma minúscula joaninha em uma folha –
e doeu como o inferno. Ser picado por uma agulha nos joelhos e
cotovelos deve ser muito doloroso.

Talvez ele seja uma daquelas pessoas que gostam de sentir


dor.

Olho para o músico com curiosidade, tentando ser tão


discreta quanto possível, pegando meu sanduíche de salada de
frango. Eu me atrapalho com o embrulho, tentando
desesperadamente tirar o plástico que o envolve.

O guitarrista olha para baixo, com longos cabelos castanhos


caídos no rosto e nos ombros. Ele está profundamente imerso na
música. Uma melodia sonhadora e hipnotizante que quase soa como
vários violões, em vez de apenas um. Não sei absolutamente nada
sobre tocar um instrumento musical, no entanto posso sentir que
ele é incrivelmente talentoso.

Mastigo meu sanduíche enquanto uma pequena multidão se


forma ao redor dele. Que toca sem olhar para cima. A única
indicação de que está ciente de sua audiência vem quando dá um
aceno sutil para alguém jogando dinheiro na caixa colocada diante
dele. Acho que ele não os agradece, seu cão agita sua pata a cada
doação em seu lugar.

Normalmente, eu esperaria que as pessoas acariciassem o


adorável cão em sua cabeça peluda por ser tão talentoso, não o

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fazem. O cão tem o mesmo ar intocável de seu companheiro, como
se houvesse um muro invisível em ambos que dissesse: olhe, ouça,
divirta-se, mas não toque.

Estou intrigada e, provavelmente, mastigando de boca


aberta, enquanto vejo duas mulheres carregando enormes sacolas
de compras pretas. Sou inexplicavelmente atraída por sua voz e seu
olhar. Ele parece único, difícil de descrever, atraente de uma forma
inocente.

Seu sorriso melancólico carrega um toque de sensualidade.


Como um eclipse – escuro e claro, não é seguro olhar por muito
tempo sem sofrer queimaduras.

Franzo a testa quando as mulheres com as sacolas de


compras jogam moedas em sua caixa e caminham em direção à
saída do parque. Jogar moedas em uma fonte de água é aceitável,
agora, jogar moedas em uma pessoa? Parece tão errado para mim.
Quero que doem cinco, dez ou vinte dólares – não alguns centavos.
Embora ele pareça totalmente imperturbável, estou ofendida por ele.

Tomando um gole de água da minha garrafa, tiro meus saltos


pretos de sete centímetros e coloco meus pés para baixo. Puxo um
livro da minha enorme bolsa de couro sintético. Esta hora no meio
do dia é meu momento de relaxar e me perder na história que estou
lendo. Para esquecer que ainda moro na casa dos meus pais, com
minha irmã adolescente que tem mais vida social do que eu.

Às 12:50, me lembro de que preciso voltar ao trabalho,


desejando poder ficar ali o resto do dia, terminar o romance que
estou lendo e ouvir o que o músico tocará em seguida. Sua música

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espantou meu aborrecimento em relação ao pássaro e à motorista
que gritou.

Relutantemente, pego minhas coisas e sorrio para ele


quando passo. Ele bate seus anéis de prata no violão enquanto
dedilha para tocar a próxima música – um rock popular cujo nome
não lembro só sei que ficará em minha mente pelo resto do dia.

Na tarde de terça-feira, o tocador com seu outdoor de tinta


está no parque novamente. Desta vez está tocando um tipo diferente
de música com uma vibe espanhola. É rápida e cativante – uma
explosão de otimismo sob as nuvens negras que pairam sobre
nossas cabeças.

Estou um pouco inquieta quando me sento no banco. Este é


o meu lugar para relaxar todos os dias e ele o invadiu com seu
cenário musical e sua estranha atração magnética. Queria ceder à
escuridão hoje, ficar triste com a ausência do sol. Sua música, o
balançar de sua cabeça e a odiosa bandana colorida ao redor do
pescoço de seu cachorro tornam impossível.

Ele olha para cima e encontra meus olhos enquanto mastigo


meu sanduíche. O jeito como me olha rivaliza com a hostilidade do
meu gato. Sentindo-me levemente hipnotizada e zonza, afasto os
olhos dele e jogo uma migalha de pão para um pombo impaciente.
Alguns segundos depois olho para trás e o pego sorrindo para mim
enquanto afasta o cabelo do rosto, como se soubesse que seu gesto
me faria sentir paralisada por um momento.

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Meu estômago dá um pequeno nó e lanço o último pedaço de
pão para o pombo. Olho para o guitarrista mais uma vez e meu
coração acelera. Ainda está me observando.

Ele pisca, sorri o sorriso mais adoravelmente sexy que já vi


em um homem, então volta sua atenção para o violão.

Decidida a esconder meu interesse pelo que parece ser um


flerte sutil, puxo meu livro da bolsa. No entanto até o tempo
contribui para eu não me distrair dele. Uma leve garoa começa antes
que possa abrir o livro. A menor quantidade de umidade é suficiente
para fazer meu cabelo parecer um permanente ruim, o que não
parece atrativo.

Quando a chuva cai mais forte, seguro meus pertences


contra meu corpo para mantê-los secos e corro para o gazebo mais
próximo. Eu me amaldiçoo por não carregar um guarda-chuva. Eu
os tenho por toda parte – cerca de vinte deles em casa, cinco na
minha mesa do trabalho e dois no meu carro. E nenhum deles
comigo quando preciso.

Uma vez sob o abrigo do gazebo, passo meus dedos pelo meu
longo cabelo, que já está úmido e começando a enrolar nas pontas.
Ugh.

— Merda! — Digo em voz baixa. O contorno do meu sutiã e


meus mamilos estão claramente visíveis através da minha blusa de
seda branca.

— São apenas uns pingos de chuva. — A voz profunda e


rouca me assusta, me viro para ver ninguém menos do que o
violonista e seu cachorro atrás de mim. Ele deixa cair o velho estojo
do violão e uma mochila esfarrapada no chão de madeira, em
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seguida, passa as mãos ao longo do pelo do cachorro, falando
baixinho. Não consigo ouvir o que está dizendo, gostaria de poder.

Tremendo, cruzo meus braços sobre meus seios.

— Bem, se é apenas chuva, por que você está aqui? Tem


medo que seu cabelo frise também? — Digo de brincadeira, embora
meu coração esteja batendo forte enquanto as perguntas correm
pela minha mente. Ele me seguiu até aqui? Por quê? Está apenas
tentando sair da chuva ou fiz de mim um alvo fácil para sabe-se lá o
que, ficando sozinha com ele?

Ele seca as mãos no jeans sujo e aponta para o cachorro. Em


voz baixa, como se estivesse me contando um segredo, diz: — Ele
não gosta de se molhar.

Meus instintos de luta ou fuga relaxam enquanto observo o


quanto ele esbanja cuidados com seu cachorro. O homem parece
inofensivo, mesmo assim sorrio e me afasto dele olhando para o
relógio quando o faço. Minha hora de almoço está quase acabando.

Meu parceiro de gazebo olha para o céu. — A chuva vai parar


em alguns minutos. É apenas uma leve garoa.

Assinto em resposta, minha atenção atraída para o brinco


que usa. Uma pequena pena azul em um gancho de prata que se
aninha em sua longa cabeleira castanha. Me lembra do pássaro que
bateu em minha cabeça ontem e deixou sua pequena pena na minha
testa. Eu me pergunto se foi algum tipo de premonição ou um sinal.

— Você trabalha nas proximidades? Ou vai para faculdade?


— Ele pergunta.

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— Eu trabalho em um escritório a alguns quarteirões. —
Aponto para a direita, embora meu escritório esteja à esquerda. —
E você?

Ele inclina a cabeça. — Você está olhando para o meu


trabalho.

— Então, você…?

Com um aceno de cabeça, ele puxa um maço de cigarros do


bolso da camisa e tira um com os lábios. Pega o isqueiro preto do
bolso da frente da calça jeans. — Sim. Trabalho e vivo aqui. — Ele
curva a mão tatuada ao redor do cigarro, protegendo-o do vento
enquanto acende.

Oh. Nunca falei com um sem-teto. Eu os vejo por aí.


Conversar com um? Nunca. Outro arrepio percorre minha espinha.
Aperto meus braços ao redor do meu torso com mais força, me
debruço sobre o corrimão apertando a bolsa para que ele não possa
agarrá-la. Provavelmente ele precisa de dinheiro para comer ou pode
ser um viciado que necessita de tratamento.

— Esta é uma das cidades mais bonitas entre as que já


estive. — Sua voz interrompe meus pensamentos. — As pessoas são
receptivas. Não me tratam como lixo. — Ele exala uma nuvem de
fumaça e apaga o cigarro com a sola do sapato de couro.

A culpa se forma na minha garganta. Relaxo meus braços


enquanto levanto o olhar para encontrar o dele. Não há ameaça, não
existe maldade cintilando naqueles olhos. Eu vejo azul – a cor do
céu antes de se tornar noite, aquela transição sutil que marca a
mudança de uma hora do dia para outra. Talvez seus olhos sejam

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muito reveladores e ele também esteja em transição, mudando de
uma fase da vida para outra.

Nós olhamos a chuva cair, esperando que pare, realmente


não quero. É suave, calmo e transmite paz. O parque está vazio,
exceto pelo homem sem-teto com olhos incríveis, seu cachorro e eu.
Quando a chuva para, estou quinze minutos atrasada, porém não
tenho pressa de voltar ao trabalho. Estar com o estranho é
surpreendentemente reconfortante. Deixamos o gazebo juntos, seu
cachorro seguindo atrás de nós pela passarela que leva de volta ao
meu banco, ao seu local de tocar violão e à enferrujada entrada de
ferro forjado.

— Nada mais auspicioso e belo do que o céu cinza com arco-


íris. — Ele diz enquanto andamos.

Franzo a testa e espero no caso de ele explicar o que significa.


Ele toma seu lugar na parede de tijolos, em frente ao meu banco.
Senta-se no chão molhado e me pergunto se a água da chuva
infiltrando seu jeans não o incomoda ou se ele simplesmente não se
importa com coisas como roupas úmidas. Quando não diz mais
nada, dou a ele uma última olhada e volto para o escritório sem
dizer adeus.

Ao passar pelo portão e esperar para atravessar a rua


movimentada, vejo algo encantador – um arco-íris curvado no céu
nublado. E ele está certo. É lindo e auspicioso.

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Capítulo 2
Piper

O violonista está aqui hoje novamente e sorri quando me vê.


Timidamente devolvo o sorriso e me sento no banco, fingindo me
ocupar com meu recipiente plástico de salada. Meu foco está na
versão incrivelmente bela de Für Elise2 que enche o ar. Ele brinca
com tanta profundidade e emoção, que fico arrepiada a cada nota
que arranca do instrumento.

Pop, rock, clássica… existe alguma coisa que não possa


tocar?

Um homem de terno joga uma moeda em sua caixa, quero


enfiar sua bolsa transversal de couro preto na bunda dele. Não
reconhece uma bela canção quando a ouve? Essa miséria compra
um chiclete ou um passeio em um balanço do lado de fora do
supermercado. Não compra música clássica ao vivo. Bufando, passo
o próximo minuto tentando encontrar minha carteira rosa, que está
perdida no saco de lixo que chamo de minha bolsa.

Tenho uma nota de cinco dólares e uma de vinte. Mordendo


meu lábio, olho para o músico. Gosto de olhar para ele, embora não

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É uma obra de Beethoven.
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seja meu tipo. Nem um pouco. Ele se parece com Jesus, com seus
longos cabelos e olhos azuis, aquela aura celestial refletindo nele.
Tenho certeza de que Jesus não se parece com um músico de rua
desabrigado, se fosse, podia vê-lo com essa aparência. As pessoas
devem se jogar sobre ele em massa, especialmente mulheres, tem
um magnetismo sexual estranho. O violonista, não Jesus.

Ainda tenho minha mão dentro da bolsa e estou segurando


a nota de cinco e de vinte. Cinco pratas não parecem suficientes
para compensar seu talento. Por outro lado dar a ele vinte pode ser
demais – não quero parecer uma pessoa desesperada comprando
atenção. Ou ele pode pensar que sou uma garota rica e mimada
jogando dinheiro no pobre, sujo e sexy desabrigado.

Sinto que deveria dar algo a ele, no entanto, considerando-


se que estive sentada aqui na semana passada curtindo sua música,
embora tente agir como se não o percebesse, e o movimento
habilidoso de suas mãos. E a maneira como a pena acaricia sua
bochecha com a brisa. Ou como seus olhos me acompanham
quando entro no parque. A maneira como suas pálpebras se fecham
lentamente quando está completamente focado na música que
executa. O fato de eu perceber todas essas coisas não significa que
estou atraída por ele. Homens sem-teto com brincos de penas não
fazem meu tipo. Só quero mostrar meu apreço por seu ofício. Um
simples gesto de agradecimento pode transformar o dia de uma
pessoa.

Enquanto luto entre os cinco ou as vinte dólares, vejo um


homem com um carrinho de comida do outro lado do parque. Sim!
Comida é muito mais seguro. Coloco meu recipiente de salada na
frasqueira e atravesso o parque.
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— O que você vai querer? — Pergunta o homem quando me
aproximo.

Contemplando o cardápio de plástico colado na frente de seu


carrinho, me pergunto se o desabrigado está mais para cachorros-
quentes ou hambúrgueres. E se e for vegetariano? Engancho o dedo
no colar com pingente de coração nervosamente. Talvez o dinheiro
fosse melhor, afinal.

— E então? — Ele insiste, embora não haja ninguém na fila


atrás de mim.

— Eu quero um cheeseburger, um cachorro-quente, uma


garrafa de água e um chá gelado adoçado. — Digo rapidamente. —
E você teria um copo vazio ou um prato descartável?

Ele me lança um olhar irritado. Minutos depois, meu


estômago ronca alto enquanto ele enrola o hambúrguer e o coloca
em um saco plástico com o restante do pedido. A salada que peguei
para o almoço não pode competir com um hambúrguer suculento,
porém estou determinada a manter meu objetivo de uma
alimentação saudável.

Depois que pago, as dores da fome se transformam em


nervosismo enquanto caminho em direção ao músico. Espero ao
lado até que ele termine de tocar a música, não querendo
interromper. O casal que o observa sorri, o elogia e depois se afasta
de mãos dadas. Eles não dão dinheiro. Eu me pergunto como é para
ele. Parece uma rejeição? Falta de apreciação? Ou talvez não o
incomode de forma alguma, pois gosta apenas de tocar para as
pessoas.

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Ele me olha enquanto desajeitadamente estendo o pacote
para ele. Agora que estou mais perto do que estava no gazebo, posso
ver seus perfeitos dentes brancos e uma covinha na bochecha
esquerda. — Eu comprei um hambúrguer e uma garrafa de chá
gelado. Um cachorro-quente e água para seu cachorro. — Eu tento
não me perder no interminável reino de seus olhos enquanto ele
observa os meus. — Você não precisa comer se não quiser. —
Continuo, na esperança de não tê-lo ofendido ou feito algo que não
goste. — Só imaginei que esteja com fome.

Um sorriso curva seus lábios. — Você acertou. Estou


morrendo por um hambúrguer. Sentar aqui sentindo o cheiro da
comida que sai do carrinho todos os dias tem me deixado louco. —
Ele se levanta, elevando-se sobre mim e me fazendo sentir ainda
mais baixa do que meu um metro e cinquenta e um. — Quase me
mudei para o outro lado do parque, só não queria desistir da vista
do meu banco favorito.

Eu sigo seus olhos e meu coração acelera uma, duas ou vinte


vezes mais quando percebo o que quer dizer com o meu banco.

O violonista sem lar está flertando comigo?

— Sentará comigo enquanto eu como? — Pergunta.

O convite reflete meus pensamentos como uma bola de


pingue-pongue. Embora ele pareça legal, tenho medo de me sentar
com um desabrigado. Não tenho provas de que ele não seja um
ladrão, um assassino ou qualquer tipo de criminoso. Pode apenas
disfarçar muito bem, como alguns fazem.

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Pelo menos é o que acontece em livros e filmes. Talvez eu
esteja vendo muitos filmes tarde da noite... alguém é sempre uma
vítima ou um suspeito.

Eu observo os arredores do parque, sabendo que devo


recusar educadamente, no entanto estou muito intrigada com a
pequena faísca de excitação que senti quando ele me pediu para me
sentar. Diferente de uma pizza ou sorvete em um cone de waffles,
que não me empolgam muito ultimamente.

— Vamos. — Ele pede. — Poderíamos conversar. — Ele


esfrega a cabeça do cachorro carinhosamente. — Ele é um ótimo
ouvinte, mas não fala muito.

Seu sorriso de súplica me convence a ceder. Seguro o saco


de comida enquanto ele pega seu violão e coloca na caixa. Eu o sigo
junto com seu cachorro para um lugar mais distante, para uma
mesa de piquenique perto de uma velha ponte de pedra que se eleva
sobre um caminho que não está em uso há anos. Meu coração bate
um pouco mais rápido com apreensão quando olho para trás. Há
cerca de vinte pessoas em várias áreas do parque, a maioria delas
perto o suficiente para me ouvir gritar por ajuda. Finalmente me
junto a ele na velha mesa de madeira.

A verdade é que, a lenta percepção de que poderia realmente


gostar desse homem e querer passar mais tempo com ele, está me
deixando muito mais nervosa do que a possibilidade de ele ter
planos de me machucar.

A batida do meu coração volta a um ritmo normal quando ele


enche o prato descartável com água e pica o cachorro-quente em
pedaços pequenos para o cachorro. Então desembrulha o

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hambúrguer para si mesmo. É a segunda vez que o vejo mostrar
cuidados especiais com o cachorro e acho muito meigo. Prova que
não é um idiota e, na minha ingenuidade de vinte e um anos,
também que, provavelmente, não é alguém que me machucaria.
Assassinos em série torturam animais. Eles não se preocupam com
o fato de eles se molharem e não alimentariam um animal de
estimação antes de se alimentarem.

Ele geme ao mastigar o hambúrguer e a sensualidade crua


do som envia um calafrio pelo meu corpo. Cruzo minhas pernas e
me concentro no cachorro tomando a água.

— Hummm... é tão bom. — Ele dá outra mordida com os


olhos fechados e geme novamente. — Obrigado. — Estende o
hambúrguer para mim. — Quer um pedaço? Está delicioso.

— Não, obrigada. — Eu me afasto dele. Germes me assustam


para caramba. Nunca compartilho bebidas com outras pessoas ou
uso o sabonete nas casas das pessoas, a menos que seja líquido.
Carrego lenços na bolsa, para o caso de precisar usar um banheiro
público. Quem sabe quem tocou no papel higiênico lá dentro? Ou se
rolou pelo chão imundo antes de ser colocado no suporte?

— Já almocei. Só queria lhe dar algo para agradecer a


música. Fico ansiosa para ouvi-lo todos os dias.

— Então você pegou o caminho mais rápido para meu


coração, dando-me comida quando estou faminto. Bom movimento,
matadora. — Minhas bochechas queimam quando ele toma um gole
de seu chá gelado, o bico da garrafa pressionando seus lábios
carnudos. Droga. Ele é muito bonito e talentoso para ser um

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desabrigado tocando em um parque nesta pequena cidade de New
England.

Depois de devorar o cachorro-quente e a água, seu cachorro


cutuca minha mão, querendo ser acariciado. Sorrindo, acaricio suas
orelhas macias esperando que não tenha pulgas e que minha mão
não fique com cheiro de cachorro. Archie, meu gato, provavelmente
me morderá se sentir outro cheiro em mim. É muito possessivo e
territorial.

— Qual é o nome dele? — Pergunto.

Ele termina o hambúrguer e coloca os guardanapos no saco.


— Você quer saber o nome dele, mas não o meu? — Ele brinca com
um tom de falsa ofensa.

— Você pode me dizer seu nome também.

— Seu nome é Bolota. Ele é meu melhor amigo e


companheiro de viagem faz dois anos.

Sorrio para o nome peculiar. — Combina com ele. É adorável.

Ele acena e coloca a mão nas costas do cachorro. — Ele é


leal. E inteligente. Levei apenas algumas horas para ensiná-lo a
acenar quando as pessoas nos dão dinheiro.

Enquanto acaricio as orelhas de Bolota, vejo seu dono me


encarando. Ele não desvia o olhar, eu o faço. — E o seu nome? —
Pergunto, focando no cachorro entre nós.

— Evan. Meus amigos me chamam de Blue.

Reúno coragem para olhá-lo enquanto sorrio timidamente.


— É bom conhecê-lo, Evan.

25
Ele pisca, quase como se estivesse estremecendo com uma
dor aguda e o lado esquerdo de sua boca se curva numa careta. —
Você não me chamou de Blue.

— Bem... nós não somos amigos... ainda.

Ele balança a cabeça lentamente. — Você está certa. Nós


poderíamos ser muito mais. Ou menos. — Ele afasta os fios de seu
longo cabelo do rosto, revelando uma sombra de barba em suas
bochechas. Não o vi com tanto pelo facial antes, então ele deve se
barbear regularmente. Pelo menos de vez em quando. Estou com
inveja de suas maçãs do rosto definidas. — O tempo dirá.

Não posso nos imaginar sendo alguma coisa além de uma


garota que almoça no parque e um músico de rua desabrigado,
mesmo assim o deixo ter sua fé, apenas o tempo dirá.

Ele se curva recosta no tampo da mesa e estica as longas


pernas para fora. As solas de suas botas de motociclista pretas estão
gastas. — Você deveria me dizer seu nome agora.

— Oh. É Piper.

Ele repete meu nome, em seus lábios, parece diferente do


som que já ouvi antes, como se eu fosse um ser especial e místico.

Queria ser especial e mística, na realidade sou apenas... eu.

— É diferente. Significa alguma coisa? Para seus pais?

Balanço a cabeça. — Não, minha mãe gostava do som.


Aparentemente, ela comprou muitos livros sobre bebês quando
estava grávida e Piper foi sua escolha. Meu pai não gostou. Ele acha
que é nome de stripper.

26
Ele solta uma gargalhada. — Nunca conheci uma stripper
chamada Piper e olhe que já conheci muitas.

Rio junto com ele. — Muitas vezes me perguntei por que meu
pai pensava em strippers, provavelmente deve ser algo que é melhor
ignorar.

— Concordo.

Uma olhada no meu relógio mostra que estou cinco minutos


atrasada para o trabalho, não quero sair do parque e voltar ao
escritório abafado para atender telefonemas pelo resto da tarde.

O tempo se arrasta lá, como se quando entrasse pela porta,


o relógio parasse bruscamente, cada minuto significando uma
eternidade. No entanto, de alguma forma, minha hora de almoço voa
num piscar de olhos.

— É chato ter horário, hein? — Evan pergunta.

Suspiro, mas não me movo. — Sim, realmente é.

— Então, não volte ao trabalho. Passe o dia como deseja. Vá


fazer compras. Vá para casa e cochile. Saia para uma longa viagem
ou para lugar nenhum. Sente-se aqui comigo e observe as pessoas.

Quão incrível seria. — Infelizmente não posso.

— Por que não?

— Porque provavelmente seria demitida.

— Seria realmente tão ruim?

Franzo a testa. — Claro que sim. Não posso parar de


trabalhar. Ficaria falida em um mês. Perderia meu carro, não
poderia comprar roupas ou pagar aluguel...

27
Quero engolir minhas palavras imediatamente. Posso ter
acabado de insultar o único homem por quem realmente sentia
algum tipo de conexão ou tive uma conversa real em meses. — Sinto
muito. — Digo rapidamente. — Eu não quis dizer...

Ele encolhe os ombros displicentemente. — Não se desculpe.


Estou bem com o que sou e o que faço. Escolhi viver assim.

Estreito meus olhos para ele, pensando ter ouvido errado. —


Você escolheu ser sem-teto?

— Sim. Um dia peguei meu violão, uma mochila de roupas e


comecei a andar. E continuei andando. — Seus olhos encontram os
meus, todo azul e sereno com um toque selvagem. — E ainda não
parei.

Minha imaginação flutua com visões de Evan andando sem


parar, de uma cidade para outra com Bolota. Dormindo sob
arbustos e se amontoando debaixo das pontes da autoestrada
durante as chuvas enquanto os carros passam. Estou fascinada e
um pouco desorientada sobre o conceito de escolher viver nas ruas.
Apenas pensar em como ele deve viver – sem ter uma cama limpa
para dormir – me faz encolher.

— Não se preocupa se poderá comer... ou aonde vai


dormir...? Não sei, onde tomará banho e outras coisas?

Ele balança a cabeça, o brinco de pena balança contra os


cabelos. — Não. Tudo acaba dando certo. Como aconteceu hoje. A
garota na qual estou de olho há dias comprou para mim e meu
cachorro o melhor almoço que tive em um bom tempo e agora ela
está conversando comigo.

28
Um rubor aquece meu rosto, agora eu gostaria de poder
abandonar o trabalho e ficar sentada ali conversando com ele.
Realmente preciso voltar para o escritório, então fico de pé e limpo
a parte de trás da minha calça.

Antes de ir embora, ele pega minha mão e a puxa para mais


perto para inspecionar minha pequena tatuagem no pulso.

— Joaninhas, diz a lenda, significam boa sorte. — Diz.

— Eu sei. — Por isso escolhi, na verdade. Porque joaninhas


são fofas, delicadas e dão sorte. Tudo o que eu gostaria de ser e ter.
Em vez disso, sou desajeitada e não tenho muita sorte.

— Você também sabia que na Noruega há uma lenda de que


se um homem e uma mulher virem uma joaninha ao mesmo tempo,
eles se apaixonarão e estarão destinados a ficar juntos para sempre?

O calor de seus dedos ásperos ao longo dos meus é


reconfortante, como vestir uma calça de moletom num dia frio. Eu
lentamente puxo minha mão para longe da dele.

— Não, eu não sabia. — Como ele sabe sobre as lendas dos


insetos na Noruega?

— Nós olhamos para a sua joaninha ao mesmo tempo.

— A minha não conta. — Sorrio. — É uma tatuagem. Não


uma joaninha de verdade. E também não estamos na Noruega.

— Desconfio que iremos descobrir, certo? — Ele sorri


enquanto pega seus pertences e se afasta com seu cachorro. Depois
de alguns passos, olha para trás e me lança um sorriso que é uma
mistura chocante de infantilidade e sex appeal. Balanço a cabeça
enquanto ele volta para o parque.

29
Afasto meus olhos do jeito que a calça jeans mostra sua
bunda perfeita e como seu cabelo cai por sua costas, depois sigo na
direção oposta. Terei que trabalhar meia hora a mais hoje para
compensar o atraso, tudo bem. Fiz minha boa ação do dia, comprei
almoço para um desabrigado. Mesmo que ele alegue ser um sem-
teto e sem emprego por escolha, realmente não acredito. Nenhuma
pessoa sã faria algo assim para si mesma.

— Querida, quando for se atrasar para o jantar, precisa ligar.


Estava começando a me preocupar. — Minha mãe olha para o forno,
para o que quer que esteja assando lá.

— Sinto muito. Precisei trabalhar até mais tarde, então fiquei


presa no trânsito. — Queria, pela milionésima vez, que o pequeno
espaço que alugo no porão da casa dos meus pais tivesse uma
cozinha, em vez da minúscula geladeira, um fogão de uma boca e
um microondas. Se pudesse cozinhar uma comida de verdade em
meu próprio espaço, recusaria jantar com meus pais e minha irmã
todas as noites para me sentir mais independente.

Mamãe coloca o cabelo preto curto atrás da orelha.

— Por favor, não deixe que eles se aproveitem de você


naquele escritório, Piper. Primeiro meia hora. Depois uma hora. Eu
sei como os gerentes se aproveitam de seus funcionários mais
submissos.

30
Encolhendo-me pela forma como ela me caracteriza, coloco
meu casaco sobre uma cadeira na mesa da cozinha, abro a porta do
armário acima do balcão e pego quatro pratos.

— Não estão se aproveitando de mim, mãe. Eu me atrasei


voltando do almoço, precisei compensar. É tudo.

Usando luvas, ela tira um bolo de carne do forno, em


seguida, fecha a porta com o joelho. — Trabalhei em um escritório
por um longo tempo. Sei como algumas pessoas são pisadas e
exploradas, não quero que seja tratada assim. Depois de definir um
padrão, seguirá você para sempre. Precisa ter uma espinha dorsal
firme, ok?

— Padrão? Ser firme? — Minha irmã mais nova, Courtney,


repete quando entra na cozinha. — Ela é a pessoa mais molenga
que eu conheço.

— Hoje é o dia de pegar no pé da Piper? — Pergunto quando


coloco os pratos na mesa de carvalho. Enquanto nossa sala de
jantar formal – com uma bela vista do jardim de flores do nosso
quintal – fica sem uso, sendo ocupada apenas em feriados e raras
ocasiões especiais. Se algum dia eu tiver uma boa sala de jantar,
comerei nela todas as noites, mesmo que seja macarrão integral e
esteja sozinha. Os comentários da minha mãe e irmã trazem
lembranças desconfortáveis, embora muito familiares, de ser a filha
do meio, entre duas irmãs que estão muito próximas da perfeição.
Lindas, altas, esguias, confiantes, belos cabelos negros. São
graciosas, populares e se destacam em tudo que fazem. Então aqui
estou eu, diferente, com cabelos loiros e olhos claros. Sou tão baixa
que o alto da minha cabeça mal chega aos ombros delas. Sou tímida,

31
socialmente desajeitada e parece que sou perseguida todo o tempo
por uma nuvem escura. O desajuste total em todas as nossas
fotografias de família. Anos atrás, parei de tentar competir com elas
por atenção.

— Ninguém a está depreciando. Estou dando um conselho


profissional. É tudo. — Assim que o último prato é colocado na
mesa, meu pai – alto, sorridente e bonito – se junta a nós na mesa.
Cada um se senta nos mesmos lugares desde que eu tinha cinco
anos de idade. A única diferença neste cenário familiar é a cadeira
vazia pertencente à minha irmã mais velha, Karissa, que agora está
na faculdade de direito e apaixonada por um colega. Um rapaz que
minha mãe descreve como um lindo homem perfeito e que qualquer
mulher gostaria de encontrar. Não quero encontrar um homem.
Estou aberta para conhecer um, o termo encontrar me assusta.
Estou perdida o suficiente, sozinha. Não preciso encontrar um
homem igualmente perdido e desorientado com a vida que tenho
atualmente. Preciso de um homem com sua própria bússola. Depois
do jantar, faço uma saída rápida para minha casa no andar de
baixo, um suspiro de alívio deixa meus pulmões assim que estou do
outro lado da porta que me separa deles. Meu plano é conseguir
mina própria casa no ano que vem, quando tiver dinheiro suficiente
guardado em minha conta poupança para me dar uma rede de
segurança decente.

Viver com minha família por mais algum tempo não me


matará. Archie, meu gato listrado, está olhando para mim com olhos
verdes acusadores ao lado de seu prato de comida que,
aparentemente, tem menos quantidade de comida do que ele
necessita, embora o tenha enchido esta manhã. Como o humano
32
obediente que ele me treinou para ser, coloco mais e dou-lhe água
fresca antes de trocar minhas roupas por short de algodão e
camiseta. Faço cem flexões. Cinquenta agachamentos. Lavo meu
rosto, escovo os dentes por dois minutos e penteio o cabelo para
retirar o spray e evitar a bagunça pegajosa quando tomar banho de
manhã. Verifico o prato de Archie mais uma vez e coloco a roupa
que pretendo usar no dia seguinte bem na frente do meu armário.
Rituais noturnos completos, pego Archie e o levo para o quarto
comigo. Coloco Titanic no DVD e me arrasto sob o edredom para
assisti-lo pela décima vez. Já assisti no cinema duas vezes – uma
vez com Ditra, que ficou entediada – provavelmente devido a falta de
cenas de sexo – outra com Courtney, que chorou, mas gostou,
apesar de amaldiçoar Rose por não deixar Jack subir na porta
flutuante. Eu amo o filme e encontro um novo momento especial
toda vez que assisto. Não consigo ter o suficiente da conexão
romântica, a angústia e a luta inabalável por amor e felicidade. A
esperança e a devoção, mesmo diante da mágoa e da tragédia, são
fantásticas. Puxo Archie para junto de mim e acaricio sua cabeça,
ele salta da cama e sai correndo do quarto, fazendo eu me sentir
rejeitada e solitária. A trilha sonora do filme rapidamente me puxa
de volta para história e a melodia triste toca minha alma, fazendo-
me querer sorrir e soluçar loucamente ao mesmo tempo. A música
do violonista do parque me faz sentir exatamente da mesma
maneira.

33
Capítulo 3
Piper

Eu nunca vou ao parque aos sábados. Vou nos dias de


semana para os dias de trabalho passarem mais rápido. Não vejo
razão para não lavar roupa no dia seguinte, em vez de hoje, como
costumo fazer. O sol está alto, o céu cheio de nuvens brancas fofas
e estou com vontade de tomar um pouco de ar fresco. E tenho que
admitir – a curiosidade me faz imaginar se Evan toca no parque nos
fins de semana. Eu não me importaria de ouvir mais de sua música
e ver Bolota acenando com a pata sem ter que correr para voltar ao
trabalho.

Depois de uma rápida parada para um latte de soja sabor


baunilha, me lembro que é fim de semana pelo fato de o parque e a
área ao redor estarem cheios de pessoas que também não estão
trabalhando hoje e o estacionamento estar lotado. Durante a
semana, nunca tenho que me preocupar em encontrar vaga, pois
venho a pé do escritório. Depois de circular três vezes, finalmente
encontro um lugar vazio e coloco algumas moedas no medidor para
ficar estacionada durante algumas horas.

Há uma quantidade louca de adultos e crianças hoje e fico


aborrecida ao ver meu banco ocupado por uma mulher e seus dois

34
filhos. Nervosa, olho ao redor enquanto escolho um lugar calmo
para me sentar, finalmente me estabeleço em um lugar sombrio e
coberto de musgo sob um grande salgueiro.

Encosto-me no tronco grosso da árvore, pego meu livro da


bolsa e sigo de onde parei, meus pensamentos continuam se
afastando das palavras na página, enquanto espero ouvir o belo som
do violão de Evan. Talvez ele toque em outro lugar nos fins de
semana ou faça algo totalmente diferente. O que um sem-teto faz com
seu tempo? Não quero imaginá-lo de pé na esquina de um
cruzamento movimentado, segurando um cartaz trabalho por
comida, o cão acenando freneticamente no trânsito, embora ache
bem possível.

— Você está se escondendo de mim?

Quase deixo cair meu livro ao som de sua voz, rapidamente


me recupero e o olho. Seu estojo de violão está pendurado
casualmente por cima do ombro, um cigarro preto pendurado em
seus lábios e o sol brilha atrás de sua cabeça como um farol
dourado. Bolota se deita na grama ao meu lado recostando-se em
minha perna. Ele decidiu que ambos ficarão por aqui.

Tento não sorrir, embora já esteja. — Alguém pegou meu


banco.

— Eu vi.

Ele abaixa o violão e se senta no chão a poucos metros de


mim. — Eu não tinha certeza se você vinha nos fins de semana ou
somente nos dias em que trabalha.

— Normalmente não venho. E não sabia se você tocava aqui


nos fins de semana.
35
— Então estava pensando em mim? — O tom de provocação
envia arrepios pelo meu corpo. Eu me pergunto se nos esfregarmos
um no outro seria tão eletrizante quanto imagino.

— Não. — A palavra sai da minha boca muito rapidamente.


— Só gosto de ouvir sua música. — E coloco meu livro na frente
dele. — Enquanto estou lendo. É legal.

Um brilho travesso surge em seus olhos. — Gosto de


observar você quando ouve minha música. E posso dizer quais
músicas você gosta mais.

— Sério? — Pergunto, com diversão. — E como pode saber?

— Sua respiração muda. De forma sutil, mas eu sinto.

Saber que ele me observa faz meu coração e meu estômago


parecerem que estou num elevador, subindo e descendo
ininterruptamente porque alguém apertou todos os botões e o
elevador não tem ideia de onde parar.

— Você parece diferente hoje.

Olho para a minha camiseta preta e o jeans favorito


desbotado e me pergunto se ele acha que pareço desmazelada.

— Muitas mulheres não conseguem parecer uma secretária


sexy e uma menina adorável. Gosto de ambas.

Elogios de homens bonitos são raros para mim e não tenho


ideia de como reagir. Agradeço? Digo o mesmo, independentemente
do fato de ele estar usando roupas rasgadas que provavelmente não
são lavadas há dias ou semanas e ainda pareça gostoso? Mencionei
como o cheiro de sândalo que o envolve é agradável?

36
Nenhumas dessas coisas sai da minha boca. Apenas me
sento ali, embasbacada com a ideia de ser sexy e adorável –
conhecendo minha sorte – sem dúvida um sorriso idiota estampa
meu rosto.

Ele pega meu livro e olha a capa um homem e uma mulher


em um abraço caloroso. O homem tem longos cabelos escuros,
assim como os dele.

— Você está lendo um romance?

— Sim. — Espero que ele não ache bobo. — Também leio


suspense. — Literalmente nunca li suspense, porém parece bom e
diversificado.

Ele afasta o cabelo do rosto e assume aquele olhar distante


e reflexivo que já vi em seu rosto antes. — Romance é um suspense
por si só, não é?

Pondero por alguns momentos. — Bem, de muitas maneiras,


sim, acredito que é.

— Eu costumava ler muito. Era uma boa fuga quando


precisava. Agora a música e observar pessoas cumprem esse papel.

— Ler livros e assistir filmes são minha fuga. Você não vai
querer saber quantas vezes assisti Titanic.

— Ahh. — Ele sorri e balança a cabeça. — Devastação


mascarada em uma história de amor. Entendo o apelo.

Eu rio. — Sei que é errado, mas é tão viciante.

— Confie em mim. Entendo muito bem.

Bolota rola de costas. Quando nós dois tentamos esfregar


sua barriga ao mesmo tempo, nossas mãos acidentalmente se
37
tocam. Afasto a minha, assustada com o estranho arrepio que
percorre meu braço e peito.

— Você canta? Ou apenas toca? — Pergunto.

Eu pego o mais breve aperto dos músculos do rosto. — Eu


canto às vezes. Mas não gosto.

— Por quê?

Ele olha para o cachorro, que está com as patas no ar.

— Acredito que é porque prefiro estar em segundo plano e


não no centro das atenções. Menos visto e mais ouvido.

Sei tudo sobre ser coadjuvante na vida. — Adoraria ouvi-lo


cantar algum dia.

Ele franze a testa, depois sorri antes de abrir o estojo do


violão e puxar o instrumento. — Farei um acordo com você. — Diz
ele. — Cantarei, apenas desta vez, se me deixar comprar um sorvete
depois. — Ele acena com a cabeça em direção ao carrinho de sorvete
no parque.

Minha indignação com ele está desaparecendo; todos os


pensamentos que tenho sobre ele sendo algum tipo de grande lobo
mau caem no esquecimento com a promessa do canto e do sorvete.
Percebo que se tudo que precisa para me atrair é um sorvete e uma
música, provavelmente poderia ser facilmente sequestrada quando
criança. Porém algo em Evan não evoca aquela vibe de perigo
estranho que senti inicialmente. Quero confiar nele e ainda mais,
me abrir um pouco.

— Combinado — respondo. — Sorvete é minha fraqueza.

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Ele se senta de pernas cruzadas, o violão no colo e os joelhos
tatuados empurrando os buracos em seu jeans. Inclinando a cabeça
para o lado, ele olha para o céu.

— Tudo bem, Joaninha. — Ele finalmente diz, tirando o


palito da boca e o colocando no bolso de sua camisa de flanela azul
e cinza. — Cantarei uma música que escrevi há alguns dias. Ainda
precisa ser trabalhada, porém já tenho o começo.

Intrigada, deixo meu livro de lado enquanto ele toca uma


melodia lenta e suave que gradativamente fica profunda. Quando
começa a cantar, a paixão em sua voz atinge diretamente minha
alma e se gruda nela. Possuindo-me. Apesar do calor do sol, arrepios
percorrem minha pele em resposta ao seu tom único, grave e
emocionado. Seus olhos estão fechados enquanto canta e percebo
que, quando toca sua própria música, fica intimamente envolvido –
consumido pela melodia.

Ele derrama seu coração e alma, as palavras e música


carregam seus traços. E estava certo quando disse que minha
respiração muda quando o ouço tocar, esta música e sua voz me
deixaram sem fôlego.

Agora faz sentido – todas as vezes que o vi se perder na


música. Eram as suas músicas. As músicas que reconheci do rádio?
Ele as tocava de forma diferente. Embora as executasse
perfeitamente, não fechava os olhos para afastar o mundo ou movia
as mãos com tanta paixão pelas cordas. A conexão total não estava
presente.

Enquanto esse desempenho particular, apenas para mim, é


como se compartilhasse sua devoção à arte das palavras e do som.

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É óbvio que ama profundamente o que cria. Estou honrada,
admirada e muito apaixonada por ele, sua música, até mesmo por
seu cachorro. As letras são sombrias, sedutoras e tristes:

E então aí está você,

Assassina do meu coração

A única que eu destruiria

Guardiã do meu coração.

Você veio como um sonho e a expulsei.

Eu te amaria se pudesse, mas não sei como.

Apenas não sei como, bebê.

Eu a farei chorar, farei suspirar e você vai implorar por mais.

Assassina do meu coração

Doce como açúcar,

Sexy como o pecado.

Você é meu tudo.

Então é você.

Guardiã do meu coração,

Desejo da minha alma.

Nunca vá embora, bebê e eu nunca a deixarei ir.

Existe apenas você.

Guardiã do meu coração... desejo da minha alma...

Nunca a deixarei ir.

Você é meu tudo.

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Depois que ele canta a última palavra e toca a última nota
eu respiro fundo. — Uau. Foi simplesmente... — Busco por palavras,
não encontrando nenhuma boa o suficiente. — Incrível.
Surpreendente. Sua voz me fez arrepiar.

Quero ouvir mais. Não consigo pensar em nada além de ouvi-


lo cantar e assistir seus dedos vagarem sobre o violão durante todo
o dia, apenas para mim, sem a pequena multidão de pessoas que
geralmente o cercam.

Uma sugestão de timidez atinge seu sorriso torto. — Você é


a primeira a ouvir. — Ele passa os dedos pelas cordas.

— Eu me sinto especial.

— Deveria. — Ele coloca o violão de volta no estojo e o fecha,


fazendo com que as orelhas de Bolota se levantem. — É tudo por
hoje. — Ele anuncia, tirando minhas esperanças de ouvir mais. —
Agora você me deve um encontro para um sorvete.

Minhas bochechas queimam com sua escolha de palavras e


sinto uma pontada de desconforto quando caminhamos em direção
ao carrinho de sorvete. Está errado? Tomar sorvete com um sem-teto
que está se tornando um amigo? Seu flerte parece inofensivo. É
provavelmente a forma como age com todas as mulheres. Não
significa que gosta de mim. E a estranha vibração do meu estômago
é apenas um efeito colateral por ouvir uma música incrível de perto,
como ter assentos na primeira fila num show da minha banda
favorita.

É tudo.

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— Você é realmente muito talentoso, Evan. — Digo enquanto
caminhamos. — Não entendo por que está tocando em um parque
por centavos quando poderia tocar para multidões sendo...

— Um músico famoso? — Ele termina minha frase como se


a tivesse ouvido centenas de vezes antes.

— Sim. Quer dizer, realmente acredito que você seria.

Paramos na barraca de sorvete e olhamos o cardápio com os


sabores.

— Tive ofertas, fui para Los Angeles e Seattle para encontrar


bandas e produtores, toda essa merda. Não é o que eu quero. Não
me importo com dinheiro ou em ser conhecido. Tudo o que me
importa é tocar a música que amo e ser livre. Não dou a mínima
para qualquer outra coisa.

Sua resposta me desconcerta. Quem se afasta da chance de


ganhar dinheiro? Por que ele escolheria ficar nas ruas?

Ele empurra a minha mão quando tiro minha carteira da


bolsa.

— Eu posso comprar sorvete, Piper.

Hesito, me sentindo mal. Não apenas por insultá-lo, por


permitir que ele gaste seu dinheiro comigo. Vi quanto as pessoas
jogam em sua caixa. Relutantemente, coloco minha carteira de volta
na bolsa, enquanto ele pede duas casquinhas para nós e uma bola
de baunilha num copo para Bolota, que está esperando ao nosso
lado abanando rabo alegremente o que poderia ser quase um
sorriso. Meu coração acelera com a excitação do cachorro e tudo que

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quero fazer é levá-lo para casa comigo, dar a ele uma grande tigela
de comida, uma cama macia e alguns brinquedos.

Onde Evan e o seu cão dormem à noite? No chão? Em um saco


de dormir? Numa tenda? Eu me pergunto se o resto de suas coisas
está escondido debaixo de uma ponte ou em um carrinho de
compras nos arbustos?

— Você está bem? — Ele pergunta depois que paga com


algumas notas de dólar dobradas.

Forço um sorriso. — Sim, estava apenas pensando.

Sua língua toca seu sorvete de menta e o vislumbre de uma


barra de prata atrai minha atenção. Ouvi dizer que os homens
furam suas línguas para aumentar a sensação no sexo oral e me
pergunto se foi por isso que ele a perfurou.

— Você sabe o que eu gosto, Piper? — Ele dá outra lambida.


— Pessoas que dizem exatamente o que estão pensando.

Sugestão anotada.

— Eu me perguntava onde você dorme. — E o que você pode


fazer com este piercing na língua. — Eu sei que é rude, só estou
curiosa.

— Não é rude. Nós dormimos debaixo daquela ponte onde


almoçamos ontem. É quieto e seco, os policiais não me atormentam.
Algumas noites posso ver as estrelas.

Tomo meu sorvete rápido demais e ele atinge meu cérebro


com uma pontada de dor. — Oh.

— Você gosta de onde você dorme, Piper?

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Que pergunta é essa? Tão simples de responder, realmente.
No entanto, no fundo, nos lugares mais secretos de meus
pensamentos, não parece tão simples assim.

— Às vezes.

— Você dorme sozinha?

— Não. — Eu paro para avaliar a reação dele, imaginando se


está especulando para ver se estou solteira. — Durmo com meu
gato.

Ele pega minha mão que está segurando o cone e o leva aos
lábios. Eu observo fascinada enquanto ele lambe meu sorvete, sem
perguntar, sem hesitar, com seus olhos fumegantes fixos nos meus.

— Só queria provar o seu. — Diz lambendo a framboesa rosa


de seus lábios.

Eu pisco e engulo em seco. — Eu... eu... não me importo. —


Respondo, passando minha língua sobre o local em que ele esteve
com a boca. Nossos olhos se encontram enquanto ele lambe seu
sorvete. Um beijo que não é um beijo.

Um choque erótico me sacode. Meu radar de germes foi


esquecido.

Terminando seu cone, Evan pega o prato vazio do cachorro e


o joga no lixo, em seguida, me leva de volta para a árvore onde me
encontrou.

— Provavelmente é hora de ir. — Sorrio para ele. — Obrigada


pelo sorvete. E por cantar. Realmente amei. E se eu tivesse gravado,
provavelmente ouviria de novo e de novo.

44
Aproximando-se ele coloca meu cabelo para trás da orelha e
passa o polegar por minha bochecha. Posso sentir o cheiro do tabaco
na mão dele, não é desagradável. Minha respiração continua rápida
ao toque inesperado. Minha cabeça grita para afastar a mão dele,
enquanto todas as minhas outras partes aproveitam a intimidade,
o brilho de desejo em seus olhos e o calor súbito entre minhas coxas.

— Esta noite, quando você estiver dormindo com seu gato no


lugar que gosta, feche os olhos e ouvirá a música. Eu prometo.

Ele se afasta. Toda vez que o vejo ir embora, fico


impressionada com o medo repentino de nunca mais voltar a vê-lo.
A sensação desaparece tão rapidamente quanto surge.

Estou tão impressionada com minha reação inesperada ao


seu toque, que ando atordoada para o prédio onde trabalho, apenas
para perceber que meu carro não está lá e sim estacionado a cerca
de seis quarteirões na outra direção.

Droga!

A letra de sua música ainda está na minha cabeça enquanto


ando na direção do carro, quando faço o jantar com a minha mãe
naquela noite e, mais tarde, quando estou na minha cama e fecho
os olhos para adormecer.

E então aí está você,

Assassina do meu coração

A única que eu destruiria

Guardiã do meu coração.

45
Capítulo 4
Piper

Olhei para o relógio na minha mesa tantas vezes hoje de


manhã que praticamente arrumei uma contusão. Meu coração
acelera a cada minuto que se aproxima do meio-dia.

Que merda está acontecendo comigo? Esta não sou eu, de


jeito nenhum. Nunca senti borboletas por um homem antes – nem
mesmo quando comecei a namorar Josh – meu primeiro, único e
agora ex-namorado.

Com ele foi diferente, no entanto. Josh e eu fomos


estritamente amigos sem sentimentos um pelo outro durante dois
anos, até que um dia, enquanto almoçávamos, do nada ele sugeriu
que namorássemos. Parei de mastigar meu sanduíche de carne e
olhei para ele por alguns segundos, depois concordei.

E foi assim. Acrescentamos beijos e amassos ao que já


fazíamos e funcionou. Por quase um ano. Então ele foi para
faculdade a algumas horas de distância e nós, lentamente, nos
afastamos. Nunca dormimos juntos. Curtíamos muito, então toda
vez que as coisas começavam a esquentar, congelávamos. Não de
propósito... Simplesmente acontecia, como uma reação que não
conseguíamos controlar.
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Josh é um homem doce e despreocupado. Ele nunca me
pressionou ou tentou me convencer. A louca e avassaladora
necessidade de beijar-sem-parar-e-rasgar-suas-roupas não existia.
Costumava pensar que este tipo de sentimento não era importante
desde que duas pessoas tivessem confiança e carinho uma pela
outra. Nós tínhamos. Ele me fazia rir, me sentir segura e confortável.
Agora, depois de assistir Titanic um bilhão de vezes, me pergunto
por que não houve mais sentimento com Josh. Sem saber eu
sacrifiquei a química e a paixão pelo conforto?

O que estou sentindo por Evan, afinal? Não são borboletas,


exatamente. É mais como vagalumes. Uma faísca de luz e calor. Um
sentimento rápido de ooh, que não posso esperar para sentir
novamente.

É inquietante, no entanto, ainda mais do que isso, divertido.

Quando o meio-dia finalmente chega, vou para o parque e a


ausência da música acústica me atinge com força enquanto passo
pelos portões de ferro. Acelero meus passos e me esforço para ouvir
seu violão, porém o ar está cheio de pássaros cantando e pessoas
conversando enquanto passam. Evan e Bolota não estão na parede
de tijolos. Ao me sentar no meu banco, uma pontada contrai meu
peito. Esperava vê-lo hoje. Queria desesperadamente sentir aquela
onda de excitação estranha quando ele sorri para mim. Queria ouvir
as músicas tocaria hoje e tentar adivinhar quais eram as dele.

Enquanto como minha salada, vejo as pessoas passarem,


todas parecendo com pressa de chegar a algum lugar. Temo que
acabe parecida com essas pessoas – correndo o dia todo para chegar

47
ao próximo lugar, apenas para continuar correndo mais para chegar
a outro lugar. Talvez Evan esteja certo em ser completamente livre.

Eu me pergunto se sua busca pela liberdade o tirou daqui


para sempre. Entristecida pela possibilidade jogo a salada na bolsa
e saio do banco para passear pelo parque. Ao contrário dos outros,
ando devagar, isolo as vozes e os passos rápidos para apreciar o som
das folhas soprando nas árvores. Sem pensar, ou um plano
consciente, me vejo perto da velha ponte de pedra. O lugar onde
Evan comeu seu hambúrguer. O mesmo lugar onde ele falou que
dormia.

Mordendo meu lábio, observo a encosta que leva à velha


estrada vazia sob a ponte. Respiro fundo e cuidadosamente ando
pelo local cheio de ervas daninhas.

Sei que não deveria fazer isso, não consigo me controlar. Sou
puxada por algum tipo de magnetismo que não posso explicar ou
resistir.

Ao dar a volta no muro de pedra da ponte, vejo-o sentado no


chão. Suas pernas estão esticadas, seus olhos fechados e está
segurando uma pedra do tamanho de uma bola de beisebol contra
a testa. Bolota está ao lado dele com a cabeça apoiada em sua perna
– a figura perfeita do melhor amigo e guardião do homem.

Hesito a poucos metros de distância, sem saber se devo me


aproximar ou ir embora fingindo que nunca o vi. Ele poderia estar
bêbado. Por que mais estaria sentado tão quieto, segurando uma
pedra?

48
Dou alguns passos hesitantes para mais perto, com
preocupação e curiosidade sem ter certeza de que ele está bem. —
Evan — digo baixinho.

Ele abaixa a pedra e sua testa enruga quando seus olhos


vermelhos se concentram em mim.

— Piper? — Apertando os olhos, ele balança a cabeça e olha


ao redor da trilha da qual acabo de vir, em seguida, nivela o olhar
com o meu. — O que você está fazendo aqui embaixo?

— Eu... eu estava preocupada com você. — Sinto-me uma


perseguidora agora, procurando por homens desabrigados debaixo
de pontes. — Você está bem? Não me parece que esteja.

Ele fecha os olhos e recosta a parte de trás da cabeça na


ponte. — Eu tive enxaqueca a noite passada. — Ele murmura. —
Não consigo nem ficar de pé.

Dou mais alguns passos e me ajoelho ao lado dele,


amaldiçoando-me por estar de saia. Felizmente, estou usando
calcinha de seda preta e não de gatinho.

— Posso fazer algo por você?

— Não, só preciso ficar quieto. O frio da rocha ajuda.

Engulo o nó de tristeza na garganta. Ele deveria ter uma


bolsa de gelo e dormir em uma cama limpa, num quarto escuro e
silencioso. Pego minha garrafa de água e a coloco no chão ao lado
dele.

— Você pode tomar minha água. Está gelada. — Eu digo. —


Posso ir até a farmácia... pegar um saco de gelo e alguns
comprimidos de ibuprofeno. Talvez algo para comer?

49
— Não... ficarei bem se descansar. — Ele pega a água e a
destampa. — Você é doce. — Depois que toma quase a metade da
água, pressiona a garrafa úmida contra a testa. — Faz muito tempo
desde que alguém se importou comigo.

Eu toco a cabeça de Bolota e coço entre suas orelhas, seu


rabo sacode alegremente. — Ele se preocupa com você. — Respondo
com um sorriso.

Evan dá um sorriso fraco. — É verdade... porém ter alguém


como você se importando é como ganhar a porra da loteria.

Cada célula insegura dança com pura vertigem. Eu? Ganhar


na loteria?

— Temo que sua enxaqueca tenha lhe causado danos


cerebrais.

— Meu cérebro está intacto.

Nossos olhos se encontram. A luz habitual em seus olhos


azuis foi apagada, deixando-os estranhamente vazios, como se ele
não estivesse mais ali. Sinto falta do homem despreocupado com
sorriso encantador, olhos de cachorrinho e música bonita.

Cuidadosamente, estendo a mão e acaricio sua testa,


delicadamente e está quente, sussurro para ele: — Minha mãe
costumava esfregar minha cabeça quando eu era pequena e não me
sentia bem.

Quando ele fecha os olhos, seus cílios longos e escuros tocam


suas bochechas. — A minha nunca fez.

Tomando fôlego, me aproximo mais dele. O asfalto machuca


meus joelhos, ignoro me concentrando no equilíbrio para poder usar

50
as duas mãos para alcançá-lo. Esfrego a testa e as têmporas,
surpresa com a suavidade do seu cabelo sob as pontas dos dedos.

Sua expressão de dor gradualmente suaviza sob meu toque.


Ele coloca a mão na calçada até que encontra meu joelho nu. Eu
não me afasto e ele fica lá.

— Você tem dedos mágicos, Joaninha.

Deus, essa voz... rouca e baixa, sofrida, embora


pecaminosamente sexy. Massageio sua testa por mais alguns
minutos, em seguida, afasto seu cabelo para longe do rosto antes de
me voltar para trás em meus calcanhares.

— Espero que tenha ajudado você a se sentir um pouco


melhor.

Com um aceno, ele se deita, usando o corpo peludo de Bolota


como travesseiro e posso dizer pela maneira como o cachorro se
enrola ao redor dele que dormem assim com frequência.

A preocupação me atormenta ao andar de volta para o


escritório e os olhos tristes de Evan me assombram pelo resto do
dia. Não consigo imaginar como deve ser terrível sentir-se doente e
não ter uma cama para dormir, um banheiro para usar, medicação
e algo para beber e comer.

Alguém para cuidar de você além do seu cachorro.

Horas depois, estou em casa comendo frango com azeite


balsâmico, arroz integral, sentindo-me incrivelmente grata por tudo

51
que tenho. Por ter uma família que, por mais irritante que possa ser,
me ama e se preocupa comigo. Uma cozinha cheia de comida. Uma
cama queen-size com um edredom quente onde posso me
aconchegar todas as noites. E um salário mensal.

Depois do jantar, digo boa-noite aos meus pais e me retiro


para o andar de baixo, decidindo entre assistir a um filme, ligar para
Ditra ou ler na banheira até ficar murcha como uma ameixa.

A banheira ganhou!

Abro a porta espelhada do armário do banheiro para pegar


um grampo de cabelo e um frasco laranja opaco de analgésicos
chama minha atenção – receitado para mim alguns meses atrás,
quando extraí meus dentes siso. Não terminei porque me fizeram
vomitar.

Dedilhando o frasco, minha mente se enche de boas


intenções.

Levo-o para a cozinha, pego uma sacola de plástico da gaveta


de lixo e o jogo dentro. Segundos depois, coloco um saco de biscoitos
e uma maçã. Antes que perceba, estou no meu carro, indo em
direção ao parque com remédios e guloseimas no banco do
passageiro.

Ele está doente. E não tem ninguém. Sou uma pessoa


atenciosa. Costumo colocar comida e água para gatos abandonados
e jogar biscoitos de manteiga de amendoim para os esquilos da
vizinhança. É a mesma coisa. Não estou tentando mudar para
qualquer modo guardiã com ele. Só desejo ser uma pessoa legal e
ficar do lado bom do karma.

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Encontrar um local para estacionar meu carro é muito mais
fácil à noite, já que a maioria das lojas está fechada. O parque está
vazio e estranhamente quieto. Agarrando o pequeno recipiente com
a maçã que está junto ao meu chaveiro em uma das minhas mãos
e a bolsa plástica na outra, ando pelo local escuro que leva até a
ponte em decomposição. Felizmente, há postes espalhados pelo
parque, iluminando o caminho principal, que se tornam cada vez
mais escassos nas proximidades da antiga ponte.

Enquanto desço cuidadosamente a pequena colina, meu


coração acelera com a ansiedade. Na minha pressa de sair de casa,
sequer pensei em trocar minha saia e sapato de saltos por jeans e
tênis.

Estúpida, imbecil, idiota.

Minha respiração fica presa quando encontro Evan no


mesmo lugar, sentado no chão com Bolota e uma pequena lanterna
acesa ao lado deles.

Olho ao redor nervosa quando me aproximo, com medo de


que haja outros sem-teto ao redor. Pensei que talvez estivessem ali
embaixo, bebendo em frente a uma fogueira de lata de lixo como
mostram na televisão. Não há outras pessoas ali. Apenas Evan e
Bolota.

E eu.

O som dos meus saltos anuncia minha chegada e sua cabeça


se vira para mim. Depois de dar a Bolota um rápido tapinha na
cabeça ele se levanta e dá alguns passos inseguros em minha
direção.

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— Piper... o que você está fazendo aqui? — Ele olha atrás de
mim. —Não é seguro de noite.

Segurando a sacola, o interrompo falando sem parar. — Eu


trouxe algumas coisas. Remédios, biscoitos e uma maçã.

Antes de pegar a sacola, ele respira fundo, suas bochechas


estufam enquanto ele exala. — Você realmente não precisava fazer
isso.

— Eu sei. Estava preocupada com você. Parecia tão doente


mais cedo.

— Agradeço. Mas não posso aceitar. Ele puxa o frasco de


pílulas da sacola e entrega para mim.

Fecho meus dedos ao redor do frasco. — Pensei que poderia


ajudar com sua dor de cabeça.

— Sim. — Ele solta uma risada entrecortada. — Realmente


iria.

Estreito meus olhos e ele nervoso, coloca o cabelo atrás da


orelha.

— Sou um viciado, Piper.

Meu estômago revira. Eu estava certa – ele é um viciado.


Sabia.

Ele lambe os lábios, o metal exibe um reflexo devido à luz da


lua. — Estou limpo há dois anos, não posso correr o risco de voltar
para esse caminho novamente. Prefiro sofrer com a dor e tudo mais.

Seus olhos vão para o frasco na minha mão como se fosse


um tesouro. A linha de seu queixo aperta, seu desejo pelas drogas
invadindo o espaço entre nós. Eu nunca fui viciada em nada além
54
de chocolate e sorvete, embora possa imaginar como é difícil ficar
longe de algo que se deseja muito.

Estou obviamente falhando comigo mesma.

— Sinto muito, Evan. Entendo completamente. — Afobada,


coloco o frasco na minha bolsa e fecho rapidamente. — Eu não fazia
ideia. Sinto muito.

— Não se preocupe. Eu me sinto melhor, apenas cansado.

— Fico feliz. — Presa sob seu olhar intenso, meu pulso


acelera, sem saber se ele agora me vê como uma fonte de pílulas ou
outra coisa.

Sorrio nervosa. — Você deve pensar que sou louca, vindo


aqui duas vezes. Não sou uma perseguidora. Eu juro.

— Não... você é apenas uma pessoa muito boa. — Ele coloca


a sacola de lanches ao lado da lanterna. — É muito bom tê-la aqui
comigo.

— Isso não é tr...

Sem aviso, sua boca está na minha, aberta e quente.


Tropeçando para trás em choque, agarro o tecido macio de sua
camisa de flanela enquanto ele segura minha nuca e aperta minha
boca com mais força na dele. Não há gentileza em seu beijo. É cru,
áspero e sem culpa. Quando meus lábios se abrem numa tentativa
de gemer ou protestar – não tenho certeza qual – sua língua invade,
aniquilando minhas palavras enquanto move lentamente sua mão
da minha nuca até a cintura. Aqueles longos dedos que se movem
sobre as cordas do violão tão perfeitamente, me apertam tão forte
que tenho certeza de que estarei roxa amanhã.

55
Ele me empurra até minhas costas baterem na parede de
pedra fria, então se afasta apenas o suficiente para olhar nos meus
olhos, perto o suficiente para que possa sentir sua respiração no
meu rosto.

Ele sobe a outra mão e fecha ao redor do meu pescoço, a


extensão da palma enorme cobrindo minha garganta. Meu pulso
bate violentamente contra seu aperto enquanto me esforço para
engolir. Estou paralisada, não apenas porque ele está com a mão
em minha garganta, também porque o inegável lampejo de luxúria
que vejo em seus olhos está enviando um formigamento eletrizante
por todo meu corpo. O calor transborda entre minhas coxas, apesar
do ar frio. Fechando os olhos, ele abaixa a cabeça e lentamente
arrasta o nariz na minha bochecha. E inala profundamente.

Sua voz é profunda e rouca quando sua boca toca o canto do


meu lábio. — Você deveria ir.

Meu batimento cardíaco troveja em meus ouvidos.

— Eu não quero.

Exalando um suspiro baixo, ele solta minha garganta. Aperta


minha nuca, passando os dedos por meus cabelos. Usando meu
cabelo em suas mãos, ele puxa meu rosto para o dele. Meu couro
cabeludo lateja com o aperto de seus dedos, ele silencia meu ofego,
enchendo minha boca com sua língua. O metal batendo contra
meus dentes. Tremendo da cabeça aos pés com uma mistura
estonteante de medo e luxúria, aperto seus ombros em busca de
estabilidade – ou talvez apenas para colocar minhas mãos nele.

Aproximando-se mais ele coloca uma perna entre as minhas,


sua calça jeans esfregando minhas coxas enquanto as separa. A
56
brisa fresca da noite levanta minha saia e envia um arrepio pelos
meus membros. Movo a mão para seu peito, ele rapidamente as
segura e coloca na parede acima de nossas cabeças, entrelaçando
seus dedos nos meus. Ele esfrega a perna em minha virilha,
levantando-me cerca de trinta centímetros do chão, deixando meus
lábios ao nível dos dele.

Meu corpo inteiro gira numa névoa eufórica, enquanto ele me


beija profundamente. Perco a capacidade de pensar ou respirar. Eu
me rendo ao seu toque e fico com a mente vazia, sem pensamentos.

E, naquele momento, totalmente sem arrependimentos.

E não empurro esse estranho para longe. Não digo não.


Suspiros e gemidos saem dos meus lábios enquanto sua boca me
devora, implorando por mais. Meu corpo e minha mente consentem.
Não tenho escolha a não ser montar a perna dele e a pressão contra
o meu clitóris me faz querer esfregar nele como um gato.
Aconchegando-me nele, puxo ar para meus pulmões. Sinto tabaco
e oxigênio com infusão de menta, ressuscitando-me.

Lentamente me abaixando, ele move a mão livre para a barra


da minha saia e traça levemente o tecido. Os anéis de prata em seus
dedos suaves e frios em minha pele. Ele coloca a mão debaixo da
saia e aperta minha coxa com força suficiente para me fazer
estremecer. Seu dedo se move para frente e para trás sobre o ponto
úmido na frente da minha calcinha, me seduzindo, provocando, me
atraindo.

O sangue flui de volta para minha mão quando ele me solta


de sua prisão na pedra acima de nossas cabeças. Flexiono meus

57
dedos e olho em seus olhos cheios de desejo, imaginando em que
porra me meti.

Ele pressiona o polegar em meu clitóris e traça um círculo


preguiçoso. Observa-me, seus lábios pairando sobre os meus e é
perfeitamente tentadora a forma como seu dedo se move devagar,
me deixando impotente para resistir a me esfregar em seu dedo
procurando por mais. Ele está saboreando cada respiração minha,
cada resposta. Posso ver no lampejo de luxúria de seus olhos e em
sua respiração irregular – o que é inesperado e provocante. Ninguém
nunca olhou para mim como ele.

E tenho certeza que ninguém nunca irá.

Este homem poderia me estuprar ou me matar aqui na parte


escura do parque. Ninguém saberia. E em seguida facilmente
poderia partir com seu violão e seu cachorro, para a próxima cidade.
Livre. Nenhuma alma jamais saberia que fui ali sozinha, permitindo
que ele colocasse as mãos e a boca no meu corpo e me fizesse sentir
desejo.

Piper nunca faria uma coisa assim, eles diriam.

Gosto da sensação. Pela primeira vez, não estou sendo chata,


insegura ou previsível. Mergulhei de bom grado nas profundezas do
desconhecido, sob o disfarce de braços tatuados e uma voz bonita.
Ele é meu primeiro gosto do selvagem e é delicioso.

Seu sussurro rouco me tira dos meus pensamentos. — Vire-


se.

Piscando, hesito. O bom senso e a moral quase me puxam de


onde estou oscilando.

58
Quase, não completamente.

Lentamente me viro e meu cabelo é puxado para o lado,


forçando minha cabeça a virar para esquerda. Ele leva a boca para
baixo na parte de trás do meu pescoço roçando seus dentes afiados.
Acaricia meus ombros então, lentamente, move seu toque pelos
meus braços. Enlaçando nossos dedos, arrasta seus lábios do meu
pescoço para o ombro enquanto coloca minhas palmas contra a
parede.

Meu coração bate tão forte que estou surpresa que não esteja
quebrando minhas costelas. As pontas dos meus dedos seguram a
parede enquanto o mundo gira como uma roda gigante ao meu redor
e temo desmaiar – de quê? Medo? Excitação?

Antecipação. Antecipação requintada.

Com a minha cabeça virada para o lado, ele é uma grande


sombra atrás de mim. A poucos metros de distância, a lanterna vai
ficando mais e mais fraca, perdendo a energia que a alimenta. Em
breve desaparecerá completamente e estaremos na total escuridão.

Envolvendo minha cintura com as mãos, ele se abaixa até


que seus lábios encontrem a curva externa da minha orelha.

— Você acha que sou sujo? — Ele sussurra enquanto puxa


minha saia até a cintura. Assim que o brilho da lanterna se apaga,
ele rasga minha calcinha e a joga no chão.

Engolindo, respondo sem pensar. — Sim.

— Bom. Deixarei você suja também. — Ele rosna em meu


ouvido. — E nunca poderá lavar.

59
Silenciosamente concordo com a sua previsão, enquanto
suas mãos descem pelos meus quadris para cobrir minha boceta,
apertando com força. Ele morde meu pescoço e sua língua molhada
segue, acariciando e em seguida chupando selvagemente, fazendo-
me gritar enquanto coloca a mão entre as minhas coxas. Dedos
longos e talentosos se movem entre meus lábios molhados. Meu
gemido se transforma em um suspiro e seus lábios se curvam em
um sorriso na minha garganta.

Uma coruja pia em algum lugar nas árvores acima de nós.

Bolota sussurra no chão ao nosso lado.

E, atrás de mim, o som distinto de um zíper.

Uma chuva leve e nebulosa nos atinge. Recordo-me de


quando nos conhecemos na chuva, enquanto ele entra com força
em mim, me levantando dos meus pés. A dor me atravessa,
irradiando da minha pélvis até meus membros. Com cada estocada
de seus quadris, minha bochecha pressiona a pedra, não consigo
me mexer. Dói. E é tão bom. Quero que pare. Quero mais.

Ele envolve o braço ao meu redor, a mão em minha barriga e


se concentra em meu clitóris latejante, tocando-o no tempo perfeito
com seus golpes profundos. Posso sentir minhas paredes rasgando
e esticando para aceitar sua espessura. O erotismo primitivo me faz
tremer e apertar, apesar da dor aguda.

Encostando a testa alto da minha cabeça, seu cabelo úmido


cai sobre mim, fazendo cócegas no meu rosto e no ombro nu,
trazendo consigo o cheiro de sândalo, coco e tabaco. Meu clitóris
pulsa e sinto espasmos quando me leva ao orgasmo, meus gemidos
e pequenos gritos ecoando no silêncio da noite.
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Grito quando abruptamente ele sai de mim, me gira e cobre
minha boca com a sua antes que eu tenha a chance de recuperar o
fôlego. Cambaleando em meus saltos altos, aperto seus braços,
perdida no turbilhão de sentimentos que assaltam meu corpo e
mente.

Nós... o que acabamos de fazer?

Enroscado ao redor de seus dedos cobertos de anéis, meu


cabelo está sendo puxado, forçando minha cabeça para baixo.
Forçando-me a ajoelhar no chão.

— Chupe. — Ele diz, movendo os dedos por minha bochecha


enquanto me olha.

Agarrando seu pau duro e úmido eu o levo para minha boca,


lambo e chupo como se tivesse feito isso centenas de vezes antes –
o que não fiz. Ele tem um gosto salgado e metálico, uma mistura
nossa. E se as lembranças tivessem um sabor, as nossas seriam
sal e sangue. É nojento e viciante, perco a cabeça. Este homem é
uma droga e sou uma viciada. Estou no topo dele e de nós, perdidos
no mundo que gira ao meu redor, com cada cheiro, visão, toques
intensos e vívidos, tão incrivelmente desconectados e nebulosos.

Talvez ele tenha me dado alguma droga quando me beijou.


Talvez tivesse algo em sua língua e agora estou desorientada. Quem
sabe, seja apenas um sonho sexual louco e acordarei ao lado do meu
gato Archie a qualquer momento com o Titanic ao fundo.

Engasgo com seu pau batendo nas minhas amígdalas. Não.


Não é um sonho. Estou sufocando no pau de um estranho.

Esta não sou eu. Esta não sou eu. Esta não sou eu.

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— Piper... — Agarrando a parte de trás da minha cabeça, ele
sussurra meu nome e um gozo quente escorrega pela minha
garganta. Engulo e ele lentamente puxa para fora, por meus lábios.
Limpo a boca molhada com as costas de uma mão enquanto a outra
aperta o lado de sua perna.

Ele me ajuda a ficar de pé antes de voltar a vestir seu jeans


e eu evito qualquer contato visual, tentando endireitar minha saia
sobre a minha bunda. Minha calcinha favorita de renda está perdida
em algum lugar no chão.

Enquanto tento me arrumar no escuro, Evan se abaixa para


tomar minha boca com a dele, rapidamente viro meu rosto para
longe, escapando do beijo. Minha boca não parece mais minha.
Meus lábios estão entorpecidos, minha língua formigando, minha
garganta queimando.

— Eu preciso ir. — Minha voz e meu corpo tremendo


descontroladamente então me afasto tropeçando em minha bolsa ao
fazê-lo. Sequer me lembro de tê-la soltado. Nem da chuva parando.
Rapidamente pego minha bolsa jogando a alça no meu ombro.

— Eu... eu preciso ir. — Repito e corro através da escuridão


enevoada na direção do meu carro, passando a mão ao longo da
pedra úmida até encontrar o fim da ponte, ignorando sua voz me
chamando.

Solto um soluço de alívio quando finalmente chego à


entrada do parque. Meus calcanhares estalam enquanto
praticamente corro em direção à segurança dos portões de ferro
fundido. A forma do meu carro aparece sob uma das lâmpadas e de
repente estou com muita náusea.

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Segurando meu estômago, corro para a lata de lixo e vomito.
Usando a lata de lixo para me equilibrar, procuro por uma bala de
hortelã na minha bolsa e a chupo com força antes de continuar
caminhando em direção ao meu carro. O gosto de vômito e sexo em
minha boca é avassalador, um sabor que nunca esquecerei.

Dirijo para casa como uma lunática. Um fluxo interminável


de lágrimas escorre por minhas bochechas, fico chocada por não
bater em alguma coisa ou ser multada por excesso de velocidade,
ou por dirigir de forma errática. Quando chego a minha garagem,
fico aliviada ao ver todas as luzes da casa apagadas, exceto pela
varanda da frente, sinalizando que todos já foram para cama.

Graças a Deus!

Mesmo com o ar quente do meu carro, ainda estou tremendo


quando entro em casa e calmamente vou para o quarto. Ignorando
o olhar de Archie, ao lado de seu prato de comida vazio, jogo minha
bolsa no sofá, tiro meus sapatos e vou direto para o banheiro.
Tranco a porta atrás de mim.

Meu reflexo no espelho acima da pia quase me faz vomitar


novamente.

Pisco para a garota ali, enquanto ela me encara de volta. Não


tenho ideia de quem é. Ela está uma bagunça, respirando pesado
com a boca parcialmente aberta. Seu cabelo úmido parecendo que
foi recentemente eletrocutada ou está incorporando a cantora Cher.
O delineador preto e o rímel que levou quinze minutos aperfeiçoando
sua aplicação esta manhã estão escorridos sob os olhos inchados e
as bochechas pálidas. Seus lábios estão vermelhos e inchados, o
que não é normal e os cantos de sua boca levemente feridos.

63
Bem, de tanto chupar um pau.

Tremendo, respiro fundo e tento me recompor.

Meia hora atrás, duas das partes mais íntimas do meu corpo
estavam esticadas ao redor de um enorme pênis e agora há sêmen
seco no meu queixo e cabelo. Meu olhar desce até as marcas
vermelhas no meu pescoço enquanto as lembranças de seus lábios,
dentes, mordendo e chupando, suas mãos agarrando, envia outra
onda de estranha euforia através de mim.

Eu não deveria estar excitada... deveria?

Tirando a roupa, decido me preocupar mais tarde. Agora,


preciso de um banho quente e Aloe Vera para acalmar minha pele.
Ligo a água quente e olho para meu corpo nu no espelho de corpo
inteiro na parte de trás da porta enquanto o pequeno espaço se
enche de vapor. Concentro-me nas pequenas manchas pretas e
azuis nas formas de dedos marcando minha cintura, coxas e
garganta. Passo os dedos sobre elas com fascinação, até que uma
pequena mancha de sangue seco sobre minha coxa me chama a
atenção. Freneticamente, pego um lenço e limpo minha vagina, há
algumas manchas de sangue vermelho vivo. Eu o jogo no vaso
sanitário e rapidamente dou a descarga. Não preciso do Anexo A:
Perda de Virgindade alojado no meu cesto de lixo para Archie puxar
e arrastar pelo meu quarto como um prêmio.

Meu coração pula na garganta quando percebo que não sei


se Evan usou preservativo. Agarrando a beirada da pia de porcelana,
tento repassar os momentos mais e mais na minha cabeça,
enquanto meu pulso acelera, não consigo extrair o som do invólucro
sendo rasgado ou um lapso enquanto ele o colocava. Ou tirava. Seu

64
pau duro foi direto da minha boceta para minha boca em questão
de segundos.

Não havia preservativo.

A ansiedade tira o ar dos meus pulmões. Como pude ser tão


estúpida e irresponsável deixando um estranho me foder, debaixo
de uma ponte e sem proteção? Eu... sequer uso um banheiro
público, a não ser que seja um último recurso. Eu... que esperei pela
minha primeira vez ser uma experiência romântica com um homem
com quem gostaria de me casar. Sofri insanidade temporária esta
noite? É como se outra pessoa tivesse assumido o controle do meu
corpo e do meu cérebro, perdi a virgindade, adquiri cinco DST's3 e
engravidei de uma só vez.

Com um sem-teto.

Meu corpo estremece de forma descontrolada, respiro fundo,


enquanto entro no chuveiro, ainda tremendo apesar da água
escaldante. As lágrimas não param. Elas se misturam com a água
escorrendo pelo meu rosto enquanto esfrego minha pele com
sabonete.

Eu a deixarei suja também. E nunca poderá lavar.

Ele tem razão. Não posso limpar as lembranças de como ele


me beijou, fodeu e saboreou. E já sei que cobiçarei as contusões
muito depois de desaparecerem.

Deus me perdoe, porém não quero lavar nada.

Fico no chuveiro até a água quente esfriar, então enrolo uma


toalha grossa ao meu redor e vou direto para cama, rastejando nua

3
Doenças sexualmente transmissíveis.
65
sob meus cobertores e caindo instantaneamente em um sono
mental e fisicamente exaustivo.

Acordei grogue na manhã seguinte com uma dor latejante


entre as minhas pernas, um lembrete instantâneo do que aconteceu
ontem com Evan.

O que exatamente aconteceu?

Nem sei como descrever. Um caso de uma noite só? Uma


transa rápida e suja? Posso apenas imaginar o que ele deve estar
pensando de mim. Não que sua opinião importe realmente. Quer
dizer, ele é um sem-teto. Eu não. Tenho um emprego, um carro e
uma conta bancária, além de um gato.

Também tenho hematomas azuis, roxos e vermelhos


espalhados por todo meu corpo por causa do sexo com ele, minha
voz não funcionou na noite passada, quando eu deveria realmente
dizer não em voz bem alta.

Ele lhe disse para ir embora, Piper. Lembra? Você disse que
não queria. Sua capacidade de falar estava funcionando bem quando
falou. E sua boca, também funcionava perfeitamente enquanto o
chupava e engolia como se fosse sua última refeição.

Merda!

Estou mentindo para mim mesma. Sua opinião é muito


importante para mim.

66
O despertador digital na minha mesa de cabeceira me faz
pular do meu devaneio, bato no botão retangular até desligar. É
impossível ir trabalhar hoje com tanta loucura em meu cérebro.
Nunca poderia me concentrar em documentos ou lidar com os
intermináveis toques do telefone, a hora do almoço será um dilema
estressante que não estou pronta para enfrentar. Estou muito
perturbada e envergonhada para ir ao parque hoje. E se Evan não
estiver lá? E se ele estiver e me ignorar? E se vier ao meu banco para
conversar? O que diríamos um ao outro? E se me beijar lá no parque,
no meu banco, à luz do dia em público e não escondido sob uma ponte
no escuro?

Meus batimentos cardíacos aceleram com o pensamento de


seus lábios nos meus novamente, quentes e possessivos, o grunhido
rouco de sua voz.

Por mais estupefata que esteja a respeito de minhas ações e


as possíveis ramificações, o fato não diminui as outras emoções que
lutam para vir à tona. Eu gosto de Evan. Muito. Estou
inegavelmente atraída por ele, de uma maneira que nunca senti
antes. Quer queira ou não, ele acendeu uma centelha de luxúria em
mim que não acredito que se extinguirá tão cedo.

Pelo contrário, sinto que se transformará em um inferno e


me queimará até o dia que eu morrer.

Saio da cama, uso o banheiro e puxo meu robe antes de ligar


para o gerente de recursos humanos do escritório e deixar uma
mensagem de que estou gripada e não conseguirei ir trabalhar.

Com o trabalho resolvido, aqueço a água para tomar chá em


uma caneca no microondas e olho nas páginas amarelas para

67
procurar um ginecologista. Em seguida, embarco na mais estranha
conversa da minha vida com uma enfermeira sobre minha
inesperada experiência sexual de alto risco. Quinze minutos depois,
termino a ligação com uma consulta marcada dentro de duas
semanas para um check-up completo.

As próximas duas semanas serão torturantes.

Como Ditra se relaciona com várias pessoas e não


enlouquece?

Nunca farei sexo novamente. Não até que esteja casada, pelo
menos.

Jamais imaginei que minha primeira vez seria assim. Então,


quando esqueço as camadas de medo, tenho uma experiência
selvagem com um homem incrivelmente talentoso e sexy que
destruiu minha timidez como um punhal cortando seda. Não tenho
certeza de como me sinto em relação ao fato, a ele, ou a qualquer
outra coisa e me divido entre ficar completamente chocada num
minuto e sonhando acordada no seguinte.

Uma batida na porta e minha mãe entra antes que eu possa


responder, o que ela prometeu centenas de vezes que não faria mais
para respeitar minha privacidade. Algum dia me lembrarei de
trancar a porta que separa a minha vida da deles.

— Por que você não foi trabalhar? — Ela olha ao redor da


minha pequena sala de estar como se algo ilegal estivesse
acontecendo. — Já passam das dez.

— Não estou me sentindo bem. — Respondo, não


encontrando os olhos dela, puxando o meu cabelo para frente do

68
ombro para esperançosamente encobrir os chupões e marcas de
mordida no meu pescoço. — Eu liguei avisando que estou doente.

— Querida, seu chefe nunca a levará a sério se faltar por


qualquer coisinha. Eles pensarão que é preguiçosa e irresponsável.

É dela que vêm minhas preocupações crônicas. Eu amo


minha mãe, porém ela se preocupa com tudo sob o sol.

— Mãe, eu nunca fico doente. Esta é a segunda vez que falto


desde que comecei a trabalhar lá. Sequer tirei férias.

— Só tenha cuidado, não torne um hábito. — Ela olha minha


xícara de chá. — Precisa de alguma coisa? Sopa ou chá? Torrada?
Posso fazer um chá com mel. Sempre a fazia se sentir melhor.

— Eu tenho chá, só precisei fazer uma ligação primeiro.


Depois que tomar, voltarei para a cama por um tempo. Não dormi
bem na noite passada. Deve ser um vírus que provavelmente peguei
no escritório, nada sério. — Balanço o saquinho de chá para cima e
para baixo na minha caneca pela etiqueta de papel.

Ela assente e pega a maçaneta. — Ok. Estarei em casa o dia


todo, me avise se precisar de alguma coisa.

— Ok. Tenho certeza de que vou me sentir melhor depois de


dormir um pouco.

Ela fecha a porta antes que Archie possa correr para o andar
de cima, onde gosta de subir nas cortinas da sala de jantar e fazer
sons bizarros.

Pena que não dormirei pelas próximas duas semanas,


quatorze dias de preocupação.

69
Ouvi que as pessoas podem mudar de repente e talvez eu
tenha mudado. Minha escapada com Evan, debaixo da ponte,
parece ter me desviado do meu eixo constante e chato, agora não
consigo parar de pensar nisso.

Deito-me na minha cama por mais tempo do que gostaria de


admitir, olhando para o ventilador de teto dando voltas e voltas,
repasso todos os momentos da noite passada em minha cabeça.
Meu corpo treme e se aquece com as lembranças. Adorei cada
minuto. No segundo em que seus lábios tocaram os meus e nós
compartilhamos o mesmo hálito, eu mudei. Senti.

E quero mais.

Nos dois dias seguintes, finjo uma gripe. Não é uma mentira
total. Sinto-me mais doente do que já me senti. Doente de
preocupação, imaginando se Evan também está pensando em mim.
Se não estiver, tenho certeza que morrerei dessa doença.

Sinto-me tentada a telefonar para Ditra e contar tudo,


embora saiba que se o fizer ela dirá que estou sendo dramática e me
parabenizará por finalmente ter saído da minha concha. Depois irá
querer ouvir todos os detalhes sobre o tamanho do pau dele, quanto
tempo durou meu orgasmo, ou quando o verei novamente. E vai
querer conhecê-lo.

Ditra e eu somos melhores amigas desde sempre.


Literalmente. Nossas mães cresceram ao lado uma da outra e
sempre foram melhores amigas. Elas engravidaram ao mesmo

70
tempo e tiveram Ditra e eu com diferença de uma semana. Naquela
época faziam praticamente tudo juntas, então estávamos juntas o
tempo todo e naturalmente nos tornamos melhores amigas também.
Ainda assim, não consigo pegar o telefone e contar a ela sobre Evan.

Não porque tenha vergonha dele. Quero cobiçá-lo. Saboreá-


lo. Manter meu pequeno segredo sujo. Se ninguém souber, ele será
apenas meu.

71
Capítulo 5
Piper

Na quinta-feira volto a trabalhar e encontro uma pilha de


papéis na minha mesa. Grata pela distração, mergulho no trabalho.
Almoço na minha mesa, ignorando meu horário de almoço habitual.

O que não me impede de pensar se Evan e Bolota estão no


parque, se está procurando por mim ou sentindo minha falta, não
estou preparada para descobrir se fui apenas uma rapidinha para
ele. Quero ficar na minha bolha segura de incerteza por mais algum
tempo.

Na sexta-feira, sigo a mesma rotina, trabalho sem parar por


oito horas e, quando o relógio marca cinco, estou pronta para ir para
casa, tomar banho e encontrar Ditra para o jantar. Encontraremos
dois rapazes de quem ela é amiga. Suspeito que um seja para mim,
mesmo que tenha dito a ela que não estou interessada em me
relacionar com qualquer homem. Ignorando meus protestos, ela
insistiu que me encontrasse com eles de qualquer maneira.
Finalmente concordei, pois estou me sentindo sobregarregada pela
semana anterior, sair de casa provavelmente será bom para mim.

Tudo isso está passando pela minha cabeça quando


atravesso o estacionamento do escritório. Quando me aproximo do
72
carro, vejo um papel branco debaixo do limpador de para-brisa. Sei
que é de Evan antes mesmo de arrancá-lo e lê-lo.

Droga. Ele sabe onde eu trabalho. E sabe qual é o meu carro. O


que significa que está me observando. Meu corpo estremece com
medo e deliciosa antecipação. Ele quer que eu volte. Nem preciso
pensar. Colocando o bilhete na minha bolsa, já sei que voltarei para
a ponte esta noite depois do jantar. Pois quero mais. Bem mais, do
que, não tenho certeza. Apenas ele.

Três horas depois estou entrando no pequeno e popular, pub


do centro da cidade. Observando o lugar barulhento cheio de
fumaça, vejo Ditra e seus amigos em uma mesa alta a poucos metros
do bar. No outro extremo, uma banda está se preparando para tocar,
suspiro aliviada por não estarmos sentados perto do pequeno palco.
Na última vez que estivemos aqui, a música estava tão alta que
sequer conseguíamos conversar.

73
Eu me sinto constrangida usando jeans justo, botas pretas
de salto alto e um suéter com gola V quando me aproximo da mesa,
porque o amigo de Ditra, que estou chamando de cara número dois,
tem os olhos grudados no meu peito e, confie em mim, não há muito
o que admirar. Sorrindo, sento no banquinho vazio em frente a ela
e o cara número um, que Ditra obviamente já escolheu, está
praticamente sentada em seu colo.

Espero que o cara número dois seja um idiota e que eu não


esteja lançando nenhuma vibração excessivamente sexual. E, se for
encontrar Evan mais tarde, não quero que ele pense que meu sutiã
é um convite para outra foda contra a ponte.

— Piper, estes são Phil e Mitch. Pessoal, esta é Piper. Sejam


legais com ela. É tímida e minha melhor amiga no mundo inteiro,
chutarei suas bolas caso se comportem mal.

— Devidamente anotado. — Phil afirma olhando para ela.

— Estou tão feliz que você veio. — Ditra se debruça sobre a


mesa em minha direção. — Você esteve triste a semana toda. Toda
vez que eu ligava, parecia um zumbi.

Finjo estar absorta no cardápio. — Falei que estava cansada.


Peguei uma gripe.

— Você trabalha com o quê? — Phil pergunta.

— Sou assistente administrativa.

Ele bebe sua cerveja e tento não olhar para o contorno do


seu couro cabeludo, já falhando, pode não ser um bom sinal se ele
tiver vinte e poucos anos. Penso em Evan e seu cabelo longo,
ondulado e como foi erótico fazendo cócegas em minha pele quando

74
estava em meu pescoço. Fechando meu cardápio, não faço ideia do
que quero comer, porém decido que todos os homens devem ter
cabelos compridos.

— Que legal. — Diz Phil.

— E você? — Pergunto para ser educada. Não me importo


com Phil e sua calvície, estou esperançosa com Evan, portanto,
indisponível.

— Sou paisagista.

— Nós dois somos. — Mitch responde. — Somos sócios,


iniciamos o negócio no ano passado.

— Que bom.

Estou entediada.

Ditra passa a mão para cima e para baixo no braço


musculoso de Mitch como se fosse uma lâmpada mágica.

— É o motivo de eles serem tão bronzeados e musculosos.

Em vez de pedirmos refeições robustas, pedimos aperitivos.


Eu reclamo quando recebo uma bebida alcoólica frutada que Ditra
pediu, não quero álcool em meu halito, porque encontrarei Evan
mais tarde. Não tenho ideia se bebida faz parte de seu problema de
abuso de substâncias, depois do fracasso da pílula, quero ter
cuidado.

— Pensei que todos nós poderíamos ir para minha casa


depois do jantar, tomar algumas bebidas. — Sugere Ditra quando a
garçonete traz os aperitivos

— Estou ansioso por isso. — Phil responde com os olhos em


mim.
75
Coloco pequenas colheres de molho de mostarda com mel,
que acompanha os aperitivos em meu prato. Não quero mergulhar
minha comida no mesmo condimento que todo mundo está
imergindo. É uma colônia de germes da qual não quero fazer parte.

— Gostaria de poder, no entanto tenho planos para depois.


—Respondo.

— Planos? — Ditra repete. — Quais? Sentar com seu gato na


cama e ler não parece um plano.

Os caras riem.

— Muito engraçado, não, não é com o meu gato.

Ela cutuca minha perna com o pé, por debaixo da mesa. —


Agora você tem que me dizer.

— Não, eu não direi. — Eu dou a ela um sorriso provocante,


sabendo que a deixa louca. Estou fazendo algo que ela não tem
conhecimento, porém não estou prestes a falar sobre minha vida
pessoal em um bar com dois homens na mesa que sequer conheço.

Os homens desviam a conversa conversando sobre um jogo


de hóquei, deixando Ditra e eu falando sobre roupas e maquiagem
enquanto compartilhamos cubos de muçarela e frango frito, algo no
fundo da minha mente continua me distraindo. Então percebo que
não é no fundo da minha mente e sim no fundo do bar.

A banda começou a tocar e a voz sensual de uma mulher


enche o ambiente. Não é isso. É o som muito distinto do violão
ecoando atrás da voz dela que está me puxando, fazendo meu
coração acelerar. Virando a cabeça em direção ao palco a princípio,
penso que meus olhos estão me pregando peças, porém não há como

76
negar que o homem sentado naquele banquinho, tocando no lado
esquerdo do palco sob uma luz azul, é Evan. Ele parece diferente
fora do parque e cercado por pessoas. Parece mais sexy. Mais real.
E, de alguma forma, menos fantasioso.

Fiel ao seeu jeito de tocar, ele não olha para as pessoas ao


redor, dando-me liberdade para olhá-lo da nossa mesa no canto.

A cantora tem pernas longas, está vestindo calça de couro e


uma camiseta vermelha igualmente justa esticada no peito e curta
o suficiente para mostrar o piercing no umbigo. É linda, como uma
estrela do rock nesse pequeno palco balançando o cabelo louro-
platinado que desce até a cintura. Movendo a mão para cima e para
baixo em seus braços e girando seus quadris enquanto canta uma
canção popular de Concrete Blonde4, fazendo um show de flerte com
Evan e me deixando com ciúmes.

Há muito toque de braço acontecendo neste local, me


pergunto se é o gesto universal para: eu estou totalmente afim.

— Piper? Você está me ouvindo? — Ditra pega minha mão e


deixo cair a batata frita que segurava.

— Huh? — Desvio meus olhos para longe do palco.

— Você ficou totalmente estática.

Phil se curva no meu ombro e quase derrama sua cerveja no


meu colo. — Ela ficou impressionada com quão incrível eu sou.
Acontece muito. — Brinca

4
Concrete Blonde foi uma banda de rock alternativo que atuou do início dos anos 1980 até o início dos
anos 1990. Eles são conhecidos principalmente pelas letras e voz pungentes de Johnette Napolitano
77
— Sim, tenho certeza que foi o que aconteceu. — Ditra afirma
revirando os olhos.

— Estava apenas olhando a banda. — Falo com indiferença.


— Eles são muito bons.

— Eles sempre tocam aqui. — Mitch nos informa. — Sou


amigo de um dos bartenders que trabalha nos fins de semana. Ele
falou que a cantora atrai muitos clientes. Ela é gostosa.

Ditra olha fixamente para ele. — Não é exatamente a melhor


coisa a dizer bem na minha frente, se está tentando conseguir algo.

Balançando a cabeça, pego uma batata da bandeja e coloco


no meu prato. Não posso acreditar que minha melhor amiga acabou
de se referir a si mesma como algo.

Mitch ri e coloca o braço ao redor dela. — Eu posso olhá-la e


ainda ter você, querida.

Ela se faz de inocente. — Talvez sim. Talvez não.

É necessária toda minha força de vontade para me impedir


de olhar para o palco pelas próximas duas horas. Não sabia que
Evan tocava em bares locais com uma banda. É bem possível que
toque num bar diferente todas as noites da semana e no parque
durante o dia. Tenho vergonha de não saber nada sobre um homem
que teve vários centímetros de seu corpo enterrado no meu e que
vem consumindo meus pensamentos há semanas.

Quando a música para, a voz profunda de Evan e uma risada


ecoa do palco, audível mesmo no bar lotado. Finalmente desisto e
olho para ver a cantora de pé perto dele, conversando e rindo. Uma
pontada de inveja me atormenta, me pergunto se ele também

78
colocou as mãos e a língua nela. Não o culparia se o tivesse feito,
ela é linda e talentosa. E alta. Como um arranha-céu se comparada
a mim.

Como se ele pudesse me sentir olhando, de repente, afasta


seu olhar dela procurando até que seus olhos se fixam nos meus.
Há um lampejo de surpresa em seu rosto, depois um rápido olhar
para Phil sentado do meu lado, antes que aquele seu sorriso sexy
apareça. Volto rapidamente para a conversa na mesa e tomo um
gole do meu chá gelado, sorrindo aleatoriamente para Mitch, Phil e
Ditra, que está me encarando com desconfiança.

Em poucos segundos, ele está se espremendo entre Phil e eu,


de repente fico com medo da frase eu fodi com este cara estampada
na minha testa. Minha boca se abre, nenhuma palavra sai porque
seus lábios estão nos meus.

Oi, querida. — Ele fala casualmente após o beijo. — Não


sabia que você estaria aqui.

Até mesmo um breve beijo seu traz sentimentos loucos e


vertiginosos. — O mesmo para você.

A diversão em seus olhos torna óbvio que está gostando da


minha surpresa e constrangimento. — Vim com alguns amigos. —
Digo.

Ele volta sua atenção para a mesa, dando-lhes um aceno


amigável. — Ei. Eu sou Blue, namorado de Piper.

Os olhos de Ditra arregalam. — O namorado dela? — Ela


repete. — Desde quando?

79
— É recente. — Respondo antes que ele possa falar qualquer
outra coisa. — Realmente não tive chance de te contar ainda. Tudo
aconteceu muito rápido.

Rápido e intenso. Debaixo de uma ponte.

— Aparentemente sim. E você está na banda?

— Não, só toco com eles quando um dos componentes não


pode.

Pego um pedaço de frango do prato e ofereço a ele. — Quer?

Ditra não consegue tirar os olhos dele, estou começando a


perceber que é um efeito que ele tem rotineiramente sobre as
mulheres. — Quer se juntar a nós? — Ela pergunta. — Podemos
pegar uma cadeira.

Ele mastiga o pedaço de frango que dei a ele e engole antes


de balançar a cabeça. — Adoraria, meu cachorro está lá fora, então
preciso ir.

— Você precisa de uma carona? — Eu pergunto. — Veio com


amigos? — Tenho certeza que ele e Bolota vieram andando, não
quero que meus amigos saibam.

— Sim, vim com o baterista.

Mentira.

— Posso te dar uma carona para casa. — Ofereço. — Se você


quiser.

Ele pega minha mão debaixo da mesa e a puxa para a dele.


— Seria legal, se seus amigos não se importarem.

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— Eles não se importam. — Respondo, não dando a Ditra a
chance de dizer o contrário. Tenho certeza de que ela me matará
amanhã, por enquanto, estou muito mais interessada em passar um
tempo com Evan do que ficar sentada ao lado de um homem no qual
não tenho absolutamente nenhum interesse, enquanto Ditra e
Mitch ficam bêbados o suficiente para transar.

Evan se aproxima de mim. — Só preciso pegar minhas coisas


no palco. Eu a encontro no estacionamento?

Assinto e coloco meu guardanapo de linho sobre a mesa. —


Sim.

Ditra para ao meu lado assim que Evan está fora do alcance
de sua voz. — Piper? Que merda? Por que você não me contou que
estava namorando alguém? Principalmente alguém tão sexy como
ele?

— Nós ainda estamos nos conhecendo. — Não posso


acreditar que Evan veio até nossa mesa e se proclamou meu
namorado, sem pensar em como suas palavras pareceriam para
meus amigos. E se eu estivesse num encontro com Phil?

Ditra ainda está me olhando, girando o canudo


violentamente em sua bebida. — Por isso você tem estado tão alheia
ultimamente? Porque está com um homem gostoso?

— Ele me parece um saco de sujeira. — Mitch comenta,


inclinando seu banquinho com suas pernas.

— Como? — Praticamente rosno. — Você sequer o conhece.

A boca de Ditra se abre. — Ooh, nossa. nunca ouvi Piper


defender alguém antes. — Ela diz, batendo no ombro de Mitch antes

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de se virar para mim. — Você deve realmente gostar do cara, se ele
a deixa toda protetora.

Levanto do banquinho e pego minha bolsa. — Não sou


protetora. Simplesmente não gosto de pessoas que julgam as
pessoas sem conhecê-las. — Puxo uma nota de vinte e uma de cinco
dólares da minha carteira e coloco entre o saleiro e pimenteiro, para
pagar minha parte da conta, depois dou a volta na mesa para dar a
Ditra um rápido abraço de despedida. — Você não está com raiva
porque estou indo embora, não é?

— Claro que não. Eu sairia com ele num piscar de olhos. É


melhor você me ligar amanhã e me contar tudo sobre o cara. Sem
me esconder nada. Vou aguardar.

Saio do abraço dela para sorrir. — Certo. Divirta-se com


cuidado.

Ao contrário de mim, que agora tenho o hábito de sair com


estranhos aleatórios.

— Foi bom conhecer vocês dois. — Digo para Mitch e Phil,


então sigo em direção à porta, meu coração batendo irregularmente
de nervosismo e excitação.

Mais uma vez, estou entrando no desconhecido sem ter ideia


do que ou com quem estou me envolvendo. Não sei o que Evan
deseja comigo ou como se sente em relação a mim. Ele poderia
simplesmente querer outra rapidinha e olha o quão rápido deixei
minha melhor amiga e um encontro em potencial para ficar com ele
sem qualquer esforço de sua parte além de um simples beijo. Sequer
precisou me pedir para levá-lo. Simplesmente me ofereci. Não

82
entendo como funciona, talvez devesse agir de forma mais
indiferente em vez de ser tão fácil.

Nunca fiz joguinhos, no entanto. Gosto de ser sincera.


Autêntica. Não sei flertar, provocar ou jogar os jogos que outras
garotas fazem para deixar um homem interessado e perseguindo-
as. Parece muito trabalhoso e, me conhecendo, provavelmente faria
tudo errado de qualquer maneira. Parece mais fácil seguir sua
liderança e esperar que ele não me leve a um lugar que não quero
estar.

Quando saio para o estacionamento, ele está de pé ao lado


do meu carro com Bolota, sua mochila e seu estojo de violão a seus
pés e tenho a sensação, que é tudo que esse homem tem, embora
haja muito mais acontecendo dentro dele. Respirando fundo, ando
em sua direção ao invés de entrar no carro.

— Eu guardei seu bilhete.

Ele concorda. — E você veio para cá, em vez de ir me ver.

— Iria encontrá-lo depois.

— Iria?

— Sim.

Ele se encosta no parachoque do meu carro e estende a mão


para colocar meu cabelo atrás do ombro. — Você está bonita. É para
mim ou para aquele homem com quem estava sentada?

— Definitivamente não é para ele. Eu o conheci esta noite.


Vim porque minha amiga está interessada no amigo dele.

Ouço um clique quando seu piercing bate contra os dentes.


— Você iria me ver para ser educada?
83
— Não.

— Estava me evitando.

Ele diz isso com tanta tristeza que quase choro. Olho para os
meus pés e engulo o nó na garganta. — Sinto muito.

Ele levanta meu rosto com um dedo, então sou forçada a


olhar em seus olhos. — Por quê? — Ele pergunta suavemente.

— Fquei assustada. Com medo.

— Com medo de mim?

— Sim. — Admito. — E outras coisas.

Sua testa se franze e ele lambe os lábios. — Você deveria ter


me contado que era virgem.

Ugh. Sou grata pela escuridão que esconde minhas


bochechas coradas. — Realmente não tive a chance.

— Verdade. Nunca teria feito se soubesse. Pensei que você


queria.

Solto um suspiro. — Eu queria.

Segurando minha cintura, ele me puxa para ele e se abaixa


pressionando os lábios em minha testa e os mantendo lá por alguns
segundos.

— Eu gosto de você, Piper.

— Também gosto de você.

— Creio que posso precisar de você na minha vida.

Meu estômago revira.

84
— Vamos voltar para o parque. — Sugere ele. — Podemos
nos sentar no carro e conversar um pouco.

— Ok. — Lentamente me afasto dele.

— Você se importa se Bolota for no banco de trás? Suas patas


estão limpas.

— Não me importo.

Sento no lado do motorista enquanto ele coloca Bolota e suas


coisas no banco de trás, em seguida, senta-se no banco do
passageiro.

— Como você sabia qual era meu carro? — Pergunto


enquanto coloco a chave na ignição. — Esteve me observando?

— Eu realmente a vi entrando nele uma noite antes de me


ver tocando no parque. Eu e Bolota andamos por aí e vi você no
estacionamento do seu trabalho. Deixou cair as chaves e quando se
abaixou para pegá-las, seus óculos escuros cairam de sua cabeça
ficando presos no seu cabelo.

Eu assinto me lembrando daquele dia de merda quando tudo


parecia dar errado.

— Achei você muito jovem para dirigir e me perguntei se


conseguia enxergar sobre o painel.

— Sério? — Pergunto ofendida e humilhada. — Você será


uma daquelas pessoas que tiram sarro da minha altura agora?

Ouvi a mesma coisa ao longo dos anos. Pequeno Poney,


Baixinha, Tinkerbell. E não vamos esquecer Pussypuker, que não
tem nada a ver com minha altura e tudo a ver com meu
constrangimento.
85
— Vá com calma, bebê. Acho você meiga e sexy.

Ignorando minha careta, ele alcança o volante e segura


minha mão enquanto dirijo. Me deixando muito empolgada por ter
que me forçar a me concentrar na direção do carro, especialmente
quando estou tão perdida em meus pensamentos que quase avanço
o sinal vermelho.

— Você quer que eu dirija? — Ele pergunta quando piso no


freio no último minuto. — Parece um pouco distraída.

— Estou bem. Não estou acostumada com alguém segurando


minha mão enquanto estou dirigindo.

— Você quer que solte, assim não nos matará? — Ele brinca.

Aperto meus dedos ao redor dos dele antes que a luz fique
verde. —Não. — Respondo com um sorriso.

Quando chegamos perto do parque, ele me direciona para


uma estrada lateral sem saída, então paro o carro e apago as luzes,
desligo o motor quando chegamos ao fim da rua perto da floresta.

— Creio que ninguém nos incomodará aqui. — Você se


importa se eu fumar?

— Não.

Ele solta a minha mão para acender um cigarro e viro a chave


para abaixar a janela.

— Você disse que estava com medo.

— Sim…

Ele solta a fumaça pela janela e espera que eu continue.

86
Passando o dedo pelo volante de couro, procuro as palavras
certas e fico em silêncio.

— Fiquei com medo de engravidar. Ou que talvez você tenha


alguma coisa.

— Alguma coisa?

— Sim. Tipo algo que eu poderia contrair.

— Oh. — Ele lança as cinzas pela janela. — Esse tipo de


coisa.

— Sim.

— Eu não gozei em você, então as chances de engravidar são


pequenas. E não pode engravidar por engolir.

— Eu sei. — Falo defensivamente.

— Apenas me certificando.

Ele pensa que sou idiota? Pode ter sido a minha primeira vez,
porém não sou uma ignorante em relação ao sexo.

— Eu não estive com ninguém em muito tempo. Dois anos.


Talvez mais.

Uma onda de alívio me atravessa ao ouvi-lo. Temia que ele


andasse por aí dormindo com todo tipo de mulher em diferentes
estados, de costa a costa.

— Ok.

— Não a culpo por pensar assim, Piper. Sei como pareço,


sem-teto, cabelos longos e tatuagens, incapaz de levá-la a um
encontro. Você merece algo melhor.

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— Gosto de como você se parece. Não pensei que tivesse uma
doença porque é um sem-teto, Evan. Você é muito bonito e imaginei
que provavelmente dormia com muitas mulheres.

Meu comentário o faz rir. — Algumas. Definitivamente não


muitas. E costumo usar proteção. Simplesmente não consegui
esperar para entrar em você. Acabou com meu maldito cérebro.

— Conheço o sentimento. — Murmuro.

— Apenas para você saber, tomo banho várias vezes por


semana. Há um garoto que trabalha numa parada de caminhões na
estrada. Dou a ele aulas de violão e ele me deixa usar o chuveiro de
manhã. Ele até me dá sabonete e shampoo. Estou completamente
limpo. — Diz com um sorriso.

Balanço minha cabeça e sorrio para ele. — Eu me perguntava


como você sempre cheira tão bem.

Ele dá mais uma tragada do cigarro, joga-o pela janela e


depois pega a minha mão novamente.

— E da próxima vez, estarei preparado. Ok? E tentarei ir um


pouco mais devagar.

Próxima vez? Haverá uma próxima vez?

— E se a fizer se sentir melhor, posso procurar uma clínica


e fazer exames.

A ideia é tentadora, porém tenho certeza que Evan não tem


seguro de saúde como eu e acabará com uma enorme conta para
pagar. O que me faz pensar como ele recebe suas contas pelo
correio. Ele tem uma caixa postal? Precisa pagar por tudo
imediatamente e integralmente em dinheiro? Como alguém consegue

88
entrar em contato com ele? A situação de desabrigado é muito
confusa para mim.

— Hum, pode ser caro. — Afirmo.

— Tenho dinheiro de reserva para emergências.

Ah não. Não posso deixá-lo fazer isso. E se ele ficar doente e


precisar do dinheiro? Ou se Bolota ficar doente ou ferido? E se eles
precisarem de comida?

— Você não precisa usá-lo. — Eu o olho. — Jura que está


dizendo a verdade?

— Eu lhe dou a minha palavra. — Seus olhos demonstram


nada além de sinceridade acalmando um pouco meus nervos. Ouvi
que mentirosos ficam com olhos trêmulos, os dele estão calmos.
Resolvo eu mesma fazer o teste, só revelando se o resultado for
assustador. Caso contrário, não faz sentido insultá-lo dizendo que
corri para um médico depois de fazer sexo com ele. Nenhum homem
quer ouvir algo assim.

Nós nos damos as mãos no interior do meu carro e ouvimos


o rádio no escuro. Ele me diz que começou a tocar violão e escrever
músicas quando tinha oito ou nove anos de idade, foi quando seu
irmão mais velho o apresentou às drogas. Ele explica como as
palavras surgiam com mais facilidade quando estava chapado e
levou quase dez anos para perceber que não podia continuar
fumando maconha todos os dias. Admite que abandonou o ensino
médio durante o primeiro ano.

Ouço atentamente quando me fala sobre as outras drogas


que começou a usar – a maioria das quais nunca ouvi falar.
Enquanto esfrega o polegar na parte interna da palma da mão, ele
89
me conta como demorou mais quatro anos, uma período na
reabilitação, as ameaças de sua família e amigos para que se
livrasse das drogas mais pesadas.

Só fumei maconha uma vez e não gostei de como me fez


sentir ou toda a tosse que me causou, então realmente não consigo
entender seu vício. Ficou claro pela emoção em sua voz que teve
uma forte experiência de amor e ódio com drogas e álcool.

— Ficar sóbrio me fez sentir inquieto. Foi quando saí e


comecei a viver assim. Ser livre tornou-se um novo desafio. — Ele
leva minha mão aos lábios e minha respiração para quando beija a
pequena tatuagem de joaninha no meu pulso.

— Agora você é meu vício. — Seu tom baixo e grave aperta


meu estômago.

Deixando de lado minha mão, ele se abaixa dentro do


pequeno carro e me beija. Abro a boca para sua língua, dando boas-
vindas ao seu familiar sabor de fumaça e menta. Enquanto me beija
ele segura meu corpo, encontra a alavanca do banco e a puxa
empurrando o encosto de cabeça com a outra mão até que fico
recostada. Bolota rapidamente se afasta para o outro lado do banco
para dar espaço à súbita invasão.

Ele se debruça sobre mim no banco da frente, ainda me


beijando avidamente. Quando coloco os braços ao seu redor, ele
lentamente move seus lábios para o lado da minha garganta,
chupando e mordendo de forma tentadora até o decote em V do
suéter, puxando o tecido para baixo para expor o sutiãn de seda
rosa que segura meus seios. Envio um silencioso agradecimento

90
para a Victoria's Secret por projetar um sutiã que faz com que até
meus seios pequenos pareçam bons.

Ele move a língua pelo decote, parando no fecho da frente e


o abrindo com os dentes. Deus, realmente existe algo a ser dito
sobre um homem que sabe o que está fazendo. Apoiando um braço
no assento ao lado da minha cabeça, ele move os lábios lentamente
pela pequena curva do seio, empurrando o tecido para o lado até
que fica completamente descoberto. Ele solta um suspiro profundo
que faz meu coração bater ainda mais forte, enquanto circula meu
mamilo com a língua, chupando até doer por mais. Gemo
suavemente e arqueio meu corpo para ele com meus dedos
segurando seus ombros. O metal em sua língua toca o mamilo
tenso, enviando arrepios quentes pelas minhas coxas e
profundamente no centro do meu núcleo.

Ele move a mão por meu corpo, desabotoa e abre a minha


calça jeans rapidamente. Eu me movo sob o volante, ajudando-o a
retirá-la. Sem fôlego, subo sua camisa, precisando sentir sua carne
quente sob as pontas dos meus dedos. Ele escorrega a mão sob a
calcinha molhada, colocando tudo em sua mão, a palma
pressionando meu clitóris já latejante. Sua boca desce sobre a
minha, com força e desespero enquanto toca meus lábios molhados,
abrindo-os com dois dedos e entrando em mim com um terceiro.
Ofegando, cravo as unhas em seus ombros e correspondo ao beijo
avidamente, incapaz de evitar o movimento de meus quadris no
ritmo do seu dedo.

Quero chorar e implorar quando ele afasta seus lábios dos


meus. Estou convencida de que não posso sobreviver por um
momento sequer sem sua boca, sua respiração e seu gosto. Ele
91
prova que estou errada quando coloca o dedo em minhas
profundezas apertadas e molhadas, o metal de seu anel de caveira
de prata cobre minha entrada, aumentando o prazer. Fechando os
olhos em êxtase, tento puxá-lo de volta para meus lábios, em vez
disso, ele abaixa a cabeça para meus seios novamente, lambendo
um, depois o outro, chupando e mordiscando meus mamilos
doloridos até que todo o meu corpo está num frenesi.

Quero tudo dele, em todo lugar. Não há uma parte minha


que não queira que possua. Seguro seu cabelo, puxando-o enquanto
me arqueio em sua boca e me empurro em seus dedos. Meus
suspiros e gemidos enchem o carro quando gozo, não posso me
segurar ou calar. Ele tirou todo meu autocontrole com seus lábios e
dedos.

Ainda me acariciando lentamente, ele levanta a cabeça para


finalmente beijar meus lábios enquanto tento recuperar o fôlego. —
Você é uma coisinha doce e sexy. — Ele sussurra. — Estou ficando
louco pensando em você.

— Eu também. — Respondo sem fôlego.

— Bom. — Ele lentamente retira seus de mim trêmulo e


pressiona a palma contra meu sexo novamente, sentindo meu calor
enquanto meu corpo se recupera do orgasmo. — Eu quero que você
continue voltando para mais.

— Tudo bem. — Concordo toda sonhadora.

Ele sorri e nos beijamos novamente – outro beijo longo,


profundo e demorado que confunde as linhas de onde termino e ele
começa. É tudo o que esperava em um homem.

92
Depois de alguns minutos, ele se afasta e seus olhos estão
escuros e cheios de luxúria. — Você provavelmente, deveria ir para
casa. São quase duas horas.

Relutante, coloco o banco no lugar e arrumo minhas roupas,


imaginando como a noite acabou tão rapidamente.

— Devo levá-lo até a entrada do parque? — Pergunto


hesitante. — É a melhor maneira de você chegar à ponte?

Ele concorda. — Sim, posso ir andando daqui. Não é longe.

Balançando a cabeça ligo o carro. — Eu não o deixarei ir


andando.

—Eu ando por todos os lugares, Piper.

Manobro o carro e sigo na direção da estrada principal. —


Eu sei, porém não o deixarei andar, no meio da noite, quando está
no meu carro. É bobagem.

Ele não diz nada até que paro na frente da entrada do


parque. A rua está vazia e assustadora. Mais abaixo, posso ver o
semáforo perto do meu escritório mudar de vermelho para verde e
parece estranho sem carros para parar e seguir.

— Estou feliz por nos encontrarmos. — Ele diz rompendo o


silêncio.

— Eu também.

Ele se vira para mim, sua mão na maçaneta da porta. — Você


realmente vinha me ver depois do encontro? Ou tentava apenas ser
legal?

93
— Não foi um encontro. E sim, este era honestamente meu
plano depois que encontrei seu bilhete. Tudo o que queria fazer era
vê-lo outra vez.

— Apenas checando. — Ele sai do carro, abre a porta para o


banco de trás e pega suas coisas. Bolota pula para fora, boceja e
sacode o corpo; esperando pacientemente enquanto Evan se recosta
no carro.

— Venha me ver amanhã.

Meu estômago e meu coração saltam com uma explosão de


excitação inesperada. — Aqui?

— Sim. Na mesa de piquenique.

Aceno e sorrio. — Ok.

Ele pisca e fecha a porta do carro.

Mesmo que meu espaço na casa dos meus pais seja meu, sei
que eles surtarão se eu levar Evan e Bolota para casa comigo, o que
não me impede de desejar que pudesse enquanto os vejo
caminhando no escuro para dormir no chão frio e duro.

94
Capítulo 6
Piper

Parece que uma bomba explodiu aqui. As palavras que


minha mãe costumava me dizer diariamente ecoam em minha
cabeça enquanto estou no meio do meu quarto, cercada por roupas
espalhadas por todo o chão e na cama.

Não consigo encontrar nada para vestir. Bem, na verdade,


encontrei muito para vestir. O problema é que não tenho certeza do
que vestir.

Algo fácil para ele tirar.

Não! Minha mente grita. Pare de pensar assim. Nossa, um


homem me dá alguns orgasmos e tudo em que consigo pensar são
as mãos dele em mim. Meu estômago faz um barulho muito familiar.
E se for tudo em que ele está pensando e tudo em que está
interessado? Talvez eu seja uma ligação de sexo.

Não. Eu me recuso a acreditar. Não depois que ele passou


horas conversando comigo na noite passada e me contando todas
as partes boas e ruins de seu passado. Ele segurou minha mão o
tempo todo. E se nomeou meu namorado no pub. Segurando um

95
suéter fino enrugado, me pergunto se ele quis realmente dizer ou se
apenas brincava na frente dos meus amigos.

Deus. Homens são tão difíceis.

Suspirando, visto uma calça jeans, uma camiseta preta e


amarro uma camisa de flanela de mangas longas ao redor da minha
cintura, para o caso de sentir frio. Ele já sabe quão baixa eu sou,
então uso botas sem salto pretas em vez de algo com salto alto.

Meu telefone toca quando estou saindo pela porta e sei que
deve ser Ditra, ninguém mais me liga. Hesito na porta, debatendo
se devo responder ou não, decido deixar minha secretária eletrônica
atender.

— Piper... — Sua voz vem pelo alto-falante. — Eu sei o que


você está fazendo e não vai funcionar. Não pode me evitar e sabe
muito bem. Precisa me ligar e contar tudo sobre seu homem
misterioso. Ah, eu fiz sexo com Mitch na noite passada. Ele tinha o
menor pau que já vi na minha vida. Nem tenho certeza se pode ser
classificado como sexo; era tão pequeno. Assim...

Bip. A secretária eletrônica apita e a interrompe.


Imediatamente, o telefone começa a tocar e rio quando a secretária
atende novamente.

Sua voz preenche meu quarto outra vez. — Sua secretária


estúpida me cortou. Bem, de qualquer forma, é melhor você me
ligar. Eu te amo.

Prometo ligar para ela mais tarde quando voltar para casa.
Espero que depois de passar algum tempo com Evan hoje, tenha
uma ideia do que realmente somos um para o outro. Então não terei
que responder ao interrogatório de Ditra com respostas vagas.
96
Ele sorri quando me vê me aproximando da mesa de
piquenique e deveria ser ilegal outra pessoa ter o poder de virar tudo
de cabeça para baixo em nossa vida como ele faz.

Seu sorriso hesita um pouco quando entrego a ele um dos


lattes que estou segurando.

— Eu também trouxe pãezinhos. — Eu digo, sentando-me ao


lado dele na mesa. — E parei em uma casa de rações e peguei alguns
biscoitos de cachorro para Bolota. — Com a menção de seu nome,
as orelhas do cachorro se animam e ele olha para mim com
expectativa.

— Você quer um biscoito? — Pergunto a ele, tirando um dos


biscoitos em forma de osso da sacola. Ele tira gentilmente da minha
mão e vai para debaixo da mesa para comer em particular.

— O quê? — Pergunto, percebendo o estranho olhar no rosto


de Evan.

Sua voz é fria. — Não tente cuidar de nós, Piper.

— Eu não... estou só sendo legal.

— Eu sei. E agradeço. Nós estamos bem.

— Ok. — A felicidade que senti um momento atrás


desaparece e se transforma em constrangimento. Empurro a sacola
com nossos pães para longe e tomo um gole do meu café.

97
— Piper... ei. — Ele se aproxima de mim até que sua perna
pressiona a minha. — Eu não quis fazer você se sentir mal.

— Estou bem. — Sorrio e afasto o cabelo do rosto. — Sério.

Eu posso dizer por sua sobrancelha levantada que não


acredita em mim. — Não quero que pense que precisa me alimentar.
Nós não estamos morrendo de fome. — Ele pega um pãozinho da
sacola e o coloca em um guardanapo. — Quero sua amizade, não
sua piedade.

— Não sinto pena. — Protesto. — Tomo café e como


paezinhos todas as manhãs, pensei que você poderia querer um
também.

— É carinhoso. Não quero que você seja uma daquelas


garotas que assume um projeto vamos cuidar do fracassado.

Suas palavras doem, embora eu tenha certeza que não quis


dizê-las. — É apenas pão e café, Evan. Dificilmente constituiria um
projeto.

— Gostaria que você me chamasse de Blue. Ninguém me


chama de Evan.

Usando a faca de plástico que estava na sacola, espalho um


pouco de cream cheese e sorrio timidamente. — Somos amigos
agora? — Pergunto.

— Sim. — Ele se move no banco ficando de frente para mim.


— A joaninha está trabalhando duro para nos tornar almas gêmeas.
— Diz com olhos brilhantes e um sorriso torto cheio de arrogância.

Eu rio, minhas entranhas estão fazendo acrobacias. — Isso


é verdade?

98
Ele morde o pão e balança a cabeça enquanto mastiga. —
Sim.

Nossos olhos permanecem um no outro, o ar entre nós cheio


de esperança e desejo misturado a cautela e desafio. E se isso
continuar, começarei a acreditar nas lendas dele.

— Você toca em bares com frequência? — Pergunto,


precisando romper o silêncio.

— Duas ou três vezes por mês. Provavelmente, poderia


conseguir mais shows, como preciso levar Bolota nem todos o
deixam entrar. E não o deixarei amarrado do lado de fora.

— Posso ficar com ele para você, se precisar. Poderia levá-lo


para passear e ele poderia ficar no meu carro enquanto espera por
você.

Ele se aproxima mais e beija o local logo abaixo da minha


orelha, em seguida, faz uma pausa lá com o nariz no meu cabelo,
aspirando. Saboreio a sensação de cócegas de sua respiração no
meu pescoço e fecho os olhos.

— Você estará esperando por mim também? — Ele move os


lábios para o meu pescoço.

Eu encosto minha cabeça na dele. — Se você quiser. — Eu


murmuro.

— Eu quero. — Ele coloca a boca sobre minha clavícula e me


puxa para mais perto, entre suas pernas. Um giro da minha cabeça
aproxima nossos lábios e nos beijamos lenta e suavemente, ao
contrário dos beijos impetuosos que compartilhamos antes. A

99
ternura sugere emoção e cuidado ou seria sua estratégia bem
orquestrada para me deixar ainda mais embriagada por ele?

Ele se afasta e olha nos meus olhos, mantendo o braço ao


meu redor. — Seus pensamentos estão longe — diz.

— Sinto muito.

— Posso me afastar se você não gosta.

Eu seguro sua mão. — Não. — Respondo, balançando a


cabeça para trás e para frente. — Eu... não quero que se afaste. —
Entrelaço meus dedos com os dele para solidificar minhas palavras.
— Estou apenas um pouco... surpresa. Por tudo que está
acontecendo. E o que estamos fazendo.

— Estamos curtindo o momento. Certo?

— Certo. — Eu me imagino apresentando-o aos meus pais.


Este é Blue, o homem com quem gosto de passar um tempo...

Ele olha através do parque, seus olhos um pouco mais


escuros do que estavam, quando nos beijamos. Eu gostaria de não
ter questionado seus motivos.

— Piper, eu vivo momento a momento. Não quero parecer um


idiota, você pode pegar ou largar. Não analise as coisas. Gosto de
você. E quero que passemos um tempo juntos. É tudo que tenho a
oferecer agora.

Assimillo suas palavras, imaginando onde estaria o mito das


joaninhas no momento. Independentemente de tudo, preciso
apreciar sua honestidade, mesmo que parta meu coração.

Aqui, no meu próprio momento, sou uma garota louca por


um cara. É claro que quero encontros, o título, o compromisso e a
100
esperança de todos os amanhãs juntos. Ainda assim, não trocaria
nossos momentos aleatórios por nada.

Pressionando meus lábios em sua bochecha, sussurro: — Eu


pego.

Ele segura minha nuca e me puxa para ele. O beijo profundo


e exigente está de volta, desta vez com uma vingança. O aperto sob
o meu cabelo e sua boca na minha me fazem sentir como se quisesse
me inalar, me engolir, me consumir e me possuir. Não luto porque
sinto o mesmo.

Quero que este homem seja meu. Seus lábios, seu toque, sua
luxúria, seu sorriso, seu amor. Quero tudo e esperarei uma vida
inteira por ele, se for preciso. Chame de paixão ou amor. Chame
como quiser. Estou no fundo. Estou me afogando nele e nenhum
barco salva-vidas virá me resgatar.

Quanto mais nos beijamos, mais meu corpo e coração o


querem. Sua língua tocando a minha provoca uma onda de desejo
que percorre minhas veias como fogo. Meus seios doem para serem
tocados e chupados por seus lábios incríveis, minhas coxas
queimam ao redor de sua cintura.

Ele geme em minha boca quando toco sua bochecha e passo


a mão por seus cabelos, então se afasta com uma respiração pesada.
— É melhor pararmos ou vou arrastá-la para debaixo da mesa como
Bolota fez com o biscoito.

Eu rio, embora não tenha certeza se seria capaz de pará-lo


se o fizesse.

101
— Continue rindo, Joaninha. — Ele avisa com um sorriso
travesso e sexy enquanto acende um cigarro. — Eu mostrarei que
não estou brincando.

Sorrindo, pego meu café com leite e o termino, me


recompondo interiormente antes que perca todo o controle e o
arraste para debaixo da mesa. Sua combinação letal de gostoso e
fofo conseguiu roubar minha virgindade e timidez sexual em
questão de dias, minha cabeça está girando e meu coração
acelerado, além da minha calcinha ficando molhada.

— Então... você mora por aqui... e antes? — Pergunto, na


esperança de tirar nossas mentes das travessuras debaixo da mesa.

— Eu morava em Nova Jersey.

— É onde sua família está?

— A maioria.

— Você pensa em voltar para lá?

Ele encolhe os ombros. — Vou para passear, não para morar.

— O que o fez vir para New Hampshire?

— Queria ver as folhas no outono.

Ah, isso abalou meu coração. Olho para as árvores que nos
rodeiam, avaliando sua cor. — Elas começarão a mudar em breve.
Provavelmente em cerca de três semanas. — Enquanto falo, ele
move a mão para debaixo da minha camiseta e a deixa lá, quente
contra a minha espinha. — Você realmente veio caminhando po New
England até aqui, quando deixou Jersey há dois anos?

— Não. Peguei carona até a Califórnia, conheci alguns


lugares legais, depois segui em frente.
102
— Você andou por toda a Costa Oeste? — Pergunto
incrédula.

— Não. — Ele ri. — Às vezes pegava um ônibus, um trem ou


pedia carona.

— Oh. Você nunca sente falta da sua família?

— Claro, às vezes. E se passo por um telefone público, ligo


sempre. Informando-os que ainda estou vivo.

— Eles devem se preocupar com você, não?

— Acho que estão acostumados agora. Não são do tipo


preocupado.

— Minha mãe nunca se acostumaria. Ela está pronta para


ligar para uma equipe de busca se eu chegar meia hora atrasada do
trabalho

— Bem, meus pais tiveram anos de prática.

Eu me pergunto quando ele planeja partir novamente. A


pergunta fica na ponta da minha língua, não a deixo sair. Engulo e
as palavras que, com medo de sair, correm para aquele lugar dentro
de mim onde insegurança, dúvida e negação se amontoam.

— Que tal falarmos sobre você? — Pergunta ele. — Sempre


morou aqui?

— Sim. Meus avós e pais nasceram na cidade. Estou em


casa.

— Já pensou em sair?

— Não, não realmente. Não me importaria de ir a outro lugar


para passar férias, porém nunca tive o desejo de me mudar.

103
— Acha que está verdadeiramente satisfeita ou apenas fica
onde se sente mais confortável?

Ele repetiu a pergunta que fiz a mim mesma inúmeras vezes


em vários cenários diferentes.

— Realmente não sei. Existe diferença?

— Acho que sim. Está tudo bem, contanto que esteja feliz.
Eu? Nunca me sinto feliz. Há sempre a sensação de que há mais
coisas lá fora que preciso ver. Mais pessoas que preciso conhecer.
Mais coisas que preciso fazer me assombrando.

— Você é inquieto.

— Sim. Quero, no entanto... — O aperto de sua mão na


minha cintura traz uma dor absurda e percebo que seus dedos estão
pressionando diretamente sobre os hematomas da noite debaixo da
ponte. Uma onda de calor aquece a parte interna das coxas. —
Quero ser feliz. — Diz.

— Tenho certeza que você será. — Espero que encontre sua


felicidade nesta pequena cidade, comigo.

— Espero que sim. Caso contrário, ficarei vagando para


sempre.

— Talvez você possa vagar de volta para cá, a cada outono.


— Eu digo com um sorriso tímido e um pouquinho de flerte.

— Talvez eu possa.

Nós terminamos o café e então ele pega o violão, tocando


todas as músicas que gosto. Eu rio e tento escolher músicas que
acho que ele não sabe ou não tocará, ele interpreta cada uma, até
mesmo uma favorita da minha infância – a música tema de um
104
desenho animado. Então ele toca e pede que eu adivinhe a banda e
o nome da melodia, falho miseravelmente.

— Vamos. Você não ouve música? — Pergunta, rindo.

— Estou tentando, porém nunca sei que banda estou


ouvindo.

Ele balança a cabeça enquanto guarda o violão no estojo. —


Em sua defesa, essas músicas nunca foram muito populares,
embora sejam algumas das minhas favoritas.

Espero que ele não esteja desapontado com a minha falta de


conhecimento musical. Tenho certeza de que a bela cantora da
banda, com quem tocou, conhece o título de cada música e me
pergunto se é uma característica na qual está interessado. Como
música parece ser a vida dele, não me surpreenderia.

A essa altura o sol está começando a se pôr, o céu ficando


laranja e rosa, ainda não quero ir para casa.

— Você quer dar uma volta? — Pergunto.

Não há hesitação. Ele apenas balança a cabeça assentindo e


espero que signifique que está curtindo nosso tempo juntos tanto
quanto eu. Evan pega suas coisas e vamos para o meu carro. É
quando realmente entendo que ele não tem nada além de sua
guitarra, a mochila, tudo o que ela contém e seu cachorro.
Ingenuamente, pensei que ele tivesse mais pertences escondidos em
algum lugar.

— Por que você não dirige? — Ofereço quando chegamos ao


carro. — Sou uma espécie de motorista de baixa qualidade.

105
Ele pega as chaves que jogo para ele. — Você não se importa?
— Ele levanta a sobrancelha para mim.

— Não. Prefiro que você dirija. — Não só porque tenho certeza


de que ele dirige melhor do que eu, também porque me sentiria em
um encontro. Esse sentimento amplifica quando ele abre a porta do
lado do passageiro, esperando que eu entre, depois fecha atrás de
mim.

— Para onde? — Ele pergunta depois de correr pela frente do


carro e se sentar no volante. Eu rio enquanto ele move o assento
para trás para ajeitar suas longas pernas.

— Qualquer lugar.

Ele sorri enquanto ajusta o espelho retrovisor. — Qualquer


lugar é meu local favorito.

Qualquer lugar é um passeio aleatório pela cidade, passando


pela rua em que moro sem que ele saiba e por um drive thru. Desta
vez o deixo pagar. Nós nos sentamos no estacionamento, comemos
hambúrgueres, batatas fritas e tomamos milkshake de baunilha.
Revezamos alimentando Bolota com o hambúrguer que o garoto da
janela foi simpático o bastante para fazer sem condimentos.

— Você precisa estar em algum lugar? — Ele pergunta


enquanto saímos do estacionamento.

— Não. Nenhum lugar.

É estranho não ter para onde ir para ficarmos juntos.


Quando Josh e eu namorávamos, a maioria dos dias ficávamos no
porão de seus pais ou em seu quarto, se eles não estivessem em
casa. Ele fazia pipoca e assistíamos aos filmes que alugávamos,

106
rindo sobre como nós não atrasaríamos uma semana para devolver,
como sempre acontecia e teríamos que pagar mais taxas. Essa era
a extensão de nossas preocupações como um jovem casal.

Evan dirige como se conhecesse tudo muito bem, não o


questiono. Talvez ele tenha andado por cada centímetro desta
cidade ou talvez seja tão bom em vagar sem rumo que possa fazer
com que pareça natural. Eu não me importo para onde estamos
indo. Minha mão está na sua que está cantando junto com o rádio,
virando para cantar para mim quando há uma letra sobre amor ou
querer alguém, fazendo meu coração disparar. Ele parece feliz, livre
e incrivelmente gostoso com a janela aberta e o vento bagunçando
seu cabelo. Pela primeira vez, gostaria de ter um carro esportivo ele
ficaria bem dirigindo um conversível com o braço tatuado apoiado
na janela.

Uma onda de pânico me atinge quando ele desvia para uma


estrada escura na qual nunca dirigi antes. Para ser sincera, não sei
em que parte da cidade estamos. Estou tão absorta ouvindo sua voz
e apenas estando com ele que parei de prestar atenção no caminho
há uma hora. À frente, não vejo nada a não ser a escuridão total, a
medida que avançamos, alguns postes de iluminação aparecem. Ele
para o carro exatamente quando os faróis refletem sobre a água
escura e brilhante de um lago.

— Você já esteve aqui antes? — Eu pergunto quando ele


desliga o motor.

Assentindo, ele verifica Bolota no banco de trás. — Não


estamos longe do parque. Apenas demos a volta.

107
— Oh. — Estou assustada com minha total falta de senso de
direção.

Ele rescosta no encosto de cabeça. — Obrigado por me deixar


dirigir. Já faz muito tempo.

— Sinta-se à vontade. E se cantar toda vez que dirigir, posso


deixá-lo ir para todos os lugares. — Provoco.

— Você gosta tanto assim da minha voz?

— Gosto, Blue. Sua voz é como... chocolate.

Ele se vira e olha para mim como se eu fosse louca. —


Chocolate? — Ele ri.

— Sim. Muito suave e gostosa.

Ele me da um leve puxão de brincadeira para seu colo. —


Você finalmente me chamou de Blue.

Ele segura meu rosto em suas mãos e toca minha boca com
a sua, me beijando até o sorriso tímido desaparecer dos meus lábios.
Entro em um estado de euforia novamente enquanto suas mãos
percorrem meu corpo e ele me manobra até que fico sentada em seu
colo.

— Quero que você dirija agora. — Ele sussurra contra o


ponto sensível da minha garganta.

— Oh... tudo bem. — Eu me movo para sair de seu colo, suas


mãos se movem para frente para segurar meus seios.

— Não. — O metal de seu piercing na língua é frio contra


minha pele enquanto sua boca volta para os meus lábios. — Guie-
me. — Ele me puxa com mais força enquanto sussurra as palavras,

108
seu pau pressionando através de nossos jeans gera um calor
instantâneo entre nossos corpos.

Ele olha para mim com seus olhos escuros e pensativos como
se estivesse me desafiando a impedi-lo de desabotoar minha calça,
não o faço. Em vez disso, vou em direção ao seu botão e um sorriso
sexy curva seus lábios. Sua sensualidade é contagiante. Com ele,
me sinto sensual e bonita ao invés de pequena e desajeitada. Eu o
deixo empurrar minha calça jeans e calcinha até meus tornozelos,
me levanto apenas o suficiente para ele tirar uma das minhas botas
e uma das pernas da calça. Com os olhos ainda nos meus, ele se
afasta e empurra sua calça para baixo, tirando um único
preservativo do bolso enquanto o faz.

— Para você. — Diz suavemente, segurando o pacote prata


entre nós.

Concordo com a cabeça e o observo abrir, depois colocar em


seu pau e é uma vergonha ter que cobrir uma parte tão bonita de
seu corpo.

Segurando minha mão na sua, ele a guia para seu pau,


envolvendo meus dedos ao redor dele. Eu o aperto através do látex
fino enquanto ele move a mão entre as minhas coxas.

— Você é tão apertada e molhada. — Sua voz é irregular com


respirações profundas enquanto seus dedos me acariciam e
exploram. — Venha aqui. — Ele agarra minha cintura com urgência,
me observa com olhos possessivos descendo lentamente sobre ele.

Uma dor súbita e aguda acompanha os primeiros


centímetros enquanto seu pau me estica, mordo meus lábios e tomo
mais, apoiando as palmas das mãos em seu peito largo para
109
alavancar enquanto me levanta e me abaixa. Minha bunda nua bate
no volante de couro ao montá-lo. Gemendo, ele envolve com seus
braços e me beija ferozmente, nossos longos cabelos em nossos
rostos indo para nossas bocas.

Não nos importamos.

Nossos corpos encontram um ritmo lento, profundo e


extasiante. Nós nos perdemos em cada beijo, tocamos e nos
encontramos novamente. Pela primeira vez na minha vida, não me
sinto deslocada ou desconectada. Sinto-me linda e querida. Sinto –
e acredito – que pertenço a este lugar com Evan e a nenhum outro
lugar do mundo.

Talvez esteja louca e tudo seja apenas uma paixão que


enfraquecerá e desaparecerá.

A forma como meu coração acelera no peito e como ele segura


meu rosto e olha em meus olhos, como se não houvesse mais nada
no mundo, me faz acreditar que seríamos muito mais.

Ofego quando ele geme e estoca cada vez mais fundo,


movendo a mão entre nós para acariciar meu clitóris. Dentro de
segundos, ele tem todo meu corpo tremendo ao seu toque e
completamente sob seu controle, apesar de estar por cima. Gozo
momentos antes dele, então estremecemos juntos, respirando forte
enquanto nossos lábios se tocam, buscando e reivindicando mais.

Ele afasta meu cabelo do rosto e distribui beijos suaves e


quentes nos meus lábios, na minha garganta e no meu peito até que
minha respiração se acalme. Fico em seus braços com
absolutamente nenhum pensamento de fugir – ao contrário da
última vez.
110
— Você é tão perfeita. — Ele sussurra entre beijos e sinto que
poderia voar para a lua.

— Eu não sou. — Respondo. — Você me faz sentir como se


fosse.

— Você é bebê. Você é. E é melhor não desaparecer por uma


semana novamente. — Ele avisa.

— Eu não vou. Prometo.

Nós nos separamos e silenciosamente vestimos nossas


roupas. O interior do carro está quente, cheirando a sexo e fumaça.
Quero engarrafar o perfume dele e espalhá-lo em meus travesseiros
e lençóis para ficar a noite toda. Minhas pernas ainda estão
trêmulas e minhas entranhas doloridas ardem quando caminhamos
com Bolota pela grama ao redor do lago, eu não me importo com os
efeitos persistentes de estar com ele. Cada movimento é um
lembrete de sua presença dentro de mim, o mais perto que posso
estar, quero gravar tudo na minha carne.

Depois que Bolota faz suas necessidades, Evan nos leva de


volta ao parque, que fica a apenas quinze minutos do lago.

— Como é que você conhece esta cidade melhor do que eu


que cresci aqui? — Brinco enquanto ele apaga os faróis, deixando o
carro ligado.

— Porque eu ando e você não.

Hmm. Nunca pensei nisso antes, ele está certo. Sou uma
criatura de conforto e hábito. Habitualmente. Não ultimamente.

— Eu me diverti hoje. — Digo, deixando meus hábitos não


errantes para serem analisados mais tarde.

111
— Sim? — Ele dá um beijo rápido em meus lábios. — Eu
também. Eu a vejo em breve.

Ele está fora do carro com seus pertences e Bolota antes de


ter a chance de dizer qualquer coisa e agora estou dirigindo para
casa com todo tipo de confusão e incerteza. Sinto como se estivesse
lendo um livro que terminou abruptamente, com o restante das
páginas faltando.

Esperava que ele quisesse me ver amanhã, no entanto saiu


sem nenhuma indicação sólida de que quisesse me ver novamente,
a não ser como uma garota que se senta em um banco do parque e
ouve sua música.

Meus dedos seguram o volante, meu traseiro nu foi


empurrado contra ele apenas uma hora atrás. Eu a vejo em breve é
vago e não um plano real de qualquer forma, depois de fazer sexo
num carro. Especialmente se ele gostou.

É uma merda.

Mais tarde, quando estou deitada na cama com Archie


tentando me sufocar sentando no meu peito, uso meu microscópio
mental para analisar cada palavra e cada toque que compartilhamos
hoje. Agarro-me a qualquer coisa que possa interpretar como um
sinal de que ele quer me ver outra vez e formo uma pequena pilha
em minha mente. No topo estão as palavras, não desapareça
novamente. Certamente ele não as diria se planejasse me
abandonar.

Minha vida chata foi inesperadamente preenchida com muita


excitação, sexo em vários lugares, menos numa cama e estresse
emocional. Estou oprimida, estupefata, ansiosa e apaixonada.
112
Capítulo 7
Piper

Segunda de manhã, estou meia hora atrasada para o


trabalho. Tomei melatonina para me ajudar a dormir na noite
anterior e, apesar de Ditra ter afirmado que é natural, sem efeitos
colaterais, lutei para acordar para chegar no horário. Acho que ter
sonhos vívidos sobre coisas flutuando pelo meu quarto e acordar
com névoa no cérebro não são considerados efeitos colaterais.

Dois cafés, um olhar desagradável do meu chefe, dez


telefonemas e algumas horas de pesquisa depois, é hora do almoço
e estou caminhando nervosamente até o parque. Como o que
costumava ser minha hora diária de paz e calma se tornou uma
mistura de expectativa e ansiedade?

Um homem irresistível com um violão e um cachorro


adorável devem estar lá.

Algo me diz que ele está lá antes que o veja e não posso deixar
de sorrir ao passar pelos portões de ferro e vê-lo sentado em um
banquinho em seu lugar habitual. Tenho certeza de que o
banquinho é muito mais confortável do que sentar no chão e me
pergunto de onde veio. Seus olhos estão fechados e seu corpo
113
balançando devagar e sedutoramente enquanto toca. Olhá-lo me
transporta para um filme particular de recordações de como seu
corpo se move e balança sem o violão.

Balanço a cabeça para limpar as visões que não deveria ter


no meio do dia, cercada por estranhos, só de olhar para ele. Minutos
depois, quase fico ofegante tomando um iogurte quando a canção
estranhamente longa termina e ele levanta a cabeça para olhar
diretamente para mim com uma fome feroz em seus olhos, como a
de um predador olhando sua presa. Acena para a pequena multidão
ao redor dele, em seguida, rapidamente arruma suas coisas para se
sentar ao meu lado.

— Eu gostei desta música. — Digo. Fico surpresa que ele


tenha se afastado da pequena multidão. As pessoas estavam
jogando mais dinheiro em seu pote do que já vi. — Eu poderia dizer
que é umas das minhas favoritas.

Ele empurra as mangas do moletom e estica os braços. — É


nova. Chama Butterflies and Madness.

— Eu gosto. É como misturar tudo que você já tocou. Incrível.

Seus olhos se iluminam com os elogios e fico encantada com


a forma que a cor deles pode mudar tão rapidamente. — Era o que
eu procurava. Você me inspirou.

— Eu?

— Você. — Ele mastiga o metal de sua língua perfurada, um


hábito que notei algumas vezes, geralmente quando parece lutar
com um pensamento. — Não veio me ver ontem.

114
Minha pilha mental estava certa depois de tudo. — Eu não
sabia se queria me ver. Você não disse nada...

— Não sou bom com planos. Apenas presumo que as coisas


acontecerão.

Eu rio de sua honestidade. — O que pode tornar as coisas


um pouco confusas.

Ele sorri e acena com a cabeça. — Eu sei bebê.

Tenho certeza de que milhares de mulheres são chamadas


de bebê diariamente, porém ele dizer em uma voz tão profunda,
sensual e carinhosa faz com que minhas entranhas se derretam, o
que não é nada menos que incrível.

— Não posso ligar Piper. Não tenho telefone, nem


calendários. Na maioria das vezes, nem sei ao certo em qual dia
estamos. Não posso levá-la para jantar, para ver filmes ou qualquer
outra merda divertida. Estou trabalhando com opções limitadas.

Meu coração se aperta e a emoção se acumula em um nó na


garganta. — Nada disso importa para mim.

Ele toca minha bochecha e vira meu rosto para ele. — Você
tem certeza? — Um véu de tristeza envolve seus olhos azuis
novamente, estou impressionada com minha necessidade de fazer
qualquer coisa para ajudá-lo.

— Estou certa.

Ele se aproxima mais e acho que vai me beijar, em vez disso,


roça sua bochecha com barba na minha e encosta os lábios em
minha orelha. — Então traga sua bunda doce para cá depois do
trabalho. — Seu tom rouco está cheio de poder sexual cru e me

115
submeto. Uma explosão de pura excitação me percorre e sinto que
se alguém me abrisse agora, minhas veias pingariam glitter e arco-
íris.

— Ok. — Respondo com um suspiro suave. — Estarei aqui.

Aqui. Lá. Qualquer lugar. Não importa, desde que ouça sua
voz, olhe para aqueles olhos cobalto e sinta seus lábios nos meus.

Pela primeira vez a tarde no trabalho passa rapidamente.


Ligo para minha mãe avisando que não estarei em casa para o
jantar, em seguida, vou para o estacionamento do escritório retiro
meu carro e o estaciono na rua. Deixá-lo lá depois do expediente
levantaria suspeitas, não quero ninguém interferindo em meus
assuntos pessoais.

Estou surpresa ao ver Evan e Bolota esperando nos portões,


um com um sorriso e o outro abanando o rabo. Blue segura minha
mão e olha para cima e para baixo na rua às cinco da tarde antes
de falar.

— Você se importa se dermos uma volta? — Pergunta ele.

Balanço a cabeça e ele coloca suas coisas no meu carro antes


de me levar pela rua na direção oposta do meu escritório. Andamos
cerca de quatro quarteirões até chegarmos a uma rua sem saída,
com poucas casas e tráfego zero. À medida que nos aproximamos
do fim da estrada, percebo que estamos no mesmo local onde
fizemos sexo no carro na outra noite. Ele para e gesticula para a
última casa à esquerda, que fica afastada da estrada, cercada por
árvores.

— Eu amo esta casa. — Ele olha através do gramado


carinhosamente. — Há algo nela...
116
A casa de estilo Tudor5 que ele ama está claramente
abandonada faz muito tempo. A pedra e o piso estão sujos pela falta
de cuidado. A entrada de madeira escura, que provavelmente deu a
ela uma sensação de livro de histórias muito distinto, está agora
escondida atrás de folhas em decomposição. O foco da casa é
definitivamente a porta da frente em madeira arqueada com sua
enorme aldrava de ferro e alça que é mais do que convidativa. A
grama está coberta de vegetação, cheia de ervas daninhas e galhos,
as janelas foram cobertas com folhas de compensado. Tento
enxergar a casa através dos olhos de Blue. Talvez ele veja além da
ruína. Eu vejo isso nele de muitas maneiras. Sua perspectiva
incomum não é distraída pela sujeira e decadência que pode afastar
os outros. Sinto que ele vê beleza onde os outros se recusam a olhar.

— Vamos dar uma olhada. — Diz puxando minha mão.

— Não é invasão? — Pergunto em um tom abafado.

Ele ri. — Sou um invasor profissional, Piper. É o que faço.


Não se preocupe. Ninguém está por perto.

Garantia suficiente.

Seguimos pela entrada deteriorada até um caminho de pedra


que nos leva ao quintal, cercado por bosques. Não há outras casas
até onde posso ver, exceto uma casa à esquerda, a quase
quatrocentos metros de distância. Uma varanda com quatro
colunas fica na parte de trás da casa, com plantas há muito tempo
esquecidas e uma gaiola esperançosamente vazia, pendurada na

5
A Casa de Tudor foi uma família nobre que deu origem a uma dinastia homônima, a dinastia Tudor. Os monarcas
pertencentes a este período reinaram a Inglaterra no fim da Guerra das Rosas, de 1485 a 1603.
117
janela. Na época, tenho certeza de que deve ter sido um lugar bonito
para tomar chá e ler.

— Como é triste ver uma casa tão bonita abandonada. —


Digo.

— Acontece muito. Uma dia uma casa, agora muitos quartos


vazios com nada além de lembranças.

— Gostaria que pudéssemos entrar. Adoraria ver todos os


quartos, a decoração e o que eles abandonaram.

— Não podemos entrar. Mas podemos entrar lá.

Confusa, sigo seu olhar para um pequeno depósito de


ferramentas no canto mais distante do pátio.

Eu pisco. — Lá?

— Sim. Venha. — Ele assobia para Bolota, que foi para o


mato. O cachorro levanta as orelhas e corre para nos seguir.

Eu me preocupo com carrapatos e cobras enquanto


caminhamos pela grama alta, Evan parece alheio a essas
preocupações. Quando chegamos ao galpão, ele levanta a tranca de
metal enferrujada e abre a porta de madeira com um rangido. Eu
seguro sua mão e fico atrás dele. Ele entra e me puxa.

Mesmo que o sol esteja começando a se pôr, ainda há luz


suficiente para vermos o que nos cerca, embora não haja muito para
ser visto. Algumas ferramentas de jardinagem estão penduradas
numa parede, baldes velhos e latas de tinta estão empilhados no
canto. O chão de madeira está empoeirado e teias de aranha riscam
lugares aleatórios sobre as paredes e nos cantos da pequena janela.
Estou cercada de aranhas ou qualquer outro inseto rastejante.

118
Aperto sua mão com mais força e me pergunto por que porra
ele quis entrar ali. Não há nada de valor ou útil.

— Está começando a ficar escuro lá fora. — Insisto, ele


continua olhando ao redor e mastigando seu piercing.

— Eu tenho uma lanterna. — Diz distraidamente,


obviamente esquecendo que sua bolsa está no meu carro.

— Você está procurando por algo?

— Não. Estou procurando por um lugar.

Eu franzo minhas sobrancelhas. — O que você quer dizer?

— Acho que ficarei aqui.

Sua resposta apenas aumenta o estado de confusão em que


já estou.

— Ficar aqui? — Eu repito. — Tipo... viver aqui?

— Não moro em nenhum lugar, Piper. Poderia dormir aqui


em vez de debaixo da ponte. Me abrigará da chuva e do vento.

Eu pisco, sobrecarregada com com os fatos que continuam


sendo enterrados sob os sentimentos que tenho por ele. É um
desabrigado. E está falando sério sobre se mudar para um antigo
depósito de ferramentas, no quintal de uma casa abandonada. Não
há apartamentos com este homem. Não. Ele vai morar nesse galpão
sujo. E se considera viver aqui ou não, é a isso que se resume.

— E nós teríamos um lugar para ficarmos sozinhos. —


Acrescenta ele, apertando minha mão com tanta força que seus
anéis de metal cravam em meus dedos.

119
Balanço um pouco quando meu estômago se agita com uma
nova percepção. Este lugar, este galpão, finalmente se tornará nosso
ninho de amor se eu quiser continuar vendo-o.

Não haverá sofá ou cama. Sem TV e videocassete para


assistir filmes. Nenhuma cozinha para fazermos lanches. Sem
banheiro.

— Será bom. — Continua ele. — Aposto que há muitos grilos


cantando à noite além do som das folhas soprando nas árvores.
Essa coisa tem um telhado de zinco. Você imagina quão legal será
quando chover?

A excitação em sua voz parece a de uma criança – tão pura e


honesta que sou levada para aquele lugar com ele.

— É perfeito. — Digo baixinho.

Ele beija o alto da minha cabeça e coloca o braço ao meu


redor. — Sim.

Enquanto voltamos para o meu carro, ele faz perguntas sobre


meu trabalho, mostrando interesse sincero em minha vida e espero
que tenha esquecido a ideia de ficar no galpão. Quando finalmente
chegamos, ele pega suas coisas e, quando me beija na rua, gostaria
de ter uma daquelas minivans com uma cama dobrável e cortinas
nas janelas. Eu deixaria que ele e Bolota vivessem nela, assim não
teria mais que procurar por um lugar. Talvez finalmente quisesse
parar de vagar pelas cidades.

— Tenho algo para você. — Diz ele com as mãos ainda na


minha cintura. — Algo que fiz quando não consegui dormir e fiquei
pensando em você.

120
— Você estava pensando em mim?

Ele se ajoelha e abre sua mochila. — Eu penso muito em


você. Por que isso a surpreende?

— Eu não sei. Ninguém nunca me disse que estava pensando


em mim antes. Pensei que fosse apenas... uma maneira de falar.

Ele observa meu rosto enquanto se levanta. — Isso é fodido.

Ele pega minha mão e vejo quando coloca um bracelete no


meu pulso e o fecha. Eu olho a pulseira sob a luz da rua, passando
o dedo levemente sobre as contas coloridas presas a um cordão de
couro preto fino. Eu me maravilho com o pequeno cordão com
formato e pintado como uma joaninha.

— Você fez? Para mim? — Digo com voz emocionada e mordo


meu lábio inferior para evitar que trema.

— Sim. Sei que não é muito. Só queria te dar um presente.

— Eu amei. A joaninha é adorável.

— Queria que você tivesse uma lembrança. Não pode irritar


a joaninha e desafiar o mito do amor.

Eu fico na ponta dos pés e coloco meus braços ao redor do


seu pescoço abraçando-o com força. — Eu nunca vou tirá-la.

— Algum dia você o fará. — Ele se afasta e passa a mão pelo


cabelo. — Algum dia eu foderei tudo e você a jogará em mim.

Ele está errado. Nunca ficarei com raiva dele e jamais tirarei
a pulseira.

121
Dois dias depois, fui convidada para o galpão por meio de
outro bilhete encontrado no meu assento do carro quando saio do
escritório. É uma coisa boa sempre esquecer de trancá-lo,
provavelmente nunca o farei novamente agora que sei que ele me
deixará recados.

Devido à chuva, não o vi desde a noite em que ele me deu a


pulseira. Não ser capaz de vê-lo ou falar com ele, definitivamente
estava começando a me aborrecer. A chuva parou e agora tenho um
bilhete dizendo que ele sente minha falta e quer me ver. Fico feliz o
suficiente para ignorar a parte do galpão.

Antes de ir vê-lo, atravesso a cidade para minha casa para


vestir uma confortável calça jeans e uma camiseta, sem saber o que
mais usar em um barracão. Ainda em casa, como um sanduíche
com manteiga de amendoim e geléia, encho o prato de Archie e pego
duas latas de refrigerante e um pacote fechado de batatas fritas para
levar comigo. Sei que ele não gosta que eu leve coisas, não posso
mudar quem sou e sou uma pessoa que gosta de dar coisas aos
outros. E que também gosta de lanches. Se vamos ficar
conversando, devemos tomar bebidas geladas e comer comida
gostosa. Talvez seja apenas minha maneira de tentar espalhar
algum tipo de normalidade na situação pouco convencional.

Quando paro na frente da casa abandonada no final da rua


escura, não consigo sair do carro. As mãos invisíveis do bom senso
e da lógica me seguram, tentando me forçar dar ré e voltar para
casa.

122
Quase faço.

Então o vejo andando na calçada em minha direção, a


fumaça saindo de sua boca, botas batendo no asfalto com aquele
caminhar sensual e confiante.

E então aquele sorriso. Aquele sorriso mágico, sexy num


minuto e adorável no seguinte, que será a minha ruína.

Ele abre a porta do arro e apoia o braço no teto enquanto


olha para mim. — Você pretende descer?

Tiro minhas chaves da ignição, pego o saco de lanches e saio.


Ele recua apenas o suficiente para me puxar para frente e fechar a
porta atrás de mim. Então me apoia na lateral do carro. Tira o
cigarro da boca com o polegar e o indicador, vira a cabeça para o
lado para soprar uma nuvem de fumaça.

— Pensei que tivesse se esquecido de mim. — Hoje, sua voz


está mais profunda e áspera. Eu me pergunto se está ficando doente
ou cantando em um bar esfumaçado no centro, em vez de apenas
tocar violão.

— Como poderia esquecer? Estava chovendo.

Ele avança até que seu corpo toca o meu. — Talvez só sinta
sua falta.

— Quando está chovendo?

Ele move a mão hesitante pelo meu braço. — Por mais que
eu ame o som da chuva, as nuvens cinzentas e o arco-íris, as
tempestades me limitam. Não suporto o trovão, o relâmpago e todo
o vento. É quando mais preciso de você. Você é como o meu próprio

123
raio de sol. — Um sorriso fraco estampado em seus lábios. — Você
persegue a tempestade.

Eu olho em seus olhos e tenho meu primeiro vislumbre do


outro lado de Blue. Estou tão encantada com suas palavras líricas
e com o fato de ser considerada um raio de sol que não ouço o que
ele está dizendo.

— Então é melhor encontrar meu guarda-chuva. — Digo com


um sorriso. — E da próxima vez que chover, encontrarei você.

Sua resposta é um beijo que quase me derrete na porta do


carro.

— Venha. Vamos entrar.

A maneira como ele diz me faz pensar que, de alguma forma


entrou na casa abandonada, o sigo pela calçada, passa pela
passagem que leva à porta da frente e me leva para o quintal. Segura
minha mão enquanto caminhamos pelas ervas molhadas em direção
ao galpão. Um brilho laranja escuro ilumina a pequena janela e
suponho que deve ser sua lanterna lá dentro. A porta do galpão está
aberta e Bolota fareja quando ouve nossa aproximação.

— Oi, garotão. — Digo quando entramos e Bolota


imediatamente começa a abanar o rabo e pular em suas patas
traseiras.

— Acho que ele gosta daqui. — Evan diz.

Estou perto da porta e olho ao redor do pequeno e escuro


espaço. Tenho medo, de me mover e me depararar com uma teia de
aranha. Há um saco de dormir no chão, sob a janela, o prato de
Bolota do outro lado da sala ao lado do estojo do violão de Evan.

124
— Podemos nos sentar no saco de dormir. — Ele move a
lanterna do meio do chão para um dos cantos. — Podemos nos
sentar nestas velhas cadeiras de jardim que encontrei também. Só
preciso limpá-las.

— Hum... — Mordo meu lábio inferior e tento lutar contra


todas as fobias que estão me envolvendo.

— O que houve?

A respiração que eu estava segurando desaparece dos meus


pulmões. — É um pouco assustador.

— Assustador como? Está com medo?

— Aranhas, principalmente. E morcegos.

— A única coisa aqui que pode machucá-la sou eu.

Um arrepio percorre minha espinha. — Você o faria? — Eu


sussurro. — Machucar-me?

Ele me apoia contra a parede coberta de teias de aranha e


coloca os braços em ambos os lados da minha cabeça, me
prendendo.

— Eu não quero, mas o farei. E você permitirá. — Ele roça


seus lábios nos meus. — E se você se apaixonar por mim destruirá
a nós dois.

Meu coração bate tão forte que tenho certeza de que ele pode
senti-lo em seu peito.

Forço a minha próxima pergunta. — Você acha que estou me


apaixonando por você?

— Por que mais você estaria aqui?

125
Estremeço quando ele agarra minha cintura e pressiona seu
corpo no meu. Quero negar sua acusação, seus lábios nos meus
impedem que as mentiras saiam da minha boca. Estou presa como
uma borboleta, aberta sem meios de se esconder, vulnerável ao seu
escrutínio físico e emocional.

— Sei que você me quer Piper. — Ele escorrega uma das mãos
suavemente ao longo da curva do meu quadril, em seguida, para
baixo sobre o bolso de trás do meu jeans. Apalpa minha bunda com
sua mão e aperta com força – como se estivesse reivindicando uma
propriedade. — Também sei que está se apaixonando por mim.

— Blue... — Digo o nome dele como se o que ele está dizendo


não fosse verdade.

— Não se preocupe bebê. Acho que estou me apaixonando


por você também.

Ele me levanta do chão em um único movimento que parece


sem esforço. Envolvo minhas pernas em sua cintura e meus braços
em seu pescoço, o seguro enquanto me carrega para o outro lado da
sala, soltando meu aperto sobre ele apenas quando me abaixa no
saco de dormir fino.

— E... — Seus olhos escurecem por um momento me


enchendo com aquele lampejo de preocupação de que ele tem um
pé pronto para correr se eu me aproximar muito. Ele está com medo.
Talvez tanto quanto eu. — ... está me apavorando.

Ele fica entre minhas pernas entreabertas e leva sua boca


até a minha, me beijando daquela forma louca e desesperada, como
se houvesse algo dentro de mim do qual necessita e não pode
encontrar.
126
Quando não posso mais respirar, me afasto. Seu longo cabelo
cai no meu rosto enquanto olho em seus olhos. O saco de dormir
fino não oferece proteção contra o piso de madeira e desloco um
pouco para baixo e reúno meus pensamentos.

— Podemos ficar com medo juntos. — Sussurro, tentando


convencer a nós dois que tudo ficará bem. Embora, honestamente,
não tenha certeza de que qualquer coisa possa extinguir o medo que
seus olhos transmitem.

Ele balança a cabeça, seus olhos fixos nos meus e


lentamente esfrega o polegar no meu lábio inferior. O tremor de sua
mão é como um tornado ao redor do meu coração, que aperta e
explode em milhões de pequenos pedaços doloridos com amor e
proteção sobre ele.

— Você já se apaixonou antes? — Pergunto baixinho. Ela o


machucou? Ela foi a razão pela qual ele deixou sua casa? Ela o
expulsou?

Ele leva alguns minutos para responder e os usa para tirar


lentamente minhas roupas e eu para esperar que sua resposta seja
não.

Ele move um dedo do meu estômago para meus seios e meus


mamilos endurecem com as cócegas leves do toque.

— Sim. — Ele finalmente responde, gentilmente segurando


meus seios, pressionando a palma da mão contra as pontas
sensíveis. — Estive desesperadamente apaixonado.

O ciúme se arrasta como um monstro, me distraindo da


deliciosa sensação de suas mãos quentes em meu corpo. — O que
aconteceu com ela?
127
Ele se inclina e circula meu peito com a língua, passando o
piercing sobre meu mamilo dolorido. O toque frio se espalha pela
minha pele.

— Não era uma mulher. Estive apaixonado pelas drogas.

A resposta é surpreendente, embora igualmente


devastadora.

Ele beija uma trilha ao longo da minha garganta, sua língua


me provocando enquanto apalpa meu seio. — E agora estou
apaixonado por música e a liberdade. E por uma garota meiga e sexy
com um nome estranho.

Ele me mostra seu sorriso irresistível e torto. Sinto-me


imediatamente grata por suas mãos trêmulas terem parado e, no
lugar da tristeza em seus olhos, agora vejo diversão. Sorrindo, toco
a pena pendurada em sua orelha.

— Fale-me sobre esta pena. Algo tão único deve ter uma
história, certo?

— Sim.

Ele se senta e recosta na parede, coloco minha cabeça em


seu colo enquanto acende um cigarro. Bolota se enrola no saco de
dormir ao lado e descansa o queixo em um velho pinguim de pelúcia.
Eu gostaria de saber qual é o passado de Bolota e se ele dorme sobre
o brinquedo porque tem medo de que alguém o tire ou por conforto.
Provavelmente ambos.

— Eu tenho uma tia que resgata pássaros. — Explica Evan.


— Ela deve ter pelo menos cem aves de várias espécies diferentes.
Tem três que têm mais de cinquenta anos.

128
— Uau! Eu não sabia que um pássaro poderia viver tanto
tempo.

Ele balança a cabeça e respira fundo. — Alguns vivem. Eles


geralmente sobrevivem aos seus donos. Foi assim que ela os
conseguiu. Os parentes do falecido não os queriam.

— É tão triste.

— Sim. Minha tia mora em uma casa antiga com uma


enorme varanda e os pássaros estão por toda parte. É barulhento
para caralho também. Alguns piam, algumas gorjeiam e cantam,
alguns apenas gritam, mas ela os ama. Quando era mais novo,
costumava visitá-la e a ajudava a cuidar deles. Todas as noites,
subia pela janela do quarto para o telhado, fumava para tentar
apagar o barulho dos pássaros na minha cabeça. Às vezes ela ia
comigo e nós olhávamos para as estrelas e esperávamos os pássaros
dormirem.

— Vocês dois eram muito próximos?

— Sim. Ela é a irmã da minha mãe e eu era mais próximo


dela do que da minha mãe. Quando ela estava por perto. — Ele
passa a mão pelo cabelo, afastando-o do rosto. — Ela tinha esse
pequeno pássaro azul legal. Eu não tenho certeza de que tipo era,
era muito menor que um gaio azul. Costumava pousar no meu
ombro e mastigar meu cabelo, voava direto para mim assim que me
via. Foi meu favorito por anos e, quando ele morreu, ela me fez o
brinco com algumas de suas penas. Disse que me protegeria e me
traria paz. — Ele bate o cigarro. — Ainda estou esperando pela parte
da paz.

— Parece que o pássaro realmente gostava de você.


129
Ele encolhe os ombros. — Acho que gostava do meu cabelo e
queria fazer algum tipo de ninho épico.

Eu rio. — Você quer saber o que é engraçado? No primeiro


dia em que o vi, um pássaro azul voou para minha cabeça bem na
frente do meu escritório. Me assustou muito.

— Você está de brincadeira? Um pássaro bateu em sua


cabeça?

— Sim. Coisas estranhas sempre acontecem comigo, sou


uma azarada, parece que as atraio. É embaraçoso.

— Ei. — Ele beija minha testa. —Você não é uma azarada. É


fofa. E autêntica.

— Autêntica? — Questiono.

— Sim. Você é você. Segue seu coração, mesmo que a leve a


uma pessoa fodida como eu. Não finge ser alguém que não é.
Embora seja meio desajeitada, ainda é a garota mais bonita que já
conheci. Por dentro e por fora.

— Eu?

Ele solta uma risada profunda. — Você repete tudo o que eu


digo.

— Sinto muito. Você acabou de dizer coisas que ninguém


nunca me disse.

— Posso até ser o primeiro a dizê-las, mas não serei o último.


Confie em mim.

Não quero acreditar nele. Quero que ele seja o único homem
a dizer palavras que fazem meu coração acelerar.

130
Ele se vira e lentamente fica sobre mim como um grande gato
selvagem, me empurrando de costas enquanto se move. Ele me
observa com uma careta estranha no rosto e passa a mão pelo meu
corpo, depois novamente até o quadril.

— Não pense no amanhã, Piper. Posso ver em seus olhos só


a deixará maluca.

Já estou louca, no entanto. Louca por ele e por deixá-lo me


foder ali sobre um saco de dormir velho e mofado, ao lado de seu
cachorro e um pinguim de pelúcia sem um olho, num galpão de
ferramentas que cheira a gasolina e fertilizante.

A coisa boa a respeito de ser louca é que a loucura pode,


lentamente, se tornar normal antes mesmo que você perceba.

131
Capítulo 8
Piper

Havia uma mensagem da Dra. Green na minha secretária


eletrônica, me pedindo que ligasse de volta assim que possível. Ela
a deixou três dias atrás, não fazia ideia de que aquele pequeno sinal
vermelho piscando indicava uma mensagem importante. Presumi
que as quatro mensagens eram todas de Ditra e me recusei a ouvi-
las, pois sabia que ela não estava mais de brincadeira sobre eu não
ter contado todos os detalhes da minha vida atual, ela entrou na
fase preocupada e exigente.

Dentro de alguns dias, ligarei para Ditra e compartilharei


tudo com ela. Primeiro preciso ligar para a Dra. Green e descobrir
quais os resultados dos meus exames.

Mesmo que não tenha um colega de trabalho próximo da


minha mesa, espero até que todos saiam para o almoço antes de
ligar para o consultório médico.

— Oi, é Piper Karel. Estou retornando à ligação da Dra.


Green, — digo à recepcionista.

— Um momento, por favor. Vou transferir.

132
Minha palma está suando no telefone enquanto ouço a
música que deveria ser calmante, não é. A única música que me
acalma é a de Blue.

Tenho certeza de que a médica me dará as piores notícias da


minha vida assim que o tempo de espera terminar. É claro que, se
ela tivesse boas notícias, deixaria uma simples mensagem na minha
secretária eletrônica informando que estava tudo normal. Não
estaria me torturando me fazendo ligar de volta.

Finalmente, a música de espera é cortada.

— Piper, é a Dra. Green. Como você está?

— Estou bem. — Respondo, imaginando se ela esperava que


eu estivesse me sentindo mal, febril e com coceira. Ou talvez
sofrendo de enjoo matinal.

— Ótimo. Queria dizer que todos os resultados dos seus


exames deram negativo.

Minha boca se abre de surpresa e bato no botão de volume


na base do telefone da mesa para ter certeza de que estou ouvindo
corretamente. — Você tem certeza?

— Sim. Alguma coisa está acontecendo para fazer você


questionar os resultados?

— Não… de jeito nenhum. Apenas preocupação normal.

— Eu sei, por isso que queria falar com você pessoalmente,


para deixá-la mais tranquila.

— Obrigada por sua atenção.

— Como discutimos durante sua consulta, se vai ser


sexualmente ativa com um parceiro com quem não está se sentindo
133
muito segura, sugiro que use preservativos junto com a pílula
anticoncepcional. Eu gostaria de vê-la dentro de três meses para um
check-up e para fazer os exames novamente.

Mais exames. Significa que algo ainda pode estar dormente


dentro de mim, esperando para brotar no momento mais
inoportuno?

Engolindo em seco, giro meu olhar para ter certeza de que


ainda estou sozinha. — Você acredita que é necessário?

— Considerando-se o me informou durante sua consulta,


sim, realmente acredito. A escolha é sua, claro.

Suas palavras revelam uma imagem muito mais bonita do


que realmente aconteceu durante a minha consulta. A revelação dos
resultados seria eu tendo um colapso histérico e soluçante, minha
bunda em uma mesa de exame forrada de papel. A Dra. Green e sua
enfermeira foram incrivelmente compreensivas e reconfortantes
durante o exame enquanto eu tagarelava, em lágrimas, sobre Evan,
a ponte, a curvatura e o seu pau sendo chupado. Elas me ouviram
com sorrisos solidários e sem julgamento. A enfermeira segurou
minha mão enquanto eu me abria, a médica arranhava e cutucava,
depois me deu um copo com água gelada e uma caixa de lenços.
Quando finalmente me acalmei o suficiente para me vestir, recebi
um pequeno saco plástico cheio de amostras de preservativos e
panfletos sobre sexo seguro.

— Bem, sim, conversei com meu namorado e ele não teve


tantas parceiras quanto eu pensava.

A palavra namorado soa estranha na minha língua, como se


eu estivesse falando outro idioma ou mentindo.
134
— É algo bom de ouvir. No entanto, ainda recomendo
praticar sexo seguro em todos os momentos e um check-up daqui a
três meses. Você pode ligar para agendar. Se tiver alguma dúvida,
por favor, não hesite em me ligar ou marcar uma consulta, tudo
bem?

— Sim.

O alívio que me domina quando desligo o telefone, é tão


grande que sinto tonturas e enjoo. Pego minha garrafa de água e
tomo alguns goles entre respirações profundas.

— Aconteceu alguma coisa? — Melissa pergunta, aparecendo


de repente e jogando uma pilha de pastas de arquivo na minha
mesa. — São da Anne da contabilidade.

— Estou bem.

— Parece estranha.

Ignorando-a, puxo os arquivos para mais perto, para poder


começar a organizá-los por prioridade. Melissa não me ajuda, no
entanto, continua me encarando até que olho de volta para ela
interrogativamente.

— Você sabe o que é estranho, Piper? Eu poderia jurar que a


vi na outra noite, transando com aquele cara sem-teto hippie que
está sempre andando pelo centro, implorando por dinheiro.

Meu queixo se contrai quando estreito meus olhos para a


garota que gosta de me irritar. Eu sabia que algum dia aconteceria.
Evan e eu não fomos sempre discretos sobre demonstrações
públicas de afeto.

— Você não tem trabalho a fazer, Melissa?

135
— Você não vai negar?

É quando realmente sou atingida como uma parede de


tijolos. Estou apaixonada por Evan e não quero esconder ou negar.
Recuso-me a viver uma mentira ou encobrir meus sentimentos por
ele, apenas para satisfazer outras pessoas ou para evitar ser julgada
por elas.

O amor não é ditado pelo que uma pessoa faz, pelo trabalho
dela ou onde mora.

— Por que deveria negar? Ele é doce, incrivelmente talentoso


e gostoso.

— Ele é sem-teto, Piper. Você está falando sério?

— Estou. — Admito casualmente. — A propósito, como está


seu noivo? Ele ainda está desempregado?

Melissa faz uma cara de nojo e temo que ela vá até minha
mesa e me mate no local.

— Você é uma puta. — Ela resmunga. — Não me admira que


consiga apenas um sem-teto como namorado. Ninguém mais iria
querê-la.

Eu me sinto culpada quando se afasta na direção do seu


cubículo com lágrimas nos olhos, ela me instigou. Dizer palavras
ofensivas a alguém não é algo que eu goste, porém como minha mãe
está sempre me dizendo, às vezes preciso reagir para que as pessoas
não montem em mim. Não é minha culpa que Melissa seja uma
vadia rude que sempre faz de tudo para eu me sentir mal, então...
talvez ela mereça um noivo desempregado.

136
Blue normalmente ouve meu carro parar na frente da casa
abandonada toda noite e espera por mim na porta do galpão, no
entanto hoje, quando chego lá, não está parado na porta. Está
sentado no chão com seu violão, cercado por um caderno e pedaços
de papel. Está tão concentrado em rabiscar loucamente com um
lápis preto que sequer olha para mim.

— Blue? — Chamo baixinho.

Sem me reconhecer, passa a mão na testa e toca algumas


notas, depois balança a cabeça, recomeça, balança a cabeça
novamente, toca algumas notas e depois bate a mão no corpo do
violão.

— Porra! — Ele grita, pegando o maço de cigarros. Olho para


Bolota, que está enrolado na cama para cachorro de lã que comprei
para ele no início da semana. Ele ficou tão feliz que abanou o rabo
e girou em círculos por cerca de quinze minutos, antes de se
aconchegar na cama com seu pinguim querido.

— Evan. — Dou alguns passos para mais perto dele. — Você


está bem?

Ele dá uma tragada profunda no cigarro e sopra a fumaça


acima de sua cabeça. Seus olhos estão selvagens, injetados de
sangue com a exaustão, sua expressão torturada. O lindo sorriso
que eu amo não está em lugar nenhum.

— Eu pareço bem? — Pega uma garrafa de vodca ao lado dele


que de alguma forma não vi até agora e toma um gole antes de

137
colocá-la de volta e pegar o lápis para escrever mais sobre o papel
rasgado.

Meu coração afunda como uma rocha de duas toneladas no


meu peito. — Você está bebendo?

Eu me ajoelho na frente dele e toco sua mão, ele a puxa para


longe como se o queimasse.

— Estou tentando escrever e não consigo entender. Está tudo


uma bagunça. — Com os olhos passando pela página, ele balança a
cabeça frustrado, amassando o papel e o jogando a alguns metros
de distância com os outros.

— Tudo bem — digo baixinho. — Talvez só precise fazer uma


pausa por alguns minutos.

Seu lábio se contrai de raiva. — Eu não preciso de uma


pausa. Preciso fazer a música corretamente.

— Parece bom, pelo que ouvi. — Digo e é a verdade. Não ouvi


nada de errado com a parte que estava tocando. Me pareceu tão
incrível quanto todas suas outras músicas.

A careta que ele faz é de total descrença e repulsa. — Não me


acalme. Você é surda? Está uma merda. Está fazendo meus
malditos ouvidos sangrarem.

Quero lhe dizer como ele está errado, obviamente está muito
longe com seus pensamentos para ouvir qualquer tipo de lógica,
razão ou opinião honesta. Não entendo por que essa música em
particular o deixa tão estressado. Não acho que alguém espere que
soe de uma maneira específica.

138
Minha preocupação por ele aumenta quando pressiona os
dedos em suas têmporas, fecha os lindos olhos, então dedilha belas
notas em sintonia com o aceno de cabeça, depois murmura algo
para si mesmo, que não consigo entender. Suspirando, rabisca um
pouco mais em seu papel e repete o processo de novo.

Ele afunda lentamente enquanto o assisto. Espera que seja


de certa maneira. Deve estar sofrendo com uma visão de perfeição
artística que impôs a si mesmo.

Quando vai para a vodca novamente, estendo a mão e tomo


a garrafa, antes de chegar aos seus lábios.

— Evan... você não deveria beber. Falou que teve problemas


com álcool no passado.

Ele olha para mim, os olhos cintilando com chamas de raiva


e desafio. — Falei muitas coisas. — Ele puxa a garrafa da minha
mão e o líquido se espalha por dentro. — Não venha com o papo de
AA pra cima de mim Piper. Deixe-me em paz ou simplesmente dê o
fora. Por favor.

O tom venenoso e as palavras desagradáveis cortam o sorriso


reconfortante que forcei em meu rosto, aos poucos me levanto,
esperando com todo meu coração que um pedido de desculpas
afaste rapidamente a dor.

— Tudo bem. — Minha voz treme com o início das lágrimas


quando me deparo com um silêncio ensurdecedor. — Vou embora.

Mordendo o polegar, espero que ele olhe para mim e me peça


para não ir, me coloque no saco de dormir e me beije, porém ele está
completamente absorto na música, nas notas ou letras que esteja
lutando.
139
— Você está usando drogas?

Os músculos de seu queixo flexionam e sua língua percorre


seus lábios enquanto levanta a cabeça para me olhar. —Não, não
estou. Obrigado pelo voto de confiança.

— Evan, não foi o quê...

— Pensei que estivesse saindo. — Ele volta sua atenção para


o papel, deixando seus sentimentos muito claros.

Pego minha bolsa pendurada em um dos ganchos, deixando


a sacola de salgadinhos para ele e Bolota sobre a caixa de madeira
que usamos como mesa. Ainda estou esperando que ele me pare
quando passo pela porta, estou em lágrimas e respirando fundo
quando entro no meu carro. Passo a mão pelos olhos, olho pelo
retrovisor, a rua continua escura e vazia.

Assim como os olhos de Evan esta noite.

Eu me remexo a noite toda, irritada comigo mesma por não


tentar conversar com ele. Deveria ter lidado melhor com seu mau
humor, com mais apoio e menos julgamento. E agora não posso ligar
e nem ele para falarmos a respeito, nem simplesmente dirigir de
volta para lá no meio da noite.

Olhando para o ventilador de teto girando e girando, parecido


com o carrossel da minha mente, me pergunto se ele ainda está
agonizando com a música. Se está bêbado. Ou se gostaria de estar
drogado.

Talvez tenha se arrependido de não me impedir de sair de lá


tanto quanto eu gostaria de não ter saído.

140
O constrangimento daquela noite e a incapacidade não
convencional de procurá-lo para descobrir se está bem e se estamos
bem, me impede de voltar a vê-lo por vários dias. Não tenho ideia do
tipo de humor que ele poderia estar ou se quer me ver novamente.

No terceiro dia, provavelmente daria um rim para encontrar


um bilhete no meu carro, encontro algo ainda melhor – ele. No início,
penso estar alucinando ao atravessar o estacionamento do escritório
em direção ao meu carro. Pisco com a visão dele encostado no capô,
vestindo um suéter preto e uma jaqueta de couro que nunca vi
antes. O cabelo longo bate em seu rosto pela brisa de outono e faz
com que ele pareça um modelo na capa de uma revista de rock,
exalando confiança e sensualidade. Quando seu rosto se ilumina
com um sorriso, todas as minhas dúvidas desaparecem e sei que
estamos bem. E que ele está bem também.

— Sinto muito pela outra noite. — Diz quando estou perto o


suficiente para me puxar em seus braços. — Tive um dia ruim.

— Eu também sinto muito.

— Você tem planos? — Pergunta.

— Não.

— Eu tenho. — Ele me lança um sorriso arrogante e pega as


chaves do meu carro da minha mão.

— Acho que você irá dirigir, então? — Provoco, ficando na


ponta dos pés para beijar sua bochecha.

141
Ele bate na minha bunda de brincadeira. — Entre.

Estou animada quando ele desce a Main Street, para longe


da cidade e vira em uma das minhas estradas favoritas, que abriga
antigas fazendas onde ainda criam cavalos, vacas e galinhas. Muitos
têm estandes de produtos da fazenda montados ao lado da estrada.

— Venha até aqui e me beije. — Com apenas algumas


palavras, ele deixa meu coração acelerado e meu humor melhor.

Sorrindo, me viro no assento e rapidamente pressiono meus


lábios nos dele. Antes que possa me inclinar para trás, ele toca
minha perna logo abaixo da barra da saia.

— Você está usando um batom novo.

Eu amo que ele perceba pequenas coisas como esta.

— Chama framboesa deslumbrante. Comprei principalmente


pelo nome, agora gosto da cor.

O calo em seu dedo engancha na minha meia preta enquanto


coloca a mão mais dentro da minha saia.

— Eu quero seus lábios em mim. — Ele me olha, em seguida,


de volta para estrada. — Quero que você me chupe.

— Agora?

Eu o olho em estado de choque quando ele desabotoa sua


calça jeans, em seguida, desce o zíper, usando o joelho para manter
o carro em linha reta na estrada. Meus olhos absorvem a
protuberância espessa lutando contra sua cueca boxer preta
desbotada.

— Não é perigoso? — Pergunto quando viro meu corpo para


ele.
142
— A menos que uma vaca pule na nossa frente ou você me
morda, ficaremos bem, bebê. — Ele segura minha coxa e me puxa
para mais perto. — Chupe linda.

Jogando a cautela pela janela, desço seu jeans e boxer


apenas o suficiente para segurar seu pau duro e curvar minha
cabeça entre ele e o volante. No momento em que o levo a minha
boca, ele geme e escorrega a mão livre até a minha saia. Depois que
rasga minha meia fina, a explosão de ar frio entre minhas pernas é
rapidamente seguida pelo calor de sua mão enquanto ele move seus
dedos entre meus lábios.

Eu o chupo mais forte quando ele empurra um dedo dentro


de mim e espero que não se distraia e nos coloque em perigo. Não
quero ser encontrada morta com a cabeça cravada no volante e um
pau na minha boca. Meus pais ficariam horrorizados. Enquanto
Ditra ficaria impressionada.

Seu pau fica mais duro e mais quente, pulsando em minha


língua, o movimento de seus quadris em direção ao meu rosto envia
ondas de excitação erótica pelo meu corpo. Nada me excita mais do
que seus gemidos e suspiros, sua conversa suja e a maneira como
reage ao meu toque. Quando envolvo meus lábios com mais força
ao redor de seu pau, ele empurra dois dedos em mim e esfrega o
polegar em meu clitóris, tocando-o com a pressão perfeita. Levo
meus lábios e língua até a ponta do seu pau. Ele solta o volante para
agarrar meu cabelo e me empurra de volta me segurando lá com seu
pau batendo em minha garganta, liberando jatos de gozo quente.

Ainda segurando meu cabelo, levanta minha cabeça e me


beija antes de me deixar desmoronar no banco do passageiro. Ainda

143
estou tentando recuperar o fôlego ao tirar meus sapatos e me livrar
da meia arruinada. Então puxo minha saia e tento me recompor.

— Eu não sei como te amar, Piper. — Ele diz asperamente.


— Só sei que te amo um pouco mais a cada dia.

Eu me viro para olhá-lo com lágrimas nos meus olhos, suas


palavras são repletas de tanta tristeza e arrependimento que meu
coração dói.

— O amor não segue regras, Blue. A forma como você me


ama é perfeita. E eu te amo também. É tudo que importa.

O som de sua língua perfurada em seus dentes é sua única


resposta e tudo bem. Nosso amor pode ser inesperado e falho, mas
é nosso. É tudo que importa.

O que eu sinto tira o ar dos meus pulmões. Nós quase não


conversamos no caminho de volta para cidade, além de decidir sobre
o que pegar no drive-thru.

Ele insistiu que eu entrasse no galpão primeiro, entrando


devagar e nervosamente atrás de mim.

Velas elétricas sem chama em tamanhos variados foram


colocadas ao redor do saco de dormir e algumas na pequena
prateleira de madeira pregada na parede. Até duas pequenas na
cama de Bolota. Um vaso de vidro no canto com seis rosas
vermelhas de seda. O minúsculo espaço brilhava em âmbar morno
e, se meus olhos não estivessem borrados, o espaço se assemelharia

144
a um aconchegante e rústico quarto de cabana nas montanhas. Sem
palavras, eu o olho. Ele me observa, admirando minha reação.

— Está lindo. — Afirmo melancolicamente.

Ele caminha na minha direção e pega minhas mãos nas


suas, abaixando-se para beijar o topo da minha cabeça. — Eu
queria ter lhe dado isso na primeira vez que você não teve. Algo
romântico para se lembrar.

Ignoro o fato de que ele precedeu seu gesto romântico,


pedindo-me para chupá-lo enquanto dirigia meu carro, um cigarro
pendurado na boca e um cachorro no banco de trás. É a intenção
que conta, certo?

— É tão meigo. — Eu digo. — Onde conseguiu tudo?

— Na loja de antiguidades. Não queria correr o risco de velas


caindo e queimando tudo. Não quero queimar o lugar.

Eu rio e concordo. — Gosto delas. Nós podemos mantê-las.

— Pensei que talvez você pudesse levar uma para casa e


colocá-la na sua cama. Então saberia que estou pensando em você.

Aperto minhas mãos ao redor da dele. — Adoraria.

Ele afasta os dedos dos meus e lentamente puxa minha blusa


sobre a cabeça, colocando-a no chão antes de circular minha
cintura com as mãos. — Você... — Diz ele, inclinando-se para beijar
meu pescoço. — Não sabe como me destruiu.

Meus olhos fecham e minha cabeça cai para trás em êxtase


quando ele chupa a carne do meu pescoço e morde suavemente.

— Você fodeu minha cabeça. Cada nota, cada palavra que


escrevo é assombrada por você... — Ele solta meu sutiã e segura
145
meus seios em suas mãos. — Tudo que posso ouvir é sua voz. Tudo
o que vejo são seus olhos. E tudo o que posso sentir é seu corpo...

Seus lábios saem do meu pescoço e descem pela minha boca,


forte no começo, então gradualmente mais suave. Posso dizer que
está lutando para ser lento e gentil, enquanto sua respiração se
torna irregular e profunda.

— Eu sinto muito. —Sussurro contra seus lábios.

— Não sinta. Eu preciso disso. Preciso de você.

Alimentada por suas palavras, empurro sua jaqueta de


couro. Ela cai com um baque no chão quando ele move os ombros.
O novo suéter preto de malha sai dele em seguida, passo as mãos
em seu peito tonificado, revelando a beleza de cada centímetro dele.
Ele me ajuda a sair de meus saltos altos e saia, lembro brevemente
da minha meia rasgada no chão do meu carro.

Ele nos apoia no saco de dormir enquanto nos beijamos.


Ajoelha na minha frente e meu corpo estremece quando beija um
ponto incrivelmente sensível atrás do meu joelho até a parte interna
da coxa. Seguro sua cabeça surpresa quando ele coloca minha
perna em seu ombro e começa a devorar minha boceta com seus
lábios e língua. Eu agarro seu longo cabelo enquanto ele me fode
com a boca e move o metal contra meu clitóris. Assim que estou à
beira do clímax, ele se afasta e me olha com um sorriso sensual.

— Você não pode gozar ainda. — Repreende com voz rouca.


— Quero que essa pequena boceta goze por todo o meu pau.

Quase tenho um orgasmo só de ouvi-lo falar sujo comigo e


seus olhos penetrantes não estão ajudando. Passo os dedos por seus
cabelos e aperto minha perna ao redor.
146
— Diga-me o que você quer Piper.

— Somente você. — Respondo, puxando-o para mais perto.


— De qualquer maneira que eu possa ter.

Beijos são espalhados em todo meu estômago e seios, me


excitando, meu corpo vibra de excitação, amor e sentimentos que
não tenho como descrever.

Gentilmente me empurra para baixo e depois se ajoelha entre


as minhas pernas, fixando seus olhos nos meus enquanto tira seu
jeans e botas. Ele se move devagar provocando deliberadamente – e
amo cada segundo. Tatuagens cobrem quase cada centímetro de seu
corpo sarado como um mapa de sonhos e visões que ganham vida.
Cabelos escuros caem em ondas sedosas por seu peito, sinto
vontade de passar meus dedos por eles e senti-los roçar minha pele.
Eu o alcanço avidamente enquanto ele apoia os braços no saco de
dormir em ambos os lados da minha cabeça, passo minhas mãos
por suas costas para depois apertar seu pescoço.

— Sempre parece que estou esmagando você. — Ele acaricia


minha bochecha.

— Você não me esmagará. Gosto quando fica em cima de


mim.

Respirando fundo, aproxima o rosto e beija a ponta do meu


nariz. — Gosto de ficar sobre você. E em você. Só não quero
machucá-la.

Sorrindo o envolvo com uma de minhas pernas esfregando


meu pé em sua perna.

— Você não está me machucando.

147
— Eu não quero dizer assim.

Um sentimento doloroso se espalha por meu peito, dando


uma chicotada emocional nos sentimentos de amor e desejo nos
quais me perdi apenas alguns segundos atrás.

Engulo em seco antes de responder. — Então, não. Parece


fácil para mim. Se não quer machucar alguém, então não permita
que aconteça.

— As coisas com você são tão fáceis e ao mesmo tempo tão


difíceis, Piper.

— Eu realmente não sei o que significa.

— Shh... não vamos conversar.

— Você me assusta às vezes. Sempre tenho medo de acordar


amanhã e descobrir que foi embora.

— Eu prometo dar a você o maior número de amanhãs


possíveis.

— Você promete? — Preciso ouvi-lo dizer novamente, porque


quero todos os amanhãs para sempre.

— Prometo. — Seus lábios tocam os meus e então ele beija


meu peito. — Abra suas pernas, bebê. — Diz quando chega ao meu
umbigo.

Abro minhas pernas o máximo que posso e ele abaixa a


cabeça entre as minhas coxas. O hálito quente e seus lábios
provocantes no beijo mais erótico que posso imaginar. Suspirando,
arqueio minhas costas enquanto sua língua lambe lentamente
minha fenda, da bunda para o clitóris e depois de volta. Ele agarra
minhas coxas para me abrir ainda mais, fazendo-me gemer e
148
agarrar punhados de seu cabelo enquanto me fode violentamente
com a língua. Quase perco a cabeça quando chupa meu clitóris
pulsante e o metal duro do piercing de sua língua aumenta a
sensação. Os tremores percorrem meu corpo, ele mantém minhas
pernas separadas, não permitindo que as aperte ao redor de sua
cabeça para reprimir minha necessidade.

— Blue…

Com a velocidade de um raio, ele se ergue e coloca seu pau


profundamente na minha boceta enquanto estou no meio do
orgasmo. Um grito me escapa, envolvo meus braços e pernas ao
redor de seu corpo suado, esfregando meus quadris contra os dele,
enquanto continuo tremendo. Sufocando-me com sua boca e língua
molhada e almiscarada, ele ignora todos meus suspiros e gemidos
enquanto me penetra lenta e profundamente.

Seguro o fôlego e cravo as unhas em suas costas, extasiada


com a sensação e tentando manter o controle sobre meu corpo.
Quando minha respiração se acalma, ele nos vira para o lado com o
pau ainda enterrado em mim e levanta minha perna sobre seu
quadril. Acaricia a parte de trás da minha coxa e aperta minha
bunda, me puxando para ele e se enterra mais ainda em mim.
Envolve as mãos no meu pescoço e leva meus lábios aos seus
novamente, nos beijamos sofregamente quando o êxtase começa a
crescer outra vez. O ângulo do seu pau nesta posição é incrível.
Enquanto nossos corpos batem um no outro, ele desce a mão entre
as bochechas da minha bunda para tocar a cavidade. Eu me
contorço de surpresa, ele me segura firmemente no lugar.

149
— Não se mova. — Sua voz profunda sussurra, lentamente
move o dedo em mim, esticando a carne apertada.

Acalmando-me com os lábios começa a estocar seu dedo e


seu pau em mim simultaneamente. A mistura de sensações é
intoxicante, erótica e deixa todo meu corpo em frenesi, ansiando por
mais, apesar da leve dor. Quando gemo com uma mistura de
frustração e prazer, ele rosna em resposta e afunda mais e mais
rápido, levando-nos ao orgasmo. Eu vejo quando ele goza e fico
presa na maneira como seus olhos se fecham e os lábios carnudos
se separam enquanto geme e seu cabelo selvagem gruda em sua
testa. Ele é gostoso e nunca conheci um homem mais empolgante.

Ou comovente.

Eu costumava estar na cama às onze nos finais de semana.


Às vezes, meia-noite, se Courtney e eu assistíssemos a um filme
juntas ou se estivesse lendo um livro realmente bom e continuava
lendo apenas mais um capítulo. Desde que comecei a me encontrar
com Blue, fico com ele até que mal consigo ficar acordada, depois
volto para casa, às duas ou três da madrugada.

São duas e quarenta e cinco, quando silenciosamente vou


para o meu quarto depois de passar a noite com Blue fazendo sexo
romântico pela primeira vez. Duvido que a maioria das primeiras
experiências sexuais inclua um dedo em um buraco e um pau no
outro, porém tudo com Blue é único e fora do comum, uma das
coisas que realmente amo nele.

150
— Onde você esteve? — Eu pulo e faço um louco estilo ninja
agitando os braços, largando minha bolsa e minha vela sem chama
no processo. Acerto o interruptor de luz no escuro e vejo Ditra
deitada na minha cama.

— O que você está fazendo aqui? — Pergunto. — Você me


assustou, porra. E como entrou?

— Courtney me deixou entrar. Horas atrás, eu poderia


acrescentar. — Ela se senta e me observa. — Parece que você acabou
de ter seu cérebro fodido.

Sentada na beira da cama, faço uma careta para ela e tiro


meus sapatos. — Como você sabe? E não estou dizendo que sim.
Apenas quero saber que tipo de evidência me denunciou?

— Bem, batom manchado, número um. Lábios vermelhos e


inchados. Cabelo bagunçado. Olhos cansados de tanto orgasmo.

— Olhos cansados de orgasmo? — Repito, rindo. — Que


merda é esta?

— É como as pessoas parecem quando estão simplesmente


chapadas de orgasmos.

Eu jogo um travesseiro para ela. — Você é louca sabia?

— Talvez. Estou certa, não estou?

Com um suspiro, me levanto e rapidamente visto uma calça


de yoga e uma camiseta desbotada.

— Bem. Sim. Nós fizemos sexo. Está feliz agora?

— Eu sabia. Conheço você, Piper.

151
Empilho alguns travesseiros na cabeceira da cama e me
sento ao lado dela. Gostaria de dizer que estou surpresa que ela
tenha me acuado, mas não estou. É exatamente o tipo de amiga que
Ditra é. Algumas vezes é bom outras é chato para caramba.

— Você está me evitando há semanas. Lembra-se do nosso


jantar semanal? Quando foi a última vez que aconteceu?

— Sinto muito... tenho andado distraída.

— Merda nenhuma. Entendo como é emocionante se


apaixonar, só estou preocupada com você. Nunca me cortou de sua
vida antes.

— Não cortei você. — Protesto, odiando que ela se sinta


assim. — Precisava organizar minhas ideias antes de falar, é tudo.

— Deixei cerca de cem mensagens.

— Eu sei.

— Não vou embora até que me diga o que está acontecendo.


Dormirei aqui se for preciso. Alimentei seu gato e limpei sua caixa
de areia, então não pense que pode usá-lo como desculpa para evitar
falar comigo.

Balançando a cabeça para ela, percebo que nem sei o que


dizer. Sei que o que a garota tonta quer que eu conte como
costumávamos fazer quando tínhamos dezesseis anos. Quer que
revele todos os detalhes sobre Evan e o que fazemos juntos. E de
muitas maneiras, quero, estou feliz e empolgada e quero contar a
ela o quanto ele é incrível. Só não posso fazer sem contar sobre
algumas de minhas preocupações e medos, exatamente as coisas

152
que ela irá analisar e vai querer que eu faça o mesmo. Não estou
pronta para analisar. Também existe o modo de vida de Evan.

— Piper? Fale comigo. Você está mordendo o lábio como um


cachorro raivoso. Significa que está confusa.

— Não estou confusa... ok, talvez esteja um pouco.

— Você pode falar comigo. Sou sua melhor amiga. Sei que
sou uma chata, mas eu te amo. Você sabe disso, certo?

Sorrio para ela. — Claro que sim. E te amo também.

Ela sai da cama. — Vou fazer um chá para nós. Quando eu


voltar conversaremos, ok? E você me contará tudo.

— Certo. Enquanto você faz o chá, vou tomar um banho.

Felizmente, ela não faz nenhum comentário sobre eu querer


me limpar e dez minutos depois, estamos de volta ao meu quarto.
Archie anda de um lado para o outro na cama e coloca o rabo na
nossa cara.

— É aquele cara que estava no bar? Qual era o nome dele?


Red? Blue?

Sorrio para ela enquanto tomo um pouco do chá quente e


doce. — Blue. Seu nome verdadeiro é Evan.

— Estou surpresa. Ele não é o tipo de cara que você costuma


sair. Não me entenda mal, é muito diferente. Quer dizer... aqueles
olhos, o cabelo, as tatuagens. Puta merda.

— Confie em mim. Eu sei.

— Onde se conheceram?

153
— No parque, perto do escritório. Eu vou lá todos os dias
durante a minha pausa do almoço para ler.

— Oh. Ele trabalha lá perto também?

— Você poderia dizer que sim.

— Ele é músico em tempo integral?

— Sim, de certa forma.

Suas sobrancelhas arqueiam. — Por que está sendo tão


vaga? Ele é algum tipo de estrela pornô? Porque se for, estou triste
com isso. Eles fazem uma tonelada de dinheiro.

— Ditra! Ele não é uma estrela pornô. Jesus! Toca guitarra


no parque.

— Como em um concerto?

— Sim, mais ou menos assim.

Ela franze a testa com confusão. — Todo dia?

Finalmente cedo. — Ele é um músico de rua.

Ela olha para mim com expectativa, esperando por mais


explicação e, quando não dou, vejo a compreensão em seu rosto.

— Ele toca no parque por dinheiro — diz.

Eu concordo.

— Então as pessoas dão gorjetas enquanto o ouvem. Ele não


recebe salário.

— Certo.

— Então não tem um emprego de verdade.

154
Balanço minha cabeça e coloco minha xícara de chá vazia na
mesa de cabeceira. — Não. Na verdade, não.

— Você está dando dinheiro a ele?

— Deus, não. Nada assim.

— Ele não está vivendo num carro, está?

Ela deve me notar estremecendo, porque seu rosto e ombros


caem enquanto ela olha para mim.

— Diga-me que ele não está, Piper. — Ela implora.

— Ele sequer tem um carro. — Eu finalmente digo. — Ele é


sem-teto. — Consegui dizer. Agora ela sabe. — Eu sei o que você vai
dizer. Mas eu o amo. Sinceramente e realmente o amo. Ele me faz
feliz e me faz sentir bonita, é inteligente, engraçado e muito
talentoso. Não me importo com onde ele mora ou não mora. Não
importa para mim.

Por um momento, ela parece em choque. Fica sentada


olhando para mim, sem nem piscar, com a boca parcialmente
aberta. Depois balança a cabeça um pouco e passa a mão pelos
cabelos. — Porra. Sinceramente nem sei o que dizer.

— Então não diga nada.

— Vocês dois... seus pais sabem?

— Está de brincadeira? Claro que não. Sabe como eles são.


Eles me trancariam e nunca me deixariam sair.

— Verdade. É apenas que... você é tão linda. É inteligente,


gentil e tem um bom emprego. Não precisa se contentar com alguém
assim...

155
— Contentar? — A raiva me invade. — Eu quero estar com
ele.

— Não estou tentando irritá-la. Estou simplesmente


tentando entender. Me pegou de surpresa, ok? Não era o que
esperava.

— Não quero mais falar sobre o assunto. Estou cansada.

— Você não se livrará de mim tão facilmente. Estamos


falando, goste você ou não.

— Você nunca entenderá.

— Talvez não, estou tentando. Onde exatamente ele mora?

Deixando escapar uma respiração profunda e frustrada,


puxo meus joelhos até o peito e envolvo meus braços em minhas
pernas. — Quando o conheci, ele estava dormindo debaixo de uma
velha ponte no parque. Anda por aí tocando durante o dia, em
algumas noites, toca em bares por dinheiro, como a noite em que o
encontramos. Atualmente está dormindo em um galpão no quintal
de uma velha casa abandonada. Fica em uma rua sem saída.
Ninguém mora lá. É seguro.

— Um galpão? Onde vocês se encontram? Onde estão


transando? Você está pagando por quartos de hotel desprezíveis?
Poderia pegar pulgas, Piper. Percevejos. Tem problemas enormes de
transtorno obsessivo-compulsivo e germes e está frequentando
hotéis baratos?

— Não. Nós ficamos no galpão. Ele tem um saco de dormir.


Não está realmente sujo. Ele limpou.

156
— Você está fodendo em um galpão? — Ela praticamente
grita.

— Pare com isso! — Eu resmungo. — Primeiro de tudo, não


estamos transando. Nós nos amamos. Você está fazendo parecer
sujo e não é.

— Bem, parece desprezível. Você não pode pelo menos trazê-


lo aqui?

— Não. Meus pais estariam por toda parte e fariam mil


perguntas. Além do mais ele tem um cachorro. E não posso trazer
um cachorro aqui, Archie não aceitaria.

— O cachorro dorme no galpão também?

— Sim. Ele é um cachorro muito legal. É calmo, bem-


comportado e sempre limpo. Ambos são.

— Piper, sinceramente nem sei o que dizer. É muito pior do


que eu pensava.

— Por quê? Por que é pior? Ele é um cara legal. Não é tudo o
que importa?

— Não, não é! Você tem apenas vinte e um anos! Deveria ter


encontros e fazer sexo em uma cama de verdade no apartamento de
um cara. Não na merda de uma rua sem saída! Eu me importo com
você, sua idiota. Nem mesmo eu não faria algo tão maluco e sou a
louca aqui!

— Você não é louca. Apenas aventureira.

Recostando-se nos travesseiros ela cobre o rosto com as


mãos. — Você me fará chorar. Viu o que fez? Vê o bem em todos.

— Por que seria algo ruim?


157
— Não é. É maravilhoso. Por isso você é a melhor amiga do
mundo e é provavelmente é motivo desse sem-teto Blue amá-la
tanto. — Ela se curva para me observar. — Ele ama você, certo?

— Tenho certeza que sim.

— Só não quero que seja usada. Não o está bancando, certo?

— Não. Às vezes pago pelas coisas, ele também. Incomoda-o


quando tento pagar.

— Bom. Deixe-o pagar se puder.

— Não conte a ninguém sobre nós, Dee. Contarei para minha


família quando estiver pronta.

— Não contarei, prometo. Quem acreditaria em mim? Você


continuará encontrando-o? É sério?

— Sim, continuarei vendo-o. — Archie decidiu se deitar entre


nós. — Realmente não sei o que o futuro nos reserva, é o que me
assusta.

— O que você quer dizer?

— Ele não fica muito tempo num lugar. Vai de um lugar para
outro, fica apenas alguns meses antes de seguir para o próximo
lugar que deseja conhecer.

— Acha que ele não ficará agora que está envolvido com você?

— Eu não sei. Sempre que insinuo meu desejo que fique,


parece realmente nervoso e vago. Creio que tem medo de
compromisso. Não compromisso sexual, compromisso com planos e
futuro.

— Como um emprego, uma casa e ser um adulto?

158
— Exatamente. Ele parece querer apenas viajar e tocar
violão.

— Oh meu Deus. Isso tem desgosto, anos de trauma


emocional e terapia por toda parte. Você ficará bem? Apaixonando-
se por ele e depois sendo descartada para que possa continuar
andando por aí?

— Não... sentirei falta dele como louca se for embora. Ficarei


arrasada.

— Ok, se ele a ama, por que não procura um emprego? Vocês


poderão alugar um apartamento e não ficar em um galpão
abandonado. — Ela solta uma risada. — Sexo em um galpão! — Ela
repete, rindo.

Olho para ela e luto contra as lágrimas de frustração


queimando meus olhos. — Não é engraçado. Conversarei com ele
sobre um apartamento e verei o que acontece. Falta pouco para
juntar dinheiro suficiente para um depósito e mobília, tenho
economizado para emergências. Preciso de mais um mês ou dois.

— E se ele disser não? O que você fará?

— Não sei. Não consigo pensar tão longe. — Se deixar meu


cérebro vagar tão longe serei bombardeada com milhares de
hipóteses com as quais simplesmente não consigo lidar no
momento.

— Bem, você pode precisar. E ele poderia ficar comigo por


um tempo, até que resolvam tudo. Tenho aquele quarto vazio no
meu apartamento que estou usando como closet, pode ser um loft
para ele comparado a dormir num galpão. E se disser que ele é

159
confiável, não me importo, então você terá um lugar seguro para se
encontrarem. Também pode vir se quiser. Não me importo.

— É muito fofo de sua parte, porém duvido que ele aceite. Eu


poderia perguntar, no entanto.

— Eu definitivamente tentaria falar com ele. Não estou muito


interessada em um estranho sem-teto morando no meu
apartamento, por outro lado não gosto dessa merda de galpão. Você
é muito melhor que isso. Na verdade, não gosto nem um pouco para
ser honesta, estou tentando lidar, porque posso ver como você o
ama.

— Eu o amo, Dee. Acredito que ele é minha alma gêmea. —


Digo suavemente. — Simplesmente senti uma... conexão com ele,
quando o vi. E tenho certeza que ele também sentiu.

— Realmente não acredito nessa merda. Acredito em


química, coisas em comum e ótimo sexo.

— Porque você nunca sentiu algo assim.

Ela encolhe os ombros. — Talvez, porém você não pode


simplesmente mergulhar de cabeça nesta relação e deixá-lo assumir
sua vida. Espero voltarmos aos nossos jantares de quarta-feira. Ele
não morrerá sem você por uma noite. — Ela puxa o edredom e afofa
um dos travesseiros em que está deitada. — Não sei sobre você, eu
estou exausta. E dormirei aqui.

Adormeço imaginando como Evan reagirá à sugestão de


morar comigo, seja com Ditra ou num apartamento nosso e sonho
conosco morando em uma casa amarela fofa com venezianas
brancas e uma cerca com Bolota e seu pinguim na varanda.

160
Capítulo 9
Piper

Não estou preparada para esta reunião hoje. Na verdade, não


é realmente uma reunião e sim minha revisão anual de
desempenho. Todo ano, perto do final do quarto trimestre, tenho
que suportar a incômoda análise das minhas habilidades,
progresso, atitude, status de membro de equipe, crescimento e
conclusão da meta. A parte mais difícil é ter que preencher a parte
de autoanálise da papelada que precisa do parecer do meu gerente
e dos recursos humanos. Não é todo mundo que fala sobre si mesmo
e sobre suas realizações na esperança de receber um aumento.
Ninguém preenche o formulário detalhando o quanto o sugaram nos
últimos doze meses.

Eu seria honesta e admitiria meu desempenho menos do que


estelar, no entanto. Isto é, se tivesse me lembrado de preencher o
formulário. Provavelmente teria descrito meu declínio no
desempenho ao longo das últimas semanas.

Em vez disso estou ouvindo da minha chefe.

— Você completou todas suas metas anuais e, até


recentemente, seu desempenho foi excelente. Tenho notado, no
entanto que, ao longo das últimas semanas, você parece muito
161
distraída. Chegou atrasada do almoço muitas vezes, de repente ficou
doente vários dias num curto espaço de tempo e, algumas vezes a
vi olhando para o espaço. A qualidade do seu trabalho não está
sendo prejudicada, mas estou preocupada. Se estiver passando por
algo, precisando mudar suas horas ou de uma folga, ficarei mais do
que feliz em discutir o assunto com o RH.

— Oh, não, não será necessário. Peço desculpas por tudo.


Prometo melhorar. Tive algumas coisas pessoais ultimamente e
sinto muito por me deixar afetar.

— Está entediada? Está na mesma posição há vários anos e


acho que está precisando revitalizar. Acredito que seu potencial não
está sendo totalmente aproveitado em sua posição atual.

Espero que Ditra nunca tenha que participar de uma dessas


reuniões, as palavras desempenho e posição a deixariam toda
risonha com insinuações.

— Eu não diria que estou entediada. — Estou, no entanto,


agora que penso nisso. Atender telefones, lançar informações e
arquivamento não é exatamente emocionante.

— No início do ano, teremos uma vaga para Assistente de


marketing. Você seria ótima nesse departamento, se estiver
interessada.

Minha atenção é instantaneamente despertada. — Sim.


Tenho muito interesse.

Ela empurra o formulário de autoavaliação sobre a mesa da


sala de conferências em minha direção. — Excelente. Vamos nos
encontrar novamente no final de janeiro para discutir o assunto.
Nesse meio tempo, gostaria que você preenchesse o formulário e o
162
enviasse para mim até o final da semana, somente para colocar no
seu arquivo. Exigência do RH.

— Certo. Obrigada por ser tão compreensiva. Estou ansiosa


para ouvir sobre a nova vaga.

Ela guarda os papeis em sua pasta de papel pardo. — Por


enquanto, você receberá um aumento de dez por cento e um bônus
de fim de ano de dois mil dólares.

Dois mil dólares!

— É muito generoso. Não posso agradecer o suficiente.

Balançando a cabeça, ela tira os óculos do rosto e os coloca


na cabeça. — Há algo sobre o qual gostaria de falar com você, fora
dos registros, por assim dizer.

— Ok...

— Tenho uma filha da sua idade e você me faz lembrar muito


dela. Trabalha para mim desde que estava na escola. Eu a vi crescer
e se tornar uma mulher bonita, inteligente. Recentemente, ouvi um
boato no escritório que está envolvida com um homem de meios...
muito limitados e com um estilo de vida inapropriado. Devo admitir
que estou preocupada. É muito fácil ser sugada para uma situação
ou uma relação doentia que não é o melhor para nós. Peço desculpas
se estou ultrapassando alguns limites. Só quero que tenha cuidado,
espero que não seja o motivo para seu recente problema de
frequência e questões de foco.

Fico um pouco surpresa. Não ofendida, porque sei que Olivia


tem boas intenções. Apenas não sei bem como responder. Não

163
negarei que estou saindo com Blue. E me sinto furiosa, sei que o
boato partiu de Melissa e sua boca fofoqueira.

— Agradeço sua preocupação, Olivia. E sim, estou saindo


com um homem que escolheu viver de forma diferente da maioria
das pessoas, porém ele é bom e carinhoso. Não estou em perigo.

— Muito bom. Não vou me intrometer mais, saiba que a


minha porta sempre estará aberta se precisar conversar.

— Obrigada. — Pego meu formulário e caminho para a mesa,


em seguida, vou até o banheiro feminino retocar a maquiagem e ter
um momento para organizar meus pensamentos. E quem eu
encontro na frente das pias e espelhos? Nada menos que Melissa.
Sem qualquer pensamento ou controle a empurro e ela tropeça de
volta para o secador de mãos elétrico.

— Que porra está errada com você? — Ela pergunta.

— Mantenha seu nariz fora da minha vida pessoal.

— Não sei do que está falando.

— Guarde suas mentiras. Sei que você contou a Olivia sobre


quem estou namorando.

— Bem, se tiver que continuar cobrindo você toda vez que


chegar atrasada por estar cuidando de sem tetos, então é assunto
meu. Estou preocupada com sua higiene. Nós não precisamos de
você espalhando chatos pelos banheiros.

— Cuide de seus próprios assuntos.

Ela zomba da minha pequena estatura de um metro e meio.


— O que você fará a respeito, Piper?

164
Aplico meu gloss devagar olhando para seu reflexo no
espelho. — Oh, eu não sei. — Respondo casualmente. — Não seria
uma pena se algo acontecesse com seu BMW no estacionamento?
Especialmente com homens sem-teto degenerados andando por aí.
Ouvi dizer que gostam de pintar, cortar freios e pneus apenas por
diversão. Eu tomaria cuidado se fosse você.

Ela olha para mim, os olhos ardendo de fúria e ódio. — Você


é uma vadia louca.

Dou de ombros displicentemente e lavo as mãos enquanto


ela praticamente corre para fora do banheiro, sorrio para mim
mesma no espelho com satisfação. Estou cansada de permitir que
ela me intimide, é bom finalmente revidar dando-lhe um gostinho
de seu próprio veneno.

Estou tentando não tremer enquanto me aconchego no


canto, sentada num velho travesseiro. Bolota está enrolado no meu
colo, acaricio suas orelhas macias e focinho enquanto assisto Blue
escrevendo num papel, tocando versos na guitarra, repetindo o
processo várias vezes. Ele está em um de seus humores estranhos
hoje, felizmente apenas fuma um cigarro e não está bebendo. Estou
olhando-o por horas, sendo discretamente solidária ali no canto.
Horas atrás, tomamos chocolate quente que comprei na Dunkin's
Donuts, o que somente me aqueceu por alguns minutos.

— Blue? Estou ficando cansada. Acho que devo ir.

165
Ele levanta a cabeça e me olha com uma expressão vazia,
como se não tivesse ideia de que ainda estava lá.

— Você está bem? — Pergunto.

— Sim, estou bem. Um pouco cansado. São tantas palavras


na minha cabeça, elas sobem e descem, me espreitam, não posso
descansar até colocá-las em ordem. Você não consegue ver?

Suavemente tirando Bolota do meu colo, vou até ele. — Você


não precisa fazer tudo esta noite. — Digo com um sorriso suave. —
Se descansar um pouco, sua cabeça provavelmente ficará mais
clara, poderá classificar melhor as palavras e as notas.

Seus olhos se movem para frente e para trás, entre mim e os


pedaços de papel ao seu redor. — Eu não sei... — Ele passa a mão
pelo cabelo longo e emaranhado — Realmente deveria fazer agora.

Cuidadosamente pego o violão de suas mãos e o coloco de


lado. Um lampejo de pânico brilha em seus olhos, eu me inclino e o
beijo, na esperança de distraí-lo.

— Você realmente deveria ficar comigo agora. — Sussurro


sedutoramente, segurando seu rosto.

Prendendo o fôlego, ele segura minha nuca e me puxa para


um faminto e exigente beijo. Sua língua toca a minha e sua
respiração fica mais pesada quando acaricio seu pau através do
jeans com a minha mão livre.

— Tire o casaco. — Ele ordena enquanto rapidamente puxa


sua grossa camiseta sobre a cabeça.

Funcionou. Eu liguei o interruptor.

166
Forçando-me a ignorar o frio, tiro todas as minhas roupas e
me ajoelho na frente dele, arrepios percorrendo minha pele. Seus
olhos me percorrem, ele cobre meus seios com as mãos, esfregando
as palmas nos mamilos que já estão duros pelo ataque do ar frio.

— Você é tão bonita, Joaninha. — Ele sussurra, enterrando


seu rosto no meu decote e passando a língua pela curva do meu
peito. Envolvo sua cabeça com meus braços e o abraço enquanto ele
deixa beijos e mordidas de amor em meu peito e pescoço. — Deite-
se e me diga para foder você. — Sua voz rouca exala poder sexual e
faz meu interior agitar.

Puxando o edredom de lado, deito-me de costas sobre o


colchão dobrando um braço sob a cabeça e movendo minha outra
mão lentamente entre minhas pernas semiabertas enquanto ele me
observa hipnotizado pelo show particular, a música e as palavras
vagando através de seu cérebro ficando esquecidas.

Por agora.

— Quero que você me foda. — Sussurro.

Ficando de pé, seus olhos se fixam em minha mão enquanto


chuta as botas e tira o restante de suas roupas.

— Lamba seus dedos. — Diz ajoelhando-se entre minhas


pernas. Seus olhos em azul real escuro brilham enquanto levo
minha mão aos meus lábios para lamber o dedo indicador antes de
chupá-lo.

Um sorriso sexy curva seus lábios, seu membro se estica e


ele agarra meus tornozelos, levantando minhas pernas até que as
panturrilhas estejam pressionando seu peito sólido.

167
Meu pulso acelera quando toca minha cintura e puxa meu
corpo afundando seu pau em mim com delicadeza orientada. O
impulso repentino me faz gritar, o que apenas o incentiva a se mover
mais e mais rápido. Ele é um homem selvagem, me fodendo
profunda e furiosamente com meus tornozelos em seus ombros.

Uma leve camada de suor brilha em seu corpo e seu cabelo


se agita ao redor da cabeça como uma cabeça de metal batendo em
conjunto. Ele está perdido novamente, desta vez nas profundezas
do meu corpo, em vez de cordas, páginas, notas e palavras. Ele se
inclina sobre mim, dobrando minhas pernas com ele até minhas
coxas ficarem pressionadas em meus seios reivindicando minha
boca com a dele. Cravando minhas unhas em suas costas enquanto
me penetra, me deixo perder o controle, não me importando com o
frio ou meu estômago roncando, nem o vento uivando lá fora. Nada
é mais importante para mim do que fazê-lo feliz e dar o que precisa
para aliviar sua autotortura e trazer-lhe paz. Posso ser qualquer
coisa para ele, a droga, a amante, melhor amiga. Estou convencida
de que também posso ser a paz que está faltando, assim como ele é
a minha.

Poucos minutos depois que caímos juntos no colchão, ambos


exaustos, suados e ofegantes, ele está dormindo. Depois de puxar
delicadamente o cobertor sobre os ombros, cautelosamente
desembaraço meu corpo do dele e sento-me observando o quarto
escuro em busca de minhas roupas. Pedaços de papel estão por toda
parte, pego os que estão mais próximos de mim e organizo-os em
uma pilha limpa no caso de ele procurá-los amanhã. Quando coloco
a pilha de papel de lado, não posso deixar de notar que a folha de

168
cima está cheia de nada além de rabiscos aleatórios. As palavras e
notas musicais que assumi que estava escrevendo não existem.

Seu braço serpenteia instantaneamente ao meu redor, me


distraindo do papel que deixo cair quando ele me puxa de volta para
o lado, moldando seu corpo contra o meu.

— Fique. — Ele murmura. — Odeio quando você sai no meio


da noite.

Eu odeio, também, mas nunca conseguiria passar a noite no


galpão. Tenho medo de ser surpreendida pela polícia e presa por
invasão. E tenho mais medo das aranhas que podem estar
esperando que eu durma para que possam sair e fazer qualquer
coisa assustadora que as aranhas fazem. Sei que terei que fazer xixi
no meio da noite. E então, novamente, na parte da manhã quando
acordar. Perambular pelo quintal e de cócoras entre as ervas
daninhas e árvores é uma porcaria.

Esta é a primeira vez que ele me pede para ficar, embora, eu


almeje que seja um sinal de que esteja ficando mais ligado a mim e
não vai querer me deixar ir. Tecnicamente, não há nenhuma razão
para não passar a noite. Não tenho que estar no trabalho amanhã e
sei que Archie tem comida e água suficiente até que volte para casa.
Com certeza, minha mãe se preocupará se perceber que não dormi
em casa, sou adulta e posso ficar fora toda a noite se quiser, ela
gostando ou não. Fazia parte do acordo quando me mudei, eles me
permitiriam ser independente e não se intrometeriam demais.

Recostando-me nos braços de Blue, puxo o cobertor sobre


nós antes de todo o calor do sexo escapar.

169
— Eu te amo como se não houvesse amanhã. Nunca se
esqueça. — Ele fala com o queixo no meu ombro. Meu coração incha
no peito como todas as vezes que ele diz essas palavras especiais.
Segurando seu braço com mais força no peito, digo de volta, mesmo
sabendo que já está dormindo. Infelizmente, o sono não vem tão fácil
para mim como para ele. O medo de insetos me impede de relaxar o
suficiente para fechar os olhos.

— Bolota. — Sussurro e ele levanta a cabeça de sua cama de


lã no canto olhando para mim interrogativamente. — Venha aqui,
filhote. — Eu bato na cama ao meu lado e quando ele corre feliz,
levanto o cobertor para ele rastejar para debaixo. Ele lambe minha
mão antes de se acomodar e ficar confortável. Suspirando, me sinto
quente e protegida, aconchegada entre Blue e o cão peludo pelo qual
também me apaixonei.

170
Capítulo 10
Piper

Pela primeira vez desde que nos conhecemos, vamos jantar


em um restaurante local, enquanto Bolota espera no banco de trás
do meu carro com um cobertor e um osso especial que comprei para
ele. Não consigo descrever como é bom estar em público, num
encontro real com o homem por quem estou apaixonada.

Música natalina está tocando ao fundo e me sinto festiva com


meu suéter branco felpudo, luvas e chapéu combinando que
coloquei na cadeira do meu lado. Continuo olhando para Blue,
enquanto leio o cardápio, ele parece incrivelmente lindo esta noite.
Seu cabelo recém-lavado está todo fofo e ondulado. O cheiro sutil
da colônia que lhe dei há algumas semanas enche meus pulmões
como gotas de sândalo e baunilha. E nem me pergunte como um
homem pode parecer tão gostoso em um suéter preto, ele
certamente parece. O tecido de malha acentua seus ombros largos
e peito, fazendo-o parecer muito fofinho e sexy.

Eu temia que Blue parecesse fora de lugar ou agisse


estranhamente num restaurante, estava errada. Ele está
completamente relaxado e natural, exalando sua habitual confiança
magnética. Observo várias das garçonetes olhando-o quando

171
passam, refreio meu ciúme. Ele nunca flerta e nunca o peguei
verificando outras mulheres. Nem uma única vez. Seus olhos estão
sempre em mim, realmente são uma janela para seus pensamentos,
revelando seus bons e maus humores, bem como suas emoções
mais profundas. Não há como questionar seu amor por mim, é
completamente visível na maneira como me olha. Não é algo que
pode ser fingido ou forçado. Sequer as centelhas de necessidade e
desejo que muitas vezes vejo quando o pego me olhando.

O jantar foi ideia dele, motivado pelo dinheiro extra que


ganhou esta semana depois de tocar em alguns bares. Eu me sinto
mal em deixá-lo gastar comigo, por outro lado sei que preciso deixá-
lo pagar e cuidar de mim de vez em quando, para que não sinta que
está se aproveitando.

— O que servem de bom aqui? — Ele pergunta.

— Hmm… eles fazem um bom hambúrguer. E as batatas


fritas com queijo são incríveis.

Seu rosto se ilumina. — Porra, sim. É o que vamos pedir.

— E eles têm Cherry Cokes6 com xarope de cereja de verdade.

— Pediremos também.

Depois que a garçonete pega o nosso pedido, coloca as mãos


na mesa e segura a minha. — Fico feliz por termos vindo. Sinto
muito que não seja um lugar melhor. Um dia vou levá-la a um
restaurante cinco estrelas, bebê.

— Não seja bobo. Está perfeito. Jamais poderemos pedir


Cherry Coke e batatas fritas com queijo num restaurante chique.

6
Coca-cola com sabor de cereja.
172
Ele mostra seu sorriso de menino. — Você provavelmente
está certa. Tenho mais alguns shows para este mês. O cara que
geralmente toca guitarra na banda vai se casar e terá duas semanas
de lua de mel, vou cobri-lo.

Eu assinto enquanto a garçonete coloca nossas bebidas na


mesa, imediatamente alcanço a minha, sendo a viciada em açúcar
que sou. — Que bom.

— Pelo menos terei algum dinheiro extra. Eles me


convenceram a cantar em alguns dos próximos shows. Eu sei o
quanto me ver cantar a excita, você poderia vir. Claro, se quiser.

— Você está de brincadeira? Eu adoraria. Bolota deve ficar


bem no carro por algumas horas enquanto eu estiver dentro.
Poderia checá-lo de vez em quando.

Esta é a terceira vez que deixamos Bolota no meu carro. Duas


para que pudéssemos entrar em uma loja e outra em que
praticamente arrastei Blue para cuidados urgentes quando teve
uma tosse terrível. Bolota se comportou bem e não tentou sair do
carro ou latir.

— Gosto quando você me ouve.

— Eu adoraria estar presente todas as vezes que cantar.


Sabe que não me canso. — Eu brinco.

— Confie em mim, querida. Eu sei.

A garçonete retorna e coloca nossa comida na mesa e,


quando ela sai, respiro fundo para me preparar para a pergunta o
que estou prestes a fazer a Blue.

173
— Na próxima semana será o natal, todo ano eu uso esta
semana para o meu período de férias já que nunca tiro férias de
verdade.

— Você deveria ir a algum lugar. Como a Disney ou Aruba.


Tenho certeza que Ditra adoraria ir com você.

Pego uma batata frita com o garfo e balanço a cabeça


frustrada que a conversa já tenha ido na direção errada.

— Eu realmente não quero viajar agora, especialmente


durante o feriado. Gostaria de saber se quer vir para a véspera de
Natal. — Continuo falando, então ele ainda não pode dizer não,
mesmo que seu rosto pareça com o de um cervo cercado por faróis.
— Apenas minha família… meus pais, minha irmã mais nova,
minha irmã mais velha e seu noivo, provavelmente meus avós. Algo
casual. Minha mãe faz sopa e chilli caseiro, muita sobremesa e
abrimos alguns presentes...

Ele se mexe na cadeira e morde o piercing em sua língua. —


Não acho que seja uma boa ideia.

Mantenho o sorriso estampado no meu rosto. — Será legal.


Você não pode passar o Natal sozinho.

— Eu sempre passo. Não me importo. Tenho Bolota.

— Eu sei... mas realmente gostaria que você viesse. Quero


que conheça minha família e que eles o conheçam.

Mordendo o hambúrguer, ele balança a cabeça. — Não é uma


boa ideia. — Ele repete. — Que merda eu diria a eles quando me
perguntarem o que faço? É o que os pais fazem. Você quer que seus
pais saibam como eu vivo? Contou a eles?

174
— Bem, não. Ainda não. Pensei que se o conhecessem
primeiro seria mais fácil contar. Eles já gostariam de você e
provavelmente não os incomodará tanto. — Eu não acredito
totalmente, para ser honesta, só temos que começar por algum
lugar.

— Não.

— Podemos simplesmente evitar as perguntas por enquanto


e dar respostas vagas. Posso pedir a eles para não perguntar
coisas... dizer que você é uma pessoa muito reservada. Não há nada
de errado com isso.

— Não. — Ele repete.

— Pare de dizer não.

— Não.

— Blue, por favor, realmente significa muito para mim. Eu


quero que você seja uma parte real da minha vida.

Seus dentes travam e ele solta um suspiro de irritação clara.


— Pareço querer fazer parte da vida de alguém, Piper? — Ele
pergunta em voz baixa. — Eu não quero nem mesmo ser parte da
minha própria vida. E se quisesse me sentar com a família, curtir a
árvore de Natal e abrir presentes, não acha que eu voltaria para
casa? Não posso. Não com eles ou com você.

Recostando-me à cadeira de couro falso, olho para o meu


prato, com medo de olhar para ele, vou acabar chorando no meio do
restaurante. Nunca esperei que ele saltasse com entusiasmo, mas
definitivamente não esperava esta reação e que fosse tão fria.

175
Ele pega a minha mão novamente, a afasto e balanço a
cabeça quando o olho. — Piper, vamos lá. Esta noite deveria ser
legal. Não estrague tudo.

— Não percebi que estava arruinando a noite. — Respondo,


empurrando meu prato para longe de mim. O cheiro da pimenta de
repente me faz sentir náuseas.

— Saiu tudo errado. Não estou pronto para conhecer seus


pais. E se quiser vir, depois de sua festa com a família ou no dia de
Natal, seria ótimo.

Estou começando a me preocupar com a maneira como ele


diz vir. Como se o galpão fosse um lar permanente. Não me faz sentir
muito confiante para sugerir que fiquemos com Ditra ou tenhamos
um lugar próprio, ainda espero que possamos conversar sobre a
possibilidade.

Às vezes, porém, muita esperança nos leva a bater de cabeça


na inesperada parede de tijolos da realidade.

Espero até voltarmos ao galpão para abordar a ideia de Blue


sair das ruas. Ou do quintal, como é o caso atual. Ele imediatamente
acende um cigarro e começa a andar ao redor da pequena área,
como se eu tivesse pedido para ele fazer algo tão estranhamente
impossível que sequer pudesse compreender.

— Você precisa apenas relaxar. — Diz entre inaladas,


apertando a mão.

— Foi apenas uma sugestão... — Minha voz soa muito mais


calma do que me sinto por dentro. — Acabei de receber um grande
bônus de final de ano no trabalho. Estava economizando para um

176
apartamento antes mesmo de conhecê-lo. Qual é o grande problema
se você morar comigo? Não estou pedindo mais nada...

Ele se vira para me encarar. — Você não está? Olhe ao seu


redor, Piper. — Ele abre o braço em um gesto grandioso. — Veja em
que você está sentada. Um colchão de ar e um edredom de plumas.
Olhe para o cachorro. — Ele aponta para Bolota no canto. —
Dormindo em uma cama de cachorro com pratos de cerâmica ao
lado dele. Há uma cortina na maldita janela. Eu estou de pé em um
tapete de lã sob a cama, banheiro e além de fodido. Há um
minúsculo armário lá com uma planta em cima dele. Um aquecedor
a bateria que nos mantém aquecidos. O que vem depois? — Ele
praticamente grita. — Um frigobar e forno microondas?

Ok. Então, talvez eu lentamente tenha começado a tornar


este espaço um pouco mais confortável. Alguém poderia me culpar?
— Só queria que você tivesse algumas coisas legais. E Bolota ama
todas as coisas novas dele. Veja como está feliz. — O cachorro
balançou o rabo com tanta força quando comprei lhe pratos e
brinquedos que sua bunda se moveu por quase uma hora.

— Eu não quero coisas boas. Ou qualquer coisa. Por que não


consegue entender?

Eu baixo a cabeça com seus gritos e expressão maníaca. —


Eu não sei. Por que devemos nos sentar aqui, congelar e não ter
nada? Não entendo.

— Não. Você não entende. Pare de tentar. Pare de tentar me


consertar, me mudar, me salvar, ou qualquer outra coisa louca que
tenha na cabeça. Essas são as coisas que você quer, não eu. Eu falei

177
semanas atrás. Pegue o que vê ou vá embora. Não tente me comprar
cortinas e cobertores.

— Ok. Sinto muito.

— Eu não quero que você se desculpe Joaninha. Quero


apenas que aceite. Não vou morar em um apartamento com você e
conseguir um emprego, ter uma conta bancária, conhecer sua
família e construir sonhos juntos. Não vai acontecer.

Meu coração se agita com suas palavras. — Por quê?

Ele para de andar abruptamente olhando para mim com um


olhar de puro tormento. — Eu não sei.

Quando minhas irmãs e eu éramos jovens, meu pai nunca


nos permitia não sei como uma resposta para qualquer coisa. Ele
nos dizia que era inaceitável. Preguiçoso. Um estratagema para
esconder a verdade dos outros e às vezes, de nós mesmos. Meu
instinto inicial é dizer a Blue que ele precisa saber, o tom de remorso
em sua voz me diz que honestamente e sinceramente, não sabe. E
a pequena voz no meu íntimo me diz que deveria estar muito
preocupada, ignoro-a, pois a ignorância é o caminho para a
felicidade delirante.

— Então, quando eu tiver meu próprio apartamento, você e


Bolota ao menos irão me visitar? Não se mudar, ir à noite e nos fins
de semana, assistir TV comigo e me deixar preparar o jantar? Em
vez de ficarmos aqui?

— Eu não sei. — Diz ele novamente. — Acho que sim. Talvez.

Meu pai estaria tendo um ataque com estas respostas e estou


muito perto de um, reuni toda minha força interior e me impedir de

178
fazer uma birra com soluços ou exigir respostas reais, tenho certeza
que ele não tem qualquer coisa remotamente parecida com
respostas ou razões. Forçar-nos a encarar este fato não parece ser
uma boa ideia no momento. Não quando ele está de volta ao ritmo,
mordendo o interior de sua bochecha todo nervoso.

Troco de marcha como um motorista de carro de corrida da


Indy.

— Evan, venha se sentar comigo. Nós não temos que


conversar sobre o assunto agora. Podemos jogar cartas... podemos
nos abraçar e conversar sobre música e livros. — Nenhuma das
minhas sugestões parece ser atraente para ele, mesmo que sejam
suas coisas favoritas. — Nós podemos brincar. — Eu adiciono como
bônus em uma voz sedutora, é algo que ele sempre quer fazer.

— Eu preciso caminhar.

— Caminhar? — Repito olhando para o relógio. — São onze


horas.

— Não importa. Quero fazer uma caminhada.

Meus nervos se inflamam em pânico. Não pode ser bom. Ele


está recusando sexo para andar sem destino pela cidade. E se
continuar andando?

— Quer que eu vá com você?

— Não. Só preciso de alguns minutos sozinho.

Meu coração e minha esperança caem como uma pilha de


pedras diretamente no meu estômago.

— Oh. Ok.

179
Ele toca a porta, então se vira, os olhos mais suaves. — Você
pode ficar aqui com Bolota. Ele gostaria. E poderei vê-la quando
voltar.

— Você tem certeza? Estarei segura aqui sozinha?

— Sim. Ninguém vem para cá. E tem uma faca de caça


debaixo do colchão.

Uma faca?

Suponho que a faca esteja escondida no caso de precisar dela


para autodefesa, só não gostei de saber que está lá. Armas
escondidas aleatoriamente fazem eu me sentir um pouco nervosa.

Ele sai para sua caminhada sem me beijar ou dizer adeus, o


que é incomum. Blue é muito carinhoso fisicamente comigo. Quer
seja sensual, erótico ou meigo, geralmente me toca de alguma
forma, sempre me beija e diz adeus.

Eu tiro meus sapatos, sento-me na cama encostada num


monte de travesseiros – sim, eu os trouxe e puxo o edredom grosso
sobre mim. Bolota imediatamente fica de pé com seu pinguim. Estou
tentada a ir para casa, onde está quente levando o cachorro comigo,
porém temo que Blue fique ainda mais chateado do que já está, se
voltar e não nos encontrar. Não tenho certeza se chateado é a
palavra certa para descrever seu humor atual. Perturbado e ansioso
podem ser adjetivos melhores. Encurralado, também.

Gostaria de não ter mencionado o natal e o apartamento, pois


destruiu completamente nosso primeiro encontro. Se tivesse
mantido minha boca fechada, nós provavelmente estaríamos
fazendo sexo selvagem agora ou ele tocaria algumas músicas novas

180
para mim, não estaria sentada congelando enquanto ele está de
mau humor e caminhando sem destino.

Eu espero.

E espero.

Movo o aquecedor para mais perto da cama, me levanto e


faço polichinelos para me aquecer, então rastejo de volta para
debaixo do cobertor e convenço Bolota a se deitar comigo. Nós nos
juntamos, nos mantemos aquecidos. Estou consciente de cada
barulho lá fora: galhos de árvores, o vento, uma coruja, o rangido
das velhas paredes de madeira. Estou paralisada e ainda mais
assustada com a perspectiva de atravessar o pátio escuro para
chegar ao meu carro na rua, então abraço Bolota e tento calar tudo.

Eu amo Blue. Estou tentando o meu melhor para aceitá-lo


do jeito que é. Entendo seu espírito errante. Também estou com frio,
confusa e com medo, por mais que tente me convencer de que posso
amar Blue e dar a ele a liberdade que parece precisar
desesperadamente, pelo menos por enquanto, não posso negar que
meu coração anseia por mais. A triste realidade é que o estou
machucando ao querer mais, tanto quanto ele está me machucando
por não poder me dar mais.

Estamos presos... e não tenho ideia de para onde devemos ir


a partir daqui.

181
Capítulo 11
Piper

Eu tenho uma relação de amor e ódio com os feriados.


Especialmente natal. Amo a música, os filmes e as decorações. Amo
o espírito, a união de amigos e familiares. Adoro comprar e
embrulhar presentes. O que odeio é o estresse, a ganância e a
pressa.

Este ano particularmente, também odeio minha irmã mais


velha sentada no colo de seu noivo ao lado da lareira com seu farol
de noivado no dedo e uma pilha de presentes ao lado dela, que é
mais alta do que eu. Todos os presentes dele, embrulhados em
reveladores papéis claramente de lojas de luxo como Tiffany e
Nordstrom.

Sim, sou uma cadela invejosa e imatura por me sentir assim,


infelizmente é exatamente onde estou agora – odiando as pessoas
que têm o que eu desejo. E não quero dizer coisas materiais. Quero
dizer, ter aquela pessoa especial envolvida em todos os aspectos de
sua vida.

Eu bato na pulseira de miçangas, que Blue me deu faz


algumas semanas, que não tirei nem uma vez e que tem mais valor

182
para mim do que qualquer pulseira de diamantes. Porém ele não
está aqui e gostaria muito que estivesse.

Enquanto tomo um Eggnog7 no copo de vidro, tento imaginar


Blue comigo, sentado no sofá ao meu lado e abrindo presentes.
Posso facilmente imaginá-lo rindo e brincando com minha família,
até mesmo tocando músicas de feriado em seu violão. Meu avô
tocava banjo, posso imaginar ele e Blue conversando sobre música.
Minha avó tocaria o cabelo dele e diria que era injusto um homem
ter cabelos tão bonitos e ondulados.

Essa ilusão desaparece rapidamente, em seu lugar, vejo meu


pai enchendo Blue com perguntas sobre o que ele faz no trabalho,
quais seus planos para os próximos cinco anos e por que ele está
perdendo tempo tocando música quando é um sonho sem fim para
hippies. Ouço minhas irmãs rindo sobre quão bonito ele seria se
cortasse seu cabelo. Posso entender por que Blue não quer lidar com
nada disso.

Minha mãe se aproxima de onde me sentei na sala de jantar.


— Querida, por que está se escondendo aqui? Venha se sentar
conosco. Vovó não pode sequer ver você sentada assim tão longe.

— Eu não estou me escondendo, mãe. Não havia lugar para


sentar.

— Sempre há espaço. Não seja tão tímida, querida. Pensei


que seu namorado se juntaria a nós. Seu pai e eu estávamos
ansiosos para conhecê-lo. Você praticamente foi morar com ele e
ainda nem o conhecemos.

7
Eggnog/Gemadinha é uma bebida alcoólica, ou um coquetel de origem estadunidense servida na ceia
de natal, muito semelhante à gemada, mas pode conter álcool.
183
Meus dedos se apertam ao redor do copo. — Não fui morar
com ele.

— Piper, você quase nunca fica em casa. Aquele pobre gato


chora a noite toda por você.

Levanto minha cabeça para encará-la. Tenho certeza que ela


deve estar exagerando. — O quê? Ele não o faz.

— Sim, ele choraminga. Nós podemos ouvi-lo daqui de cima.


Eu desci para ver como estava e ele estava sentado na porta,
miando. O coitadinho sente sua falta.

Deus, agora me sinto terrível. Eu não imaginava que Archie


sentia minha falta quando não estava em casa. Ele normalmente me
ignora só se aproxima quando quer comida ou ter sua cabeça
acariciada por exatamente cinco minutos. Nem um pouco a menos
ou mais, senão morde ou arranha.

— Meu namorado não pôde vir. Eu irei vê-lo mais tarde,


depois de abrir os presentes.

— Você não irá a qualquer lugar hoje. Está nevando e eu não


quero me preocupar com você dirigindo na véspera de natal no gelo
e na neve. Sua avó ficará doente de preocupação também.

— Mãe...

— Sei que você é adulta, Piper, mas não é motivo para fazer
algo perigoso ou deixar sua família preocupada num feriado. E que
tipo de homem deixa uma mulher dirigir por aí a qualquer hora da
noite? Especialmente na neve.

184
Não estou com vontade de seguir por este caminho com ela
hoje. Já ouvi tudo isso muitas vezes nas últimas semanas. — Mãe,
podemos não discutir o assunto esta noite?

Seus lábios vermelhos brilhantes se fecham em um sorriso


fino. — Você está certa. É natal. Só me prometa que você não irá
sair. As estradas estão tão ruins que seus avós ficarão aqui. Não
olhou lá fora?

Eu estive muito ocupada sonhando acordada para pensar no


clima. Quando disse a Blue ontem que o veria hoje, não tinha ideia
de que nevaria. Droga. Não dirijo muito bem fico ainda pior no mau
tempo. Mesmo que minha mãe não estivesse me tratando como uma
adolescente, não gostaria de dirigir pela cidade com tempo tão ruim.

— Ok. — Eu cedo. — Ficarei em casa. Irei vê-lo amanhã.

— Bem, se é o que deseja. Prefiro muito mais que ele venha


jantar aqui, porém não vou discutir. Agora venha sentar-se na sala
de estar com o resto da família.

Eu tento aproveitar a noite e ser feliz, não estou me sentindo


assim este ano. Sinto falta de Blue e Bolota, meu coração dói para
estar com eles. Estou preocupada com o fato de Blue estar sozinho,
especialmente se estiver nevando e ele não puder andar para
conseguir o que precisa ou limpar sua mente.

Desde a noite no restaurante, seu humor sombrio se agarrou


a ele como uma mortalha. Houve alguns momentos fugazes em que
riu e sorriu, só me pareceu forçado. Está irritado e sombrio, muito
parecido com as tempestades que tanto ama e odeia, eu me
pergunto quando o arco-íris de luz e cor retornará.

185
Capítulo 12
Piper

Vinte centímetros não é brincadeira. É muito mais profundo


do que parece. Especialmente quando é uma rua sem saída.
Felizmente, não tenho que parar até o final da rua, quando meu
carro começa a escorregar e descer a colina, fico agradecida por não
haver nada em que possa bater.

Quando o carro para de escorregar, estaciono torto em frente


à velha casa esquecida, imaginando como chegarei ao quintal,
porque a entrada de automóveis não foi limpa e a passagem não foi
escavada. Como é uma casa abandonada e precisa continuar
abandonada, apesar de Blue estar praticamente morando na
propriedade, entendo que ele não possa escavar um caminho para
mim e, enquanto caminho pela neve, fico preocupada por deixar
tantas pegadas na propriedade. Quando estou andando pela lateral
da casa, Blue aparece.

— Pensei ter visto luzes de carros. — Diz abaixando-se para


um beijo. — Não sabia se você viria hoje já que não apareceu ontem.

— Estava nevando e minha mãe se irritou comigo dirigindo e


aborrecendo minha avó...

186
Seus lábios quentes estão nos meus novamente. — Não se
preocupe. — Diz ele com um sorriso. — Senti sua falta.

— Também senti sua falta.

— Pule nas minhas costas e a levarei o resto do caminho. A


neve está quase na cintura, baixinha.

Rindo, eu bato no braço dele. — Não está.

— Pule de qualquer maneira. — Ele se vira e eu pulo em suas


costas, pendurada em seus ombros e rindo enquanto ele se arrasta
e Bolota brinca ao nosso lado. Na porta do galpão, batemos nossos
pés para nos livrarmos da neve e depois fugimos para dentro.

— Uau. — Exclamo instantaneamente. Blue esteve


ocupado... reorganizando. Tudo está em um lugar diferente, como
se movesse todas as coisas da sala no sentido horário. A melhor
parte, a parte que faz meu coração pular na garganta e me dá uma
explosão de felicidade que quase choro, é a pequena árvore de Natal
falsa no canto, decorada com algumas mechas de lantejoulas
prateadas reluzentes. Um presente embrulhado está nas
proximidades. Blue está de pé no meio da sala, sorrindo de orelha a
orelha.

— Eu limpei um pouco e consertei a porta para que fechasse


melhor. E tenho uma árvore.

— É linda.

Seu sorriso, olhos brilhantes e animados são mudanças


drásticas desde a última vez que o vi, quando ele ainda estava triste,
deprimido, rabiscando e andando a noite toda. O mau humor durou
dias e estava começando a me preocupar se ele nunca se livraria

187
dele. Vê-lo relaxado e feliz novamente é o melhor presente do mundo
e tenho que jogar meus braços ao seu redor e abraçá-lo porque senti
muita falta desta versão. Seu abraço é forte e feroz o suficiente para
fazer minhas costelas doerem, me pergunto se ele sente falta de si
mesmo quando fica daquele jeito.

— Sei que tenho sido uma merda. — Ele sussurra em meu


cabelo.

— Está tudo bem. Todos nós temos dias ruins.

Nós lentamente nos soltamos e ele atravessa a sala para


pegar o presente debaixo da árvore. — É para você.

Eu mordo minha língua para me impedir de dizer: Você não


precisava me dar nada — porque eu sei o quanto fica incomodado
quando digo coisas desse tipo. Então tiro meu casaco e me sento na
cama para abrir o presente. Eu o desembrulho lentamente,
querendo saborear e me lembrar do momento com meu primeiro
presente de Natal vindo dele. Dentro da caixa de papelão, debaixo
do papel de seda branco amassado, há uma pequena caixa de
bugiganga de madeira com um pássaro azul pintado na frente.
Alguns pequenos arranhões danificam a superfície da madeira, não
me incomodo com eles. Minha respiração para um momento
enquanto uma onda de total adoração por ele me invade.

— É tão bonito.

— Abra. — Ele insiste.

Eu abro e começa a tocar uma melodia. Demoro alguns


segundos para perceber que não é uma melodia qualquer – é a
primeira música que ele cantou para mim naquele dia no parque.

188
Parece muito diferente saindo dessa caixa, embora definitivamente
seja Slayer of My Heart.

Eu fico boquiaberta. — Oh meu Deus... é a sua música?

— Sim.

Estou quase sem palavras com o choque de um presente


especial tão inesperado. — É incrível. — Finalmente digo, ainda
segurando delicadamente na minha mão. — Como você fez?

Ele se senta ao meu lado e o colchão de ar afunda


consideravelmente com seu peso. — Tem um velho do centro, que é
dono de uma loja de antiguidades. Às vezes eu toco na frente de sua
loja. Principalmente para ele, pois gosta de música. Comprei dele
que conhecia um cara que poderia tocar minha música.

Lágrimas estão nos meus olhos quando me viro para colocar


meus braços ao seu redor novamente. — Obrigada. Eu amei e amo
você.

— Escrevi a canção para você, então senti que deveria tê-la.

Uau. Uma canção sobre mim. E a letra... como era mesmo?


Minha mente corre através do tempo para lembrar, então ele me
puxa de volta com um toque de sua mão na minha coxa e seus lábios
queimando na minha bochecha.

Sua voz é baixa e rouca, cheia de desejo reprimido. — Tire


suas roupas.

— Espere... você tem que abrir seus presentes primeiro. —


Alcanço a bolsa que trouxe comigo e retiro três presentes – dois para
ele e um para Bolota, que começa a rasgá-lo assim que lhe dou.
Dentro de segundos, ele tem o osso recheado com manteiga de

189
amendoim em sua boca. Blue e eu rimos quando Bolota leva para a
cama e entra no modo de mastigação sério.

— Você apenas fez o seu ano.

— Bom. Agora abra seu.

Ele abre seu primeiro presente quase tão rápido quanto o


cachorro rasgou o dele e lentamente puxa um diário para fora do
saco do embrulho.

— Piper... — Ele passa as pontas dos dedos sobre a capa do


couro preto. — Isso é foda demais. — Ele se levanta para o nariz e
inala. — Sinto o cheiro de couro.

Eu sorrio para ele cheirando seu presente. — Eu também. E


é tão macio e liso.

— É tão suave. E você me deu uma caneta. — Ele gira a


caneta em seus dedos, como um baterista experiente gira suas
baquetas. — Nossa, é muito legal.

— Abra o próximo.

— Você não deveria ter me dado tanto, querida. — Ele diz


enquanto desembrulha seu segundo presente. — Eu me sinto mal,
tenho apenas um.

— Pare. Não é uma competição. O que você me deu não tem


preço. É sua canção. E o pássaro... eu sei o quanto significa para
você. Torna ainda mais especial para mim.

Ele balança a cabeça solenemente e cuidadosamente puxa o


colar de contas fora da caixa de veludo preta.

190
— É ônix e hematita. — Digo rapidamente esperando que o
jeito como está olhando não seja um sinal de que não gostou. — É
para a cura, sorte e proteção.

— Uau... eu não sei o que dizer. É tão meigo. E especial.


Como você. — Ele coloca o colar ao redor do pescoço e toca na frente
do peito. — Eu não mereço você.

— Claro que merece. Não seja bobo.

— Deveria estar com você ontem. Eu sei Piper. Sou um idiota,


só não sou um idiota estúpido.

— Blue, você não é qualquer tipo de idiota.

— Eu sou. E você me deixa ser um. É a primeira pessoa a me


fazer desejar não ser assim.

— Não é parte do amor? Amar alguém não importa o motivo?


Inspirando? Querendo ser pessoas melhores juntos?

— Para alguns. Você com certeza melhora a minha vida.

— Você torna a minha melhor também. Claro que queria que


estivesse lá ontem, tudo bem. Estamos juntos agora e estou feliz.

Ele coloca sua mochila para o lado, em seguida, me empurra


para baixo na cama, lentamente ficando sobre mim. — Eu mostrarei
quão feliz você me faz. — Diz ele com voz rouca e esfrega seu pau
duro em minha coxa. Beija minha boca tão profundamente que
perco o fôlego e a mente, caio em um estado sensual, entorpecido e
sonhador. Blue tem um jeito de me fazer sentir completamente
eufórica, flutuante e desconectada do resto do mundo.

Ficando de pé, ele se eleva acima de mim e tira a camiseta,


depois desabotoa a calça jeans e desce o zíper. Agarrando seu pau,
191
ele puxa para fora enquanto empurra suas roupas. Eu me deito e
olho para ele, admirando seu corpo magro e musculoso, as
tatuagens que o decoram. Ele é como um livro de colorir ambulante,
todas as linhas, imagens, tons de cinza e cores suaves. Mesmo na
sala fria, meu corpo aquece instantaneamente quando ele move sua
mão para cima e para baixo em seu pau. Alcançando-me, ele agarra
o tecido da frente do meu suéter e me coloca sentada, trazendo-me
ao nível do seu pau.

— Abra sua boca.

Eu obedeço, abrindo minha boca como um pássaro faminto


enquanto olho para o comprimento de seu corpo para encontrar seu
olhar ardente.

— Coloque as mãos atrás das costas. — Ele ordena. — Não


quero que você me toque.

Sua voz rouca queima através de mim como uma dose de


Bourbon.

Eu cruzo meus braços atrás das costas e ele coloca


lentamente a coroa de seu pau em meus lábios, umedecendo-os com
seu pré-sêmen salgado antes de encher minha boca com sua ereção
latejante. Abro mais e o deixo entrar e sair. Enquanto ele se move
mais rápido e mais profundamente, fecho meus lábios sobre sua
carne quente. Sei o que ele quer. Sei o que almeja. Ele não quer
explodir, quer foder minha boca como fode minha boceta.

Segurando minha cabeça em suas mãos com os dedos


enterrados no meu cabelo, ele estoca na parte de trás da minha
garganta até que suas bolas batem em meus lábios e queixo.
Respirando pelo nariz, pressiono minha língua contra ele e aperto
192
meus lábios ao redor. Os músculos do estômago e das coxas se
contraem e se flexionam, sua respiração fica mais intensa e
irregular. Ele está quase lá. Cada parte está focada em meus lábios,
minha boca, meus olhos. Seu controle sobre mim é uma ilusão,
porque o verdadeiro controle é todo meu. Gemendo suavemente,
esvazio as bochechas ao redor dele, giro minha língua sobre seu pau
depois jogo a cabeça para trás, quase o deixando escapar da minha
boca.

— Caralho... — Suas mãos apertam meu cabelo e ele puxa


de volta, afundando em minha boca quando goza, empurrando os
quadris, com gemidos profundos e rosnados que fazem minhas
entranhas tremerem. Chupando-o com mais força, ordenho cada
gota sua até que suas mãos estão frouxas na minha cabeça e ele se
afasta para cair de joelhos diante de mim.

— Você me mata, amor. Venha aqui. — Ele me puxa para


seus braços, beijando-me, mesmo que eu tenha acabado de tomar
seu gozo.

— Feliz Natal!

— Foi muito além feliz. — Puxando a minha camisa com uma


das mãos, ele tira meu sutiã com a outra, espalha beijos e marcas
aleatórias de mordida sobre a parte superior do meu corpo enquanto
tira o resto das minhas roupas.

Sem fôlego, nós caímos na cama juntos, puxando o cobertor


sobre nós e ele se move entre as minhas pernas abertas para me
lamber até que estou em um torpor multiorgástico, mal capaz de
formar pensamentos coerentes. Beijando-me suavemente, ele me

193
envolve em seus braços, canta para eu dormir e, quando penso que
não posso me apaixonar mais por ele, me apaixono.

Na minha semana de trabalho, passo o tempo procurando


apartamentos e saindo com Blue o máximo possível. E, se não está
muito frio para os dedos, ele ainda toca no parque na maioria das
tardes. Duas vezes ele tocou no bar esta semana, adorei ouvi-lo
cantar e tocar guitarra ao vivo, vê-lo se movimentar com tanta
confiança no palco. A julgar pela reação das outras pessoas no bar,
elas também o amaram.

Apesar da desaprovação crescente de minha mãe, passei a


noite com ele várias vezes esta semana, indo para casa apenas para
tomar banho, trocar de roupa e cuidar de Archie. Blue está de ótimo
humor, sinto como se estivéssemos em um bom lugar juntos.
Estamos avançando devagar e com segurança. Ele não aceitou meu
convite para me acompanhar nas visitas aos apartamentos, então o
deixei em paz para não que não ficasse de mau humor novamente.
Minha esperança é que uma vez me mude para o meu próprio lugar,
possa lentamente convencê-lo a fazer curtas visitas, o que
provavelmente o levará a concordar em se mudar. Certamente ele
prefere viver em um bom apartamento comigo do que no galpão.

Hoje, depois de muito debate interior, dei o salto e fiz um


depósito no apartamento que mais gostei. É meio que um duplex,
como se fossem duas pequenas casas juntas. Gosto mais assim do
que um prédio de apartamentos, parece mais uma casa. É perfeito,
com dois quartos, muitas janelas, uma pequena cozinha, ampla sala
194
de estar e banheiro. Como um bônus, é pet friendly8 e tem um
pequeno quintal cercado. Estaria mentindo se dissesse que não
imaginei Bolota, algum dia, correndo pelo quintal, perseguindo uma
bola.

Para comemorar, encontro Ditra para o jantar e falamos de


rapazes, trabalho e ideias de decoração para minha casa nova. Ditra
gosta de pintar e sabe fazer pinturas falsas para acentuar as
paredes, então estou empolgada para realmente tornar o local meu.
Fizemos planos para nos encontrarmos na próxima semana para o
nosso ritual de jantar e compras. Fico feliz por estar de volta aos
trilhos e ela me perdoou por ter me tornado uma eremita
temporária, enquanto me encaixava. Sou grata por ela não ser o tipo
de amiga que guarda rancor.

Depois do jantar com Ditra, atravesso a cidade para ver Blue,


conto a ele animadamente sobre o apartamento enquanto nos
sentamos juntos na cama. Aceito o conselho de Ditra para não forçá-
lo a me ajudar na mudança, a passar a noite ou a morar comigo.
Ela acredita que ele tem medo de compromisso e precisa que as
coisas sigam seu próprio ritmo e sejam sua ideia. Concordo.

— Você parece feliz. — Diz quando eu finalmente paro de


tagarelar sobre o meu novo closet e a rua tranquila em que vou viver.

— Estou. Queria minha própria casa faz um longo tempo.

— Você merece. Amei meu primeiro apartamento. Uma


espécie de buraco de merda, para mim era bom.

— Foi em Jersey?

8
Expressão pode ser traduzida ao pé da letra como ‘amigo dos animais’ e é utilizada para identificar
lugares onde os animais são bem-vindos, aceitos, onde podem permanecer.
195
— Sim. Eu morei com meu amigo Reece. Ele provavelmente
ainda mora lá.

É a primeira vez que ele menciona um de seus amigos e faço


uma anotação mental para lembrar seu nome, caso o cite
novamente. — O que você mais gostou? Ter seu próprio lugar...

Evan inclinou a cabeça para o lado, enquanto pensava em


sua resposta. — Acho que apenas ser capaz de relaxar e ser eu.
Viver em um espaço que é seu reflexo, em vez de tentar ficar
confortável no espaço de outra pessoa.

— Eu sei o que você quer dizer. Meus pais estão em nossa


casa desde que se casaram. Quer ouvir o que me deixa louca?

Ele sorri. — Conte-me.

— Eles têm uma grande sala de jantar, cheia de todos os


tipos de coisas extravagantes e nunca a usam. Fica vazia. Acho que
comemos lá duas vezes desde que nasci. E odeio. É um desperdício.
Se fosse a minha casa, eu comeria cada refeição lá, nos pratos caros,
olharia pela janela para as flores e arbustos que pagam a um
paisagista para cuidar. Mesmo que estivesse tomando apenas
sorvete, eu o faria lá. Não esperaria por um dia especial.

Rindo, ele se aproxima mais e beija o topo da minha cabeça.


— Você é adorável. E se pudesse, faria cada dia um dia especial para
você.

— Você já faz. — Respondo suavemente. — Gostaria que


pudesse ver.

— Eu também, Piper. Eu também. — Ele se levanta e pega


minhas mãos, puxando-me para fora da cama para ficar na frente

196
dele. — Você se importa se eu me deitar? Estou com muita dor de
cabeça...

— Claro que não. Quer alguma coisa?

— Não, querida, eu estou bem. Apenas quero deitar no


escuro.

— Você quer que eu fique? Posso esfregar sua cabeça.

— Nah. Eu ficarei bem. Por que você não me encontra no


parque amanhã? Ouvi dizer que não estará muito frio.

— Ok. — Aperto suas mãos. — Tem certeza de que está bem?

— Sim. Amanhã estarei melhor. Quero que você vá para casa


e tome sorvete na sala de jantar depois que seus pais forem para a
cama.

Eu rio. — Eu poderia fazer isso.

Colocando seu rosto em minhas mãos, eu o puxo para baixo


para que possa beijar seus lábios — Espero que você se sinta
melhor. Trarei café e bagels de manhã.

— Não precisa. Iremos tomar café juntos.

— Ok. — Puxo meu casaco e me curvo para dar um beijo na


cabeça de Bolota. — E se você for um bom menino, comprarei um
donut. — Ele bate a cauda na beirada da cama e lambe meu rosto.

Quando fecho a porta atrás de mim, Blue já está deitado na


cama com o braço sobre a testa, tenho que me forçar a deixá-lo em
paz e não voltar para tentar ajudá-lo a se sentir melhor. Eu entendo,
no entanto. Às vezes é mais fácil descansar sozinho.

197
Capítulo 13
Piper

Pela quinta vez, levanto a manga da minha jaqueta para ver


o relógio. Olho ao redor do parque, esperando ver Blue e Bolota
caminhando em minha direção.

Não os vejo em nenhum lugar. Já passou uma hora do nosso


horário habitual de encontro na manhã de sábado na mesa de
piquenique perto da ponte. Nosso lugar.

Um peso de preocupação afunda em meu estômago e explode


como uma bomba, lançando fragmentos de pânico. E se algo
aconteceu com eles? Talvez ele tenha sido preso por viver no galpão
e Bolota levado para um abrigo de animais. Talvez tenha sido
atropelado por um carro enquanto estava a caminho do parque.
Talvez ainda não esteja se sentindo bem, esteja sozinho e com dor.

Todos os talvez e os se passam por minha mente como balas


de uma metralhadora, cada uma atirando em meu coração até que
não aguento mais. Fecho meu livro, resolvo sair e embarcar em
minha própria jornada de busca, então os vejo vindo em minha
direção. Cada molécula do meu corpo relaxa com alívio instantâneo,
é tão avassalador que quase preciso me sentar novamente para me
recuperar.
198
Bolota tem uma bola de tênis na boca, ele corre para mim
quando me vê, como se não pudesse esperar para me mostrar seu
novo tesouro. Rindo, pego a bola verde fluorescente dele.

— Onde você conseguiu? — Pergunto ao cachorro brincando.


— Está muito animado! — Eu a jogo a poucos metros de distância,
e ele corre para recuperá-la, imediatamente traz de volta para mim.
Fazemos três vezes.

— Ele vai querer brincar o dia todo. — Blue adverte depois


de me beijar.

— Adoro vê-lo tão feliz com as coisas.

— Eu também. Tenho a sensação de que ele não teve


brinquedos quando era um filhote. Sinto muito por estar atrasado.
Parei para conversar com uma garota. Foi ela quem deu a bola a ele.

— Oh. Que garota? — Eu digo as palavras antes de perceber


quão intrometidas e ciumentas elas soam.

Ele afasta o cabelo do rosto e o brinco de penas azuis balança


em sua bochecha.

— Apenas uma garota com quem converso às vezes. Costumo


vê-la quando toco perto da loja de antiguidades, eu a encontrei a
caminho do parque.

— E ela tinha uma bola de tênis?

Ele ri. — Ela trouxe seu cão, carregava um pacote inteiro de


bolas de tênis. Perguntou se eu queria caminhar com ela e deixar os
cachorros brincarem.

— Oh. — Eu me pergunto se não sou a única garota com


quem ele tem um relacionamento. Poderia haver uma tribo inteira
199
de mulheres que também notaram o gostoso, talentoso e magnético
músico sem lar e seu lindo cachorro. Talvez, como eu, tenham
jogado a precaução para o espaço e se tornaram amigas dele.

E mais.

— Bebê... — Ele se abaixa para encontrar meus olhos. —


Você está com ciúmes?

Olho para Bolota brincando com sua bola. — Não…

Ele sorri afirmativamente para mim. — Você está.

— Não estou. — Digo na defensiva.

— Você é a única com quem estou envolvido. Não saí com


ela. Eu vim aqui para estar com você. Não ligo para outras mulheres.

— Espero que não.

— As joaninhas ficariam bravas comigo se pensasse em outra


garota. Acha que eu quero que elas se espalhem em mim e me
comam? — Ele me puxa para seus braços e me beija enquanto eu
rio.

— Seria uma maneira horrível de morrer. — Eu brinco.

— Porra, sim.

Quando saímos do parque para ir ao local do bagel, uma


mulher com um labrador preto acena para Blue. Não é como eu a
imaginava. A mulher em minha mente era uma garota sexy e jovem,
com cabelos escuros, maquiagem perfeita, jeans apertados e um
casaco desabotoado revelando um decote sedutor. Na realidade, a
mulher tem trinta e poucos anos e é atraente de um jeito muito
natural, sem maquiagem. Seu cabelo está preso em um rabo de
cavalo bagunçado. Está vestindo calça de moletom cinza, tênis e
200
uma jaqueta branca grande e fofa. Uma aliança de casamento é
claramente visível em sua mão. Quando sorri e acena
hesitantemente para mim, sinto-me uma idiota por ser tão
ciumenta, insegura e alucinada.

— Você se sente melhor hoje? — Pergunto no carro a


caminho do café. Quando ele não me responde, desvio os olhos da
estrada para olhá-lo. Seu cabelo está mais bagunçado do que o
habitual, como se penteá-lo ou passar os dedos por eles fosse difícil
esta manhã. E quando se aproximou de mim mais cedo no parque,
parecia haver círculos escuros sob seus olhos.

— Sim. Por quê?

— Na noite passada você disse que se sentia doente. Teve


uma enxaqueca?

Ele acende um cigarro e abaixa a janela do carro alguns


centímetros, sem dizer mais nada.

— Blue? Você estava mentindo para mim sobre não se sentir


bem?

— Por que eu mentiria para você?

— Eu não sei. — Respondo, quando uma sensação de


desconforto me invade. — Você está agindo meio estranhamente.
Como se não se lembrasse ou mentisse.

— Estou agindo estranho? Em primeiro lugar, você acha que


estou transando com outras mulheres com bolas de tênis. Agora
está me acusando de mentir.

— Eu não estou acusando. Também sugeri que talvez você


não se lembre.

201
— Por que não me lembraria da noite passada?

Estaciono em uma vaga do lado de fora do café e suspiro


frustrada, igualmente nervosa.

— Por que você está tão defensivo?

— Não estou. Apenas não entendo para onde a conversa está


indo.

Eu também.

— Algo aconteceu ontem a noite? Ficou doente? Você foi a


algum lugar? Havia algo errado? — Pego sua mão e entrelaço nossos
dedos. — Apenas fale comigo.

— Estou falando com você. Por que o interrogatório? Eu


pensei que iríamos tomar o café da manhã.

— Nós vamos. Estou apenas confusa.

— Sobre o quê?

Eu pisco para ele, tentando classificar meus pensamentos.


Ele de alguma forma nos transformou em um círculo e agora estou
completamente confusa sentindo que fiz algo errado.

— Vamos esquecer. — Forço um sorriso. — Estou morrendo


de fome e tenho certeza de que você também. Vamos pegar nossos
bagels e café.

Em vez disso, ele se vira no banco para me encarar. — Você


confia em mim, Piper?

— Sim. Tanto quanto possível. Admito que é um pouco difícil


às vezes não sei onde você está o dia todo ou de noite. Nós não
podemos ligar um para o outro. Você não quer conhecer minha

202
família. Não quer morar comigo. Não se compromete com nenhum
tipo de relacionamento de longo prazo. E nos mantém no limbo.
Sempre vago. Então depende do tipo de confiança. Acredito que você
me machucaria propositalmente? Não, não acredito.

— Quando falo para você eu te amo, quero dizer que te amo.


Eu nunca a machucaria.

— Eu sei E acredito.

Um passarinho comendo migalhas no asfalto do


estacionamento chama sua atenção. Quase sem piscar, ele observa
o pequeno pássaro com grande interesse e me pergunto se o lembra
de seu tempo com sua tia e seus pássaros. Talvez para ele, seja
apenas uma distração afastando-o da conversa.

— Eu me perco na minha própria cabeça em alguns


momentos. A música e as palavras assumem. Não durmo por dias
seguidos e não como. Então fico fodido, porque estou exausto e
faminto. Tenho dores de cabeça e me sinto mal-humorado como a
porra, tudo acontece como o efeito dominó até eu encontrar uma
maneira de reiniciar. — Ele aperta seus dedos nos meus. — Quando
estou assim fico melhor sozinho, procuro não arrastar as pessoas
comigo. No momento estou meio louco por você, então estou
tentando fazer funcionar. Eu teria ido embora assim que esfriou
demais se não gostasse tanto de estar com você.

Finalmente ele está se abrindo, embora a incerteza ainda


esteja lá como um cobertor fino jogado sobre nós. — Sei que está
tentando. Estamos nisso juntos, quer você esteja de bom ou de mau
humor. Não preciso, quero ou espero que seja perfeito. Quero
apenas você.

203
O pássaro voa para longe e seu olhar se desloca para nossas
mãos. Ele balança a cabeça lentamente e depois fala em um tom
muito baixo, quase um sussurro. — Realmente não me lembro de
ter uma dor de cabeça.

Este é um daqueles momentos na vida em que posso cavar


fundo por respostas e forçá-lo a enfrentar seus problemas ou posso
varrer para debaixo do tapete, beijá-lo para melhorar e esperar que
nunca se arraste para fora outra vez.

Escolho beijar para melhorar.

— Muitas vezes não me lembro do que fiz no dia anterior,


também. Vamos pegar algo para comer. Prometi ao nosso menino
fofo um donut e ele tem sido muito paciente.

O sorriso em seu rosto expulsa todas as minhas dúvidas


anteriores e o desconforto, silenciosamente prometo parar de
analisá-lo. Muitas pessoas esquecem as coisas e passam por
estados de espírito diferentes, inclusive eu.

Passamos o dia dirigindo, ouvindo música e conversando


sobre um artigo que Blue leu sobre cores de tinta que deveriam
evocar certos humores. Anotei as cores em um caderno que guardo
na bolsa, para poder procurá-las quando Ditra e eu formos comprar
tinta para o meu novo apartamento, a primeira coisa que farei é
pintar todas as paredes brancas.

Até o final do dia, esqueci a confusão e o elefante na sala.

204
Capítulo 14
Piper

As últimas duas semanas têm sido umas das melhores da


minha vida. Estou flutuando sobre uma nuvem, com um sorriso
perpétuo. Nada pode romper minha parede de felicidade.

Estou no meu apartamento por três dias e é seriamente uma


sensação indescritível. Meu próprio lugar. Ditra e eu penduramos
prateleiras de madeira em uma parede da minha sala de estar e
depois as enchemos com os livros que estiveram guardados no meu
armário por anos. Nós cercamos os livros com suportes e velas
pesadas encontradas no brechó. Pintei todo o apartamento em tons
de terra, misturado com azul e cinza, acrescentei algumas
almofadas vermelhas brilhantes aleatórias para adicionar um toque
de cor. Tão bobo quanto parece, quando chego em casa do trabalho
simplesmente ando ao redor do pequeno apartamento, gritando
sobre quão bonito é. E como é meu. Até Archie parece mais feliz,
finalmente ele tem janelas para se sentar e olhar para fora. O que
realmente o conquistou foi a nova árvore de gato acarpetada que
coloquei defronte a janela na sala de estar. Agora ele pode olhar para
os pássaros e esquilos no quintal o dia todo. Entre cochilos, claro.

205
Esta noite estou internamente pirando no meu novo
apartamento por uma razão completamente nova.

Blue está aqui. No meu apartamento. Quase desmaiei com o


choque e emoção hoje cedo no parque, quando ele perguntou se
poderia vir esta noite. Eu tinha certeza que cancelaria no último
minuto, não ele veio com Bolota e seu pinguim a reboque, andando
devagar, lendo as colunas dos meus livros e estudando as
fotografias na minha parede. Ele parece tão aéreo no meu espaço,
sinto que um anjo desceu do céu para me agraciar com sua
presença. Bolota parece estar tendo o mesmo efeito sobre Archie,
que não chiou ou fugiu nem uma vez.

Estou cheia de borboletas no estômago, espero que seja o


início de algo realmente bom. Aparentemente Ditra estava certa,
afinal. Blue só precisava fazer as coisas em seus próprios termos.

— Portanto, esta é você. — Sua voz profunda soa como um


trovão. Perigoso, apesar de sedutor.

— Esta sou eu. Você gosta?

Balançando a cabeça, ele atravessa a sala para sentar


comigo no sofá. — Eu gosto. É aconchegante. Seguro.

— Escolhi as cores que você me falou.

— Percebi. O vermelho é sexy. — Sua mão repousa sobre


minha coxa, os dedos apertando levemente. — Você tem um
vestidinho vermelho? Ou um preto?

Minha mente vacila com a súbita mudança na conversa.

— Sim, um de cada, na verdade. — No ano passado Ditra


comprou para mim roupas de vadia e arrastou-me para os clubes,

206
numa tentativa de pegar homens. Ela pegou muitos, eu não peguei
nenhum e três daqueles vestidos estão atualmente na parte de trás
do meu novo armário.

— E salto alto? — Ele pergunta.

— Eu tenho um par de saltos com os quais mal consigo


andar. Ditra os comprou e os usei uma vez, acabei tirando-os e
andando descalça a noite toda, por quê...

Ele interrompe minha tagarelice, move sua mão mais para


cima da minha coxa até que seus dedos estão roçando meus lábios
através da calça. — Vá colocá-los. O vestido vermelho e os sapatos.

— Ok... estamos brincando de me vestir? — Pergunto


brincalhona.

Seus lábios se curvam em um sorriso sexy e diabólico. —


Esperarei aqui.

Fico de pé e sorrio desconfiada para ele, meu interesse


despertado. — Você quer algo para beber ou comer antes de eu
desaparecer por alguns minutos?

— Não. Apenas você.

Meu sangue esquenta nas veias. — Ok. Pegue você mesmo


se quiser algo.

Eu desapareço no corredor para o meu quarto para procurar


o chocante, curto e sexy vestido vermelho decotado. Visto nada além
de uma tanga de seda preta por baixo e o tecido se agarra às minhas
curvas como uma segunda pele. Suspiro aliviada quando encontro
os saltos agulha de dez centímetros na parte de trás do armário. Não
sei por que não o joguei fora quando me mudei, agora estou feliz por

207
não ter jogado. Termino o look com batom vermelho, um traço de
delineador preto, rímel e ajeito meu cabelo com as mãos enquanto
ando de volta para me juntar a Blue. Estou fazendo o meu melhor
para andar o mais sensual possível nestes sapatos ridículos iguais
a pernas de pau, quase escorrego e dou de cara no chão quando
volto para a sala.

As luzes estão apagadas e todas as velas acesas. Eu nunca


realmente acendo velas, tenho medo de que peguem fogo na grande
cauda fofa de Archie, a sala parece uma cena de um filme com a
cintilação de chamas e sombras. Ele fica de pé quando entro então
segura minhas mãos e abre os braços.

— Uau! — Ele geme, movendo seu olhar para cima e para


baixo do meu corpo. — Você é tão bonita, joaninha. Gostaria de
poder tirar uma foto sua. Não confio em meu cérebro fodido para me
lembrar de você assim para sempre.

— Você não precisa se lembrar de mim. Sempre estarei aqui


para olhar.

Ele move as mãos para minha cintura e baixa a cabeça para


beijar meus lábios. — O tempo dirá. — Diz ele, usando uma de suas
notórias respostas enigmáticas. Ainda me beijando, nos balança
para frente e para trás numa dança sensual enquanto escorrega as
mãos da minha cintura para a parte de trás das minhas coxas,
subindo lentamente o tecido do vestido até suas mãos segurarem
minha bunda.

— Estou orgulhoso de você. — Ele sussurra. — É tão...


decidida. Não desiste do que deseja.

208
— Tento não desistir. — Levanto minha cabeça para olhá-lo
e minha mão para acariciar sua nuca. — E você, Evan? Desiste?

— Por que está me chamando de Evan novamente? —


Pergunta roçando os lábios na minha bochecha enquanto continua
a nos balançar para frente e para trás.

— Porque é o seu nome. E de vez em quando você precisa


ouvir seu nome verdadeiro.

Seus músculos do rosto se contraem. — Talvez esteja certa.

— E você? — Insisto gentilmente. — Desiste do que deseja?

— Talvez o que eu desejo desista de mim.

Nossos lábios se encontram novamente e me afasto para lhe


dar uma expressão frustrada. — Você gosta de falar por enigmas,
não é?

— Prefiro definir como lírico.

Antes que eu possa dar uma boa resposta, ele me pega em


seus braços e me leva até o sofá, me colocando de pé na frente dele.
Quando se senta, seu rosto está nivelado com a barra da minha
saia. Seus olhos luxuriosos me despem antes que suas mãos me
toquem. Alcançando entre as minhas pernas, ele prende o dedo sob
a alça fina da minha calcinha e puxa até os tornozelos. Quando eu
saio, ele a levanta em uma pequena bola e coloca no bolso da frente
da calça jeans.

— Ficarei com ela — diz.

— Ok. Contanto que não a use...

Ele bate na minha bunda e solto um grito.

209
— Ei. — Esfrego minha mão sobre a minha carne ardente.

— Doeu?

— Sim.

— Vire-se.

Afastando-me, espero que não me bata novamente, ao invés


disso ele empurra meu vestido até a cintura. Sinto o calor de seus
lábios na minha bunda, bem onde me deu um tapa, beijando a dor.
Ele move suas mãos pelas minhas coxas, sobre minhas panturrilhas
até meus pés, agarrando os saltos e abrindo minhas pernas fazendo
um barulho fraco através do chão de madeira. Meu coração galopa
como os cascos de mil cavalos quando aperta as bochechas da
minha bunda, usando os polegares para abrir. Eu gemo e
choramingo, arqueando as costas para ele enquanto me lambe por
trás. Sua língua e sua boca são puro êxtase, levando meu corpo a
alturas pecaminosas de excitação, enquanto sua língua vai de
minha boceta até a bunda. Tremendo, eu recuo para agarrar seus
ombros em busca de equilíbrio. Ele quebra minhas inibições, me
fazendo querer tudo e qualquer coisa. A necessidade de ter mais
dele, mais profundamente, mais intensamente, por mais tempo, é
completamente avassaladora. Quando finalmente paro de
estremecer em sua boca, ele me gira e me coloca ajoelhada no sofá
e escorrega seu pau no meu núcleo encharcado. Inclinando-se sobre
meu corpo, puxa meu cabelo para o lado e arrebata meu pescoço,
chupando e mordendo, deixando marcas que adoraria ver no dia
seguinte. Agarro as almofadas do sofá enquanto ele rasga o decote
profundo do meu vestido e aperta meus seios, fazendo-me gozar
novamente enquanto me penetra por trás.

210
Em algum momento durante a maratona de sexo, ele me
carrega para o quarto e batizamos minha cama nova até as
primeiras horas da manhã. Exaustos, suados e zonzos, tomamos
sorvete diretamente do pote na cama e assistimos a um filme de
terror ridículo. Algo tão simples como assistir um filme juntos faz
meu coração acelerar com a esperança de mais normalidade.

Quando acordo, Blue não está na cama, mas a água do


chuveiro correndo no banheiro me faz sorrir, ele não está usando
um chuveiro de parada de caminhões, um poço de germes. E está
cantando. Deus, ele está cantando. Sua voz profunda e crescente
ecoa pela minha pequena casa, me provocando arrepios. Sentando-
me, me estico e meus músculos reclamam um reflexo pelo exercício
físico da noite anterior. Enquanto estou bocejando com meus braços
esticados sobre a cabeça, ele entra no quarto com nada além de uma
das minhas toalhas malvas, enroladas ao redor de sua cintura fina.
Até agora, não tive o prazer de vê-lo nu com qualquer tipo de luz
decente, é um espetáculo a ser apreciado — todo músculo e tinta
brilhante. Sem palavras, vejo-o vestir o jeans e moletom. Eu luto
contra o desejo intenso de me oferecer para lavar as roupas dele
enquanto está aqui. Não quero fazer ou dizer nada que possa
arruinar a perfeição da noite passada e hoje.

Ele se inclina para me beijar antes de se sentar na beirada


da cama para colocar suas meias e botas.

— Vermelho é a sua cor, querida. Traz seu fogo à superfície.

211
— Você traz o meu fogo. — Respondo, recostando a cabeça
em seu ombro.

— Vou até o café comprar algumas rosquinhas e sanduíches.

— Se me der alguns minutos, podemos ir juntos ou você pode


levar meu carro.

Ele empurra o cabelo úmido para trás, prendendo seu


piercing entre seus dentes. — Não. Eu gosto de caminhar pelas
manhãs. E lhe dará um pouco de privacidade.

A privacidade saiu pela janela há muito tempo. Ele me viu


nua e aberta. Seu pau, seus dedos e sua língua estiverem em mim,
de uma forma ou de outra, mais vezes do que posso contar.

— Você pode ficar Blue. Contanto que queira. — Digo


hesitante. — Ainda poderia caminhar e passear. Eu não o segurarei.
Poderia ser a sua casa. Poderia ser a nossa casa. Se quiser.

Ele passa as costas da mão pela minha bochecha e seus


olhos azuis fixam nos meus por alguns momentos, pensando,
contemplando, vagando. Metade de sua boca se curva em um leve
sorriso.

Apenas Blue poderia dar um meio sorriso.

— Eu sei Piper. Seu coração é meu lar. O jeito que olha para
mim, como me faz sentir, é a minha casa.

— Eu quis dizer...

Ele toca o dedo nos meus lábios. — Eu sei o que você quis
dizer.

Eu não insisto. As coisas estão boas demais para forçar. —


Ok. A oferta permanece. Sempre.
212
— Sempre?

— Sempre. A qualquer momento. Para sempre. Sem dúvida.


Ok?

Segurando meu queixo, ele leva meus lábios aos seus e me


beija mais suavemente do que nunca. — Eu te amo, joaninha.

— Eu também te amo.

Levantando-se da cama, ele olha ao redor da sala lentamente


antes de se virar para mim. — Deixarei Bolota aqui. A última vez
que verifiquei ele estava todo confortável no sofá com seu gato.
Parecia feliz.

Eu rio. — Finalmente Archie tem um amigo.

E da porta, ele pisca para mim, não saio da cama até que
suas botas batem no meu corredor e ele passa pela porta da frente.
Suspirando de felicidade, saio da cama e pego meu robe para ir ao
banheiro, parando para verificar Bolota e Archie primeiro. Blue
estava certo, eles estão enrolados no meu novo sofá, cochilando
como se fossem melhores amigos desde sempre. Sorrindo para mim
mesma, olho para fora da grande janela da baía para ver Blue
andando pela estrada com sua guitarra e sua mochila pendurada
no ombro, queria que ele não sentisse a necessidade de carregar
tudo o que possui o tempo todo. Talvez, algum dia se sinta seguro o
suficiente para deixar seus pertences aqui. E quem sabe, se eu for
paciente o bastante, finalmente concorde em se mudar.

213
Tomo um banho, limpo um pouco a casa enquanto meu
cabelo seca, levo Bolota para o quintal e brinco com ele, exatamente
como imaginei quando olhei pela primeira vez para este
apartamento. Talvez a teoria da manifestação seja verdadeira – se
você imaginar o que você deseja em sua mente e se concentrar
positivamente em conseguir, acontecerá. Fechando os olhos,
imagino Blue morando comigo... fazendo o jantar juntos e comendo
no meu pequeno pátio. Fazendo amor todas as noites. Acordando
em seus braços todas as manhãs. Ouvindo-o cantar no chuveiro.

Quero que aconteça.

Pode acontecer.

Depois de brincar com Bolota, passo um pouco de


maquiagem e arrumo meu cabelo. Faço a cama e borrifo um spray
de alfazema que comprei e que deveria ser calmante.

Imagino Blue na minha cama esta noite.

Eu nos vejo assistindo Titanic juntos, com Archie e Bolota a


nossos pés.

Acredito que possa acontecer.

Bolota late e eu corro para porta, pronta para jogar meus


braços ao redor dele, não é Blue, apenas o carteiro. Espero ele
passar para a casa ao lado e então pego minha correspondência,
que não é nada além de besteira que jogo no lixo.

Uma estranha sensação me percorre enquanto estou em


minha cozinha, como uma brisa fria que não estava aqui antes. O
relógio na parede de repente parece soar excepcionalmente alto,
forçando-me a olhar.

214
Meu coração acelera quando percebo que três horas se
passaram desde que Blue partiu. A hora do café da manhã já
passou, embora esteja disposta a comer donuts e bagels a qualquer
hora do dia, sei que não demoraria tanto para ir até o café na rua
principal e voltar. Mesmo andando devagar, não é tão longe. Olho
pela janela da frente, pensando que talvez ele simplesmente se
materialize só porque estou olhando. Não há ninguém na rua
arborizada.

Ansiedade me toma, torcendo meu interior, tento esmagá-la


quando pego meus tênis e jaqueta. As pessoas param e conversam
com Blue o tempo todo, o reconhecem como o rapaz que toca violão
por toda a cidade. Ele provavelmente encontrou alguém que
conhecido no café e está sentado do lado de fora tocando e perdeu
a noção do tempo. Já aconteceu antes.

Dirijo para o café com Bolota, que correu para dentro do


carro.

— Você viu um homem com cabelo longo e um violão, nas


últimas horas? — Pergunto ao rapaz atrás do balcão.

Ele balança a cabeça. — Estou aqui desde as seis da manhã,


não vi ninguém assim.

Agradeço e volto para o carro com coração e mente


acelerados, imaginando onde ele estaria.

— Onde Blue está? — Pergunto a Bolota enquanto


percorremos a cidade, ele ergue as orelhas. Blue não se refere a si
mesmo como papai como a maioria dos donos de animais de
estimação. Talvez seja legal demais para isso. Ou talvez não consiga
lidar com a responsabilidade subjacente do título. Vou ao parque e
215
levo Bolota comigo para subir e descer os caminhos, passo pelo meu
banco, nossa mesa de piquenique e desço até a velha ponte. As
únicas coisas que nos cumprimentam são lembranças.

Medo e frustração trazem lágrimas aos meus olhos e eu as


afasto enquanto ando até o galpão. Talvez ele tenha tido uma dor de
cabeça e foi descansar, sabendo que o procuraria. Deveria ter
olhado no galpão primeiro, em vez de perder tempo vagando pelo
parque. O rabo de Bolota começa a abanar quando paro diante da
casa velha, suponho que ele pense ou tenha certeza que Blue está
em casa.

— Vamos querido. — Digo deixando-o sair do carro. Ele


imediatamente salta e corre para o quintal comigo não muito atrás.
Espero encontrar Blue dormindo no galpão, porém quando puxo a
trava enferrujada e abro a porta, ele não está.

E não há qualquer outra coisa também.

Bolota está ao meu lado, sem abanar o rabo, piscando para


mim com uma expressão vazia no rosto, que tenho certeza se parece
com a minha.

O silêncio é denso como uma parede. Quase posso sentir o


vazio segurando minha mão e apertando meus dedos. Minha
respiração fica irregular e forçada em meus pulmões, uma profunda
dor lateja no meu peito e desce até minhas entranhas. Bolota cutuca
minha mão com o nariz molhado e acaricio sua cabeça
distraidamente enquanto olho abismada ao redor, para o espaço
vazio.

216
Talvez ele tenha sido roubado. Talvez alguém tenha vindo e
levado tudo. Talvez os policiais tenham vindo, o prenderam e
limparam o lugar.

Sim. Foi exatamente o que aconteceu. Um dos vizinhos deve


ter nos flagrado e denunciado, provavelmente ele está sentado em
uma cela esperando que eu vá socorrê-lo.

Quando giro para sair, noto o pedaço branco de papel preso


na parte de trás da porta com um prego velho. Com uma mão
trêmula, tiro-a da porta.

Joaninha,

Era hora de continuar caminhando.


Cuide de Bolota.
E se puder, tente deixar um espaço para mim em
seu coração.
Sinto muito.
Eu te amo como se não houvesse amanhã, pequena
estrela.
Nunca se esqueça.

~Blue

Tremores atravessam meu corpo com tanta força que meus


dentes batem um no outro. Fúria e mágoa se misturam dentro de
mim como um tsunami. Quero gritar e destruir o galpão, de alguma
forma alterar a imagem ao meu redor e fazer tudo parecer como
ontem. Sou incapaz de me mover, chorar, piscar ou até mesmo

217
respirar. O homem que significava todo o meu mundo acabou de
quebrar cada pedacinho do meu coração e alma.

Por quê? Como ele pode fazer isto comigo?

Simplesmente se afastou. Afastou-se de mim, de seu cão, de


nossa vida e nosso amor. Eu fico olhando para sua letra
excepcionalmente perfeita, desejando que se transforme em
palavras que eu quero ler como os bilhetes que deixou no passado.
Palavras como: eu sinto sua falta e volte. Grandes lágrimas
molhadas e quentes caem dos meus olhos como o início de uma
tempestade. Ao pensar na chuva, meu frágil coração se parte e se
desintegra, choro e grito como um animal selvagem preso em uma
armadilha, mentalmente desequilibrado pela dor, sem ter como
escapar e prestes a mastigar meu próprio coração para conseguir
fugir de tudo.

Caindo no chão sujo, soluço desesperadamente, cravando as


unhas em minhas palmas até que a carne macia se rompe e sangra.

Dói. Tudo dói mais do que jamais pensei ser possível. A dor
aguda é tão profunda, queimando no meu coração e na minha alma,
queimando cada parte do meu ser físico e emocional. Tenho certeza
que vou morrer. Ninguém pode viver uma dor tão intensa.

Bolota choraminga e fica do meu lado com a cabeça na


minha perna, sempre o cuidador, eu me abaixo e o abraço como se
ele fosse uma tábua de salvação. Choro agarrada a ele até que não
tenho mais lágrimas.

Horas se passaram e está brutalmente claro que Blue não


voltará, não importa quanto tempo tenha ficado sentada ali o
imaginando entrando pela porta, não aconteceu. E não tenho
218
poderes especiais de manifestação espiritual. O que tenho é um
coração terrivelmente partido, perdi a fé no amor e na confiança.
Quando não consigo mais ficar sentada ali nem por um minuto
mais, dobro o bilhete e o coloco no bolso de trás, Bolota e eu
fechamos a porta do galpão pela última vez.

Atordoada passo pela casa e quase nem noto que a porta da


varanda está entreaberta. Sinceramente, não me lembro se sempre
esteve, a curiosidade me atrai como um imã para abrir a porta e,
cautelosamente, entro para dar uma olhada. O ar dentro é rançoso
e mofado, penetrando meu nariz entupido. Seja quem for que tenha
morado ali obviamente adorava pássaros, várias gaiolas velhas
estão penduradas no teto e algumas descansando no chão. Na
outra ponta da varanda há duas gaiolas enormes, do tipo em que
um grande papagaio viveria. Embora pareçam ter sido limpas, ainda
existem penas aleatórias de diferentes tamanhos e cores
espalhadas. Pisando mais para dentro, meus olhos são atraídos
para três pilhas de cadernos de esboços, cada um com
aproximadamente um metro de altura. Pego um dos livros e folheio,
as páginas estão vazias. Minha testa se franze quando puxo uma do
fundo da pilha, deixando o resto cair no chão. Também está vazia.
Verifico outro de uma pilha diferente – e não há qualquer escrita.

Um arrepio corre minha espinha quando percebo que esses


são os mesmos cadernos que Blue estava sempre rabiscando
quando tinha um dia ruim. Deve haver duzentos deles ali.

Por quê?

Colocando os cadernos de volta na pilha desalinhada, ando


lentamente até o corredor, onde um lençol foi jogado sobre uma

219
pilha de... alguma coisa. Meu coração acelera quando levanto o
lençol e não estou nem um pouco preparada para descobrir todos
os objetos que estavam no galpão. Tudo – o colchão de ar, as velas,
a cortina, o tapete, a cama de Bolota. Ao lado dessa pilha, duas
grandes lixeiras com garrafas vazias de álcool, caixas de fósforos e
de cigarros vazias.

Confusão misturada com ondas de náusea me percorrem.


Ele invadiu para esconder estas coisas? Ou conseguiu entrar o
tempo todo? Não tem como ter guardado todos esses cadernos no
pequeno galpão, então devem ter ficado escondidos ali. Por quê? E
pelo amor de Deus, por que tantos?

Com passos cautelosos e silenciosos, ando até a porta que


leva à casa principal e tento girar a maçaneta de bronze, ela não
gira. Olhando pela vidraça suja da porta, não há sinais de vida na
grande cozinha; nada sobrou na mesa ou nos balcões.

Bato na porta. — Blue? Você está aí? — Minha voz falha com
esperança e desespero. — Evan? Sou eu. Se estiver aí, por favor,
saia e fale comigo. — Pressiono minha orelha no vidro. — Por favor?

Não há som, nenhuma sensação assustadora de ser


observada ou ouvida. Estou sozinha de pé em uma varanda suja,
ficando mais desolada e confusa a cada segundo. Com o último
vislumbre de esperança apagado, relutantemente desisto e saio,
pegando a cama de Bolota da pilha no meu caminho para fora. Não
quero nenhuma das outras coisas, porém este pobre cachorro
merece ter sua própria cama.

220
— Vamos, Bolota. — Vou em direção ao carro, o cachorro
continua parado olhando para a casa, hesitando. — Vamos querido.
Eu o levarei para casa.

Demoro vinte minutos para convencer Bolota a deixar a


propriedade, embora tenha ido comigo várias vezes nas últimas
semanas sem nenhum problema. Parece que, de alguma forma, ele
sabe que Blue o abandonou e, como eu, parece não acreditar
esperando que ele apareça.

Enquanto dirijo para casa, completamente entorpecida e


emocionalmente catatônica, repasso a noite anterior e esta manhã
em minha mente, tentando identificar o que deu errado ou o exato
momento em que um adeus foi dito e não percebi. Olhando para
trás não houve nenhum, ou muitos, dependendo de como eu
interpretasse cada momento.

Não posso deixar de me perguntar se nada estava errado, por


que ele decidiu ir embora quando tudo estava perfeito, para nós
suspendendo-nos para sempre, como fotos coladas em um álbum.

Quando chego em casa, percebo que não possuo nada do que


é necessário para cuidar de um cão corretamente e não continuarei
alimentando-o com minhas refeições como Blue fazia sabe-se lá por
quanto tempo. Um cão precisa de comida de verdade, uma coleira,
uma escova e pratos. Dirijo até a loja de animais mais próxima para
pegar tudo que preciso e deixo Bolota no meu apartamento.
Enquanto passo pelos corredores, lembro-me dos pratos de

221
cerâmica que comprei para ele faz apenas algumas semanas que
devem estar na pilha de coisas na varanda. Posso comprar pratos
novos, porém eles custaram caro e eram especiais, tinham as
palavras My Dog Rocks impressas do lado.

A próxima coisa que sei é que estou voltando para a casa


abandonada para pegar os pratos, mesmo tendo jurado a mim
mesma que nunca mais pisaria naquela propriedade. O sol está se
pondo à distância quando chego, tento lutar contra as lágrimas e a
dor dentro de mim, sabendo que Blue não surgirá pela lateral da
casa para me cumprimentar. Como pensei os pratos estão debaixo
da lona com os outros itens. Balançando a cabeça com uma miríade
de tristeza e frustração eu os pego e me viro para sair, paro quando
algo muito estranho chama minha atenção. Todos os cadernos estão
bem empilhados novamente e sei muito bem que não estavam assim
quando saí mais cedo.

Estou enlouquecendo ou alguém esteve aqui?

Meu coração bate forte no peito. Durante todo o tempo que


passei nesta propriedade escondida naquele galpão, nunca vi outra
pessoa além de Blue. Então, ou alguém esteve na casa o tempo todo
– o que parece muito improvável – ou Blue veio hoje e ainda pode
estar aqui.

Corro até a porta da cozinha e balanço a maçaneta trancada,


depois bato com força na porta.

— Blue! Você está aí? Juro por Deus que é melhor você vir
falar comigo se estiver! — Olho pela janela, não vejo ninguém. —
Que merda está errada com você? — Eu grito. — Pensei que me
amasse!

222
O rangido das gaiolas vazias balançando é o único som.

Murmurando e com lágrimas caindo do meu rosto ando até


o carro e me afasto. Não vou para casa, como deveria – como uma
pessoa normal faria. Estou emocionalmente destruída, com o
coração partido e não consigo pensar racionalmente. Dirijo meu
carro até a próxima rua, estaciono diante da casa de alguém e
depois caminho de volta para a casa abandonada no escuro. O mais
silenciosamente que consigo alcanço a varanda e me escondo sob a
lona, encostada na lateral da casa. Puxo o edredom sobre mim para
me manter quente, os soluços histéricos começam novamente,
porque cheira a fumaça, sexo e nós. Lembranças me assaltam como
um enxame de abelhas e não há absolutamente nada que eu possa
fazer para escapar delas ou não enxergá-las, para não sentir a dor
penetrando profundamente em minha alma. Fechar meus olhos não
ajuda a me proteger de visões que estarão para sempre gravadas em
minha mente.

O sorriso dele. Ele tocando violão. A maneira como seus


olhos brilhavam ou escureciam com as emoções. Ele abraçando
Bolota. Seu corpo sobre o meu. A pena roçando seu cabelo.

Como ele pôde levar todas as minhas coisas favoritas na vida


para longe? Tudo pelo qual eu ansiava todos os dias – apenas foi
arrancado de mim. Eu sei que ele sabe como parece. Na verdade,
acredito que ele saiba exatamente como é ter tudo o que precisa,
deseja e ama arrebatado sem o menor aviso. Ele me obrigou a viver
sem a felicidade.

223
Eu me aconchego sob a lona por horas, esperando e
esperando que Blue apareça, ele nunca vem. Exausta com a derrota
e gelada até os ossos, volto para o meu carro, sem nem mesmo ter
a capacidade de me importar que esteja andando como um zumbi
depois da meia-noite, no meio de uma estrada escura. A dormência
superou a lógica horas atrás.

Fui arrastada para fora do meu estupor quando abri a porta


do meu apartamento sentindo um cheiro horrivelmente pútrido.
Suspiro quando vejo a bagunça na minha frente – cocô de cachorro
e lixo espalhado por toda a sala de estar e cozinha. Bolota está
encolhido num canto e Archie no alto de sua árvore com uma
expressão de severo julgamento e desaprovação.

Oh meu Deus!

Eu me ajoelho ao lado Bolota, que está tremendo com o que


só posso adivinhar seja uma mistura de culpa e medo.

— Está tudo bem. — Eu o acalmo, acariciando a pele macia


entre os olhos. — Não é culpa sua. — Empurro-o para o quintal
enquanto limpo a bagunça. Não posso nem ficar brava com ele, foi
minha culpa por deixá-lo sozinho por tanto tempo. Não sei se Bolota
já morou em uma casa antes e, agora que sou forçada a pensar
sobre isso, provavelmente não está acostumado a ficar só também.
Blue o levava a todos os lugares. Levará algum tempo para me
acostumar a ter um cachorro na minha vida, porém não o
abandonarei como Blue fez. Não tenho ideia do motivo de ter
deixado seu cachorro, seu melhor amigo, comigo. Espero que seja
porque pensou que precisaríamos um do outro, o que é muito mais

224
fácil de aceitar do que a possibilidade de ele ser um babaca egoísta
que não se importa com nenhum de nós.

Levei um tempo para tirar as manchas do carpete e superei


a exaustão horas atrás. Os novos lençóis da minha cama estão
impregnados com o cheiro de Blue e as lembranças da nossa noite
juntos, então me deito no sofá para fugir. Sou acordada pela
campainha. Com um coração saltitante, corro para a porta da
frente e abro-a para ver meus pais e minha irmã com balões e uma
planta colorida. Piscando, me pergunto que tipo de piada de mau
gosto é esta de vir aqui para celebrar meu coração partido com
balões coloridos. — Parabéns pela casa nova! — Courtney exclama,
jogando os braços ao meu redor. — Já sinto sua falta.

Ah Merda. Como assim já é domingo?

Forçando um sorriso, passo os dedos pelo meu cabelo


emaranhado. — Entrem.

— Querida, você parece horrível. — Minha mãe comenta,


colocando a planta em uma pequena mesa ao lado da porta da
frente. — Está doente?

— Você tem um cachorro agora? Quando arrumou um


cachorro? — Meu pai pergunta, fazendo Courtney correr para Bolota
e cair no chão ao lado dele.

— Oh meu Deus, ele é tão fofo! Qual o nome dele?

Meu cérebro enevoado pela falta de sono. — Ele pertence a


um amigo que me pediu para cuidar dele. Seu nome é Bolota.
225
Minha mãe ainda está olhando para mim com crescente
preocupação maternal e estende a mão para tocar minha testa. —
Piper, o que está acontecendo? Você está muito pálida.

— Estou resfriada e não tenho dormindo muito bem. — Odeio


mentir para as pessoas. Especialmente meus pais. — Estou bem,
no entanto. Para ser sincera, esqueci que vocês viriam e perdi a
hora.

Seu sorriso é hesitante. — Nós não precisamos ficar...

— Não, mamãe, tudo bem. Quero que fiquem. Sério. Me dê


um minuto para lavar meu rosto.

E, na segurança do meu banheiro, posso ouvi-los


sussurrando a meu respeito, me encolho quando meu pai sugere
que eu esteja de ressaca. Será que ele pensa honestamente que
depois de apenas algumas noites morando sozinha eu começaria a
beber?

— Você deveria ter uma tranca nesta porta. — Meu pai diz
quando volto para a sala de estar. — Comprarei uma e a instalarei
uma noite durante a semana.

— Ok. Este é um bom bairro, no entanto.

— Você pode ser mais cuidadosa. O cão é provavelmente uma


boa ideia. Será que ele late se ouvir um barulho lá fora?

Não me lembro de ter ouvido o latido de Bolota, nem mesmo


quando a campainha tocou, embora tenha certeza que ele deve fazê-
lo, pois os cachorros latem por todos os tipos de coisas. — Acho que
sim.

226
Minha irmã cai no chão de costas e sorri de cabeça para
baixo para mim. — Este apartamento é incrível. Mal posso esperar
para conseguir meu próprio lugar. Posso passar a noite hoje?
Podemos fazer pipoca, assistir a filmes e...

Ah não. Eu não posso ter um público todo o dia e noite


quando estou no meio de um colapso. Preciso de muito mais tempo
sozinha para organizar minha cabeça. — Gostaria que pudesse, mas
tenho que acordar cedo para o trabalho amanhã. Que tal na sexta?
— Talvez até sexta-feira, Blue volte e poderemos deixar esta merda
para trás e tudo ficará bem novamente. Ele pode até estar disposto
a conhecer minha irmã.

— Você promete? — Courtney pergunta.

Sorrio, mais do meu devaneio do para ela. — Sim. Eu


prometo.

Minha mãe começa a falar sobre quão bonito o apartamento


é, como amou as cores, como é claro e arejado com todas as janelas,
Courtney anuncia querer se mudar para meu antigo espaço no
porão. Eu mal ouço quando meus pais dizem que não acontecerá
tão cedo. Minha mente continua voltando para Blue. Por que ele foi
embora? Aonde ele foi? O que eu fiz de errado? Por que meu amor não
foi o suficiente para fazê-lo ficar?

— Piper, você me ouviu?

Balançando a cabeça, me viro para encarar o olhar


questionador da minha mãe. — Não, sinto muito, não ouvi.

— Nós pensamos que conheceríamos seu namorado hoje.

— Oh. — Trinco meus dentes. — Nós terminamos.

227
— Quem deixou quem? — Courtney se senta,
instantaneamente interessada, ela está naquela fase da
adolescência que ama qualquer tipo de drama e fofoca.

Torço minhas mãos no meu colo e forço as palavras através


do nó na minha garganta. — Foi mútuo. Ele precisou se mudar.

É uma maneira de se colocar as coisas.

Minha mãe sorri com simpatia. — Sinto muito.


Provavelmente é o melhor. Você não era a mesma enquanto
namorava este garoto. Ficou retraída e ansiosa. É uma mulher
jovem e bonita, o esquecerá em pouco tempo e encontrará o
caminho certo.

Eu já encontrei e nunca esquecerei Blue. Ele sempre será o


que terá meu coração. Sei com certeza. Embora seja complicado foi
o melhor e único.

— Você não pode confiar num homem que não conhece sua
família ou que não a busca em casa e a leva para sair. Ele
obviamente tem algo a esconder ou está apenas acostumado a não
saber como tratar uma mulher. É boa demais para alguém assim. É
uma boa menina. Não se rebaixe. — Meu pai fala. — Lembre-se, ele
não comprará a vaca se ele estiver recebendo o leite de graça. Você
deve fazê-lo se esforçar e respeitá-la.

Courtney começa a rir enquanto eu olho para o meu pai como


se ele fosse louco. — Papai, realmente? É uma coisa horrível de se
dizer. Eu não sou uma puta ou uma vaca, também não estava sendo
usada. Nós realmente nos importávamos um com o outro.

228
Olhando para o meu pai, minha mãe tenta diminuir o golpe.
— Não foi o que seu pai quis dizer. Você tem um bom coração, doa
muito e confia em todos. As pessoas podem tirar vantagem.

Não posso acreditar que meu pai simplesmente se referiu a


mim como uma vaca e insinuou que eu estava sendo fácil demais.
Mesmo que tenha sido dispensada da pior maneira possível, sei que
Blue não estava me usando. Que ele me ama tanto quanto eu o amo.
Só não tenho força mental para explicar nada aos meus pais no
momento, quando meu coração ainda está sangrando devido às
consequências de seu súbito desaparecimento.

Horas mais tarde, estou aliviada quando meus pais vão


embora. Ostentar um sorriso falso e segurar as lágrimas é
desgastante. Este deveria ser um dia feliz para mostrar minha nova
casa para meus pais e deixá-los orgulhosos de mim. Em vez disso,
estou uma bagunça, meu pai acha que eu sou uma vaca que
começou a beber e permite que os homens a usem.

Ditra adoraria ouvir isso.

Não importa como, sempre acabo sendo uma espécie de pária


desajeitada.

229
Capítulo 15
Piper

Nunca me atraso para qualquer coisa. Na verdade,


geralmente estou sempre alguns minutos adiantada para os
compromissos e reuniões. Quando minhas irmãs e eu éramos
jovens, minha mãe estava sempre nos apressando. Ela incutiu em
nós que a impontualidade era falta de educação. Ela definitivamente
não acreditava que se atrasar era moda.

No entanto, nunca considerei estar atrasada aterrorizante.

Até hoje.

— Você está grávida.

A sala gira tão rápido que me agarro na mesa de exame para


não cair no chão.

— Piper? — A Dra. Green toca meu ombro e pede para a


enfermeira me trazer um copo d’água.

Minha cabeça gira, minha visão fica turva e a voz da médica


ecoa ao meu redor. — Não pode ser... — Balanço a cabeça
lentamente. — Deve ser um erro. Estou tomando pílula, você me
receitou.

230
— Não é um método cem por cento garantido, infelizmente.
Você vem tomando todos os dias?

— Sim. — Respondo, não é exatamente verdade. Houve


aquelas noites em que Blue me pediu para ficar no galpão com ele e
nos aconchegamos, conversamos e fizemos amor durante toda
noite. Quando finalmente ia para casa no dia seguinte esquecia de
tomar a pílula ou a pulava, pois não sabia o que fazer.

Pego o copo da enfermeira e engulo a água fria, inundando


minha garganta e estômago, esperando lavar tudo. Deve haver uma
maneira de desfazer.

Sou inteligente. Sou responsável. Não sou o tipo de garota


que engravida. Acontece com outras garotas que não são
cuidadosas.

É você agora, Piper. Uma vaca que foi usada e jogada fora com
um cachorro e um bebê.

Olho para o meu copo de papel vazio. — Na verdade... acho


que me esqueci de tomar algumas vezes.

— Deve ser tomada todos os dias para ser eficaz. — A Dra.


Green folheia suas anotações na minha pasta e depois olha de volta
para mim. — Presumo que não tenha usado preservativos.

Balanço a cabeça, humilhação pulsando em minhas veias


como ácido.

— De... q... quanto tempo? — Pergunto.

— Parece ter apenas dez semanas. Vamos programar um


ultrassom daqui a duas semanas e você poderá ver seu bebê. Pode
trazer o pai.

231
— Nós não estamos mais juntos. — Tremo
descontroladamente e explodo em lágrimas sufocantes. A
enfermeira me entrega uma caixa de lenços e a equilibro no meu
colo. — Ele foi embora...

— Piper, lamento muito.

Dez semanas. Há oito semanas Blue foi embora. Durante


esse tempo, caminhei por todos os parques e estações de trem num
raio de cento e sessenta quilômetros tentando encontrá-lo, sem
sucesso. Ele pode estar em qualquer lugar atualmente.

— Eu não sei o que farei... — Soluço, secando meus olhos


com o tecido áspero. — Não tenho ideia de onde ele está.

A Dra. Green me entrega um cartão de visitas e vários


panfletos com fotos de adolescentes grávidas e bebês. — Nós temos
um conselheiro na equipe. Seria bom você conversar com ela sobre
suas decisões e escolhas.

As palavras ecoam em meus ouvidos. Decisões e escolhas.

E, de alguma forma, minha vida simples e chata se foi para


sempre.

232
Capítulo 16
Piper

— É bom tê-la em casa para o jantar. Nós a vimos apenas


duas vezes desde que você se mudou. — Minha mãe diz atrás do
prato de ziti9 e almôndegas no centro da mesa.

— Estou muito ocupada com o trabalho, comecei meu novo


cargo como assistente de marketing na semana passada.

— Você está gostando?

Assinto e engulo a comida. — Sim, tem sido ótimo. Até tenho


um pequeno escritório.

— Você conseguiu um aumento? — Courtney pergunta. Ela


mudou desde o mês passado e para mim, parece mais velha e menos
inocente. Seu cabelo preto está muito mais curto, começou a usar
mais maquiagem. Eu me pergunto se está namorando alguém, não
quero perguntar sobre isso quando estou prestes a soltar uma
bomba sobre a cabeça dos meus pais.

— Sim. — Eu limpo minha boca com o meu guardanapo. —


Recebi um pequeno aumento.

9
O ziti é uma massa de tamanho médio em forma de tubo que é frequentemente usada para fazer ziti
assado.
233
Tomo um gole do meu chá gelado e respiro fundo. — Preciso
contar uma coisa, por favor, não fiquem loucos.

Meu pai abaixa o garfo em expectativa. Eu provavelmente


não deveria ter começado a conversa com estas palavras, só quero
acabar logo e voltar para o meu apartamento.

— Use a abordagem Band-Aid — Ditra aconselhou. — Não


faça devagar e fácil. Simplesmente arranque e saia.

— Estou grávida. Um pouco mais de três meses.

O rosto de minha mãe empalidece e, ao lado dela, o queixo


do meu pai treme e ele empurra seu prato para longe, jogando-o em
seu copo de água, que cai. Os olhos de Courtney vão de mim, para
nossa mãe, para nosso pai e de volta para mim. Esperando por uma
resposta. Assim como eu.

Mordo meus lábios nervosamente. — Vou mantê-lo. —


Continuo com o silêncio. — Já conversei com um conselheiro e
decidi que é o melhor.

— Piper. — Os olhos de minha mãe estão brilhando de


lágrimas. — Como pôde deixar acontecer?

— Eu sabia. — Meu pai fala rispidamente. — Sabia que algo


assim aconteceria.

— Foi um acidente. Eu estava tomando pílula, me esqueci de


tomar algumas vezes. Não sabia que poderia engravidar se não
tomasse corretamente.

Meu pai bate o punho com força na mesa e todos nós


saltamos. — Você esqueceu? — Ele grita. — Esqueceu que poderia
arruinar sua maldita vida inteira?

234
Sim. Eu esqueci, porque estava presa no amor, sussurros,
música e no som de pingos de chuva...

— Um bebê é uma grande decisão — minha mãe diz. — Você


tem apenas vinte e um anos. E o pai? Vocês voltaram? Ele fará parte
da vida do bebê?

Meu pai balança a cabeça. — Eu não dou a mínima para o


que ele quer. Você pode apostar que pagará pensão alimentícia.

O conselheiro me avisou que meus pais reagiriam dessa


maneira. É uma reação natural a uma gravidez inesperada. Absorvo
suas emoções por um momento, deixo que expulsem sua raiva e
choque, antes de me forçar a continuar. — Não. Ele não sabe.

— Você precisa contar a ele. É tão responsável quanto você.

— Eu sei mamãe. Só não sei onde ele está.

— Bem, então vamos encontrá-lo. Podemos contratar um


advogado, se for necessário e bloquear seu salário como apoio.
Acontece o tempo todo.

Ah, que bom se a vida fosse assim tão fácil. Se Blue pudesse
ser assim tão fácil. — Eu não tenho ideia de como encontrá-lo. Eu
sequer sei seu sobrenome.

— O quê? — Meu pai grita. — Como você não sabe o


sobrenome? É o mesmo homem que você namorou durante meses?
O que nós sequer conhecemos?

— Sim papai. Nunca estive com mais ninguém.

— E nunca pensou em lhe perguntar seu sobrenome? — Ele


pergunta abismado. — Não é algo que costuma acontecer durante
uma primeira conversa?
235
A vontade de chorar e me defender, ou me colocar na cruz
para defender Blue é forte, porém me mantenho quieta. — É
complicado. Podemos esquecê-lo? Vou ter o bebê, sozinha, sem ele.

— Piper, é muito sério. Você precisa contar a ele nós não


deixaremos que a abandone como uma mãe solteira lutando sozinha
com um bebê.

Eu brinco com meu garfo, meu cérebro procurando pelas


palavras certas.

— Ele é um sem-teto. — Finalmente revelo. — Não sei o


sobrenome dele, nem mesmo se o primeiro nome é verdadeiro. Ele
não tem telefone, nem emprego, nem endereço. Acredite em mim,
tentei encontrá-lo meses atrás. Simplesmente desapareceu. Eu não
sabia sobre a gravidez quando ainda estava aqui. Tenho certeza de
que, se ele soubesse, teria ficado.

— Diga-me que é algum tipo de piada de mau gosto que você


e sua irmã inventaram. — Meu pai pede, olhando para Courtney,
que balança a cabeça com veemência.

— Papai, não é uma piada. É tudo verdade.

Minha mãe apoia os cotovelos na mesa e enterra o rosto nas


mãos. — É completamente sem sentido — ela murmura. — Eu não
entendo. Como aconteceu?

— Eu o conheci no parque. Ele é um músico de rua.

— Então é um maldito sem-teto, provavelmente fugitivo da


lei. Aposto que também é um drogado. Esse bebê nascerá viciado
em crack.

236
— Papai, só acontece quando a mãe é viciada em crack. O
esperma não pode estar drogado. — Responde Courtney.

— Vá para o seu quarto! — Ele grita.

— Papai...

Ele aponta para o corredor e olha para ela. — Vá! Agora!

Minha irmã se levanta e faz uma saída dramática, batendo a


porta quando chega a seu quarto no andar de cima. Eu esfrego
minha mão na testa latejante. — Podemos, por favor, nos acalmar?
— Imploro baixinho. — Já está difícil o suficiente para eu lidar.

Meu pai caminha de um lado para o outro com um copo de


uísque na mão.

— Você acha que é difícil? — Pergunta ele. — Não é nada.


Espere até você ter um bebê drogado. Talvez AIDS. E como
exatamente está planejando criar uma criança? Já pensou em
alguma coisa? — Ele vira o restante de seu uísque e vai até o armário
para encher seu copo. — Eu não entendo você, Piper. Você sempre
foi diferente de suas irmãs. Transar com homens sem-teto? Sua mãe
e eu não a criamos para se comportar assim. Que porra está errada
com você?

— Não há nada de errado comigo. Você nunca entenderá. Ele


não é uma pessoa ruim só porque vive de forma diferente. E as
pessoas não podem escolher por quem se apaixonam.

— Sim elas podem Piper. As jovens respeitáveis não deixam


os sem-teto sujos colocarem as mãos nelas. Você joga um dólar para
eles e segue em outra direção. Não abre suas malditas pernas.

— Bill, já é suficiente. Trata-se de nossa filha e de nosso neto.

237
Meu pai levanta a mão, o rosto contorcido de desgosto. —
Não. Esta não é a minha filha. Minha filha – a garotinha que eu criei
– não se reduziria a tal comportamento imundo. Não sei quem é esta
pessoa. — Ele bate o copo na mesa de jantar. — Estou saindo. Não
posso sequer ficar sob o mesmo teto que ela.

Eu sabia que nossa conversa não seria boa, porém nunca


esperei que meu pai ficasse tão enojado comigo e meu bebê, que
realmente sairia de casa para fugir de mim.

Ele e Blue têm algo em comum, ir embora sem conversar.

Meu coração dói, enquanto lentamente levanto a cabeça para


encontrar os olhos da minha mãe do outro lado da mesa. Seus lábios
estão apertados em uma linha fina, seus olhos castanhos cheios de
emoção. Sem uma palavra, ela coloca o guardanapo no prato e,
quando se levanta, tenho certeza de que seguirá o exemplo do meu
pai. Em vez disso, ela se senta na cadeira ao lado da minha e me
puxa para seus braços.

— Nós passaremos por isso. — Ela sussurra. — Eu prometo.

Eu me agarro a ela, meu corpo tremendo com os soluços,


com medo de deixá-la, temendo perder outra pessoa quando mais
preciso.

— Eu sinto muito, mamãe. Nunca quis que acontecesse.

Ela acaricia meu cabelo, como fazia quando eu era jovem. —


Eu sei Piper. Ficará tudo bem. Estou aqui e não vou a lugar
nenhum.

238
Limpo meus olhos com um guardanapo. — Estou com tanto
medo. Agora papai me odeia, não sei onde Blue está, nem tenho
ideia de como criar um bebê sozinha. Eu não sei ser mãe.

— Shhh... um dia de cada vez. É assim que se faz, como todo


mundo. — Ela sorri suavemente. — E seu pai não a odeia. Ele só
precisa de algum tempo para assimilar. Confie em mim.

— Estou tão confusa... quando conversei com a conselheira


ela me fez acreditar que eu poderia conseguir, agora, simplesmente
não sei mamãe. Num minuto estou bem e no próximo estou
desmoronando.

— Você vai conseguir, se for realmente o que deseja. Você


quer ficar com o bebê? Tem certeza?

Ainda fungando levanto meus olhos para ela e assinto.

— É tudo em que tenho pensado. Tenho certeza que quero


manter o bebê. Não posso me imaginar desistindo dela e nunca
saber o que aconteceria. Eu não poderia viver comigo mesma. Sei
que me arrependeria.

— Ela?

Eu não posso deixar de sorrir através das minhas lágrimas.


— Sim. Simplesmente sei que será uma menina. Posso sentir.

Minha mãe respira fundo, ainda sorrindo. — É muito mais


cedo do que esperava, mas parece que serei avó.

— Tudo parece surreal para mim. Não acreditarei em nada


até que ela esteja aqui.

239
— Acho que todas as mães se sentem assim. — Ela hesita
por um segundo. — É verdade? Sobre o pai? Você honestamente não
sabe onde ele está ou qual o seu nome completo?

Eu me encosto na cadeira e pego minha água. — É tudo


verdade. Ele não é uma pessoa ruim. Sei que pode parecer, pois você
não o conhece. Ele é carinhoso, talentoso e inteligente. Não é um
cara sujo e desajustado com um carrinho de supermercado como
está pensando. Ele é bonito, limpo e educado. Não foi apenas uma
aventura. Nós realmente nos amamos.

Sua testa se enruga. — Eu não entendo por que ele é


desabrigado, por que você não sabe seu nome ou seu paradeiro. Não
é normal, Piper. Preocupa-me muito. É tão diferente de você.

Como posso explicar? Ainda estou tentando entendê-lo e


tenho mais perguntas do que respostas. — É difícil explicar. Blue é
diferente. Eu sei que papai acha que ele é um fracassado e drogado.
Quando era mais novo, teve um problema com drogas.

Seus olhos se arregalam e continuo antes que comece a


entrar em pânico.

— Ele entrou em reabilitação e está limpo agora. É apenas


um daqueles artistas criativos, ansiosos. Não pode ficar parado,
quieto. — Minha voz trava com a emoção e tento me recompor. Falar
sobre ele me faz sentir ainda mais sua falta. Eu faria qualquer coisa
para ver seu sorriso e ouvir sua voz novamente. — Ele é especial,
mamãe. É difícil e vive em seu próprio mundo, porém é uma boa
pessoa. Não me arrependo de ter me apaixonado por ele.

240
— Estou tentando entender. Nunca imaginei que qualquer
uma das minhas garotas estaria em uma situação como esta. Você
pode vê-lo sendo parte de sua vida novamente? Do bebê?

— Eu não sei. No futuro imediato? Não. Talvez. Acredito que


algum dia ele voltará. Pelo menos, espero que sim. — Faço mais do
que apenas esperar. Desejo, rezo, imagino e posso ter considerado
brevemente entrar em contato com uma bruxa para colocar um
feitiço nele.

Nas últimas semanas, me perguntei cem vezes como imagino


que Blue reagiria à notícia de ser pai e cada uma me leva a uma
conclusão diferente. Em algumas acredito que ficaria feliz, outras
que ficaria com medo, fugiria para o mais longe que pudesse e
nunca mais voltaria.

Minha mãe começa a arrumar a mesa. — Você deveria voltar


para casa. — Ela sugere. — Seria melhor para você e o bebê, estar
aqui conosco.

— O quê? — Endireito na minha cadeira. — Não. Eu não


posso. Amo meu apartamento. E não dá para criar um bebê no
porão, mamãe. Até mesmo o gato o odiava. — Voltar para casa é o
último recurso, somente se não houver outras opções disponíveis.
Recuso-me a perder tudo pelo qual trabalhei, deixar a minha vida
desmoronar só porque estou grávida. A conselheira me falou que
muitas mães solteiras vão para faculdade, têm carreiras e vivem
vidas felizes e normais, embora a maioria pense que não conseguiria
no começo. Preciso ficar focada em meus objetivos, ser uma boa mãe
e tomar as melhores decisões para mim e para o bebê.

241
— Antes de dizer não, por favor, pense a respeito. Como você
cuidará de um bebê morando sozinha? Trabalha em tempo integral.
Creches custam uma fortuna e gastará a maior parte do seu salário.
Se vier morar conosco, eu poderei cuidar do bebê o dia todo
enquanto estiver no trabalho. Será muito mais fácil para todos os
envolvidos.

Eu não posso negar que o que ela está dizendo é verdade. Eu


já comecei a pesquisar as creches locais e as taxas semanais são
exorbitantes.

— Você realmente quer ser babá o dia inteiro? Acabou de se


aposentar. Pensei que quisesse fazer artesanato. Aprender a jogar
golfe com o papai. Aproveitar a vida enquanto ainda é jovem.

Ela gesticula com a mão para mim. — Ainda posso trabalhar


nos meus projetos de artesanato e golfe nos fins de semana, se eu
quiser, o que na verdade não sei se quero, só não conte ao seu pai.

Eu insisto. — Não posso voltar. Preciso do meu espaço e


independência. E, se quiser mesmo me ajudar, posso trazer o bebê
para cá todos os dias a caminho para o trabalho e buscá-lo depois?
Então não terá que ficar com estranhos o dia todo e poderei manter
meu apartamento. Eu vou pagar você.

Ela me encara enquanto limpa a mesa da cozinha.

— Absolutamente não. Você não me pagará para cuidar do


meu próprio neto.

— Ok, você realmente acha que é algo que deseja fazer?


Depois da minha licença maternidade?

242
— A licença maternidade. — Ela repete, fechando os olhos
como se estivesse tentando absorver as palavras. — Eu nunca
pensei que conversaríamos sobre isso. Não por um longo, longo
tempo.

Nem eu.

— A resposta é sim, Piper. É claro que adoraria cuidar do


meu neto todos os dias. Faremos juntas. Eu não deixarei nada
acontecer com você e este bebê. Tem um bom médico? Eu gostaria
de ir a sua próxima consulta. Ou poderia levá-la para o meu médico,
aquele que cuidou de você e suas irmãs...

— Mamãe. — Aviso. — Desacelere. Você está fazendo minha


cabeça girar. Eu tenho um médico, mas será bem-vinda para vir
comigo e supervisionar se quiser.

— Só quero ter certeza de que você está recebendo o melhor


atendimento. — Ela coloca as mãos nos quadris e solta um suspiro
profundo. — Tudo certo. Temos muito tempo para planejar e
conseguir todas as coisas de que você vai precisar. Não se preocupe
com seu pai, conversarei com ele vai se acalmar. Tudo ficará bem,
eu prometo.

Quero acreditar nela, bem no fundo, vozes estão


sussurrando o contrário e elas são difíceis de ignorar.

243
Capítulo 17
Piper

— Venha Lyric. Vamos almoçar. — Estendo minha mão, ela


não a segura. Está completamente concentrada em uma lagarta
laranja e preta que está rastejando ao longo da calçada. — Tenho
certeza que o Sr. Caterpillar tem um lugar para estar, também. —
Ela olha para mim, seus grandes olhos azuis cheios de curiosidade
e... contemplação. Sempre pensando, debatendo e se perguntando.

Aceno meus dedos estendidos. — Vamos querida. Você pode


ter um smoothie10 quando chegarmos lá.

— Morango?

— Sim, morango.

Suborno é geralmente a minha última tática para motivá-la,


porém meu estômago está roncando e tenho uma pilha de trabalho
que preciso revisar para uma reunião agendada na segunda-feira
esperando por mim em casa. Lyric cantarola feliz para si mesma
pelo restante do trajeto, do estacionamento até o café. Uma brisa
sopra nossos cabelos em nosso rosto e eu respiro o ar quente,

10
Um smoothie é uma bebida espessa e cremosa feita de purê de frutas cruas, vegetais e às vezes
produtos lácteos, geralmente usando um liquidificador.
244
acolhendo os primeiros sinais da primavera. Desfruto de todas as
estações, porém já tive o suficiente de inverno. Não posso mais lidar
com tanta neve, casacos pesados e lama.

O sino pendurado na porta do café toca assim que entramos


e aceno para Robbie, que trabalha aqui por tanto tempo quanto
posso me lembrar.

— Como estão vocês duas? — Pergunta.

— Estamos bem. Muito movimento hoje? — Quase todas as


mesas estão ocupadas esta tarde.

— Sim. O clima agradável tira todos de casa. Você quer o


habitual?

— Sim, por favor.

Ele debruça sobre o balcão e sorri para Lyric. — Morango ou


laranja?

Segurando minha mão com mais força, ela se encosta em


minha perna e responde com um sorriso tímido — morango.

Ele pisca para ela. — É o meu favorito, também.

Damos um passo para o lado para esperar, enquanto ele


prepara nosso pedido e tropeço em alguém com o nariz em uma
revista.

— Sinto muito, não vi você. — Digo, esgueirando ao redor


dele para esperar perto da exposição de doces.

— Piper?

Puxo a barra de chocolate da mão de Lyric e a coloco de volta


antes de olhar para um rosto bonito e vagamente familiar.

245
Demora alguns segundos para que minha boca se mova. —
Josh. Oi... não o reconheci.

Como é possível alguém mudar tanto? A última vez que o vi


ele era magro, seu cabelo castanho cortado num corte militar, usava
óculos de aro prateado que sempre tinham impressões digitais nas
lentes. Era uma espécie de nerd. Bonito, ainda assim um nerd. Não
mais. Deve ter feito muito exercício porque seus braços e ombros
têm o dobro do tamanho que costumavam ter. Seu cabelo, mais
longo e mais leve, paira por cima das sobrancelhas de um modo
bagunçado embora sexy. Os óculos se foram, junto com as camisas
largas, os jeans e tênis velhos que costumava usar. Parece
incrivelmente moderno e elegante com calça preta, uma blusa cinza
e sapatos de couro preto.

— Faz um longo tempo. — Diz ele. O sorriso inseguro que eu


me lembrava agora é tranquilo e confiante.

— Sim, faz.

— Você está ótima, Piper.

Bem que eu desejava estar, não estou. Na verdade, tenho


certeza que ainda estou usando a maquiagem de ontem. A única
coisa diferente em mim é a criança segurando minha mão tentando
pegar doces.

— Obrigada... esta é a minha filha, Lyric.

Um breve lampejo de choque arregala seus olhos. — Uau! Ela


é adorável. Qual a sua idade?

— Três anos.

— Oh. Ela tem o seu sorriso.

246
Todo mundo diz isso, eu não vejo. Tudo o que vejo são os
olhos e sorriso de Blue. Rapidamente expulso o pensamento da
minha mente me concentrando em Josh.

— Então, o que você está fazendo aqui? — Pergunto. — Veio


visitar seus pais?

Ele balança a cabeça. — Não. Queria ligar para você, mas o


tempo continuou passando. Voltei no ano passado. Tenho uma
grande carreira, comprei uma casa, passei por uma separação ruim,
gastei todo meu tempo arrumando a casa e aqui estou. E você?

— Semelhante. Tenho um grande trabalho, um apartamento,


tive meu coração partido, fiquei grávida e passo o meu tempo
perseguindo-a por todo o lado. — Olho para o balcão quando Robbie
chama meu nome. — É o meu pedido.

— Preciso correr também. Você gostaria de jantar amanhã?


Podemos colocar a conversa em dia.

Não tive um jantar com um homem nos últimos anos. Todos


disseram que ser uma mãe solteira não me impediria de namorar.
Impede. Conhecer homens é difícil. Quando encontro um, não acho
que seja bom o suficiente para trazer para nossas vidas ou não quer
se relacionar com uma mulher com uma criança. Na verdade
querem apenas sexo. Em raras ocasiões, conheci alguém que está
realmente procurando amor, o que significa um grande não para
mim bem como o sexo. Então, talvez não deva colocar toda a culpa
nos homens, tenho meu próprio conjunto de disfunções.

No entanto trata-se de Josh, ele não vem com nenhuma


amarra ou expectativa.

— Ok. Gostaria muito.


247
E se Josh percebeu minha leve hesitação, não demonstrou.
— Dê-me seu número e ligarei amanhã para pegar o endereço.

Trocamos números. Depois seguimos em direções opostas,


eu vou para casa mergulhar no trabalho, enquanto Lyric brinca com
suas bonecas no chão. Ela colocou uma xícara de chá e pires de
brinquedo na frente de Bolota e está tagarelando ininterruptamente.
Lyric é uma criança incrivelmente meiga, pouco exigente e se
mantém ocupada por horas. Não tem acessos de raiva e, quando às
vezes debate comigo, não discute ou desafia. Bolota é um
maravilhoso irmão de pelo, sempre paciente e atento com ela e suas
aventuras imaginárias. Embora no começo tenha sido difícil, me
sinto muito abençoada por ter uma pequena e satisfatória família
tão feliz.

Satisfatória. A palavra, a coisa, que tirou a única peça que


faltava em nossa vida. Contornei o medo, obstáculos inesperados e
caos. Na minha forma de contentamento. Será que Blue foi capaz de
fazer o mesmo? Teria encontrado o que queria e precisava, em mim
e em nossa filha se tivesse ficado e nos dado uma chance?

Provavelmente nunca saberei. Infelizmente, nem ele.

— Não posso acreditar que vai sair com Josh. Nós não o
vemos faz uma eternidade.

Eu olho para seu reflexo no espelho do quarto enquanto


coloco meus brincos. — Não fique louca, Dee. É apenas um jantar
entre amigos.

248
— Hoje, o que não significa que no futuro você não irá
aproveitar. Talvez agora que ele está gostoso, tenha algumas
vibrações alfa.

— Vibrações alfa? Talvez vocês dois devam ficar juntos,


então.

— Realmente acha que vim aqui somente para ser babá? É a


desculpa perfeita para verificá-lo. — Ela brinca.

A campainha toca e a encaro. — Ele chegou você poderá fazer


agora. Ainda precisa ser uma babá, no entanto. Estou bem?

Ela se levanta e me olha de cima a baixo. — Parece


maravilhosa, como sempre. Por que não podemos ter o mesmo
tamanho, para eu poder usar suas roupas?

— Confie em mim, é melhor ser do seu tamanho. — Ninguém


entende como é difícil encontrar calças que não sejam meio metro
mais longas ou sapatos que realmente caibam em seus pés.

Ela me segue para sala e senta-se no sofá com Lyric


enquanto atendo a porta.

— Sinto muito, cheguei cedo. — Diz ele.

— Tudo bem, entre. Alguém quer se embasbacar com você.

Sua sobrancelha levanta e ele entra. — Puta merda, Ditra! —


Ele ri quando a vê e ela pula para abraçá-lo. — Como você está?
Pensei que estaria casada com um homem rico e vivendo em Paris.

— Estou trabalhando nisso. Você trouxe a sua Declaração de


Rendimentos?

Ele sorri. —Vejo que você não mudou nada.

249
— Nunca. Por outro lado, você... — Ela o olha como se fosse
o almoço. — E se soubesse que você acabaria parecendo assim, o
teria roubado para mim na escola.

Gostaria de poder flertar tão facilmente quanto Ditra. Não


sou boa no quesito e sempre acabo dizendo algo estranho ou
percebendo depois que havia algo preso em meus dentes o tempo
todo.

— Ditra é a minha babá. — Abro a porta do armário do


corredor e tiro o meu casaco. — Ela falou que concordaria se
pudesse verificá-lo.

— É lisonjeiro e perturbador. Tem certeza que é seguro deixar


sua filha com ela? — Ele sorri alegremente para Ditra. — Você tem
alguma experiência em cuidar de crianças?

— Sim, muita. Namoro muitas.

— Essa foi boa. — Respondo, inclinando-me para beijar a


testa de Lyric. — Mamãe sairá por um tempo e tia Dee ficará para
brincar com você, ok?

Ela balança a cabeça, sem levantar os olhos de livro de


imagens favorito que está aberto no colo. Eu não tenho certeza se
deveria ser grata ou ficar decepcionada por ela não estar nem um
pouco triste. Nunca saio a noite, então é novidade para ela. Eu
esperava perguntas ou um beicinho, Lyric está indiferente.

— Piper, ela ficará bem. Saia e divirta-se pelo menos uma


vez. —Ela olha pra Josh. — Tudo que esta menina faz é trabalhar.
Estou surpresa que você a esteja tirando de casa.

250
— Nós estamos saindo. — Agarro o braço de Josh antes que
Ditra possa revelar fatos mais embaraçosos a meu respeito. — Não
coma muitas besteiras e não se esqueça de levar Bolota lá fora.

— Sim, mamãe.

Eu nunca fui à churrascaria onde Josh está me levando,


estou aliviada por ele ter feito uma reserva, porque há uma fila de
pessoas quando paramos no estacionamento. Não sou uma
daquelas pessoas que gostam tanto de comida que esperam
quarenta minutos ou mais com um pager na mão. Prefiro ir a um
drive-thru e comprar um hambúrguer, batatas fritas e resolver o
assunto.

A partir do momento em que entramos no carro caímos em


uma conversa fácil, relaxada. Nós nos cruzávamos e falávamos ao
telefone esporadicamente, desde que oficialmente nos separamos,
paramos anos atrás, quando conheci Blue e tenho um palpite de
que foi na mesma época que Josh também se envolveu. O fato de
sermos amigos antes impediu que o tempo ou a distância nos
afetasse. Josh e eu provavelmente poderíamos ficar dez anos sem
nos ver e ainda nos sentiríamos confortáveis um com o outro como
quando nos vimos pela última vez. Atualmente é exatamente a
estabilidade que poderia ter em minha vida.

— Você ainda está trabalhando para a mesma empresa? —


Josh pergunta enquanto abrimos nossos menus.

O cardápio tem uma capa de couro marrom e é impresso em


papel pergaminho. Parece pesado e estranho em minhas mãos,
anseio pelos menus laminados de plástico que o meu restaurante
favorito tem. Eu me sinto fora de lugar, sentada nesta sala escura,

251
com mesas cobertas com toalhas brancas e velas tremeluzindo. A
música de piano saindo de alto-falantes escondidos, provavelmente
pretende tornar o ambiente romântico, para mim parece chato,
quase zombeteiro.

Não quero estar neste restaurante chique com Josh. Quero


jantar com Blue, comer hambúrgueres e tomar refrigerante de
cereja.

— Estou. — Respondo. — Agora estou em campanhas de


marketing e publicidade. Amo e nunca fico entediada.

— É melhor do que atender telefones, hein? — Há alguns


anos, ele costumava ligar para o escritório e fazer-me perguntas
estranhas com um sotaque falso somente para diminuir o tédio do
meu dia.

— Definitivamente. E você? Ainda está em contabilidade?

Ele coloca seu cardápio de lado. — Apenas em tempo parcial.

Eu olho para ele com crescente curiosidade. — Oh? O que


você está fazendo com a outra parte do seu tempo?

— Modelando e atuando. — Ele responde com um grande


sorriso.

Fico olhando para ele, esperando que diga que estava


brincando. Mas parece sério. — Modelando e atuando? — Repeti. —
De verdade?

Ele pega um bolinho da cesta no centro da mesa e dá uma


mordida. Mastiga e engole antes de responder. — Sim.

— Josh! Nossa é tão incrível! Que tipo de trabalho você fez?

252
— Nada memorável ou excessivamente emocionante ainda.
Fotografia de moda, aparições em peças para televisão e um filme
pra televisão a cabo. É muito divertido. Nunca em um milhão de
anos pensei que faria algo parecido.

— Estou espantada. E tão orgulhosa de você. Nem sabia que


queria ser modelo ou ator.

— Nem eu. Meio que fui jogado no ramo. Conheci um


fotógrafo na academia que perguntou se eu estava interessado em
ser modelo e partiu daí.

— É tão incrível. Pode me mostrar alguma coisa? Tem fotos


ou os filmes nos quais atuou? Adoraria ver.

— Sim, tenho algumas das fotos e revistas em casa. Podemos


passar por lá e eu te mostro.

— Claro que sim.

Ditra ficará maluca quando eu contar e me pergunto se Josh


pode estar interessado em sair com ela como mais do que apenas
amigos. Ela poderia ter um homem bom, normal, em sua vida já que
parou com suas escapadas sexuais.

Eu também poderia ter um homem normal, só não quero um.


Existe apenas um homem para mim.

— Sua filha é adorável. — Josh diz após o garçom vir pegar


o nosso pedido. — Você está envolvida com o pai dela?

A simples menção de Blue causa uma pequena contração em


meu peito. Saboreio minha água gelada, em seguida, balanço a
cabeça. — Não. Nós terminamos antes que eu soubesse que estava
grávida. Ele sequer sabe da existência dela.

253
— Droga, isso é difícil.

— Eu não a estou mantendo longe dele, Josh. Nunca agiria


assim. Não tenho nenhuma maneira de entrar em contato com ele.
Eu gostaria de poder.

— Era sério? Vocês dois?

Bem, se a definição de sério era sentir como se meu coração


fosse arrancado do peito e sequestrado, então sim, era sério.

— Para mim foi e senti que para ele também. — Encontro


seus olhos cor de avelã. — É uma situação muito complicada.

Ele acena em aceitação. — Falou o suficiente. Vamos fazer


um acordo. Não perguntarei sobre seu ex se você não perguntar
sobre a minha. E, se em algum momento quiser conversar sobre ele,
o faremos. E se não, não é grande coisa. Não é da minha conta.

Alívio me percorre, dissipando a ansiedade e angústia que


sempre vem quando penso em Blue.

— Combinado. O mesmo para você, se você quiser falar,


estou aqui.

E se posso esconder minha dor e saborear minhas


lembranças em paz, então eu estou bem com Josh fazendo o mesmo.

Nós compartilhamos histórias sobre os nossos empregos e


famílias durante o jantar, atualizando um ao outro sobre o que
perdemos ao longo dos últimos anos. É estranho como muito está
igual, no entanto muito mudou, também.

— Você deve convidar Ditra para sair. — Sugiro quando a


sobremesa chega. — Ela não teve muita sorte em namoros. É um
pouco maluca, mas acredito que está pronta para algo sério.
254
Um sorriso estranho toca seus lábios e ele pega uma colher
de creme brûlée. — Acho que ela é mais do que eu posso lidar. —
Ele admite. — E tenho que ser honesto, não estou pronto para me
envolver com alguém. Meu último relacionamento mexeu comigo.

Estou muito familiarizada com o brilho de dor em seus olhos


e a parede invisível que suas palavras colocaram entre nós.
Honestamente é um alívio agradável. Não porque queira que ele
esteja ferido e sim porque ele entende exatamente como me sinto.

Nós estamos na mesma página.

255
Capítulo 18
Piper

Tranco meu escritório e aceno um adeus aos colegas de


trabalho que ficarão até tarde. Procurando as minhas chaves
enquanto saio do edifício e vou em direção ao meu carro, faço uma
lista mental de tudo o que preciso fazer no caminho de casa. Colocar
gasolina no carro. Parar na mercearia para comprar leite e pão.
Pegar Lyric na casa da minha mãe e ignorá-la quando ela ressaltar
que Courtney tem um encontro numa sexta a noite e eu não.

Meu coração pula na garganta quando jogo minha pasta e


bolsa no banco do passageiro. Fecho a minha porta e a tranco.
Respirando fundo, finalmente alcanço o pedaço de papel branco que
está dobrado e saindo do meu suporte de copo.

Eu olho para fora do para-brisa. Em seguida, para as janelas


laterais. Olho no espelho retrovisor, procurando freneticamente por
ele.

Ninguém está no estacionamento, exceto eu.

Uma dor cresce em meu peito enquanto olho para a nota na


minha mão trêmula. Esfrego o meu polegar ao longo da textura

256
familiar do papel. Meus dentes apertam meu trêmulo lábio inferior
enquanto o meu coração e o meu cérebro batalham.

Meu cérebro diz para rasgar o bilhete em pequenos pedaços


e jogá-lo fora. Esquecê-lo e sua indefinição sempre frustrante. Não
tenho espaço em minha vida para seus jogos. Além disso, nada
escrito ali pode mudar nada. Só servirá para reabrir feridas mal
curadas e infeccioná-las mais uma vez.

Meu coração diz abra. Abra agora. Não espere mais um


segundo! Estive esperando e esperando durante anos. Um sinal.
Uma explicação. Alguma coisa. Talvez as palavras ali pudessem
mudar tudo.

O coração sempre vence.

Lentamente desdobro o papel e juro que posso sentir seu


cheiro nele. Esfumado, mentolado, Blue.

Piper,
Andei um milhão de passos e nenhum deles me afastou de você. Escrevi
milhares de palavras e nenhuma delas a captou. Estou assombrado por você,
impulsionado, louco de amor e luxúria. Quero ser bom para você. Quero dar-lhe
tudo. Um dia eu darei. Por favor, acredite. Não quero feri-la. Estou tentando
ser melhor. As coisas estão ficando cada vez melhores. Estou tão cansado.
Estou tentando. Todo dia estou lutando com as vozes e as palavras. Sinto sua
falta. E sinto falta de Bolota. Você não sabe o quanto. Não se esqueça de mim,
bebê. Odeie-me se precisar, mas não pare de me amar. Quero que você seja
feliz. Quero tanto isso para mim.
Acho que tudo é uma bagunça. Sinto muito, eu sou uma bagunça.
Eu te amo como se não houvesse amanhã.
Sempre.
~ Blue
257
Minha mão treme de forma incontrolável quando chego à
última palavra.

Leio novamente.

E de novo.

Leio mais e mais até que posso ouvir sua voz rouca dizendo
as palavras, elas cortando como uma faca, abrindo meu peito,
arrancando meu coração e alma. Ele esteve aqui, quando? Horas
atrás? Minutos atrás? Será que me viu chegando ao escritório esta
manhã? Está me observando neste momento? Mais uma vez, olho
através do para-brisa, para o estacionamento, em seguida, viro-me
para olhar pelas janelas laterais, então o espelho retrovisor.

Não o encontro. Ainda estou sozinha.

Fungando e me engasgando com as emoções despertadas


dentro de mim, dobro o bilhete e guardo na minha bolsa.

Por que ele voltou e não quis me ver? Não posso sequer
compreender. Eu faria qualquer coisa para vê-lo, sentir seus braços
e o calor de seu corpo ao meu redor novamente. E, se ele me ama,
por que se esconder de mim? Depois de todo esse tempo, por que
não quer me ver cara a cara?

Enxugo as lágrimas que escorrem pelo meu rosto e ligo o


carro. Talvez não seja tarde demais, ele ainda pode estar por perto,
andando nas proximidades.

O tráfego suburbano das cinco horas, no entanto, não me


deixa ir muito longe, bato minha mão no volante em frustração
quando tenho que parar no semáforo no cruzamento perto do
escritório. Observo as calçadas ao redor, procurando seu cabelo

258
balançando ao vento, sua mochila e violão pendurado no ombro. O
assento de bebê no banco de trás me chama a atenção no espelho
retrovisor e meu coração salta uma batida. Será que ele o viu
quando colocou o bilhete no meu carro? Será que foi o que o
assustou? Oh Deus. E se ele pensou que tive um bebê com outra
pessoa? Agora, mais do que nunca, preciso encontrá-lo e contar
sobre Lyric antes que desapareça novamente.

Quando o tráfego permite, subo e desço a rua principal,


passando pelo parque e todos os lugares nos quais Blue costumava
tocar, não o vejo em nenhum deles. Eu sei que deveria desistir dessa
loucura, fazer minhas compras, pegar minha garotinha e ir para
casa. Não o faço. Como um ímã estou sendo puxada para o único
outro lugar onde acredito que Blue poderia estar.

A casa com o galpão.

Anos atrás fiz uma promessa a mim mesma, de que nunca


mais voltaria e me torturaria com as lembranças e as perguntas que
assombram aquele lugar. Quase quebrei minha promessa várias
vezes ao longo dos anos quando a saudade de Blue era muito
intensa, quando queria fazer alguma coisa para me sentir perto dele
novamente. Sempre que acontecia lutava contra a vontade e me
forçava a ficar em casa, tocando a caixa de música e olhando para
a vela sem chama que ele me deu.

— Eu pensei que talvez você pudesse levar para casa e colocá-


la junto de sua cama. Então saberá que estou pensando em você.

Aquela pequena luz bruxuleante era insuficiente.

259
Eu fui forte. Parei de procurá-lo e fiquei longe de nossos
lugares especiais. Esta noite é diferente, pois ele pode realmente
estar lá.

Não fico surpresa ao ver que a antiga casa não mudou nada;
continua um reflexo isolado do que tenho certeza foi um dia, quando
as pessoas viviam nela. Verifico o galpão primeiro e fico desapontada
ao ver que continua vazio. Preciso questionar meu bom senso. Será
que realmente quero ver o homem que amo dormindo neste antigo
edifício mofado? Em seguida verifico a varanda, quase pulando para
fora da minha pele quando as rajadas de vento na porta de tela a
fecharam atrás de mim com um estrondo. Se Blue estiver aqui,
definitivamente ouviu o barulho. Decepção cresce quando vejo tudo
exatamente igual: a pilha de cadernos e a lona no canto intocados.
Só para aliviar a minha mente, tento a porta da cozinha e continua
trancada.

Eu não me incomodo em chamar seu nome como fiz no


passado, se estivesse em algum cômodo, teria ouvido a porta bater
e, se ouviu, então está propositadamente me evitando. Posso
entender o fato de não querer me enfrentar no estacionamento do
meu escritório, não aqui, em seu território neutro e, se ele não se
importa comigo o suficiente para sair das sombras, então não há
nada mais que eu possa fazer. Não quero jogar nenhum jogo. Sou
mãe agora, tenho um escritório de canto com janelas e trabalho duro
para ter uma vida, depois que ele desfiou meu coração como uma
ave de rapina. Eu não posso, me recuso a desmoronar novamente.

Saio de lá e passo pela mercearia, em seguida vou para casa


dos meus pais pegar Lyric, o que eu deveria ter feito em vez de ir
atrás de Blue. Quando minha mãe fala comigo sobre o quão tarde
260
cheguei e como deveria ter ligado para ela, não tenho energia para
discutir, dizer a verdade ou inventar desculpas. Dou a melhor
desculpa que consigo, arrumo minha filha e sua parafernália de
brinquedos de pelúcia, indo direto para casa.

Lyric adormece no carro e a ausência de sua tagarelice


habitual me dá a chance de me recompor. Infelizmente, quando
entro em casa a visão de Bolota abanando o rabo cumprimentando-
nos com o pinguim na boca, acaba em dor de cabeça mais uma vez.

Às vezes eu odeio Blue e, mais ainda, não conseguir deixar


de amá-lo.

261
Capítulo 19
Piper

— Estas são incríveis. Acho que você encontrou sua vocação.


— As duas páginas de revista, com Josh posando para uma marca
de perfume caro, é impressionante. Sua expressão e sua linguagem
corporal são tão confiantes e naturais, é difícil acreditar que seja o
mesmo adolescente desajeitado que namorei.

Ele vasculha a caixa no chão de sua sala de estar entre nós,


tirando mais fotos. — Surpreendente, não é? — Pergunta. — Eu
gosto muito mais do que pensei que gostaria.

Ergo uma foto dele com uma modelo bonita que


instantaneamente reconheço. — Bem, quem não gostaria disso? —
Eu provoco. — Ela é realmente perfeita ou é tudo da edição? Diga-
me que é a edição.

Ele ri. — Não, ela é perfeita.

— Droga. É tão injusto. — Coloco a foto no chão ao lado das


outras e alcanço a parte inferior da caixa para tirar mais algumas,
enquanto ele me mostra outra revista. As fotos que estou segurando
não são profissionais, parecem ser fotos dele em uma festa com
alguns amigos e em algumas delas beijando um homem.

262
Beijando um homem

Observo a imagem com a testa franzida e decido que devem


ser amigos brincando, minha respiração trava quando passo para a
próxima foto, que os mostra seminus, brincando e claramente se
tocando. Antes que possa realmente compreender o que estou
vendo, Josh tira a foto da minha mão e a joga de volta na caixa,
balançando lentamente a cabeça para trás e para frente.

— Você não deveria ver essas.

Uau. Ditra chamou minha atenção para a possibilidade no


segundo ano do ensino médio e eu disse que era louca. Ela estava
certa. Josh é gay. Ou bi.

Engulo em seco tentando olhar em seus olhos quando ele


coloca a tampa de volta na caixa.

— Josh... — Eu não sei o que dizer.

— Estou confuso, Piper. — Diz em voz baixa. — Estive por


um longo tempo.

Concordo com a cabeça e toco sua mão. — Está tudo bem.


Eu também.

Tanta coisa faz sentido para mim agora. O motivo de as


coisas nunca terem ido mais longe quando namoramos anos atrás
e porque somos estritamente amigos desde que começamos a passar
um tempo juntos recentemente. Não sou nada além de amiga dele,
pois ainda estou presa a Blue. E ele é apenas meu amigo também.

Droga! Talvez eu realmente esteja destinada a nunca ter um


relacionamento normal com ninguém.

263
O breve momento de surpresa e estranheza desaparece e nós
deixamos passar. Retomamos nossos planos para fazer o jantar e
assistir a um filme. Quando bocejo e lhe digo que deveria ir para
casa, ele coloca a mão no meu braço para me impedir.

— Podemos conversar antes de você ir? — Ele pergunta.

— Claro.

Ele respira fundo. — Eu queria falar com você... estava


apenas esperando o momento certo. Agora que já sabe... sim, eu
gosto de homens. E mulheres.

Eu não deixarei a descoberta estragar minha amizade com


ele. Preciso de pessoas de apoio na minha vida, ele tem estado no
topo da lista, desde que nos reencontramos.

— Josh... não me importa quem ou o que gosta. Você é meu


amigo, quero que seja feliz. Minha cabeça está confusa também.
Você sabe.

— Eu sei. E só para constar, acho que é uma merda, você


merece ser feliz e não ficar apaixonada por um fantasma.

Ignoro seu comentário.

— Então, o rompimento sobre o qual falou? O que você


estragou tudo era um homem?

Ele balança a cabeça solenemente. — Era. Ele foi o primeiro


homem, o único homem, com que já estive. E você ainda é a única
mulher que namorei sério.

— E eu pensei que você fosse apenas um cara legal indo


devagar comigo porque eu era virgem. — Provoco.

264
— Whoa... sequer pense nisso, Piper. Não fiz sexo com você
porque não estivesse atraído. Eu estava. Você é linda. Só não queria
fazê-lo quando minha cabeça estava tão fodida. Não permitiria que
sua primeira vez fosse com um cara que não estivesse comprometido
com você, em todos os sentidos.

— Obrigada. — Visões da minha primeira vez passam diante


de meus olhos. O puxar de cabelo, a pedra úmida contra o meu
rosto, o rasgo e o desgaste de roupas e carne, as mordidas sem fim
e os chupões, sangue e sêmen em meus lábios. Aqueles latentes
olhos azuis...

Cruzo as pernas para sufocar o formigamento em minhas


coxas. Toda vez que penso nos momentos íntimos que compartilhei
com Blue meu corpo se torna dele novamente. Meu coração acelera.
Minhas pernas oscilam. Lambo involuntariamente os lábios,
esperando pelos seus. Às vezes, juro que posso sentir o cheiro de
fumaça rompendo a barreira das minhas lembranças.

Sinto falta dele e de como ele me fez sentir tão desejada. Tão
amada. Tão viva. Perdi a nossa pequena bolha isolada do amor.

Sinto falta dele.

— Bem, de qualquer forma, aqui vai. Estive pensando…

Eu pisco e aceno, empurrando meu cérebro de volta para o


momento. — Uh oh...

— Basta ouvir, ok?

— Ok.

— Eu gosto de sair com você. Eu amo Lyric. Acho que vocês


devem morar comigo. Eu a ajudarei com Lyric, você não terá que

265
deixá-la a todo o momento com sua mãe quando quiser fazer alguma
coisa, eu posso levar Bolota para correr comigo, podemos apenas...
não sei. Apenas estar lá um para o outro. Meio que vivendo juntos,
até descobrirmos o que fazer.

Não é nada do que estava esperando. — O quê?

— Eu tenho esta bela casa. São quatro quartos. Três deles


vazios, sequer os mobiliei. Tenho um enorme quintal. Gastei tanto
tempo e dinheiro nesta casa, que não quero desistir, está me
deixando louco porque está tão... vazia.

Eu pisco e ele sorri.

— Sua casa é bonita, porém pequena. Você trabalha em uma


mesa de lanche em sua sala de estar na maioria das vezes. Vocês
teriam muito mais espaço. Cobrarei o mesmo aluguel que está
pagando atualmente. Podemos compartilhar a cozinha. Você
compra sua comida, eu comprarei a minha. Tenho uma sala de estar
e um escritório onde poderemos estar juntos ou separados, o que
desejar. Há espaço suficiente para nós não ficarmos em cima um do
outro.

Ele está certo, a casa é enorme. Dispõe de quartos que ainda


não vi. Um dos banheiros é quase tão grande quanto meu quarto no
apartamento e os outros três estão perto.

— Está falando sério? Quer que nós duas moremos com


você?

— Estou falando sério.

— Você não esqueceu o gato, certo? Ele precisa vir também.

266
— Eu amo Archie. Olhe para a quantidade de janelas que ele
terá.

— Eu não sei Josh. É muito tentador... — Tenho interesse


em sair do meu apartamento atual, mas tudo o que vi em bairros
agradáveis, ou perto de meu escritório e da casa de meus pais, é
quase o dobro do que posso pagar.

— Eu tenho uma exigência, porém. — Ele diz.

Eu cruzo meus braços sobre o peito e levanto uma


sobrancelha. — Sabia que haveria uma exigência.

— Você precisa fingir ser minha namorada para funções


públicas, tipo quando eu visitar minha família ou quando eles
vierem aqui. Prometo não tocá-la. Só segure minha mão, sorria e
finja que estamos namorando, mais nada. Nenhuma outra amarra,
nós somos companheiros de casa. Sem expectativas, mentiras, ou
segundas intenções.

Ah. Ele quer um disfarce enquanto está metade dentro e


metade fora do armário. Um pequeno preço a pagar em troca de
viver numa bela casa e ter um homem na minha e na vida de Lyric,
mesmo que apenas como amigo.

— Acho que posso fazer. Você fará o mesmo para mim se eu


precisar de um homem de boa aparência do meu lado? —Finalmente
poderia ter um namorado para a festa de natal da empresa.

— Com certeza.

— E se você se envolver com alguém e quiser que ele more


com você? Ninguém vai querer viver comigo, uma criança de três
anos de idade, além de um cão e um gato.

267
Ele suspira e balança a cabeça. — É a última coisa com a
qual estou preocupado. Não tenho planos de me envolver ou querer
viver com alguém por um longo tempo, acredite.

— E se eu encontrar alguém?

Até parece.

— Bem, se você começar a namorar alguém e quiser sair


estou totalmente de acordo. Não quero que ninguém se mude para
cá, no entanto. E, se chegar a este ponto, terá que encontrar outra
casa.

— É justo. — Concordo. — Posso pensar por alguns dias? É


muito para absorver.

— Claro. Não irei a lugar nenhum.

Já sei que minha resposta é sim. Josh está me entregando a


situação perfeita numa bandeja de prata: um falso namorado atrás
do qual posso me esconder enquanto espero Blue voltar.

268
Capítulo 20
Piper

— Quais são as chances de podermos ter os novos layouts


de anúncios ao meio-dia?

Eu giro a minha cadeira para encarar Dave, gerente de conta,


trinta e poucos anos, de aparência mediana que está encostado
displicentemente no batente da porta do meu escritório, com um
sorriso no rosto como se não estivesse pedindo para descarrilar
completamente o meu dia.

— Você sabe muito bem que acabei de sair da reunião de


status da segunda de manhã, Dave. Você estava lá. O que me dá
apenas duas horas para fazer por todas as mudanças. — Eu aponto
para a pasta do projeto na minha mesa que tem cerca de cinquenta
bandeiras adesivas vermelhas saindo dela.

— Não mate o mensageiro. A produção está nos


pressionando para hoje. Faça o que puder. — Ele sai antes que eu
possa recitar uma lista de razões pelas quais o processo não deve
ser apressado.

— Droga. — Reclamo sob a minha respiração, giro a minha


cadeira do escritório para abrir a janela permitindo um pouco de ar

269
fresco, em seguida, volto para a mesa para encarar o novo prazo.
Ligo o rádio de mesa na minha estação favorita e volto para a lista
de alterações.

Tão estressante quanto meu trabalho pode ser, eu amo tudo


nele. Nunca fico entediada e o tempo voa, é uma enorme diferença
de quando eu trabalhava como recepcionista, o que parece uma
eternidade atrás. Canto baixinho com o rádio enquanto trabalho,
olhando para o relógio muitas vezes para avaliar a probabilidade de
terminar ao meio-dia. Até agora, as coisas estão indo bem.

Estou inclinada sobre um dos documentos, tentando decifrar


a caligrafia de alguém que está incrivelmente rabiscada, quando
uma balada de rock começa no rádio e prende minha atenção.
Soltando minha caneta, levanto a cabeça e aumento o volume um
pouco.

Assassino do meu coração,

Desejo da minha alma...

Arrepios percorrem meus braços e a minha pulsação acelera


nas veias quando encaro o pequeno alto-falante com incredulidade.

Eu conheço essas palavras. Conheço o som dessa guitarra.

E reconheceria essa voz única, rouca, sexy em qualquer


lugar.

Blue…

Com minha respiração presa no peito, ouço atentamente a


letra e a voz, que me cativou muito tempo atrás, a melodia que ainda
toco na pequena caixa de música. Lágrimas quentes enchem meus

270
olhos enquanto a música se aproxima do fim e eu, silenciosamente,
peço ao DJ para anunciar o nome da banda e a música.

— Este é o novo single Slayer of My Heart dos No Tomorrow


que subiu ao topo das paradas na semana passada.

Santa merda.

Meu corpo inteiro está tremendo de choque e o meu coração


batendo descontroladamente no peito. É real. Verdadeiramente,
real. Não estou sofrendo de algum tipo de estressada alucinação
numa segunda de manhã. Ouvi meu Blue no rádio, cantando e
tocando guitarra. E não qualquer música, a música que ele me disse
ter escrito para mim. Sobre mim. O DJ chamou a música de
sucesso, no topo das paradas.

A minha visão borra quando olho para o rádio. É surreal.


Como um sonho. Minha cabeça parece um balão vazio flutuando em
um lugar tão longe da realidade que não posso alcançá-lo.

Pressiono meus dedos em minhas têmporas e fecho os olhos.


Inspiro profundamente. Uma música pop toca no rádio, a canção
que está na minha lista de aeróbica.

Ela me motiva um pouco e me tira do choque.

Quando... como tudo isso aconteceu?

— Como vão as coisas? — Dave coloca a cabeça na minha


sala e rapidamente aceno para ele sair.

— Não agora. — Respondo abruptamente, virando-me para


esconder o meu estado de ansiedade.

Jesus. Isto não pode estar acontecendo. Pego minha garrafa


de água e tomo uns goles, respirando fundo tentando acalmar meu
271
nervosismo. Centenas de perguntas voam pela minha mente como
um furacão.

Empurrando minha pasta de projeto de lado, abro o


mecanismo de busca no meu computador, digito Banda No
Tomorrow e em poucos segundos a minha tela é preenchida com
links para vários sites e artigos, com o site oficial da banda no
primeiro resultado. Clico sobre ele e bato o meu dedo
impacientemente no mouse.

A página finalmente carrega uma grande foto da banda de pé


em um beco, com Blue na frente e no centro parecendo mais gostoso
do que uma orgia no deserto, sem camisa com uma jaqueta de couro
surrada preta que sequer cobre seu abdômen tatuado.

Engolindo em seco, vejo o texto abaixo da foto: Evan Blue


Von Bleu, vocal e guitarra; Reece Blackstone, voz de fundo e
guitarra; Alex Oakley, bateria; Koler Simms, baixo.

Evan Von Bleu.

Finalmente tenho o nome do pai da minha filha e do homem


que amo. Quão apropriado é que ele tenha um nome exótico, sexy.
De alguma forma eu sabia que não havia nenhuma maneira no
inferno de seu nome ser Evan Smith. Rolando ainda mais para
baixo, leio.

No Tomorrow emergiu da cena rock do grunge11 no início de


2002 com seu álbum de estreia, Things I Never Said. A banda mistura
letras obscuras e sensuais juntamente com tom estridente
característico de Blue e a habilidade sem esforço para bater uma

11
Grunge é um subgênero do rock alternativo que surgiu no final da década de 1980 no estado americano de
Washington, principalmente em Seattle, inspirado pelo hardcore punk, pelo heavy metal e pelo indie rock.
272
série notável de notas do grupo fez um hit instantâneo. Vocais tristes
e incrivelmente sombrios do cantor/compositor Von Bleu sugam sua
alma. A banda costuma tocar várias músicas acústicas durante seus
shows ao vivo, o que realmente mostra os talentos musicais e vocais
de Von Bleu.

Eu li sobre uma atual turnê mundial, top hits e as análises.


Quando clico na página de fotos, uma dor profunda bate no meu
peito e irradia através do meu estômago. As fotografias de Blue no
palco, cantando na frente de milhares de pessoas, rasga-me tanto
quanto as dele sentado sozinho em um ônibus de turismo, um
cigarro pendendo de seus lábios, notebook em seu colo, com um
olhar distante.

Parece tão bem.

Meu amado, torturado Blue não é mais um sem-teto. Ele é


uma estrela do rock popular, com um website, fãs e artigos escritos
sobre seus talentos musicais. Está claro, diante de todas essas
informações, que ele é querido, amado e respeitado por fãs e colegas.

Embora ainda sozinho. Eu vejo claramente.

Recostando-me na cadeira olho para sua foto aberta na tela


do meu monitor. Seu cabelo está cobrindo o rosto, mas sei que por
trás dele seus olhos são azuis e cheios de vontade de viajar. Anseio
chegar a ele e tocá-lo, sentir a solidez de seu corpo sob meus dedos,
respirar seu cheiro, ter seus dedos agarrando a minha carne e seu
sussurro em meu ouvido.

Um desejo incontrolável por ele me atinge, me mergulhando


em lembranças do nosso tempo juntos e trazendo à tona a mágoa
vinda com ele. Vê-lo novamente, mesmo que em fotos, dilacera as
273
rachaduras no meu coração e minhas emoções estão
transbordando. Minha cabeça lateja tentando processar totalmente
a notícia inesperada e náuseas revolvem meu estômago vazio.

Meu foco foi desviado e é impossível funcionar neste estado.


Tremendo, reúno meus documentos e guardo de volta em sua pasta,
desligo o computador, pego meu casaco e bolsa.

Dave aparece na outra extremidade do corredor quando


estou fechando a porta da minha sala. — Você está saindo para o
almoço? Os planos estão prontos?

Perturbada, balanço a cabeça e evito o contato visual. —


Sinto muito, não estou me sentindo bem. Preciso ir para casa.

— Agora? Eu falei que precisava…

— Sinto muito, eu preciso ir. Peça para Sue cuidar deles ou


espere até amanhã.

Afastando-me dele sei que provoquei uma ranhura na


fundação de estabilidade e normalidade que tentei tão bravamente
construir na minha vida, porém estou impotente.

Vou ao shopping, passo pelo lugar do bolo de canela, sem


parar para comprar, uma primeira vez para mim e vou direto para
a loja de música. Quinze minutos mais tarde, estou de volta ao meu
carro com o CD do No Tomorrow.

274
— Você chegou cedo. — Josh senta-se no sofá, afastando
Archie e Bolota que estavam usando-o como uma cama. — Você está
bem?

Agarrando o CD que passei apenas duas horas ouvindo


enquanto dirigia sem rumo, começo a chorar. Reconheci todas as
músicas que Blue costumava tocar no parque e no galpão. Naquela
época ele cantou apenas três delas, agora todas têm letras
acompanhando e juro que colocou todo o nosso relacionamento em
palavras poéticas de mágoa, amor e perda. Talvez eu esteja me
lisonjeando. Talvez algumas dessas canções sejam sobre outras
mulheres de sua vida, embora meu coração diga que são todas sobre
mim e nós. Conheço nossa história e as músicas estão gotejando o
sangue do nosso relacionamento.

Josh levanta do sofá pega o CD, minha pasta e as chaves das


minhas mãos.

— O que está acontecendo? — Seus olhos cor de avelã


procuram os meus. — Teve um acidente?

— Não. — Soluço. — Estou bem.

— Você não parece bem, Piper. Está tendo algum tipo de


descarga emocional. — Ele olha para baixo, para o CD, em seguida,
olha para mim com ceticismo. — Desde quando ouve rock grunge
alternativo?

Eu chuto meus sapatos e me sento na grande cadeira


confortável perto da janela. — Eu não ouço. — Respondo. — É a
banda dele. É ele na capa, aquele com o cabelo mais longo.

— Ele quem?

275
— O pai de Lyric. — Digo baixinho.

Seus olhos se arregalam e aproxima o CD de seu rosto para


olhar a frente e a parte de trás. — O cara sem-teto?

Uma noite, cerca de um ano atrás, quando estava me


sentindo particularmente sobrecarregada e frustrada com meus
sentimentos por Blue, capitulei e contei a Josh toda a história. Ele
imediatamente transformou tudo num jogo de beber nós bebíamos
um copo cada vez que eu dizia sem-teto, mas eu realmente o amo.
Nós dois estávamos um lixo no final da noite.

— Sim, aparentemente ele é o vocalista.

— Puta merda! — Ele vira o CD novamente. — Você está me


dizendo que Evan Von Bleu, cantor e maldito talentoso deus da
guitarra é o pai da bebê?

Eu reviro os olhos e esfrego minha mão na testa.

— Por favor, não fale assim.

Um sorriso se espalha por seu rosto. — Eu ouvi sua música,


eles tocam na academia. Ele tem uma voz que parece veludo. É
muito gostoso. Eu seria tentado, sem-teto ou não.

— Josh, por favor! — Eu arranco o CD de suas mãos. — Você


não está ajudando.

— Estou tentando fazer você rir. É tudo muito confuso. Uma


espécie de loucura, também. O pai de Lyric não é sem-teto, ele é
famoso.

Suas palavras aumentam ainda mais minha ansiedade,


ainda não pensei nessa parte. O pai da minha filha tem a

276
possibilidade de se tornar uma celebridade mundial, se ele aparecer
em sua vida algum dia, irá afetá-la.

— Ele não é muito conhecido, certo? — Pergunto. Até hoje


nunca ouvi falar de sua banda e ouvia muito rádio no trabalho. Eles
podem ser uma espécie de banda maravilha com um grande sucesso
e em seguida sumiriam da face da terra em um ano.

— Piper, você está segurando um CD com o rosto dele. Eles


estão recebendo toneladas de boas notícias. Você não pode pegar
uma revista de música sem ler sobre seus vocais insanos e seus
refrões loucos.

Droga. Como é que não sabia de nada? Como Blue chegou a


este patamar na vida sem que eu percebesse? E por que, por que, por
que ele não voltou para mim?

— Josh, você acha que é possível que tudo seja uma mentira?
Acha que talvez ele não fosse realmente um sem-teto e nunca tenha
me amado de verdade? E se foram apenas algum... — Minha voz
falha e me esforço para encontrar as palavras certas. — Algum tipo
de experiência para conseguir material para compor suas músicas?
Talvez eu fosse apenas uma musa para ele.

Seu rosto suaviza. — Piper, vamos. Eu duvido seriamente.


Seria uma enorme quantidade de trabalho apenas para pesquisa
criativa. O homem dormia em um galpão. E você é uma garota
meiga. Eu não acho que alguém poderia fazer algo assim com você,
a menos que fosse o idiota supremo com consciência zero.

— Ele deixou o cão... por que deixaria Bolota comigo?

Ele encolhe os ombros. — Quem sabe? Provavelmente por


saber que estava confuso demais para continuar cuidando dele. Ou
277
assumiu que você ficar com ele a consolaria. E se acho que o cão
era parte de algum grande ato? Não. Pare de pensar assim, Piper.
Você não é assim.

Quantas vezes ouvi tais palavras nos últimos anos? E se isto


não é como eu sou, como é que eu era? Como é que eu sou?

— Não sei o que pensar.

— Talvez não haja nada para pensar. Conheceu um homem


confuso, vivendo uma vida confusa e fez algumas coisas
bagunçadas. Ele a deixou de uma forma confusa, você teve uma
filha e, de alguma forma, ele acabou onde está agora e você está
vivendo nesta situação confusa comigo e todos parecem muito
felizes.

Deus. Parece coisa de louco quando é detalhada. — Está


tudo confuso. — Eu digo.

— Será mesmo? Ou tudo está do jeito que deveria ser?

— Eu não sei Josh. Preciso de uma conclusão, eu acho. Você


não entende, ele simplesmente foi embora. Não consegui dizer adeus
e não cheguei a perguntar o motivo. Num minuto estávamos tendo
a melhor noite de nossas vidas e no seguinte ele foi embora. Então
me deixa um bilhete anos depois, o que me confunde ainda mais. E
agora isso! Descubro que ele se tornou uma maldita estrela do rock?
Preciso falar com ele. Preciso de respostas. E ele precisa saber que
tem uma filha.

— Tem certeza que é o que deseja? E se ele quiser conhecê-


la? Quer trazer esse homem para a vida de Lyric? Pense em quão
confuso será para ela.

278
Suas observações são válidas. Josh tem sido muito protetor
com Lyric, desde que nos mudamos ele assumiu o papel de tio Josh,
adoro que ele cuide tanto dela. Tem sido uma figura masculina
incrível em sua vida, especialmente quando meu pai ainda mal fala
comigo, porém não posso esconder de Lyric o segredo sobre seu pai
biológico eternamente, se houvesse uma maneira de poder entrar
em contato. Ele tem o direito de saber que tem uma filha e, se quiser
ser parte de sua vida, é uma ponte que terei que atravessar.

— Blue pode ser um pouco estranho e difícil, porém sempre


foi bom e cuidadoso a sua própria maneira. Eu sei que ele não faria
nada para machucar Lyric. Acredito que a amaria.

— Tem certeza? Como ele amava você e seu cão?

Olho para ele. — Não seja idiota. Ele estava realmente


perturbado na época.

— Ninguém entende sobre ficar confuso mais do que eu, só


que ele lidou com as coisas como um idiota de primeira classe. Não
quero que você ou Lyric se machuquem. E não me importo com
quem ele seja.

— Não me importa quem ou o que ele é atualmente. Eu ainda


o amo. E acredito que ele me ama. — Digo suavemente. — Eu vi a
agenda de shows no site deles. Tocarão em Boston dentro de dois
meses, preciso encontrar uma maneira de vê-lo enquanto ele estiver
lá para que possamos conversar.

Ele balança a cabeça. — Estar apaixonada por esse homem


deixou sua cabeça fodida por anos. Não acho que conversar mudará
absolutamente nada ou será como quer. E se fosse você, contrataria

279
um advogado, faria um teste de paternidade como prova e pediria
pensão alimentícia. Ele obviamente tem dinheiro atualmente.

Mesmo depois de todo esse tempo, eu sei que Blue nunca


questionaria a paternidade. Ele acreditaria em mim sem dúvida.
Além disso, Lyric é parecida demais com ele para qualquer pessoa
negar que seja sua.

— Josh, realmente? O dinheiro é a última coisa que eu quero


dele. Você sabe que não sou assim.

Ele esfrega a nuca em frustração. — Tudo bem. — Ele


suspira. — Isto vai contra o meu melhor julgamento, mas um dos
fotógrafos com quem trabalhei faz uma tonelada de fotografias de
bandas. Vou entrar em contato com ele e ver se tem quaisquer
conexões que possam colocá-la na frente desse cara.

Eu me animo com renovada esperança. — Você faria isso por


mim?

— Não posso prometer nada, vou tentar.

Eu pulo e jogo meus braços ao redor dele. — Obrigada. Você


é o melhor.

— Não me agradeça ainda. — Ele se afasta e coloca as mãos


nos meus ombros. — Sua maquiagem está uma bagunça. Por que
você não vai tomar um banho enquanto vou buscar Lyric. Tenho
que fazer algumas coisas de qualquer maneira.

— Você tem certeza?

— Sim, não há nenhum problema. Acho que você deve se


recuperar antes de ela chegar. Sabe que ela pode sentir quando você
está chateada com alguma coisa.

280
Ele está certo. Lyric é intuitiva demais para uma criança. Ela
sintoniza direto com as emoções das pessoas e animais ao seu redor
e quer fazer com que todos se sintam melhor. É uma das muitas
coisas que eu amo tanto nela.

O banho era para me relaxar, o sabotei, ao levar o CD comigo.


Abri a capa, que se desenrolou para mostrar pequenas letras
impressas e créditos. Na última seção do desdobrável cada um dos
membros da banda incluiu uma nota ou dedicatória, eu li a de Blue
por último:

Para Piper, guardiã do meu coração, você sempre será a


minha joaninha. Não desista, bebê, fui dar um passeio, não fugi.

281
Capítulo 21
Piper

Os últimos dois meses têm sido uma mistura de distorção da


velocidade e o tempo se arrastando. Não tenho dormido ou comido
bem, meu foco no trabalho estava se perdendo, novamente. Meu
cérebro sempre muito cansado para funcionar ou o trem dos meus
pensamentos constantemente descarrilava para pensar em Blue.

Ouço sua música, praticamente, sem parar.

Analisando as letras, tentando decifrar o que significam e me


perguntando se são a chave para os sentimentos dele ou apenas
palavras aleatórias colocadas juntas para o bem de uma
boa música. Estou exausta e decepcionada comigo mesma por ficar
tão distraída com ele novamente. Já deveria ter superado, não
deveria? Estou mais velha, mais madura e estabilizada. Sou
profissional – na maioria das vezes. Sou mãe.

Droga, quando se trata de Blue sempre entro em curto-


circuito. Por mais preocupante que seja, é também inegavelmente
emocionante.

— Por que não posso ir com você, mamãe? — Lyric pergunta.

282
Ela estava sentada na bancada do banheiro me observando
colocar o rímel. Ela tem estado obcecada por maquiagem
ultimamente e ama passar gloss e sombra. Eu tenho que observá-
la ou irá se maquiar toda quando eu não estiver olhando.

— Eu e Ditra vamos a um show, só para os mais velhos. Você


ficará em casa com o tio Josh vão assistir filmes, comer pipoca e se
divertir muito, ok?

— Posso tomar sorvete, também?

— Você pode tomar uma bola. — Como posso lhe dizer não
se ela herdou o vício por sorvete de mim? Coloco o rímel de volta na
bolsa e a beijo no nariz quando Ditra aparece na porta do meu
banheiro.

— Você já está pronta? —pergunta. — Nós não queremos nos


atrasar. Será um pesadelo achar uma vaga para estacionar.

Respirando fundo, assinto e expiro. — Sim, acho que estou.

Ela pega Lyric e a coloca no chão, a olhamos enquanto ela sai


toda feliz, provavelmente para encontrar Josh lá embaixo.

— Você parece que vai ficar doente. — Ditra fala.

— Eu me sinto como se fosse ficar doente.

Desde que Blue saiu do meu apartamento anos atrás, estive


sonhando acordada em vê-lo novamente e agora o dia chegou. Josh
moveu alguns pauzinhos para conseguir ingressos VIP de meet-and-
greet12 para o show acústico do No Tomorrow, em Boston hoje.
Estarei no mesmo lugar que Blue pela primeira vez depois de

12
Sessão onde se conhece os VIP's
283
cinco anos. Nunca estive nos bastidores de um show antes, com
sorte, conseguiremos conversar de alguma forma.

A não ser que ele fuja quando me vir. Ou finja que


não sabe quem eu sou. Ou...

— Piper?

Balanço minha cabeça e olho para Ditra. — Hum?

— Pare de surtar. Você ficará bem.

— E se ele me ignorar? Pode estar muito ocupado até mesmo


para falar. Ele tem fãs agora e não sou ninguém.

Ela balançou a cabeça. — Sério? Ele mencionou o seu nome


nos créditos do CD. Deixou um bilhete no seu carro. O homem não
irá ignorá-la quando estiver na frente dele. E mais, você está linda.
Não há como ele ignorá-la. E se o fizer? Dou um soco nele.

— E se ele ficar agressivo quando contar sobre Lyric? Haverá


várias pessoas lá certo? Eu não quero que ele faça qualquer tipo de
cena

— Com certeza ele ficará surpreso, não acredito que será


agressivo. Ela é sua filha e chegou a hora de ele saber de sua
existência. Você está fazendo o certo em contar, não importa quão
estranho seja. Essa merda de esconder a criança que
algumas mulheres fazem não é legal. Vocês dois são adultos. Ele
ficará bem. Talvez um pouco chocado, mas bem. Ela é uma
garotinha, não uma bomba.

Queria sentir a confiança dela, não tinha ideia de como Blue


reagiria quando me visse. Não sei que tipo de pessoa ele é agora ou

284
qual seu estado de espírito neste momento de sua vida. Pode
estar totalmente sensato ou totalmente descontrolado.

Poderia estar casado. Ter outra criança. Uma namorada.

Droga, ele poderia ter tudo isso, eu e Lyric seríamos apenas


um enorme inconveniente para ele.

E daí?

Por dois meses venho criando diversos cenários em minha


mente que geraram vários resultados, variando entre desastres
épicos a finais felizes de contos de fadas.

Enquanto Ditra nos leva para o show, fico apenas metade


envolvida em nossa conversa banal. Minha outra metade voltou a
tentar manifestar tudo o que veio sonhando, focando nos aspectos
positivos, como fiz no dia em que Blue desapareceu. O fato de não
ter funcionado naquela época não significa que não irá funcionar
atualmente.

Há poder no pensamento positivo. Li a respeito, já vi outros


fazerem e conseguirem os resultados desejados.

Eu também posso conseguir.

Posso ser feliz. Posso ter a vida que sonhei. Pos...

— Piper? — Ditra sacode meus ombros. — Sai dessa.


Nenhuma quantidade de loucura mudará nada. Por favor, pare de
se preocupar. Vamos curtir o show. Você tem alguma ideia de quão
sortudas somos por termos os ingressos? Essa merda
esgotou meses atrás.

285
— Eu sei. — Eu me pergunto se a loucura de tudo chocaria
Blue tanto quanto me choca. Como ele costumava tocar por moedas
jogadas na jarra e agora tinha ingressos esgotados.

Ditra continuou tagarelando. — Qualquer coisa que


acontecer depois, aconteceu. Você não pode mudar nada. Vamos
nos divertir e no mínimo curtir o fato de que, o homem com quem
você dormiu, o pai da sua filha, foi de tocar nas ruas para se tornar
uma lenda musical.

Meu estômago revira. Blue? Uma lenda?

— Eu não sei Dee.

Ela manobra carro no estacionamento. — É verdade. Ele é o


cara.

Lenda. O cara. Nada disso significa alguma coisa para mim.


Ele é o homem que me fez um bracelete, me comprou sorvete de
casquinha, ficou de conchinha comigo enquanto a chuva caía sobre
o telhado, cantou para eu dormir e, por fim, roubou meu coração.

Ele é meu primeiro e único amor. A lenda das minhas


melhores lembranças.

Esse é o quarto show que vou em toda a minha vida e a


minha primeira performance acústica ou sem instrumento. Num
estádio, com outros músicos e um grande público. Assisti Blue
tocar sem microfone, sem equilíbrio, sem ter tomado banho, sem
felicidade, sem inibição e milhares de outras sem coisas, várias

286
vezes no parque e no galpão anos atrás. Naquele momento, ele não
tinha um nome chique, era simplesmente o que fazia.

E agora, enquanto eu e Ditra nos acomodamos em nossos


assentos, no canto esquerdo do palco, me choco com o número de
pessoas que encheram o lugar abafado e conversam em vozes
sussurradas como se estivessem numa biblioteca ou na presença
da realeza.

Eu mascava meu chiclete observando todos os fãs com


fascinação, muitos usando camisas do No Tomorrow.

Aproximando-me de Ditra, sussurro. — Tem camisas.

— Você quer uma? Tem um cara no lobby vendendo. Nós


passamos por ele.

Eu quero uma, porém quão ruim pareceria quando eu fosse


conversar com Blue depois? Parada lá, usando uma camisa da
banda como uma fã sonhadora? O que eu não sou. Quer dizer, eu
amo a música e a voz dele, ouço sem parar, porém não sou uma fã
no sentido literal da palavra.

Eu sou uma fã dele. De sua mente, seu coração.

É tão complicado.

As luzes de cima do teatro ficaram foscas e as pessoas se


apressaram como ratos para ocupar seus lugares enquanto as
cortinas do palco se separavam.

Fico desapontada quando membros de uma banda que eu


não reconheço enchem o palco. Esqueci completamente da banda
de abertura.

287
Minhas pernas tremiam enquanto eles tocavam músicas que
nunca ouvi antes e fico aliviada quando terminam e a cortina
esconde o palco novamente.

Meus dentes batem de frustração. Precisa realmente ser


tão tortuoso?

Depois de alguns minutos, a pesada cortina preta,


deliberadamente se rasga, desaparecendo, dilacerada, lentamente
sendo afastada para revelar um palco pronto novamente — ainda
sem o No Tomorrow.

O baterista, cujo nome esqueci, aparece das sombras e tudo


desaparece quando ele se senta atrás do seu instrumento. Um por
um, cada membro da banda entra no palco e meu coração bate mais
forte e mais rápido, meus olhos fixos no ponto de entrada
indescritivelmente sombrio.

Esperando.

E lá vem ele. Caminhando devagar, com sua guitarra na mão,


para o microfone e o banco no centro do palco, entre os outros dois
guitarristas.

A multidão grita e comemora, ele dá a eles o mesmo aceno


humilde e agradecido que costumava dar aos que o ouviam no
parque.

Ele parece o mesmo, tão absorto no mundo dentro de sua


própria mente, que quase posso ver Bolota sentado perto dele no
palco. Meu peito se enche com respirações profundas, com uma
mistura de raiva, um grito intenso, rompendo dentro de mim. Como
ele ousa se sentar ali, parecendo tão normal – tão intocável. Por anos
senti as cicatrizes, sofri com o massacre provocado por ele no meu
288
coração, deve ser visível para os outros de alguma forma.
Certamente, não sorrio tanto quanto sorria ou tão brilhantemente
como costumava. Eu não gargalho mais de piadas bobas. E não leio
mais romances ou assisto filmes baseados em histórias de amor.

Eu mudei.

Enquanto ele parece o mesmo. Ainda é insanamente bonito.


Talvez até mais agora com seu cabelo mais longo e mais cheio, não
está tão magro quanto me lembro. Seus brilhantes olhos azuis
são tão atraentes da minha décima fileira de cadeiras quanto eram
na última vez que olhei para eles de perto, quando me beijou se
despedindo, piscou para mim e foi embora.

Um nó familiar se formou em minha garganta.

Blue pode ter ido embora do meu apartamento e da minha


vida, definitivamente não foi embora do meu coração. Bem longe
disso.

E, por mais que tenha me machucado e despedaçado meu


coração, apenas a visão dele ainda me encanta, me possuindo como
as palavras de uma música favorita que não posso cantar.

Sinto como se fosse entrar em combustão no


assento, enquanto aperto os braços da cadeira. Anseio ir até ele no
palco, ver aquele lindo sorriso e jogar meus braços ao seu redor.
Quero pegar suas mãos e correr desse prédio com ele. Para o galpão.
Para o lugar onde juramos amor imortal um para o outro sem parar
e dormíamos abraçados, tremendo pelo frio.

Essas pessoas a minha volta, não o conhecem.

289
Eles conhecem sua voz e o som de sua guitarra, mas
não sabem como são seus lábios, como é o seu sussurro ou como o
corpo dele é.

Eles não sabem como ele agoniza em cada nota e em cada


letra. Não o ouviram como eu e cuidaram dele com preocupação,
carinho e amor.

Eles não sabem sobre o mito das joaninhas e a chuva. Eu


sei.

Lágrimas enchem meus olhos e minha visão do palco fica


turva, como se ele estivesse em um oceano de lágrimas.

Ele acendeu um cigarro com seu requinte casual, como se


essas centenas de pessoa não estivessem sentadas ali esperando
por ele. Sem mencionar, que tenho quase certeza, que fumar é
proibido. Porém, desde quando ele segue as regras?

Acomodando sua guitarra nas coxas, ele se inclina


levemente para frente para ajustar o microfone, pego um vislumbre
de Blue e seu cabelo ondulado, minha mente e meu coração recuam
no tempo novamente. Quando ele era meu e eu era dele, todos os
seus movimentos e maneirismos eram tão confortáveis e familiares
para mim como um antigo ursinho de pelúcia da infância.

Por que ele me deixou? Por que escolheu tocar para um


bando de estranhos, quando poderia tocar para mim em todos os
nossos lugares especiais, me deixando sem ar como somente ele é
capaz?

— Você está bem? — Ditra perguntou em meu ouvido.

290
Assinto incapaz de desviar os olhos do homem no palco que
ainda tem meu coração, com medo de perder qualquer coisa – um
sorriso ou um olhar em minha direção. Eu me pergunto se ele
levantasse a cabeça, não se escondendo por trás do cabelo que caía
em seu rosto... se apenas olhasse para a multidão, me notaria?
Nossos olhares se fixariam como no parque quando apenas nos
encarávamos? Ele sentiria a onda de recordações circulando por
suas veias como eu? O inegável poder do destino? Ele sentia falta
do meu beijo e do meu toque – sentia minha falta – tanto que
seguraria minha mão e fugiria comigo?

Eu o faria. Eu sairia dali sem pensar duas vezes e correria


para qualquer lugar para ficar sozinha com ele novamente.

— De alguma forma ele está ainda mais gostoso, não é? —


Ditra observa me tirando dos meus pensamentos. — Acho que agora
ele pode se dar ao luxo de comer. Tem carne em seu corpo.

Eu percebi. Notei tudo.

Quero bater na minha melhor amiga por perceber e pontuar,


pois significa que todas as outras mulheres no local também
notaram e não quero que elas notem. Quero que Blue seja meu, que
apenas eu possa olhar.

Então, sem introdução ou aviso, o tom torturado e grave de


Blue enche o espaço.

Nóooooooos nos amamos até doer,

E nóooooos partimos o coração um do outro,

Acredite em miiiiim, cada palavra que já disse,

Era tudo que eu tinha e tudo que poderia ter,

291
E eu sei, bebê, eu sei, você deveria ter

Muito mais.

Muito mais...

As letras, tão sedutoras em sua tristeza, vêm à vida nos seus


lábios e em seus olhos quase fechados. Blue sempre cantou como
se as palavras estivessem sendo arrancadas de sua alma e estou
aliviada de ver que nem o tempo e nem a fama mudaram seu jeito.

Eu nunca testemunhei um show tão íntimo, não


pessoalmente, nem na televisão. A tranquilidade da multidão
expressa o volume do respeito e do amor que têm por sua banda.
Estávamos todos perplexos, saboreando cada nota e cada palavra,
esperando até o final de cada música para aplaudir e assobiar em
apreciação.

No fim da terceira música, Blue finalmente olha para


a multidão como se só agora percebesse que estávamos ali e deixa
escapar um sorriso tímido que tenho quase certeza derreteu os
corações de cada mulher presente.

Incluindo o meu.

— Obrigado por estarem conosco hoje. Estamos honrados


em tocar tão perto de onde todos crescemos. — Ele toma um gole de
uma garrafa que está do lado dele no chão.

Ele não cresceu em Nova Jersey? Hum. Talvez para ele isso
seja próximo?

A multidão aplaude gentilmente.

— Uma vez... eu deixei meu coração em New England.


292
Ele continua e meu coração quase sai pela garganta. Ele está
se referindo a mim? Outra mulher? Talvez Bolota?

— E nunca mais fui o mesmo.

Ele olha para Reece e eles cantam juntos em perfeita


harmonia.

Lágrimas ensanguentadas, um anjo sem asas.

Me enterre na floresta e roube o meu respirar

Me arraste das profundezas da minha mente torturada

Esqueça o que eu disse, eu me perdi, eu perdi meu caminho

Nadei para longe, mas não deu em lugar nenhum


nesses sapatos

Eu não sei de nada, mas uma vez conheci você.

E, talvez, por um momento, você me conheceu também.

No final do show eu estava uma bagunça, de sofrimento, dor


no peito e orgulho. Mesmo que não conhecesse Blue
pessoalmente, sairia desse show me sentindo tocada, mudada para
sempre pelo talento da banda, a sua óbvia camaradagem e a
carismática presença de palco dele. Esta noite seria uma lembrança
que guardaria para sempre como algo raro e especial, tenho certeza
que a maioria das pessoas ao meu redor sentiu o mesmo.

— Foi incrível. — Eu disse a Ditra enquanto seguíamos para


o centro da ilha devagar. — A voz dele é incrível. Tudo foi incrível.

293
— Foi definitivamente uma das melhores performances ao
vivo que já vi. A voz dele é insana e aquele outro cara com quem
cantou junto? Perfeição compartilhada.

— Acho que era Reece. Eles eram amigos no ensino médio.

— Eu tenho algo explícito por ele. Espero conseguir seu


autógrafo nos bastidores.

Apenas a palavra bastidores me deixou em estado de


pânico. Cortando pela multidão, nos aproximávamos mais e mais
de um homem com grandes braços e uma barba até o peito que
estava verificando os passaportes Vips, antes de permitir que as
pessoas passassem pelo corredor que dava nos bastidores.

Ditra entregou-lhe os nossos ele rapidamente os escaneou


e nos entregou de volta.

— Lá embaixo à esquerda. — Falou sem fazer nenhum


contato visual.

— Josh foi maravilhoso por conseguir os ingressos para nós.


— Ditra exclamou quando estávamos longe do Grande e Barbudo.

Hesitante, puxo Ditra para o lado para que as pessoas atrás


de mim continuem passando. — Não tenho certeza se posso fazer
isso. É louco e meio perseguidor, não é?

— Piper, pare. Primeiro, se pensa que perderei a chance


de conhecer os caras em pessoa, está maluca. Segundo, não é
loucura. Você o conhece. Têm uma história. E uma filha,
lembra? Minhas pernas trêmulas me convenceram a me encostar
na parede. — Eu sei. Sinto que ele está completamente fora do meu

294
mundo atualmente. Tanto tempo passou. Não o conheço mais, não
assim. E sinto que o estarei encurralando, surgindo do nada.

— Não importa. Você precisa de um fechamento. E ele


precisa saber que é pai. Fim da história. — Ela agarra meu braço e
me puxa da parede. — Agora vamos.

Ela praticamente me arrastou pelo corredor para um lounge


que era vigiado por outro cara, que me pareceu praticamente
idêntico ao primeiro que verificou nossos passaportes alguns
segundos atrás. Grande e Barbudo Dois nos colocou para dentro e
então estou parada a alguns metros de Blue. Felizmente, ele estava
de costas para a porta conversando com um grupo pequeno de
pessoas, não me viu entrar na sala, me dando tempo para me
recompor.

Eu não sabia o que esperar, talvez uma sala cheia de


pessoas bebendo, fumando maconha e tentando sair com algum
cara da banda. Enquanto a música deles tocava no fundo. Na
realidade, não era nada do tipo. A sala era surpreendentemente
tranquila com menos de vinte pessoas conversando em sofás
brilhantes alaranjados ou de pé, bebendo e comendo pequenos
sanduíches.

Ditra apontou para um bar e uma mesa com comida


espalhada no outro lado da sala. — Vou pegar uma bebida. Você
quer vir comigo?

Tenho medo de colocar algo na boca e passar mal. — Não,


só quero conseguir sua atenção e conversar com ele.

— Você quer que eu vá com você?

295
Balancei minha cabeça e passei a língua pelos lábios. — Acho
que será melhor se eu me aproximar dele sozinha, não quero que se
sinta encurralado.

— Concordo. Estarei por aí tentando chamar a atenção de


Reece. — Ela pisca para mim e se afasta com um balanço do quadril.
Eu balanço a cabeça, afofo meu cabelo com as mãos e lentamente
ando até Blue.

— Ei. Curtiu o show? — Um grande peito aparece de repente


na minha frente, com uma cabeça com longos cabelos pretos,
sorriso fácil e olhos escuros.

Pisco para ele, incapaz de encontrar minha voz. Não esperava


que ninguém falasse comigo.

— Hum, sim. Muito. — Finalmente falo.

Ele ergue suas sobrancelhas escuras enquanto levanta uma


garrafa de cerveja para seus lábios. — Você não parece ter certeza.

Sorrio tranquila. — Você me pegou com a guarda baixa. Foi


maravilhoso. Vocês pareceram melhor ao vivo do que no CD.

Ele sorri com diversão. — Espero que seja um elogio.

— Sim, definitivamente.

— Eu sou Reece, a propósito. — Ele informa.

— Eu sei. — Respondo, desejando que Ditra trouxesse sua


bunda de volta para cá. Ao invés disso, ela estava flertando com
algum cara aleatório com um piercing de nariz e um moicano, me
ignorando completamente. — Eu sou Piper... e esperava falar com
Blue, na verdade.

296
Os olhos deles estreitam em mim. — Piper? Você não
é “a Piper,” seria?

A pergunta de Reece é completamente inesperada.

Eu não posso imaginar Blue falando de mim para os amigos


e companheiros de banda. O que não daria para ser uma mosca na
parede e ouvir as conversas.

— Eu não tenho certeza se sou a Piper sobre a qual está se


referindo. — E me recuso a assumir qualquer coisa nesse
ponto. Mesmo que meu nome seja raro, não quer dizer que Blue
não tenha conhecido uma ou duas Piper.

— A única que o deixou fodido por anos? — Reece deixa


escapar uma risada baixa. — Acredito que devo a ele cinquenta
dólares, apostei alguns anos atrás que você não existia e era apenas
uma das alucinações fodidas dele, e aqui está você.

Sorrio levemente. — Aqui estou eu.

Ele se vira e grita para o outro lado da sala. — Ei, Blue! Olha
quem veio.

Meu coração não está mais disparado. Eu tenho certeza que


parou completamente. Blue se vira lentamente para Reece e seu
olhar se encontra com o meu, seus olhos se abrem com surpresa e
incredulidade. Ele se volta para as duas mulheres com quem estava
conversando e momentos depois se vira novamente para cruzar
a sala.

— Joaninha... — Ele diz o apelido tão afetuosamente que


quase explodo em lágrimas. Eu me esforcei para

297
não deixar acontecer, não serei a ex chorando em uma sala repleta
de pessoas.

Reece nos observa olhando um para o outro, abaixa o olhar


para o restante da sua cerveja, então, bate na nuca de Blue sem
avisar.

— Deixarei vocês dois sozinhos. — E acena para mim. —


Muito prazer em conhecê-la. Fico feliz em ver que você é real.

Sem tirar meus olhos dos de Blue, respondo a Reece


distraidamente. — Prazer em conhecê-lo, também.

Blue deixa escapar uma respiração baixa. — Puta merda!


Nunca esperei encontrá-la aqui. — Um sorriso curva seus lábios. —
Senti sua falta. Pra caralho.

— Senti sua falta, também. — Minha voz oscila acima das


palavras. — Eu nunca esperava encontrá-lo... Assim.

— Sim. Foi um belo de um passeio. — Ele passa os dedos


pelos cabelos e empurra-os para longe do seu rosto. — Como você
está? Como está Bolota?

É o nome do cão, tão doce, Bolota, com amor, que finalmente


me tira dessa nuvem surreal educada sob a qual estamos. Eu
levanto minha mão para lhe dar um tapa e ele segura meu pulso no
ar, me puxa apertado contra o peito, me segurando ali e inclina seu
rosto para meu pescoço.

— Você pode bater muito em mim, arrancar meu coração. O


que quiser. Não aqui. — Seus lábios tocam a minha orelha, enviando
arrepios pela espinha e por meu couro cabeludo. — Não quero a sua

298
imagem em cada jornal amanhã com algum rumor desagradável
ligado a ela. Você é boa demais para isso. Ok?

Assinto com a cabeça no ombro dele e lentamente me afasto


para enfrentar seus olhos escuros e tristes. Imagino que meu olhar
está igual.

— Como você pôde? — Pergunto, mantendo minha voz baixa.


— Como pode me deixar daquele jeito? E ao seu cão? Que tipo de
pessoa faz algo assim?

— O tipo que sabe que não pode ter as coisas boas sem
quebrá-las.

Eu tenho que lhe dar crédito por sua capacidade de admitir


tal coisa com honestidade absoluta.

Sufocando um soluço que me recuso a deixar sair, balanço a


cabeça. — Não. Você não pode se autoproclamar um idiota e
simplesmente se afastar. É completamente inaceitável e uma merda.

— Você está certa.

Uma lágrima escorrega na minha bochecha.

— Você apenas nos deixou. Tomou o caminho mais fácil.

Ele olha para o chão por um momento, como se estivesse


deixando as palavras fazerem sentido, em seguida, retorna o olhar
para mim. — Não foi nada fácil deixar as duas únicas coisas que me
importavam.

Quero perguntar a ele por que fez se foi tão difícil, mas não é
o que faço. Por anos sonhei com este momento e agora está indo na
direção que eu temia. Um lugar cheio de raiva e acusações, sem
nenhum encerramento, resolução ou novo começo. Como contarei
299
a ele sobre a nossa garotinha bonita, inteligente e adorável em meio
a tal constrangimento?

Eu não posso deixar de notar algumas pessoas de pé, ao


lado, impacientes, lançando olhares de esguelha, então percebo que
o estou mantendo longe das fãs que pagaram para passar um tempo
com ele.

— Eu deveria ir. — Eu digo baixinho. — Só preciso contar


sobre...

Seu cabelo passa pelo ombro quando balança a cabeça. —


Não vá. — Ele pega a minha mão e a puxa para sua. — Ainda não,
ok? Jante comigo. Vamos conversar. — Esperança surge em seu
rosto, uma expressão que não vi muitas vezes antes. — Eu sei que
você está irritada. Mas não acho que veio aqui apenas para ver
minha banda ou para me bater. Certo?

Eu relaxo os ombros tensos, apesar da turbulência girando


dentro de mim. — Não. Queria vê-lo e conversar com você.

— Então vamos sair daqui e fazer isso.

Olhando ao redor pela sala cheia de fãs eu pergunto: — Você


está autorizado a sair?

— Claro. — Ele sorri diabolicamente. — Posso fazer o que eu


quiser.

Vejo sua expressão antes de ele responder, tentando avaliar


suas intenções. Tudo parece verdadeiro. Não há alarme soando na
minha cabeça. Nada nele parece sombrio ou enganoso.

300
E ainda está segurando minha mão. Numa sala cheia de fãs,
companheiros de banda, fanáticos e jornalistas. Deve contar para
alguma coisa.

— Eu vim com Ditra, ela me trouxe.

— Ok. Eu a levarei para casa mais tarde, se é o que deseja.


Ou ela pode vir conosco.

— Er, acho que prefiro que ela não nos siga. Deixe-me
encontrá-la e dizer o que farei.

Ele concorda. — Enquanto isso, direi oi para algumas


pessoas e darei alguns autógrafos para que todos fiquem felizes.
Venha me encontrar quando estiver pronta e sairemos.

A maneira como ele aperta minha mão antes de soltá-la me


tranquiliza que está tudo bem e não estou cometendo um erro
enorme, indo embora com ele. Talvez haja uma maneira de
recomeçarmos, depois de tudo. Posso ter agido precipitadamente,
porém se ainda nos amamos e, se ele aceitar Lyric, poderemos
encontrar uma maneira de ficarmos juntos e fazer funcionar.
Pessoas já passaram por situações piores e saíram mais fortes.

Parece que Ditra desistiu de seu plano de se unir a Reece,


depois de procurar pelo espaço eu a encontrei ainda conversando
com o cara de moicano. Eles se moveram para uma grande cadeira
no canto e ela estava em seu colo, tocando seu cabelo espetado.

— E aí? Como foi? — Ela pergunta quando me aproximo


deles.

— Bem, até agora. Realmente não conversei muito com ele


ainda. Ele quer me levar para jantar e conversaremos.

301
— Quando?

— Agora. Esta noite.

— O que você fará?

— Acho que irei. Você se importa?

Ela acena sua mão para mim. — Nem um pouco. Eu devo


ficar ocupada, de qualquer maneira. — Ela encosta sua cabeça na
cabeça do homem e a mãe em mim fica petrificada esperando que o
cabelo dele perfure um de seus olhos. — Como você irá embora?
Quer que espere?

— Não, ele disse que me levará para casa.

Ignoro a súbita risada desagradável do Sr. Moicano,


esperando que ele esteja apenas sendo um idiota e não tenha uma
informação interna sobre Blue ter uma reputação de distribuir
frases como eu a levarei para casa para várias mulheres inocentes.
Ditra faz uma careta e se recosta, endireitando sua camisa no
processo que de alguma forma ficou toda torta. — Você tem certeza?
Eu não quero você abandonada em Boston no meio da noite.

— Eu ficarei bem.

Espero.

— Ok, se tem certeza. Esperarei um pouco por aqui, também.


Vá, divirta-se, seja forte e me ligue!

— Certo. — Dou a minha amiga um olhar de esguelha. —


Divirta-se também.

302
Lado a lado, atravessamos a rua para o restaurante do hotel
onde Blue e a banda estão hospedados. Nós nos sentamos em uma
mesa tranquila na parte de trás que deduziu que o esconderia dos
frequentadores do show.

Nós não abrimos nossos menus ou perguntamos um ao outro


o que iríamos comer. Não conversamos casualmente sobre o show
ou o tempo.

Olhamos um para o outro. Nós demos as mãos sobre a mesa,


como os apaixonados fazem.

Eu me concentro em controlar o tremor de pânico no meu


peito e em respirar estavelmente. Sabia que seria difícil vê-lo –
confuso, emocional, porém meu corpo parece ter suas próprias
ideias. Tenho que afastar o medo e continuar respirando ou
começarei a me sentir mal. E quero estar com ele, não importa em
quantas direções meu corpo queira correr.

— Você ainda está com ela. — Ele manuseia a pulseira de


contas. Está desbotada e esfarrapada agora, muito parecida com
meu coração.

— Eu falei que nunca a tiraria.

Isso o faz sorrir. — Pensei que você iria tirá-la para não se
lembrar de mim todos os dias, depois do que aconteceu.

Eu quase ri. Tenho uma lembrança muito maior e melhor


dele na forma de uma pessoa pequena com seus mesmos olhos
cheios de alma.

— O que aconteceu, Blue? Pensei que estivéssemos felizes.


Tivemos um bom momento naquela noite.

303
— Nós tivemos. Foi uma das melhores noites da minha vida.
Cada segundo está gravado na minha memória.

Fico olhando para as nossas mãos, seu polegar acariciando


meus dedos. — Não entendo. Foi o apartamento? Assustou você?
Pensou que o forçaria a se mudar? Que lhe daria um ultimato? Eu
não iria. Estava disposta a aceitar a maneira como você queria viver.

— Eu sei.

Pacientemente, espero ele me dar mais do que uma resposta


vaga. Eu me recuso continuar cutucando-o, fazendo-me parecer
desesperada. Mesmo que esteja, estou absolutamente desesperada
por uma explicação, algo que me faça entender. O ar está denso
entre nós; o silêncio se expande como um balão prestes a estourar.
A garçonete traz a água e ele pede a ela por mais alguns minutos.
Nossas mãos ainda estão entrelaçadas, descansando sobre os
cardápios fechados.

— Você queria coisas que eu não podia lhe dar. Merecia


coisas que eu não tinha nenhuma maneira de lhe dar.

— Eu queria morar com você em meu apartamento


agradável? Sim. Claro que eu queria. Que você saísse do galpão e
dormisse em uma cama boa e quente. Que tivesse um banheiro e
um armário com roupas limpas. Queria que você tivesse uma
cozinha cheia de coisas para comer e beber. Que fossemos capazes
de nos sentar no sofá e assistir filmes. Não vou mentir; é óbvio que
eu queria todas essas coisas, essa vida, para nós dois.

Ele balança a cabeça e agora é a sua vez de se fixar em


nossas mãos.

304
— Porém, se me fosse dada escolha — continuo. — Preferiria
muito mais ter você em minha vida, do que perdê-lo. Nenhuma
dessas coisas valeria a pena se eu o perdesse. Não para mim.

— Você se sentia dessa forma, naquele momento, Piper. Com


o tempo teria mudado de ideia.

Honestamente, acho que eu nunca teria mudado de ideia.

— Nenhum de nós pode ter certeza. Talvez sim, talvez não.


Talvez você tivesse mudado com o tempo, Blue. Já pensou nisso?
Olhe para você agora. Quando saiu da minha porta era um músico
de rua, sem-teto, com alguns dólares em seu bolso e um cachorro
perdido. Você não tinha nada. Agora, cinco anos depois está em uma
das bandas mais populares do país. Muita coisa mudou e,
obviamente, fez algo para isso acontecer, não entendo por que não
podíamos ter ficado juntos enquanto acontecia. Eu nunca o teria
segurado, eu...

Sua cabeça se levanta rapidamente. — Foi isso que pensou


que eu era?

Eu ergo as sobrancelhas. — O quê?

— Um músico pobre sem-teto com um cachorro de rua?

Encolho os ombros, desconfortável. — Sim. Sim. Mas nunca


importou para mim. Amei você por quem era e como me fazia sentir.

— Eu nunca a teria arrastado para chegar até aqui, Piper.


Você tinha um bom trabalho, um lugar agradável para viver, estava
se estabelecendo. Você tinha uma direção.

— E?

305
— E eu não. Era um furacão, porra, uma bagunça cheia de
sujeira e maconha que saltava pelo vento.

— Essa é uma analogia muito pesada.

— É a verdade. Eu não podia ser estável, Piper. Eu sei que é


uma merda e que me faz a porra de um idiota. Pelo menos amei você
e Bolota o suficiente para saber que ambos estavam muito melhor
sem mim. E me fez sentir bem, saber que estavam juntos. Sabia que
você cuidaria dele.

— Eu cuidei. E ainda cuido. Ele é o melhor cão do mundo.


— Bolota cuidou de mim, também. Ele ficou comigo no chão do
banheiro enquanto eu sofria com os enjoos matinais. Ele
aconchegava-se na cama comigo, todas as noites, quando eu chorava
até dormir. E ele tem sido o guardião perfeito e o melhor amigo peludo
para Lyric.

— Ele está bem? — Ele pergunta, com uma leve hesitação na


voz.

— Está ótimo. Ainda arrastando seu pinguim por aí.

Alívio sai dele num longo suspiro. — Estou feliz. E você?

— Estou bem. Ainda na mesma empresa, que fica na mesma


cidade. Ainda tenho Archie. Ainda leio um livro por semana.

Meu coração acelera quando ele pisca para mim. — E


obviamente, ouvindo uma música muito melhor.

Agora. Agora é o momento de dizer a ele sobre a nossa filha.

Eu puxo minha mão da sua e tomo um gole de água. O vidro


é espesso e pesado, molhado com a umidade e quase escorrega de

306
minha mão trêmula. Ele tira de mim e coloca de volta na base de
cortiça.

— Blue preciso cont...

— Estão prontos para pedir? A cozinha fechará em breve.

Deus. Ela está de volta, com seu bloco e caneta na mão, com
o pior momento de sempre na história do tempo.

— Que tal dois cheeseburgers com batatas fritas? — Blue


sugere, olhando-me exatamente como Lyric faz quando está
animada com alguma coisa. — Como pedíamos antes?

Eu sorrio para a garçonete. — Dois cheeseburger e batatas


fritas seria perfeito.

— Sim. — Ela rabisca em seu bloco de notas antes de pegar


nossos cardápios e ir embora.

— Eu sinto falta daqui. — Diz ele melancolicamente. — New


England.

— Onde você mora?

— Ainda aqui e ali e em toda parte, só é diferente agora.


Principalmente em ônibus, aviões e hotéis. Quando não estamos
viajando, divido um apartamento com Reece num condomínio em
Seattle.

Estou aliviada ao ouvir que ele está em uma residência real


e não vivendo em uma garagem ou em uma caverna de morcegos,
só esperava que ele morasse mais perto.

— Estou tão orgulhosa de você, Blue. Vê-lo hoje no palco, na


frente de todas aquelas pessoas, foi incrível. Sempre soube que era
talentoso, mas se superou. É simplesmente... selvagem.
307
— Eu acho.

— Você está feliz?

— Não.

Sua resposta me surpreende e inclino a cabeça para ele como


um gato curioso. — Por quê? Está vivendo um sonho.

— Sonho de outra pessoa. Não o meu.

— Então qual é o seu sonho?

Ele endireita os potes de sal e pimenta. Então alinha as


garrafas de ketchup e molho perfeitamente ao lado do sal e pimenta
antes de responder. — Ser livre. Voar como um pássaro. Não
literalmente... ser leve. Subir acima de tudo, o ruído e a loucura.
Voar para longe da tempestade.

— Você não pode fazer isso? Suponho que agora tenha o


dinheiro para tirar férias relaxantes... ou para pagar pessoas para
lidar com coisas estressantes para você?

— Queria que fosse assim tão fácil.

— Você está gostando de tudo? Escrever canções e levá-las


para a vida de milhões de pessoas que as amam? Você tinha todo o
público sob seu feitiço esta noite.

— Essa parte, sim. É tudo sobre a música e as palavras para


mim, você sabe. É a outra porcaria, o circo interminável de besteiras
que não suporto.

— Esse tipo de coisas vem com o restante, não é?

— Sim.

308
A nossa comida chega e comemos em silêncio por alguns
minutos antes de ele colocar seu hambúrguer para baixo e olhar
para mim.

— Eu não queria feri-la, Piper. — Diz ele. — Naquela época...

Engolindo minha comida, aceno. Sei que suas palavras são


verdadeiras. Não posso entendê-lo, mas acredito nele.

Seus olhos cobalto como aço praticamente me hipnotizam.


— Eu quis dizer o que escrevi na nota. Você está em minhas veias.
É o que me faz vibrar. Você já ouviu as músicas. Sabe que não a
superei.

Estremeço sob seu olhar e o peso de suas palavras. Palavras


que esperei e desejei pelo que parece uma eternidade. Palavras que
alimentam meu coração faminto.

— Você quer? — Pergunto.

— Não, querida. Eu realmente não quero.

O som do meu coração ecoa nos meus ouvidos. Minha voz


saiu apenas um pouco acima de um sussurro. — Bom. Eu também
não quero.

Um acordo silencioso passa entre nós. Não é falado, mas


existe. Eu sinto. Nós não lemos as letras pequenas, não temos tempo
para pensar sobre ele, apenas assinamos sobre a linha pontilhada
com os nossos corações e os nossos desejos e o negócio está feito.

309
Capítulo 22
Piper

Num minuto estou comendo um hambúrguer e batatas fritas


e no seguinte estou andando por um longo corredor em direção ao
quarto de hotel de Blue com a minha mão firmemente apertada na
dele. O padrão zig-zag do tapete me deixa tonta a cada passo.

Talvez seja por subir quatro lances de escada, pois Blue não
usa elevadores.

O mais provável é que seja porque estou tendo um ataque de


ansiedade. Ainda não contei a ele sobre Lyric. Não antes de ele me
pedir para ir até seu quarto e conversarmos, sequer quando
subimos as escadas.

E certamente, não agora, de pé em frente à porta, enquanto


ele coloca o cartão no leitor. Não parece ser exatamente o momento
certo. Ele está feliz. Eu estou feliz. Sensações de constrangimento,
tristeza e culpa foram empurradas para o fundo de nossas mentes,
esperando para surgir outra vez durante uma luta algum dia no
futuro como o bicho-papão de emoções.

Uma vez que estamos do outro lado da porta, ele solta minha
mão e segura minha bochecha com a palma da mão quente. Seus

310
olhos turvos se fixam nos meus, então caem para meus lábios. Seu
polegar se move na minha bochecha para o alvo de seu olhar.

Minha respiração para quando ele empurra o polegar pelos


meus lábios, forçando minha boca a abrir. Sua boca abaixa na
minha, beijando-me profundamente, enchendo-a com a sua língua
com o polegar ainda pressionando meus dentes inferiores. Fraca,
encosto-me na porta e seu corpo forte se encaixa perfeitamente no
meu. Dedos calejados familiares procuram a carne da minha
cintura sob o tecido da minha camisa.

Senti tanta falta. Tudo isso é ele. As demandas ásperas de


seu toque, sua paixão, o tormento e suas palavras. Seu aroma –
quanta falta senti de seu cheiro amadeirado, fumo, mesclado com
hortelã.

Amo como seu toque instantaneamente estimula meu corpo


de volta à vida. Meu coração está acelerando. Estou praticamente
ofegante de desejo por ele. Quero que me jogue na cama e marque
cada centímetro meu. Quero tocá-lo, explorar todas as suas novas
tatuagens e seu corpo mais forte.

Enquanto ele lentamente move o dedo do meu lábio inferior


para meu queixo, seus olhos ardem de desejo ao ver o caminho
molhado de seu dedo.

— Estive esperando a noite toda por isso. — Diz ele com a


voz rouca.

Minhas pernas estão bambas de excitação quando ele me


puxa mais para dentro da grande e elegante sala, ainda estou
intoxicada com seu beijo quando provocante pergunto: — A espera
valeu a pena?
311
Eu não sabia que o meu comentário seria o equivalente a dar
a um faminto animal selvagem, o menor pedaço de carne.

Com uma velocidade de explodir a mente, ele me segura em


seus braços me jogando na cama king-size. Ele cai pesadamente
sobre mim, seu tamanho e peso quase tirando o ar dos meus
pulmões.

Nós nos beijamos como duas pessoas que não têm feito nada,
além de pensar em se beijar durante os últimos cinco anos –
ásperos, selvagens, desesperados e molhados. Nós somos um
emaranhado de lábios, língua e mãos arrancando as roupas.

No meio de tudo ainda consigo reunir meu raciocínio e


separar meus lábios dos seus, por tempo suficiente para tentar lhe
dizer o que queria.

— Blue, precisamos conversar...

Ele paira acima de mim com seu cabelo bagunçado caindo


sobre meu rosto e me olha com um véu de negação já em seus olhos.

— Não fale qualquer coisa que seja, Piper. Não quero ouvir
que você tem um namorado ou um marido...

Seguro seu rosto mal barbeado. — Não. Não. Não se trata


disso...

Seus lábios tocam os meus novamente, suaves agora, quase


suplicantes. — Bom. Eu também não. Conversaremos mais tarde...

— Mas...

Seus lábios quentes se movem pela minha garganta seus


dentes fazendo uma trilha, deixando sua marca. — Shh...

312
Eu não deveria ceder a ele me calando, não importa o quanto
queremos um ao outro. Eu deveria me sentar e obrigá-lo a me ouvir,
contar a ele sobre a nossa filha antes de irmos mais longe
fisicamente ou emocionalmente. E, se a percepção de que ele tem
um filho não o destruir ou levá-lo a um colapso, aí então podemos
arrebatar um ao outro durante toda a noite e provavelmente depois.

Abro a boca para protestar, ele move os lábios de volta para


os meus, me beija daquela forma desesperada que me enfraquece.

— Eu não posso falar Piper. Nem pensar. — Diz ele em voz


baixa, em seguida, passa os lábios pelos meus novamente. —
Apenas deixe eu me perder em você, por favor.

Eu nunca fui capaz de resistir ou negar algo a ele. Meu corpo


anseia pelo seu. Meu coração bate em perfeita sintonia com o dele.
Minha alma se fundiu com a sua no dia em que nos conhecemos.
Preciso e quero ficar perdida nele também. Mais do que qualquer
coisa.

Então desisto e me calo.

Por agora.

Meu silêncio não dura muito tempo. Suspiros fracos e


gemidos guturais logo saem dos meus lábios em resposta às suas
mãos e boca, reivindicando cada centímetro do meu corpo. Cada vez
que o alcanço, ele prende minhas mãos para trás na cama e me
imobiliza com beijos mais profundos, me prendendo entre suas
fortes coxas. Anseio tocá-lo, cravar minhas unhas nele, sentir que é
real e não outro de meus muitos sonhos.

313
— Não se mova. — Diz ele com a voz rouca, saindo da cama.
Eu sou toda olhares e arrepios observando-o abrir o cinto de couro
e chutar as botas pretas de combate enquanto tira seu jeans.

— Será que isso expira? — Ele pergunta, segurando uma


cartela de preservativos que puxou de sua carteira. A mesma
carteira que ele tinha quando nos conhecemos.

— Não tenho certeza. Há quanto tempo estão aí?

— Anos. Desde nós.

Eu me inclino nos cotovelos. — Você nunca usou?

— Para quê?

— Hum, para sexo seguro?

Ele segura meu pé, levanta para seu peito nu e remove as


tiras do meu calcanhar. Sinto o calor entre as minhas coxas quando
ele se abaixa para colocar um beijo no arco do meu pé.

— Eu não toquei ninguém. — Diz ele, repetindo as mesmas


ações eróticas com meu outro pé. — Não entende Piper? É somente
você... — Colocando o preservativo entre os dentes, ele coloca os
dedos no cós da minha calça jeans e puxa.

Eu pisco para ele, incrédula. Foi fácil para mim não ficar com
outro homem. Saí muito pouco ao longo dos últimos anos e nenhum
dos encontros levou ao sexo. Claro, alguns homens tentaram,
sempre sabotei o momento. Além disso, trabalho longas horas e
passo todo o meu tempo livre com a minha filha ou caminhando
com Bolota. Eu não tenho tempo para começar um relacionamento
sério. Não convencional como o relacionamento que Josh e eu,
temos uma amizade que funciona para nós em um nível não físico.

314
Mas como Blue pôde ficar sem sexo por tanto tempo? É
impensável. Ele é um homem. Um muito bonito e extremamente
sensual. E é um músico. As mulheres adoram músicos,
especialmente sensuais, sombrios e melancólicos como ele. Somos
inexplicavelmente atraídas por eles, como chocolate, café ou
diamantes. Queremos consertá-los. Queremos ser a escolhida. A
escolhida para mudá-los, a escolhida para conquistar seus corações
e tirá-los de seus caminhos errantes. A pessoa que os faz esquecer
todas as outras mulheres. Nós queremos ser a única, como ele disse.

Eu não tenho nenhuma ideia de como uma chata de um


metro e meio, com cinquenta quilos, como eu, poderia ser a única
de qualquer um.

— Você está falando sério? — Pergunto.

Ao pé da cama, ele rasga o papel alumínio e rola o látex em


seu pau, com as luzes da cidade na janela atrás dele iluminando
sua forma no quarto escuro. O cabelo selvagem e ondulado cai sobre
seus ombros e a pena captura a luz, refletindo o arco-íris. Um
símbolo agridoce do seu pássaro amado, preso a ele, sem a liberdade
de subir.

Ele se inclina sobre o meu corpo, entre as minhas coxas


abertas, e segura meu pescoço, me puxando para cima até ele.

— Shhh... — Ele me beija, uma mão ainda fechada ao redor


da minha garganta, enquanto a outra desce entre as minhas pernas
para acariciar meus lábios molhados. Ele geme de tesão quando
abro mais minhas coxas o convidando.

Implorando, mais precisamente.

315
O nome dele é tudo o que sai dos meus lábios quando dois
dedos com anéis de caveira empurram dentro de mim e começam a
me acariciar habilmente, encontrando todos os lugares certos, como
costumava fazer. A extensão de sua mão fechada sobre a minha
garganta aperta levemente, capturando a vibração dos meus
gemidos contra a palma delas.

— Senti sua falta para caralho, Joaninha. Todo dia. Toda


noite.

Estou perto do delírio de excitação – desejo dar tudo a ele e


que ele tome tudo. Desejo que nunca me deixe novamente. De ficar
presa neste momento para sempre. Desejo esquecer, desejo ter
esperança.

Deixei minha cabeça cair na cama quando ele soltou seu


aperto no meu pescoço, para pegar minhas pernas e rapidamente
me virar. Sou arrastada para a beirada, levantada até ficar de
joelhos e bem aberta diante dele. Ele coloca a mão de leve nas
minhas costas me dando arrepios e agarra meu cabelo, torcendo-o
ao redor de sua mão, puxando a cabeça para cima e para trás para
encontrar sua boca. Seus quadris batem forte na minha bunda,
levando seu pau até as bolas dentro de mim. Ele rosna em minha
boca como um animal selvagem quando eu arqueio as costas, para
recebê-lo mais profundamente. Minhas paredes esticam ao redor de
seu pau grosso, meus dedos apertam a colcha. Ele chupa minha
língua, movendo a mão livre em toda minha barriga, até meus seios,
apertando meus mamilos entre seus dedos. O calor que vem de fora
do seu corpo é como um fogo envolvendo a nós e nossos corpos,
escorregadios de suor, batendo um contra o outro. Estou girando
em euforia, caindo rapidamente no toca do coelho, voltando para
316
aquele lugar requintado, onde não há tempo, nem lugar. Apenas
nós.

Afasto os lábios, ofegante e gemendo enquanto um tsunami


de orgasmos passa através do meu corpo. Seus músculos
abdominais tensos deliciosamente contra a minhas costas, sua
respiração acelerada, sinto o pulsar do seu corpo dentro de mim.

Encostando a testa na parte de trás da minha cabeça, ele


descansa ali, recuperando o fôlego antes de lentamente sair de
dentro de mim e rolar de costas ao meu lado. Eu rastejo em seu
braço estendido e descanso minha cabeça em seu peito. Traçando
pequenos círculos em seu abdômen com meus dedos, vejo os
músculos moverem sob meu toque.

Sua voz, suave e profunda, é melódica na quietude escura do


quarto. — Eu sei que demonstro de forma confusa, mas realmente
amo você. — Ele diz.

— Eu sei Blue. Nunca duvidei do seu amor.

Seu coração bate descontroladamente debaixo da minha


cabeça. Ele move sua mão preguiçosamente cima e para baixo no
meu braço. Posso senti-lo pensando.

— Você me ama, Piper?

Sento-me para encará-lo, mesmo que nós mal consigamos


ver um ao outro no escuro. — Eu te amo mais do que palavras
podem dizer. Nunca deixei de fazê-lo, nem por um minuto.

Ele gentilmente aperta meu ombro. — Eu já volto. — Ele se


levanta da cama, desaparece no banheiro por alguns minutos, em
seguida, sai com uma toalha branca ao redor de seus quadris

317
estreitos. Em seguida, vai para varanda e acende um cigarro, eu o
vejo fumando e olhando para a cidade.

Eu me pergunto o que está pensando. O que estou fazendo


ali. Eu me questiono pelo fato de ter tanto medo de dizer a ele o
motivo pelo qual o procurei.

Eu gostaria de saber aonde iremos a partir daqui e quando


contar a ele.

Preciso contar.

Enquanto ele está fumando vou até o banheiro, onde lavo


meu rosto e arrumo meu cabelo bagunçado. Sento-me na beirada
da banheira Jacuzzi e olho para as minhas unhas dos pés pintadas
de rosa brilhante, tentando reordenar meu cérebro. Eu não pensei
que iria de zero a sessenta esta noite. Deveria ter pisado no freio
antes de as coisas seguirem direto para sua cama.

Quando saio do banheiro, o vejo deitado na cama, apoiado


sobre uma pilha de travesseiros completamente brancos. É estranho
vê-lo em um quarto cercado por lâmpadas, móveis e controles
remotos.

— Você tem um chuveiro de vidro e uma enorme banheira.


— Eu digo.

— Estranho, não é?

Deito-me na cama ao lado dele e ele me puxa, envolvendo


seu braço tatuado ao meu redor como se nunca tivéssemos nos
separado.

— Você merece ter coisas boas.

— Para mim, são apenas coisas das quais a água sai.


318
Eu sorrio e me viro para beijá-lo. — Você é adorável.

— Eu quero tentar novamente.

O sorriso desaparece lentamente dos meus lábios. Não


porque não esteja feliz e sim por estar confusa e insegura.

— O que você quer dizer?

— Nós. Poderíamos tentar novamente, certo?

— Sim. Poderíamos. — Eu engulo a excitação cautelosa. —


Quer dizer, eu quero. Realmente. Embora as coisas estejam muito
diferentes...

Eu coloco a primeira trilha e espero que ele siga.

— Eu sei. Mas poderíamos tentar. Eu poderia ficar com você


quando não estiver em turnê. E ainda poderíamos ver um ao outro
quando estiver. Poderíamos voar um para o outro.

Eu fui de namorar um homem que morava em um galpão a


um que agora voa pelo mundo. É difícil de entender que seja o
mesmo homem. Pergunto-me se caberia em sua nova vida
emocionante ou se me sentiria totalmente fora do meu elemento.

Por outro lado, quando afasto as camadas de seu novo estilo


de vida para o lado, Blue é o mesmo. Tranquilo, honesto e
apaixonado. O homem que ainda me faz sentir como se fosse a única
mulher no planeta que existe para seus olhos. Ele se afastou de uma
sala cheia de fãs pagantes para ficar sozinho comigo, exatamente
como anos atrás se afastou dos ouvintes no parque para se sentar
comigo.

À sua maneira, ele é incrivelmente romântico.

Ainda é o meu Blue.


319
Ter dinheiro, uma banda, fãs e uma agenda lotada não
mudou quem ele é ou as coisas que amo nele. Não vejo qualquer
sinal de um homem que se tornou arrogante ou que pula de mulher
em mulher. Pode demorar um pouco, mas posso aceitar sua carreira
e tudo que vem com ela, desde que não o mude.

— É verdade. — Eu finalmente respondo. — Poderíamos


encontrar maneiras de fazer funcionar. Muitas pessoas o fazem. —
Minha mente tenta pensar em como farei entre o meu trabalho, uma
filha de quatro anos de idade e dois animais de estimação. Blue não
é o único que está vivendo uma vida diferente. Minha vida é
completamente diferente também e ele não sabe absolutamente
nada sobre ela. Assim como eu precisaria aceitar sua nova vida, ele
também teria que estar disposto a aceitar a minha.

E acima de tudo, teria que aceitar a nossa filha.


Incondicionalmente.

— Meu baterista tem uma relação de longo tempo. Eles fazem


funcionar.

Nós alcançamos a mão um do outro ao mesmo tempo e


entrelaçamos nossos dedos. — Pensei muito em você, Piper. Fiquei
encantado quando a vi hoje. É como se o destino a trouxesse de
volta para mim. Até sonhei com você algumas noites atrás. E agora
está aqui e é como se nunca tivéssemos ficado separados. Acredito
que posso fazer o certo desta vez. Estou a todo vapor com a banda,
escrevendo novas músicas e todas as outras merdas, mas arranjarei
um tempo. Posso ser melhor agora.

— Não havia nada de errado com você antes. — Respondo.

320
— Não, havia sim e sei muito bem. Estava desmoronando em
todos os lugares. Tinha todos os tipos de merda na minha cabeça e
nunca encontrava as palavras ou notas certas, todo o resto seguia
em espiral e foi simplesmente demais. Por isso tinha dores de cabeça
e me sentia mal. Pode ser melhor agora e nós podemos ficar juntos.
Viajarei amanhã a noite para o próximo show, você poderia vir
comigo. — A velocidade frenética das suas palavras e seu tom
excessivamente empolgado é terno e igualmente alarmante. —
Providenciarei um quarto com uma grande banheira, muito
sabonete e toalhas, uma cama grande como esta. E você poderá ir
para o show a cada noite, como costumava fazer no pub, lembra?
Eu adorava olhar para a multidão e ver seus belos olhos grandes me
observando. Podemos comer cheeseburger todas as noites e
adormecer juntos em uma cama de verdade, como você queria. —
Seu braço aperta minha cintura, como se ele estivesse me puxando
para este cenário. — Podemos ficar juntos novamente, eu, você e
Bolota.

Quando ele finalmente faz uma pausa para tomar fôlego, eu


aproveito.

— Gostaria de poder fazer tudo isso, mas preciso trabalhar


Blue. Não posso simplesmente tirar uma folga sem qualquer aviso
prévio. Eu quero. Mais do que tudo. Teria que pedir férias para o
RH. Eu tenho mais de um mês de férias, só não posso simplesmente
tirá-las assim, quando bem entender. No entanto, ainda podemos
fazer planos. Você terá que me informar sobre sua agenda e veremos
o que podemos fazer para dar certo e conversar sobre todo o resto.

— Oh. Me esqueci dessas coisas. — Seu piercing na língua


passa pelos dentes. — Está bem. Assim que pudermos, ficaremos
321
juntos. E eu posso ligar para você. Todos os dias. Tenho um telefone
agora.

Aceno entusiasticamente, tentando descobrir como posso


trazer Lyric para a conversa sem arruinar o momento. —
Definitivamente. Levaremos um dia após o outro. Sem pressão.

Apertando os olhos, ele esfrega as pontas dos dedos na testa.


— Minha cabeça está me matando. Estou tão cansado. Não me
lembro de quando foi que dormi.

— Você precisa descansar um pouco. Está tarde.

Ele rola para o lado e enrola seu corpo no meu. — Durma


comigo e a deixarei em casa de manhã. Não serei capaz de dormir
se você for embora.

Merda. Eu deveria ter ido para casa horas atrás ou pelo


menos ligado para Josh, que deve estar muito preocupado. Eu me
sinto a pior mãe do mundo. Nunca deixo Lyric ir para cama sem
dizer a ela que a amo. Nunca.

— Preciso ligar para meu colega de casa.

Ele balança a cabeça, já caindo no sono, cansado demais


para fazer perguntas. — Ok, depois venha dormir comigo. — Ele
murmura em seu travesseiro.

Eu uso o telefone na mesa do outro lado da sala em vez de


um mais próximo da cama e Josh atende no segundo toque.

— Jesus Cristo, Piper, onde você está? São duas da


madrugada!

Eu tremo no receptor. — Calma, por favor? Estou com Blue.

322
Ele zomba do outro lado da linha. — Que surpresa. Eu vi
acontecer a uma milha de distância.

— Josh, por favor. — Sussurro. — Lyric está bem? Está


acordada?

— Ela está bem e não, não está acordada. Eu a coloquei na


cama horas atrás. Estive sentado aqui assistindo Project Runway
por horas me preocupando com você.

— Eu não consegui dizer boa noite para ela. Ficou irritada?

— Não, só perguntou quando você voltaria para casa e se


poderia tomar mais sorvete.

— Merda. Eu me sinto mal.

— Quando você volta para casa?

— Amanhã.

Ele solta um suspiro de frustração. — Espero que saiba o


que está fazendo.

Não. Eu não sei.

— Então, suponho que ele recebeu a notícia bem? — Ele


estimula.

— Eu não contei a ele ainda.

— Vai contar?

— Sim. E será de manhã. É realmente difícil, Josh. Ele ficou


tão feliz em me ver. Você não o conhece não há muita coisa que o
deixe feliz e animado. Queria aproveitar algum tempo juntos.

— Tenho um mau pressentimento. Não faça eu me


arrepender de ter conseguido os ingressos para você, Piper.

323
— Ugh. Sério? Por que está agindo assim? Eu sou adulta.

— Sim e na primeira noite que você sai para ver o seu ex, não
volta para casa e ignora completamente sua filha. Esse homem
apenas a fode.

— Ele não me foderá. E não ignorarei Lyric. Como ousa falar


assim comigo? É a primeira vez que saio a noite em meses! Perdi a
noção do tempo.

— Não discutirei com você, estou indo para cama. Eu a vejo


amanhã. — E não se preocupe com Lyric, eu farei o café da manhã
dela e a manterei ocupada até você chegar.

— Eu agradeço por cuidar dela para mim. Sinto muito, se fiz


você se preocupar. Só preciso de um pouco mais de tempo com ele.

— Basta ter cuidado. — Ele encerra a ligação e abaixo


lentamente o telefone, sentindo minha bolha feliz lentamente
desinflar.

Suspirando, deito-me debaixo das cobertas com Blue e me


aconchego em seu corpo quente. Ele aperta os lábios no topo da
minha cabeça. — Não vá. — Diz sonolento.

— Não irei a lugar nenhum. Prometo. — Sussurro,


esfregando minha mão em suas costas quentes.

No dia seguinte de manhã contarei a ele sobre Lyric. Depois


que nós dois dormirmos um pouco e absorvermos nossa decisão de
ficarmos juntos novamente. Bem, tentar novamente. Eu não deixo
minha mente vagar muito longe no futuro. Não me preocuparei em
estar num relacionamento com uma estrela do rock. Blue é a mesma
pessoa de antes. Ele é humilde, não se incomoda com sua nova vida.

324
Posso ver claramente o nosso futuro como eu imaginava e esperava.
Podemos ser uma família. Conseguiremos ser felizes, deixar o
passado para trás e seus demônios na poeira.

Nós somos a lenda, do amor e da sabedoria

De visões e insetos pintados à gema, para sempre e sempre

Nós somos fé e esperança e sonhos se tornando realidade

Nós somos um e dois e não há ninguém além de você.

Ninguém além de você...

As letras das joaninhas derivam por minha mente exausta.


Blue é um poeta, um sonhador. Leal para amar e perdoar sua
loucura. Nós ficaremos bem, nós dois e nossa linda menina.

Consertar minhas asas desfiadas, empresta-me seu coração

Voe comigo, não há nada que possa nos separar...

325
Capítulo 23
Piper

08h06

Eu bocejo para o relógio digital no criado-mudo. Parece que


apenas num piscar de olhos antes eram três horas da manhã. Tudo
o que aconteceu na noite passada repassa na minha memória como
um filme, só que sem foco algum.

Blue no palco, com a banda dele, cercado por fãs. A forma


como a sua voz e suas letras bateram em meu peito e na minha
alma.

Cheeseburgers.

Amor.

Sua mão no meu cabelo, seu corpo enterrado no meu.

Esperança.

Beijos doces com a ascensão do sol. Ele na minha boca, seus


gemidos e os olhos luxuriosos.

Promessas.

326
A sensação se arrasta sobre mim, semelhante à sensação que
tenho quando me esqueço de colocar o meu relógio e depois, pelo
resto do dia, meu pulso parece estar estranho, quase que amputado.

Blue não está na cama comigo. Eu sou um pulso sem um


relógio.

Minhas costas e pescoço doem em protesto quando me sento


e estico os braços por cima da cabeça. Não estou acostumada a
dormir enroscada com outra pessoa. Nem a ser esticada, dobrada,
mordida e chupada.

Seguindo em direção da sacada, pego a camiseta no chão e a


coloco sobre a cabeça, então abro lentamente a porta de vidro, para
sentir o calor do sol, o que não me faz acordar tanto quanto esperava
que fizesse.

Preciso desesperadamente de um café com leite para


combater o persistente nevoeiro no meu cérebro, por dormir pouco.
Na verdade, provavelmente, poderia beber um galão para me ajudar
a passar pelo interrogatório que tenho certeza suportarei de Josh e
Lyric quando chegar em casa. Primeiro preciso usar o banheiro e
tomar um longo banho quente. Então, podemos tomar café da
manhã no lobby e descobrir como chegarei em casa e como
seguiremos de agora em diante.

E em algum momento, precisaremos ter uma conversa séria.

Quando volto para dentro, ele ainda não saiu do banheiro.


Descalça, ando pelo tapete macio sob meus pés pelo corredor de
mármore que leva ao banheiro. Fazendo uma pausa, coloco a orelha
na porta pesada. Não há som do outro lado.

— Você está bem? — Pergunto sem jeito.


327
Nenhuma resposta.

— Blue?

Tosse. — Um segundo, querida...

Enquanto espero, arrumo o quarto que, diferentemente de


nossas roupas por todo o chão, é surpreendentemente limpo. Duas
malas grandes estão no chão, abertas, expondo seu guarda-roupa
de jeans e camisetas. E cigarros. Muitos e muitos maços de cigarros.

Cinco garrafas vazias de água e dois litros vazios de


refrigerante de limão alinhados no alto do armário.

Embora eu saiba que uma empregada virá em breve, arrumo


a cama e suavizo as rugas do edredom, em seguida, me sento com
os pés balançando, esperando ele sair. Ficarei irritada se ele decidir
mergulhar na enorme banheira sem mim.

Um arrepio de repente me percorre. E se ele mudou de ideia


sobre nós e agora está se escondendo, elaborando um plano de fuga
como fez há cinco anos e se encurralou no banheiro, sem saída?

Não. Pensamento ridículo. Ele não faria isso.

Exalo uma respiração, cada vez mais impaciente e


preocupada, procuro o controle remoto de televisão, esperando me
distrair. Em vez disso, um caderno sobre a mesinha de cabeceira
me chama a atenção, percebo que é um de seus cadernos, com a
caneta que dei a ele de Natal anos atrás. A caneta traz um sorriso
aos meus lábios. Ele a manteve e a usa. O que significa que deve se
lembrar de mim. A curiosidade fala mais alto e pego o caderno,
folheio as páginas.

328
As páginas estão cheias de nada além de rabiscos
irregulares.

Minha mente corre de volta ao galpão, para a primeira vez


que ele escreveu os rabiscos. Mas o vi no chão, com um desses
cadernos, escrevendo e arrancando as páginas, jogando-as ao redor
da sala, para em seguida, começar tudo de novo. Lembro-me dele
me dizendo que estava tentando conseguir as palavras certas. Ele
estava perturbado, literalmente agonizando sobre as palavras e as
notas.

Que palavras? Onde estão as palavras verdadeiras?

E por que havia pilhas desses mesmos cadernos no galpão da


casa velha?

Eu toco no caderno, tentando entender, não consigo.

O que ele está fazendo?

Pegando o caderno, vou até o corredor e bato suavemente na


porta.

— Blue? Você está bem? Preciso usar o banheiro. — Eu


espero. Ouço um leve ruído. — Pode sair? Nós realmente precisamos
conversar antes de eu ir.

Nada.

Hesito em abrir a porta. Nós estamos definitivamente longe


de dividir o banheiro, rapidamente domino meu medo da
humilhação. Eu aperto o botão e empurro um pouco a porta.

Queria nunca ter feito.

Na verdade, gostaria de nunca ter vindo aqui.

329
O som do caderno caindo da minha mão o assusta e nossos
olhos se encontram por um segundo, antes que eu vire e corra de
volta para o quarto com a minha mão sobre a boca, segurando os
gritos ameaçadores que insistem em sair.

Lágrimas quentes escorrem dos meus olhos enquanto


freneticamente visto minhas roupas e ele tropeça para fora do
banheiro, ainda segurando a agulha que estava inserida em sua veia
alguns segundos atrás.

— Piper, espere...

— Fique longe de mim. — Eu choro, passando por ele para


chegar até a porta. Preciso sair dali, longe dele e seus olhos
terrivelmente vermelhos e suas veias inchadas. Eu me viro quando
ele agarra meu braço, não consigo evitar seus olhos, aqueles belos
olhos azuis que amo tanto, no momento selvagens, aéreos e
desfocados. Náuseas borbulham no meu estômago como ácido.
Soluçando, arranco meu braço de seu aperto. — Não me toque.

— Por favor. — Ele oscila em direção à parede, derrubando a


seringa no chão e quase cai de cara quando tenta segurá-la.

Devastada com a visão dele deste jeito, balanço a cabeça em


incredulidade horrorizada. — Pensei que estivesse limpo. Você me
disse que estava melhor. Que porra está fazendo a si mesmo?

Como um zumbi ele tropeça para frente, os braços


estendidos, e tenta puxar-me para seus braços. — Bebê, estou
melhor. Estou muito melhor. Só preciso um pouco, às vezes. Para
atravessar toda a merda. — Ele mostra o braço para mim. —
Veja, não há nem mesmo muitas marcas. Viu? Uso somente quando
estou cansado e não consigo dormir, não consigo pensar... — Ele
330
passa os dedos pelos cabelos emaranhados. — Preciso me afastar
de tudo de vez em quando. Só isso. Estou bem. — Um sorriso
demente passa por seu rosto.

Eu me afasto dele. — Você não está bem, Blue. E está me


assustando. Não posso vê-lo assim. — E não posso, nunca, deixar
a minha filha perto de alguém assim.

Ofegante através de soluços corro dele descendo o corredor


feio para o elevador, onde aperto desesperadamente a seta para
baixo repetidamente no painel. As portas cromadas abrem na hora
que Blue aparece no final do corredor, gritando meu nome. Desvio
meus olhos dele e entro no elevador antes que me alcance e vou
para um canto enquanto as portas se fecham como um cofre. Uma
mulher mais velha que já estava no elevador, me olha com uma
expressão de grande preocupação, enquanto vasculho minha bolsa
procurando por um lenço.

— Sinto muito, senhorita, você está bem? — Ela pergunta


quando o elevador começa a descer.

Concordo com a cabeça e limpo meus olhos com um lenço


áspero que encontrei na parte inferior da minha bolsa. — Sim. Tive
uma discussão com o meu namorado.

Ela faz um som de desprezo e balança a cabeça. — Os


homens são uns babacas. — Ela murmura. — E não valem suas
lágrimas.

Palavras de defesa vêm na ponta da minha língua, não posso


deixá-las sair. Ela poderia, muito bem, estar certa. Talvez todos os
homens realmente fossem babacas e capazes de destruir todas as

331
coisas boas em nossas vidas, partindo nossos corações em milhões
de pedaços.

Para mim, é o fim. Entreguei meu coração, meu corpo e


minha confiança e ele jogou tudo fora em questão de horas. Horas.

Estou tremendo com a sobrecarga emocional. Tudo que


quero fazer é ir para longe dali, para casa, para a minha menina e a
segurança do meu falso namorado gay. Tenho que tirar a imagem
da agulha na veia de Blue da minha cabeça. Também não posso
pensar nele recostado na parede, os olhos fechados por causa da
heroína.

Assim que as portas se abrem, corro para fora do elevador e


vou direto para a mesa do concierge na esperança de conseguir um
táxi, com o canto do meu olho, vejo Blue saindo da porta que dava
acesso às escadas, com um olhar selvagem com o jeans
desabotoado, descalço e sem camisa, as tatuagens por todo o corpo
em plena exibição.

É um milagre que ele tenha conseguido descer quatro lances


de escadas sem cair de bunda no chão. Quando ele me vê,
rapidamente vem até mim e segura minha mão. — Não vá. — Ele
implora, tentando recuperar o fôlego. — Por favor.

— Você precisa voltar lá para cima. — Olho ao redor do lobby


para garantir que ninguém o reconheceu. — Você está uma
bagunça.

— Eu não dou a mínima. Não a perderei novamente. Suba


comigo. — Seus olhos fixam nos meus e me odeio, porque estou
perto, muito perto, de ceder.

332
Aperto sua mão com mais força na minha, porque realmente
não quero desistir de nenhuma parte dele. — Blue, eu não posso.
Sinto muito.

Ele pisca forte. — Eu irei para a reabilitação. Ok? Sairei da


merda novamente.

— Você deve fazer isso. Definitivamente. — Concordo.

— Eu não quero perder você.

Balanço a cabeça e sufoco minhas lágrimas. — Eu não quero


perder você novamente também, mas não posso. É demais para
mim. Tudo é muito mais do que posso lidar no momento.

— Eu pensei que você me amasse. — Ele me acusa com raiva.


— Você disse que me amava.

Eu o levo para longe do centro do lobby, de volta pelo


corredor que conduz à escada. — Eu te amo. — Digo baixinho. —
Sempre amei. Mas você precisa lidar com seu vício.
Permanentemente. Antes de podermos tentar nosso recomeço.

— Eu o farei. Prometo. — Blue cambaleia mais perto de mim.


— Apenas não vá. Não me deixe.

Respiro fundo e cruzo os braços, me abraçando. — Nós temos


uma filha. — Deixo escapar. — Ela tem quase cinco anos de idade.
É o motivo de eu ter vindo vê-lo quando descobri que sua banda
tocaria em Boston.

Seus olhos se arregalam, em seguida, ele aperta os olhos. —


O quê? Quando? Como?

333
— Eu descobri algumas semanas depois que você foi buscar
bagels13.

Seu rosto se contorce com a confusão séria. — Um bebê?

Nem uma vez imaginei ter essa conversa enquanto ele está
totalmente chapado. Sinto vontade de bater nele, esta deveria ser a
notícia mais importante de sua vida. — Sim. Um bebê — Repito.

— Você nunca me contou.

— Como poderia? Eu não tinha como encontrá-lo. Sequer sei


seu nome verdadeiro!

Ele se encosta na parede e passa as mãos pelo rosto. — Eu


não acredito — murmura. — Estou muito alto para esta merda
pesada.

— Obviamente.

— Estou tão fodido. Tão fodido.

Meu coração se parte observando-o cair até que está sentado


sobre os pés.

— Eu tentei encontrá-lo depois que você saiu. Procurei por


meses. Todo fim de semana ia a cada parque na área para procurá-
lo.

Posso ver em seu rosto que ele está há um milhão de milhas


de distância, nem mesmo me ouve. Finalmente, ele olha para mim.
— Uma menina?

13
Um bagel, também escrito como beigel, é um produto de pão originário das comunidades judaicas da Polônia.
É tradicionalmente moldado à mão sob a forma de um anel de massa de trigo fermentada, aproximadamente do
tamanho da mão, que é primeiro fervida por um curto período de tempo em água e depois assada.
334
— Sim. Ela é adorável. Tem cabelo castanho escuro e olhos
da mesma cor que os seus. É inteligente, curiosa e carinhosa. Você
a amaria, Blue. Todo mundo a ama. O nome dela é Lyric.

— Lyric. — Ele repete. — É um nome muito legal.

Ajoelho-me no chão ao lado dele. — Eu não queria contar


assim. Deveria ter dito na noite passada, mas... não sei. Estava com
medo, eu acho. Por causa dela vim aqui. Queria que você soubesse
que tem uma filha. E um dia, quando estiver realmente melhor,
poderá vê-la. E se quiser, poderá ser parte de sua vida. Não desta
forma.

— Não. Eu não posso.

Concordo com a cabeça.

— Nunca. — Acrescenta.

— O quê?

— Não posso... ser o pai de alguém. Não pude nem cuidar do


meu cachorro.

— Blue...

Ele se levanta e eu também, então ele abaixa a cabeça se


escondendo atrás do cabelo. — Sinto muito, Joaninha, você sabe
que não posso. Olhe para mim. Eu nunca serei bom para esta
menina. Sou apenas um inútil pedaço de merda. — Ele coloca a mão
no bolso e tira um monte de notas, empurrando-as para mim.

Eu empurro sua mão. — Eu não sou uma prostituta, Blue.

— É para ela. Para cuidar dela.

335
Desespero me percorre. — Estamos bem. — Eu pisco para
conter as lágrimas, resignando-me com a nossa realidade
inesperada. — Você deve voltar lá para cima antes que alguém possa
vê-lo deste jeito. Tome um café, durma ou faça o que faz quando
está drogado. Eu preciso ir para casa.

Ainda sem olhar para mim, ele balança a cabeça e empurra


o dinheiro de volta no bolso. Foi quando notei a pequena tatuagem
de joaninha no lado de seu pulso, o que partiu meu coração.
Timidamente, estendo a mão e toco suavemente seu braço.

— Por favor, cuide-se. — Digo a ele e é tudo que eu realmente


quero. Vê-lo melhor. Verdadeiramente melhor, em todos os sentidos
da palavra.

Ele se aproxima de mim e me puxa para um abraço


desesperado, agarramos um ao outro por um longo tempo e Deus,
como eu queria que as coisas fossem diferentes. Faria qualquer
coisa para tentar novamente, para finalmente recomeçar com este
homem que amo tanto. Estávamos tão perto de conseguir.

Ele coloca meu rosto em suas mãos, gentilmente, passa seus


dedos polegares em meu rosto e me beija tão suave e tão
profundamente que juro que está tentando rastejar de volta para o
meu coração. O que ele não percebe, é que já está lá.

E aquele cartão postal que eu enviei

Com a pequena imagem bonita na parte da frente

E todas aquelas palavras que escrevi no verso

Atenciosamente, a verei em breve e todo o meu amor

336
Você recebeu muito tarde, você já se foi,

E não havia mais nada que eu pudesse fazer.

Eu o abraço apertado, meu lírico, escuro e bonito amor.

E então o deixo ir.

337
Capítulo 24
Piper

Segundas-feiras podem ir se foder.

Nem mesmo é segunda-feira, é quarta-feira. Como não


trabalhei por dois dias, então minha quarta-feira se aparece com
uma segunda-feira.

Estou passando superficialmente através de nada menos que


cem e-mails quando meu telefone toca, sinalizando uma chamada
vinda da recepcionista.

Pressiono o botão alto-falante. — Oi Marybeth.

— Oi Piper, você tem um visitante.

Meus olhos passam rapidamente por meu calendário, não


vejo quaisquer compromissos anotados. — É um vendedor? Se for,
estou muito ocupada para me encontrar com alguém hoje.

— Acho que não.

— Então quem é? — Pergunto com frustração. Será que ela


esqueceu que seu trabalho é descobrir os nomes de quem liga ou
nos visita?

338
— Hum, não tenho certeza, mas ele se parece com o cara da
banda No Tomorrow. Ele está no lobby. Oh, meu Deus!

Meu coração começa imediatamente a acelerar. Blue está


aqui.

— Estou indo.

Um milhão de pensamentos passam pela minha mente


enquanto percorro o corredor em direção ao lobby. Passaram duas
semanas desde que Blue e eu nos separamos no hotel, minhas
feridas ainda estão abertas. Eu literalmente quebrei e levou dois
dias de folga para recuperar minha saúde mental e tentar recuperar
o atraso pelas semanas sem dormir além de passar mais tempo com
Lyric. Hoje me sinto um pouco melhor. Pelo menos estava até Blue
aparecer inesperadamente.

Quando viro o corredor no hall de entrada, não é Blue que


me aguarda. É Reece.

— Esta é realmente uma surpresa. — Digo.

Quando me encontrei com ele na noite do show, me pareceu


um guitarrista com cabelo desarrumado e gorduroso, alguns dias
de barba, jeans rasgado e uma camiseta de uma banda antiga. Hoje,
ele parece ter acabado de sair de um set de filmagem de Hollywood.
Seu cabelo escuro e longo está bem amarrado para trás, óculos de
aviador no alto de sua cabeça. Uma camisa Henley preta se estende
sobre os maiores bíceps que já vi. Ele parece exótico, confiante e
rico. Acima de tudo, parece saudável e bem descansado. Um
contraste gritante com quão exausto Blue estava.

— Sinto muito aparecer sem avisar. Podemos ir a algum


lugar e conversar?
339
— Claro. Há um pátio exterior.

— Perfeito.

— Blue está bem? — Não posso compreender o motivo da


presença de seu amigo aqui, a não ser que algo terrível tenha
acontecido e já estou meio enjoada de preocupação.

— Sim, ele está... ele está... sendo Blue.

— O que significa isso? — Pergunto quando chegamos a uma


das mesas de piquenique.

Ele se recosta na mesa e sorri para mim. — Ele está fodido


acima de tudo.

— Bom, eu também.

— Totalmente compreensível.

— Ele já foi para reabilitação?

— Ainda não.

— Ainda não? — Repeti. — Ele estava usando heroína no


banheiro. Ele te contou?

— Não é novidade, Piper. Ele teve problemas com drogas


desde o ensino médio.

— Eu sei. É por isso que ele realmente deve procurar ajuda


profissional.

— Ele o fará. Só não está pronto ainda. E, concordo com você,


ele precisa ficar limpo, primeiro precisa querer. Caso contrário,
usará novamente em poucos meses. Assim como sempre faz.

Não parece muito promissor.

— Nem sei o que dizer. Você se droga também?


340
— Eu? Porra, não. Estou totalmente limpo.

Balanço a cabeça e olho a rua na direção do parque ao qual


não consigo mais ir, é um cemitério de lembranças.

— Então por que você veio?

— Ele me contou sobre o bebê. E eu queria conversar com


você... me certificar de que você e o bebê estão bem.

— Ele pediu que viesse?

Sua cabeça se move de um lado para o outro. — Não. Eu vim


por minha conta. Encontrei suas informações em sua carteira.

— Você mexeu na carteira dele? Bastante invasivo, não


acha?

— Acredita que eu me importo?

— Aparentemente não. E ela não é mais um bebê, tem quase


cinco anos de idade. O nome dela é Lyric.

— Eu ouvi. Ele está apaixonado pelo nome que você deu a


ela.

— Que ótimo. — Digo sarcasticamente. — Infelizmente, ela


não tem o seu sobrenome, pois eu não tinha ideia de onde ele estava.
E, acredite em mim, sei que é minha culpa, sou, obviamente, terrível
com escolhas quando se trata de homens.

— Nah. Blue é apenas um cara estranho. Sempre foi. E você


pode mudar sua certidão de nascimento agora que sabe. Não é
grande coisa.

341
O pensamento de mudar o sobrenome da minha menina doce
para o do vocalista de uma banda de rock grunge com um vício em
drogas me dá calafrios.

— Talvez um dia. — Respondo. — Quando ela tiver idade


suficiente para entender, deixarei que decida o que fazer.

Ele concorda. — Justo.

A situação é estranha e desconfortável, tenho certeza que


minha caixa de entrada está acumulando enquanto conversamos,
assim verifico meu relógio. — Eu realmente deveria voltar ao
trabalho...

— Você é uma mãe solteira, então?

Meus olhos se estreitam. — Espero que você não esteja


pensando em me convidar para sair, porque definitivamente não
vou.

Ele solta uma gargalhada profunda. — Eu adoraria querida,


porém você está fora dos limites.

Minhas bochechas coram de vergonha.

— O que estava tentando perguntar é se você está fazendo


tudo sozinha? Precisa de ajuda? Creche? Dinheiro? Algum problema
médico?

Eu não sei se deveria me sentir lisonjeada ou ofendida por


tudo o que sai de sua boca.

— Como você pode ver, tenho um emprego e seguro de saúde.


Sou solteira, mas tenho amigos e familiares para me ajudar. Lyric
está muito bem cuidada e é amada. Você pode dizer para Blue que

342
não precisamos de nada dele. Pode dizer a ele também que seu
cachorro está bem.

— Você pode parar de ficar na defensiva. Estou aqui como


um amigo, não sou seu inimigo.

— Sinto muito. Estou apenas arisca nas últimas semanas.


É... — Minha voz falha e deixo escapar um suspiro confuso.

Sua expressão suaviza. — É um saco estar num


relacionamento tóxico.

Meu lábio inferior treme desafiadoramente. — Eu não estou


em um relacionamento tóxico com ele ou em qualquer outro
relacionamento. Nós não temos nada.

Ele toca meu queixo e levanta minha cabeça forçando-me a


olhar. — Acredite em mim, Piper. Você está num relacionamento
tóxico. E ele é o pai da sua filha. Você sempre estará em alguma
coisa com ele. Goste ou não.

Merda.

— Eu tenho uma filha com minha ex. É difícil, mas fazemos


o possível pela nossa filha. Eu me certifico de que ela tenha tudo o
que precisa. — Ele empurra o corpo para fora da mesa e mantém
seus olhos castanhos em mim. — Blue não é como eu. Ele não pode
lidar com a situação, você sabe não é?

— Infelizmente sim.

— Ele se preocupa com você, no entanto. É a primeira vez


para ele. E uma vez que ele está muito fodido para lidar no
momento, estou tentando ser um bom amigo. Certificar-me que sua
filha esteja bem.

343
— Ela está bem e feliz, é superinteligente e muito parecida
com ele.

Reece coloca a mão no bolso de trás e me entrega um cartão.


— Vamos almejar que ela não seja muito parecida com ele. Meu
número está nesse cartão, coloquei o dele na parte de trás, no caso
de você não ter.

Relutantemente, pego o cartão e balanço a cabeça. — Não.


Ele não me deu.

— É melhor ligar para mim, se precisar. Ele nunca atende.

— Tenho certeza de que não precisarei de nada, mas


obrigada. Você é um bom amigo.

Ele pisca para mim. — Alguém precisa ser.

Depois que ele sai eu ignoro o olhar da recepcionista e volto


para a privacidade de meu escritório. Eu tenho a esmagadora
sensação de que esta, definitivamente, não será a última vez que
verei Reece Blackstone.

Um mês depois, um envelope é entregue no meu escritório,


com mil dólares em dinheiro dentro e uma nota de Blue:

344
Joaninha,
Sinto muito, eu estou fodido. Novamente. Você vê
o meu padrão? Este sou eu.
Não consigo parar de pensar em você. Gostaria
que tivéssemos mais tempo juntos antes de tudo ir à
merda. Queria recomeçar. Eu te amo como você me ama,
amo como você me odeia. Não se sinta mal. Eu preciso do
seu ódio e preciso de sua dor tanto quanto preciso do seu
amor. Ele alimenta a minha luta como nada mais. Eu
gostaria de não machucá-la. Espero valer a pena, mas
provavelmente não valerei. Estou enviando dinheiro
para Lyric. Amei esse nome. Eu sei que você a nomeou
por mim. Enviarei mais quando u puder. Perdi muito
dinheiro em merda que não deveria. Agora talvez não
faça mais isso. Algum dia serei melhor. Espero que um
dia possamos tentar novamente. Sinto sua falta.
Eu te amo.
Blue

345
Fecho minha porta para que meus colegas de trabalho não
me vejam chorando na mesa, então releio o bilhete várias vezes.
Como todas as vezes que Blue me deixa um. Eu leio e leio, fico mais
chateada e me apaixono mais e mais, no final do dia já memorizei
suas palavras e ainda mais confusa, caindo mais profundamente
nesse abismo com ele.

Tanto quanto odeio admitir, talvez Reece tenha razão e seja


um relacionamento tóxico. Conhecer Blue não me proporcionou as
melhores e as piores coisas da minha vida? Não. Minha vida pré-
Blue parecia ser completamente diferente da minha vida de hoje. O
que pensava antes de conhecê-lo? O que amava antes dele? O que
buscava antes dele? O que me fez chorar antes dele?

Minha mente fica em branco. E não tenho resposta para as


perguntas.

Dobro o envelope com o dinheiro e coloco na minha bolsa,


imaginando o que ele estava pensando quando me enviou tanto
dinheiro pelo correio. Estou surpresa que ninguém tenha roubado.
Reparo que não há endereço de remetente no envelope, nem mesmo
um telefone. Será que não tem um endereço ou um telefone? Será
que ele não quer que eu o encontre?

Pelo resto do dia o pensamento continua me irritando. Nunca


fui capaz de encontrá-lo. Ele pode desaparecer, sem nome e sem
endereço por anos! E se não tivesse ouvido sua música no rádio
naquele dia, quem sabe quanto tempo demoraria até encontrá-lo.
Anos? Talvez, nunca.

346
Lyric está muito tagarela durante todo o jantar, descrevendo uma
nova garota em sua escola com riqueza de detalhes.
Aparentemente, a menina tem um dedo faltando por conta de um
infeliz acidente. Normalmente uma criança muito calma, tem
certas coisas que chamam muito a atenção dela levando dias ou
até mesmo semanas para ela esquecer. Tenho um pressentimento
que o dedo faltando será sua obsessão por um longo tempo e
imploro para que não faça a menina se sentir desconfortável.

— Ela é minha melhor amiga agora. — Lyric anuncia na hora


de dormir.

Eu a cubro e beijo suavemente na bochecha. — É muito


gentil. Ela tem sorte de ter você como uma amiga porque é divertida,
inteligente e carinhosa.

— Eu daria a ela um dos meus dedos se pudesse mamãe. Eu


não preciso de todos eles, não é?

Sufocando uma risada, levanto a mãozinha para os meus


lábios e beijo os seus dedos. — Acho que você precisa. No caso de
querer tocar piano algum dia.

— E se ela quiser tocar piano algum dia?

— Bem... tenho certeza que ela ainda poderá. Será apenas


um pouco mais difícil.

— Então, realmente não preciso de todos os meus dedos. —


Ela protesta.

347
— Querida, você não precisa se preocupar com os dedos da
sua amiga. Tenho certeza que ela está bem. E acredito que Bolota
gostaria que você mantivesse todos seus dedos para acariciá-lo.

À menção de seu nome, Bolota levanta a cabeça de seu local


noturno favorito cochilando ao pé da sua cama. — Está vendo? —
Digo. — Ele nos ouviu falar e concordou.

Ela ri. — Você é boba. Ele não falou nada. Disse que eu posso
acariciá-lo com ou sem dedos ou posso acariciá-lo com apenas meus
olhos, ele ainda sentirá tudo.

Bolota abana o rabo, tenho certeza que é verdade, ele não se


importaria, desde que estivesse recebendo atenção. Eu percebo que
Lyric parece compreender que há diferentes maneiras de amar
alguém e diferentes maneiras de aceitar o tipo de amor que eles
podem oferecer.

Depois que Lyric adormece, vou para a cama, não consigo


dormir. Em vez disso, tiro o cartão de Reece da minha carteira e
disco o número escrito no verso antes de ter a chance de mudar de
ideia.

Ele toca quatro vezes, estou prestes a desistir e desligar


quando ele atende.

— Sim?

Meu coração salta ao ouvir sua voz profunda e áspera.

— Blue... — Respiro fundo. — Sou eu.

Há uma longa pausa, em seguida, o som de um clique mais


leve, em seguida, uma inspiração profunda e exalação. Eu quase
posso ver a fumaça saindo da ponta do cigarro.

348
— Você está aí? — Pergunto.

O clique de metal contra os dentes. — Sim... um pouco


surpreso.

— Reece me deu seu número. Espero que não seja um


problema.

Ouço os lábios ao redor do cigarro. Inalando, exalando.

— Claro que não.

Não posso dizer se ele está feliz ou irritado com a ligação,


então balbucio. — Recebi o dinheiro que você enviou; chegou hoje.
Não precisa fazer isso, mas obrigada.

— Não me agradeça bebê. — A rouquidão de sua voz me


chamando de bebê envia um formigamento de calor através de
minhas coxas.

— Queria que você soubesse que agradeço sua atenção.

— É estranho falar com você por telefone. Parece distante.

Deixo escapar uma risada e seguro o telefone mais apertado.


Fornecedores e clientes dizem-me, pelo menos, duas vezes por
semana que minha voz parece a de uma criança de quatorze anos
no telefone, sendo a principal razão de eu preferir e-mails sempre
que possível.

— Isso o incomoda? — Pergunto.

— Não. Queria que você estivesse aqui.

Meus olhos se fecham com suas palavras e meu coração


aperta. Limpando a garganta, puxo um travesseiro no meu colo e
apoio meus cotovelos sobre ele. — Onde você está?

349
— Seattle. Durante uma semana, em seguida, estrada.

— Mais shows?

Ele suspira. — Sim.

— Você parece cansado.

— Você também.

— Eu não tenho dormido muito bem ultimamente.

— Por minha causa?

Eu mordo o lábio. — Por causa do que aconteceu.

— Você se lembra de como costumávamos ouvir a chuva?

— Claro que sim. — Respondo suavemente. Nós


costumávamos passar horas fazendo amor naquele pequeno galpão,
em seguida, aconchegados sob o cobertor, ouvindo a chuva caindo
no telhado de zinco.

— Aqueles foram os meus dias favoritos. — Diz ele. — Eu


amava o silêncio. Apenas eu e você. Penso muito neles.

Eu lembro. Adorava, também. Ele parecia feliz, na época e


muito menos agitado, embora não confie em mim para dizer
qualquer coisa, foi ele quem foi embora e colocou um fim em nosso
relacionamento.

— Como você está lidando... com tudo? Está recebendo


ajuda?

Ele deixa escapar uma risada curta. — Estou fumando ópio


e bebendo JD14. Então não.

14
Jack Daniels
350
Meu estômago parece uma bola de chumbo. — Blue... por
que está fazendo isso consigo mesmo?

— Eu não sei. É o que faço.

— Você parou. Não estava fazendo quando estávamos juntos.


Disse que não queria ir por este caminho novamente.

— Eu não queria. — Seu tom aprofunda com frustração e


raiva. — Às vezes essa estrada é mais fácil. Eu sei que você não
entende.

— Você está certo, não entendo. Ajude-me a entender, então.


Estou tentando.

O tilintar de uma garrafa soa no fundo, em seguida, o


redemoinho de líquido sobre os lábios e o gole de sua garganta.

— É como viver com um monstro em sua cabeça, Piper. E ele


o domina, consome, faz sangrar e o tortura. Não me deixa dormir.
Não permite que seja feliz. Não permite que confie. Então você faz o
que ele diz apenas para fazê-lo calar a boca, para tentar conseguir
uma pequena quantidade que seja de paz e então começa tudo
novamente.

Sinto a dor dele em mim, torcendo meu estômago e enviando


lágrimas aos meus olhos. Gostaria de poder ir até ele, de alguma
forma arrancá-la dele. Gostaria de poder enfrentar seu monstro
interior e escondê-lo, o afastando para que Blue nunca o encontre
novamente.

— Sinto muito. — Digo baixinho. — Eu gostaria muito de


poder ajudá-lo.

351
Bate algo do outro lado do telefone. — Você não pode. E
quanto mais tentar, pior será. Eu avisei Piper. Eu falei que iria nos
destruir. Você se matará tentando salvar-me e me matarei tentando
fazer as coisas direito, no final, o monstro matará nós dois. Você
não entende? Não podemos vencer.

— Evan, não fale assim. Você pode vencer. Estava


conseguindo. Só acho que precisa encontrar a ajuda certa

— Evan novamente. Sempre trazendo-o de volta. — Mais


sons de algo batendo e o tom de suas palavras está começando a
mudar.

— É o seu nome. E gosto.

— Você gosta dele porque não sou eu.

— Não é verdade. É você. Lembra a você quem era antes de


ficar assim.

Ele zomba. — Não tente bancar a psicóloga, Joaninha. Não é


realmente um lugar no qual queira se colocar.

Seu humor montanha-russa e o tom estão me dando


náuseas, decido parar enquanto estou em vantagem, em vez de
irritá-lo ainda mais. A última coisa que quero é fazê-lo ficar mais
alto ou bêbado.

— Blue. — Começo suavemente. — Não quero brigar com


você. Liguei para agradecer. É tudo.

E porque sinto sua falta. E queria ouvir sua voz. E pela


primeira vez, queria estar no controle.

— Não quero brigar também. Estou tão cansado de brigar


contra tudo. Está me derrubando.
352
— Eu sei e não quero que você se sinta assim. Por favor, tente
conseguir ajuda. Estou muito preocupada.

— Venha me ver, então.

— O quê?

— Venha para cá e fique comigo até eu viajar. Nós podemos


conversar.

— Nós estamos conversando agora. — Ressalto tentada por


sua sugestão de diversas maneiras.

— Estamos. Não posso parar de pensar em seu delicioso


gosto.

— Blue...

— O quê? Quero mais de você. Quando estou perdido em


você, todo o resto vai embora.

— Não estou totalmente certa de que seja uma situação


saudável para qualquer um de nós.

— Tudo o que queremos é ruim de alguma forma, Piper.


Venha me ver.

Meu coração acelera com a expectativa de eu dizer sim, quero


correr em direção ao meu armário, pegar todas as roupas bonitas e
subir em um avião para recapturar a noite que compartilhamos
algumas semanas atrás, antes de a merda bater no ventilador. Ao
mesmo tempo meu cérebro grita, não, não, não. Ele continua
usando drogas. Está confuso ao telefone enquanto conversamos.
Amanhã pode até não se lembrar de que me pediu para ir vê-lo ou
poderia desaparecer e eu estaria presa em Seattle.

353
— Gostaria de poder, infelizmente não posso. Como eu disse,
não é possível simplesmente tirar folga do trabalho a qualquer
momento. E mesmo que pudesse... tenho Lyric para pensar e você
ainda está uma bagunça. — Tento parecer o mais firme possível. —
Não acredito que seja uma boa ideia nos vermos enquanto está
drogado.

— Você poderia conseguir alguém para cuidar dela? Então


poderia vir me ver? Faltaria apenas um dia de trabalho. Quase como
sair na sexta-feira, passar o sábado comigo e voltar no domingo
quando eu for viajar.

Ele está certo, com certeza poderia. Por outro lado estou
desapontada por ele querer que eu vá sem Lyric. Embora ainda não
esteja pronta para eles se encontrarem, dói que ele não tenha
perguntado sobre ela durante nossa conversa. Esperava que ficasse
curioso, quem sabe pedir para lhe enviar uma foto. Alguma coisa.
Sou grata que tenha enviado dinheiro para ela, poderá ser tudo o
que ele fará e preciso aceitar. Recuso-me a empurrar Lyric para um
pai que não a quer arriscando que se machuque. Ela merece muito
mais.

Não deixo que meu coração me envie para outra desilusão.


— Não posso vê-lo enquanto estiver usando drogas.

— OK. Então eu não usarei nada enquanto você estiver aqui.


Ficarei doido apenas com você, nada mais.

Coloco a mão na testa e fecho os olhos, desejando que não


fosse tão difícil.

— Teríamos um grande dia juntos, quando acabar você volta


para a turnê e fica todo fodido e eu volto para casa com o coração
354
partido. De novo. E não saberei quando o verei. De novo. E me
preocuparei com você constantemente. Sinto muito, não posso.

Ouço o clique do isqueiro novamente, o ar sendo puxado e


tenho certeza que e está fumando novamente.

— Você está certa. — Sua confiança de alguns momentos


atrás, foi substituída pela tristeza. — Eu não posso fazer isso com
você. Sinto muito, querida, por ser uma porra de bagunça.

— Sinto muito, também.

— Após a turnê, entrarei em um programa, ok? Prometo.

— Ok...

— Quero fazer, Joaninha. Tentarei realmente desta vez.

Eu suspiro. — Ok. — Não consigo dizer mais nada. Meu


coração dói demais.

— Você vai dizer que me ama?

— Claro. — Respiro fundo e engulo nó na minha garganta.


— Eu te amo.

— Você pensará em mim quando chover?

— Sim. Sempre penso.

— Quero que vá dormir, ok? Não pense nas coisas ruins.


Pense sobre o quanto te amo e quanto quero você, mais ninguém.
Não importa como, sempre será verdade.

É verdade. E é o que me assusta.

Desligo e Bolota surge na porta do meu quarto com o


pinguim em sua boca e pula na cama para se aconchegar em mim.

355
Blue pode estar uma bagunça, porém sem ele eu não teria o amor
de dois dos mais preciosos pequenos seres do mundo.

356
Capítulo 25
Piper

— Bom dia.

Sorrio para Josh quando ele entra na cozinha e faz o caminho


mais curto para a cafeteira.

— Ei. Que horas você chegou ontem a noite? Nem o ouvi


entrar.

Ele coloca café em sua caneca favorita e se debruça sobre o


balcão da cozinha. — Era tarde. Umas duas horas.

— Ooh. Então, foi bom?

Ele encolhe os ombros. — Eh. Ela era ok.

Baixando meu livro, olho para ele do outro lado da sala,


vestindo moletom cinza e uma camiseta branca. A frente de seu
cabelo loiro está mais longa, caindo quase até os olhos e o faz
parecer selvagem e sexy. Ele vem fazendo muitas sessões de fotos
ultimamente e conseguiu um comercial de produto para cabelo não
muito tempo atrás.

— Apenas ok?

— Ela tem muitos sapatos.

357
Levanto uma sobrancelha para ele. — Você se sente
ameaçado por sapatos?

— Não, sério, Piper. A mulher tem cerca de mil pares de


sapatos. Ela os coleciona. Tem um quarto inteiro em seu
apartamento somente para sapatos. Estão todos classificados pela
cor e pela altura do salto. Realmente assustador.

— Bem, poderia ser pior. Ela poderia colecionar bonecas. —


Eu provoco.

— Eu teria pulado a janela. Amo moda, no entanto ter muito


de qualquer coisa não é normal.

— É caro, também.

— Sem dúvida. Eram todos de marcas caras. Não sei como


ela pode ter recursos para tantos sapatos.

— Talvez ela os roube.

Ele engole o resto do café e coloca sua caneca na máquina


de lavar louça.

— Não a verei novamente. Tentei. Ela é até legal, mas


acredito que tenha propensão para a loucura ou pelo menos me
levará a falência em seis meses.

— Você percebe que tem o dobro de encontros e ainda não


conseguiu encontrar alguém que goste? Talvez esteja sendo muito
exigente?

Dando de ombros, ele olha pela janela para o quintal. — Eu


não me contentarei com qualquer um apenas para estar com
alguém. Estou feliz. Tenho amigos, família, você e Lyric. E não
preciso de uma colecionadora de sapatos ou de alguém que quer
358
que o chame de papai. Eu tenho tudo. Fim. — Ele se vira para mim.
— Onde está Lyric?

— Na sala de jogos com Bolota resolvendo o enigma que você


deu a ela.

— Você já viu as notícias de hoje? Leu a coluna de


entretenimento?

Estreito meus olhos para ele, desconfiando de suas


perguntas aleatórias. — Não... eu não olhei no meu laptop ainda.
Por quê?

— Você pode querer ler. Parece que o seu garoto está


precisando de cuidados.

— Sobre o que você está falando?

Ele balança a cabeça. — Vá olhar. Estarei no quintal, se você


quiser conversar.

Isso envia um calafrio febril através de mim enquanto verifico


Lyric, em seguida, pego meu laptop de onde deixei na mesa de
centro na noite passada. Sentada no sofá, o puxo para o meu colo,
espero com impaciência se conectar, abro a minha conta AOL. Clico
na seção de entretenimento e lá está.

O início da queda.

Milhares de fãs em Las Vegas ficaram desapontados e


indignados na semana passada quando o vocalista do No Tomorrow
esqueceu as letras das músicas, xingou os fãs e tropeçou no palco em
evidente estado de embriaguez, antes de caminhar para fora do palco
e se recusar a voltar.

359
Fontes confirmaram que Von Bleu desapareceu, sem contato
por quatro dias e foi encontrado incoerente vagando no deserto. Ele
está atualmente hospitalizado por desidratação e exposição ao sol,
sua condição é estável.

O segundo vocalista Reece Blackstone se desculpou


publicamente com os fãs e cancelou os últimos três shows da turnê,
afirmando que Blue sofreu um colapso devido a extrema tensão e
lesionou o ombro. Também informou que Blue está recebendo
tratamento e que em breve voltarão a trabalhar em seu novo álbum.

Há um vídeo ao lado do artigo e imediatamente me arrependo


de clicar nele. Como um acidente de trem, não consigo desviar o
olhar de sua feiura. Mesmo que tenha lido os detalhes de seu
comportamento, vê-lo tão fora de controle no palco, uma completa
bagunça, embriagado, desgrenhado, quase incapaz de ficar de pé,
falar e muito menos cantar, é devastador. Os fãs estão gritando e
vaiando, posso entender o motivo. O homem tropeçando não tem
nada do vocalista carismático e fala mansa que o público foi assistir.

Quero bloquear meu cérebro. Os vídeos e fotografias me


causam náuseas em todos os níveis. O simples pensamento de ele
entrando no deserto, provavelmente com nada além de seu violão e
mochila, é assustador.

Preocupada, mordo meu polegar enquanto tento organizar


meus pensamentos. Quero ligar ou enviar e-mail para Reece para
me certificar de que Blue está realmente bem, porém ele pode me
dizer coisas que não quero ouvir. Não tenho certeza se poderei ficar
longe, se Reece me disser que Blue está muito pior do que a
reportagem afirma. E depois? Pegarei um avião para vê-lo? Serei

360
arrastada para esta espiral de cair e levantar com ele? E se estiver
uma confusão, me destruirá deixá-lo. Irei querer trazê-lo para casa
comigo para tentar consertá-lo. E ele? Provavelmente lutará contra
mim como um animal selvagem e se alternará entre me pedir para
sair e me implorar para ficar. No entanto, além de Reece, quem mais
ele tem? E se precisar de mim?

Abro meu e-mail e busco o endereço de e-mail de Reece, que


adicionei aos meus contatos no dia que foi conversar comigo e me
deu seu cartão.

— Mamãe?

Olho para cima da tela. Josh está com Lyric na porta. Bolota
ao lado deles. — Tio Josh me ensinará a plantar flores. Você vem,
também?

Eu paro meus dedos sobre o teclado por alguns segundos e


então saio do e-mail. Ficando de pé, sorrio para minha linda
menina. — Eu adoraria. — Respondo, pegando o leve aceno de
aprovação de Josh.

Preciso focar nas coisas boas da minha vida e todas estão


aqui na minha frente.

361
Capítulo 26
Piper

Mergulho no trabalho. Nem faço horário de almoço. Como em


minha mesa sobre o teclado, às vezes telefonando para minha mãe
ou Ditra para uma conversa rápida, antes de me jogar de volta na
interminável lista de tarefas do dia.

O resto do meu tempo é gasto com Lyric. Lendo para ela,


levando-a com Bolota para o parque. Deixando-a me ajudar a
preparar o jantar. Assistindo televisão com ela e Josh, até que
finalmente vou dormir completamente exausta. No dia seguinte,
faço tudo novamente.

Enquanto me mantenho ocupada, não estou sofrendo sem


Blue ou me preocupando ao ler sobre sua banda. Sua vida tem sido
uma loucura ultimamente. Sua vida e carreira são cheias de altos e
baixos, como uma gangorra. Quando leio sobre os altos,
silenciosamente torço por ele. Imprimo os artigos, as entrevistas e
as fotos. E escondo tudo em um antigo baú no porão, junto com
todos seus álbuns, camisetas da banda, ingressos de shows que
comprei ao longo dos anos. Espero dar tudo a Lyric algum dia para
que ela tenha pedaços da vida e realizações de seu pai. Acima de
362
qualquer outra coisa, ele é um músico incrível – um ícone na era do
rock grunge e estou imensamente orgulhosa dele. Espero que todas
as suas realizações ajudem Lyric a ignorar seus momentos ruins.
Como subir bêbado no palco e desaparecer no deserto.

Já são quase cinco da tarde de sexta-feira e estou


terminando de atualizar o cronograma de produção quando meu
telefone toca.

— Boa tarde, Piper Karel.

Silêncio.

— Posso ajudá-lo? — Pergunto.

— Oi para você.

Ao som de sua voz profunda, meu coração dispara como um


cão treinado sob seu comando. Já faz um ano desde a última vez
que conversamos, embora não tenha certeza se posso chamar de
conversa. Ele me ligou bêbado no meio da noite, perturbado e
resmungando sobre vozes, escuridão e dor e o quanto sentia minha
falta, pássaros e coisas que não conseguia sequer compreender. Eu
o ouvi até o amanhecer. Tentei acalmá-lo e tirá-lo do delírio em que
estava. De repente ele parou de falar, segurei o telefone no ouvido
por dez minutos, esperando e ouvindo, suavemente dizendo seu
nome. Preocupada, desliguei e liguei para Reece, que confirmou que
Blue dormiu em sua cama, ainda com o telefone na mão.

Infelizmente eu não consegui dormir naquela noite, há um


ano. Precisei preparar minha filha para a escola e ir para uma
cansativa segunda-feira de trabalho.

— Oi. — Eu falo.

363
— Você está zangada comigo. Posso sentir em sua voz.

— E você parece sóbrio.

— Estou. Ainda é cedo. — Ele brinca.

— Não é engraçado, Blue.

Ele limpa a garganta. — Eu sei. Você está certa. Estou sóbrio


faz duas semanas na verdade.

— Que ótimo. — Eu me forço para soar positiva, embora já


tenha ouvido a mesma coisa antes.

— Sinto sua falta, Joaninha. Penso em você o tempo todo.

— Também sinto sua falta. Você sabe.

— Como está Lyric?

Eu me recosto em minha cadeira e olho em direção à janela.


— Está ótima. Ama a escola, está fazendo amigos. Gosta de ler. É a
mais adiantada de sua turma.

— Ela herdou de você. Recebi as fotos que me enviou. Ela é


adorável.

— Sim.

— Como está Bolota?

— Ele está bem. Tem catarata e não ouve muito bem. Manca
às vezes. O veterinário diz que tem artrite. Ele ainda é feliz, no
entanto. Lyric o ama muito. São inseparáveis.

— Você é uma ótima mãe, Piper. Para os dois. — Ele faz uma
pausa. — Não sei o que eu faria se não soubesse que você está
cuidando deles.

364
Eu queria dizer a ele que não tive escolha, pois ele me
abandonou com os dois. Não posso porque sei que ele é incapaz de
cuidar de qualquer pessoa – inclusive de si mesmo.

— Eu os amo. Então é fácil. — Olho para o relógio na minha


mesa. — Odeio interromper nossa conversa, você me pegou quando
estava saindo do escritório. Preciso pegar Lyric na casa de um
amigo.

— Posso ligar para você esta noite em casa?

— Sim, se você quiser. Se esquecer, não ligarei para você. —


Nós já passamos por isso no ano passado. Ele me mandou um e-
mail me dizendo que ligaria, fiquei sentada esperando. Perdi a
paciência, desisti de esperar e liguei. Esqueceu do combinado e saiu
me senti uma idiota por esperar por ele.

— Não esquecerei. Eu prometo.

Penso nele enquanto dirijo pela cidade. Ele parecia bem hoje,
como estava anos atrás. Não quero ter esperanças, já passamos pela
mesma situação antes.

Tantas vezes.

Assim que Lyric entra no carro tiro Blue do pensamento para


me concentrar nela. Recuso-me a deixá-lo voltar a minha mente e
ao meu coração me distraindo de todas as coisas que são
importantes na minha vida.

Levo Lyric para jantar. Comemos queijo grelhado e


compartilhamos um milk shake enquanto ela me conta tudo sobre
o seu dia. Mais tarde, colocamos nossos pijamas e nos sentamos na

365
cama assistindo filmes da Disney como fazemos todas as noites de
sexta-feira.

Às dez e meia meu telefone toca, o atendo antes que acorde


Lyric. Ela adormeceu.

— Uau, você ligou. — Digo, sorrindo com surpresa.

— Estou tentando cumprir minhas promessas.

— É um bom começo.

— Como foi sua noite?

— O de sempre. Levei Lyric ao restaurante, levamos Bolota


para passear, depois assistimos televisão. Emocionante, não?

Eu me pergunto o que as estrelas do rock fazem com seu


tempo. Duvido que ele fique sentado assistindo televisão.

— Honestamente? Parece muito bom.

— É bom. — Concordo. — E você? Onde está agora?

— Voltei para casa no mês passado.

— Ouvi dizer que fez uma turnê na Europa.

— Sim, foi uma loucura. Os fãs são loucos por lá, muitos
apaixonados. E a comida é incrível. Eu fiz uma nova tatuagem
enquanto estava lá, encontrei um artista muito bom. Enviarei fotos
se você quiser ver.

— Adoraria ver.

Lyric se mexe ao meu lado e levanta a cabeça. — Mamãe. É


a vovó?

— Não, é um amigo meu.

366
— Posso dizer olá?

— Não hoje.

— Uau. É ela? — Blue pergunta.

— Sim. É ela. Você pode esperar alguns minutos enquanto


eu a levo para a cama?

— Claro.

Coloco o telefone na mesa de cabeceira. — Vamos colocar


você na sua cama, ok?

— Não posso dormir com você?

— Mamãe ficará ao telefone por um tempo, então você


precisa dormir na sua própria cama. — Eu levanto e estendo minha
mão para ela. — Vamos escovar os dentes.

Demoro quinze minutos para prepará-la e levá-la para sua


própria cama, meu coração dói quando ela me pergunta novamente
com quem estou falando. Digo a ela que é um amigo. Não dizer quem
realmente é parece uma traição, porém ainda não estou pronta para
falar sobre Blue. Lyric nunca me perguntou onde está seu pai ou
quem ele é, sei que quando ficar mais velha fará tais perguntas. Eu
não tenho ideia de como lidarei.

— Você ainda está aí? — Pergunto quando estou de volta na


minha cama com o telefone.

— Sim.

— Sinto muito ter demorado tanto.

— Tudo bem. Fiquei um pouco excitado ouvindo a voz dela


pela primeira vez.

367
— O que você sentiu?

— Um... muitas coisas. Surpreso e triste, feliz também. Sua


voz me lembra a sua, tão suave e fofa. Ela sabe alguma coisa sobre
mim?

— Estava pensando sobre isso, na verdade. Ela não sabe.


Nunca perguntou. Tem quase seis anos e mais cedo ou mais tarde
fará perguntas.

— O que você dirá?

— Honestamente, não sei. Apenas direi a ela que você se


mudou. Quando ela ficar mais velha, contarei mais. Acho que um
dia, você e eu, poderemos falar juntos.

— Concordo. Ainda não estou pronto, algum dia.

Eu o ouço inalar e espero que seja um cigarro e não um


baseado.

— Algum dia gostaria de conhecê-la. Bem, se você permitir,


é claro. Sei que não mereço nada.

— Blue, não fale assim. Ela é sua filha e quero que você tenha
um relacionamento com ela, no entanto, enquanto tiver menos de
dezoito anos, não me sinto confortável com ela perto de você, se
ainda estiver bebendo e se drogando. Eu não o deixarei fazer dela
um ioiô como faz comigo.

— Entendido. E concordo. Não sou um idiota, sei que não


sou bom para ela. Está na lista de coisas que quero mudar.

— Você tem uma lista?

— Uma lista de coisas que quero fazer na minha vida.

368
— Bem, já é um primeiro passo, certo? Como está indo?

Ele ri. — Diga você. É a primeira na minha lista.

— Eu gostaria de me sentir lisonjeada, embora não seja


realmente um elogio. — Eu provoco. — Estar no topo da lista de
coisas que você estragou.

— É uma longa lista.

— Não estou surpresa.

— Deixando as brincadeiras de lado, estraguei tudo com


você. E odeio o que fiz Piper, realmente te amo. E continuo me
perguntando o que teria acontecido se eu tivesse ficado.

Uma pontada me atinge no peito. — Blue... não vamos falar


sobre o passado. Você está tentando. E estou tentando ajudar.
Então não vamos nos lembrar das coisas ruins.

— Combinado.

Puxo o edredom até o meu peito e me acomodando em meus


travesseiros. — Gostaria… que você me dissesse aonde foi no dia em
que foi embora. Você voltou para casa? Para Jersey?

— Não. Não se aborreça, só queria ir o mais longe possível.


Não de você, apenas... longe. Não consigo explicar. Então fui para
a costa oeste. Eu tinha velhos amigos lá e era mais quente, achei
que seria legal tocar violão na praia, sabe? — O som de um líquido
derramando se fez ouvir ao fundo. — É chá gelado, a propósito. —
Diz ele, como se estivesse lendo minha mente. — Então eu estava
atravessando o país e encontrei Reece em um terminal de ônibus.
Não o via há alguns anos.

— Você o conheceu quando era mais jovem, certo?


369
— Nós fizemos o ensino médio juntos. E compartilhamos um
apartamento por um tempo. Ele era um guitarrista incrível e
queríamos começar uma banda, porém a namorada dele na época
não o deixava fazer nada. Foi quando eu falei foda-se e fui embora.
Quando o encontrei no terminal ele estava tocando em uma banda
de casamentos e eu disse: — Cara, você é muito bom para essa
merda, vamos começar uma banda e abalar esta cidade.

— Foi assim que o No Tomorrow começou?

— Sim. Os outros caras tinham acabado de sair de uma


banda sem futuro. Nós tivemos um começo difícil, então de alguma
forma tivemos sorte e acabamos aqui.

— Que loucura. Olhe para vocês agora.

— Sim, olhe para mim, fodendo toda a banda com as minhas


loucuras. — Diz sarcasticamente.

— Como estão as coisas? — Quase tenho medo de perguntar.


A imprensa foi severa com ele. Cada detalhe divulgado, cada uma
de suas bebedeiras, brigas com os membros da banda e outras
fofocas sujas espalhadas pelos tabloides e pela internet.

Ele solta um suspiro. — É bom e ruim. Nenhum de nós é


santo, todos tivemos nossos momentos. Claro que os meus têm sido
muito mais frequentes e desastrosos. Há um clima ruim ainda.
Estamos fazendo uma pausa por algumas semanas, depois
voltaremos ao estúdio e trabalharemos em algum material novo.

— Toda banda passa por momentos difíceis, não apenas a


sua. E não vou mentir você irritou milhares de fãs. Tenho certeza
que o resto da banda não ficou feliz com nada disso. Eu vi os vídeos
e li os artigos. Foi muito ruim, Blue. Porém... você está tentando
370
melhorar, é o mais importante. Parece feliz. Já faz muito tempo
desde que pareceu tão... normal.

— Normal? Eu? Nunca acontecerá querida. Embora


conversar com você seja o mais próximo de ser feliz.

Minhas defesas se derretem como manteiga. — Fico feliz


também.

— Eu realmente sinto sua falta. Sei que você está cansada


da minha merda. Que provavelmente gostaria que eu a deixasse em
paz. Eu até tento, nunca funciona.

— Não. — Digo, me encolhendo com a rapidez com que


respondo. — Não é o que eu quero. Nunca quis.

Ele respira fundo. — Você pode me dizer o que quer?

Meu corpo grita seu nome. — Não, eu não posso.

— Sou eu, não é? — Ele brinca com sua voz perversa e sexy.

Eu rio, mesmo que não queira. — Pequeno seu ego, não?

— Não, não é ego. Somente pensamento positivo.

Um gemido de frustração sai de mim. Não é justo que ele faça


isso comigo.

— Porra bebê, se você continuar fazendo barulhos como este,


perderei a cabeça aqui.

— Você é tão mau, sabia?

— Eu sei. Também sei o que me atrai em você.

Enrolo meu cabelo no dedo – um hábito de infância que Lyric


também aprendeu. — Mesmo? E seria o quê?

— É parte disso.
371
— Então, o que atrai em mim?

Ele suspira e sua voz fica rouca quando responde. — Sua


inocência. O quanto você é atenciosa e leal. E seu pequeno corpo
gostoso.

— Minha inocência não durou muito tempo depois que você


apareceu.

— Ainda está aí. Um pouco manchada, talvez.

— Por você.

Ele cantarola do outro lado da linha. — Apenas por mim?

Eu sei o que ele está perguntando, estou tentada a mentir e


deixá-lo acreditar que estive com outros homens. E de certa forma,
quero derrubá-lo daquele pedestal no qual o coloquei. Eu sei que ele
gosta e o excita – saber que foi o único que já possuiu meu corpo.
Como odeio brincar e manipular os sentimentos das pessoas digo a
verdade.

— Sim, apenas por você. Feliz agora?

— Muito.

— E você? — Eu realmente não quero saber, no entanto é da


natureza humana fazer perguntas. Mesmo aquelas cuja resposta
realmente não queremos ouvir.

— Eu poderia ter feito um buraco no chão enquanto andava


pelo deserto. Estava bem louco e tendo todos os tipos de
alucinações.

Eu rio dele. — Você é um idiota.

— É verdade. Tirando isso, não tenho me divertido muito.

372
— Você pode falar sério? Fui honesta com você, Blue. Pode
simplesmente me dizer a verdade. — Sim, estou praticamente
implorando ao homem que amo para me dizer com quantas
mulheres esteve desde a última vez que ficamos juntos.

— Juro por Deus que estou dizendo a verdade. Você quer a


verdade nua e crua? Eu me masturbo olhando uma das fotos que
você me enviou e gozo por todo o seu rosto.

Estou totalmente perplexa, também estranhamente


excitada. — Oh meu Deus! É nojento.

— Na verdade não. Coloquei em uma daquelas capas


plásticas claras. Comprei um pacote delas, então simplesmente jogo
fora e coloco sua foto em uma nova todos os dias.

— Você é tão maluco. Nunca sei se está brincando.

Ele ri comigo e é tão bom ouvi-lo feliz e brincando, mesmo


que seja um idiota. Não me lembro da última vez que ele foi sensual
e flertou comigo, sentia falta desse seu lado.

— Sabe de uma coisa, Piper? Você é a única que tem poder


sobre mim! Então é isso aí. Posso ficar sem sexo se for preciso.
Talvez me deixe estranho, não sei. E como eu vejo, sou muito
complicado, para qualquer tipo de vida normal, porém posso dar
meu coração e meu corpo. Nós tivemos nossos altos e baixos, nunca
acreditei que terminamos. Então não, não há mais ninguém.

Abraçando meu edredom com mais força, inclino a cabeça


para o telefone e soluço baixinho. A vida e o amor podem ser tão
cruéis, e belos, totalmente confusos. Este não é o amor que sonhei
quando criança. Nem o romance que li nos livros. Não há anel
brilhante, nem sinos de casamento, nem marido segurando nosso
373
bebê na sala de parto. Mesmo assim o que temos é um amor
verdadeiro. É sombrio e feio; cru e apaixonado. Ele traz dor,
felicidade e tudo mais. Esse amor – o nosso amor – é um amor que
nunca morre. Ele se apaga no escuro e volta à vida novamente em
momentos incríveis, ainda mais forte do que antes.

Eu limpo meu rosto com as costas da minha mão. — Para


alguém tão louco como você, às vezes é realmente perfeito.

— Tenho meus raros momentos...

— Sim.

— Você é a única que já olhou além da sujeira para ver as


flores, Joaninha. É o motivo de não poder deixá-la ir.

Como ele, de alguma forma, consegue dizer as coisas certas?

— Eu realmente gostaria de poder abraçar você agora. —


Sussurro.

Ele fica quieto do outro lado e temo ter falado demais,


acabando com seu bom humor. Então ele responde. — Talvez
possamos programar alguma coisa. Só não posso prometer que a
deixarei ir embora.

Oh Deus, estou com problemas. Ele está construindo seu


caminho de volta ao meu coração.

374
Capítulo 27
Piper

Sinto como se alguém tivesse me dado uma injeção de


adrenalina na bunda. Não me lembro da última vez que me senti tão
feliz, tão esperançosa e tão animada para cada novo dia começar.
Comecei a ir ao parque novamente, agora consigo pensar em Blue e
visitar nossas lembranças sem desmoronar. Posso sorrir para os
fantasmas do nosso passado que permanecem sob a velha ponte e
não fugir deles.

Quatro semanas de conversa ao telefone por horas todas as


noites, juntamente com páginas de e-mails sinceros, nos mudaram.
Nós reconstruímos nossa amizade e estamos caminhando para
mais. Não estragarei tudo colocando um nome no que somos.

Nós conversamos por vídeo nos fins de semana, ele toca


violão e canta para mim – todas as vezes sem camisa, sexy e
desarrumado – e me sinto a garota mais sortuda do planeta. Uma
noite, depois que Lyric foi para cama, coloquei Bolota na frente da
webcam, de modo que Blue pudesse vê-lo e ele começou a chorar.
Quando Bolota ouviu sua voz, girando em círculos feliz da vida com
seu pinguim na boca.

375
Nós conversamos sobre passar um fim de semana juntos,
estamos decidindo o que seria melhor, eu pegar um avião para me
encontrar com ele ou ele vir me ver. A melhor parte, a parte mais
incrível, é a sua vontade de encontrar Lyric se as coisas
continuarem bem entre nós, depois de alguns meses. Bem, se e
somente se – ele permanecer limpo. O plano para encontrar Lyric foi
inteiramente ideia dele, o que é maravilhoso. Surpreendente!

Serei muito cautelosa com Lyric. Conhecer seu pai será


complicado para ela e sua vida irá mudar. É um grande
compromisso da parte de Blue que exigirá muita paciência, não
tenho certeza se ele está pronto. Enquanto isso, calmamente, deixei
Lyric ciente de que conversava com um amigo todas as noites, para
ela se acostumar com a ideia de ter um homem na minha vida, além
de Josh.

Esta noite fiz espaguete e almôndegas para o jantar,


comemos juntos – Josh, Lyric e eu, algo que tentamos fazer algumas
noites por semana. Quando eu era pequena, meus pais sempre
insistiram em jantarmos juntos como uma família todas as noites.
Agora que estou mais velha, olho para trás e vejo o quanto é
importante – ter essa estabilidade com os entes queridos todos os
dias. Quero dar o mesmo a Lyric.

Depois do jantar, Josh saiu para um encontro, Lyric trabalha


em um castelo de Lego que está construindo desde a última semana,
eu faço quarenta e cinco minutos de aeróbica na frente da televisão.
Antes de ir para o andar de cima tomar banho verifico meu e-mail e
vejo que tenho um de Blue.

Piper,

376
Eu não estou me sentindo bem hoje. É apenas uma dor de
cabeça, vou dormir cedo.

Espero que tenha tido um bom dia, linda.

Eu ligo amanhã a noite.

Amor,

Blue

Eu respondo:

Blue,

Sinto muito, espero que você melhore! Ligue se não conseguir


dormir, não me importo se me acordar.

Eu sinto sua falta e te amo sempre.

Beijos,

EU

— Senti sua falta ontem. Você se sente melhor hoje?

— Minha cabeça ainda está abalada. Também senti sua falta,


bebê.

— Eu gostaria que você não tivesse essas dores de cabeça.

— Eu também. Estão ficando crônicas. Amanhã verificarei os


voos, você ainda quer vir para cá? Pode conhecer os rapazes, ver

377
onde eu moro. Sairemos para comer, dar uma olhada nos galpões
locais. Todas essas coisas felizes.

Eu rio de sua piada. — Estou totalmente de acordo. Exceto


a parte dos galpões.

Estou ansiosa para ver o condomínio de Blue e estar em seu


mundo. Sempre me perguntei como seria a decoração de sua casa,
que cor de colcha tem sua cama, se ele tem alguma foto na parede.
São detalhes simples que significam muito para mim.

— E deixarei você decidir se quer ficar em um hotel ou em


casa comigo. Posso ficar no hotel com você. Qualquer coisa que a
fizer feliz estará bem para mim. As despesas são por minha conta,
então nem tente discutir.

— Bem, se insiste. Deixe-me pensar sobre ficar no hotel.


Assim que marcarmos as datas, informarei ao RH. Tenho certeza
que minha mãe adorará ficar com Lyric um fim de semana e Josh
não se importará de cuidar dos animais para mim. Ele está em casa
a maior parte do tempo.

Eu ouço o clique do seu piercing contra os dentes dele.

— Quem é Josh?

— Meu colega de casa! Eu o mencionei cem vezes.

— Você nunca disse que era um homem.

Minha cabeça dá voltas como a ampulheta do Windows. Eu


tenho certeza que falei sobre Josh algumas vezes ao longo dos anos.
— Sei que falei.

— Você nunca me falou. — Sua voz é firme, quase fria agora


e completamente diferente de alguns momentos atrás.
378
— Sinto muito, pensei que você soubesse.

— Então, onde Josh dorme?

— No quarto dele. Blue, não está acontecendo nada se é o


que você está pensando. Nós somos amigos desde o ensino médio.
E ele é gay. Bem, bi. Não importa. Somos somente amigos. Nós
moramos na casa dele, desde que Lyric tinha três anos de idade. Eu
não sei o que teria feito sem ele, para ser honesta.

— A casa é dele?

— Sim. É enorme. Todos nós temos nossos próprios quartos


e banheiros, há um grande quintal cercado e um balanço. É perfeito
para a Lyric e Bolota.

— Então vocês estão todos morando juntos como uma família


na casa grande dele?

Seu tom aumenta a cada pergunta e posso imaginá-lo


passando a mão pelos cabelos e andando pela sala. Eu não tenho a
menor ideia do motivo de ele ficar irritado com meu arranjo de vida.
Eu sei que mencionei a ele inúmeras vezes e não consigo entender
como pode ter esquecido.

— Bem se você quiser colocar assim, então é verdade. Josh


tem sido ótimo ajudando-me a cuidar de Lyric ao longo dos anos.
Ele a leva para a escola às vezes, passa muito tempo brincando com
ela. Ela pensa nele como um tio. É um cara legal e ela é louca por
ele.

Há um longo silêncio do outro lado da linha, espero


pacientemente, desejando que seja o fim do assunto e possamos
voltar a planejar nosso final de semana juntos. Infelizmente, o

379
silêncio continua em proporções embaraçosas, até que preciso
acabar com ele.

— Algo está errado? Você parece nervoso e eu não entendo a


razão.

— Eu não sei. Não tenho certeza de como me sinto sobre o


que me contou. Sobre esse homem.

— Não há nada para sentir. Ele é apenas um amigo que me


ofereceu um lugar incrível para morar. Meu apartamento era muito
pequeno para mim, um bebê, um gato e um cachorro. Eu estava
tendo dificuldade em encontrar um lugar maior, que também fosse
num bairro agradável, perto da minha família e do meu trabalho.
Eu estava fazendo o meu melhor. E não esperava ter um cachorro e
um bebê, lembra?

Provavelmente não deveria ter falado a última parte, porém


ele estava começando a me irritar com sua leve insinuação de que
estou fazendo algo errado.

— Oh. Então outro homem mora com minha garota, minha


filha e meu cachorro e eu não deveria ficar irritado?

— Ninguém está fazendo nada errado, Blue. Você foi embora,


lembra? Fiquei sozinha e fiz o melhor que pude para dar a Lyric e
seu cachorro uma boa casa. Sinto muito por não pedir sua
permissão, não tinha a mínima ideia de onde você estava!

Eu nunca o vi agir assim – fazendo acusações e cruzando a


linha do ciúme por outro homem que estava na minha vida, na de
Lyric e Bolota. Levou todos esses anos para ele se arrepender de
suas decisões?

380
— Por que você não se mudou? Deve ganhar dinheiro
suficiente agora para ter sua própria casa. Especialmente com o
dinheiro que lhe envio todo mês.

— Porque é a nossa casa. Não tenho motivos para sair. E,


por favor, não jogue seu dinheiro na minha cara. Você não envia
todos os meses por algum motivo e, quando o faz, coloco tudo em
uma conta no nome de Lyric para quando ela estiver mais velha.

O acender da chama do isqueiro é ouvido, depois uma


inspiração furiosa. — Eu não gosto de você morando com um
homem que não conheço. E como saberei o que mais você está
escondendo de mim ou o que mais está acontecendo?

— Não se atreva! — Eu me irritei, farta de toda esta loucura.


— Não estou escondendo nada de você e não deveria haver nenhum
problema sobre Josh. Se não fosse por ele, eu nunca o teria
encontrado naquela noite em Boston. Foi ele quem me deu os
ingressos.

Ele zomba. — Você quer que eu agradeça a ele, Piper? Pague


a ele pelos ingressos? Tenho certeza de que você se arrepende
daquela noite de qualquer maneira.

Meu sangue começa a ferver e agora sou quem está andando


pelo meu quarto, da porta para a janela e vice-versa.

— O que está acontecendo com você esta noite? — Eu


pergunto. — Por que está agindo assim? Josh é apenas um amigo,
fim. E não, não me arrependo daquela noite, mesmo que tenha sido
um desastre total.

Ele não diz nada. Quero chorar e jogar algo do outro lado do
quarto.
381
— Vou desligar. — Ele murmura.

Meu estômago afunda. — Vai deixar as coisas assim? —


Pergunto em lágrimas.

— Não quero mais falar sobre o assunto. Preciso fazer umas


coisas.

— O quê? — Eu me engasgo e leva alguns segundos para me


recuperar. — Que coisas?

— Apenas preciso pensar. Tenho que correr. Há um lago


onde gosto de correr e quero ir antes da chuva. Devo fazer cerca de
dezesseis quilômetros.

Afasto o telefone e olho para ele, em seguida coloco de volta


no meu ouvido. — Sobre o que está falando? É tarde. — Ele está
três horas atrás de mim, lá são dez da noite. É tarde para uma
corrida de dezesseis quilômetros, ao redor de um lago.

Não é?

— Não importa que horas sejam Piper. Só quero correr.

Solto um enorme suspiro e fecho os olhos por cinco segundos


inteiros. Suas mudanças de humor estão me confundindo, não
quero brigar com ele, principalmente quando as coisas estavam tão
perfeitas. Preciso parar com isso também. Não farei uma corrida,
porém definitivamente vou para cama esperando que amanhã seja
melhor.

— Ok. — Eu falo. — Faça o que precisa fazer, então. É tarde


e preciso trabalhar de manhã.

382
Perguntas estão na ponta da minha língua, as engulo. Não
perguntarei se ele começou a usar drogas novamente. Eu não o farei
pensar que duvido dele.

— Ligarei para você amanhã.

Clique.

Ele acabou de desligar?

Sem dizer adeus ou eu te amo?

Ele desligou.

Chorando, me sento na beirada da cama e cubro meu rosto


com as mãos. Estou tentada a pegar o telefone e ligar de volta e de
alguma forma desfazer o que aconteceu e voltar à felicidade e à
normalidade. A experiência passada me ensinou que se eu o forçar
a falar, ele apenas erguerá muros e é a última coisa que desejo fazer.
Ele acabará andando cinquenta quilômetros hoje e acabará não
sabendo onde está.

Um som de arranhar rompe o som dos meus próprios


soluços. Bolota está tentando subir na cama. Sorrindo fracamente,
dou tapinhas na cama ao meu lado. — Vamos, cachorrinho. Vamos
dormir.

Ele choraminga e descansa o queixo no colchão, levantando


uma pata.

— Vamos. — Eu digo baixinho. — Vamos para cama.

Ele choraminga novamente, levanta uma pata dianteira,


depois a coloca de volta no chão, depois levanta a outra pata, apenas
para colocá-la de volta. Seus grandes olhos castanhos olham para
mim e percebo que ele não consegue pular. Franzindo a testa, me
383
inclino e gentilmente o coloco na cama, me enrolo ao lado dele, meu
rosto perto do dele, nariz a nariz. Acaricio a pele macia de sua testa
e vejo seus olhos se fecharem enquanto ele adormece. Tantas vezes
esse cachorro me consolou, me aqueceu quando eu tremia no
galpão, me fez companhia nos meus dias mais solitários. As pessoas
deveriam ser mais como cães – com amor inabalável e incondicional
– não importando o que acontecesse. Sempre felizes em nos ver,
sempre gratos por estar conosco, nunca nos machucando.

Amanhã pedirei ao Josh para construir uma rampa ao lado


da cama para Bolota e Blue pode se ferrar se não gostar.

384
Capítulo 28
Piper
Dois dias.

Quarenta e oito horas.

Esse foi o tempo que passou desde que ouvi Blue. Pode não
parecer muito tempo para alguns, para mim é, principalmente
depois de conversar com ele por horas todas as noites. Esse tempo
com ele se tornou o ponto alto do meu dia, algo que preciso para me
ajudar a passar o restante do dia, como um café da manhã.

Liguei para ele uma vez e enviei um e-mail duas vezes – sem
resposta nenhuma e não consigo descrever quão perturbador foi.
Peguei o telefone para ligar para ele novamente pelo menos
cinquenta vezes, roí minhas unhas pensando se deveria ligar para
Reece e perguntar se Blue estava bem.

No entanto não quero ser essa mulher.

Fui assim em vários momentos nos últimos anos e jurei que


nunca mais me permitiria ser aquela pessoa que envia uma
mensagem chorosa e age como uma louca novamente.

É muito difícil, no entanto, sentir falta de alguém – sofrer por


ele emocional e fisicamente. Blue me transformou em uma viciada
tanto quanto ele.

385
Infelizmente, não há programa de reabilitação para o amor.
Ditra me pediu um milhão de vezes para namorar, fazer sexo com
outros homens e quem sabe me apaixonar por outra pessoa. Para
mim, é algo impossível. Não posso me envolver com outro homem
esperando que eu o ame mais, que queira ficar com ele mais e acabe
esquecendo Blue. E se nunca o esquecer? Não seria justo com
ninguém. Escolhi ficar sozinha, me manter ocupada, ser a melhor
mãe que posso e tentar tirá-lo da minha cabeça.

Funciona? Não.

Principalmente quando tenho que olhar todo dia para um


rostinho que se parece tanto com o dele. E outro rostinho que vem
com um rabo abanando.

Eu tenho a sensação de que, mesmo se não tivesse Lyric e


Bolota, ainda pensaria em Blue todos os dias e esperaria que
ficássemos juntos.

Depois de três dias de Blue sendo um idiota, meu telefone


toca no meio da noite, me tirando de um sono profundo. Antes
mesmo de responder, sei que é ele e que estará chapado.

— Alô?

— Joaninha, sou eu. — Meus ouvidos se enchem com sua


voz profunda e áspera. Não sua voz sexy, que me deixa com a
calcinha molhada, sua voz esgotada, devastada, chorosa.

Suspiro alto. — O que você está fazendo?

386
— Estive tão confuso, cara. Pretendia ligar para você, mas
não consegui lidar com as coisas.

— Não me chame de cara, por favor.

— Sinto muito. — O som dele soprando em quem sabe o que


enche os próximos segundos. — Sinto muito, bebê. Apenas – eu
apenas... nem sei. Estive tão cansado, não consigo dormir, minha
cabeça dói e não conseguia encontrar minha camisa, também tinha
muito que fazer, então precisei ficar longe de todo o barulho de
pessoas conversando, queria furar meus próprios tímpanos. Você
sabe o que quero dizer?

— Na verdade não...

— Eu sei... porque você é sempre tão boa, tão... objetiva. Você


sabe não é?

Eu não sei. Queria saber.

— Blue estou muito preocupada com você. Tem alguma ideia


do quanto me incomoda, quando simplesmente para de ligar e de
enviar e-mails, não tenho ideia do que está acontecendo. Você
poderia pelo menos me enviar um e-mail.

— Sinto muito. Não fique irritada, ok? Odeio quando você


fica assim.

— Não estou apenas irritada, estou ferida e decepcionada. E


me preocupo.

— Eu também. Sobre esse homem e toda essa história... me


deixou maluco. É como se ele estivesse vivendo a minha vida e
sequer o conheço.

387
Sentando-me, acendo a luz ao lado da minha cama. — Ouça-
me. — Falo baixinho. — Você não tem nada com que se preocupar
em relação a Josh. Ele é apenas um amigo. Eu nunca beijei outro
homem desde que o conheci e não quero. Quero estar somente com
você.

— Eu não sei bebê. Eu não consigo lidar com nada. A vida, a


banda e todas as coisas ao meu redor. Só quero dormir e caminhar.
Eu quero voar. — Ele começa a rir e tossir. — Não sei que merda
estou dizendo. Estou pensando em aprender um idioma diferente.
Realmente quero aprender novas palavras. Melhores do que as que
conheço.

Uma sensação de pavor me percorre, se espalha até o meu


peito e se instala como um nó grosso na minha garganta. Cada
minuto desse telefonema está acabando lentamente com a felicidade
e a esperança que senti durante o último mês.

— Você esteve bebendo? Diga a verdade, por favor.

Ouço o barulho de seu piercing. — Vamos lá... — Sua voz


está desesperada.

— Apenas me diga.

— Sim.

— O que mais? — Eu pergunto com uma voz trêmula.

— Piper... — Ele implora. — Não.

— Conte-me.

— Tudo mais. O de sempre. — Ele admite. — Eu não


pretendia. Apenas queria esquecer tudo por uma noite. É isso.
Então não consegui dormir e simplesmente não fui capaz de parar.
388
— Você não pode fazer isso. — Eu falo. — Sabe que não
consegue parar quando começa.

— Pensei que conseguiria desta vez. Realmente tentei, bebê.


Mas cara, foi tão bom...

— Pare com isso! — Eu grito. — Não quero ouvir mais. — As


lágrimas que tentava segurar caem dos meus olhos e frustrada jogo
um dos meus travesseiros pelo quarto. Ondas de náusea passam
por mim quando a realidade me atinge. Ele jogou fora todo o seu
progresso. Arruinou sua chance de encontrar Lyric. E mais uma vez
destruiu a base que estávamos construindo.

— Ei, sinto muito...

— Você não está arrependido! Continua fazendo para si


mesmo e para mim! O que há de errado com você, Blue? Por que
precisa destruir tudo quando finalmente está ficando bom?
Acontece todas as vezes. É algum tipo de jogo?

— Jogos são divertidos, Piper. Esta é a coisa mais distante


da diversão. Que pergunta é essa?

— Não posso acreditar que você fez novamente e que eu


acreditei em todas as suas promessas. Sou tão estúpida!

— Vou parar, ok? — Ele diz com otimismo exagerado. — Dê-


me uma semana. Duas semanas, no máximo. Vou melhorar.
Prometo.

— Você está mentindo! Já disse a mesma coisa, antes, várias


vezes. Você nunca vai parar.

389
— Estou tentando. Você não sabe como é... se sentir assim,
não se sentir normal. Simplesmente não entende. Você vive uma
vida perfeita...

— O quê? — Sério? — Que vida perfeita eu tenho? Tenho um


homem que está destruindo meu coração há anos! Trabalho duro
todo dia! Estou sozinha desde o dia em que você desapareceu e sabe
o que mais? É uma merda. Estou solitária. Queria me casar e ter
uma família, em vez disso, estou toda enrolada nessa bagunça com
você, pois não sei como esquecê-lo. — Lágrimas rolam pelo meu
rosto enquanto grito com ele. — Você acha que eu queria criar uma
criança sozinha? Que quero brincar de casinha com meu amigo bi?
Acha que gosto de carregar seu pobre cachorro para cima e para
baixo porque ele está fraco demais para andar sozinho? Como
imagina que me sinto quando minhas duas irmãs casadas, saem de
férias e têm todo tipo de planos para o futuro e eu não tenho nada?
Você se importa mesmo que meu pai mal fale comigo porque
engravidei e fui abandonada por alguém, um sem-teto que me fodeu
e depois fugiu? Não, Blue, eu não tenho uma vida perfeita! E estou
presa, porque te amo e você continua fodendo minha vida e eu
permito e continuo tentando acreditar. E quer saber de uma coisa?
Você não vale a pena.

Meus músculos pulsam com raiva e minha garganta está


ardendo. Ele finalmente me levou ao ponto crítico e não aguento
mais. Toda a confusão, mágoa e falsa esperança é esmagadora.

Posso ouvi-lo respirando com dificuldade do outro lado do


telefone. — Uau. — Sua voz é tensa quando ele finalmente fala.
— É assim que você se sente? Sobre nós? Sobre mim?

390
Eu limpo meu nariz com um lenço da minha mesa de
cabeceira. — Sim. — Sei que o estou ferindo, não estou muito
preocupada no momento porque estou machucada e não sei como
parar.

— É foda. Eu pensei que você me amasse e me diz que não


valho a pena? Muito obrigado.

— Eu amo você! Sabe muito bem. Por que mais eu


continuaria tentando? Quem mais aguentaria? O problema é que
você adora ficar chapado. Ama as drogas e o álcool mais do que me
ama.

— Não.

— É verdade! Toda vez que você usa, sabe que vai me perder,
ainda assim o faz. Simplesmente não se importa! Você me trata
como se eu fosse descartável. Aproveita-se de mim porque sabe que
sempre o perdoarei. Você sempre faz!

— Porra, Piper. Você não entende nada sobre mim.

Suas palavras são como uma faca cravada no meu coração.


Eu tentei tanto entendê-lo. Tentei ser paciente e perdoar e isso me
feriu. Até neste momento ele está tão confuso que sequer
compreende a gravidade de nossa conversa.

— Você sabe o que mais? Está certo. Eu não o entendo. —


Começo a chorar. — E estou cansada de tentar! Não quero mais
fazer. Pode ficar chapado, bêbado, destruir sua vida e sua carreira,
não me importo! Não quero que você me ligue novamente. Ouviu?
Quero que você saia da minha vida para sempre.

— Piper...

391
— Vá para o inferno!

Eu bato o telefone com tanta força que o aparelho quebra e


um pequeno pedaço voa pelo quarto. Enterrando meu rosto no
travesseiro, choro mais do que chorei em toda a minha vida. Choro
até não conseguir respirar e minhas costelas doerem, meus olhos
incharem e queimarem. Choro até não ter mais lágrimas e me
engasgar, tremendo com o vazio.

Por que meu amor por ele não é suficiente? Por que ele
precisa ficar chapado? Como pode me dizer que tudo o que deseja é
que fiquemos juntos, então esquece e joga tudo fora por algo tão
sem sentido quanto drogas e álcool? Não entendo.

Como um zumbi, vou para o banheiro, encho um copo com


água e lentamente, tomo um gole enquanto me olho no espelho. Meu
reflexo confirma que pareço exatamente como me sinto por dentro.

Quebrada. Exausta. Horrível.

Nunca disse palavras tão pesadas para ninguém e gostaria


de poder pegá-las de volta. Esta não sou eu. Sou uma boa pessoa.
Não mereço ser tratada assim e odeio quão horrivelmente acabei de
tratar a pessoa que mais amo, sinto que ele não merece também.
Algo está errado.

Volto para a cama, não consigo dormir. Meu cérebro não


descansa, continua repetindo nossa conversa, trazendo mais
lágrimas. Minha cabeça dói, uma dor intensa e parece que vai
explodir. Volto para o banheiro, tomo três ibuprofeno e um
descongestionante. Coloco um pano úmido na minha testa, porém
nada alivia a dor na minha cabeça.

Nem no meu coração.


392
O sol da manhã que entra através das minhas cortinas
transparentes não consegue me animar. Hoje o dia não está
maravilhoso e brilhante como os outros em que acordei quando as
coisas estavam indo bem entre nós. Horas se passaram desde que
desliguei o telefone e realmente pensei que ele ligaria de volta,
tentando consertar as coisas. Não o que deveria fazer? Pedir
desculpas? E eu também pediria desculpas. Diria a ele o quanto
sinto e o quanto o amo. É verdade que não o entendo. Mas o conheço
e tenho certeza de que ele foi usar qualquer droga que tenha, assim
que desligou o telefone, para se desligar de tudo em vez de enfrentar.
A escolha dele nunca é entre mim ou as drogas – a escolha é sempre
fugir.

393
Capítulo 29
Piper

O cheque da pensão deste mês chegou hoje com um bilhete


dobrado no envelope. Reconheço o papel fino – o mesmo em que ele
escreve todas suas anotações.

Eu não desdobrei. Coloquei o cheque na carteira para levar


ao banco e levei o bilhete para o meu quarto.

Quero ler?

Não tenho certeza.

Poderia guardá-lo em uma gaveta e esquecer.

Poderia rasgá-lo e descartar os pequenos pedaços.

Ou poderia abri-la e ver o que o Blue tem a dizer.

Claro que é o que eu faço.

394
Cara Piper
Estou tentando fazer o que pediu e ficar fora da
sua vida. Sei que é o melhor para você e Lyric. Tudo o
que disse é verdade. Eu não a mereço. Queria merecer
seu amor e carinho. Nunca entendi o que você vê em mim.
Nunca entendi por que alguém tão bonita e meiga me
deixou tocá-la. É por isso que nunca consigo ficar longe.
Cada toque seu é como um presente, algo raro e precioso
que sei que não deveria querer. Mas eu quero. Quero
você. E quis desde o primeiro dia em que a vi no parque.
395
Você me perguntou o que há de errado comigo, por que
estrago as coisas e a resposta é: eu não sei. Algo está
errado comigo ou talvez seja apenas quem eu sou e faz
com que seja normal para mim e não há nada de errado.
Seja o que for eu estrago as coisas e machuquei você,
me desculpe. Sei que não acredita em mim, no entanto a
última coisa que desejo é machucá-la. Quero lhe dar
tudo. Desejo fazer você mais feliz do que jamais foi. Não
quero ser seu arrependimento ou suas piores
lembranças. Almejo ser alguém de quem você e Lyric
possam se orgulhar. Estou tentando. Juro a você com
cada parte do meu coração e alma que estou me
esforçando, embora me sinta cansado não vou desistir.
Você e eu seremos fortes e um dia, faremos as coisas
direito.
Não passa um dia que não sofra e sonhe com você.
Adoraria dizer para encontrar alguém para amá-la e
ser feliz, não posso Joaninha. Sou egoísta quando se

396
trata de você. É tudo que tenho e tudo que amo, não
posso desistir. Também tente não desistir de mim.
Eu te amo como se não houvesse amanhã
Blue
A dor familiar queima no meu estômago e se espalha para o
meu peito, depois para a garganta. Tudo que quero fazer é ligar para
ele e dizer o quanto sinto sua falta. Quero lhe dizer que não me
importo se ele bebe, usa drogas ou caminha meio mundo. Se nos
amamos tanto, devemos ficar juntos, não importa como.

Talvez tenha sido muito dura com ele, esperando algum tipo
perfeito que não existe. Muitas pessoas possuem vícios e ainda têm
carreiras e relacionamentos. E se eu for paciente, talvez
encontremos uma maneira de superá-lo e ele desistirá
definitivamente. Seria muito melhor que ficar assim. Não há razão
para que não possamos resolver as coisas juntos.

Pego meu telefone e ligo.

— Mamãe? — Lyric coloca a cabeça pela porta. — Vamos


levar Bolota para sua caminhada?

E aí está a minha razão adorável e meu doce mundo.

Sorrindo, pressiono o botão para encerrar a ligação antes que


Blue atenda.

— Eu já ia chamá-la. — Respondo, dobrando o bilhete e


colocando-o na minha mesa de cabeceira com todos os outros que
guardei ao longo dos anos.

397
Espero que você esteja certo, Blue e algum dia conseguiremos
nos acertar

Por todos nós.

398
Capítulo 30
Piper

Você acha que partiu meu coração, bebê? Você acha que me
deitei e morri?

Você arrancou minha alma, bebê, achou que eu não me


importava?

Se você pensou que me conhecia, dê uma olhada

Eu nem me conheço e estou farto das mentiras

Doce insanidade, onde porra você esteve?

Você sabe que sempre foi minha melhor amiga

Você me mostrou o céu, bebê, agora eu te mostrarei o inferno.

Eu agarro o volante e Ditra se debruça e muda a estação de


rádio.

— Estou tão cansada de suas birras líricas. — Ela suspira e


coloca o pé descalço no meu painel. — Ele precisa superar e se
recompor.

— Não quero falar sobre ele. — Respondo e realmente não


quero. Nem quero pensar nele.

399
— Billy os viu em um show no mês passado e disse que eles
arrasaram. Ele adora essas músicas hard rock de seu novo álbum.
Acho que é verdade que a agonia gera criatividade. — Billy. Também
conhecido como Cara do Moicano. Ele foi para casa com Ditra
naquela noite do show e nunca mais saiu. Acontece que ele é um
rapaz legal. Inteligente também. É um desenvolvedor de videogames
que produz seis números. Não tem mais o moicano, felizmente. Seu
cabelo está na altura dos ombros agora, em vez de se sobressair
meio metro no alto da cabeça, é realmente muito bonito. Ele e Ditra
são loucos um pelo outro até falaram sobre se casar em breve.

Nunca pensei que Ditra seria aquela que se apaixonaria, se


casaria e eu fosse a solteira.

Estaciono o carro em frente ao café, Ditra coloca os sapatos


de volta e nós entramos. Nosso ritual das noites de quinta-feira tem
sido esporádico ao longo dos anos, ainda fazemos o melhor para nos
reunir ao máximo, seja para o jantar ou para comprar um latte e
um bolo, como estamos fazendo hoje.

— Como vai o trabalho? — Pergunto uma vez que estamos


sentadas em nossa mesa.

— Loucamente ocupada. Transferi Boner para um


massagista masculino.

— Finalmente! Era o que deveria ter feito semanas atrás. É


tão grosseiro e inadequado.

400
Ela morde o streusel15 de maçã e balança a cabeça enquanto
mastiga. — Acontece, às vezes, quando você faz massagem nas
pessoas, eles ficam um pouco excitados. Vem com o fato de colocar
as mãos nelas. Porém ele levou para um nível totalmente novo. Não
posso ter alguém com um pau monstruoso cheio de tesão a cada
maldita semana olhando para mim como se fosse minha culpa. —
Ela estremece. — Em todos os anos que trabalho no ramo, ele foi o
único que já me deixou mal.

— Eu provavelmente ficaria excitada se você estivesse me


massageando também. — Provoco.

— Você deveria me deixar fazer uma massagem. Posso ver


seus ombros tensos daqui. Está usando o teclado ergonômico que
comprei para você?

— Não posso digitar nessa coisa para salvar a minha vida. —


Eu tentei. Juro. A grande divisão no centro do teclado e as chaves
em ângulo me deixaram maluca.

— Demora um tempo para se acostumar.

— Eu não consigo. Fui de digitar noventa palavras por


minuto para dez. Estava bagunçando minha produtividade.

— Então deve fazer os exercícios que ensinei.

— Eu faço — Minto. Ditra é toda interessada em terapia do


corpo e gosta de me usar como sua cobaia, o que não me importo
porque a faz feliz. O teclado foi um desastre, enquanto a almofada
de costas que ela me deu para a cadeira de escritório é incrível.

15
É uma sobremesa tradicional austríaca, nascida em Viena, tendo-se tornado popular internacionalmente. É a
receita mais conhecida com a massa folhada da Europa central, conhecida em Alemão por Strudel. Pensa-se que
tenha sido influenciada pelas cozinhas do Império Bizantino, da Armênia e da Turquia.
401
— Você disse que queria conversar comigo sobre algo esta
noite. Está tudo bem?

Concordo. — Nada está errado. Eu tenho pensado e refletido


muito. Acho que é hora de Lyric e eu termos a nossa própria casa.

Ela solta uma risada estranha. — Você está brincando.

— Não, é sério. É melhor para todos os envolvidos. Por quê?


Você não concorda?

— Você não vai acreditar. Eu tenho algo. — Ela diz, puxando


sua bolsa de couro para o colo. Ela procura e tira um pedaço de
papel dobrado que empurra para mim sobre a mesa.

— É melhor não ser outro site de namoro. — Digo, olhando


para o papel como se pudesse me morder.

— Não é, juro.

Estou surpresa em ver que é um anúncio de uma pequena


casa em estilo bangalô. Olho rapidamente para ele – três quartos,
dois banheiros, pequeno quintal, varanda na frente, muitas flores.
É perfeita.

Sorrio, surpresa e levemente confusa. Embora suponha que


não deveria me sentir assim. Ditra é minha melhor amiga. Tenho
certeza de que, assim como eu, ela também começou a pensar que
era hora de eu abrir minhas asas.

— A casa fica atrás da nossa. Meu quintal faz divisa com o


dela. Assim que vi a placa de venda alguns dias atrás, pensei em
você.

402
— É como se você lesse minha mente. Tenho debatido sobre
conseguir minha própria casa durante meses. É uma decisão difícil
de tomar. Josh e eu somos tão próximos e Lyric o ama.

— Esta casa seria perfeita para você. — Diz ela. — Eu te amo.


E a Josh. É ótimo que sejam tão amigos. Mas ambos precisam de
algum tipo de chute na bunda. Estão se usando como muletas para
evitar se envolver com outras pessoas. Levaram amigos com
benefícios a um extremo bizarro.

— Não sei nada sobre isso... — Respondo, mesmo sabendo


que ela está certa.

— É verdade. E não tenho certeza se é bom para Lyric agora


que está crescendo. Ela praticamente vê Josh como seu pai.

Balanço a cabeça e quebro meu biscoito de açúcar em quatro


pedaços, mergulhando um pedaço no café com leite. — Não, ela não
vê. Sabe que Josh não é seu pai. Ele é como um tio para ela.

— Ela acha que vocês dois são basicamente casados. Não


entende. Pode lhe dar uma ideia distorcida sobre relacionamentos.

Penso por um momento e posso entender por que Ditra está


preocupada. Eu não quero que Lyric seja afetada negativamente por
qualquer coisa que faço.

— Você tem trinta anos, Piper. Embora ainda pareça ter


vinte, reclamarei disso mais tarde. Como sua melhor amiga, quero
que tenha mais em sua vida. Você deveria namorar. Deveria superar
Blue e não continuar morando na ilha da fantasia com Josh. E Josh
é outra história. Ele tem medo de arriscar, porque não sabe se
prefere pau ou boceta e tem medo de escolher errado.

403
— Ditra! Que horrível. — Ela está certa. Sei e Josh também.
Todo mundo sabe.

— Estou sendo honesta.

— Eu sei.

— Realmente quero ver você feliz e sinto que está deixando


muito de sua vida escapar, porque não segue em frente. Você tem
usado Josh como uma rede de segurança por tempo demais. Como
bem sabe eu namorei muitos homens e descobri o que gostava e não
gostava, sabia o que queria.

— E você sabia que queria um homem com moicano e um


piercing no nariz?

— Não. Eu sabia que queria um homem que me fizesse rir,


não quisesse filhos, não se importasse com o fato de eu ser meio
bagunceira, tivesse um bom emprego, não fosse um idiota
preguiçoso e olhasse para mim como se eu fosse a única mulher
mundo. Foi o que encontrei.

Ela encontrou. Billy realmente é um homem legal que se


escondia por trás de uma decoração estranha. Fico feliz que a minha
noite de caça a Blue se transformou num felizes para sempre para
eles.

Gostaria de ter a mesma sorte.

Ela bate a unha na lista de imóveis para chamar minha


atenção de volta para ela. — Agora sobre a casa. Eu tenho os
detalhes.

404
Sorrio e respiro fundo. Enquanto planejava dizer a ela que
queria começar a procurar casas, não tinha a menor ideia de que
teria uma diante de mim tão rapidamente. — Ok estou ouvindo.

— Fui ver e é linda. Tudo foi reformado – todos os aparelhos


são novos, tem bancadas de granito, pisos de madeira, todos os
banheiros foram refeitos. O porão está completamente acabado
também com outro lavabo. É como uma casa nova em folha. É
pequena, porém não parece ser. É muito arejada. E está perto do
seu escritório, e da escola de Lyric e de mim. Mencionei essa parte?

— Parece muito legal. Não tenho certeza se posso pagar por


ela, no entanto. Não cheguei tão longe ainda.

— Você provavelmente se qualificará como uma compradora


de primeira vez. Ganha muito dinheiro. Tem muitas dívidas de
cartão de crédito?

— Não. Tenho apenas um cartão de crédito no qual devo


cerca de duzentos dólares.

Sua boca se abre. — Não é nada! Você deveria ver o meu. E


se tiver o dinheiro da entrada, tenho certeza de que poderá pagar o
restante.

Mordo o lábio. A casa parece perfeita.

— Eu não esperava ter que dar os próximos passos tão cedo.

— É o destino, Piper. É bom demais para deixar passar. Você


estará tão perto de mim se a comprar! Seria maravilhoso. Poderia
vir para o jantar ou eu poderia visitar. Não seria ótimo?

— Seria bom. Nós poderíamos caminhar juntas.

405
— Sim! Eu sei que Josh a ajuda muito com Lyric. Billy e eu
ficaremos mais do que felizes em ajudá-la. Nós podemos ficar com
ela, posso pegá-la se você tiver que trabalhar até tarde. O fato de
não querermos nossos próprios filhos, não significa que não
amamos Lyric e não nos divertimos muito com ela. É quase como
nossa filha.

— Vocês são ótimos — respondo. — Prometo a você que


pensarei sobre o assunto.

— Visitará a casa amanhã? Conversei com a corretora de


imóveis e ela falou que se ligássemos nos encontraria lá. Ela mora
nas proximidades.

Ditra está sendo agressiva porque sabe que eu


provavelmente adiaria. Ainda estou um pouco chocada ao ouvi-la se
referir a mim como trintona.

Trinta

Trinta!

Lyric tem quase oito anos agora. Como, porra, os anos


passaram? Ditra está certa, deixei os anos passarem, me jogando
no trabalho, sendo mãe e andando na montanha-russa com Blue.
Já faz quase três anos desde que falei a ele para sair da minha vida
e foi exatamente o que ele fez. Além de enviar um cheque todo mês
e aquela nota no ano passado, não ouvi falar dele. Sem mais notas,
sem e-mails, sem ligações embriagadas, carinhosas ou sóbrias.

Há letras irritadas, porém, que sei que são direcionadas a


mim.

406
Pegando o papel, aceno através da mesa para a minha
melhor amiga. — Você pode ligar para a corretora? Vamos dar uma
olhada na casa amanhã à tarde.

Ela grita de alegria. — Sim!

407
Capítulo 31
Piper

— Você vai se mudar?

Eu me viro da porta do meu armário e aceno para ele. — Sim.


Fiz uma oferta ontem e foi aceita. É uma ótima casa, Lyric adorou
também.

— Ela adora aqui. Pensei que você também. Aconteceu


alguma coisa que não me contou?

— Não, claro que não. Só usamos sua casa por muito tempo.
Você percebeu que estamos morando aqui há cinco anos?

Ele encolhe os ombros largos. — Então? Não há limite de


tempo, Piper. Eu disse quando se mudou.

Sento-me na cama e coloco as pernas debaixo de mim. — Eu


sei, e amamos morar aqui. No entanto sinto que é hora de ficar
sozinha e parar de me apoiar em você.

— Apoiar em mim? — Ele se senta ao meu lado na cama. —


Nunca pensei que estivesse se apoiando em mim.

— Sim, eu me apoio.

Ele balança a cabeça e seu cabelo loiro cai em seus olhos.

408
— Se está, eu não me importo.

— Eu me importo.

Ele procura meu rosto e vejo confusão – até mesmo tristeza


– no dele. Uma pontada atinge meu coração. Não achei que ele
ficaria triste por eu sair. Pensei que ficaria feliz por mim, talvez até
mesmo aliviado por nos tirar de sua casa. Especialmente desde que
Bolota tem tido acidentes em todo o tapete cor de creme. Josh nunca
agiu com raiva, sempre foi compreensivo e até me ajudou quando
aluguei um limpador de carpetes. Deve incomodá-lo, no entanto.

— Eu não quero que vocês saiam. Pensei que fossemos


realmente uma família.

— Somos. — Asseguro-lhe, tocando seu braço. — E nós


amamos muito você. Por outro lado, não somos uma família, Josh.
Estamos fingindo ser uma. Vamos a jantares e filmes, sentamo-nos
juntos no sofá à noite, cozinhamos juntos. Passo por sua namorada
e você pelo meu. Provavelmente é muito confuso para Lyric.

— Não acho que seja verdade de modo algum. Ela está segura
e amada. Está feliz.

— Sim. É tudo verdade. Acredito que nós morarmos juntos


pode ser confuso para ela, agora que está ficando mais velha e é
confuso para nós também.

— A vida é confusa. Só deixe rolar.

Eu sorrio. — Sim. Estou começando a pensar que não


precisa ser. Pelo menos não tanto. Olhe para nós. Passamos os
últimos cinco anos em um estado de enorme confusão, juntos e
separados. Preciso de um recomeço. E você também. Faz sentido?

409
Ele esfrega a barba. — Sim. Ainda assim não quero que vocês
saiam. — A última palavra tem uma nota de angústia, como se o
pensamento fosse ridículo e impensável para ele.

— Eu sei. Continuaremos nos vendo. Não quero que a


mudança estrague nossa amizade. Me mataria. Ainda o quero em
nossas vidas. Só que em casas separadas.

— Você está de brincadeira? Não se livrará de mim tão


facilmente. Espero que venham uma vez por semana para saborear
minhas últimas experiências culinárias.

Eu sorrio com alívio. — Claro que sim. O que eu faria sem


minha dor de estômago semanal?

Abaixando-me no espaço entre nós, coloco meu braço ao


redor dele para um abraço e ele me abraça de volta com força. Fecho
meus olhos e suspiro em seu ombro. Será difícil não vê-lo todos os
dias, ele tem sido meu porto seguro por um longo tempo.

Eu me afasto um pouco, mas permaneço com minha mão em


seu ombro musculoso. É bom ter os braços de um homem ao meu
redor novamente. Cheirar sua colônia. Ele me dá um sorriso torto
carinhoso, depois se inclina e pressiona seus lábios nos meus.
Quando aperto seu ombro em resposta, ele toca minha bochecha,
inclina a cabeça e me beija mais profundamente.

Depois de alguns momentos, ele recua um pouco, talvez


esperando que eu o afaste. Eu não faço e ele me beija novamente.
Algo profundo dentro de mim se encaixa como um fio tênue que se
desfaz, me perco em seus beijos suaves. Movo minha mão pelo braço
dele, lentamente escorregando minha mão sob a manga de sua
camisa, sentindo o músculo liso e forte. Agarrando minha cintura,
410
ele me puxa até que estou sentada em seu colo. Envolvo meus
braços em seu pescoço e beijo seus lábios cheios.

O rosto de Blue brilha atrás dos meus olhos e a culpa vem


como um trovão rugindo na minha cabeça. Ele não deveria estar
aqui destruindo este momento carinhoso. Não tem direito de invadir
minha vida. Mas está. O que me faz tanto odiá-lo, quanto sentir sua
falta.

Josh volta minha atenção para ele, dando beijos quentes e


suaves dos meus lábios, no meu pescoço, avançando em direção ao
meu peito.

Colocando seu rosto em minhas mãos, o puxo de volta para


os meus lábios e ele me beija faminto.

— O que estamos fazendo? — Sussurro quando nos


afastamos em busca de ar.

— Eu tive vontade de beijá-la por um longo tempo. — Então


me beija novamente.

Eu não posso negar as faíscas entre nós. Mas uau – Josh?

— Estou... estou surpresa. — Respondo.

Ele solta um suspiro e passa a mão pela minha bochecha.

— Sim, eu também. Então, uma vez que você se instalar em


sua nova casa e não estivermos mais na situação de companheiro
de casa... por que não vamos a um encontro de verdade? Ver o que
acontece?

Separo meus lábios em choque, sem palavras. Eu não vi isso


chegando. Não. Mesmo.

Balanço a cabeça numa tentativa de sacudir meu cérebro.


411
— Ok. Sim. Vamos tentar.

Ele me beija mais uma vez – um beijo profundo feito para me


tirar do chão e me dar muito no que pensar.

E de repente, Josh não é mais meu lugar seguro. E o meu


plano para desconfundir a minha vida, pode ter virado fumaça.

412
Capítulo 32
Piper

— Mamãe? Mãe?

Lyric está de pé ao lado da minha cama, em seu pijama com


lágrimas no rosto. O medo me deixa gelada e instantaneamente me
levanto.

Lyric nunca chora.

— O que há de errado? Você está bem? — Eu a examino da


cabeça aos pés, em busca de sangue ou hematomas.

— É Bolota. Ele não está ficando de pé e está respirando


engraçado.

Ah não.

Eu pulo da cama e sigo Lyric para a sala de estar, onde


Bolota está deitado no chão, ofegante. Normalmente ele dorme no
meu quarto ou no de Lyric. Ele deve ter vindo aqui fora em algum
momento durante a noite. Uma das coisas que amo em nossa casa
nova é que é de um andar. Bolota pode chegar a todos os cômodos
sem ser carregado.

Ajoelhando-me o acaricio e gentilmente passo as mãos sobre


ele, preocupada com o quão magro de repente ele parece estar. — O
413
que você tem amigo? Quer se levantar? Tomar café da manhã? —
Uso as palavras que geralmente o excitam, o fazem levantar e se
mexer, ele não está se mexendo.

— Ele está doente, mamãe?

Coloco meu braço ao redor dela e beijo sua testa. — Eu não


tenho certeza, querida. Preciso levá-lo ao médico para verificar.

Tento levantá-lo para ficar de pé, ele cambaleia e cai


novamente.

— Está tudo bem, pupper16. — Eu beijo o topo de sua cabeça


e ele lambe minha bochecha. Mordendo meu lábio, luto contra as
lágrimas queimando atrás dos meus olhos. Amo muito este
cachorro. Ele é como outra criança e o pensamento de perdê-lo parte
meu coração.

— Querida, por que você não se senta com ele e o acaricia


enquanto eu ligo para o veterinário?

Ela traz seus pratos de comida, água e o pinguim para ele,


se deita ao lado dele, colocando tudo ao seu alcance enquanto
conversa baixinho. Sua cauda bate fraca e ele descansa a cabeça no
joelho dela.

E da cozinha, ligo para o veterinário e marco uma consulta


para daqui a duas horas. Em seguida, ligo para Ditra e pergunto se
ela pode sair com Lyric enquanto levo Bolota ao médico. Felizmente,
é sábado e Dee me diz para não me preocupar que ela chegará em
cerca de uma hora.

16
A palavra significa filhote ou cachorro pequeno, mas preferi deixar no original já que ele é um cachorro mais velho.

414
Fiquei na sala de espera, que é melhor e mais confortável
que a sala de espera do meu médico, por três horas. Decorada como
uma sala de fazenda, com sofá e cadeiras de couro marrom, uma
lareira elétrica e fotos antigas de cães e gatos nas paredes, muito
acolhedora. No canto tem um balcão com uma cafeteira, chá,
bebedouro e biscoitos caseiros gratuitos. Em qualquer outra
situação, comeria os cookies, estou muito preocupada com Bolota
para fazer um lanche. Então me sento em uma das grandes cadeiras
estofadas bebendo água e tentando ler um livro novo no meu e-
reader.

— Senhorita Karel? — Olho para a técnica que apareceu na


porta. — Pode vir comigo e falar com a veterinária sobre os testes?

Quero gritar sim na cara dela, em vez disso a sigo por um


longo corredor com patas numerando as portas. Ela me leva para a
pata número cinco. Bolota está deitado num cobertor grosso no
chão, parecendo ainda mais frágil do que quando chegamos.

— A veterinária virá logo.

Eu assinto, sentando-me no chão ao lado do meu cachorro.

Eu aliso sua pele e sussurro para ele. — Eu senti sua falta.


Eles tiraram todos os tipos de fotos de suas entranhas lá atrás? —
Uma bandagem vermelha está enrolada ao redor de sua perna da
frente de onde eles retiraram sangue. Eu sei que Lyric fará muitas
perguntas a respeito quando chegarmos em casa.

415
A porta se abre e posso ver um par de sapatos pretos a
poucos metros de mim, não olho para cima. Não quero ouvir o que
sei que não será uma boa notícia. A energia tensa da veterinária é
espessa no ar e seu humor se infiltra em mim.

— Srta. Karel? — Ela repete.

Finalmente olho para cima, é a coisa educada a se fazer,


mesmo que ela vá me destruir em alguns segundos.

— Sinto muito por mantê-la esperando. Fizemos muitos


testes e raios-X. Não teremos alguns dos resultados dos exames de
sangue até segunda-feira, infelizmente o que vi até agora não é bom.
— Ela olha para o prontuário, quero arrancá-lo de suas mãos e jogá-
lo no lixo. — Tenho certeza que é um linfoma gastrointestinal. Há
também uma grande massa no peito. A julgar pelo tempo que ele
esteve sob seus cuidados, mais a condição dos dentes e outros
fatores físicos, estimo sua idade em aproximadamente dezesseis
anos. Receio que, devido à idade avançada e à localização do tumor,
seja inoperável. E o gastro-linfoma está obviamente causando
estragos em seu corpo. Ele perdeu muito peso. Você disse que ele
não tem comido e teve diarreia... sinto muito.

Eu pisco para ela, porque poucos meses atrás meu cachorro


estava perfeito e feliz.

— Ele começou a apresentar esses sintomas apenas há


alguns meses. Não sabia que era algo sério, pensei que fosse
somente velhice. Até hoje ele ainda parecia feliz.

— Infelizmente, é assim que costuma acontecer. É muito


difícil dizer se um animal está doente. Eles escondem bem. Não
podem nos dizer o que estão sentindo. Não há realmente nada que
416
você poderia ter feito para evitar, Srta. Karel. Ele fez seu check-up
anual e não havia indicação de que estava doente. Na verdade,
estava em condições notáveis considerando sua idade.

— E quanto à quimioterapia?

— Sinto muito. A doença progrediu muito. Não acho que iria


melhorar sua qualidade de vida ou mantê-lo conosco por mais
tempo. Sinto muito, Srta. Karel. Eu sei o quanto você o ama e como
é difícil. Nós teremos mais resultados na segunda-feira, mas
realmente acho que você precisa pensar em colocá-lo para dormir.

Aperto meus dedos no pelo de Bolota. Colocá-lo para dormir?

— O que você quer dizer?

Ela se ajoelha no chão ao meu lado. — Ele não tem muito


tempo mais. Esse câncer é muito agressivo. Começará a declinar
rapidamente.

— Será... terrível para ele? Sentirá muita dor? Ficará mais


doente? — Minha voz treme fazendo essas perguntas horríveis.

A tristeza em seus próprios olhos me dá todas as respostas


que eu preciso. — Infelizmente, ele ficará muito doente. E, se fosse
meu cachorro, eu não gostaria que passasse por tanto sofrimento.
Preferiria que ele partisse tranquilamente.

Assinto e limpo as lágrimas. — Eu poderia levá-lo para casa


e pensar por alguns dias? Para que minha filha possa dizer adeus?

— Claro. Vou receitar alguns remédios para deixá-lo um


pouco mais confortável. Você nos liga quando estiver pronta e
estarei aqui. Meu número de telefone celular estará em seus

417
documentos quando você fizer a alta. Se precisar falar comigo, por
qualquer motivo, por favor, me ligue.

— Ok. Obrigada.

— Eu sinto muito mesmo. Ele é um cachorro maravilhoso.

— Ele é. — Eu digo, olhando em seus olhos grandes. — Ele


realmente é.

Um técnico veterinário me ajuda a colocar Bolota no banco


de trás do meu carro no cobertor que é dele há anos. Assim que
estamos sozinhos rastejo para o banco de trás com ele e choro.
Bolota coloca as patas em mim e lambe meu rosto, me sinto péssima
por me desabar nele. Deveria ser mais forte. Ser mais forte para ele.

— Eu te amo tanto. — Sussurro para ele. — Você é um


menino tão bom. — Sua cauda abanando me faz chorar ainda mais.
Não é justo. A vida é tão confusa, injusta e difícil. Não quero dizer
adeus a esse cachorro maravilhoso. Quero me apegar ao seu amor
incondicional para sempre. Este cachorro me deu o único amor que
nunca me decepcionou. Nunca me deixou. Ele nunca foi uma
confusão. É muito mais do que apenas um cachorro. Também não
posso suportar a ideia de ele ficar mais doente e sentir qualquer tipo
de dor. E se deixá-lo ir para sua próxima jornada é o último ato de
amor que posso demonstrar, me forçarei a fazê-lo, não importa o
quanto me machuque.

Quando chego em casa, Ditra me deixa chorar enquanto Billy


mantém Lyric ocupada. Quando eles saem, Lyric e eu gentilmente
tiramos a atadura da perna de Bolota e explico a ela que ele está
muito doente e precisa descansar. Porém ainda não estou pronta
para contar que ele nos deixará. Ela está cansada e preocupada,
418
perguntou se pode dormir no sofá da sala de estar com ele. Eu quero
que ela tenha esse tempo, então coloco travesseiros e cobertores no
sofá, junto com seu filme favorito.

Depois que eles dormem, beijo os dois e vou para o meu


banheiro tomar um longo banho quente, na esperança de lavar o
fardo pesado da tristeza que sinto, não funciona.

Ligo para Josh, não esperando que ele atenda desde que é
sábado à noite, ele atende no segundo toque.

— Eu estava pensando em você. — Diz ele quando atende. —


Estou tomando o sorvete que você deixou no freezer.

— Eu preciso falar com você.

— Ei. Você está bem? Não parece que esteja.

— Não, não estou.

— Cristo. O que aquele idiota fez agora?

— Não é ele Josh. É Bolota. Ele está muito doente. Tem


câncer.

— O quê? Quando aconteceu? Eu o vi há duas semanas


quando você se mudou e ele estava bem.

— Eu sei. Aconteceu tão rápido. Também mal posso


acreditar. Terei que fazer eutanásia nele e não sei como direi a Lyric
ou como passarei por isso...

— Piper. — Ele diz suavemente. — Sinto muito. Eu amo o


cachorro.

— Eu sei que você ama. Meu coração está doendo.

— Eu vou até aí.

419
— Sério? Você pode? — Não tivemos a chance de nos ver
desde que me mudei para a nova casa. Nós não falamos sobre o
encontro que ele mencionou ou o beijo que compartilhamos, mas
adoraria vê-lo.

— Sim. Estarei aí em meia hora.

— Venha pela porta dos fundos. Lyric está dormindo no sofá.

— Entendi. Até daqui a pouco.

Espero na cozinha por Josh chegar, calmamente vamos para


o meu quarto e fechamos a porta pela metade para não acordar
Lyric. Ele imediatamente me puxa para um abraço.

— É tão gentil de sua parte ter vindo. — Digo, olhando para


ele. — Muito obrigada.

— Pare. Sempre estarei presente para você.

Eu me inclino para beijar sua bochecha e depois me afasto


para sentar-me na cama e ele me segue. — Eu não sei o que fazer,
Josh. Esta é a pior decisão que já tive que tomar. Quer dizer, é a
vida dele.

— O que o veterinário disse? Não há realmente nada que


possam fazer? Quimio?

Balanço a cabeça. — Não. Está muito avançado e ele é velho


demais. Ela presume que ele tem dezesseis anos. Honestamente não
tinha ideia de que era tão velho assim. Blue me disse que ele o teve
por dois anos, então assumi que ele tinha dois anos quando o
conheci.

— É velho para um cachorro, Piper. E ele teve uma boa vida.


Você o trata como se fosse um bebê.
420
— Eu sei... só não quero fazer a coisa errada.

Ele chega do outro lado da cama e segura minha mão. — O


que o veterinário recomendou que você fizesse? O que seu coração
lhe diz para fazer?

— Ela falou que se fosse seu cachorro, o deixaria ir antes que


piorasse. E meu coração quer mantê-lo, porque sou egoísta.
Também quero que ele vá tranquilamente e não sofra por semanas
ou meses.

Ele concorda. — Concordo que é a coisa certa a fazer. E pense


em Lyric, você sabe como ela é sensível com coisas assim. Ela não
poderia lidar com o sofrimento dele. Ama aquele cachorro
loucamente.

— Eu sei. — Digo em lágrimas. — Como dizer a ela que vou


levá-lo embora para sempre?

— Ela é uma criança esperta, Piper. Ficará chateada, mas


acredito que entenderá. — Ele faz uma pausa e olha nos meus olhos
por alguns instantes. — Podemos dizer a ela juntos, se você quiser.

— Você faria isso comigo? Acho que ouvir de nós dois seria
melhor para ela. — Tê-lo aqui, sendo tão compreensivo, está me
fazendo duvidar se tomei a decisão certa ao me mudar. Josh pode
não ser o pai de Lyric, porém é a coisa mais próxima de um que ela
tem. No momento não tenho certeza se tirá-lo da sua vida foi certo
ou errado.

— Claro que estarei com você. Eu amo Lyric. — Ele diz e


acrescenta: — Eu amo vocês duas.

421
A maneira como ele diz vocês duas faz meu coração apertar.
Não sei o que está mudando com ele, definitivamente há algo
acontecendo.

— Nós amamos você também.

Seu olhar cai para as nossas mãos. — Acho que estou me


apaixonando por você. — Diz ele. — E tenho estado em negação a
respeito durante muito tempo.

Prendo minha respiração por alguns segundos. Assimilando


suas palavras. Então exalo lentamente.

— Oh. — É tudo o que posso dizer, porque não estou


preparada para falar sobre este assunto hoje. Ou qualquer dia, na
verdade.

— Sabia que você estava apaixonada por Blue e não queria


entrar no meio dos dois. Tenho tentado resolver minhas coisas ao
mesmo tempo, então, quando penso sobre o que realmente quero?
Eu quero o que nós tivemos. Eu, você, Lyric e os animais de
estimação.

— Josh...

Ele olha para mim. — Quando a beijei, pareceu certo. Para


mim. Como você se sentiu?

Meu corpo vibra com nervosismo.

— Surpresa. — Respondo. — Foi bom também. Acho que não


estava pronta. E, para ser sincera, não pensava em você dessa
maneira, então meio que fez minha mente girar.

— Justo. Você poderia pensar em mim dessa maneira?

422
Dou uma boa olhada no homem diante de mim. Ele mudou
muito desde que namoramos quando éramos crianças. Não é mais
o nerd tímido. O homem sentado na minha cama é lindo e confiante.
Não apenas tem um corpo musculoso incrível e um rosto GQ
perfeito, também é um ótimo ser humano. É carinhoso, afetuoso,
paciente e voltado para a família. Inteligente e tem um ótimo senso
de humor. É estável e normal – o que é uma grande vantagem.

E também gosta de homens. Certamente não é anormal –


apenas algo diferente para eu pensar. Admiro que seja capaz de se
sentir atraído pelas pessoas pelo que elas são e não pelo que existe
entre suas pernas. No entanto o fato de ele ter sido íntimo com
homens me deixa insegura. Não posso deixar de pensar se está
fisicamente atraído por mim e se eu seria o suficiente para ele em
se tratando de intimidade sexual.

Mordo meus lábios e tento responder o mais honestamente


possível. — Acredito que poderia. Preciso de algum tempo, talvez
seja possível. Estou atraída por você e me preocupo...

Ele me beija antes que eu possa terminar e, novamente, não


estou pronta. Quero estar, acho que algum dia poderia. Não esta
noite, estou muito preocupada com meu cachorro, minha filha e
com um telefonema que terei que fazer amanhã, para dar cem por
cento de mim para Josh. E não quero dar menos do que o meu tudo
para ninguém.

Eu me afasto e ele coloca o dedo nos meus lábios. — Não diga


nada. — Ele sorri. — Eu não deveria ter te beijado. Sei que não está
pronta. Queria apenas mostrar que agora sei beijar. — Ele me lança
um sorriso de brincadeira.

423
— Você definitivamente sabe como beijar. Não se preocupe.
— Eu lhe asseguro.

— Eu não a pressionarei, Piper. Prometo. Quando as coisas


finalmente se acalmarem, Teremos um encontro e veremos como
nos sentimos.

Concordo e sorrio suavemente para ele. — Gostaria muito.

Nós nos deitamos juntos na minha cama e assistimos a um


filme, ele adormece ao meu lado. Eu me aconchego em seu braço e
o vejo dormir. Gosto de como ele parece e gosto de tê-lo ao meu lado.
Sinto-me segura e confortável. É algo com o qual poderia me ver
acostumando e sendo feliz.

Ah, se pudesse esquecer Blue.

424
Capítulo 33
Piper

Esta manhã foi uma das piores da minha vida. Dizer a minha
filha que seu primeiro melhor amigo nos deixaria em breve foi
absolutamente excruciante. Sou grata por Josh ter passado a noite
e estado presente quando contei a ela, porque ele foi capaz de
explicar como Bolota dormiria para sempre e seria um anjo da
guarda canino, muito melhor do que eu conseguiria falar com ela
sem chorar. Eu mal conseguia dizer duas frases sem começar a
chorar.

Depois que Josh saiu, Lyric se recuperou e decidiu montar


um enorme quebra-cabeça numa tábua no meio do piso. Eu pego
meu telefone e saio para a varanda dos fundos para ligar para a
pessoa que jurei nunca mais ligar. Levo pelo menos quinze minutos
olhando para o telefone e conversando comigo mesma para
finalmente digitar o número dele.

A primeira vez que ligo, vai para o correio de voz, não deixo
uma mensagem. Desligo e faço a rediscagem, desta vez ele atende.

— Sim. — Ele diz, não tenho ideia se ele tem identificador de


chamadas e sabe que sou eu.

425
— Sou eu.

Acontece o notório minuto de silêncio com os quais nos


nossos telefonemas sempre parecem começar. Espero que acabe.

— Joaninha. — Ele limpa a garganta. — Uau!

— Oi.

— Oi. — Ele faz uma pausa. — Porra, só ouvir sua voz


novamente... está fazendo meu coração bater como um
desesperado.

O meu também. Mas não direi a ele.

— Eu tenho algo para contar.

— Bem, se você teve um bebê sem mim, eu ficarei muito


irritado.

Meus dentes apertam. — Não. É sério.

— Eu estava falando sério, bebê.

— Não me chame de bebê neste momento, por favor. Preciso


dizer. — Ouvir sua voz amplifica minhas emoções. Estou tremendo
e à beira das lágrimas pela centésima vez nas últimas quarenta e
oito horas. Ainda assim, depois de todo esse tempo, ele tem o mesmo
efeito vibrante sobre o meu coração.

— Tudo bem. — Sou a favor de colocar tudo para fora. O que


quer que seja.

— Bolota tem câncer. É intratável. Ele está muito doente e


eu terei que sacrificá-lo. Pensei que você deveria saber no caso de
querer estar presente. Para dizer adeus.

Ele respira profundamente do outro lado da linha.

426
— Porra! — Diz ele. — Porra! Porra! Porra!

— Sinto muito, Blue. Ele ficou doente em pouco tempo,


simplesmente não sabia. Até recentemente estava feliz e brincalhão.
Estava tendo alguns problemas com as escadas e em pular do sofá,
pensei que fosse apenas velhice. Algumas semanas atrás comprei
uma casa nova sem escadas, então ficou mais fácil para ele se
locomover. Só... — Engulo enquanto um soluço me escapa. — Eu
fiz tudo o que pude para dar a ele uma boa vida. Ele é o melhor cão
do mundo e nós o amamos muito e gostaria que isso não estivesse
acontecendo...

— Piper... — Ele respira. — Foi o motivo de eu tê-lo deixado


com você. Ninguém o ama como você.

Eu me engasgo e fungo. — Sim, bem, muito bem me fez. Tudo


que faço é partir meu coração. Passei a manhã tentando explicar a
nossa filha como esse cão, que é seu melhor amigo desde o dia em
que ela nasceu não estará mais por perto.

— Porra, querida. Sinto muito. Ela está bem?

— Aparentemente sim. Eu não sei, realmente. Ela é uma


menina muito carinhosa, porém às vezes fica quieta e não sei o que
está pensando.

— Eu estarei lá. Diga-me quando e onde.

Sua resposta me deixa surpresa. Não esperava que ele


realmente quisesse vir. Sabia que ficaria triste e pensei que o ouviria
pegar a garrafa mais próxima, depois desmoronaria do outro lado
do telefone. Não estava preparada para ele aparentar tanto
equilíbrio.

427
— Tenho que combinar com a veterinária primeiro. Posso
enviar os detalhes por e-mail? Será em breve. Provavelmente no
próximo fim de semana.

— Vou aguardar. Você pode me ligar, não precisa me enviar


um e-mail.

— Prefiro enviar um e-mail.

— Vamos, Piper. Não seja assim. Sinto sua falta. Estamos


ambos tristes... podemos conversar.

Fechando os olhos, conto até cinco para me dar tempo para


não me deixar abrir para ele novamente.

— Eu não quero conversar. Estou somente tentando fazer a


coisa certa.

— Então não vai conversar comigo? É isso?

— Sim.

Click, ouço o som de seu piercing de língua.

— Tudo bem, então. — Frustração e desapontamento


aprofundam seu tom. — Não vou implorar. Estou feliz por você ter
ligado. Quero estar lá. Ele precisa de alguma coisa nesse meio
tempo? Remédios? Enviarei mais dinheiro.

Acho que não me acostumarei com o fato de que agora Blue


tem dinheiro. Provavelmente muito dinheiro. Para mim ele ainda é
o cara fofo tocando no parque, recebendo moedas jogadas em uma
jarra, que insistia em me comprar uma casquinha de sorvete. E eu
continuo sendo a garota que não dava a mínima para nada e só
queria estar com ele. Não importa como.

— Obrigada, estou bem de dinheiro.


428
— Eu quero enviar alguma coisa. Talvez você possa levar
Lyric a algum lugar especial ou comprar alguma coisa para animá-
la? Talvez possamos comprar um medalhão para ela guardar um
pouco do pelo dele? Uma foto dele? Eu não sei, não sou bom nesta
merda.

Pela primeira vez, ele apenas se referiu a nós como eu e Lyric.


Nós como nós, pais desta pequena pessoa. Sento-me em uma das
cadeiras de vime na varanda e ouço o som de vento soprando
levemente enquanto tento processar como suas palavras me fazem
sentir.

Confusa. Desconfiada. Esperançosa.

A sugestão do medalhão também é uma surpresa – uma que


eu gostaria de ter pensado por mim mesma.

— O medalhão é uma ótima ideia. Acho que ela adoraria uma


foto dele ao redor do pescoço. Farei uma para ela. Realmente preciso
desligar, não quero deixá-la sozinha por muito tempo quando está
tão triste.

— Entendo. Sinto muito, Joaninha. Por tudo...

Eu não o deixo terminar. — Enviarei um e-mail quando tiver


as informações. Adeus.

Eu termino a ligação e tiro a minha mão do telefone antes de


mudar de ideia e ligar novamente. Já se passaram quase três anos
desde a última vez que conversamos. Três malditos anos. Nossos
sentimentos um pelo outro deveriam ter desaparecido. As pessoas
se separam, seguem em frente; elas param de amar e de querer um
ao outro. Por que não podemos ser como elas? O que há de errado
conosco? Por que não conseguimos simplesmente terminar?
429
— Por que você pediu a ele para vir? Por que despertar essa
merda toda novamente?

A figura larga de Josh enche a porta do meu quarto. Sabia


que ele reagiria assim, por isso esperei até o último minuto para
contar.

— Porque era a coisa certa a fazer. — Respondo, sentada na


arca ao pé da minha cama para calçar o tênis.

— É uma coisa idiota para fazer.

— Ele ama Bolota. Merece a chance de dizer adeus.

— Ele o deixou. Foi o seu adeus.

— Pode parar, por favor? — Eu pergunto, levantando-me. —


Já é difícil o suficiente para mim. Não quero vê-lo, Josh. Reabrirá
todas as velhas feridas. Eu sei. Também sei o quanto Bolota significa
para ele. Não espero que você entenda. As pessoas merecem uma
despedida e os animais também.

Ele balança a cabeça. — Você está sendo legal demais.

— Bem, essa sou eu.

— Deixe-me ir com você então, peça a Ditra para vir ficar com
Lyric. Se for com você, pelo menos não acabará na cama com ele.
Eu nem entrarei, esperarei no carro.

Olho para ele. — Não posso acreditar que no que você acabou
de dizer para mim. E Lyric pediu para você ficar com ela enquanto

430
faço o que é preciso. Ela quer que você conte a história da ponte do
arco-íris novamente. Ditra não sabe nada sobre ela.

— Eu falei como seu amigo, Piper. Não como alguém que está
interessado em sair com você. Blue faz você fazer coisas idiotas.

Seus comentários doeram independentemente de como os


entendesse. — Como meu amigo e alguém que supostamente quer
namorar comigo, fico ofendida por pensar que não sou capaz de não
dormir com ele sem que você seja minha babá.

Seu ombro se ergue em um encolher de ombros. — Você é?

Acredito que sim.

— Sim. — Eu respondo. — Agora, por favor, pare.

Ele me segue até a sala de estar onde Lyric está sentada no


chão com Bolota lendo um livro para ele. Meu coração se parte em
um milhão de pedaços.

— Ok, querida. É hora de eu e Bolota irmos para um lugar


especial. — Digo em tom tão otimista quanto possível.

— Para a ponte? — Ela pergunta.

— Sim. — Para uma ponte imaginária que leva animais de


estimação para o céu na qual quero acreditar tanto quanto Lyric
acredita.

Faço o meu melhor para conter as lágrimas e manter essa


experiência positiva para ela, como li em um site sobre como ajudar
as crianças a perder um animal de estimação ou membro da família
pela primeira vez. Não é fácil quando estou sofrendo sozinha.

Depois de Lyric dizer seu doce e comovente adeus, Josh me


ajuda a colocar Bolota no banco de trás do meu carro, me dá um
431
abraço e um beijo na bochecha, então estou dirigindo pela cidade,
tentada a furar cada sinal vermelho. Realmente gostaria de levar
Bolota a uma ponte especial em algum lugar sereno e bonito com
arco-íris nas nuvens, não para um consultório veterinário estéril.
Continuo olhando para ele no espelho retrovisor, cantando canções
felizes e ele encontra meus olhos no espelho. Seus olhos perderam
sua faísca. Está magro e parece exausto. Sei que estou fazendo a
coisa certa para ele, embora pareça horrível.

A veterinária me marcou como o último compromisso da


noite, então não tínhamos pressa. Estaciono e relutantemente saio
do carro e abro a porta do banco de trás. A batida de outro carro do
outro lado do estacionamento vagamente chama minha atenção
quando me inclino para levantar Bolota e, quando me viro, vejo a
figura inconfundível de Blue, seu andar familiar, cabelos ao vento,
vindo em minha direção pelo terreno escuro.

Sem palavras, ele pega o cachorro dos meus braços e o


segura contra o peito, inclinando o rosto para beijar o topo da
cabeça de Bolota. Que imediatamente se anima, abana o rabo e
lambe o rosto de Blue.

Eu não posso assistir este encontro. Não posso assistir


Bolota invocar energia para amar Blue, quando vamos acabar com
sua vida em poucos minutos. Virando-me, fecho a porta do carro,
desejando também poder calar o som de Blue falando suavemente e
os choramingos felizes de Bolota.

— Piper...

Eu me recuso a virar. Não quero que me veja chorando, não


quero que veja que ainda me importo com ele.

432
— Piper, olhe para mim.

Eu me viro, evitando fazer contato visual com ele. — Vamos


entrar. — Eu digo, estendendo a mão para tocar as costas de Bolota.
— Poderá se sentar com ele por um tempo.

Ele me segue para dentro e a recepcionista nos leva a uma


sala privativa, nos aconselhando a apertar um botão na parede
quando estivermos prontos para o médico entrar. Não há mesa de
exame nesta sala, apenas duas grandes poltronas de couro que
combinam com os móveis na sala de espera, uma grande cama de
cachorro macia no chão, iluminação fraca e uma vela elétrica acesa
em uma pequena mesa no canto. Eu não posso deixar de me
perguntar quantas almas peludas disseram adeus nesta sala.

Blue gentilmente coloca Bolota na cama e senta-se de pernas


cruzadas no chão ao lado dele.

— Ele parece tão velho. — Diz balançando a cabeça


lentamente com incredulidade.

Eu me sento do outro lado de Bolota e nós o acariciamos


juntos. Ele está respirando mais forçado e seus olhos se fecharam.
— Ele é velho.

— Posso te contar uma coisa?

Assentindo, pego uma caixa de lenços da mesa e coloco na


nossa frente.

— Eu o encontrei quando ele era um filhotinho. Estava


andando na floresta, ficando chapado e lá estava ele. Sozinho.

— Espere... quando o conheci, você me disse que o tinha


fazia dois anos?

433
— Eu disse que viajamos por dois anos.

Aconteceu faz muito tempo, não consigo lembrar as palavras


exatas que usou. Todo esse tempo pensei que ele encontrou Bolota
como um cão adulto, enquanto andava de estado para estado.

— Eu o levei para casa comigo e meu pai tinha um problema


de merda. Nós já estávamos em maus termos porque eu estava
muito fodido e a última coisa que ele queria era um animal na casa.
Ele me disse para me livrar do filhote ou dar o fora de sua casa. Eu
me recusei a desistir do cachorro, então ele me expulsou. Eu não
tinha para onde ir, então levei o filhote para o galpão em nosso
quintal. Estava congelando, eu estava com fome e implorei a meu
pai que nos deixasse entrar, ele se recusou. Mesmo com minha mãe
implorando para que me deixasse entrar, acabei morando no galpão
com Bolota por seis meses até me mudar para um amigo. Sequer
tinha trabalho, então não podia comprar comida de cachorro ou
brinquedos para ele, apenas o alimentava com o que comia e dei a
ele uma meia velha para brincar. — Uma lágrima escorrega por sua
bochecha enquanto ele acaricia as orelhas de Bolota. — Ele era um
cachorrinho muito legal. Nunca latiu ou mastigou nada. Parecia feliz
só de ficar comigo, amava quando eu tocava violão e cantava. Ele
sentava e me observava por horas enquanto eu tocava, adormecia
com a cabeça na minha perna e eu continuava cantando e tocando.
Ele foi o primeiro amigo de verdade que já tive. — Ele passa a mão
pela bochecha. — E você me disse que ele foi o primeiro melhor
amigo de Lyric também. Eu meio que sinto que ele é um pequeno
guardião, que entrou na minha vida para cuidar de mim e das duas
pessoas que eu amo.

434
Engolindo o nó na garganta, pego o travesseiro e toco sua
mão. — Você está certo — digo baixinho.

— Será que ele me perdoou? Por deixá-lo? — Sua voz está


tensa de emoção.

Assinto devagar. — Sei que ele perdoou. Nunca acreditou que


você foi embora, Blue. Ele sabia que você o emprestou para nós.

As lágrimas descem por sua bochecha caindo no pelo de


Bolota. — Espero que sim. — Sussurra.

Eu vejo como ele diz adeus ao seu cão e não posso deixar de
me perguntar se ele ficar no galpão com Bolota, quando era apenas
um adolescente, o confundiu e é por isso que fez a mesma coisa
mais tarde quando estava mais velho.

Depois que nos despedimos, ficamos com Bolota até ao fim e


a veterinária nos deixou sozinhos por mais alguns minutos. Blue
imediatamente me puxou para seus braços e nós choramos juntos,
agarrando um ao outro na tristeza. Quando saímos vamos para o
estacionamento em silêncio e emocionalmente esgotados. Ele me
leva até meu carro, acende um cigarro e olha para o céu negro
salpicado de estrelas.

— Este foi oficialmente um dos piores momentos da minha


vida. — Diz ele. — E eu tive muitos.

Eu me encosto na parte de trás do meu carro e respiro o ar


frio. Uma dor profunda se instala no meu peito e na boca do meu
estômago.

— Obrigado por me deixar estar aqui. Parece certo. — Ele


exala uma nuvem de fumaça. — Que tenhamos feito juntos.

435
— Eu concordo.

Ele apaga o cigarro na sola da bota e coloca a mão no bolso


de trás, como costumava fazer.

Algumas coisas nunca mudam.

Colocando as mãos nos bolsos da frente da calça jeans, ele


se aproxima de mim e posso senti-lo me olhando de cima a baixo.

— O que a deixou tão distante, Joaninha?

Eu cruzo meus braços sobre o peito. — Você.

Ele se aproxima. Muito perto.

— Significa que posso desfazer.

Eu me recuso a olhar para ele. Não cairei na armadilha


hipnótica de seus olhos escuros novamente. Conheço minhas
fraquezas quando se trata dele. Pode ter demorado anos, porém
estou mais esperta.

— Você não pode — respondo.

Ele abaixa a cabeça perto da minha. — Quer apostar? — Ele


sussurra ao lado do meu ouvido.

Eu bato minha mão em seu peito. — Pare!

Ele suspira e balança nos calcanhares. — Vim apenas por


uma noite. Amanhã à tarde voarei de volta.

— E?

— Então não vamos desperdiçar nosso tempo. Eu não a vejo


há anos.

— Por sua própria culpa. Você destruiu tudo. Eu não o


deixarei fazer novamente.
436
Ele estende a mão e toca meu rosto. — Sinto sua falta, Piper.
Acabamos de passar por algo horrível juntos. Você não sente o
mesmo? Não quer passar um tempo comigo?

— Sinto Blue. Também valorizo minha sanidade.

Ele continua acariciando minha bochecha. — A sanidade é


superestimada, bebê.

Ele beija minha testa. Então a ponta do meu nariz. E então,


meus lábios.

Nós nos beijamos suave e lentamente, saboreando um ao


outro, lembrando um do outro. Sua língua dança sobre a minha,
metal e fumo enchem minha boca. Ele sempre foi meu sabor
favorito. Agarrando minha cintura, me coloca no porta-malas do
meu carro e se move entre as minhas pernas, sem interromper o
nosso beijo. Envolvo minhas coxas ao seu redor, meus braços em
torno de seu pescoço e dou as boas-vindas à dureza de seu corpo
contra o meu. Blue é como andar de bicicleta, o equilíbrio, o
movimento e o ajuste são instantaneamente perfeitos e familiares.

Depois de alguns minutos, me afasto em busca de ar e


pressiono meus lábios em seu peito exposto pelo decote V da
camiseta. — Por que não consigo esquecê-lo? — Sussurro mais para
mim do que para ele. — Não quero mais querê-lo.

Ele passa os dedos pelo meu cabelo, empurrando-o para trás


do meu rosto levantando minha cabeça para a dele. — Volte para o
hotel comigo.

Minhas coxas apertam ao redor dele, contradizendo as


palavras que direi.

437
— Não posso.

Ele esfrega seu corpo no meu, posso sentir cada centímetro


dele – duro, quente e tentador, entre minhas coxas. Meu corpo treme
e aquece em resposta, querendo-o mais perto, sem nada entre nós.

— Não precisamos fazer nada. Deixe-me abraçá-la somente.


Quero apenas dormir com você como costumávamos fazer. Estou
tão cansado, Piper.

Fechando meus olhos, descanso minha bochecha em seu


peito e ouço o suave bater de seu coração. Não posso ir com ele.
Preciso ir para casa, para Lyric e Josh. Não é o lugar ao qual
pertenço agora?

— Não posso Blue.

Seus braços musculosos me envolvem como um vício. — Não


vá. Vou desmoronar sem você. Não quero ficar sozinho e não quero
que você fique.

— Eu preciso ir para casa, para Lyric. Está sendo muito


difícil para ela também.

— Eu sei. — Ele encosta sua testa na minha. — Eu sei que


sim. Posso ir com você?

Meu estômago pula na garganta com o pensamento. — Não.


Blue, eu...

— Você não precisa dizer quem eu sou. Diga a ela que sou
um velho amigo.

Lyric é definitivamente inteligente o suficiente para saber que


eu não levaria um velho amigo do consultório do veterinário para
casa comigo.
438
— Não é uma boa ideia.

Ele se afasta e olha para mim, seus olhos mudando para um


azul mais escuro de veludo.

— Você me disse que comprou uma casa. Não me quer lá,


não é? — Ele pergunta. — Por quê?

Eu mordo o interior da minha bochecha, tentando encontrar


as palavras certas, não existe nenhuma. — Josh está lá com Lyric.
Estão esperando por mim.

O canto da boca dele se contorce. — Josh seu companheiro


de casa? Vocês ainda moram juntos?

— Não, nós saímos da casa dele.

Seus olhos estreitam enquanto a compreensão entra. —


Então, algo está acontecendo com ele agora?

— Eu não sei. — Digo baixinho. — Mas pode acontecer.

Seu peito se expande e ele se afasta, anda em círculos e


depois olha para mim. — Meu maldito cachorro acabou de morrer.
Ele está em um freezer agora, Piper. E você está me dizendo que
ainda me quer, mas tem outra pessoa? Está permitindo que ele fique
entre nós?

— Ele era meu cachorro também. — Eu o lembro. — E você


não tem o direito de falar desse jeito comigo. Eu te dei tantas
chances, Blue. Te dei meu coração um milhão de vezes e em todas
elas você o quebrou. Sempre me decepciona. Deixa as drogas e o
álcool entrarem entre nós e destruir sua vida. Pelo menos Josh é
uma pessoa normal.

439
Ele zomba. — Eu nunca deixei alguém se interpor entre nós.
É muito pior.

Meu coração se aperta e afunda como uma âncora. — Você


me falou que nunca houve mais ninguém.

Ele pega um isqueiro Zippo e o abre para acender outro


cigarro. — Eu falei anos atrás.

Pulo do porta-malas do meu carro. — Então, você esteve com


outras mulheres?

Realmente não deveria me surpreender. Eu não podia


esperar que ele ficasse solteiro e celibatário para sempre,
principalmente quando falei que nunca mais queria vê-lo. É claro
que seguiu em frente, como deveria. Assim como eu deveria ter feito.
Não tenho o direito de me sentir enciumada ou traída.

Mas me sinto. Terrivelmente.

— Estou indo para casa. — Digo, não esperando que ele


responda. — Estamos ambos tristes com a perda de Bolota e se
continuarmos conversando, vamos nos machucar.

Com um olhar sério, ele dá uma longa tragada no cigarro. —


Sim. Aparentemente sim.

Volto para o carro até a porta do lado do motorista e ele fala


nas minhas costas. — Estou limpo há seis meses. Você não
percebeu que estou melhor?

Quando conversamos ao telefone no outro dia, percebi algo


diferente, pensei que fosse apenas o choque ao saber sobre Bolota.

440
Ficando de pé na frente da minha porta, me viro para ele com
as chaves do meu carro na mão. — Estou feliz, Blue. Infelizmente
não muda nada.

Seu cabelo voa ao redor de seus ombros enquanto balança a


cabeça. — Você está errada, Piper. Muda tudo.

Eu destranco minha porta, ouvindo suas botas na calçada


andando na outra direção. — Nós não terminamos Joaninha. — Ele
fala por cima do ombro.

Fico sentada no meu carro por um longo tempo, chorando


pelo cachorro com quem não voltarei para casa e lamentando a
forma como Blue e eu estamos deixando as coisas. Mais uma vez
ficamos no limbo, sem fechar o ciclo, sem separação em bons
termos, sem entender onde estamos. Eu não sei como encontrar
qualquer tipo de paz com ele e seguir em frente.

E de repente, a porta do meu carro é aberta, eu pulo e grito


de surpresa.

— Saia do carro.

Meu peito sobe e desce de medo quando olho para ele,


apoiando um braço no teto do meu carro e o outro na minha janela.

Solto um suspiro de alívio por ser ele e não um lunático me


assaltando.

— Por favor, Blue, vá embora.

— Não. Nós não faremos a mesma coisa novamente. Este é o


tipo de merda que me manda direto para uma garrafa ou me faz
cheirar linhas a noite toda e já não estou mais fazendo isso. Não vou
esperar mais dois ou três anos para falar com você de novo também.

441
Saia do carro ou vou tirá-la. Sua escolha. E não se esqueça do
quanto amo sexo no carro.

— Blue...

Ele agarra meu braço e me puxa para fora. Olho para ele
como se tivesse perdido a cabeça. — Por que você está agindo assim?
— Pergunto. — Eu preciso ir para casa.

— Porque quero conversar com você. Você não fala comigo


no telefone e se recusa a vir comigo para conversarmos em
particular. Então será aqui no meio deste maldito estacionamento
porque não vou embora sem falar com você.

— Ok. — Sua atitude exigente despertou meu interesse e


meu interior, fã de romance, está desmaiando e implorando por
mais.

— Os últimos seis meses foram muito difíceis Piper. O


afastamento, o humor maluco, sentir-me mal o tempo todo. Eu
queria enlouquecer e sair da minha própria pele. Passei por tudo e
você quer saber como?

— Sim. Conte-me.

— Pensando em você e Lyric. Você foi o que me fez conseguir.

— Eu não fiz nada...

— Quero que você volte. E quero conhecer minha filha. Tenho


trinta e quatro anos, Piper. Trinta e quatro anos, merda. Eu
estraguei tudo. Perdi literalmente anos da minha vida drogado ou
fugindo de algo que sequer consigo ver ou explicar. Não quero mais
fugir. Quero você, minha filha e a minha banda. — Ele segura minha

442
mão. — Também queria meu cachorro, porém estou atrasado. Não
será muito tarde para você e Lyric.

— Evan...

— Eu não estou brincando, Piper. É tudo em que tenho


pensado desde que você me mandou eu me foder anos atrás.

Eu me sinto incrivelmente pequena e vulnerável de repente.


Despojada de toda a força que construí ao longo dos anos e tentei
impor esta noite. Suas palavras me evisceraram, não tenho certeza
se é por já estar sentindo falta de Bolota ou se a exaustão de desejar
e esperar que Blue chegue a este lugar por tanto tempo finalmente
esteja cobrando seu preço.

Eu deveria pular de excitação. Talvez dizer não, é tarde


demais para nós. Em vez disso me sinto entorpecida e incapaz de
sentir muita coisa. É como se mil abelhas tivessem se instalado
dentro de mim e estivessem zumbindo e zumbindo, abafando tudo
e fazendo todo o meu corpo tremer com uma energia estranha.

Ele aperta minha mão. — Diga alguma coisa.

— Não sei o que dizer.

Uma porta de carro abrindo e fechando, em seguida, uma


partida de motor soa atrás de nós, alguns segundos depois, os faróis
do carro brilham sobre nós ao sair do estacionamento. Uma rápida
olhada revela que a Dra. Simon foi embora, a veterinária que enfiou
uma agulha fina na frágil veia do meu cão e prometeu que cuidariam
dele com amor e carinho até que seus restos mortais estivessem
prontos para eu colocar em uma urna de mogno que Blue e eu
escolhemos.

443
É estranho e incrivelmente triste que a primeira coisa que
escolhemos juntos fosse uma urna de cremação. Não um sofá ou
pratos como a maioria dos casais.

— Você tem certeza de que não se sente assim porque pensa


que estou me envolvendo com outra pessoa? — Pergunto.

— Acabei de descobrir dez segundos atrás, Piper. Então não.

— Você está envolvido com alguém?

— Não.

— Está dormindo com alguém?

— Uma vez. Há muito tempo. Anos atrás. Eu estava


terrivelmente bêbado.

Sua admissão é como gasolina em minhas veias, queimando


meus membros e explodindo em meu coração.

Minha boca se abre. — Você a amou?

Ele não hesita em responder. — Não. Nunca. Eu te amo.

— Eu não estive com ninguém. — Meu tom é acusatório e


maldoso, porém não sinto muito.

— Você gosta dele. Ele é importante para você. Posso ver em


seus olhos.

— Sim... eu me importo muito com ele. É um ótimo homem.


Existe a possibilidade de construir algo verdadeiro com ele. Porém...
— Os músculos de seu queixo travam e olho para a estrada por
alguns segundos, em seguida, volto o meu olhar para o dele. —
Ainda sou apaixonada por você.

444
Seu corpo se une ao meu, me empurrando contra o carro. —
Eu sei que você é.

— Você é tão mau, Blue.

Seu rosto está no meu cabelo, seus lábios quentes se


movendo sobre meu ouvido. — Eu sequer tive a chance de dizer
como você está linda. — Ele sussurra. — É como se você não
envelhecesse. Ainda parece ter vinte e um anos para mim.

— Hm... então você gosta de garotas mais jovens? — Provoco,


escorregando minhas mãos sob sua jaqueta de couro.

Nossos lábios se encontram e se prolongam, tocando-se


suavemente, respirando um ao outro.

— Eu amo você. — Diz ele em voz baixa. — Podemos dar o


fora deste estacionamento? Eu tenho uma suíte no hotel. Nós não
temos que passar todo o nosso tempo na rua mais.

— Eu não posso. Não porque não queira Blue. Quero passar


mais tempo com você. Mas preciso voltar para nossa filha.

Ele solta um gemido baixo e prolongado. — Você está certa,


— Ele concorda. — Ela precisa de você. Pode me ligar mais tarde?
Depois que ela estiver na cama? Ou ele vai ficar durante a noite?

— Ele não vai dormir lá.

— Então ligue para o meu celular mais tarde, quando puder.

— Tudo bem. — Eu cedo. — Ligarei para você... preciso


pensar sobre o que falamos. E você precisa desacelerar um pouco.

Ele ri. — Olhe para você com linguagem de fodona. É tão fofa.

445
Seu sorriso diminui um pouco a tristeza em meu coração, eu
o amo do jeito que ele está hoje – tão aberto com todas as suas
emoções, impulsivo e comunicativo. Um pouco agressivo? Sim. Está
tudo bem.

A questão é: quanto tempo ele ficará assim?

446
Capítulo 34
Piper

Minha vida sempre parece estar em algum estágio fodido. Eu


nem sei por quê. Acredito que sou uma pessoa normal tentando
viver uma vida normal. Fico na minha bolha. Tento fazer a coisa
certa. Faço o meu melhor para tratar bem os outros. Mesmo assim
sempre me encontro em posições estressantes nas quais não tinha
a menor intenção de entrar.

Como ter que enfrentar Josh em minha casa depois de ver


Blue.

Quando chego Lyric está no sofá com seu animal de pelúcia


favorito e cerca de cinco livros espalhados em seu colo. Josh está do
outro lado do sofá com seu laptop. Eu me ajoelho ao lado de Lyric e
beijo sua testa.

— Como está a minha garota? — Pergunto.

— Bolota foi para a ponte do arco-íris? — Ela pergunta


solenemente.

— Sim. Ele é um anjo agora.

447
Amanhã eu pretendo embrulhar o medalhão com a foto de
Bolota e seu pelo para lhe dar. Ela acredita em anjos e no céu. Eu
sei que significará muito. Vai adorar. Em sua mente simples e
inocente, acreditará que veio dele.

Ela pega um dos livros e aponta para uma menina tocando


uma harpa. — Eu quero fazer isso — diz.

— Ler esta história? — Pergunto.

— Não. — Josh fala fechando a tampa do seu laptop e


colocando-o de lado. — Ela quer tocar harpa.

— Posso mamãe?

— Uau, uma harpa? — Exclamo.

— Sim, como um anjo. — Ela responde.

Eu me pergunto se ela herdou os talentos musicais do pai e


mal posso esperar para descobrir. — Claro que você pode. Vou
descobrir onde conseguir uma. Quer ter aulas com um professor?

Ela balança a cabeça animadamente. — Sim.

— Ok. Pesquisarei assim que puder. É uma ideia muito boa.

Josh anda pela casa enquanto Lyric se prepara para dormir,


eu estou com medo das perguntas que sei que virão. Minha cabeça
dói de tanto chorar, estou exausta e deprimida por Bolota. A última
coisa que quero fazer é conversar com alguém neste momento. Só
quero me deitar na cama e fugir de tudo.

— Foi tranquilo? — Ele pergunta enquanto arrumo a sala de


estar e coloco os livros de Lyric de volta na estante. — Para Bolota?

448
A dor retorna ao meu peito quando a visão de Bolota
fechando os olhos pela última vez passa pela minha mente.

— Ele foi dormir. Foi muito rápido. E muito triste.

— Pelo menos não sofreu. Era um bom cachorro.

Assinto e vou para a cozinha com um copo vazio que estava


ao lado do sofá. Josh me segue e apoia o ombro no batente da porta,
observando-me encher a máquina de lavar louça.

— Ele apareceu? — Pergunta, tentando parecer casual.


Archie entra e se senta no meio do chão, observando-nos com uma
expressão presunçosa.

— Sim.

— E?

— E nós conversamos — respondo.

— Seu batom está manchado.

Eu automaticamente toco meus lábios e limpo os cantos.

— Eu estava chorando e assoando o nariz, Josh.

— E beijando.

Minha frustração aumenta. — Você vê um anel neste dedo?


Não. Estou num relacionamento com alguém? Não. Vocês dois me
colocaram em situações impossíveis, embaraçosas, por não
saberem o que querem? Não é verdade? — Eu o empurro passando
por ele quando volto para a sala de estar.

— Estava tentando ser paciente, convidando você para um


encontro de verdade, Piper.

449
— Eu sei e agradeço. Realmente agradeço. Me beijar saiu
totalmente fora dos planos e você sabe muito bem.

— Eu pensei que tivesse gostado. Que talvez se sentisse do


mesmo jeito.

— Eu gostei. E para ser sincera não sei bem como me sinto


sobre qualquer coisa ou sobre alguém no momento. Estava disposta
a ir a um encontro com você para ver como nos sentiríamos...
descobrir se poderíamos ser mais do que amigos.

— Estava? Como assim, não está mais?

— Não tenho a menor ideia! Vocês planejaram me deixar


mentalmente fodida? — Eu tiro um cobertor do chão e o dobro antes
de colocá-lo no encosto do sofá.

— Ele está tentando voltar?

— Eu não sei. — Passo as mãos pelos meus cabelos


exasperada. — Ele quer conhecer Lyric.

Josh balança a cabeça com incredulidade. — Sério? De


repente ele quer ser pai? O que fará? Ele a levará para uma festa?
A arrastará pela turnê? Passará um dia com ela e desaparecerá até
seu aniversário de dezoito anos?

— Todos os pontos são válidos — Concordo. — E serão,


definitivamente, considerados. Querendo ou não ele é o pai de Lyric
e não impedirei que minha filha o conheça. Não é justo. Ela se
ressentirá de mim algum dia se o fizer, gostaria de manter meu
relacionamento com minha filha em um lugar saudável para que
não acabarmos como eu e meu pai.

450
Ele atravessa a sala e pega o casaco do armário perto da
porta da frente. — Você está certa. Só não quero vê-la se machucar
novamente, Piper. Deixarei a bola do seu lado. Sua cabeça sempre
foi uma bagunça quando se trata dele. Pensei que toda essa merda
estivesse no passado, parece que estava enganado. Não é?

Sento-me no sofá, me sentindo derrotada e péssima. Não


quero ferir os sentimentos de Josh. É a última coisa que desejo.
Também não posso negar que no fundo, meu coração está
espreitando da escuridão esperando que Blue venha consertar todos
os seus pedaços quebrados.

— Não tenho certeza. Disse a ele a mesma coisa, para que


fique registrado. Também contei sobre você. Não estou jogando ou
mentindo para ninguém.

— Sei que não está. Não seria você. — Ele veste o casaco. —
Irei para casa. Ligo daqui a alguns dias.

— Obrigada por ficar com Lyric. Realmente significa muito


para nós.

— Sempre que precisar. — Ele diz enquanto sai pela porta


da frente. Imediatamente me levanto do sofá e tranco a porta, depois
sigo o corredor para meu quarto, verificando Lyric ao passar pelo
quarto dela.

A casa parece vazia sem Bolota. Mesmo que ele fosse um


cachorro quieto, há um silêncio estranho e solitário onde ele estava

antes.

451
— Você ligou. Estava começando a pensar que iria me
ignorar.

— Eu quase o fiz. — Admito, deitando-me na cama. Archie


faz uma pausa lambendo a pata para me encarar pela intrusão.

— Ouch. Honestidade brutal.

Suspiro de exaustão. — Sinto muito, é a verdade.

— Então, o que fez você decidir ligar?

Estupidez, provavelmente.

— Não queria deixar as coisas no ar. Fico louca quando


fazemos isso.

— Eu também. E nós fazemos muito.

— É definitivamente um padrão.

— Como está Lyric?

— Triste, mas aparentemente bem. Ela me falou quando


cheguei que quer aprender a tocar harpa.

— Harpa? Merda são muitas cordas para sintonizar. Você


acreditada que está falando sério?

— Lyric é sempre séria.

— Há uma garota que toca harpa em nossa turnê na


introdução da música. Eu poderia perguntar a ela quem pessoa
poderia dar aulas para uma criança de oito anos.

— Seria ótimo, pois não tenho nenhuma noção. Ela quer ter
aulas.

— Você me deixaria comprar a harpa e pagar pelas aulas?

452
— Você não precisa. Posso...

— Eu quero. Você tem que me deixar começar por algum


lugar, Piper. Sequer precisa dizer a ela, só, pelo amor de Deus,
deixe-me sentir que estou fazendo algo para a minha filha.

Minhas defesas começam a se erguer, não tenho certeza se


são válidas. De certa forma, ele está pisando no meu território e sou
protetora. Exceto por enviar cheques, ele nunca esteve envolvido na
vida de Lyric. Deixá-lo participar de decisões e pagar por coisas reais
levará algum tempo para me acostumar. Embora não seja
totalmente indesejado ou não apreciado é um terreno estranho para
nós. Lyric sempre foi apenas minha.

— Tudo bem — concordo — não estou acostumada com... se


quer pagar, tudo bem.

— Obrigado. O que você acha de eu conhecê-la?

Nossa. Ele não está fazendo nenhum rodeio hoje, está indo
direto ao ponto.

— Você realmente quer conversar sobre esse assunto agora,


neste exato momento?

— Sim.

Pensei levar a conversa lentamente, talvez falar sobre a


banda, meu trabalho e as coisas da vida rotineira antes de
mergulhar na visita a ela.

— Tem certeza de que é o que você deseja? Nunca quis vê-la


antes então me desculpe se pareço cética sobre sua vontade.

— Eu entendo por que se sente assim. Estou limpo e


tentando arrumar minha vida. Ela é minha família... quando penso
453
nisso, é pesado. Ela é provavelmente a única filha que terei, já tem
oito anos e mal a conheço. As fotos que você envia são ótimas, mas
quero vê-la, conversar com ela, sabe? Em pessoa. O que contou a
ela sobre mim?

— Nada.

— O que você quer dizer com nada?

— Nada. Ela perguntou se tinha um pai duas vezes, falei que


você se mudou para longe e ela nunca mais perguntou novamente.

Ele fica quieto por alguns instantes. — Ela ouve a minha


música?

— Blue, ela tem apenas oito anos. Não ouve músicas grunge
sobre sexo, mágoa, drogas e depressão. Ela não ouve muita música,
embora goste de Colbie Caillat e Britney Spears.

— Ugh. — Ele geme. — É horrível.

Eu ri. — Bem, é o que é. Ela é uma garota.

— Você realmente acha a minha música ruim?

— Eu não penso mal da sua música, sério. Tudo o que tenho


a fazer é ouvi-la para saber exatamente como você está se sentindo
a meu respeito — provoco.

Ele solta uma risada curta. — Engraçadinha.

— Sério amo sua música, apesar de não aceitar tudo sobre


você. Suas letras são profundas e cruas, é o tipo de música que eu
quero colocar no volume alto e dirigir a cento e quarenta quilômetros
por hora ouvindo, apenas aproveitando.

— Claro que sim, bebê. Assim que eu gosto.

454
— Preciso conversar com Lyric e lentamente, apresentá-la à
ideia de ter um pai. Não posso simplesmente dizer: Ei, adivinhe o
que aconteceu? Seu pai se materializou do nada e quer conhecê-la.

— Verdade. Não quero assustá-la. Quero que goste de mim.

— Você precisa entender que é tudo é novidade. Eu não a


apresentei a ninguém. O único amigo que ela conheceu foi Josh. Eu
sou um pouco louca como mãe, levo as coisas um dia de cada vez.
Felizmente, ela é muito descontraída e independente de muitas
maneiras, o que facilita a parte criação de filhos. Se fosse aquele tipo
de criança exigente, agressiva, dramática e pegajosa, provavelmente
eu seria uma falha completa no departamento materno.

— Não seja severa consigo mesma, Piper. Todos os pais vão


descobrindo o caminho aos poucos.

— Eu não sei. Como disse, ela geralmente é muito fácil,


mesmo assim um pai repentino surgindo em sua vida pode assustá-
la um pouco.

— Você estará lá, certo? A primeira vez que a vir?

— Claro. Não deixarei minha filha sair com um estranho.

Não é a melhor escolha de palavras.

— Ei, não sou tão estranho. — Ele brinca, balançando o


isqueiro no fundo.

— Eu não quis dizer como saiu, quero dizer que ela não o
conhece. Para Lyric, você é um estranho e nossa filha sabe que não
deve falar com eles ou sair com alguém que não conheça, por
qualquer motivo.

455
O dedilhar de seu violão flutua pelo telefone e o som
instantaneamente coloca um sorriso em meu rosto. Eu sinto falta
de ouvi-lo tocar.

— Sei que não foi o que você não quis dizer, Piper.

Eu sento e passo a mão pelo meu cabelo bagunçado. —


Quero te pedir uma coisa.

— Peça.

— Eu me sentiria melhor se esperássemos uns dois ou três


meses antes de você conhecê-la.

O dedilhar pausa, então começa novamente. — E qual seria


a razão? — Pergunta ele.

— Existem algumas. A primeira é que ela estará nas férias


de verão. Está indo muito bem na escola e não quero fazer nada que
possa atrapalhá-la. A segunda é que você disse que está limpo por
seis meses, considerando seu histórico, ficaria mais confortável se
estivesse limpo por mais alguns meses. Não estou tentando jogar o
passado na sua cara, Blue, só preciso ter cuidado. Não posso deixar
você ir e vir como uma porta giratória quando se trata de nossa filha.
Precisa ter cem por cento de certeza de que pode se comprometer
com algum tipo de relacionamento estável com ela.

O dedilhar para. — Eu realmente amo você, Joaninha. — Sua


voz é rouca e sonhadora.

Uma pequena risada escapa de mim. — Hum... é muito


meigo, apesar de também ser uma resposta completamente
aleatória ao que acabei de dizer.

456
— Eu sei. É como você a ama, como amava o Bolota, como
sempre me amou. É tão poderoso e intenso. Faz eu me sentir
sortudo e orgulhoso por você ser sua mãe. Tenho certeza que não
aceitará nenhuma merda.

— Não vou, Blue. Não quando se trata de Lyric.

— Então três meses serão. Terei tempo para tentar descobrir


como ser um pai legal.

— Você já é um pai legal. Ela ficará fascinada com seus


cabelos longos, suas tatuagens, todas as suas joias. Ela é muito
sensível, como você.

— Ela parece incrível. — Mal posso esperar para conhecê-la.

Ele parece verdadeiramente empolgado e sincero. Espero que


todas as porcarias de seu passado permaneçam no passado e não
retornem para arruinar as coisas para ele ou para ela.

Uma melodia fraca e errante preenche o silêncio por alguns


minutos. Fecho meus olhos e me perco nela, como costumava fazer.
Sou levada de volta ao parque, ao seu sorriso sexy, a quando me
apaixonei por ele. Gostaria que pudéssemos voltar àquele tempo.

— Eu também tenho que esperar três meses por você? —


Pergunta ele.

— Oh, Blue. — Eu digo com uma pequena quantidade de


exasperação. — O que farei com você?

— O que você quer fazer comigo?

Por onde começar? Tantas coisas...

— É uma pergunta difícil de responder. Eu tentei passar os


últimos três anos me desintoxicando de você. Disse que passou por
457
uma recaída, sentiu-se doente e deprimido? É assim que me sinto
também, tentando tirá-lo da minha cabeça, sem ligar como uma
psicopata, mandar e-mails desesperados, ou ficar pelos cantos
chorando por você.

— Bebê... não tinha ideia de que você estava passando por


tanta coisa. Nunca me contou que se sentia assim.

— Eu sinto. E não foi a primeira vez, também. Eu me deixei


entrar muitas vezes nesse lugar o que me faz me sentir uma tola.
Meus amigos e minha família pensam que sou uma idiota, um
capacho, por permitir que você volte para minha vida depois que
desapareceu pela primeira vez. E então você me machucou
novamente.

— Você não é um capacho, Piper. Nunca pensei em você


como um e nunca quis machucá-la. Eu estava fodido.

— Realmente não é uma boa desculpa.

— Eu sei, infelizmente é tudo que tenho. Não sei como fazê-


la entender que não sei o motivo de constantemente estragar as
coisas.

Eu quero puxar meu cabelo de frustração. — Como posso


confiar em você? Quando nem mesmo sabe que merda acontece na
sua cabeça? Por que deveria confiar em você com nossa filha?

— Porque estou tentando. E não deixarei as drogas e o álcool


bagunçarem minha cabeça. Sinto-me bem, Piper. Melhor do que já
estive em muito tempo. Estou escrevendo músicas novamente, nós
temos uma turnê agendada, a banda está se dando muito bem. As
coisas estão se encaixando.

458
— Fico feliz em saber, estou orgulhosa de você. Só não quero
me machucar de novo. Estou aterrorizada com a possibilidade.

— Eu sei que está e não a culpo. Só... não posso deixar você
ir. Pertencemos um ao outro.

Eu me pergunto, se o fato de nós dois nos sentirmos assim,


significa que está certo. Existe alguma regra cósmica dizendo que se
duas pessoas acreditam que devem estar juntas, devem ficar juntas,
não importa o que aconteça? Ou em algumas circunstâncias
precisamos nos afastar da pessoa com a qual acreditamos que
devemos estar? E se o fizermos... será que a sensação de sentir falta
de nossa verdadeira metade desaparece?

Eu gostaria que houvesse uma maneira de obter respostas


para minhas perguntas.

— Minha tia costumava dizer algo para mim quando eu era


mais jovem. — Ele diz suavemente. — Ela dizia, não ouça as vozes
em sua cabeça, ouça a voz em seu coração e sempre ficará bem. É o
que estou tentando fazer.

A voz no meu coração sempre falou o nome de Blue. Sempre.

Eu seguro a pulseira de contas no meu pulso, a apenas


alguns centímetros de distância da minha tatuagem de joaninha e
uma das minhas lembranças favoritas surge em minha mente:

— Há uma lenda dizendo que se um homem e uma mulher


virem uma joaninha ao mesmo tempo, eles se apaixonarão e estarão
destinados a ficar juntos para sempre?

— Não... eu não sabia.

— Olhamos para a sua joaninha ao mesmo tempo.

459
— A minha não conta. É uma tatuagem. Não é uma joaninha
de verdade.

— Desconfio que iremos descobrir, certo?

Essa conversa divertida selou nosso destino? Nós realmente


sabemos quando acontece? Existe um momento no qual sabemos
que determinada pessoa é o nosso para sempre?

— Podemos ir devagar? — Eu pergunto. — E ver como as


coisas acontecem?

— Nós podemos tentar Joaninha. Embora você saiba que não


existe nada lento conosco.

Pode ser verdade, no entanto, farei o que puder para manter


tudo a passos de tartaruga com ele.

460
Capítulo 35
Piper

— Ooh nós vamos para lá. — Diz Dee enquanto caminhamos


do nosso pequeno restaurante italiano favorito para o meu carro.

— Aonde? — Sigo seu olhar embriagado. Ela tomou algumas


taças de vinho durante o jantar e preciso levá-la para casa. Sua
atenção está fixa em uma casa vitoriana decadente com uma grande

placa escrita Vidente piscando em neon amarelo na janela.


Agarro seu braço e tento puxá-la para o carro. — Você está
louca? — Rio. — Nós não vamos entrar lá. Está tarde.

Ela me puxa de volta. — Venha, será divertido! Eu sempre


quis ir, só para ouvir o que elas dizem. O sinal de aberto está aceso
na porta.

— Ela dirá: ooh eu vejo um homem, vinho e muito sexo em seu


futuro, depois cobrará cinquenta dólares.

— E daí? Será divertido. Eu pagarei para nós duas. —


Colocando meu braço no dela, me conduz até a calçada, esperamos
por uma brecha no trânsito, então atravessamos a rua.

461
— Que lugar assustador. — Falo, olhando para a pintura
descascada e as persianas verdes tortas. — Eles podem fazer tráfico
sexual, a placa de Vidente serve apenas como fachada.

— Duvido. Eu tenho uma arma na minha bolsa, se algo ruim


acontecer a empunho e você corre para pedir ajuda.

— Ótimo plano. Já me sinto muito mais segura.

Subimos as escadas de pedra gastas, apertamos a


campainha brilhante e esperamos. Alguns segundos depois, uma
senhora, com enormes brincos de argola de ouro, um estojo inteiro
de sombra nos olhos e cerca de dez colares de ouro pendurados no
pescoço, atende.

— Vocês, senhoras, devem estar aqui para uma consulta.

Eu me aproximo mais de Dee e sussurro em seu ouvido. —


Uau, ela lê o presente! Sabe por que viemos!

Ela me dá uma cotovelada no estômago e responde à mulher.


— Sim, adoraríamos ter uma consulta.

— Entrem. — Ela abre a porta e nós entramos em uma sala


escura. Fotos de tigres em molduras incompatíveis revestem as
paredes. Estão tortas e tenho vontade de arrumar todas. Nós a
seguimos através de uma cortina de contas para outra sala.

— Por favor, sentem-se. — Ela aponta para duas surradas


poltronas de tecido diante de uma mesa de madeira coberta de velas,
estátuas, cartas de tarô e cristais. Cones de incenso estão
queimando em uma estante no canto. Dee e eu sentamos enquanto
a mulher acende um pacote de sálvia antes de se sentar na cadeira
rasgada atrás da mesa. A sala tem o mesmo cheiro adocicado de

462
quase todos os objetos na Headlines, uma das minhas lojas locais
favoritas para comprar joias de prata e as estatuetas de fadas que
Lyric coleciona.

— Meu nome é Loretta. Vocês duas gostariam de ler sua


sorte?

— Sim. — Respondemos ao mesmo tempo, por dentro fico


imaginando: ela já não deveria saber a resposta?

— Vocês gostariam das leituras em particular ou juntas?

Dee e eu nos entreolhamos e depois respondemos ao mesmo


tempo. — Juntas.

— Muito bem. Minha taxa é de cinquenta dólares por leitura.

Cinquenta dólares!

— Você aceita cartão de crédito? — Dee pergunta, pegando


sua carteira.

— Aceito.

Dee lhe entrega um cartão de crédito. — Pagarei para nós


duas.

— Obrigada. — Eu sussurro enquanto Loretta passa o


cartão. A mistura de incenso e sálvia queimando está enchendo a
sala com uma fumaça que faz cócegas no meu nariz, me deixando
com vontade de espirrar.

A vidente devolve o cartão e me observa enquanto Dee assina


seu nome no recibo. Tenho certeza de que ainda estou com cara de
quem quer espirrar.

— Você está interessada, embora ainda cética. — Loretta diz.

463
Eu concordo. — Sim. — O comentário dela não significa que
esteja lendo minha mente. Tenho certeza de que todos que entram
aqui estão interessados e céticos. Seus talentos ainda precisam ser
comprovados.

— Vamos ver se podemos mudar seu pensamento — diz. —


Quem quer ir primeiro?

— Eu! — Dee fala.

— Dê-me suas mãos, amor. — Loretta usa quase toda a mesa


para alcançar e colocar as mãos de Dee nas dela.

— Você precisa do meu nome e data de nascimento? — Dee


pergunta.

Loretta sorri. — Não, não é necessário para uma leitura.

Nós duas observamos em silêncio enquanto Loretta esfrega


os polegares nas palmas das mãos de Dee. A vidente fecha os olhos,
mostrando as pálpebras azuis e roxas.

— Você trabalha com as mãos — Loretta afirma.

Não trabalhamos todos? Não podemos fazer muita coisa sem


usar nossas mãos.

— Sim. — Confirma Dee.

— Você se estabeleceu recentemente. Eu vejo amor pela


primeira vez.

— Verdade.

— Eu vejo muitas mudanças chegando para você. Um


casamento.

— O meu? — Dee praticamente grita.

464
Loretta sorri. — Sim. O seu. Você não usará branco.

—Estou chocada! — Provoco, o que faz com que Loretta me


dê uma rápida olhada.

— Sinto muito. — Sussurro.

— Uma criança entrará em sua vida. Em breve.

— Não, eu não. — Diz Dee. — Não temos planos de ter filhos.

— Eu não disse que seria seu. — Loretta esclarece e a boca


de Dee se abre.

— Bem, então, de quem é? — Dee pergunta.

— Eu não posso dizer querida. Só que mudará sua vida.

— Isso é um eufemismo. O que mais você vê? Eu me casarei


com Billy, certo?

— Não consigo ver nomes ou rostos. Se ele for seu verdadeiro


amor, então sim.

— Bom. Ele é.

— Alguém está cuidando de você. Um homem mais velho com


óculos escuros. Ele a ama muito.

— Meu avô!

Loretta acena com a cabeça. — Ele diz para ser paciente. Seja
aberta com seu coração.

— Oh meu Deus, ele era assim!

— Sua irmã precisará de seu apoio em breve. Você terá que


colocar seus sentimentos de lado para ajudá-la.

Aha! Falhou! Dee é filha única.

465
— Eu não tenho uma irmã.

Loretta abre os olhos. — Ela está sentada bem ao seu lado.


Irmãs vêm de muitas formas.

Merda. Com que merda precisarei de apoio?

— Espere. — Eu falo. — O que vai acontecer comigo?

Dee toca meu braço. — Somos irmãs. Estarei sempre com


você, não importa o que aconteça.

— Nós já conversaremos. — Loretta diz para mim.

— Vamos fazê-lo agora! Estou feliz com minha leitura. Muito


obrigada. — Dee afirma puxando suas mãos das de Loretta.

— Dê-me suas mãos, querida. — Loretta estende a mão para


mim, porém não tenho mais certeza se quero que as leia. Meu
coração está batendo forte, minhas mãos estão suando e ainda
quero espirrar.

— Eu não sei... — gaguejo.

Dee esfrega meu braço. — Piper, não tenha medo. Você ficará
bem.

Relutantemente, coloco minhas mãos na de Loretta. Uma


energia quente flui pelos meus braços e meu peito.

— Você está esperando há muito tempo. — Diz a vidente. —


Por amor e felicidade.

— Não é verdade. — Dee exclama.

— Shhh... — Eu a calo.

— Você tem um bom coração.

— Obrigada.
466
— Esteve em uma jornada. Tentando encontrar a pessoa que
você ama.

Eu concordo.

— Você o encontrou, no entanto ele não se encontrou.

— O que isso significa? — Pergunto.

— Ele está confuso, seus pensamentos nem sempre são dele.


Deve ser paciente com ele.

— Eu sou. Sempre fui.

— Eu vejo uma família. Com você e ele. Ele não será um bom
pai.

Meu coração afunda. — Como assim?

— Há muitas mudanças chegando. Muitas decisões terão


que ser tomadas. Eu vejo viagem, diversão e fortuna. Vejo chaves e
anéis. Há uma casa de livros e penas.

Minha mente gira. — Chaves? Como as chaves de uma casa?

— Talvez. — Ela responde. — Haverá doença. Eu vejo uma


nuvem escura de morte se aproximando. Não é bom.

Eu puxo minhas mãos. — Eu não quero mais ouvir. — Digo,


quase chorando. — É ridículo.

— Ela não está morrendo, certo? — Dee pergunta. — Diga


que ela está bem.

Loretta balança a cabeça sombriamente. — Todos nós


morremos de maneiras diferentes. E estamos todos bem de
diferentes maneiras.

467
Levanto-me, quase derrubando a cadeira em uma estante
cheia de mais velas e estátuas de anjos e demônios. — Isso é
besteira. Vamos, Dee.

— Eu sinto muito. — Dee pede desculpas. — Piper é muito


emotiva.

Loretta concorda com a cabeça, desconcertada. — Algumas


coisas são difíceis de ouvir. Não estou aqui para mentir. Tenho mais
uma coisa para lhe dizer.

— Que ótimo. — Digo sarcasticamente.

— Tem um cachorro marrom i com você. Ele está me


mostrando um brinquedo preto e branco, levando-o para sua cama.

Suas palavras me levam ao limite. Explodindo em lágrimas,


eu pego a mão de Dee e a arrasto para fora da velha casa. O ar frio
me atinge como uma parede e respiro profundamente, esperando
tirar as coisas ruins que passam pela minha mente.

— Oh meu Deus, Dee. Que merda foi essa? — Pergunto


quando chegamos à calçada. — Você acha que estou morrendo?
Acha que estou doente?

— Querida, não. Ela é apenas uma velhinha maluca. Algo


para a gente se divertir. Não é real.

— Sério? Ela mencionou Bolota! E o pinguim dele!

— Ela poderia adivinhar. A maioria das pessoas já teve cães


em algum momento de suas vidas, um parente ou amigo já tiveram.
Não é específico o suficiente.

468
— Eu não sei... — Digo passando os dedos pelas lágrimas
que estão queimando meus olhos e escorrendo por minhas
bochechas. — Foi assustador como o inferno. Estou tremendo!

— Piper, ela disse que eu terei uma criança. Não é um


exagero? Você me conhece. Eu nunca terei um bebê.

Balanço a cabeça. — Não, ela não foi o que ela falou. Falou
que uma criança entrará em sua vida. Talvez eu morra e você ficará
com a custódia de Lyric!

— Oh meu Deus, por que eu teria a custódia de Lyric? Ela


não iria para o pai dela ou para seus pais? Você tem um testamento
me nomeando sua guardiã?

— Não! Você nem gosta de crianças! Por que a deixaria com


você?

Ela franze a testa. — Eu gosto de Lyric. Cuidaria dela por


você, porque a amo.

— Puta merda! Você acha que é o que vai acontecer? Que eu


tenho uma doença? Deveria procurar um médico? Talvez possa me
tratar.

Ela agarra meus braços e me sacode. — Piper! Acalme-se.


Você não está morrendo. É totalmente saudável e linda.

— Ela realmente me assustou.

— É o trabalho dela.

— Ela não disse coisas estranhas para você!

— Não, acho que faz parte do jogo. Ela diz a uma pessoa
coisas boas e depois coisas ruins à outra, para fazer drama. Sabe o

469
que eu penso? Ela quer que a gente fale com nossos amigos para
que eles venham também. Para ganhar mais dinheiro.

— Eu não posso acreditar que você acabou de pagar


cinquenta dólares para alguém bagunçar a minha cabeça!

Atravessamos a rua e nos dirigimos para o meu carro no


estacionamento vazio. — Eu não sabia. Pensei que seria divertido.
Sinto muito, Piper.

Abro as portas do carro com minha chave e entramos.


Pegando um lenço no porta-luvas, limpo meus olhos e assoo o nariz.

— O que ela disse mesmo? — Eu pergunto. — Mudanças?


Chaves e viagens?

— Eu sequer me lembro. Aquele incenso estava me deixando


chapada. Minha cabeça parece que está flutuando.

— A minha também. Será que ela nos drogou?

— Não seja idiota. Não acredito que se possa drogar alguém


com incenso.

Esfrego minhas mãos uma na outra. — Senti minhas mãos


quentes e vibrantes. Talvez ela tivesse algum tipo de droga em suas
mãos?

Dee revira os olhos. — Pare com isso. Sua imaginação está


correndo solta. Não me faça bater em você. — Ela brinca. — Dou-
lhe uma surra se for necessário.

— Não é engraçado, Dee. Posso estar morrendo.

— Estou apenas tentando fazer você rir. E em nenhum


momento ela falou que você estava morrendo.

470
— Então pode ser alguém próximo de mim. Não você, porque
aparentemente me apoiará. — Eu ligo o carro e dou ré, saindo do
estacionamento. — Você acha que é Lyric? — Meu coração gruda no
meu peito.

— Não, eu não acho.

Blue. Deve ser Blue.

— Bem, se não sou eu, então deve ser de Blue que ela estava
falando.

— Piper... se Blue fosse morrer ele já estaria morto. Ele foi


encontrado em um deserto há alguns anos sem comida, água ou
qualquer coisa, lembra? E vem usando drogas há anos. Ele está
bem.

— Eu não sei. Fiquei preocupada.

— Não fique. As coisas estão indo bem. Você está tão feliz.

— E se ela estiver certa?

— Quero que você pare de pensar nela. Ninguém está


morrendo. Ela estava representando um papel e sabe exatamente o
que dizer para abalar as pessoas. Eu vi na televisão com um famoso
vidente. Eles mostraram como ele interagia com o público e como
levava as pessoas a acreditarem nele. É uma lavagem cerebral, é
tudo.

— Você acredita realmente?

— Eu sei que sim.

— Sinto que deveria devolver seus cinquenta dólares.

471
Ela gesticula com a mão para mim. — Pare com isso. Você
pagou o jantar. Estamos quites.

— Você acha que é errado querer acreditar na parte do


Bolota? Eu gosto da ideia de ele estar perto de mim.

— Você não precisa que nenhum vidente louco te fale sobre


ele, Piper. Assim como acredito que meu avô está cuidando de mim,
acho que Bolota está com você.

Minhas mãos ainda estão tremendo por causa das palavras


da vidente quando solto Dee e pego Lyric.

— Obrigada por ficar com ela. — Agradeço a Billy, puxando


minha filha para um abraço. O que aquela cartomante falou, não
significa que algo acontecerá com Lyric.

— Sempre que precisar. Nós jogamos videogame. — Ele


responde. Dee tira os sapatos e se acomoda no sofá ao lado dele,
beijando sua bochecha.

— Ligo para você amanhã. — Dee fala enquanto sigo para a


porta da frente. — E lembre-se do que eu falei!

— O que a tia Dee falou? — Lyric pergunta a caminho do


carro.

Coloco minha mão levemente na cabeça dela. — Nada,


querida. Conversa de adulto.

— É sobre eu encontrar meu pai na próxima semana?

— Não, mas estou muito animada com o encontro.

Ela sorri para mim. — Eu também! Tenho um presente para


ele, é um segredo.

472
— Acho que ele gostará muito.

Daqui a uma semana, um dos meus sonhos se tornará


realidade. Minha filha finalmente conhecerá seu pai. Passei os
últimos dois meses e meio tendo conversas curtas e divertidas com
Lyric, lentamente tentando explicar que Blue e eu nos conhecemos
quando éramos muito jovens e que ele precisou se mudar, como eu
não tinha seu endereço, não pude avisá-lo para que ele soubesse
que tinha uma linda filha. E como finalmente nos encontramos
novamente. É difícil explicar uma relação tão complicada para uma
criança, porém ela aceitou muito bem e não passou de curiosa e
empolgada. A última coisa que desejo é que sinta como se Blue não
a quisesse ou a tivesse abandonado.

Dee está certa, eu preciso esquecer os comentários estranhos


da vidente e concentrar meus pensamentos nas coisas boas que
estão acontecendo na minha vida com Lyric e Blue.

473
Capítulo 36
Piper

Lyric e eu encontraremos Blue no parque. Nosso parque. Foi


ideia dele e parece certo – voltar ao lugar em que nos conhecemos.
O parque é público e um lugar familiar onde Lyric se sente segura e
confortável. Como é próximo de sua escola a levo lá de vez em
quando, pois adora os balanços. Houve momentos, porém, em que
evitei este parque quando estava triste ou com raiva de Blue.

Esses dias estão no passado e espero que fiquem lá. Hoje se


trata de recomeços.

Blue já está esperando em nossa velha mesa de piquenique


favorita, com seu violão e uma harpa celta. Lyric aperta minha mão
à medida que nos aproximamos e posso sentir a excitação e o
nervosismo emanando dela.

— Mamãe, aquele é realmente ele?

Sorrio para ela. — Sim, é ele. — Blue parece adorável em


uma calça jeans, botas pretas de combate, uma camisa branca, uma
jaqueta jeans velha e desbotada. Seu cabelo escuro cresceu
bastante e está bem abaixo dos ombros.

474
— Ele tem um violão e... uma harpa. — Sua voz é suave e
sussurrada com admiração.

— Ele tem mesmo.

Blue voou em um avião fretado na noite passada e insistiu


em trazer com ele a harpa que comprou para Lyric, queria entregar
a ela pessoalmente. Meu primeiro pensamento foi dizer não. Eu não
queria que tentasse comprar a aceitação de Lyric ou estragá-la
desde o primeiro dia. Então percebi que era sobre música para ele.
Sua paixão. Dar à filha seu primeiro instrumento musical é muito
mais que um presente. Ele espera que compartilhem um talento algo
que os ajudará a se relacionar.

Eu também espero.

Ele sorri nervosamente quando nos aproximamos, se levanta


para me dar um abraço rápido e amigável, que parece incrivelmente
estranho, considerando-se que este homem percorreu cada
centímetro do meu corpo várias vezes. Lyric segura minha mão com
mais força e a aperto tranquilizando-a.

— Lyric, este é seu pai. Seu nome é Blue.

— Como a cor? — Ela pergunta.

Eu sorrio. — Sim, como a cor.

Ela estica o pescoço para olhar para ele. — Você é muito alto.

Lyric definitivamente herdou meus genes. Ela é mais baixa


que todos os colegas e parece muito mais nova que a maioria deles.

Blue se ajoelha diante dela e pisca carinhosamente.

— Assim está melhor? — Ele pergunta.

475
Ela balança a cabeça, sorrindo timidamente. — Muito
melhor.

— Estou muito feliz por finalmente conhecê-la, Lyric. Você


tem um nome lindo.

— Obrigada.

— Vamos nos sentar? — Sugiro, sentindo um pouco da


inibição entre eles. Blue me dá um sorriso agradecido quando nos
sentamos no banco de madeira. Aquece meu coração quando Lyric
decide se sentar entre nós.

— Você tem um brinco. — Observa Lyric, apontando para a


pena que ainda balança na orelha de Blue. Eu não posso acreditar
que durou tantos anos.

— É a pena de um pássaro de estimação que eu tive.

Isso naturalmente a fascina. — Você tinha um pássaro de


estimação? Ele não voou para longe?

Ele concorda. — Aves são ótimos animais de estimação e não,


ele não voou para longe.

— Por quê?

— Acredito que ele não sabia que podia.

Ela ri. — Que bobo. Todos os pássaros voam. — Ela se vira


para mim. — Certo mamãe?

— Normalmente, no entanto é possível que alguns não. Ou


talvez eles simplesmente não queiram.

— Ouvi dizer que você quer aprender a tocar harpa. — Blue


diz, aproximando a harpa. É maior do que imaginei, pouco mais de

476
um metro de altura e feita de uma bela madeira bordo de tigre. —
Eu tenho uma amiga que toca harpa e ela me falou que esta seria
perfeita para você. Era dela quando era adolescente.

Lyric olha para a harpa com os olhos arregalados. — É para


mim?

— É... e adivinhe?

— O quê? — Ela pergunta animada.

— Ela me ensinou a tocar Twinkle, Twinkle Little Star17',


então eu posso te ensinar.

O olhar de surpresa no rosto de Lyric quase faz meu coração


explodir de felicidade.

— Você pode tocar para mim? — Ela pergunta.

Sorrindo, ele puxa a harpa para mais perto dele. Coloca as


mãos grandes nas cordas e toca uma versão angelical,
absolutamente bela, da simples canção de ninar. Seus dedos
tatuados se movendo sobre o instrumento elegante é algo
incrivelmente sexy. Eu não deveria ter esses pensamentos no
momento, droga, é impossível evitar. Ele exala sensualidade por
todos os poros. Quero beijá-lo intensamente, porém nós
concordamos em não ter muitos beijos na frente de Lyric até que ela
se sinta confortável com ele.

— Foi lindo. — Digo quando ele termina. — Embora não


esteja surpresa.

17
Brilha, brilha estrelinha

477
Ele solta um assobio baixo. — Eu estou. Não sou acostumado
com todas estas cordas.

— Você pode me ensinar agora? — Lyric pergunta. — Assim


como acabou de tocar?

— Claro que eu posso. Aposto que você tocará ainda melhor


do que eu.

Eu observo em silêncio, enquanto ele mostra para Lyric como


posicionar a harpa em seu ombro, como colocar as mãos nas cordas
e tocá-las corretamente. É uma música fácil e ela pega rapidamente,
tocando surpreendentemente bem. Ver Blue e Lyric juntos é como
um sonho. Está claro que ela gostou dele e se sente a vontade. Ela
não se afasta quando ele guia seus dedos para as cordas certas e
não olha para mim para pedir consentimento. Eu nunca vi Blue
interagir com uma criança antes e, para ser honesta, me preocupei
que ele fosse ficar estranho, quieto e mal-humorado, está se saindo
bem melhor do que eu poderia ter esperado.

Após a aula de harpa, Blue toca algumas músicas em seu


violão a pedido de Lyric que está totalmente apaixonada por ele
quando termina. Algumas pessoas que andam pelo parque param
para ouvi-lo, não acredito que o reconheceram como o vocalista de
uma banda de rock popular.

— Eu quero tocar como você algum dia. — Lyric diz em voz


alta. — Só na harpa com as cordas para cima e para baixo e não do
outro lado do violão.

— Acho que você será uma harpista incrível — ele afirma. —


Vai precisar praticar muito. Quase todos os dias se possível. Daí em
diante o instrumento se tornará uma parte de você.
478
— Como Blue foi legal e trouxe a harpa, eu encontrei uma
professora que v ensinará a tocá-la. Você pode começar a ter aulas
dentro de duas semanas.

— É como se fosse natal. — Ela exclama. — Um pai, uma


harpa e lições. Mal posso esperar para contar ao tio Josh!

O sorriso de Blue vacila e me encolho por dentro. Josh ainda


é um assunto delicado, como ele é parte de nossas vidas Blue terá
que aceitar, quer goste ou não.

Josh e eu nunca tivemos um encontro. Talvez nós dois


soubéssemos que não funcionaria para nós. Talvez porque Blue e
eu passamos quase todas as noites ao telefone juntos, lentamente
nos apaixonando novamente.

Seja qual for o motivo, parece que todas as peças estão


finalmente se encaixando nos seus devidos lugares.

Depois de colocar os instrumentos no meu carro, passeamos


pelo parque e paramos para deixar Lyric brincar nos balanços. Blue
coloca o braço ao meu redor e beija o topo da minha cabeça
enquanto observamos Lyric balançar as pernas para cima e para
baixo, voando alto em direção ao céu e sorrindo para nós.

— Ela é incrível. — Você acha que gostou de mim?

Envolvo meus braços ao redor de sua cintura e o abraço. —


Acho que ela é louca por você, assim como eu.

— Sinto-me o homem mais sortudo do mundo. No entanto é


uma tortura não poder beijar você.

— Eu sei. Amanhã a noite teremos algum tempo juntos e


sozinhos.

479
Ele me puxa para mais perto, sua mão aperta meu quadril.
— Mal posso esperar. Tem sido um longo ano e três meses.

Tem. Nós não nos vimos desde aquela noite no


estacionamento, compartilhamos muitas conversas telefônicas
tarde da noite que variaram de profundas a sérias, de meigas a
sensuais. Tive a sorte de acordar com alguns e-mails românticos e
eróticos, que foram formas malvadas de preliminares provocantes,
o que tenho certeza ser parte de um plano dele para me deixar louca.

Nós jantamos em um restaurante local tranquilo, depois levei


Blue de volta para o hotel Marriott a poucos quarteirões do parque.

— Você se divertiu? — Blue pergunta, virando no banco do


passageiro para conversar com Lyric.

— Sim. Ainda o verei amanhã?

— Sim. Irei para sua casa.

— Posso mostrar meu quarto?

Ele sorri. — Eu adoraria ver seu quarto. Você pode me


mostrar onde guardará sua nova harpa.

— Como devo chamar você? — Ela pergunta.

Blue me procura por orientação e dou-lhe um aceno sutil.


Quero que ele seja capaz de tomar suas próprias decisões com ela.

— A escolha é sua. Pode me chamar de papai... ou pode me


chamar de Blue. — Ele estende a mão para o outro lado do banco e
segura minha mão na coxa enquanto me viro no banco para ver
melhor as coisas.

480
Lyric está mergulhada em pensamentos, sua pequena boca
curvada para o lado. — Quero chamá-lo de Blue. — Finalmente
anuncia. — É a minha cor favorita.

— A minha também. Verei minhas duas lindas damas


amanhã. — Ele se abaixa e me dá um beijo rápido que me deixa
querendo mais. — Eu ligo mais tarde?

Concordo com a cabeça, desejando que ele não tivesse que


ficar no hotel e pudesse vir para casa conosco, estou determinada a
dar um bom exemplo para nossa filha, embora meu corpo não esteja
exatamente de acordo com meu plano.

— Você me ligará mais tarde também? — Lyric pergunta o


que coloca o maior sorriso no rosto de Blue.

— A que horas você vai para cama, querida?

— Às nove normalmente.

— Ligarei para você antes para lhe desejar boa noite.

— Então? — Pergunto, olhando para Lyric pelo espelho


retrovisor a caminho de casa. — O que você está pensando, querida?
— Ela está quieta desde que Blue saiu do carro, o que pode ser bom
ou ruim.

— Eu gosto dele. Não é o que eu imaginei como pai. Acho que


pode ser melhor. Ele parece alguém da televisão.

— Ele gosta muito de você. Ele me disse.

— Eu gosto do cabelo dele e do brinco. E todas as suas


tatuagens. Ele é muito bonito.

Eu tento abafar uma risada. — Também acho que ele é


bonito de se ver.
481
— Não posso acreditar que ele me deu uma harpa de verdade,
mamãe. Vou realmente ter aulas?

— Claro. Tudo o que tenho a fazer é ligar e marcar os


horários.

— Tudo bem se eu não o chamar de pai, como as outras


crianças fazem? Eu gosto mais de Blue.

— Querida, você pode chamá-lo de Blue se quiser. Nós não


vamos forçá-la a chamá-lo de pai.

— Ele continuará sendo meu pai de agora em diante?

Suas palavras queimam meu coração. Ela não deveria ter


que se preocupar se ele deixará a vida dela. As meninas devem poder
confiar em seus pais com todo coração e alma. Pelo menos eu
pensava assim, até que meu pai me renegou por uma gravidez não
planejada e ainda se recusa a esquecer. Espero que Blue possa ser
melhor.

— Ele sempre será seu pai, virá vê-la o máximo que puder.
Não serão todos os dias, porque ele mora em outro estado e viaja
muito, ele me disse que virá sempre.

— Todos nós não deveríamos morar juntos? Agora que você


o encontrou? Vocês são divorciados?

Deus. Por que ela não fez essas perguntas enquanto ele ainda
estava no carro?

— Bem, nós nunca nos casamos, então não podemos nos


divorciar. Lembra que eu disse que ele faz parte de uma banda e
precisa viajar para fazer shows? Por isso que não podemos viver
juntos.

482
— Mas ele virá me visitar?

— Tenho certeza que sim.

Caramba, estou feliz por ela não ser do tipo questionadora,


tentar encontrar respostas de supetão é como estar no banco de
testemunhas. Nem sei se dei as respostas certas. Quero que Lyric
se sinta segura, também não quero pintar uma imagem irreal para
ela. Conheço Blue. Mesmo que ele tenha estado ótimo nos últimos
meses, sou cautelosa quando se trata dele, pode voltar a ser como
era a qualquer momento e desaparecer em uma de suas
caminhadas.

Exatamente às 8h45, o telefone da minha casa toca e Lyric


pula do sofá, assustando Archie, que corre para se esconder no
corredor. Provavelmente se vingará vomitando no meu tapete.

— Eu atendo! — Ela grita, correndo para pegar o telefone na


cozinha. Alguns segundos depois, passa pela sala de estar a
caminho de seu quarto, conversando. Eu dou a ela alguns minutos
de privacidade antes de dar uma olhada. Ela está sentada em sua
cama contando a Blue tudo sobre um programa de TV que
estávamos assistindo antes de ele ligar.

— Você quer falar com a mamãe agora? — Ela pergunta. —


Ok. Eu o vejo amanhã. Boa noite. — Ela segura o telefone. — Ele
quer falar com você.

Adorável.

— Ok, vá se preparar para dormir. — Eu me abaixo para


beijá-la e pego o telefone em sua mão.

—Boa noite, mamãe. Eu te amo.

483
— Eu também te amo.

— Porra... é tão louco, surreal. — Blue diz do outro lado


enquanto ando pelo corredor até o meu quarto, entro e fecho a porta.

— Você está bem? — Pergunto. — Sei que é muita coisa para


absorver.

— Sim. É uma loucura ter essa garotinha querendo falar


comigo.

— Você está bem com isso?

— Sim. Ela é tão fofa. É como uma pequena versão sua. —


Ele suspira. — Só me surpreende que seja minha. Demorará um
pouco para eu me acostumar. No momento sinto que estou
sonhando com tudo.

— Logo depois que você saiu do carro, ela começou a me fazer


perguntas. Queria saber se você seria seu pai a partir de agora.

— Merda. Eu sou tão idiota, Piper. — Sua voz se aprofunda.


— Estraguei tanto não estando por perto.

— Blue não podemos mudar o passado. Esteja aqui a partir


de agora. É tudo que você pode fazer.

— Eu estarei. Prometo bebê. Não a machucarei. Prefiro


perder meu braço.

— Ela perguntou sobre nós morarmos juntos também.


Aparentemente quer que sejamos como as famílias que ela vê na TV.
Eu falei que você precisa viajar muito.

— Descobrirei algo, um jeito de encaixar vocês na minha


agenda. Prometo. Posso fazer.

484
— Viveremos um dia de cada vez. Não quero que se sinta
pressionado. Eu sei que não se tornará um homem de família
instantaneamente.

— Eu sei, só que, depois de passar o dia com vocês duas... É


como se de repente eu passasse por uma porta e encontrasse um
mundo totalmente novo. E é assustador como o inferno, embora
tenha gostado. Reece me disse que uma vez que quando eu
realmente a conhecesse, tudo mudaria e ele estava certo.

Sento-me no chão com as costas apoiadas na cama e Archie


imediatamente se deita no meu colo. — Eu gosto de ouvir você tão
feliz. — Digo baixinho. — E estou aliviada por vocês dois terem se
dado tão bem.

— É estranho. Sinto que sempre a conheci. Você acha que é


uma coisa de pai? Como um instinto?

Solto uma risada alegre. — Sim, acredito que pode ser.

— Sei que passei o dia todo com você, mas sinto sua falta.
Não conseguirei ficar sem tocá-la. Não vou apalpá-la na frente dela
nem nada, você sabe como me sinto quando estou com você, bebê.
Preciso tocá-la e beijá-la ou fico maluco.

— Tudo bem. — Respondo, sorrindo de orelha a orelha. —


Amanhã podemos nos tocar um pouco mais na frente dela se você
for discreto.

Sua risada sensual e profunda flutua pela linha. — Nunca


serei discreto, bebê. Tentarei fazer o meu melhor.

Não acho que iria querê-lo de outra maneira.

485
Capítulo 37
Piper

Lyric está debruçada sobre o encosto do sofá ao lado de


Archie, olhando pela janela da frente faz meia hora, esperando Blue
chegar.

— Ele está aqui! — Ela grita. — Posso deixá-lo entrar?

— É claro. — Eu me divirto com a forma como ela corre para


a porta da frente e a abre. Sou obrigada a fazer o mesmo. Faz anos
desde que ele veio na minha casa, desta vez não o deixarei sair para
fazer qualquer coisa. Poderia até amarrá-lo na cama.

Blue está de pé na porta com um buquê de flores numa mão,


um grande urso de pelúcia debaixo do braço, uma bandeja de cafés
na outra mão e uma sacola de papel marrom debaixo do outro braço.

— Nossa quanta coisa! — Eu falo, correndo para pegar as


bebidas e a sacola marrom, enquanto ele entra.

— Este é para você. — Entrega o urso para Lyric, em seguida,


estende as flores para mim. — E estas para você.

— Eu amo ursos! — Lyric anuncia. — E mamãe está sempre


dizendo que nunca recebe flores, como as mulheres em seu
escritório.

486
Blue se inclina para dar um beijo na minha bochecha
ruborizada. — Fico feliz que ninguém esteja lhe enviando flores. —
Ele sussurra.

— São lindas. — respondo. — Foi fácil encontrar a casa?

— Sim, sem problema nenhum. — Ele corre o olhar através


da sala de estar. — Casa legal. Você sempre gostou de muitas cores.
Todas as minhas paredes são brancas.

— Aprendemos na aula de artes que branco é a ausência de


cor. — Diz Lyric e Blue concorda.

— Concordo plenamente.

— Colocarei minhas flores coloridas em um vaso. Vocês dois


querem vir para a cozinha?

— Eu realmente trouxe as rosquinhas desta vez. — Ele


brinca enquanto me segue.

Eu dou um olhar de zombaria e pego um jarro no armário


debaixo da pia. — Muito engraçado. Estava pensando que talvez
tivesse que encontrar uma maneira criativa de prendê-lo, para que
você não possa desaparecer novamente.

Um indício de maldade brilha em seus olhos. — Estou


olhando para ela. — Diz ele em voz baixa ao pegar as bebidas da
bandeja.

— Você gosta de chocolate quente? — Ele pergunta,


colocando uma das xícaras na frente de Lyric, que já está se sentado
à mesa escolhendo uma rosquinha.

— Gosto!

487
— Espero que você ainda goste de café com leite e baunilha
com uma pitada de canela! — Sua sobrancelha se ergue enquanto
entrega uma das xícaras para mim.

— Não posso acreditar que você se lembrou.

Ele pega o assento vazio na mesa, aquele em que ninguém


jamais se sentou antes. — Eu me lembro de tudo sobre você.

— Você se lembrará de tudo sobre mim? — Lyric pergunta,


interrompendo a conversa silenciosa que Blue e eu estávamos tendo
com os olhos presos um no outro.

— Eu o farei a partir de agora. — Blue promete.

— Tenho um presente para você. Fiz sozinha. Posso pegar


mamãe?

— Claro.

Blue coloca a mão na minha coxa debaixo da mesa enquanto


Lyric corre para o quarto dela e volta com um álbum de fotos com
uma grande fita preta enrolada ao redor dele. Ajudei Lyric a montar
tudo, foi ideia dela, dar a ele um álbum cheio de fotos dela, minhas,
Bolota e Archie. Ela também adicionou alguns poemas curtos que
escreveu. Tem um espírito criativo que parece ficar mais forte à
medida que cresce.

Lyric narra cada foto para Blue e suas mãos tremem quando
ele vira as páginas. Espero que ela entrando em seu coração não
seja demais para ele. Além de mim, Reece e Bolota, nunca o ouvi
mencionar mais alguém que esteve em sua vida por qualquer
período. Nem ex-namoradas, nem outros amigos, nem mesmo
família.

488
— É incrível. — Ele diz com olhos brilhantes quando chega
ao fim do álbum. — E seus poemas são épicos. Você sabia que eu
escrevo poemas e músicas também?

— Mamãe me contou. Ela falou que não tenho idade


suficiente para ouvir sua música ainda porque você diz palavrões.

Ele ri e me dá um olhar de esguelha divertido. — Ela falou


hein? Bem, provavelmente é verdade. Eu poderia escrever um
poema e dar a você na próxima vez que vier.

— Sério?

— Seríssimo.

— Posso dizer aos meus amigos que tenho pai? — Ela


pergunta, tocando as pontas do cabelo dele.

— Claro.

— Você contará a seus amigos sobre mim também?

— Já contei. Eu disse a eles que você é a garota mais fofa,


mais inteligente e mais sapeca do mundo.

— Blue... — Eu o cutuco por debaixo da mesa com o pé.

— O quê? — Ele diz inocentemente. — Ela é.

Lyric ri e eu balanço minha cabeça para eles. Eu já posso


dizer que o Blue será o pai legal, que provavelmente nunca será de
muita ajuda no departamento disciplina infantil, tudo bem. Ele está
aqui, está fazendo um esforço e todos nós estamos nos dando muito
bem. Não posso pedir mais nada.

— Eu não quero ir embora.

Cinco palavras.

489
É tudo o que preciso para me influenciar.

Eu sou fraca. Indefesa. Desejando seu toque. Louca de amor.

Lyric foi para a cama faz pouco mais de uma hora e nós
estamos no sofá enroscados um no outro assistindo um filme desde
então.

Beijando, principalmente. Não estávamos prestando muita


atenção na televisão.

Ele se deita sobre mim e se apoia nos cotovelos para olhar


meu rosto. — Deixe-me ficar... — Sua boca cobre a minha, sua
língua lambe meu lábio inferior, me provocando com o que está por
vir.

— Blue...

— Diga sim.

Abro o restante dos botões de sua camisa e empurro o tecido


para longe, passando as pontas dos meus dedos do peito até a
cintura estreita.

— Ok. — Eu digo entre beijos. — Mas você precisará estar no


quarto de hóspedes quando Lyric acordar. Não na minha cama.

— Posso fazer isso. — Seus lábios se curvam nos meus com


um sorriso. — Você não falou que faria algo para que eu não saísse?

— Preciso me preocupar com você escapando quando não


estiver olhando?

Viro minha cabeça para o lado e meus olhos se fecham com


o beliscão de seus dentes e o movimento de sua língua no meu
pescoço.

490
— Sem chance, Joaninha. — Ele sussurra.

— É melhor que não.

Levantando minha cabeça, ele toca meu queixo, obrigando-


me a encontrar seus olhos.

— Confie em mim. — Ele respira fundo. — Por favor?

Assinto, mantendo meus olhos nos dele. — Estou tentando.


— Digo baixinho.

Ele se levanta e me carrega em seus braços, envolvo minhas


pernas ao redor de sua cintura. Ele me leva para o quarto,
gentilmente me colocando de pé ao lado da cama.

— Deixe um pouco aberta. — Falo quando ele se vira para


fechar a porta. — Nunca a fecho totalmente.

Ele caminha em minha direção com um sorriso derretido no


rosto, as mãos desafivelando o cinto de couro. — Acha que pode
ficar quieta, Joaninha?

Não.

— Eu preciso ficar certo? — Meu pulso acelera com


antecipação quando ele reduz o espaço entre nós, jeans aberto e
pendurado em seus quadris. Movo meus dedos sobre a tatuagem
tribal que se estende por seu abdômen e desaparece sob a sua cueca
boxer.

— Sim. Você precisa. — A rouquidão de sua voz me deixa


sem fôlego e querendo mais. — Acho que terei de manter sua boca
bonita bem ocupada. — Ele pega uma mecha do meu cabelo com os
dedos, enrola ao redor de sua mão e me puxa para mais perto. —
Apenas para ter certeza.
491
Sentia falta de Blue no meu quarto.

Meus lábios se separam para responder, então sua boca


esmaga a minha, sua língua mergulhando profundamente no céu
da minha boca. Agarro sua camisa, tirando-a de seus ombros e
abaixando-a em seus braços. Ele move os ombros e envolve as mãos
em minha cintura, levantando-me dos meus pés. Nossas línguas se
tocam e acariciam em uma dança de amor e desejo.

Ele me deita na cama e tira minhas roupas como se


desembrulhasse um presente inesperado. Lentamente.
Silenciosamente. Sua boca e mãos me exploram. Recuperando algo
que perdeu.

Meu corpo treme sob seu toque.

Um gemido suave sai dos meus lábios quando sua mão sobe
pela minha coxa, os dedos escorregando.

— Shh... — Ele sussurra, tirando as botas e o jeans.

Sua silhueta é impressionante através luar que infiltra pela


janela. Os ombros largos e o peito afunilam até aquele V da cintura.
Ele mede um metro e oitenta, uma escultura de estrela do rock.

— Deite-se, linda.

Eu me deito na cama e o vejo caminhar para o outro lado.


Agarrando meus ombros, ele me puxa até a cabeça ficar na beirada.
Debruçando-se sobre mim, passa as mãos sobre o meu corpo,
acariciando meus seios, até a cintura. Então se ajoelha na cama,
pernas abertas acima de mim. Agarrando e abrindo minhas coxas
abaixa o rosto para o meu núcleo.

492
Sua boca toca minha boceta molhada. Virando meu pescoço,
tomo seu pau em minha boca. Agarro seus quadris, empurrando e
puxando-o sincronizando com seus impulsos. Ele abre mais minhas
coxas, me fode com a língua e dois dedos. Envolvo as pernas ao
redor de sua cabeça. Seu cabelo é como seda fria contra minha pele
sensível.

Seus gemidos sensuais vibram em meus lábios. Ele nos move


até que minha cabeça fique pendurada na cama e seu pau afunde
mais profundamente; empurrando em minha garganta. Eu me
engasgo em sua largura e ele diminui suas investidas, suaviza e
retarda sua língua, deixando-me fazer o mesmo. Eu me rendo à
luxúria e tomo mais, chupando mais forte. Sua boca é pura magia
na minha boceta, me enviando para aquele lugar de euforia e frenesi
que parece o paraíso. Tento me segurar, não querendo que o êxtase
termine. É impossível. Ele toca meu corpo como se tocasse sua
guitarra. Habilmente. Sem esforço.

Minhas coxas tremem. Estremeço em sua boca, choramingo


e gemo ao redor de seu pau latejante. Seus gemidos logo fazem eco
aos meus. Engulo seus jatos quentes e cravo as unhas em suas
coxas.

Ele se afasta e gira seu corpo. Nossas bocas estão molhadas


e quentes quando ele me beija e se acomoda entre as minhas coxas
me penetrando com seu pau ainda duro.

Abaixando-se, ele olha para meu rosto, afastando os cabelos


soltos da minha testa úmida. — Eu te amo, Joaninha. — Ele
sussurra. — Desta vez é para sempre. Eu prometo.

493
Escorrego a curva do meu pé para cima e para baixo na sua
perna. — Blue... não faça promessas...

Seus lábios permanecem nos meus. — Eu prometo. A única


coisa na minha vida que tenho certeza, a única coisa que sempre
está comigo, até mesmo quando estou completamente fodido, é meu
amor por você e o seu por mim. Preciso que acredite em nós.

— Eu acredito. Sempre acreditei.

Já ouvi suas promessas antes, desta vez sinto que é


diferente. Desta vez, a emoção em sua voz, o brilho em seus olhos
azuis escurecidos, provam que ele acredita em suas palavras.

Não tenho certeza se qualquer um de nós pode confiar nele.

494
Capítulo 38
Piper

— Claro que Lyric pode ficar conosco por uma semana. —


Diz minha mãe, não tirando os olhos das palavras cruzadas que está
fazendo. — Onde você disse que iria? É uma viagem de negócios?

— Não, mamãe, não é trabalho. Eu falei que vou a Seattle


para passar um tempo com Blue.

— Quem?

Eu pressiono meu dedo contra o latejar da minha testa.

— Blue. O pai de Lyric.

Ela coloca a revista de palavras cruzadas no colo, tira os


óculos de leitura e me encara.

— Oh. Muito bem. Quando aconteceu?

— É um pouco complicado. Começamos a conversar há


alguns meses e ele veio nos visitar algumas vezes. Lyric o ama. Ele
é ótimo com ela.

— E de repente, aquele perdedor decidiu ser pai?

495
Pensei que meu pai estivesse dormindo em sua poltrona
reclinável do outro lado da sala, aparentemente estava ali sentado
com os olhos fechados nos ouvindo.

Eu me encosto nas almofadas do sofá e cruzo os braços. —


Ele não é um perdedor, pai.

— Bem, se ele é um ótimo pai agora, por que sua filha não
vai?

— Ele quer que ela vá. Pensei que seria melhor se o visitasse
sozinha primeiro, ver como as coisas estão e onde ele mora. Ainda é
tudo muito recente, estou sendo cautelosa.

— Querida, você ainda está envolvida com ele? Tínhamos a


impressão de que tudo acabou anos atrás.

Tudo. É o que nós éramos?

— Estamos tentando descobrir, mãe. Estamos vivendo um


dia de cada vez.

Meu pai zomba. — Descobrir o quê? Como ele pode usá-la?

— Usar-me para o que, exatamente? — E se ele trouxer a


conversa da vaca novamente, irei embora.

— Quem sabe? Mas você vai deixá-lo fazer o que quer que
seja.

— Ele não está me usando. Eu não tenho nada. Sua banda


tem um álbum duplo de platina. Ele tem uma fortuna. E é muito
bonito. Provavelmente poderia ter qualquer mulher que quisesse.

— Então o que ele está fazendo com você, Piper? Se está


vivendo a vida de uma celebridade, o que pode querer com uma mãe
solteira que vive numa pequena cidade de New Hampshire?
496
— Ele me ama. É assim tão inconcebível?

— Na verdade, é. Se a ama tanto, deveria ter participado de


sua vida muito antes. E provavelmente está ficando com qualquer
outra mulher. Por que não? Alguns homens gostam de mulheres
que possam tratar como brinquedos e jogar fora, Piper.
Especialmente aquelas que caem a seus pés e continuam aceitando-
os de volta. Não é amor.

Minha mãe balança a cabeça. — Bill, pelo amor de Deus, o


que há de errado com você? Nós nem mesmo o conhecemos. — Ela
se vira para mim. — É só um pouco chocante, querida. Nós não
imaginávamos que você ainda tivesse sentimentos por ele, depois de
tanto tempo. Ou que ele fazia parte de sua vida.

Eu mantive todas as coisas que Blue fez escondidas de meus


pais ao longo dos anos, mencionando apenas casualmente. Meu pai
nunca me perdoou por engravidar de um desabrigado andarilho. Ele
me tratou como se eu carregasse uma doença contagiosa desde a
noite em que lhes contei que estava grávida. As chances de ele
aceitar Blue como parte de nossas vidas, são obviamente pequenas.

É uma situação que terei que resolver se as coisas avançarem


com ele

— Nós sempre nos amamos. O momento é que nunca era


certo.

— E agora é? Simples assim? — Meu pai estala os dedos.

— Sim, pai. Bem desse jeito.

— Então você abandonará Lyric por uma semana para ficar


com ele?

497
Fecho minha boca e aperto os dentes para me impedir de
dizer ao meu pai para ir se foder.

— Eu não a estou abandonando. Ela estará com os avós. —


Com a avó melhor dizendo. — Eu não tiro férias desde que ela
nasceu. Acho que mereço.

— Claro que você merece Piper. Trabalha demais. Você


merece sair e se divertir. Lyric e eu nos divertiremos muito. Ignore
seu pai.

— Não diga a ela para me ignorar. Eu não quero ver nossa


filha se machucar novamente por causa de algum aventureiro que
de alguma forma conseguiu ficar famoso enganando as pessoas.

— Como você pode dizer tamanho absurdo? Aventureiro? —


Eu bufo. — Ele é famoso por causa do seu talento, o único motivo.
Sinceramente, papai, é irônico que você não queira que eu me
machuque, enquanto sua atitude em relação a mim é o que
realmente me magoa.

— Eu não tenho uma atitude.

— Você tem. E acontece há anos estou cansada. Pode parar


de me punir.

— Eu a não estou punindo. Enoja-me como você jogou sua


vida fora.

Suas palavras são como um soco no meu estômago. — E a


mim quando penso que você me jogou fora. Então, nós estamos
quites. — Fico de pé e fecho minha jaqueta rosa. — Estou indo
embora. Trarei Lyric na próxima sexta-feira, mãe.

498
Ela se levanta e vai comigo até a cozinha, para a porta dos
fundos que leva à entrada da garagem.

— Não ligue para seu pai. Ele está estressado com o trabalho
e se torna irracional e mal-humorado. Sei que ele não demonstra,
mas ama você e se preocupa. Mais do que com suas irmãs. Você
sempre foi a mais frágil. — Ela puxa o zíper do meu capuz para
cima. — Acho que é porque você era um bebê tão pequenininho e
nós sempre fomos superprotetores. Ele é apenas... grosseiro.

— Ele é como um ralador de queijo, mãe. Por favor, não deixe


que maltrate Lyric enquanto ela estiver aqui. Ela não está
acostumada a comentários maldosos. Está tão feliz por ter o pai em
sua vida, não quero que meu pai a faça sentir que Blue é uma
pessoa ruim ou que ela é algum tipo de erro.

— Eu prometo a você, ele não o fará. Sempre foi bom para


ela. Você realmente acredita que deixaria minha neta se sentir
desconfortável na minha casa ou que o deixaria ferir seus
sentimentos? Eu a amo, assim como amo você. Terei uma conversa
séria com ele amanhã. Não se preocupe.

— Eu gostaria que ele simplesmente esquecesse. Já se


passaram quase nove anos, mãe. E, sabe de uma coisa?
Independentemente de como conheci Blue e como ele estava vivendo
na época, nós nos amávamos. Podemos não ter tido um
relacionamento convencional, porém Lyric foi concebida com muito
amor. Nós ainda nos amamos.

Ela concorda com a cabeça. — Eu sei. Espero que valha a


pena e que você possa encontrar a felicidade com ele, se for o que

499
deseja. Deve contar alguma coisa o fato de que vocês dois nunca se
esqueceram.

Beijo sua bochecha, grata por ela e eu nos darmos bem


melhor recentemente. — Espero que sim. Obrigada mãe. Vejo você
na próxima semana com Lyric.

Quando saio da garagem ela acena para mim da porta. Uma


das músicas de No Tomorrow está tocando no rádio.

Tantas noites, meu coração sangrou por você

Essas veias implorando para serem cortadas

Eu vou segurar a lâmina e você segura minha mão

Juntos vamos acabar com tudo e eu cairei

Joaninha, Joaninha, voe para bem longe

Volte para mim outro dia

Quando o céu estiver azul e a escuridão desaparecer

Talvez encontremos outro caminho

O baixo que acompanha é profundo, como um batimento


cardíaco, reverberando pelos alto-falantes e vibrando no meu peito.
A voz de Blue oscila e flutua na última linha, e isso me dá arrepios.

O que passa pela sua cabeça, Blue?

500
Capítulo 39
Piper

Primeira classe.

Essa foi a minha primeira pista de que estava entrando no


novo mundo de Blue – um mundo sobre o qual não sei nada além
do que vi on-line.

Ele insistiu em fazer os planos de viagem por mim, inclusive


pagar por tudo. Briguei com ele no começo queria ser uma mulher
forte e independente.

Perdi a batalha. No momento, estou sentada no avião, um


assento onde cabem quatro de mim e muito feliz.

A primeira classe é incrível. Não tenho estranhos ao meu


redor, tossindo e falando. Nenhuma fila para o banheiro. Não há
corredor pequeno.

A comissária de bordo me trouxe um sundae com calda


quente. É como se ela simplesmente soubesse que eu amo sorvete.

Até tirei um cochilo, completamente tranquila, debaixo de


um bom e macio cobertor. Blue prometeu que ele me trataria como
uma princesa e estou me sentindo uma.

501
Meu coração quase para quando o vejo esperando na área de
bagagens. Ele parece muito um bad boy sexy, vestindo jeans
desbotado rasgado nos joelhos, coturnos desamarrados e uma
camisa preta de mangas compridas desabotoada até o começo de
seu abdômen. Seus longos cabelos estão despenteados sobre os
ombros até o meio das costas. Vários colares de couro com cruzes,
penas e pedras pendurados em seu pescoço.

Ele sorri quando me vê e empurra os óculos espelhados para


o alto da cabeça.

No ano passado, li uma entrevista na internet, na qual o


acusaram de usar óculos de sol espelhados para esconder seus
olhos chapados e vermelhos. Na época, ele respondeu: Eu os uso
para que as pessoas possam ver a si mesmas e não a mim. Eu me
pergunto por que Blue quer se esconder das pessoas. Não deixar
que vejam o homem por trás das palavras e da música. Felizmente,
ele me deixa enxergar. Pelo menos na maioria das vezes.

Segurando meu rosto com ambas as mãos, ele me empurra


contra a parede perto da esteira e me beija como se ele fosse me
comer no meio da área de bagagens. Estou sem fôlego e exausta
quando ele se afasta.

— Senti sua falta. — Diz com a cabeça ainda perto da minha.

Eu respiro fundo. — Também senti saudades.

Faz duas semanas que ele nos visitou pela última vez em New
Hampshire, parece uma eternidade.

— Como foi seu voo?

502
— Impressionante. Obrigada por me comprar uma passagem
de primeira classe. Foi muito confortável e silencioso.

Ele sorri. — Quero mimar você, Joaninha.

— Não precisa me mimar.

— Você esperou por muito tempo que eu resolvesse meus


problemas, bebê. Merece ser mimada.

Eu passo a ponta do dedo sobre o cordão de couro de um de


seus colares. — Só quero você.

— Eu sei. — Ele pisca para mim e pega minha mão,


entrelaçando nossos dedos. — Vamos pegar suas malas e sair daqui.

Eu trouxe somente uma mala grande que encontramos


rapidamente, então caminhamos através do terminal cheio até a
saída.

— Oh meu Deus! — Uma garota de repente grita, pulando


bem na nossa frente. — Você é Blue dos No Tomorrow! Puta merda!
— A amiga dela se juntou e agora estão saltando para cima e para
baixo na nossa frente como feijão mexicano saltitante.

— Estivemos em quase todos os seus shows! — Diz a


segunda saltadora. — Pode nos seu autógrafo?

— Claro. — Ele aperta a minha mão antes de pegar uma


caneta que uma das garotas tirou da bolsa.

— Você pode autografar minha camiseta? — Ela grita.

— Eu assinarei na parte de trás. — Ele oferece.

— A minha também!

503
Eu observo com um sorriso enquanto ele assina suas
camisetas e responde suas perguntas sobre sua próxima turnê.

— Você é sua namorada de verdade? — Pergunta a primeira


fã.

Eu gaguejo por alguns segundos, porque não tenho ideia do


que realmente sou ou do que ele quer que o público saiba.

— Ela é. — Blue responde, me surpreendendo tanto quanto


às duas fãs.

— Oh meu Deus estou morrendo de ciúmes. — A garota diz.


— Você tem vinte e um, certo? Acho que é verdade que os astros do
rock namoram somente garotas jovens.

— Hum, eu tenho trinta anos — respondo.

Ambas ficam de boca aberta. — Para! Não tem como você ter
trinta anos!

— Eu realmente tenho.

Blue coloca o braço ao meu redor e beija o topo da minha


cabeça. — Ela tem, de verdade. Estamos juntos há quase dez anos.

Suas bocas ficam mais abertas. Estou boquiaberta também.


— Merda, que loucura. Você é muuuuito sortuda.

Eu tento não rir. — Obrigada.

— Nós realmente precisamos ir. Obrigado por nos dizer oi. —


Blue fala nos afastando delas.

— Uau! — Digo quando estamos a poucos metros de


distância. — Minha primeira experiência com suas fãs. Acontece
muito?

504
— Sim. Você lidou bem.

— Elas eram fofas.

— Elas nem sempre são tão legais.

— Você disse a elas que estamos juntos há quase dez anos.


Não é exatamente verdade. — Nós estivemos mais separados do que
juntos.

Ele olha para mim com um sorriso torto quando saímos do


aeroporto. — Certo bebê.

Acho que ele está certo. Existem diferentes maneiras de estar


juntos.

— Queria que Lyric tivesse vindo também. Como ela está?

— Ótima. Ficou com meus pais. Ela levou a harpa para


praticar todos os dias.

— Ela tocou para mim pelo telefone outra noite. Está tocando
música de ouvido. Você sabia?

— Sim. Sua professora está realmente impressionada.

— Nossa filha é espetacular. — Ele acende um cigarro e me


conduz através da garagem para um grande carro preto com pneus
traseiros largos. Ele abre a porta e joga minha mala dentro, depois
segura a porta do lado do passageiro aberta para mim.

— Este é seu carro?

— Bem, eu não roubei. Claro que sim, é meu. Mustang 1969,


querida. O carro mais quente na porra do planeta.

Droga. Blue escolheu andar com um carro tão quente quanto


ele.

505
— Você gostou? — Ele pergunta quando nós dois estamos
dentro.

Assinto quando ele coloca a chave na ignição e o motor ronca


para a vida. — É lindo.

Ele passa a mão pelo volante. — É o primeiro carro que


possuo. Queria este carro desde os doze anos de idade.

— E agora você tem. — Respondo, sorrindo com orgulho.

— Você quer dirigir?

Eu rapidamente balanço a cabeça. — Deus, não. Nunca dirigi


nada tão legal ou rápido antes.

— Não vai bater. Confio em você.

— Eu não sei dirigir com câmbio manual.

— Eu ensino.

— Agora mesmo?

— Sim.

Tenho medo de estragar sua transmissão antes mesmo de


sair do estacionamento. — Talvez outra hora. — Prefiro que você
dirija.

— Ok. Você está livre por agora. Está com fome? Quer comer
alguma coisa?

— Não estou com muita fome ainda. Comi alguma coisa no


avião. Algo que significa um sundae com duas bolas de sorvete.

— Você se importa de ir para minha casa? Pode ligar para


Lyric, avisando-a que já chegou.

— Seria ótimo.
506
Depois de alguma discussão, decidi que ficaria na casa dele,
quero ficar o maior tempo possível com ele enquanto puder. Agora
que estou aqui, sinto uma mistura de excitação e nervosismo.
Nunca passamos mais de duas noites seguidas juntos e vou ficar
por uma semana. Por mais que o conheça, é como um namorado
recente. Nosso relacionamento nunca progrediu para a intimidade
de dividir um espaço e pode muito bem revelar coisas um do outro
que não gostamos.

— Você está bem? — Ele pergunta, virando o carro na


estrada movimentada.

Eu olho para ele. — Sim.

Ele recoloca os óculos escuros. — Por isso e eu queria que


viesse. Não sou mais o cara no galpão ou a voz do outro lado do
telefone.

— Eu sei. Mas ainda é você. Certo?

— Há muitas versões de mim, Piper. Faça sua escolha.

— Ok. — Digo com ceticismo.

Ele move a mão do câmbio de couro para a minha perna.

— Ei. Estive fodido por muito tempo. Drogado, bêbado,


sóbrio, pobre e rico. Você escolhe, fui tudo isso.

— Eu sei. E amei todas as suas versões, embora goste mais


de você quando não está todo confuso.

— Não se preocupe bebê. Não cairei novamente.

Espero que não.

— Bom.

507
— Então eu acho... — Ele leva o carro para a pista rápida.
— Agora temos que descobrir se você gosta de mim assim.

— Como assim?

— Assim. Com carros e dinheiro, autógrafos e viagens,


estresse e entrevistas, toda essa merda.

— Esse não é você, Blue. É simplesmente o que você faz e o


que tem. Ainda é o mesmo homem que me faz sentir como se eu
fosse a única mulher no mundo.

— Tem outras mulheres por aí? — Ele brinca.

— Não. Nenhuma.

— Você é a única no meu mundo, bebê e farei o impossível


para você querer ficar nele.

Ele tem alguma ideia de como é ser informada de que sou a


única? Não. Acho que ele é totalmente sem noção do fato de que me
faz sentir como se houvesse borboletas no meu estômago, me deixa
tonta e sem fôlego e me deixa de calcinha molhada. Sem precisar se
esforçar.

— Eu não quero se esforce. Seja apenas você. É tudo que


necessito.

— É o que estou tentando dizer, Piper. Eu tenho levantado e


caído tantas vezes, por tanto tempo, que não sei mais quem sou.
Não sei o que estou fazendo. Só sei que não quero estragar nosso
relacionamento.

Por que, oh por que, a vulnerabilidade é tão atraente?

508
— Ficaremos bem. — Falo baixinho. — É novo para nós dois,
certo? Viveremos um dia de cada vez e veremos no que dá. Não se
esforce, não se estresse.

Assentindo, ele tira os cigarros do bolso e acende um.

Eu vejo o tremor de sua mão, a subida e descida de seu peito


enquanto respira fundo.

Então ele sorri e vejo meu próprio sorriso refletido em seus


óculos escuros, logo esqueço todo o resto.

Blue me disse que ele e Reece se mudaram de seu


apartamento para uma casa alugada porque queriam mais
privacidade e espaço na garagem. Eu esperava uma casa pequena
de dois andares com uma garagem para três carros e uma pilha de
pratos na pia, roupas em lugares que não deveriam estar, guitarras
na mesa de café e uma enorme bateria no porão.

Na minha cabeça, é como a casa de uma estrela de rock


solteira deveria ser.

Na realidade, é uma pequena mansão com aproximadamente


dois hectares de terra exuberante, com um gramado que termina
em um lago. O interior ainda não vi, o exterior é impecável.

— Uau! — Digo quando ele estaciona o carro em frente a uma


garagem para seis carros. — Você não me disse que mora em tal...

— Casa? — Ele interrompe. — Muito grande, hein?

— Não, é apenas…

509
— Monumental?

Eu rio. — Sim. — Olho para a casa imponente.

Saímos do carro juntos e ele pega minha mala no banco de


trás, depois vem para perto de mim.

— Reece escolheu. Ele já tinha dinheiro, então quer ter o


melhor dos melhores. Eu? Não preciso disso tudo. Você me
conhece... — Ele sorri timidamente.

Conheço. Esse homem costumava dormir no chão debaixo


de uma ponte com nada além de sua mochila como travesseiro e
uma lanterna.

— Quantos carros você tem?

— Apenas este. E uma Harley. Que consegui pilotar apenas


duas vezes, no entanto. Reece queria todo este espaço de garagem
para seus dois carros e um veículo que está restaurando.

— Muito bom.

Ele acena para o fim da propriedade. — Mais tarde, vamos


dar um passeio pelo lago. Toda vez que vou lá, desejo que você e
Bolota estivessem comigo. O pôr do sol sobre a água é incrível.

Eu o sigo até a porta da frente e me leva a um vestíbulo com


um candelabro de ferro forjado pendurado no alto. Uma escadaria
larga eleva-se até o segundo andar e o piso principal divide a casa.
As paredes são de um creme muito claro – não muito branco como
Blue as descreveu – o chão de mosaico apenas alguns tons mais
escuros. O mobiliário – pelo menos o que posso ver – é de madeira
de mogno escura, com detalhes em metal preto. Forte e masculino
apenas o suficiente para ter sua própria elegância.

510
Eu gosto muito.

— É lindo.

Ele sorri e coloca minha mala no chão. — Você não precisa


sussurrar querida.

Eu não tenho ideia do motivo de estar sussurrando.

— Vamos. — Ele pega minha mão e me puxa para o arco


direito, que se abre para uma enorme sala de estar com um sofá de
couro preto em forma de U, que parece poder acomodar quinze
pessoas. Um sofá de dois lugares combinando, muito menor, fica na
frente de uma parede de vidro com vista para um jardim de flores.
Cadeiras de bar em couro preto e branco estão colocadas
estrategicamente ao redor da sala, juntamente com mesas de apoio
escuras, lâmpadas e esculturas. Sinto como se tivesse entrado em
um daqueles programas de casas dos ricos e famosos.

— Ei, você chegou.

A decoração me deixou tão fascinada que nem vi Reece em


uma das extremidades do sofá. Seus longos cabelos negros
combinam quase perfeitamente com o couro. Ele se levanta e
atravessa a sala para me puxar para um abraço.

— Eu cheguei. — É bom vê-lo novamente.

— Eu digo o mesmo. Fique à vontade. Você precisa de alguma


coisa? Grite e providenciaremos.

— Obrigada.

— Vou te mostrar o andar de cima, bebê. Então poderá


guardar suas coisas.

511
Eu dou um pequeno aceno para Reece e sigo Blue ao andar
de cima, passando por fotos grandes da banda, misturadas com
artigos e prêmios pendurados nas paredes.

Tudo é tão limpo e arrumado. Nenhuma meia suja ou garrafa


vazia à vista. Estou impressionada.

Blue me leva até um quarto na ala direita do segundo andar


e coloca minha mala dentro.

— Reece e eu temos um quarto principal e um quarto de


hóspedes cada. Os dele ficam à esquerda da escada, os meus aqui.
Pensei que você poderia colocar suas coisas neste quarto. Os
armários e cômodas estão vazios e tem seu próprio banheiro para
que possa colocar toda a sua maquiagem e suas roupas.

Observo o enorme quarto, imaginando se alguma outra


mulher já esteve aqui para visitá-lo.

— Obrigada.

Ele envolve seus braços ao meu redor e me puxa com força


para seu corpo. — Realmente não quero você dormindo aqui.

— Não?

Ele pressiona seus lábios nos meus e desce as mãos para


apertar minha bunda através do jeans. — Não. Você sempre quis
que eu tivesse uma cama. Agora tenho uma e a sua bunda gostosa
deve estar nela todas as noites.

Fico na ponta dos pés, envolvo meus braços em seu pescoço


e sorrio para ele. — Mal posso esperar para estar na sua cama.
Talvez possa implorar por um autógrafo. — Eu provoco.

512
— Você quer uma demonstração, Joaninha? — Sua voz
rouca começa a pulsar. — Escreverei meu nome em cada centímetro
do seu corpo e depois a farei gritar quando a estiver fodendo com
força.

— Ooh...

Ele me pega em seus braços, como um noivo em lua de mel


e me leva até o último quarto, chutando a porta atrás dele.

— Este é o meu. Agora que me provocou, acho que não a


deixarei sair tão cedo.

Aperto meus braços em seu pescoço. — Eu nunca o provoco.

Ele me joga na cama pairando sobre mim, afastando minhas


pernas com as suas e prendendo minhas mãos acima da cabeça
com uma das suas.

— Conte-me sobre a tatuagem. — Falo enquanto ele move os


lábios sobre a pele exposta no decote em V da minha camiseta.

Ele levanta a cabeça e sacode o cabelo do rosto. — Qual


delas?

— A joaninha na sua mão.

Um sorriso curva seus lábios. — Quando você viu?

— Anos atrás. No hotel. Nunca me lembrei de perguntar a


você sobre ela.

Levantando a mão, ele vira o pulso para que possa ver a


pequena tatuagem novamente. É quase exatamente como a minha,
a diferença é que a dele está cercada pelo resto do design do braço.
Eu nem sei como a vi naquele dia.

513
— Eu fiz alguns meses depois que fui embora. Queria algo
para me lembrar de você. Eu te disse que a lenda era verdadeira,
não é?

— Sim.

— Acredita agora?

— Sempre acreditei.

Ele abaixa a cabeça novamente e pressiona seus lábios


quentes em meu pescoço. — Nós deveríamos nos casar.

Minha respiração fica presa na garganta, logo abaixo daquele


ponto sensível que sua boca está beijando.

— O quê?

— Eu e você. — Ele sussurra, empurrando o tecido da minha


camisa para longe com o rosto e movendo os lábios pela minha
clavícula.

Estou absolutamente, sem sombra de dúvida, chocada e sem


palavras. Levanto minha mão e toco sua cabeça, enroscando meus
dedos em seu cabelo enquanto ele continua me beijando como se
não tivesse jogado uma bomba em cima de mim.

Meu cérebro luta através dos tremores que se espalham pelo


meu corpo com seu toque.

— Blue... você tem alguma noção do que acabou de dizer?

— Mmm. — Ele cantarola, levantando minha camisa e


beijando meu peito através da fina renda branca do sutiã.

— Evan? — Esta é uma conversa que exige seu nome


verdadeiro.

514
Finalmente ele olha para mim, seus olhos azuis ardendo. —
Eu fodi tudo não é?

— Acho que depende do que significa.

— Este sou eu, tentando lhe dizer que quero ficar com você
para sempre.

Seguro seu cabelo com os dedos e procuro seu rosto. — Você


sempre sentiu medo.

— Você está certa. Não sinto mais. Agora meu medo é de não
ter você.

— Eu também tenho. Você continua sendo a minha


esperança do meu felizes para sempre.

Seus músculos do rosto flexionam. — Estou tentando


devolver.

— Eu sei. — Digo baixinho. — E amo muito. Apenas acredito


que precisamos levar as coisas devagar.

Odeio dizer essas palavras. A última coisa que quero fazer é


ir devagar. Quero tudo agora – ele. Felicidade. Um casamento.
Minha própria família, juntos. Quero agora, antes que ele mude de
ideia ou algo aconteça para acabar com tudo.

Ele assente sem dizer nada, passando os dedos levemente


para cima e para baixo nas minhas costelas e na curva da minha
cintura.

— E você não deveria tomar nenhuma decisão importante


durante o seu primeiro ano de vida limpo. — Certo?

515
— Alguém está lendo. — Ele diz, em seguida desvia sua
atenção para meus seios. Ele passa a língua sobre minha pele
arrepiada.

— Eu tenho lido. — Admito. — Quero entender e ajudá-lo.

— Eu sei que você quer bebê. Por isso a perseguirei daqui


alguns meses com um anel. — Ele se apoia sobre os cotovelos,
olhando para mim com seu notório sorriso sexy. — Então é melhor
você sair correndo ou estar preparada para ser agarrada e ter um
diamante do tamanho de um cubo de gelo em sua mão.

Eu rio e ele cobre minha boca com a dele, capturando minha


risada, engolindo-a. Ele esfrega seus quadris nos meus enquanto
lentamente tira minha roupa. Quando estou nua e deitada no meio
da cama, no edredom cinza, ele alcança sua mesa de cabeceira e
tira uma caneta. Ele gira em seus dedos como um baterista
experiente.

— Sobre aquele autógrafo... — Ele comenta.

Olhando para ele, seguro sua camisa, abrindo os botões


restantes, em seguida, passo os dedos por seu abdômen.

— Eu sou sua maior fã. — Murmuro. — Sei as letras de todas


as suas músicas.

Ele faz uma careta, tentando não rir. — Aposto que você
sabe.

— Pode me dar seu autógrafo? — Bato meus cílios.

— Só se for em seus seios.

Desta vez sou eu quem tenta não rir.

— Oh meu Deus. Seria muuuuito incrível.


516
Ele tira a tampa da caneta com a boca e a cospe no chão em
seguida segura um seio, curvando-se para colocar um beijo molhado
e úmido no mamilo antes de assinar seu nome na minha pele pálida.
Eu poderia jurar que sempre o vi escrever com a mão esquerda, mas
ele assina com a direita.

— Eu nunca mais o lavarei. — Falo, movendo o corpo e me


esfregando em suas coxas.

— É melhor não lavar. — Ele se levanta e joga a caneta sobre


a mesa de cabeceira, em seguida, tira a camisa, jogando-a no chão.
Meu estômago sempre dá cambalhotas toda vez que o vejo sem
camisa – ou melhor ainda – quando o vejo totalmente nu. Aprecio
um corpo bonito, embora nunca tenha sido do tipo que baba por
fisiculturistas, estrelas de cinema ou homens nus e gostosos.
Quando se trata de Blue, há algo tão sensual na maneira confiante
como ele se move e como seu cabelo cai sobre o peito largo e pelos
ombros como um viking. As tatuagens cobrindo quase cada
centímetro de sua pele são a cereja no topo do bolo desencadeando
faíscas de luxúria em mim.

— Você traz muitas mulheres para cá? — Pergunto, ainda


usando a voz melosa de atriz pornô, mas querendo realmente saber.

Ele tira suas botas e me observa vendo-o desabotoar sua


calça jeans. Fica muito bem nele. Sem zíper. Apenas cinco botões
prateados. O jeans é gasto e macio, se encaixa como se tivesse
nascido nele.

— Centenas. — Ele responde. — Estão todas enterradas no


quintal.

517
Rio quando ele sobe na cama e se acomoda entre minhas
pernas.

— Você gosta do meu quarto? — Ele pergunta. — E da minha


casa?

— Até agora vi apenas o teto do seu quarto. — Eu provoco,


recostando-me para olhar ao redor. Seu quarto é como os outros da
casa. Arrumado. Elegante e limpo. Quatro guitarras estão em fila
nas janelas com vista para o jardim da frente. Pinturas em preto e
branco de pássaros estão penduradas nas paredes. Várias fotos em
molduras de prata estão em cima de sua cômoda negra e quando
olho, percebo que são fotos minhas, de Lyric e Bolota.

— Você tem fotos nossas. — Digo baixinho.

— Sim. Imprimo todas que você me envia. Quando sinto que


vou foder tudo novamente, olho as fotos. Houve noites em que fiquei
sentado aqui por horas olhando sua foto, esperando os demônios se
foderem e me deixarem em paz.

Uma visão dele brilha em minha mente – sentado no chão,


tentado por drogas e álcool, olhando fotos minhas, de sua filha e
seu cachorro, enquanto transpira e luta por todas as coisas que
mais ama e anseia.

Engulo o inesperado nó na garganta. — E funciona?

— Até agora.

Não sei se é bom ou ruim ser sua musa e sua terapia.


Suponho que alguns devam dizer que é obsessão e não amor
verdadeiro. Alguns que temos dependência e co-dependência. Eu me
pergunto se isso importa. Talvez tudo o que realmente importa é que

518
fazemos a diferença na vida de outra pessoa da maneira que ela
precisa.

519
Capítulo 40
Piper

Piper,
Adoro
ver você
dormindo na
minha
cama. Não
tem ideia de
quanta paz
me traz.
Você é como um anjo na minha mente sombria.
Desça as escadas quando estiver pronta, estou
fazendo o café da manhã.
520
Te amo,
Blue

Eu sorrio para o bilhete que ele deixou no travesseiro. Tem


sido incrivelmente atencioso desde que cheguei ontem. Ousaria
dizer romântico de várias maneiras?

Depois que arrumo sua cama, encontro minhas roupas da


noite passada e as seguro contra meu corpo enquanto corro pelo
corredor até meu quarto. Levo o bilhete comigo e guardo na bolsa
para que possa juntá-lo a todos os outros que guardei em casa.

Tomo banho, seco meu cabelo e depois aplico uma


maquiagem leve. Não tenho certeza do que Blue planeja para nós
hoje, então me visto casualmente, com jeans skinny, botas pretas
baixas e uma camisa cigana com estampa de borboletas e mangas
largas.

A sensação de felicidade e despreocupação que senti desde


que acordei, diminuiu quando o encontro na cozinha. Franzo a testa
confusa com a cena de desordem ao meu redor. As bancadas estão
cobertas com copos, canecas, tigelas e pratos. Todas as portas dos
armários estão abertas, mostrando as prateleiras vazias. Blue está
de pé no meio da cozinha, parecendo bastante infantil e jovem uma
camiseta da banda com as mangas cortadas, calça de moletom preta
e tênis preto e branco de cano alto com os cadarços desamarrados.

Eu o observo silenciosamente da porta. Uma leve


preocupação queima meu estômago. Seus olhos passam de uma
caneca de vidro para outra. Ele toca cada uma, ergue-as para a luz
521
para examiná-la, depois a coloca com um grupo diferente de copos
ou pratos.

— Ei, você. — Minha voz sai mais alta do que pretendia.

Ele olha para cima e sorri torto.

— Oh. Ei. — Ele passa a mão pelo cabelo.

Eu me movo para ficar do outro lado da ilha. — Está fazendo


café da manhã?

Ele acena rapidamente. — Sim. E fiz. Quando peguei as


canecas de café, elas não combinavam. E odiei.

— Elas não precisam combinar amor. Estou bem com


qualquer coisa.

Ele mexe em algumas tigelas de salgadinhos, depois as


empilha umas dentro das outras.

— Não, elas devem combinar.

Reece aparece na porta e revira os olhos. — Porra. Não de


novo. — Diz ele.

Blue segura uma caneca. — Uma delas está faltando. Há um


número ímpar. São cinco.

Reece solta um suspiro exasperado. — Você deixou cair


quando estava distraído no ano passado, lembra? Pisou na caneca
quebrada e sangrou por todo o lugar. Adivinha quem limpou tudo?

— Eu não me lembro. — Blue não afasta os olhos da caneca.

— Porque estava bêbado. — Reece pega uma caneca de café


bege do conjunto no balcão. — Pare de classificar todas as nossas
coisas, Blue.

522
— Classificar? — Eu repito.

Reece enche a máquina de café com água e acrescenta


colheres de pó de uma vasilha no balcão antes de responder.

— Bem-vinda ao meu mundo. — Ele aponta para Blue com


a mão. — Quando seu transtorno obsessivo-compulsivo está em
alvoroço ele começa a ordenar tudo por tamanho, forma, cor ou
sabe-se lá o quê. Algumas semanas atrás foram as toalhas.

— Nós tínhamos uma toalha branca e dezesseis cinzas. —


Explica Blue, balançando a cabeça como se fosse um absurdo.

— O que há de errado com uma toalha branca? — Estou


quase com medo de ouvir a resposta.

— É... é... desequilibrado.

Reece e eu trocamos um olhar. Ele se encosta no balcão e


balança a cabeça enquanto Blue continua explicando.

— Tudo estava uma bagunça nos armários. Os copos foram


misturados com as canecas de café, as tigelas de salada foram
misturadas com as taças de sorvete. Os copos maiores estavam na
frente, os menores atrás. Por que você não pode simplesmente
colocar as coisas de volta no mesmo lugar?

Seu colega dá de ombros. — Porque isso não me incomoda,


irmão. Eu tenho coisa mais importante em mente do que me
preocupar em arrumar as coisas por cor e forma. Nós temos uma
empregada, diga a ela para fazer.

— É algo que realmente o incomoda muito, Blue? —


Pergunto.

523
Ele olha para mim com um pedido de desculpas em seus
olhos. Como um garotinho pego fazendo algo que não queria que
alguém visse. — Nem sempre. Só queria que as coisas fossem
bonitas para você. Canecas diferentes nos fazem parecer fodidos. Eu
não estou mais fodido.

— Ela sabe que não estamos num resort, cara. Ela não se
importa com as canecas. — Ele se vira para mim. — Importa?

— Não, claro que não. Embora possa entender por que ele
quer que as coisas estejam arrumadas.

Ele está tentando me impressionar, é tudo. Costumava não


ter nada, agora tem as coisas e quer tudo arrumado. Eu não vejo
nenhum mal. E absolutamente odeio quando tenho um número
desigual de meias. Para onde vão as meias perdidas? E por que elas
nunca reaparecem? Não é grande coisa que Blue se sinta assim em
relação a outros utensílios domésticos.

— Vou ajudá-lo a organizar tudo. — Eu falo. — Então


poderemos tomar café da manhã. Estou faminta.

Ele morde o lábio e olha para todos os itens espalhados sobre


o balcão. Um momento atrás, ele parecia tão determinado a
enfrentar essa tarefa autoimposta, agora parece sobrecarregado.

— Vou fumar primeiro. — Ele diz. — Volto já.

Concordo com a cabeça e o vejo sair para o quintal pelas


portas francesas da sala de jantar ao lado.

— Ele faz muito isso? — Pergunto a Reece.

— Na verdade não. Tem sido pior desde que parou de fumar


maconha. Acho que ela costumava acalmá-lo.

524
— É bom que ele saia, no entanto. Estou orgulhosa dele.

— Eu também. É uma cena ruim quando ele usa e venho


lutando com ele por todos esses anos. Ele tem problemas de
ansiedade e, sem as drogas para acalmá-lo, fica um pouco maluco.

— Ele está bem, certo? — Começo a colocar os copos de volta


no armário, esperando organizá-los como Blue gosta.

Reece toma seu café.

— Sério? Ele é brilhante. Está melhor do que nunca. O novo


material que está escrevendo é legal. E está realmente vivendo
agora. Quer que você e sua filha façam parte de sua vida. É uma
grande chance para ele, deixar as pessoas se aproximarem. Só
precisa encontrar algum equilíbrio e descobrir como lidar com o
estresse, sem usar drogas e álcool para consertar todos seus
problemas.

— Talvez devesse tomar medicação para ansiedade. Eu


costumava tomar calmante quando era mais jovem e quando minha
chefe era uma megera e me estressava o dia todo. Ajudava.

Ele parece cético.

— Eu não acredito que ele deveria usar algo assim. Tem


tendências ao vício.

— Oh. — Estou grata por seu amigo saber tanto sobre ele.
Coisas que não tenho como saber. — Eu não pensei nisso. Fico feliz
que ele tenha você. Significa muito.

— Nós cuidamos um do outro. Ele não é apenas meu colega


de quarto e de banda, é da família. Ele pega uma pilha de tigelas e
as coloca em um dos armários. — O que torna você da família

525
também agora, já que é bem óbvio que a manterá por perto, se você
permitir.

Suas palavras são música para meus ouvidos.

— Definitivamente estarei por perto, não importa o que


aconteça.

Blue volta para a cozinha naquele exato momento.

— Vocês dois estão falando sobre minhas obsessões fodidas?

— Não. — Falo com um sorriso. Toco seu ombro e levanto a


cabeça para beijar sua bochecha. — Estamos falando de como você
é incrível. — Eu levanto duas canecas pretas. — Veja. Elas

combinam.

Café, bagels e donuts sempre foram o café da manhã de


Blue e meu quando estávamos juntos. Não apenas porque é barato,
fácil de encontrar e gostoso. Também porque não passamos muitas
manhãs juntos. E quando o fazíamos, havia poucas coisas
disponíveis para nós na cozinha.

Basta dizer que não sabia que Blue gostava de cozinhar ou


que ele fosse bom nisso. Ele é.

Deixando os pratos e copos de lado, é um mestre na cozinha.


Eu o observo com uma mistura de orgulho e diversão da mesa, onde
Reece e eu sentamos enquanto quebra os ovos perfeitamente com
uma das mãos, faz massa de panqueca do zero, frita salsicha e
presunto. Ele coloca um prato cheio na minha frente que poderia

526
facilmente rivalizar com o que eu teria em uma casa popular de
panquecas – completa com manteiga e morangos fatiados.

Eu olho para o prato, me perguntando como poderei comer


tudo.

— Eu não tinha ideia de que você sabia cozinhar.

— É o que acontece quando se passa a noite inteira chapado,


não tem nada para fazer e fica com fome. — Diz Reece.

Blue coloca um prato de comida na frente de Reece e ri.

— É triste, mas é verdade. Eu cozinhava, Reece e quem mais


estivesse ensaiando em nossa casa comiam tudo que eu fazia.
Assistia a programas de culinária na TV por horas. — Ele se senta
ao meu lado e pisca para mim. — Você finalmente está conhecendo
todos os meus talentos ocultos.

Reece confirma. — Eu prefiro não ouvir seus talentos ocultos


novamente esta noite, cara. Pude ouvir vocês na minha ala.

Meu rosto esquenta de vergonha. — Eu sinto muito...

Blue ri. — Não se desculpe, ele está com ciúmes. E o troco é


uma merda. Quantas vezes tive que ouvir suas mulheres uivando
como gatos a noite toda? — Ele aponta seu garfo para Reece, que se
recosta na cadeira e ri.

— Uivando? — Repito, cortando minha segunda panqueca,


que está surpreendentemente deliciosa e fofa, temperada com uma
pitada de baunilha. — Por favor, me diga que não uivo. — Morrerei
de vergonha se for considerada uma uivadora no quarto.

— Você definitivamente não é uma uivadora, querida.

527
Quando cheguei, imaginava que estar com duas estrelas do
rock seria desconfortável e barulhento – como ficar com dois
adolescentes. Imaginei Reece tendo várias namoradas passeando
pela casa e em seu quarto. Esperava que o resto da banda, seus
amigos e fãs fizessem festas na piscina. Acho que assisti muitos
vídeos de música e deixei minha imaginação ir muito longe, pois
Blue e Reece agem como homens normais.

Depois do café da manhã, conversamos em vídeo com Lyric


minha mãe ficou em segundo plano atrás dela, tentando ter um
vislumbre discreto de Blue. Lyric disse que está praticando sua
harpa todos os dias e que meu pai disse a ela que nunca ouviu nada
tão bonito em sua vida.

O fato me dá esperança. Talvez meu pai aprenda a aceitar


Blue e eu como um casal em algum momento.

Mais tarde, Blue me leva para um passeio e me mostra suas


atrações locais favoritas. Viajamos com as janelas abertas, rock,
nossos cabelos ao vento. Ele segura minha mão e me beija com
loucura em quase todos os faróis vermelhos. Sinto-me como se
fossemos adolescentes, desfrutando de um amor inocente juntos
pela primeira vez, não duas pessoas de trinta e poucos anos que
compartilharam quase uma década de disfunção e coração partido.

Talvez eu esteja louca, no entanto parece que finalmente


estamos recomeçando.

Depois do jantar, fomos dar um passeio no lago e sentar nas


pedras. Nós nos beijamos com o sol se pondo ao som das ondas.

— Devemos ter um cachorro juntos. — Ele sugere, puxando-


me entre as pernas para que minhas costas descansem em seu
528
peito. — Podemos ir ao abrigo e adotar aquele com os olhos mais
tristes e fazer o que pudermos para torná-lo o mais feliz.

Meu coração aperta com doçura e pura simpatia com essa


ideia.

— Estive pensando em um filhote de cachorro. Lyric tem


perguntado se podemos ter um.

— Então deveríamos.

Ele coloca os braços ao meu redor por trás e me puxa para


mais perto. Centenas de vezes li em romances sobre sentir o amor
fluindo de alguém e agora, em seus braços é exatamente o que sinto.
É ainda melhor do que imaginei que seria.

— Gostaria que pudéssemos, porém seria muito difícil com


todas as viagens que você faz e eu morando em New Hampshire...

— Talvez pudéssemos morar juntos.

Ele diz as palavras como se estivesse com medo de como eu


reagiria a sua sugestão. Talvez ele ainda esteja se acostumando com
esses pensamentos em sua própria cabeça, como novos inquilinos
que podem arruinar ou valorizar seu espaço.

— Onde? — Pergunto.

— Eu não sei... você poderia morar aqui ou eu poderia ficar


na sua casa de vez em quando. Bem, se me quiser.

Nas últimas quarenta e oito horas ele falou em casamento,


morar junto e adotar um filhote de cachorro.

Quero tudo isso com ele. É o que sempre sonhei e desejei que
tivéssemos juntos.

529
É também tudo o que ele sempre teve medo e evitou. Coisas
que deixei passar, para dar o espaço e a liberdade que ele precisava.
Agora não sei em que acreditar ou em quais sentimentos confiar.

Ele está finalmente pronto para seguir em frente com o nosso


relacionamento? A ausência de drogas e álcool clareou sua mente e
abriu espaço para amor e felicidade comigo? Ou está lamentando a
perda de seus outros amores químicos e preenchendo o vazio
deixado por eles?

Sinto como se estivéssemos andando em uma linha muito


tênue entre o que poderia ser recuperação e distração para ele,
tenho medo de ser pega no lado errado. Meu maior medo é que ele
faça todas essas promessas para mim quando está no começo de
uma vida sóbria, apenas para perceber mais tarde que não é
realmente o que deseja.

Me destruiria completamente, me devastaria. Meu coração


seria despedaçado sem possibilidade conserto.

Ele esfrega seu rosto no meu cabelo e toca seus lábios


quentes no meu pescoço, inalando profundamente.

— Pense a respeito. É tudo o que estou pedindo. — Eu amo


você, Piper. Prometi um dia que a faria a mulher mais feliz do
mundo. E não desistirei até que faça acontecer.

Eu me recosto no conforto do seu corpo, fecho os olhos e


tento acreditar na felicidade.

530
Capítulo 41
Piper

— Fique mais uma semana.

Ele envolve seu braço ao meu redor sob o cobertor, enterra


seu rosto na curva do meu pescoço e me puxa para mais perto.
Como ímãs, nossos corpos se atraem, seu pau duro pressionando
minha bunda.

— Gostaria de poder. — Fecho meus olhos escondendo-me


do sol da manhã brilhando através das janelas do seu quarto. Quero
voltar para aquele lugar feliz com ele e evitar o voo de volta para
casa hoje mais tarde.

— Você pode.

Sua voz é sonolenta, sua pele quente, seus lábios molhados.


Acordar com ele é como acordar todos os dias na manhã de natal.
Ele me cobre de beijos, toques provocantes e palavras meigas e
sensuais.

— Preciso voltar ao trabalho. E nunca estive longe de Lyric


por tanto tempo. Sinto falta dela e ela sente a minha.

Ele escorrega a mão lentamente para meu quadril e empurra


seu pau duro em minha bunda. — Você pode trabalhar para mim.

531
— Ele move os lábios sobre o meu ombro, arrastando a bola de seu
piercing de metal por toda a minha pele. — Vá buscar Lyric e Archie,
traga-os para cá.

Seus beijos provocam arrepios na minha espinha.

— Mmmm... — Eu gemo, arqueando-me contra ele, amando


como sinto seu peito nu em minhas costas, tão quente e sólido.

— Estou falando sério.

— Sei que está querido. Não quero deixá-lo. Nunca.

Apenas o pensamento de não vê-lo todos os dias forma um


nó na minha garganta. Tudo foi tão bom. Tão perfeito e normal.

Exceto por ontem, quando de repente ele disse que precisava


sair por um tempo e desapareceu por algumas horas. Depois de ficar
praticamente grudada nele durante toda a semana, me irritou que
tenha saído sem nenhuma explicação e sem me pedir para
acompanhá-lo.

Ele pegou o carro, então, não estava fazendo uma de suas


caminhadas.

Eu me preocupei que tivesse saído para ficar chapado, porém


ele voltou de olhos claros. Não estava tropeçando ou balbuciando. E
não estava nervoso ou mal-humorado. Eu me perguntei se já havia
se cansado de mim e precisava de uma pausa.

Depois que Blue saiu, Reece me viu andar na frente da


parede de vidro da sala de estar, enquanto mandava mensagens de
texto desesperadamente para seu telefone e me disse para relaxar e
não me preocupar.

Eu não consegui relaxar e me preocupei.


532
Foi difícil não interrogá-lo quando voltou, no entanto segurei
todas as minhas perguntas. Não somente porque não queria ser
uma namorada intrometida, exigente e pegajosa, também não
queria que ele pensasse que não podia sair de casa sozinho, sem
que eu pensasse que estava usando drogas.

Minha confiança e fé nele são vitais – não apenas para sua


recuperação, também nosso relacionamento e nosso futuro juntos.

E para mim. Não posso ter um ataque de ansiedade toda vez


que ele sair de casa sem mim.

— Talvez eu possa convencê-la a ficar...

Ele me vira de costas, fica sobre mim e beija minha boca,


profunda e preguiçosamente. O tipo de beijo para as manhãs que
não precisam terminar.

— E se eu prometer a você sexo incrível todos os dias? — Ele


move os lábios para o meu queixo, depois para a minha garganta,
parando para chupar minha pele. — Faria você ficar?

Enrolo minhas mãos em seus cabelos e jogo meu pescoço


para trás. — É muito tentador.

Ele lambe uma trilha entre meus seios, seu cabelo me


fazendo cócegas enquanto desce. — E panquecas todos os dias
também.

— Mmm... panquecas.

Ele olha para cima com um sorriso malicioso em seu rosto,


seu queixo descansando no meu peito. — Talvez as panquecas a
deixem mais loucas do que eu.

533
Rindo, puxo seu rosto para o meu, minhas mãos ainda
emaranhadas em seus cabelos grossos e dou um beijo em seus
lábios.

— Suas panquecas são incríveis, porém elas sequer chegam


perto do que você faz comigo.

— Mostre-me.

Quando estamos juntos e a voz dele muda para um tom


usado apenas comigo me deixa louca. Não é a mesma voz que usa
no palco – a voz que milhões ouvem e amam. Essa versão profunda,
rouca e sensual é só minha.

Desço a mão entre nós e seguro seu pau duro, alisando a


ponta escorregadia. Gemendo, ele move uma mão sob o meu corpo,
segurando minha bunda me puxando para ele. Minhas coxas estão
abertas ao seu redor, o guio entre meus lábios escorregadios.

— Foda-me, bebê. Tome tudo.

Eu movo minhas mãos até seus quadris e monto seu pau,


levando-o profundamente, em seguida, escorrego até a ponta. Ele
está completamente imóvel, olhos fechados, a língua entre os lábios,
o cabelo caindo sobre meus seios. Ele é de tirar o fôlego, tão
concentrado em nós. A visão me deixa louca, ainda mais molhada
por ele.

Sentando-se em seus calcanhares, ele me puxa para montar


em seu colo e me segura em seus braços, balançando-me para frente
e para trás. Eu me agarro em seus ombros e o beijo faminta. Amo
nossa diferença de tamanho e força; a forma como pode me mover
com os braços como se eu fosse uma boneca me excita.

534
Ele empurra dentro de mim e pega meu gemido com os
lábios. Diminuindo, suavemente esfrega meu corpo no dele. Meu
clitóris se esfrega nele no lugar certo, o aperto e nós explodimos
juntos, nossos corpos escorregadios de suor, nossas bocas nunca
se separando.

— Foi definitivamente melhor do que panquecas. — Afirmo


sem fôlego.

Depois de um longo banho juntos, tomamos o café da manhã


no pátio dos fundos enquanto os beija-flores voam por seu jardim
florido. Ele se desculpa para atender um telefonema de seu agente
e vou até o quarto de hóspedes para arrumar minhas coisas. Estou
voltando com mais do que trouxe, Blue me levou para jantar duas
vezes em restaurantes extravagantes e insistiu em me levar para
comprar vestidos sensuais. Um preto e um vermelho – como o que
usei naquela noite anos atrás. Ele também está me mandando para
casa com algumas de suas roupas da banda – um moletom com
capuz, uma camiseta, calcinha preta e meu item favorito – uma
camiseta que usou ontem e que ainda tem seu cheiro. Esquisito?
Sim. Mas reconfortante ter algo dele comigo em casa para quando
estiver sentindo sua falta.

Senti saudade de Lyric como uma louca esta semana e mal


posso esperar para vê-la, ao mesmo tempo estou com medo de
deixar Blue. Sinto como se meu coração estivesse sendo dividido por
não ser capaz de estar com os dois. A agenda dele está lotada nos

535
próximos meses, então teremos que nos contentar com telefonemas,
e-mails e finais de semana ocasionais, até que se estabeleça.

Estrela do rock namora a vida, Reece falou ontem. O


verdadeiro teste de paciência e confiança.

Eu sou a rainha da paciência. Talvez a boba da confiança.


Mas estou tentando.

— Você está arrumando a mala? — Blue pergunta parado na


porta, olhando minha mala na cama.

— Sim.

— O seu voo é a noite.

— Eu sei, só queria terminar logo.

Ele respira fundo. Ouço o piercing dele.

— Eu queria ter mais tempo.

— Eu também. — Sorrio, embora por dentro esteja chorando.


Já estou sentindo falta dos nossos momentos juntos. Cafés da
manhã, caminhadas, longas conversas na cama que se estendiam
pela madrugada. Jantares românticos, os passeios de carro. O sexo
alucinante. Ele tocando apenas para mim.

Ele é o meu tudo.

Atravessa o quarto, encosta a cabeça na moldura da janela e


olha para fora.

— Nos veremos em breve. E Lyric também. — Eu digo para


suas costas.

— Eu sei.

536
Vou até ele e coloco minha mão em seu braço. E toco meus
lábios em seu ombro deixando que fiquem ali no calor de sua pele.

— Blue? Você está bem?

Ele balança a cabeça e se vira para mim.

— Sim. Apenas me sinto... desligado.

— Desligado?

— As coisas que costumavam me assustar? Agora são tudo


que eu quero. Tudo em que posso pensar. E sinto um gosto, depois
desaparece.

Uma contração de ansiedade se agita no meu peito. — Você


quer dizer eu? Nós?

— Sim. Eu amo a banda, porém ela me leva em muitas


direções diferentes. — Ele bate a cabeça com o dedo. — Minha
mente gira sem parar.

Assinto e empurro de volta a ansiedade crescendo em mim.


— Primeiro, ainda não fui embora. Estou sempre com você, mesmo
quando estamos separados. Segundo, sei que é muita pressão, você
precisa tentar resolver uma coisa de cada vez. — Eu me sinto
impotente tentando dar conselhos. Não sei nada sobre o que
acontece em sua banda e em sua turnê, todas as coisas por trás dos
palcos que ele precisa lidar.

— Quero estar em dois lugares ao mesmo tempo e não posso.


Todo mundo quer que eu esteja em vinte lugares ao mesmo tempo.
Gosto de você dormindo comigo todas as noites. Gosto da firmeza
do dia com você. E me sinto contente. Em paz, como minha tia disse

537
que a pena proporcionaria. Você é a única coisa que já me fez sentir
assim e estou com medo de que, longe de você, volte a ficar confuso.

Descontrolado.

Quero ser o paraquedas – aquela que gentilmente o


conduzirá com segurança pela vida. Poderia deixar meu trabalho,
dar aulas para Lyric e viajar com Blue para todos os lugares que a
banda o levar. Seria uma vida diferente para nós, que poderia ser
emocionante. Lyric e eu poderíamos ver o mundo. Eu estaria lá para
ele, noite e dia, dando-lhe a paz que necessita. Poderia mantê-lo
equilibrado e saudável.

Engulo a saliva, ingerindo a loucura que tentou sair da


minha boca e se tornar uma realidade muito irreal.

Não posso abandonar minha filha e minha vida neste


momento. Algum dia... eu adoraria. Quando souber que Blue pode
nos prometer a mesma segurança e compromisso que podemos dar
a ele.

Não quero nada mais do que apoiá-lo e ser sua rocha,


quando precisar de mim. Sempre serei. Mas precisa ser igual ou
pelo menos próximo. Preciso que ele chegue lá por conta própria.

— Podemos conversar todos os dias. — Prometo. — E vídeo


chat. Tudo o que temos continua, mesmo que não estejamos
fisicamente juntos, certo? Não tem sido sempre?

— Sim. Sempre.

— Então, ficaremos bem. — Pego a minha mão e coloco na


dele que está suada e trêmula.

538
Seus olhos estão escuros e intensos, o sorriso que eu me
acostumei a ver esta semana se foi. — Não quero perdê-la, Piper.
Quero fazer tudo certo e não sei como. Estou com medo de estragar
tudo. Como sempre faço.

— Você não vai. Foi perfeito. Nunca fui tão feliz. Você não
precisa se preocupar com nada. — Aperto sua mão com mais força.

— Acredita que vai durar? Comigo estando em vários


lugares?

Eu quero que dure. Mais do que tudo. Nossa duração


depende apenas dele. Não posso dizer a verdade, no entanto. Não
tenho certeza se por todo o lugar está falando das viagens
profissionais ou sobre o interior de sua mente.

— Acredito que sim. É tudo o que eu anseio.

Ele parece desconfortável. Preocupado. Perdido em seus


pensamentos novamente.

— Posso ter ficado meio louco. — Ele finalmente diz. Ele olha
para o chão, me evitando.

Por favor, não. Novamente não.

Meu coração acelera rapidamente como um cavalo tentando


sair da areia movediça. Eu me esforço para respirar calmamente.

— O que você quer dizer?

Ele esfrega a palma da mão na testa. — Ontem... fiz algo que


talvez não devesse.

Merda!

539
— Você foi comprar drogas? Eu tive um mau pressentimento
quando saiu. Foi tão repentino e não me disse para onde estava indo
nem me convidou para acompanhá-lo. — Eu balancei minha
cabeça. — Simplesmente não entendi.

Seu rosto se contorce em incredulidade. — O quê? Não. —


Ele se afasta e dá alguns passos para longe de mim. — Porra, Piper.
Foi o que você pensou? — Ele pergunta quando se vira.

— Sinto muito, Blue, sim, passou pela minha cabeça. E


agora você está agindo de forma estranha.

— Eu não fui comprar drogas. Estou totalmente limpo. E não


estou agindo estranho, estou nervoso.

— Por que você está nervoso?

Ele coloca a mão no bolso da frente e tira uma pequena caixa


de veludo azul royal. — Isto.

Olho para ele e em sua mão enquanto meus batimentos


cardíacos aceleram.

— Não sei como fazer. Sei que deveria planejar um grande


momento romântico. E queria bebê. Realmente queria. Porém o
lugar onde realmente queria fazer isso está muito longe. Então sinto
que estraguei tudo e será outra decepção causada por mim com a
qual você terá que viver.

Oh meu Deus. Ele está me pedindo para...

Ele abre a caixa. — Há muito tempo prometi te dar todos os


amanhãs que pudesse. Eu sei que não deveria tomar nenhuma
decisão na vida ainda, foda-se esta merda, estou fazendo porque
nada mudará o que sinto. Eu sei que não podemos nos casar até

540
que eu esteja bem de verdade e prove que não vou desistir. Até lá
quero que você use este anel, então você saberá que estou falando
sério. Saberá que você é a minha casa. — Ele respira fundo. — Sinto
muito se estraguei tudo e não foi romântico.

É maravilhoso.

É real e não planejado, dolorosamente honesto, apenas ele.


Olho para a grande pedra brilhante cercada por outras pequenas
em uma faixa de ouro branco.

É lindo. O anel dos sonhos de toda mulher.

E vem com a promessa dele – meu homem dos sonhos – e


todos os amanhãs. Com ele. Eu me jogo em nele, envolvo meus
braços ao seu redor e o escalo como uma árvore, envolvendo minhas
pernas em sua cintura sufocando-o com beijos.

— Eu te amo tanto. — Sussurro entre beijos. — E minha


mente está totalmente eufórica.

Ele segura minha nuca e me beija, sorrindo em meus lábios.

O sorriso mais sexy e especial do mundo.

541
Capítulo 42
Piper

Lyric e eu estamos curtindo uma preguiçosa e chuvosa


manhã de domingo juntas no sofá. Estou imersa num novo livro
com Archie no meu colo, ela mexendo em seu laptop. Blue voou na
noite passada para ficar conosco por alguns dias, antes de ter que
se encontrar com a banda para o próximo show. Ele parecia
completamente exausto quando o pegamos no aeroporto, estava
tomando energético como se fosse água, na tentativa de se manter
acordado para conversar comigo e Lyric.

Quando chegamos do aeroporto, ele estava sofrendo com


uma de suas terríveis dores de cabeça. Caiu na cama, o efeito da
adrenalina e cafeína em seu organismo não passaram, então dei a
ele um dos relaxantes musculares que tenho para as dores
ocasionais que sinto no pescoço. Pareceu acalmá-lo e ele finalmente
adormeceu. Aconcheguei-me nele toda a noite enquanto dormia,
acariciando seu rosto e seu cabelo, sussurrando o quanto o amo.
Enquanto ele dormia, uma pequena preocupação me incomodou
sobre o remédio. Tentei lembrar do que Reece e eu conversamos, me
perguntei se fiz a coisa errada dando a ele alguma coisa. Blue não
disse nada, como fez antes no passado, será que deveria?

542
Lentamente esfreguei suas costas e ombros tensos, rezando para
que nenhum mal acontecesse por causa da minha ação bem-
intencionada. Ele está dormindo profundamente e é do que precisa.
Não me importo se ele dormir o tempo todo que estiver nos visitando,
desde que descanse e se sinta amado.

— Eu quero mostrar uma coisa. — Lyric diz abrindo a tampa


do laptop. — Olhe isso. — Ela o vira de lado para me mostrar uma
página de adoção de um abrigo de animais nas proximidades. A
página está cheia de fotos de um adorável cachorrinho marrom e
branco com uma orelha de abano e uma orelha reta e grandes olhos
tristes. — Olhe para a carinha dele, mamãe. Parece com Bolota, só
é mais jovem e meio triste. Seu perfil disse que ele foi abandonado
por um carro. Como alguém pode fazer algo assim? — Sua voz falha
e seu lábio inferior treme de emoção. — Ele deve se sentir tão
abandonado. Parece muito solitário. Alguém precisa amá-lo.

Às vezes ela é tão adulta que é assustador.

Deixei meu leitor digital para olhar mais de perto para as


fotos. Li a biografia detalhada do cão adorável e sei que,
provavelmente, estará brincando em nosso quintal amanhã.

Sinto que quero o cachorrinho solitário tanto quanto minha


filha. Talvez até mais.

— Podemos ir vê-lo hoje, mamãe? Ver se ele é o único?

— Perguntaremos a Blue quando ele acordar, ok? É uma


decisão que devemos tomar como uma família.

Seu rosto se ilumina. — Ele vai amá-lo. Eu sei que sim. —


Ela fecha seu laptop. — Tocarei harpa para ele enquanto está
dormindo. Ele gosta.
543
Meu coração se enche de amor por ela, enquanto ela toca
melodias suaves e relaxantes em sua harpa para o pai. Ela e Blue
desenvolveram uma forte ligação emocional e ela assumiu um papel
quase protetor quando se trata dele. Enquanto ele é incrivelmente
paciente e carinhoso com ela, sempre fazendo com que se sinta
especial e apoiada, não importa com o quê. Nem uma vez faltou em
seu compromisso com ela – ou comigo – desde que nos tornamos
uma família.

É como se o amor em sua vida tivesse feito uma reviravolta


em Blue e o homem que sempre acreditei estar dentro dele, agora
estivesse do lado de fora.

— Obrigado, bebê. — Ele diz quando me junto a ele na minha


pequena varanda de trás com uma xícara de chá para cada um de
nós. Ele está fazendo algo que não consegue mais fazer – assistir a
chuva fina cair.

— Você parece muito melhor hoje. — Gentilmente afasto seu


cabelo úmido do rosto. Doze horas de sono e um banho quente
fizeram maravilhas para ele.

— Sempre me sinto melhor quando estou em casa com vocês.


Estou um pouco chateado. Perdi uma noite com você porque dormi
demais.

— Nós não perdemos nada. Fiquei com você a noite toda


enquanto dormia. — Provoco.

— Figurativamente. — Ele sorri e toma seu chá. — Sinto falta


de todas as coisas boas.

Fecho minhas mãos ao redor da caneca quente. — Lyric já


falou com você?
544
Ele balança a cabeça lentamente, um sorriso se espalhando
pelo rosto. — Sim. Espero que esteja tudo bem, disse a ela que todos
iríamos ao abrigo em cerca de uma hora.

Eu sorrio. — Claro. Um cachorro seria bom para todos nós.


Ela está esperando há muito, como parece que ficaremos aqui por
um tempo, já que vocês adicionaram mais shows a sua turnê, então
devemos ir em frente. Não há realmente nenhuma razão para
esperar.

— Prometo que depois que acabar esta merda de turnê,


compraremos uma casa maior, então todas as nossas coisas estarão
num só lugar. E não ficaremos indo e voltando daqui para Seattle o
tempo todo. Odeio isso.

— Nós não nos importamos, estarmos juntos é tudo que me


importa.

Um músculo em seu queixo se contrai. — Eu não dei nada a


vocês. Primeiro Josh deu-lhe uma casa, então você comprou uma
por conta própria. Eu não deveria cuidar de você? Lyric não é mais
uma criança, deve pensar que sou uma negação quando se trata de
cuidar de minha própria família.

Não tenho ideia de onde estes pensamentos negativos


vieram.

— Blue, ela o adora. Sua mente não funciona assim. Ela


adora você. Quantas filhas podem se sentar e conversar com seus
pais por horas sobre música, arte e poesia? Quantos escrevem
músicas juntos? Quem canta para dormir quando ela não se sente
bem, mesmo que você esteja a milhares de quilômetros de distância
em um fuso horário diferente? É algo que vem de você.
545
Ele olha para o chá, porém não diz uma palavra.

— Ela também consegue ver como você me trata. Como abre


as portas e me deixa bilhetes de amor. Como cozinha para nós. Ela
vê como sempre encontra tempo para nós, não importa quão
ocupado esteja com a loucura da banda. Ela vê como você me trata
com amor e respeito. Como é sempre tão amável com seus fãs e
nunca os maltrata. Isso é cuidar de sua família, Blue e, acredite em
mim, nossa filha vê. Ela sabe que seu pai não é apenas um astro do
rock. Ela sabe que você é uma pessoa incrível.

Uma lágrima brilha no canto do seu olho e, mesmo que seja


apenas uma pequena gota, sinto como se pudéssemos nos afogar
nela.

— É tudo que eu quero que ela sempre veja Piper. — Sua voz
está tensa, como se lhe doesse dizer as palavras. — Não quero que
ela veja meu outro lado.

Ir ao abrigo de animais foi uma experiência angustiante que


eu não esperava. Todos aqueles cachorros em fileiras de gaiolas,
latindo, latindo, pulando. Eles nos olham com seus olhos
suplicantes enquanto subimos e descemos as fileiras. O sorriso de
Lyric vai desaparecendo a cada passo e ela se agarra à mão de Blue
com as duas mãos dela.

— Aqui está ele. — A voluntária anuncia, parando em frente


a uma das gaiolas. O cachorro está encolhido no canto em uma bola,
tentando não ser notado. — Ele está aqui há seis meses. É muito
quieto, nunca late. Não brinca. Costuma passar dias sem comer.
Estava um pouco machucado quando chegou, tinha uma perna
quebrada e foi arranhado, está curado agora. Temos alguns filhotes

546
realmente adoráveis e brincalhões se estiver procurando um bom
animal de estimação para sua filha. Preciso ser honesta, este cão
está deprimido e provavelmente não será um bom animal de
estimação. — Ela estreita os olhos para Blue e franze sua testa. —
Você sabe que se parece com aquele cara daquela banda?

— Abra a gaiola. — Blue pede com os olhos fixos no cão. —


Agora, por favor.

A garota abre, Blue imediatamente entra e se aproxima


lentamente do cachorro que o observa com olhos arregalados e
aterrorizados. Blue se ajoelha, sussurrando suavemente para ele
gentilmente acaricia sua cabeça. O cachorro fica imóvel sob as
carícias de Blue, como se estivesse prendendo a respiração.

— Ele está tão assustado. — Lyric sussurra ao meu lado e


me pergunto se realmente seria uma boa ideia. Levar um cachorro
para casa deve ser uma experiência feliz, não uma decepção total.

Enquanto acaricia o cachorro, Blue coloca a mão no bolso e


tira alguns pedaços pequenos de comida e os oferece ao cachorro,
um a um, primeiro convencendo o cão a ficar de pé, então,
lentamente, o leva para seu colo.

Rosbife fatiado.

Ele deve ter pego na geladeira antes de sairmos de casa.

Eu rio um pouco e balanço minha cabeça enquanto Blue


pega o cachorro e o embala em seu peito, em seguida, o leva para
fora da gaiola para o acariciarmos suavemente. Ele é adorável, de
fato tem os olhos mais tristes que qualquer animal que já vi.
Entretanto, sua cauda está abanando levemente, quando Lyric beija
sua testa.
547
— Vamos levar este. — Blue diz à voluntária.

Meia hora e quatro folhas de papel depois, estamos voltando


para casa com um cachorrinho de olhos tristes com um olhar
bastante chocado em sua cara peluda.

— Você nunca será machucado novamente. — Blue está


sussurrando no banco de trás ao lado de Lyric que carrega o
cachorro em seu colo. — E nunca mais terá medo, nem solidão ou
fome. Prometo.

— Temos que escolher um nome para ele. — Lyric diz.

— Não, você precisa esperar. Ele lhe dirá o nome dele.

— Como?

— Precisa se sentar com ele por um tempo, conversar e olhar


nos olhos dele. E de repente, seu nome surgirá em sua cabeça. É
como telepatia especial de cachorro.

Olho para eles pelo espelho retrovisor e Lyric está sorrindo,


aceitando totalmente a teoria de Blue.

— Bolota lhe disse o nome dele? — Ela pergunta.

— Sim. Exatamente assim.

— Foi como você escolheu seu nome, Blue? Simplesmente


surgiu na sua cabeça?

Ele vira a cabeça para olhar pela janela do carro. — Sim. Um


dia acordei com asas e pude cantar e de repente, meu nome era
Blue.

Suas palavras soam poéticas – como as palavras de suas


canções. E posso ver que Lyric acredita nelas totalmente.

548
Algo no fundo do meu coração diz que não são apenas
palavras.

549
Capítulo 43
Piper
2012

— Quando você voltará para casa? — Prendo o telefone no


meu ombro e termino de esfregar o creme hidratante de lavanda por
meus braços. Essa mistura em particular supostamente melhora o
sono e, se eu soubesse que ele ligaria, não teria sentado na cama e
começado a passar.

— Um... semana que vem? Na próxima, talvez? Realmente


não sei, bebê, está tudo uma loucura e não tenho uma agenda na
minha frente. Eu nem sei que dia é hoje.

Desapontamento provoca uma queimação no meu estômago


e um peso no meu peito que tem crescido mais e mais nas últimas
semanas. Receio que me sufocará em breve.

Deixo escapar um suspiro que pretendia liberar a pressão em


meu corpo, em vez disso, pareceu o som de um suspiro irritado.

— Piper… eu sei que você está irritada, também estou, essa


merda está fora do meu controle. Vic marcou algumas entrevistas
de rádio ao vivo e aqueles programas de TV tarde da noite. Eu nem
sei mais, simplesmente vou aonde me mandam.

550
— Eu sei. — Falo. — Sei que não é sua culpa. E não estou
irritada. — Só me sinto sozinha e louca para ter meu noivo em casa.
Estou desesperada para ver seu sorriso e sentir suas mãos me
acariciando. Quero sentir seu cheiro e encher meus pulmões com
seu perfume masculino e reconfortante. Nada mais consegue tirar
esse peso do meu peito.

— Sinto sua falta e de Lyric. Odeio essa porra. Você não tem
ideia.

Ah, eu tenho uma ideia, porque também detesto não vê-lo


com frequência.

— Também sinto sua falta. Nós duas sentimos.

— Você? Ou está finalmente ficando cansada de mim e toda


essa porcaria?

— É óbvio que sinto a sua falta. Lyric e eu sentimos. E o


mesmo acontece com Archie e Mickey. Só... — Escolho minhas
palavras com cuidado — … é difícil ficar sem você por tanto tempo.
Nós não o vemos, faz o que, um mês?

Ele geme. — Cristo, tanto tempo assim?

— Sim.

— Porra, Joaninha. Sinto muito. Não tenho mais noção do


tempo. Os diferentes fusos horários me confundem.

— Eu sei. Tudo bem, querido. Sério.

Ele tosse e o ouço tomando um gole de alguma coisa. — Não


está tudo bem.

Eu giro o anel de noivado no meu dedo, virando-o de maneira


que fique reto. A pedra é tão pesada que sempre se inclina para o
551
lado do meu dedo mindinho, me recuso a tirá-lo para mandar
apertar. Nunca o tiro do dedo. É este símbolo de promessas que me
faz continuar – nosso casamento. Nosso para sempre.

Está demorando mais do que eu esperava.

— Você está bem, Blue?

— Estou cansado e minha garganta dói, é tudo. E gostaria


de estar na nossa cama e não neste hotel. Tenho dois lugares para
morar e ainda me sinto desabrigado. A ironia da minha vida é um
saco.

— Não fale assim.

— É verdade. Tudo que desejo é estar em casa. Acordo todas


as noites procurando por você e, quando percebo que não está aqui,
perco a cabeça. Sinto falta de fazer panquecas e das suas
risadinhas, dos seus pequenos gemidos sensuais. Viver assim é
doloroso e nem sei mais por que estou fazendo isso.

— Porque você nasceu para cantar e trazer música ao


mundo. E o mundo o ama.

— Bem, não estou mais amando esse mundo. Amo você,


minha filha e aquelas criaturas peludas que dormem com minha
garota todas as noites em minha cama.

Eu daria tudo para tê-lo em nossa cama agora. Preciso que


esteja aqui, pessoalmente, para que possa olhar em seus lindos
olhos azuis e dizer todas as coisas que tenho esperado semanas
para dizer.

— Espero que você venha em breve, possa descansar e


recarregar as baterias. Você está muito cansado. — Toda vez que a

552
banda viaja para o exterior, ele fica agitado e deprimido. Acredito
que a diferença de horário e a falta de sono realmente mexem com
ele e o estressam.

Ele tosse novamente, ouço o som de seu isqueiro. Meu


coração se aperta quando o ouço inalar. Dois meses atrás ele parou
de fumar cigarros. Aposto que o estresse da turnê foi o que fez com
que começasse novamente.

— Você sabe o que mais, bebê? Só quero terminar.

Meu coração acelera. — O que você quer dizer com terminar?

— Com a banda. É como um vampiro me sugando e não


tenho mais nada para dar. Estou tão cansado. Amo escrever e tocar,
nem isso faço mais. Sou como um robô na metade do tempo. A única
vez que amo o que estou fazendo é quando toco para você.

— Está dizendo que quer sair da banda?

Ele inala, faz uma pausa e exala fumaça.

— Sim. Acho que sim.

— Você realmente terá que pensar bem. — Eu falo. Não posso


negar que adoraria tê-lo em casa o tempo todo e não ser puxada em
oitenta direções pelo mundo, só não há como eles substituí-lo. Sua
voz é muito original, sua presença carismática demais. Os fãs
jamais aceitariam outra pessoa em seu lugar. Simplesmente não
funcionaria.

Também não acredito que o resto da banda irá deixá-lo sair


sem lutar. Apesar de Reece também ter dito estar cansado de tudo,
os outros membros e seu empresário estão amando a fama e a
fortuna. Nunca conseguem o suficiente.

553
— Venho pensando a respeito faz algum tempo. Estou tão
cansado que dói, Piper. Não consigo explicar Só quero você em meus
braços todas as noites, ficar ouvindo a chuva.

— Eu também. — Falo fracamente. Estou quase com receio


de pronunciar as palavras por medo que aconteça.

— O que você está fazendo agora? — Pergunto, sem saber se


é de manhã, meio-dia ou noite onde ele está.

— Apenas descansando no meu quarto. Queria tirar uma


soneca antes de precisar sair, não consigo desligar meu cérebro.
Sinto muito sua falta.

Alcanço o aparelho de som ao lado da cama e puxo para mais


perto de mim. Mudo para a configuração de chuva e coloco o telefone
no alto-falante.

— Quero que você se deite na cama, fique confortável e ouça.


Estarei bem aqui na cama com você. Apenas feche seus olhos, pense
em nós, na chuva e nada mais. Ok?

O som de lençóis farfalhando e o rangido de um colchão me


permitem deduzir que ele está indo para a cama.

Um suspiro profundo vem pela linha. — Você é incrível,


Joaninha. Sabia? Não sei o que faria se você não me amasse.

Eu sorrio no escuro e a pressão no meu peito aumenta um


pouco.

— Você nunca precisará se preocupar meu coração não bate


sem o seu.

554
Fico no telefone ouvindo sua respiração, depois de alguns
minutos posso dizer que dormiu. Mantenho o telefone e a música de
chuva em seu travesseiro ao lado do meu, logo durmo também.

Sonho que ele está em casa, me envolvendo em seus braços


e eu finalmente posso lhe dizer que teremos mais um bebê.

555
Capítulo 44
Blue

Eu ligo para o celular dela pelo que deve ser a quinquagésima


vez.

Chama.

Chama.

Chama.

Chama.

Olá, você chegou ao correio de voz de Piper Karel. Deixe-me


uma mensagem e ligo de volta assim que puder. Obrigada!

— Bebê, sou eu. Onde você está? Estou ligando por horas.
Não tenho certeza do que está acontecendo. Ligue quando puder.
Eu te amo.

Minha mão treme muito quando termino a ligação. As cinzas


caem do cigarro que estou segurando e se espalham pelo tapete do
hotel. Seguro entre os meus lábios e a trago como se eu estivesse
puxando o próprio ar. Seguro a fumaça nos meus pulmões. Deixo-a
preencher o vazio e depois solto.

556
Ando pelo quarto. Exatamente seis passos para a varanda.
Exatamente seis passos de volta para a beira da cama.

Seis.

Seis.

Seis.

Piper sempre responde minhas ligações. Ela é uma criatura


de hábitos extremamente regulares – sempre no mesmo lugar na
mesma hora do dia, todos os dias. É a única que não fode comigo
ou me confunde.

São cinco da tarde lá.

Dez da noite aqui.

Acordei às seis da manhã. Ou não? Que dia é hoje?

Será que realmente importa?

Onde ela está?

Joaninha, você finalmente voou para longe de mim?

Acendo outro cigarro. Agora tenho um em cada mão.

Ela se foi.

Não há mais vozes suaves. Sem sorrisos. Sem amor. Não há


mais esperança. Não há mais paz. Nada de normal.

O silêncio é enlouquecedor, se debatendo no meu cérebro


como um animal selvagem. O vazio está transformando meu sangue
em gelo.

Estou tremendo de frio.

Ela o deixou.

557
Todos eles o deixaram.

Não.

Bebida. Derreterá o gelo. Você precisa de calor em suas veias.

Não.

As drogas vão curar você. Está doente. Anestesiará a dor.


Silencie o silêncio.

Não.

Ninguém saberá. Você está sozinho. Está sempre sozinho.


Apenas me tem. Eu não contarei.

Não. Elas me amam.

Você as desaponta. Elas merecem coisa melhor. Elas fugiram.


Estão se escondendo de você.

Elas não fariam isso.

Evan, seu idiota. Elas já fizeram.

Vá embora. Por favor, vá embora.

Voe para longe de tudo. Você sabe que tem asas. Use-as.
Venha comigo. Fique na varanda. Apenas seis passos. Voe comigo.
Você nunca se machucará novamente. Será livre, assim como eu.
Veja-me voar. Faça o que eu faço.

Não, eu não tenho asas.

Shhh você pode cantar e voar como eu. Não o deixarei cair.

Não, você não é real.

Agarro o telefone novamente e aperto meu dedo na discagem


rápida para a casa de Piper.

558
Chama.

Chama.

Chama.

Chama.

Chama.

— Olá, não estamos em casa agora. Deixe-nos uma


mensagem. Obrigada!

Porra.

Que porra está acontecendo?

Eu me esforço para usar minha voz calma, sóbria, tento, não


quero preocupá-la. Provavelmente teria mais facilidade em cantar a
merda do Hino Nacional neste momento.

— Piper… eu preciso de você, bebê. Onde você está? Não


consigo encontrá-la ou Lyric. Por favor, não faça isso. Estou melhor
agora. Eu te amo. Por favor, volte.

Ando novamente. Saio para fora da porta e desço as escadas.

São tantos malditos degraus, que não posso nem contar.


Toda vez tento, tem mais.

Estou andando.

Saio na noite, no ar fresco e aberto.

Meu coração está doendo, meus dedos estão dormentes.


Minha visão está borrada como uma fotografia queimada. Tudo está
desaparecendo.

Eu ando.

559
Degrau. Degrau. Degrau. Degrau.

Um dois três quatro…

Cada passo me acalmando. Limpando minha mente.


Movendo-me para frente. Longe, longe, longe das vozes.

Caminhando.

Por quanto tempo for necessário, até onde for preciso.


Enquanto estiver andando, não posso voar.

560
Capítulo 45
Piper

As palavras da médica ainda estão ricocheteando na minha


cabeça, embora tenha certeza de que cinco minutos completos se
passaram desde que ela as disse em sua voz suave.

— Sinto muito, Srta. Karel. Não há batimentos cardíacos.


Parece que o bebê parou de crescer com aproximadamente nove
semanas.

Três semanas atrás, meu pequeno bebê me deixou.

Eu nem sabia. Como não percebi?

E Blue, meu amor, nunca soube que um bebê estava


esperando que ele voltasse para casa. Um bebê sobre o qual queria
fazer uma surpresa contando pessoalmente, para que pudéssemos
fazer o certo desta vez. Juntos.

Um bebê que ele nunca deveria perder um momento.


Acabou.

A dor passa através de mim e balanço minha cabeça


enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto, me abraço, apertando
meu estômago.

561
Meus soluços estão abafando a voz da médica, afogando suas
palavras enquanto ela continua dizendo coisas que nenhuma mãe
deveria ouvir.

— Você tem certeza? — Pergunto desesperadamente


enquanto a enfermeira me ajuda a sentar. — Eu estava bem.
Totalmente bem, na verdade. Não estive doente, nem tive cãibras ou
sangramento, nada. Acho que está errado. Talvez o bebê seja
pequeno? Eu sou muito pequena e minha filha também. Ela mal
tinha três quilos quando nasceu. Na gravidez inteira. — Engulo e
tento recuperar o fôlego. — Você pode verificar novamente?

A Dra. Powell balança a cabeça, tirando as luvas roxas de


látex.

— Sinto muito, Piper. Não há dúvidas. Eu sei quão


devastador é para você, sinto muito mesmo.

Sinto ondas de náusea, tontura e uma sensação


avassaladora com a realidade cruel. Em casa, uma camiseta preta
com o nome da banda de Blue espera por ele ao lado da cama.

Queria tirar esse ridículo roupão de papel, sair dali, ir para


casa e ligar para Blue. Poderia contar a ele sobre o bebê, não vai
acontecer.

Eu posso fazer parar. Posso trazê-lo de volta.

Tudo vai parar. Nosso pequenino estará a salvo, aninhado


em meu ventre, esperando para entrar em nosso mundo e usar sua
pequena camiseta.

Blue ficará tão feliz. Ele vai me dizer o nome do bebê e eu


acreditarei nele.

562
Lyric tocará canções de ninar em sua harpa ao lado da minha
barriga. Será um menino. Posso sentir na minha alma. Filho de uma
lenda do rock que seguiria os passos de seu pai.

Outro filho maravilhoso, Blue diria com aquele seu sorriso


sexy, confiante e orgulhoso que me transforma em geleia. Posso ver
nosso bebê tão claramente, tão vividamente.

Ele é real. Não pode ir embora. E se tivesse implorado a Blue


para voltar para casa, se tivesse viajado para Londres para vê-lo
quando pediu semanas atrás. E se não tivesse mantido o bebê em
segredo, deixado que Blue – ou qualquer outra pessoa – soubesse
que esta minúscula vida existia, talvez não tivesse acontecido.
Talvez se tivesse sentido o quanto era amado e querido por todos,
teria ficado.

Estou internada no hospital para um procedimento no final


da tarde que levará meu bebê embora para sempre. Ligo para Dee e
choramos juntas como fizemos muitas vezes desde que éramos
meninas, desta vez é mais difícil, pior, inimaginável.

Dee assume o controle, arrumando para ficar em minha casa


esta noite para cuidar da minha filha e dos meus animais de
estimação. Amanhã ela levará Lyric para a escola, então ela e Billy
buscarão meu carro para me levar para casa para me recuperar.

Honestamente, não acho que me recuperarei. Como é que


alguém consegue?

Eu deveria ligar para minha mãe. Não. Não posso. Não estou
pronta para falar com ninguém. E me recuso a compartilhar minha
perda com qualquer outra pessoa até que possa falar com Blue.

563
Eu não tenho ideia de como encontrarei as palavras para
contar a ele que perdemos nosso bebê e por alguns momentos penso
na possibilidade de nunca contar. Posso protegê-lo dessa mágoa,
salvá-lo de adicionar mais angústia a tudo com o qual está lidando
em sua vida atualmente.

Algo tão horrível poderia levá-lo de novo ao limite, de volta


aos braços sedutores das drogas e do álcool. Eu me atreveria a
arriscar tudo?

Sim. Preciso contar.

Olho para o anel no meu dedo. Prometemos amar um ao


outro por todos os dias. Não importa o que aconteça. Mentiras e
segredos nos assombrarão e nos destruirão eventualmente. A
verdade sempre encontra uma maneira de ganhar vida própria e
aparecer.

Respirando fundo, decido que ligarei para ele de manhã


quando tudo acabar. Meu celular está desligado na bolsa, de
qualquer forma e as informações sobre seus hotéis estão salvas nele.
Se ligar para ele amanhã, não terá que se preocupar comigo a noite
toda.

Podemos sobreviver aos seus vícios novamente se for


necessário, porém acho que nunca sobreviveremos à mentira. Eu o
perderia para sempre. Não posso perdê-lo e não me arriscarei.

564
Capítulo 46
Piper

Assim que chego em casa, ligo para o celular de Blue e cai


diretamente no correio de voz. Merda! Ele sempre se esquece de
carregar seu telefone, então deve estar desligado.

Deixo-lhe uma mensagem: — Olá, sou eu. Ligue quando


puder. Sinto sua falta e amo você.

Eu tiro meu celular da bolsa e o conecto, esperando que ele


tenha energia suficiente para ligar. Quando a tela finalmente se
acende, fico chocada com as notificações que vejo na tela.

Cento e vinte e oito ligações perdidas.

Vinte e cinco mensagens de voz.

Dez mensagens de texto.

Puta merda.

Todas, exceto quatro das mensagens de voz, são sons de


respiração ou do telefone clicando com a desconexão.

As quatro mensagens reais variam de doces para o que soa


como um colapso total.

Estou melhor. Por favor, volte!

565
Aquelas palavras familiares que ele costumava dizer tantas
vezes quando estava lutando contra seus demônios e as coisas
estavam ruins entre nós. De alguma forma ele chegou lá antes
mesmo de saber o que aconteceu e agora estou paralisada. O que
houve? Ele surtou quando não conseguiu me contatar e simplesmente
assumiu que o deixei?

Eu busco as informações do hotel salvas no meu telefone e


ligo para o quarto dele, não há resposta. De acordo com o e-mail que
me enviou há alguns dias, ainda deveria estar hospedado neste
hotel. Imediatamente ligo para a recepção.

— Olá, você pode me dizer se o Sr. Von Blue do quarto 4032


já saiu do hotel? Liguei para o quarto dele e não há resposta. É Piper
Karel, sua noiva.

— Um momento. — Ouço a recepcionista clicando em um


teclado do outro lado. — Está mostrando que o Sr. Von Blue ainda
está no hotel. Gostaria de deixar uma mensagem na recepção para
ser entregue a ele?

Meu coração fica ainda mais apertado. — Não, obrigada.

Eu mordo a unha com preocupação e me sento na beirada


da cama. Ainda estou sangrando e com cãibras, tonta da anestesia
de ontem, além dos analgésicos que tomei esta manhã. Recebi
instruções do médico para descansar e me dar tempo para me curar
mental e fisicamente. Já falei com o Recursos Humanos e solicitei
uma semana do meu período de férias.

Descansar simplesmente não acontecerá até encontrar Blue


e ter a chance de uma conversa de coração para coração com ele, a

566
respeito de tudo que aconteceu nas últimas vinte e quatro horas e
garantir que eu, definitivamente, não o abandonei.

Não consigo imaginar por que pensaria que o fiz quando


estávamos tão felizes. Busco o número de Reece no meu telefone e
ele atende no segundo toque. O telefone de Reece sempre é atendido.

— Olá?

— Reece... oi... é Piper.

— Hey... hum... eu estava realmente prestes a ligar para


você.

— Blue está bem? Não consigo entrar em contato com ele e


estou preocupada.

— Merda. É por isso que iria ligar. Ele se foi.

Meu coração quase explode e minha cabeça gira com


tontura. Como ele pode ter ido embora? Blue não faz mais isso.

— Sobre o que está falando?

— Não conseguimos encontrá-lo. Todas as suas coisas estão


em seu quarto, exceto seu violão favorito. Seu telefone vai direto
para o correio de voz, então, como de costume, a bateria dele deve
estar descarregada.

Tudo continua piorando. Blue poderia estar perambulando


por Londres agora mesmo com um celular descarregado e não tem
como ligar, o que significa que não há como eu entrar em contato
quando preciso dele mais do que nunca.

Como se a situação não fosse ruim o suficiente, enquanto


estava perdendo nosso bebê, ele, de alguma forma, chegou à
conclusão de que o abandonei.
567
— Oh meu Deus... não posso acreditar... ele falou alguma
coisa para qualquer um de vocês? Ontem?

— Não, foi um dia tranquilo, estávamos todos descansando


em nossos quartos sozinhos tentando recuperar o sono. Tudo foi
ótimo. Nós tínhamos uma entrevista esta manhã e ele não apareceu.
Nós dissemos que ele estava doente e fizemos sem ele. Eu não tenho
a mínima ideia de onde ele pode estar. Procurei em todos os lugares.
A cidade é grande e ele sabe como não ser encontrado.

É um eufemismo.

— Reece. — Eu puxo o ar e exalo em respirações instáveis.


— Precisamos encontrá-lo. Eu tenho que falar com ele o mais rápido
possível. — Soluços sufocados começam e não consigo parar.

— Whoa, Piper. Não chore. Tenho certeza de que ele está


bem. Continuarei procurando, prometo. Você sabe como ele é...
sempre aparece.

— Você não entende... aconteceu algo... acho que ele se


apavorou porque não conseguiu entrar em contato comigo ontem.
Eu estava no hospital e não consegui ligar para ele imediatamente.

— Espere o quê? Você está bem? Por favor, não chore, não
posso lidar com mulheres chorando.

— Sinto muito. — Soluço, enxugando o meu rosto. — Estou


tão assustada.

— Onde você está agora? Ainda está no hospital?

— Não... estou em casa. Minha melhor amiga me trouxe para


casa mais cedo.

— Então você está bem?


568
Estou bem? Não me sinto nada bem.

— Estava com doze semanas de gravidez. — Falo baixinho.


—Perdi o bebê.

Ele solta um gemido de dor. — Oh, querida. Eu sinto muito.

— Blue não sabia. Estava esperando que ele voltasse para


casa para contar, aí vocês acabaram ficando mais tempo e não
queria contar a ele pelo telefone, queria surpreendê-lo e... —
Lágrimas aparecem, minha voz falha e some.

Reece respira fundo no telefone. — Merda. Eu preciso


encontrá-lo e levá-lo para você.

— Você realmente acha que ele surtou novamente? — Eu


pergunto fracamente. — Será que ele está usando drogas?

— Eu não sei Piper. Blue faz coisas estranhas. Eu tenho


estado de olho nele e não o vi fazer nada. Nem uma gota de álcool,
nem mesmo uma recaída. Sem besteira, estava feliz por ser um
homem limpo. Sabe que pode vir a mim a qualquer momento e
estarei lá para ajudá-lo. Prometeu que se tivesse vontade de usar
novamente iria me procurar e me deixaria algemar sua bunda para
impedi-lo. É o quanto ele queria ficar limpo.

— Estou tão preocupada com ele... não consigo nem pensar


direito. Estou sentada aqui tremendo.

— Olha, minha irmã passou pela mesma coisa há alguns


anos. Você deveria estar descansando e não toda preocupada.

Ele está louco?

569
— Como posso descansar quando não sei onde ele está ou se
está bem e o que está acontecendo? Tenho medo que ele desapareça
por meses ou anos e eu não sobreviveria.

— Eu entendo, mas você precisa se cuidar também. Ele é um


menino grande e ficará bem. Provavelmente está apenas andando
por aí como sempre faz e acredite em mim, sei que isso não a está
ajudando nem um pouco, o que estou dizendo é que tenho certeza
que ele está bem e que não irá embora. Quanto a você precisa fazer
o seu melhor para ficar calma e cuidar de si mesma até que eu
encontre Blue e o leve para você.

— Estou tão assustada, Reece. Não acredito que


desapareceria de novo, especialmente quando mais preciso dele. Ele
me deixou muitas mensagens e por algum motivo louco pensa que
eu o abandonei. Por que pensaria assim? Ele sabe que eu nunca o
deixaria.

— É assim que a mente dele funciona. Não é você. É a forma


dele de lidar com as coisas, tão fodido quanto parece ser.

— Não sei o que pensar. — Murmuro, colocando meu rosto


na minha mão. — Só preciso dele comigo.

— Eu o encontrarei e o farei ligar para você. Colocarei o


telefone na mão dele. Prometo.

— Tudo bem. — Sinto-me totalmente sem esperança. — Acho


que tudo que posso fazer é apenas esperar, então.

— E descansar. Descanse Piper.

— Tentarei.

570
— Sinto muito sobre o bebê. E sei que se Blue tivesse alguma
ideia sobre ele, nunca teria feito nada. Ele te ama.

Depois que nos despedimos, coloco minha calça de moletom


mais macia e a camiseta de Blue antes de me deitar na cama para
descansar. Dee pegará Lyric na escola e ficará com ela durante a
noite para que possa ficar algum tempo sozinha e organizar as ideias
na minha cabeça.

Tento me focar em tantos pontos positivos quanto possível,


para não ser puxada para baixo na onda de depressão que está
aparecendo em minha mente e coração. Blue ama Lyric e a mim. Ele
não nos deixaria. Provavelmente precisava de tempo para pensar.

Nós todos ficaremos bem.

571
Capítulo 47
Piper

— Bebê, você está doente? — Ele beija minha testa e passa


seu polegar na minha bochecha. — Diga o que está errado.

Gemo e viro minha cabeça para o lado, implorando ao sono


para me levar embora de novo.

— Piper, abra seus olhos para mim.

Abro os olhos e olho para o teto, minha mente lenta e grogue.


O quarto está escuro e um olhar para as janelas revela que o sol não
está mais brilhando.

Quando ficou noite?

— Ei... — Sua voz é suave e cheia de preocupação.

— Blue? — Confusa, olho para ele e minha mão pousa em


sua perna.

Como ele pode estar aqui se estava em Londres?

Ele levanta minha mão para seus lábios e a beija. — Estou


aqui.

572
— Como você está aqui? Não consegui encontrá-lo... — Eu
me mexo para me sentar e uma onda de tontura joga minha cabeça
no travesseiro.

— Não consegui encontrar você também. Tive uma sensação


muito ruim, então entrei num avião e aqui estou eu. — Ele se abaixa
e me beija suavemente. — Estava realmente preocupado com você.

— Também estava preocupada com você. Reece está te


procurando.

— Não mais. Liguei para ele de um telefone público quando


aterrissei em Boston, a bateria do meu celular acabou ontem. Ele
me disse que eu precisava falar com você imediatamente. — Afasta
o cabelo do rosto e olha para mim intensamente. — O que está
acontecendo, Joaninha?

— Eu não posso acreditar que você está aqui. — Lágrimas


caem dos cantos dos meus olhos e escorrem até o meu couro
cabeludo.

— Onde está Lyric? Ela está bem?

— Sim. Dee e Billy a levaram para ver um filme ela ficará na


casa deles está noite.

Sua testa se franze. — Por que ela vai ficar lá? Eles vivem
apenas a alguns metros de distância.

Eu tento sentar novamente e tenho que fechar os olhos por


um momento para o quarto parar de girar. Ele agarra meus braços,
a preocupação em seu rosto está partindo meu coração, pois sei que
ficará muito pior dentro de alguns momentos.

573
— Piper, o que está acontecendo? Você está me assustando
muito.

Eu pego sua mão e entrelaço nossos dedos juntos.

— Eu tenho que te contar uma coisa. Você não conseguiu


entrar em contato comigo ontem porque estava no hospital, eu...

— Você está doente? — Pergunta ele e sua bela voz tremendo


de emoção e pânico.

— Não — falo rapidamente. — Não, não estou doente.


Realmente não sei como dizer, então serei direta, ok? Simplesmente
não tenho as palavras certas...

Seus olhos estão selvagens quando ele balança a cabeça.

— Eu tive um aborto espontâneo. Sinto muito... eu te amo


tanto e queria este bebê com todo meu coração... — Dizer as
palavras e ver a expressão de puro choque e incredulidade em seu
rosto, é mais do que posso suportar. Não seguro minhas lágrimas
por mais um segundo, escorrem pelas minhas bochechas como
pequenos rios.

— Havia um bebê? — Seus olhos azuis escuros se enchem


de lágrimas e é como olhar para dois oceanos de pura desolação.

Engulo o nó sufocante na minha garganta.

— Estava com doze semanas de gravidez. Fiquei esperando


você voltar para casa para contar. Queria dizer pessoalmente.
Estava tão animada, Blue. Queria que fosse especial e não pelo
telefone. Sinto muito.

574
— Bebê, não se desculpe. — Ele me puxa para seus braços e
me abraça com tanta força que perco o fôlego. — É tudo minha
culpa. Fodi tudo novamente.

Enterro meu rosto em seu peito. — Não. Não é sua culpa. O


bebê parou de crescer semanas atrás. Aparentemente algo deve
estava... errado.

Ele balança a cabeça violentamente. — Eu deveria estar aqui


para você e para o bebê. Você ficou irritada quando fiquei preso em
Londres por mais tempo do que esperávamos. Deveria ter e voltado.
Talvez não acontecesse.

— Por favor... — Sussurro. — Não fale assim. Por favor.


Apenas me abrace.

Nos agarramos um ao outro e choramos pelo nosso bebê que


não nasceu. Meu coração dói tanto que temo que nunca vá parar de
doer e nem imagino o que ele está sentindo.

Não deveria acontecer dessa maneira.

— Você está bem? — Sua voz é rouca de dor. — Está com


dor? Diga o que posso fazer. Por favor. Não quero perdê-la também.

— Só preciso que você me abrace, é tudo. Juro que estou


bem e você não vai me perder.

Ele respira fundo e todo o seu corpo estremece.

— Lyric sabe?

— Não. Não creio que devamos contar a ela.

— Haverá um funeral? Para dizer adeus?

Meu doce Blue...

575
— Não. — Digo baixinho, com o coração partido demais para
dizer mais alguma coisa.

— Então é assim? O bebê simplesmente... sumiu?

— Sinto muito.

Eu posso realmente sentir a tristeza envolvê-lo como uma


onda negra. Seu corpo fica totalmente parado. Sua respiração
diminui e se acalma a um ponto quase inexistente.

Estou com medo do que o acontecido poderia fazer com ele e


conosco. O que acontece quando duas pessoas desmoronam? Quem
recolhe as peças e os mantém juntos?

Ele não diz mais nada, nem eu. Nossas emoções falam muito
alto.

Cuidadosamente me desembaraço dos braços de Blue e saio


da cama. Ele caiu em um sono profundo, exausto pela viagem e
sobrecarga emocional.

Archie me leva até a cozinha, lembrando-me de encher as


suas vasilhas de comida que estão quase vazias. Faço uma xícara
de chá e ligo para Lyric. Ela parece feliz, me contando sobre o filme
que Dee e Billy a levaram para assistir e como está superando Billy
em um videogame. Decido que amanhã contarei que o pai dela
chegou. Se souber que está aqui vai querer voltar para casa e sinto
que precisamos de uma noite sozinhos.

Com Mickey me seguindo de perto, pego o telefone na


varanda dos fundos e ligo para Reece.

— Oi. — Diz ele. — Estive pensando em vocês dois. Você está


bem?

576
— Acho que sim. Estamos ambos tristes. Ele apagou de
exaustão.

— Como recebeu a notícia?

— Está arrasado. E tentando se culpar. Eu disse que não é


culpa dele. Para ser sincera, sinto que é minha culpa. Estive
estressada e triste...

— Piper, pare. Não é sua culpa, nem dele. É simplesmente


uma das coisas horríveis que acontecem na vida.

Suspiro e passo a mão sobre o meu estômago. A dor ainda é


persistente – física e emocionalmente.

— Você terá que ficar de olho nele. — Reece avisa.

— Sempre fico.

— Mais do que o normal. Porque se ele não conseguir lidar


com a situação, pode usar novamente para escapar. Portanto, preste
atenção se ficar no banheiro por muito tempo, com o chuveiro ligado
ou mexendo nas coisas aleatoriamente, procure pistas, veja se está
fungando, mudanças em sua maneira de comer e dormir, seu
humor. E se estiver agindo com muita calma, raiva ou muito feliz.
Precisa vigiar toda essa merda. E se achar que algo está
acontecendo, me ligue, ok?

Puta merda. Todo esse comportamento também poderia ser


normal. Como vou saber se algo é uma bandeira vermelha?

— Tudo bem. — Concordo, me sentindo sobrecarregada.

— Blue é o tipo de cara que subiria ao topo de uma merda de


montanha para tentar alcançar a alma daquele bebê, Piper. Eu o
conheço. E sei que é ainda mais difícil para você. Não é justo você
577
ter que vigiá-lo como um falcão quando está sofrendo, infelizmente
precisa ser assim.

— Eu ficarei bem. — Asseguro a ele com uma confiança que


realmente não sinto. — Nós dois ficaremos.

— O resto de nós está saindo amanhã. Faremos uma pausa


de duas semanas e depois nos encontraremos em Seattle. Ligarei
para Blue daqui a alguns dias para ver como ele está. Você está
bem? E Lyric?

Acaricio a cabeça de Mickey, encontrando conforto em sua


pele macia e comportamento calmo. Este cão quase nunca sai do
meu lado. Ele é uma pequena bola de amor e devoção, assim como
Bolota.

— Estamos bem. Tirei uma folga do trabalho. Acho que


passar algum tempo juntos será bom para nós.

As recomendações de Reece me assustaram para caramba.


Não quero ter que tratar Blue como um prisioneiro. É meu parceiro
e meu igual. Ele me implorou para confiar e acreditar. Se ele sentir
que estou começando a duvidar, aumentará seu estresse pela banda
e a tristeza pela perda do nosso bebê. Estou assustada com a
rapidez com que deduziu que me perdeu. Em algum momento, terei
que falar com ele sobre o assunto e descobrir o que estava passando
por sua cabeça, por que pensou que simplesmente o deixaria.

Por enquanto, farei o que puder para preencher as próximas


duas semanas com o máximo de amor e tranquilidade possível.

578
Capítulo 48
Piper

Blue me convenceu a contar a Lyric sobre o bebê e, quando


minha cabeça clareou, percebi que ele estava certo. Ela merece
saber que perdemos uma parte de nossa família, não importa quão
jovem fosse o bebê. Contamos a ela juntos no dia seguinte à chegada
de Blue, embora tenha chorado foi incrivelmente compreensiva –
mostrando uma preocupação madura por nós que se estendia muito
além de sua idade.

As palavras de Reece sobre Blue tentando alcançar a alma


do bebê têm me assombrado e percebo que todos nós precisamos de
algum tipo de encerramento.

No sábado de manhã, nós três fomos para um belo mirante


nas montanhas. Blue escreveu o nome do bebê em um balão de cor
turquesa, e Lyric tocou Somewhere Over the Rainbow em sua harpa,
enquanto assistíamos o espírito de Nicholas Von Bleu flutuar
suavemente para o céu e desaparecer. Blue olhava para o céu tão
intensamente que temi que pulasse direto para as nuvens tentando
seguir o balão.

Mais tarde naquela noite, depois que Lyric foi para cama,
Blue me levou para a varanda de trás, acendeu algumas velas e
579
preparou sorvete para nós dois, insistindo que o deixasse fazer tudo
enquanto espero na varanda com Mickey.

— Você não tem que fazer tudo para mim. — Protesto quando
ele se senta ao meu lado no sofá de vime e me entrega uma taça de
sorvete de baunilha com chantilly, granulado colorido e calda de
caramelo.

— Preciso que você pense em mim como alguém que pode


cuidar de você.

— Eu penso.

Seu piercing na língua faz cliques contra a colher enquanto


lambe o chocolate quente.

Minhas coxas formigam em resposta. Eu o quero – preciso


dele – desesperadamente, porém é muito cedo para fazermos amor.

Ele balança a cabeça. — Você sente que precisa cuidar de


mim. Está sempre com medo que eu tenha um colapso ou apareça
com coca no meu rosto.

Nunca o imaginei cheirando cocaína.

— Blue, não é verdade.

— É sim. E sabe o quê? Não a culpo. É minha culpa você ter


que se preocupar comigo. Também quero cuidar de você.

— Você cuida de mim.

— Não como deveria, não como desejo. Não quero cuidar


apenas financeiramente. Quero que você possa contar comigo para
tudo.

580
Eu gostaria que ele não se sentisse desse jeito porque
acredito que cuida de mim. Não o vejo como fraco ou incapaz. Seu
problema é que às vezes fica muito preso em sua própria cabeça
com seus pensamentos, medos e sonhos.

— Quando duas pessoas se amam, em alguns momentos,


um precisa ser mais forte que o outro. É uma troca. Não há um
cartão de pontuação. Trata-se de amor.

— Eu sei bebê. E tenho uma sorte da porra, que você se sinta


assim ou provavelmente teria chutado minha bunda para longe de
sua vida para sempre.

Eu me aproximo mais dele e pressiono meus lábios doces e


pegajosos em sua bochecha.

— Eu nunca poderia chutá-lo. Você é muito irresistível.

Um sorriso arrogante cruza seu rosto. — Sim. Talvez eu seja.


— Ele brinca.

Não há talvez. Definitivamente é.

— Eu tenho pensado e quero sair da banda. — Ele revela.

Engulo o sorvete na minha boca. — Sério? — Eu tenho uma


relação de amor e ódio com a No Tomorrow. Por um lado, sinto-me
incrivelmente orgulhosa de Blue e do sucesso da banda. Ele é
incrível, talentoso, um deus no palco. Por outro, posso ver que o
está matando lentamente. Seu coração está em tocar violão e
compor – não em fama e a corrida de ratos por ser o vocalista de
uma das bandas de rock mais populares do mundo. Ele me disse
há muito tempo que queria ser mais ouvido e menos visto, a No

581
Tomorrow tirou essa possibilidade dele. Não importa o quanto tente,
não consegue encontrar um equilíbrio.

Ele concorda. — Sim. De verdade. Conversei com Reece e ele


sente o mesmo. Não quer mais fazer parte da banda.

— Você está brincando? — Eu certamente não imaginava que


Reece estaria disposto a sair.

— Tem muita coisa acontecendo na vida dele. Sua ex


renunciou à custódia de seu filho.

— Custódia renunciada? — Repito. — Afinal, o que significa?


Ela é a mãe.

Ele encolhe os ombros. — Ela não quer mais ser, acho. Algo
aconteceu. Não faço perguntas, sabe? Ele está todo fodido, não quer
que outra pessoa crie seu filho.

— Eu não o culpo. — Que tipo de mãe não quer seu próprio


filho? Meu coração fica doente só de pensar.

— Quando todos nos encontrarmos em Seattle,


conversaremos com nosso gerente e os rapazes. Não quero falar
sobre essa merda agora ou terei dor de cabeça.

— Ok. Nós não temos que falar. Só quero que você seja feliz.
É tudo que me importa.

Ele olha para mim como se eu fosse um grande objeto


brilhante que guarda o segredo da paz mundial.

— Eu sei Joaninha. Sempre soube. E me mata tê-la


machucado tanto e perdido muito da vida de Lyric, não estar
quando você engravidou ou quando perdeu o bebê. E você estava
sozinha, não conseguiu me encontrar porque não posso nem ser
582
responsável o suficiente para manter meu maldito telefone
carregado. Como viver com tanta merda?

Sua autoaversão é tão forte que está tremendo e apertando


os dentes, literalmente.

Pego o sorvete de suas mãos e coloco os dois pratos na


mesinha ao lado.

— Blue. — Digo baixinho. — Não é culpa sua. Você nunca


me machucou de propósito. Eu sei que você é... diferente e
complicado. — Ele balança a cabeça e não encontra os meus olhos,
não deixo que sua atitude me impeça de falar. — Eu te amo mais do
que qualquer coisa no mundo. E sabia que quando voltássemos
teria que dividi-lo com milhões de pessoas. Sabia desde o começo,
anos atrás, que nunca teríamos um relacionamento normal. E você
sempre foi honesto comigo a respeito. O que nunca me impediu de
amá-lo ou de querer passar minha vida com você. Mesmo quando
as coisas estão uma bagunça, quando estou com medo, quando não
sei que merda está acontecendo com você, ainda não consigo
imaginar minha vida sem a sua presença.

Ele olha para o céu e fecha os olhos com força. Solta um


suspiro profundo e aperta as mãos com força.

— Hoje queria cuidar de você. Queria lhe dar sorvete e ver


seu sorriso. Então a levaria para cama e beijaria cada centímetro
seu até que adormecesse, a abraçaria a noite toda e teria certeza
que você sentiria o quanto eu te amo, me importo e preciso de você.
Queria apenas te dar algum tipo de felicidade e segurança, já que
vive preocupada comigo. Está sempre preocupada comigo.

— Porque eu amo você.


583
— Não quero mais ser um peso morto. Quero estar presente
para você, como sempre esteve por mim. Não quero mais ser a
bagunça perdida e fodida que sempre a decepciona. Não quero que
acorde um dia e queira ter alguém melhor. Foi o que pensei quando
não consegui encontrá-la. Pensei que finalmente havia caído em si
e chutado minha fodida bunda.

Meu peito aperta com suas palavras, pela forma negativa


com a qual ele se vê. Esfrego minha mão em seu braço gentilmente
apertando seu bíceps.

— Posso prometer a você que nunca acontecerá. Não é uma


bagunça fodida e não há ninguém melhor para mim do que você.
Deixá-lo nunca passou pela minha mente. Ninguém nunca disse
que o amor era fácil e perfeito, Blue precisa apenas ser verdadeiro,
honesto e capaz de resistir às tempestades. É o que temos. Qualquer
outra coisa, podemos trabalhar juntos.

Ele me beija depois me leva para o quarto onde faz tudo o


que falou que queria fazer. Sou sufocada com beijos e carícias
suaves, embalada com sussurros e promessas. Gostaria que ele
realmente soubesse quão especial e amada sempre me fez sentir.

584
Capítulo 49
Piper

Nunca me deparei com tantas decisões de uma só vez na


minha vida. Fiz listas de prós e contras. Conversei com Ditra até
que seus olhos brilharam e reviraram.

Blue e Reece já colocaram as rodas em movimento para


deixar a banda. A discussão levou quase dois meses de luta,
negociação e debates com os outros membros, seus agentes e sua
gravadora para que finalmente chegassem a um acordo.
Concordaram que terminariam as poucas datas que restavam da
turnê e então a No Tomorrow se dissolveria. Blue e Reece não seriam
substituídos. Os rapazes, no entanto, estavam abertos a trabalhar
juntos novamente em algum momento no futuro.

Suponho que foi uma decisão agridoce para todos eles. A


dissolução abriria a porta para novas oportunidades, também
deixaria a porta entreaberta para trabalharem juntos novamente no
futuro.

Blue agonizou com sua decisão de deixar a banda. Nunca o


vi assim antes. Quando decidiu me deixar, anos atrás, só vi e senti
minha própria dor e sofrimento por sua decisão. Eu me perguntei
se o incomodou. Ou se simplesmente saiu sem se importar com o
585
mundo, tipo longe dos olhos, fora da mente. Agora posso ver o
quanto realmente se importa com as coisas que acontecem em sua
vida e como ele afeta os outros. Mal dormiu durante todo o período
de negociação. Por horas conversou comigo sobre o quanto temia
que os rapazes da banda o odiassem. Temia que estivesse
arruinando suas vidas e matando seus sonhos. Estava com medo
de que os fãs se voltassem contra ele. Todos os temores muito
válidos.

Várias vezes acreditei que jogaria a toalha e ficaria com a


banda. Especialmente depois de testemunhar sua enorme angústia
mental sobre o que deixá-los implicaria. A mudança no estilo de vida
e finanças. O efeito que teria sobre os outros. Abandonar os
holofotes e afastar-se da multidão de milhares de fãs, que
esperavam no meio da multidão para vê-los e ouvi-los – quer
quisessem ou não. É muita mudança para assimilar e anos de
trabalho para se afastar.

Também vi o raro vislumbre de esperança e excitação em


seus olhos quando falava sobre a nova vida que queria. Uma vida
tranquila com sua família. Escrever músicas para si mesmo – talvez
até produzir um álbum solo. Tenho orgulho dele, por querer
perseguir seus sonhos e voltar à raiz do que mais ama na música.
Admiro a força que vejo agora e sua relutância em fazer escolhas
destrutivas como costumava fazer no passado.

Quando veio para mim com um sorriso e um abraço para me


dizer que tomou sua decisão final e deixaria a banda, senti uma
mistura de emoções. Por um lado, fiquei triste por deixar uma
grande parte de sua vida e sucesso, por outro senti alívio e felicidade
pelo nosso futuro.
586
Pela primeira vez, estamos na mesma página e podemos
planejar nosso futuro juntos.

Agora chegou minha vez de tomar decisões difíceis.

Blue quer que eu pare de trabalhar. Quer curtir a vida


juntos, viajar, levar Lyric para conhecer lugares bonitos e divertidos.
Nós conversamos sobre tentar outro bebê no futuro, quando nos
sentirmos prontos e como seria incrível estarmos em casa para criá-
lo juntos. A simples ideia de ver Blue com uma criança em seus
braços e testemunhar sua reação às primeiras palavras e passos,
me deixa completamente tonta.

Embora meu trabalho possa ser estressante e não muito


gratificante, trabalhei duro para subir na empresa, por assim dizer.
Levei muito tempo para chegar a um salário bom. O dinheiro não
será um problema para nós. Seu administrador financeiro investiu
bem o dinheiro dele, também receberá royalties consideráveis
provavelmente pelo resto de sua vida, o que nos manterá com
bastante conforto. Eu preferia passar meus dias com Blue e Lyric
do que se sentar atrás de uma mesa. No entanto, é difícil desistir da
independência pela qual trabalhei tão arduamente. Desistir do meu
emprego, da minha própria renda e, provavelmente, da minha casa,
é muito difícil. Blue quer apoiar Lyric e eu de todas as maneiras
possíveis, será um modo de vida inteiramente novo para nós.
Sempre paguei por tudo sozinha. Todos os cheques que me enviou
ao longo dos anos, foram depositados em uma conta de poupança
para Lyric. Ainda me sinto estranha usando o cartão dourado que
ele me deu, meses atrás, para qualquer coisa e tudo que Lyric e eu
– e até os animais de estimação – precisássemos ou quiséssemos.

587
Também temos que decidir onde iremos morar. Em New
Hampshire? Em Seattle? Algum lugar completamente novo? Morei
nesta cidade a minha vida inteira. Minha melhor amiga mora bem
atrás da minha casa. Um tipo de conforto do qual será difícil
desistir.

Depois, temos os planos de casamento quando a turnê de


Blue terminar. Quero um grande casamento? Um casamento para
toda cidade? Algo pequeno e íntimo? Minha mente está confusa com
todas as opções, perguntas e decisões.

— Mamãe?

Pisco e olho para Lyric, que está rindo de mim.

— Os doces verdes ficam na frente.

Eu sorrio. — Oh. Entendi.

Blue pisca para mim do outro lado da mesa da cozinha.


Estamos construindo uma casa de gengibre18 – uma enorme –
completamente do zero. Blue e Lyric foram assando e reunindo
todos os doces e outros itens por vários dias. É o nosso primeiro
projeto familiar e me deixa boba de felicidade. Falhei no final do
projeto porque continuo deslumbrada vendo Blue e Lyric juntos. Ele
é incrivelmente bom com ela. Doce, carinhoso, engraçado. Eu nunca

18
Uma casa de gengibre é uma confeitaria novidade em forma de um edifício que é feito de massa de biscoito,
cortado e cozido em componentes adequados, como paredes e telhados. O material habitual é biscoito de gengibre
crocante feito de pão de gengibre - a noz de gengibre. Outro tipo de modelagem com pão de gengibre usa uma
massa cozida que pode ser moldada como barro para formar estatuetas comestíveis ou outras decorações. Estas
casas, cobertas com uma variedade de doces e glacê, são populares decorações de Natal, muitas vezes construídas
por crianças com a ajuda de seus pais.
588
o vi tão feliz. Está cantando músicas natalinas e parece gostoso com
um suéter cinza perfeitamente ajustado em seu peito e ombros,
jeans desbotados e meias pretas felpudas.

Ele se debruça sobre a mesa com um punhado de bastões de


doces em sua mão e me beija.

— Com o que você está sonhando, linda?

Eu viro para ele enquanto faço uma passarela de doces que


leva à porta da nossa casa de gengibre. — Você.

— Mamãe! — Lyric brinca. — Sonhe com Blue mais tarde.


Estamos bem no meio da nossa casa.

Blue e eu rimos dela. Ela gosta de nos provocar sobre nossas


demonstrações públicas de afeto fingindo que a incomodam, nós
dois sabemos que realmente nos acha muito fofos. Lyric está perto
de começar a perceber os meninos, então sente quando é algo
romântico e amoroso. Blue definiu um nível elevado para qualquer
rapaz que ela possa namorar quando for mais velha. Toda sexta-
feira traz para nós um buquê de flores e uma vez por mês nos
surpreende com um presente aleatório, extremamente significativo
e único. Não tem tempo de qualidade somente comigo, também com
Lyric. Passa horas conversando com ela, escrevendo poesia e
tocando violão enquanto Lyric toca harpa. Ele até se certifica de
passar um tempo com Archie e Mickey escovando-os e brincando
com eles. Pelo menos uma vez por semana nós três levamos Mickey
para passear juntos.

— Como vamos comer nossa casa? — Lyric pergunta,


levantando-se para admirar a estrutura de três andares,
semiacabada. Também estamos decorando o interior, então parece
589
mais uma casa de boneca comestível do que uma casa de gengibre.
— É muito legal para comer. Quero guardá-la.

— Não. Ficará nojento. Prometo que construiremos uma todo


natal, ok? — Blue se compromete. — Podemos fazer de maneiras
diferentes.

Excitação brilha em seus olhos. Nós nunca tivemos uma


verdadeira tradição de Natal. A ideia de Blue é perfeita e algo que
Lyric pode aproveitar quando envelhecer. Talvez até compartilhe
com um irmão mais novo algum dia.

— Este é o melhor natal da minha vida. — Murmura Blue no


meu pescoço.

— O meu também. — Viro minha cabeça e encontro seus


lábios para um beijo suave e demorado. Passa da meia-noite, do dia
de natal e estamos aconchegados no sofá da minha casa sob um
cobertor grosso de lã com uma foto ridícula de rena. É o primeiro
que passamos juntos e tem sido maravilhoso.

Pela manhã abrimos presentes com Lyric, depois Blue nos


fez panquecas e waffles no café, incluindo uma panqueca em forma
de osso para Mickey. Ditra e Billy se juntaram a nós mais tarde para
trocar presentes e depois fomos à casa de meus pais para jantar,
por insistência da minha mãe.

Minha mãe encontrou Blue uma vez antes e admitiu ter


gostado dele, o achou lindo e charmoso. Suas palavras. Eu não
fiquei empolgada em sujeitar Blue à atitude antiga de meu pai, em

590
nosso primeiro natal juntos, ele me garantiu que poderia lidar com
meu pai agindo como um idiota. Felizmente, minhas irmãs e seus
maridos foram super amigáveis durante o jantar. Elas se
empolgaram um pouco sobre Blue, o que me fez rir, especialmente
ao ver as expressões faciais de meu pai, quando percebeu que
realmente Blue era famoso. Meu pai não falou muito, pelo menos
não foi grosseiro, então foi um bom jantar.

Agora estamos no sofá com as luzes apagadas, aproveitando


as luzes cintilantes da árvore de natal no canto e o calor da lareira
elétrica que Blue instalou na semana passada. Ele me deu um
presente especial quando chegamos em casa – uma pulseira de
diamantes com uma minúscula joaninha vermelha. Eu disse a ele
que nunca tirarei nenhuma delas – esta ou a original que ele me deu
anos atrás.

— É o que eu sempre quis com você. — Ele sussurra,


movendo a gola da minha blusa do ombro e beijando a pele exposta.
— Lembranças que não doam.

— Eu tenho muitas lembranças suas que não doem. — Passo


os dedos por seu cabelo macio. — E nós construiremos muitas
ainda.

— Podemos começar agora?

Ele me levanta em seus braços, me carrega pela sala me


colocando gentilmente no chão em frente à lareira. Amo o jeito que
ele sorri quando o puxo em cima de mim e a maneira como a lareira
faz parecer que está irradiando uma luz.

Ele puxa meu suéter e abaixa para desabotoar minha calça


jeans.
591
— E Lyric? — Sussurro. Ela está na cama há horas, nunca
brincamos no meio da casa.

Ele coloca as pontas dos dedos nos meus lábios. — Shh... ela
não vai acordar. Nós não faremos barulho. — Com um sorriso louco
e sexy, ele puxa minha calça jeans e calcinha. — Pelo menos eu
ficarei quieto porque minha boca estará ocupada... — Ajoelhando-
se entre as minhas pernas, ele lentamente move a mão do meu peito
para o quadril até a minha coxa. Ele aperta os dedos e depois dobra
a minha perna. — Não tenho certeza se você pode ficar quieta,
Joaninha. — Ele beija a parte interna da coxa e chupa minha carne.
Dentes e metal enviam formigamentos através dos meus membros.
— Especialmente comigo lambendo sua boceta. — Ele move a língua
sobre meus lábios e solto um pequeno gemido, cravo minhas unhas
em seus ombros.

— Você precisa se esforçar mais, bebê. — Sua voz rouca


goteja sensualidade crua e ele desce sobre mim, cobrindo-me com
sua boca quente sondando-me lentamente. Move a bola de seu
piercing sobre o meu clitóris, em seguida, mergulha a língua
profundamente, chupando a carne sensível entre os lábios e os
dentes. Eu me abro para ele quando levanta a mão na minha coxa
e escorrega um, depois dois dedos dentro de mim. Ele me deixa em
frenesi com a boca e as mãos e me contorço e me remexo debaixo
dele, empurrando meus quadris em direção ao seu rosto. Ele me
tortura – desacelerando e recuando quando estou quase no limite,
depois, me fodendo e levando para aquele lugar ofegante e urgente
outra vez. Ele me deixa louca, me atormentando com sua língua e
mãos, seu corpo duro pressionando o meu. Enrosquei meus dedos
em seus longos cabelos, aprisionando-o para que ele não pudesse
592
se afastar. Quando finalmente me deixa gozar, não consigo parar de
chorar de prazer. Ele se move como um raio, tomando minha boca
na dele, me beijando tão profundamente que não posso respirar
enquanto passa os dedos em mim. Sou uma trêmula boneca de
pano impotente debaixo dele quando leva meu corpo a outro
orgasmo.

— Você fica tão linda quando perde o controle. — Ele


sussurra em meus lábios enquanto me esforço para recuperar o
fôlego. — E não pode ficar quieta por nada.

Eu rio e me aconchego em seus braços. — É impossível com


você. Deixa-me louca.

Ele puxa o cobertor do sofá sobre nossos corpos, depois se


apoia sobre o cotovelo para me olhar. Seu cabelo está emaranhado
ao redor do rosto. Seus olhos escuros e intensos, seus lábios
inchados e vermelho-cereja de tanto serem esfregados.

E aquele sorriso no rosto dele é o melhor presente que


poderia receber.

Eu me lembro do nosso primeiro natal juntos. Como ele


decorou o galpão com uma pequena árvore. Lembro o quanto queria
que ele escalasse o muro que sempre mantinha entre nós e voltasse
para casa comigo para o feriado.

Agora não há paredes, ele está em casa comigo e nada


poderia ser mais perfeito.

— Nunca mais quero deixar de ter noites como esta. — Ele


me puxa para mais perto e coloca sua perna sobre a minha, nos
prendendo juntos. — Você é a única da qual nunca vou desistir,

593
Piper. Não me importo se tivermos cinco filhos ou se estivermos
casados por vinte anos, sempre irei querer me perder em você.

— Você sempre pode se perder em mim. — Eu beijo no meio


do seu peito. — Prometo.

Enquanto nos deitamos diante das chamas bruxuleantes,


brinco com seu cabelo – algo que adora – e as palavras da música
dele Lost in You ecoam em minha mente:

Pegue minha mão, bebê e não solte

Me ancore aqui com seu coração e coxas

Eu a engolirei; intoxicarei minha alma negra

Sussurre meu nome, querida, me contagie com seus suspiros

Por favor... abafe toda a merda que me disseram

Mantenha-me alto, bebê e nunca precisarei voar.

594
Capítulo 50
Piper

— Eu gosto deste. É pesado. — Ele segura a mão esquerda,


os dedos estendidos e olha fixamente para o anel em seu dedo
anelar. Um sorriso tímido se espalha por seus lábios e olha para
mim. — Você gostou?

Eu ficaria feliz com uma corda no dedo dele.

— Amei.

A vendedora sorri. — Este é de platina e simboliza o amor


puro e eterno. É muito durável, mas podem surgir alguns arranhões
e pode escorregar eventualmente.

— Posso lidar com isso. Não quero que pareça perfeito e


brilhante para sempre. Eu venho com alguns arranhões e
amassados. Certo, querida? — Ele bate seu ombro de brincadeira
no meu.

— Eu amo seus amassados e arranhões.

— Levarei este. — Afirma tirando o anel e entregando à


vendedora.

— É uma escolha maravilhosa, Sr. Von Bleu. E estamos


honrados em tê-lo como cliente.
595
Ele agradece e se vira para mim com uma expressão
preocupada. — Deveríamos dar a Lyric um anel também. — Diz
suavemente. — Então ela se sentirá como se estivéssemos todos
juntos. Não quero que se sinta excluída. O que você acha?

Não há como descrever o intenso sentimento de amor que me


atinge quando Blue faz coisas incrivelmente meigas e românticas
como essa. Ele é sempre tão inseguro e tímido quando tem as ideias
o que as torna ainda mais especiais. Eu me esforço para segurar as
lágrimas e não sufocá-lo com beijos no meio da joalheria.

— É a ideia mais maravilhosa de todas. E sei que ela vai


adorar.

Ele sorri e começamos a procurar na loja o anel perfeito que


simbolize amor, compromisso e família para uma jovem adolescente.
Encontramos um delicado anel de ouro branco no formato do
infinito com um pequeno diamante no centro.

Ele me puxa contra seu peito e beija o topo da minha cabeça


enquanto a mulher coloca nossos anéis em uma bolsa preta
brilhante. Minha aliança de casamento é tão bonita – um anel de
platina com diamantes e se encaixa no meu anel de noivado.

Quando saímos da loja, estou meio em choque. Acabamos de


comprar alianças de casamento. Agora só precisamos escolher uma
data e descobrir tudo mais, mas... as alianças!

— Você está feliz? — Ele pergunta quando entramos em seu


carro. — Tem certeza que gosta dos anéis?

— Você está brincando? — Pergunto empolgada. —Não posso


acreditar que acabamos de comprar alianças de casamento. Oh meu

596
Deus! — Eu pulo para cima e para baixo no banco do passageiro. —
Eu gostaria que já pudéssemos usá-los.

— Eu também. Você é tão fofa. Venha aqui e me beije.

Eu me levanto para beijá-lo e ele agarra minha cintura e me


puxa para seu colo. Nós rimos e nos beijamos, batendo nossos
dentes, ficamos rindo e nos beijando até que nossa felicidade se
transforma em um desejo faminto e estamos puxando as roupas um
do outro.

— Eu quero você agora. — Ele sussurra. Move a mão sob a


minha camisa e aperta meus seios, em seguida, move os lábios para
o decote o na frente da minha camisa.

— Estamos no estacionamento do shopping. — Lembro, me


esfregando em seu pau, duro como pedra sob seus jeans. Mesmo
me sentindo tentada, há pessoas passando.

— Não será por muito tempo.

Dez minutos depois, estamos rasgando a roupa um do outro


contra a parede em um quarto pequeno de um hotel do outro lado
da rua.

Mais tarde, estamos dirigindo para casa ele segurando


minha mão e cantando canções de amor com seu lindo e feliz sorriso
de parar o coração. Fico imaginando como tive tanta sorte. Anéis de
casamento e sexo em um hotel aleatório antes do meio-dia em plena
tarde de sábado. Temos planos para jantar e depois um filme com
nossa filha. Então haverá aconchego e luz de velas à tardinha.

Realmente não posso esperar para me casar com este


homem.

597
Estou fazendo beicinho. Não me importo. Observar a mala de
Blue sempre dá uma sensação de vazio no meu peito e um nó na
garganta. Sinto que não haverá um tempo em que uma pequena
parte de mim não vá temer que ele não volte. É uma daquelas
cicatrizes que pensamos ter desaparecido e que nunca
desaparecerão de verdade.

— Quanto tempo você ficará fora? — Pergunto, embora já


tenha perguntado a mesma coisa pelo menos três vezes nos últimos
dias. E continuo esperando que a resposta mude magicamente.

— Duas ou três semanas. — Ele responde, fechando sua


mala. Archie atravessa a cama e fica sobre ela, o que faz toda vez
que Blue arruma suas roupas. Sorrio enquanto Blue se abaixa e
beija a cabeça do gato.

— Eu realmente não quero ir, bebê. A banda concordou em


fazer meses atrás, preciso honrar contratos, acordos e todas as
merdas.

— Eu sei. Vou sentir saudades. Tudo tem sido tão perfeito.

Ele acaricia minha bochecha e me dá um sorriso triste. —


Sentirei sua falta também. Assim que tudo acabar, podemos nos
casar, e sair em uma lua de mel incrível e... ficar juntos. Certo?

Eu viro meu rosto para a mão dele e beijo sua palma. —


Certo.

Nós poderíamos nos casar a qualquer hora, tecnicamente.


Realmente queremos que nosso casamento e lua de mel sejam o
mais livre de estresse possível, sem nada pendente sobre nós, para
que tenhamos que correr de volta. Quando os compromissos de Blue
tiverem terminado planejo dar meu aviso no trabalho.
598
— Você vai me assistir na TV? — Pergunta pegando seu
violão favorito de sua estante no canto do nosso quarto e colocando-
o em seu estojo com um de seus velhos cadernos. É o mesmo violão
que tocava no parque quando o conheci anos atrás. Ele o carrega
para todo lugar e fico chocada que não o tenha perdido com todas
as viagens e loucuras que fez ao longo dos anos.

— Claro. Lyric e eu faremos pipoca. Vou gravar também.

— Quando eu sorrir para a câmera, será apenas para você.


Então saberá em quem estou pensando.

No Tomorrow tocará em um show de prêmios de música ao


vivo em dois dias. No dia seguinte, eles têm uma entrevista num
Talk Show, quando anunciarão que a banda entrará em intervalo
por um período indeterminado. Alguns dias depois têm uma
participação em outro programa de televisão, então terão reuniões
com os advogados e, na semana seguinte, Blue fará uma
participação especial cantando com outra banda. Ele ficará na casa
de seu baixista na Califórnia, enquanto tudo acontece, já que
muitos estúdios de gravação estão próximos de onde Koler mora.

— Eu olharei para o seu sorriso. — Digo já ansiosa para ver


seu sorriso especial na tela da televisão. Quando não responde,
percebo que ainda está ajoelhado no chão com seu violão, olhando
para ele com uma expressão distante.

— Blue?

Ele olha fixamente para o estojo como se fosse um buraco


negro.

Atravesso o quarto e bato levemente em seu ombro. — Você


está bem? — Pergunto baixinho.
599
Ele pisca e de repente olha para mim. — O quê?

Minha testa se franze com preocupação. — Você


desapareceu. Está tudo bem?

Ele balança a cabeça, afasta o cabelo do rosto e fecha o


estojo.

— Sim. — Responde sem olhar para mim. — Estou cansado.

Eu me pergunto se está ficando doente. São onze horas da


noite. Dormiu até as oito e nós dormimos cerca de nove horas na
noite passada, então ele realmente não deveria estar se sentindo
cansado.

— Você quer tirar uma soneca antes de eu levá-lo para o


aeroporto?

Ele se levanta ainda com uma expressão perdida no rosto e


força um sorriso torto.

— Você vai se deitar comigo? E colocar a chuva?

Eu não esperava que ele quisesse tirar uma soneca, porém


não recusarei sequer um momento de carinho com ele –
especialmente quando não o verei por semanas.

Sem palavras, tiramos as roupas um do outro, beijando-nos


suavemente, depois nos colocamos debaixo dos cobertores com o
som da chuva suave vindo da mesa de cabeceira.

— Só precisava de um pouco mais disso antes de ir. — Ele


sussurra. — Gostaria de ficar assim para sempre.

Eu também.

600
Capítulo 51
Piper

— Eu não posso acreditar que Blue está na televisão mamãe.


— Lyric diz com os olhos brilhantes de emoção. Mickey está sentado
entre nós no sofá, esperando que lhe joguemos pipoca. Eu posso ter
acidentalmente derrubado algumas apenas para vê-lo mastigando.

Nós tentamos manter a banda de Blue, sua fama e tudo o


que vem com a vida dele, longe de Lyric para que pudesse ser uma
garota normal e não a filha do roqueiro Evan Von Bleu. Decidimos
que, já que ele está deixando a banda e havia prometido que a
música que tocariam seria uma balada acústica limpa e sem
palavrões, deixaríamos Lyric vê-lo tocar ao vivo na televisão esta
noite.

E agora ela está absolutamente fascinada vendo-o cantar e


tocar. Estou surpresa em vê-lo tocando seu velho violão e um flash
de dor atinge meu peito quando vejo que ele tem a velha e surrada
coleira de Bolota enrolada em seu pulso. Canta com emoção
profunda e assombrosa, sua voz crua e rouca como navalhas
cortando as palavras.

601
Se eu pudesse ficar, acho que ficaria

Se eu pudesse te salvar, acho que salvaria

Se eu pudesse trazer você comigo, Deus sabe que eu traria

Mas estou nesta estrada sozinho, sem fazer nada do que


deveria.

— Por que Blue está tão triste, mamãe? — Lyric pergunta.

— Ele não está triste, querida. É apenas a música.

Ela balança a cabeça, sem tirar os olhos do pai na tela. —


Não. Ele está triste. Posso ver.

Eu queria não te amar

Eu queria que você também não me amasse

Eu queria poder mudar as coisas que faço

Eu gostaria que nada disso fosse verdade.

Perto do final da música, ele olha para a câmera e seus lábios


se curvam em um sorriso sexy antes de se afastar. Meu coração
incha. Esse sorriso foi para mim

— Eu não sabia que ele podia cantar assim. — Lyric comenta


com a mesma expressão distante de Blue.

— Sim. Seu pai é incrível.

Ela balança a cabeça e inclina a cabeça para o lado enquanto


o observa na tela da televisão.

602
— Ele realmente é — concorda. — Gostaria que parecesse
mais feliz. Quando ele toca para mim, sempre parece feliz.

Eu sorrio e acaricio Mickey. — Ele está feliz. Muitos músicos


têm personalidades de palco, onde se vestem e se comportam de
maneira diferente da sua vida normal.

— Tipo como se representassem um papel?

— Sim, exatamente.

Ela pondera por um momento, Blue se levanta de seu


banquinho no palco e se curva agradecendo ao público que se
levanta e aplaude. Mesmo com seu ar melancólico, ele é magnético
e carismático no palco.

— Algum dia, se eu tocar harpa para muitas pessoas como


Blue, devo agir diferente também?

— É uma decisão sua. Terá que descobrir como se sente.


Pode ser mais fácil tocar na frente das pessoas, se fingir ser um
pouco diferente. Ou pode querer ser totalmente você mesma.

— Acho que quero ser eu mesma. Parece muito mais fácil.

Sorrio, sabendo que essa seria a resposta da minha


garotinha. Ela sempre foi autêntica e fiel a si mesma e amo isso nela.

— E se Blue ligar hoje, posso falar com ele? Quero dizer o


quanto amei sua voz e música. E quero ter certeza de que ele não
está triste.

Bem, se ele ligar, provavelmente será depois da meia-noite,


ela está tão orgulhosa dele e animada por vê-lo tocar ao vivo, então
não posso dizer não.

603
— Eu não tenho certeza se ele ligará já que é tarde, como
amanhã é sábado, o se quiser se sentar na cama, ler ou assistir
televisão por um tempo, caso ele ligue muito tarde, poderá falar com
ele.

Ela pula do sofá para me dar um beijo de boa noite, depois


corre para seu quarto. Ela e Blue têm uma ligação adorável e espero
que fique cada vez mais forte enquanto cresce. Sei que a
adolescência pode ser difícil, estou mantendo meus dedos cruzados
para que ela não passe por uma fase rebelde do tipo eu odeio meus
pais.

Enquanto espero que Blue ligue, me sento na cama lendo


uma revista de casamento com outras quatro empilhadas ao meu
lado. Essas revistas são um buraco de coelho de sonhos mágicos.
Páginas e mais páginas de lindos vestidos fluindo, buquês coloridos,
cabelo e maquiagem para morrer. E bolos. Oh wow, os bolos
multicamadas que têm gelo intrincado e pérolas doces. Quero tudo.
Blue disse que eu poderia ter qualquer coisa e tudo para o nosso
casamento. Honestamente, quero somente nós dois e Lyric, em
roupas legais, numa praia ou em Vegas ou num gazebo de um
parque. É tudo que preciso para ser feliz. Esse material é divertido
de se ver, só não preciso de tanta extravagância.

Estou começando a cochilar e deixando a revista a cada cinco


minutos quando ele liga.

604
— Oi, lindo. — Digo ao telefone. — Você foi incrível esta noite.
É uma música nova?

— Sim. É a primeira vez que tocamos ao vivo.

— Eu amei. E Lyric ficou impressionada ao vê-lo tocando na


TV. Ficou colada na tela.

— Ela realmente gostou?

— Querido, queria que você tivesse visto o rosto dela. Lyric


realmente queria falar com você, a olhei alguns minutos atrás e está
dormindo. São três da manhã aqui, ela está exausta.

— Merda. Não consegui me afastar de todos. Nunca consigo


ficar longe de todo mundo, Piper. — O esgotamento transparece em
sua voz.

— Não se preocupe, ela entende. Está tudo bem.

— Não está. Quero falar com ela novamente.

— Você pode tentar amanhã. Nós estaremos aqui.

Ele fica em silêncio do outro lado da linha. Alguns segundos


passam. E depois mais alguns.

— Blue?

Nada.

Ele caiu no sono?

— Você está aí?

— Hm?

Um tilintar leve e familiar das placas de metal, traz


lembranças de Bolota na vanguarda da minha mente e coração. É
quase como se ele estivesse bem aqui na sala, descansando a cabeça
605
na minha perna. Ele não está. É o metal de sua coleira tilintando
ainda enrolado no pulso de Blue.

Eu engulo a imensa tristeza que veio com as lembranças


inesperadas.

— Você está bem? Simplesmente parou de falar.

— Cansado.

— Sua cabeça está doendo novamente?

— Sim.

— Você está na casa de Koler?

— Sim. Estou no meu quarto.

— Deveria tentar dormir um pouco. Comeu? — Estou me


transformando em uma mãe de nível dez, não me importo. Eu me
preocupo com ele quando fica assim e gostaria de poder atravessar
a linha telefônica para cuidar dele.

— Não estou com fome. Sinto sua falta.

— Também sinto sua falta. Principalmente depois de vê-lo na


TV. Você parecia excepcionalmente gostoso. — Eu provoco com uma
voz sedutora, na esperança de fazê-lo sorrir.

— Você me viu sorrir?

— Sim. Obrigada, seu sorriso me deixou toda mole por


dentro.

— Eu vou me deitar. Eu te amo, Joaninha. Muito.

Suas palavras se infiltram direto na minha alma. Toda vez


que diz que me ama, parece a primeira vez. Meu coração ainda

606
acelera, minhas entranhas formigam com borboletas, ele ainda me
tira o fôlego.

— Eu também te amo.

607
Capítulo 52
Piper

— Eu não posso acreditar que você fez um danish19 de


framboesa. — Pego o prato de Ditra e o coloco no meio da mesa da
minha cozinha. — Estava realmente entediada ou é algum tipo de
desafio? Perdeu uma aposta? Preciso de uma história para este
danish antes de comê-lo.

— Nós estávamos na casa dos pais de Billy uma noite dessas


e sua mãe falou sobre o quanto ele ama danish e como ela
costumava fazer quando ele era pequeno e que nós devemos manter
um homem alimentado, dar a ele bebês para fazê-los felizes.
Seriamente só queria bater nela, como não podia fui para casa e
encontrei uma receita de danish, pois esta garota aqui nunca terá
um bebê. Darei ao meu homem todos os danishes que ele quiser, no
entanto.

— Parece justo para mim. — Despejo água fervendo em duas


xícaras com saquinhos de chá e as levo para a mesa onde ela está
sentada.

19
É um pão doce trançado, recheado com framboesas, de origem dinamarquesa.
608
— Eu pensei assim. Fiz dois para poder dar um para você e
Lyric, coisa de boa vizinhança.

— Eu nunca levo comida para você.

— Porque você não é uma boa vizinha, Piper. — Ela diz com
um sorriso brincalhão. — Embora seja uma ótima melhor amiga.
Não me levou às compras na semana passada e limpou minha casa
inteira quando eu estava gripada?

Archie entra na sala e com ele uma lasca de raio de sol


brilhando no chão.

— Eu não posso acreditar que o gato ainda esteja vivo.


Quantos anos ele tem?

— Cerca de dezesseis.

— Droga. Quanto tempo os gatos vivem?

Eu cortei duas fatias do danish e coloquei-as em pratos para


nós.

— Pelo menos dezesseis, aparentemente.

— Ele tem quase idade suficiente para dirigir.

— A idade dele não importa, já que ele não conseguiria ver o


painel ou alcançar os pedais. — Dou uma mordida no danish e fico
agradavelmente surpresa. — Dee, está delicioso. Billy gostou? É tão
bom quanto o da mãe dele?

Ela assente. — Ele amou. Até ligou para a mãe falando que
era melhor que o dela. Ela provavelmente me odeia.

Cortei outro pedaço. — Eu definitivamente odeio você.


Comerei tudo e ganharei uns cinco quilos.

609
— Você poderia comer vinte e não ganhar nem um quilo.

Eu gostaria. Desde que perdi o bebê tive crises de ansiedade


e depressão, tenho me acalmado comendo chocolate e sorvete.

Meu celular toca e levanto-me para pegá-lo do balcão,


lambendo o purê de framboesa dos meus dedos no caminho.

— Alô? — Eu digo, esperando que seja Blue já que não


consegui falar com ele ontem. Tudo que posso ouvir é a respiração
pesada e ofegante no outro lado da linha.

— Alô? — Eu repito.

— Piper.

— Reece? — Sua voz é quase irreconhecível. Não sei dizer se


ele está rindo, chorando ou se engasgando. — Você está bem? —
Meu peito já está subindo e descendo rapidamente de ansiedade.
São cinco da manhã onde a banda está. Nada poderia estar bem
quando se recebe um telefonema a esta hora.

Principalmente quando é o melhor amigo de Blue ligando.

Ditra me lança um olhar de preocupação.

— Blue está fodido... você precisa vir.

Meu estômago se contorce em um nó imediato de medo. — O


quê?

— Ele está muito machucado. — Ele tosse e ofega


novamente. — Eu não sei o que ele estava fazendo... eu não sei...

— O que você quer dizer com ele estar machucado? — Alguns


segundos atrás eu estava com medo que ele pudesse estar bêbado

610
ou alto novamente, aquela pequena palavra deixa meu corpo
tremendo até os ossos de terror.

— Ele caiu do telhado...

— O quê? — Minha voz sai num grito e Ditra salta para ficar
ao meu lado. — Que merda você está falando? Que telhado? Como?
— Minha cabeça está girando com milhares de perguntas,
preocupações e visões sangrentas insanas, minhas entranhas estão
doloridas e a náusea me invade.

— Eu não sei Piper. Tudo está um caos no momento. Polícia


e jornais, todo mundo está pirando para caramba. — Ele respira
fundo. — Só sei que é muito ruim e você deveria vir.

A barragem de choque quebra e soluços incontroláveis me


rasgam. — Ele está bem? — Eu pergunto desesperada. — Ele ficará
bem, não é?

Por Deus diga sim. Por Deus diga sim.

— É ruim. — Sua voz falha. — Eu sinto muito... é realmente


muito ruim.

Desmoronando no chão, deixo cair o telefone e enterro meu


rosto em minhas mãos. Isso não pode estar acontecendo. Deve haver
algum tipo de engano e Reece levará de volta tudo o que acabou de
dizer. Blue não pode estar ferido – simplesmente não é possível. Blue
nunca se feriu antes. E por que estaria no telhado? Não faz nenhum
sentido. Blue caminha e dorme – ele não escala as coisas. Não posso
perdê-lo. Lyric não pode perdê-lo. Não quando estamos tão perto da
felicidade que queremos e esperamos por tanto tempo.

611
Ditra pegou meu telefone e está balançando a cabeça e
escrevendo em um envelope que tirou do meu balcão. Quero
arrancar a caneta e o papel de suas mãos.

Não. Não escreva as coisas. Não torne nada real. Só quero


voltar para a mesa, comer comida dinamarquesa e falar sobre o gato.
Por favor...

Ditra se ajoelha na minha frente e me força a olhar para ela.


— Eu sei que você está pirando e com medo, precisa se recompor.

Estremeço e tento me concentrar em seu rosto. Lágrimas


descem de seus olhos castanhos, arruinando seu delineador
perfeito.

— Precisamos colocá-la em um avião, Piper.

— Ele precisa ficar bem. Não posso perdê-lo, Dee. Não


posso... eu o amo demais.

Ela me puxa me ajudando a ficar de pé. — Eu sei que você


ama e ele também sabe. Você precisa ser forte. Quero que vá fazer
as malas, ligarei para sua mãe e Josh. Nós vamos cuidar de Lyric e
dos animais. Depois que ligar para eles, comprarei uma passagem
de avião e a levarei ao aeroporto.

Tudo se torna um redemoinho. Estou no piloto automático,


passando pelos movimentos que Ditra estabeleceu. Em poucas
horas, estou sentada num avião a caminho da Califórnia e nem me
lembro de ter dito adeus a Lyric. As únicas coisas que penso são nas
palavras horríveis ditas por Reece.

Ele caiu de um telhado.

É realmente ruim.

612
Você deveria vir.

Estou sufocando neste avião sem meios de escapar da agonia


no meu coração. Quero sair pela janela, cair através das nuvens e
encontrar um buraco no tempo para poder voltar e desfazer este
pesadelo.

A confusão e a incerteza deixam meus nervos esgotados. Não


posso ficar parada ou relaxar minha mente nem por um segundo.
Luto contra o desejo de levantar e andar pelo corredor do avião como
uma lunática.

Por que não liguei para ele ontem à noite quando não me
ligou? Por que fui para a cama supondo que estaria cansado e
dormindo? E se algo estivesse errado e ele estivesse precisando de
mim e eu simplesmente fui dormir – o abandonei?

O que ele poderia estar fazendo num telhado? E qual


telhado? O da casa de Koler? Outro lugar? E quando... no meio da
noite? Não importa quantas vezes repasse tudo na minha cabeça,
não faz sentido. Minha doce estrela, Blue? Ouvindo a chuva?
Orando por nosso bebê perdido?

Eu preciso vê-lo. Ouvir sua voz. Ver seu lindo sorriso. Preciso
vê-lo vivo e respirando. Necessito de alguém me dizendo que Blue
ficará bem, então o peso sufocante no meu peito me deixará respirar
e pensar. Não importa o que esteja errado, não importa o que
aconteceu, estarei lá para ele em todos os sentidos. Sem nenhuma
dúvida. Cuidarei dele para sempre, se é o que precisa. Eu posso ser
enfermeira, esposa, melhor amiga e amante. Posso ser tudo o que
ele precisar.

Qualquer coisa. Qualquer lugar. A qualquer momento.


613
É o que amar significa.

Eu levanto a minha mão e pressiono meus lábios no meu


anel de noivado, assim como ele fazia. Posso ver seus intensos olhos
azuis e ouvir sua voz grave.

Eu te amo, Joaninha.

Eu te amo, Blue. Por favor, me espere.

614
Capítulo 53
Piper

Estaciono meu carro alugado praticamente de lado no


estacionamento para visitantes do hospital, não me importo. Tudo
o que desejo é chegar a Blue o mais rápido possível. Corro para
dentro, passo pela porta giratória confusa e fico sem fôlego no
saguão, examinando a miríade de placas.

— Piper.

Reece vem em minha direção de um corredor e corro para


ele.

— Onde ele está? Está bem?

Reece coloca os braços ao meu redor e me abraça daquele


jeito assustador, desesperado e apologético que grita todas as coisas
horríveis. Estou chorando ao me agarrar aos ombros largos dele.

Fechando os olhos, respiro fundo contra seu peito, aceitando


o pequeno conforto que seu abraço oferece.

Quando me afasto, fico chocada com quão horrível ele


parece. Eu nunca vi Reece parecer nem remotamente cansado, hoje
ele tem olheiras sob os olhos, sua pele morena está fantasmagórica,
e seu cabelo preto uma bagunça desgrenhada.

615
— Posso vê-lo? — Pergunto.

Ele sacode a cabeça. — Não. Ele está em cirurgia e...

Meu coração se agita. — Ele ficará bem? Que merda


aconteceu, Reece? Por favor, me diga alguma coisa! — A ansiedade
e o desespero estão girando como um ciclone dentro de mim e estou
com medo de perder o controle e começar a gritar por respostas.

— Piper, sei que você está preocupada, que é tudo muito


louco e assustador para você, eu também ainda estou tentando
entender. Prometi a Blue há muito tempo que sempre presente para
você se algo acontecesse...

Eu saio dos braços dele. Não o quero presente para mim.


Quero somente Blue.

— Me diga o que está acontecendo. — Soluço. — Antes que


eu perca a cabeça. Quão ruim? Como ele caiu de um telhado?
Estava bêbado? Diga-me. Não ficarei brava. Nós vamos ajudá-lo...

Ele agarra meu braço novamente e me puxa para o lado do


corredor. Seus olhos escuros estão negros e sombrios. A profunda
subida e descida de seu peito me hipnotiza.

— Ele não caiu, Piper. Pulou.

O rosto de Reece fica na frente dos meus olhos. O corredor


se move e se fecha, as paredes me esmagando com sua brancura. O
chão sobe. Eu não posso dizer se para cima ou para baixo. Não
posso respirar.

Não, não, não, não...

— Piper, olhe para mim.

616
Estou abalada como uma boneca. Sacudida de volta à
realidade, em seguida, segura por suas grandes mãos de guitarrista.

Mãos como as de Blue.

— Olhe para mim, Piper. Respire. — O quebra-cabeça de seu


rosto lentamente se recompõe. Estou ciente de pessoas caminhando
por nós, me olhando com preocupação, enquanto choro nos braços
deste homem urso. Eles estão roubando todo o meu ar. Preciso sair
daqui. Preciso ir para Blue. Nós precisamos somente nos abraçar e
ouvir a chuva e tudo ficará bem.

— Respire fundo algumas vezes. Não desmaie em mim,


garota.

— Ele não... — Sussurro. — Ele não...

— Ele pulou.

Balanço a cabeça. Meu lábio inferior treme e lágrimas


escorrem pelo meu rosto enquanto olho para o rosto dele,
procurando a verdade entre as mentiras.

— Não... ele não... — Eu não posso nem deixar as palavras


saírem da minha boca. É horrível demais. Inacreditável. Blue
nunca, jamais, tentaria tirar a própria vida.

Acabamos de comprar nossas alianças e ele estava muito


feliz. Estava tão animado com os planos do casamento e por
finalmente morarmos juntos permanentemente. Por que... por que
iria querer acabar com sua própria vida?

Não faz sentido.

Ele mudou de ideia sobre se casar e não sabia como me


dizer? Eu não o amava o suficiente? Ainda se sentia sozinho, mesmo
617
comigo e Lyric em sua vida? Exigi muito dele? As dores de cabeça
estavam piorando e ele não conseguia lidar com a dor? Oh meu
Deus... será que tem um tumor no cérebro? Estava com medo de
uma morte lenta e dolorosa e só queria tomar seu destino em suas
próprias mãos? Tudo junto? O que estava acontecendo para ele
querer morrer?

— Sei que é difícil Piper. Mas você precisa acreditar em mim,


ficará muito mais difícil antes de ficar mais fácil. Ele pulou de um
telhado de três andares. Graças a Deus pelos enormes arbustos e
fodidas árvores de Koler, elas meio que o seguraram e
desaceleraram sua queda, o movimento acionou o alarme da casa.

Eu balancei minha cabeça violentamente, tentando tirar a


imagem da minha cabeça. — Não... — Eu choro. — Está errado. Foi
um acidente... ele caiu.

O queixo de Reece aperta. — Havia um bilhete. E


comprimidos. Não foi um acidente.

Minha cabeça gira e cubro minha boca com a mão para não
gritar no meio do corredor do hospital. Reece se ajoelha e coloca os
braços ao meu redor novamente, me segurando como se eu fosse
uma criança. Eu me sinto uma criança. Uma criança perdida que
acabou de descobrir que tudo o que amava e acreditava desapareceu
no ar.

— Ele está vivo? — Eu me forço a perguntar.

— Estava quando o levaram para a cirurgia... é tudo que eu


sei.

Eu suspiro e quase desmorono nele. Ele está vivo. Ainda está


aqui. É tudo que importa.
618
Estou completamente entorpecida e hesitante quando Reece
me leva a uma pequena sala de espera que tem uma placa de
PRIVADO na porta. Ele me senta em uma cadeira e pega um copo
de papel com água de um bebedouro no canto. Minhas mãos estão
tremendo tanto que ele precisa segurá-lo para mim enquanto bebo.

— Basta se sentar e descansar por alguns minutos. — Reece


diz sentando-se na cadeira ao meu lado. — Você está branca como
um fantasma.

— Como ela está? — A voz de Koler vem do outro lado da sala


e levanto meu olhar do chão para encará-lo, como se talvez algumas
respostas estivessem visíveis nele. Alex, o baterista, está sentado ao
seu lado e percebo que o hospital colocou a banda nesta sala de
espera privativa para manter as pessoas longe deles.

— Está em choque, como o restante de nós. — Reece


responde.

— Como ele subiu no telhado? — Deixo escapar com os olhos


ainda em Koler.

Ele dá de ombros e coloca as mãos para cima. — Não tenho


ideia. Pensei que estivesse dormindo. Falou que estava cansado e
foi para o seu quarto.

— Ele estava agindo estranhamente? Estava festejando?


Falou alguma coisa para você?

— Não. — Alex responde. — Estava um pouco quieto, mas


não fez nada.

— Acredita que algo mais estava acontecendo em sua vida?


Algo que nenhum de nós sabe?

619
— Não. — Reece responde. — Tudo é possível, porém não
creio que Blue estivesse escondendo alguma coisa.

— Então o que de tão horrível aconteceu, para que pensasse


em se matar?

Eles olham um para o outro e encolhem os ombros.

Eu pisco para eles como se estivessem falando uma língua


estrangeira. — Simplesmente não entendo.

Reece aperta meu ombro. — Não temos ideia do que


aconteceu. Estávamos todos lá e nenhum de nós notou nada. Temos
batido nossas cabeças contra a parede por horas. Ele estava agindo
normalmente. A entrevista no início do dia foi boa. Estávamos todos
meio chateados em ir a público sobre a separação da banda, mas
ele parecia bem.

— Ele parecia bem. — Acrescenta Koler.

— Como alguém parece bem e depois pula de um telhado?

Todos eles balançam a cabeça e fico boquiaberta, incrédula.


Como não notaram nada? São seus melhores amigos, seus
companheiros de banda. Estiveram com ele sempre – nos bons e
maus momentos.

Algo deve ter acontecido ou foi dito. As pessoas não apenas


tentam tirar suas próprias vidas sem agir de forma estranha, triste,
deprimida ou exalar algum tipo de vibração.

— Vocês brigaram sobre ele querer deixar a banda e não


querem que eu saiba? Ele só queria ser feliz. É tudo. Queria se
afastar e viver em paz comigo e sua filha. Não há nada de errado
com isso! — Minha voz começa como um grito histérico. Eles

620
estavam escondendo algo de mim. Blue nunca, nunca, me deixaria
e a Lyric.

— Piper... não houve briga. Tudo estava bem entre nós. Ele
estava animado com um novo começo, o casamento, escrevendo
músicas para outras bandas, pensando em fazer um álbum solo.
Estamos tão chocados quanto você. Falou alguma coisa para você
naquela noite? Talvez vocês tenham tido uma briga?

Estou surpresa. — Nós não nos falamos. Conversamos na


noite anterior, depois do show ao vivo e tudo estava bem. Estávamos
felizes.

— Blue está fodido da cabeça há anos. Acho que


simplesmente explodiu. — Alex diz, esfregando as mãos sobre o
rosto.

Eu olho para ele com a raiva queimando dentro de mim.

— Como você se atreve a falar assim sobre ele. — Respondo.


— Ele está exausto das turnês e do estresse, escrevendo todas as
músicas. É tudo. Não acredito em nada do que estão falando. — Eu
me levanto e jogo meu copo de água no lixo. — Blue nunca tentaria
tirar a própria vida. Ele me ama e ama sua filha. Vocês estão loucos
e se sentindo culpados porque o forçaram demais. Vocês o usaram
para fazer todo o trabalho. Ele provavelmente foi fumar um cigarro
e caiu porque estava muito cansado.

Foi exatamente o que aconteceu. Blue gosta de olhar para o


céu. Devia estar exausto e perdeu o equilíbrio. Foi um acidente
horrível e ele ficará bem.

— Acorde Piper. — Koler diz. — Blue sempre foi uma


bagunça. Tem sido uma luta constante para nós, mantermos sua
621
merda junta. Você sabe quantas vezes ele quase arruinou a banda
com sua porra? Desaparecendo por vários dias? Tentando dormir
em lugares estranhos? Seu humor maluco? Suas divagações? Ele
está em cima, de repente tempo está em baixo. É uma maldita bola
de pingue-pongue. Sim, ele é um deus e os fãs o amam, com certeza,
também escreveu todas as músicas. Mas nós éramos aqueles que o
seguravam e juntavam as peças, controlávamos os danos e ainda
éramos sua babá. Você nunca viu esse lado dele, não estava na
estrada conosco. Viu somente pequenas partes. Ele sempre esteve
a beira de um fodido colapso e finalmente aconteceu. — Ele respira
fundo. — Sabe o quê? Nós devíamos ter desistido da merda toda
quando ele desapareceu no deserto do caralho. Nada do que
conseguimos vale a vida dele. Somos todos culpados.

— Eu não posso ouvir isso. — Digo. — Encontrarei um de


seus médicos e o verei, ele me dirá a verdade. Eu o conheço. Ele
nunca tentaria se matar.

Reece agarra meu braço e me puxa de volta para a cadeira


ao lado dele.

— Dê-nos alguns minutos. — Diz para os rapazes e vejo seus


pés se moverem ao saírem da sala.

Boa viagem.

— Piper. — Reece fala devagar. — Nós não somos o inimigo.


Sei que está triste e com medo, mas precisa confiar em nós.

Balanço a cabeça. — Não. Eu não tenho. Vocês não o


conhecem como eu.

622
Ele puxa um pedaço de papel dobrado do bolso, o reconheço
imediatamente porque tenho muitas anotações com o mesmo papel
em casa.

— Ele deixou para você. Sinto muito, eu li quando encontrei


no quarto dele. A polícia também. Perguntei se poderia lhe entregar
desde que foi escrito para você. Se ele não sobreviver, será
considerado evidência. A polícia fotografou e eu não ficaria surpreso
se aparecesse on-line qualquer dia. Merda como essa fica realmente
feia.

Ao pegar o bilhete, meu coração dispara tão rápido e tão forte


que parece querer sair do meu peito.

— O que você quer dizer com se ele não sobreviver? —


Pergunto baixinho.

— Ele tem muitos ferimentos. Quando falei com os médicos


mais cedo, esperavam que ele conseguisse, ainda assim poderia
haver complicações. Acho que você deveria ler o bilhete. — Ele se
levanta. — Eu me sentarei ali, não vou deixá-la sozinha. Sinto
muito, não posso.

Assinto e espero que ele vá embora antes de lentamente


desdobrar o bilhete.

623
Joaninha,
Sinto muito pelo que fiz. Estou tão cansado e
minha cabeça está doendo muito. Não posso mais lutar
contra as vozes. Eu tentei muito, não consegui. Falhei
com todos. O mundo está me odiando. Machuquei todo
mundo. Especialmente você. É imperdoável. Preciso de
você e Lyric para ser feliz. Eu não posso deixar as vozes
e os monstros pegarem você também. Estão ficando
cada vez mais altos e cada vez mais próximos. Tão alto
que não consigo mais ouvir meus pensamentos. Tenho
624
certeza de que você os ouviu na minha cabeça. Estou
tão confuso o tempo todo. É difícil lembrar. A dor está
me matando. Estou me matando.
Por favor, diga a Lyric que eu a amo. Obrigado por
trazê-la para minha vida. Obrigado por amar Bolota.
Eu sinto muito pelo bebê. Acho que ele estava doente
como eu e já ouviu as vozes. Obrigado por sempre me
amar e me mostrar como é a esperança. Obrigado por
me dar uma chance e por acalmar minha alma. Obrigado
por me deixar te amar. Só cheguei até aqui por sua
causa. Você me manteve de pé. Você me fez lutar, mas
não tenho mais forças. Queria muito ter.
Cuidarei de você, sim. Estarei sempre com você.
Você é o único lugar em que me senti em paz, amado e
cuidado. Passarei a eternidade te amando. Eu nunca a
deixarei.
Sinto muito, bebê. Você merece muito mais. Eu
amei tudo o que tivemos, embora não merecesse nada.

625
Voarei agora, serei livre. Seja feliz por mim. Ele
diz que vai tirar tudo de ruim.
Eu te amo como se não houvesse amanhã.
Sempre. Sempre. Sempre.
Blue
Meu coração está partido – despedaçado – todos os pedaços
caíram na boca do meu estômago em chamas.

Eu estava errada. Não conhecia Blue. Não este Blue.


Enquanto minhas lágrimas caem sobre o papel e molham as
palavras em minúsculas poças, não tenho certeza de quem eu
conheço.

626
Capítulo 54
Piper

Meu coração partido não é nada comparado ao quanto Blue


está quebrado. Ele está deitado em uma cama de hospital com um
tornozelo quebrado, uma perna quebrada, quatro costelas
quebradas, um pulso quebrado, um ombro deslocado, um crânio
fraturado, hematomas e lacerações cobrindo oitenta por cento de
seu corpo.

Sei porque o médico me informou.

Eles encontraram relaxantes musculares, pílulas para


dormir, antidepressivos e analgésicos em seu sistema. Reece
confirmou que também encontraram as mesmas pílulas no quarto
de Blue – algumas delas em frascos prescritos para Evan Von Bleu.

Eu nunca vi Blue colocar uma pílula sequer em sua boca e


agora quero saber se os escondeu de mim ou simplesmente nunca
os tomou quando estávamos juntos.

O médico também contou a Reece e a mim que quando Blue


estava acordado, o que não durou muito tempo, ria em um minuto
e chorava no outro.

Ouvi-lo me arrasa e me paralisa.

627
O que está acontecendo com ele?

— Podemos vê-lo? — Pergunto ao médico. Preciso vê-lo com


meus próprios olhos, tocar meus lábios nos dele, ouvir sua
respiração. Preciso ver por mim mesma que está vivo.

— Não. É cedo demais.

Cedo demais? Ele está louco? Já faz muito tempo.

Dou um passo a frente. — Sou sua noiva. Por favor, deixe-


me vê-lo. Tenho certeza que ele quer me ver... está ferido e
provavelmente com medo... posso fazê-lo se sentir melhor, confortá-
lo...

O médico balança a cabeça. — Sinto muito, não podemos


permitir visitas até que ele faça um teste psicológico. Entendo sua
posição, Srta. Karel e sei o quanto é difícil. — Ele olha para Reece.
— E entendo que estamos lidando com um paciente pelo qual haverá
muitas pessoas perguntando e querendo vê-lo, provavelmente
tentando entrar em seu quarto para conseguir informações. Nós o
mudamos para um quarto particular. Nossa prioridade é fazer o que
é melhor para o Sr. Von Bleu, deixá-lo bem, física e mentalmente.
Dito isto, todos vocês precisam se preparar para uma recuperação
muito longa e lenta. Não apenas por seus ferimentos físicos, também
sua recuperação mental e emocional.

Recuperação mental? Blue está exausto e teve um surto de


depressão agravado pelo estresse. Ele precisa descansar e se afastar
da loucura da banda e dos fãs. É demais para ele. Porra,
provavelmente seria demais para qualquer um. Ele não é um doente
mental.

628
Este médico precisa entender que eu preciso fazer algo pelo
homem que eu amo. — Posso lhe trazer algumas coisas para a
enfermeira entregar a ele? Como seu jantar favorito e café da
manhã? Seu violão? Ele sempre dorme com seu violão favorito.

— Podemos falar sobre dieta amanhã, provavelmente


passarão alguns dias antes que ele sinta interesse por comida. Ele
não pode ter nenhum objeto na sala que possa usar para prejudicar
a si mesmo. Seu quarto foi esvaziado e ele tem um guarda vinte e
quatro horas por dia para observá-lo.

Um guarda?

— Eu não entendo por que não posso vê-lo, então. Ficarei


mais do que feliz em me sentar com ele. Ler ou assistir televisão. Ele
não gostará de um estranho em seu quarto.

O médico não vai ceder. — Sinto muito, não podemos


permitir. Visitas só serão permitidas com a aprovação dele. Você
também terá que remover objetos e roupas que possam ser usados
para prejudicar a si mesmo ou a outra pessoa. A enfermeira
explicará tudo.

— Pelo amor de Deus, ele não é um criminoso. — Olho do


médico para Reece. Eu não entendo...

— Nós entendemos Srta. Karel. Posso assegurar-lhe que tudo


que estamos fazendo é para sua própria segurança. Sugiro a vocês
que vão para casa para descansarem um pouco, veremos como ele
estará amanhã. Juro que está em boas mãos. — Ele me entrega a
sacola plástica que está segurando. — Aqui estão seus pertences.

Reece me leva de volta ao saguão principal. — Você deveria


ir para o hotel, jantar, ligar para sua filha. É tarde e estamos todos
629
exaustos. Podemos nos encontrar aqui amanhã de manhã. Talvez
possamos convencer um dos médicos a nos deixar vê-lo. Também
teremos que divulgar um comunicado, obviamente o restante de
nossa programação foi cancelado. Conversarei com Vic a respeito.

Não quero sair. Quero estacionar minha bunda do lado de


fora do quarto de Blue, estar o mais perto possível dele. Sei que
assim que ele acordar, vai me querer por perto não quero que se
sinta sozinho nem por um segundo. Nem sei se ele sabe que estou
aqui.

— Reece, por favor, certifique-se de que nada de ruim seja


escrito a respeito dele. Ninguém precisa saber o que aconteceu,
certo? Você pode simplesmente dizer a todos que foi um acidente?

Blue não iria querer que o mundo inteiro soubesse que ele
tentou tirar a própria vida. Especialmente depois que trabalhou
tanto para consertar sua reputação. E não quero que Lyric leia ou
ouça nada a respeito. A devastaria completamente.

— Nós faremos o que pudermos, embora seja muito difícil


manter coisas assim em segredo, Piper. Blue é facilmente
reconhecível e tenho certeza de que pelo menos cinquenta
funcionários do hospital já o viram. Nós não podemos fazer as
pessoas ficarem quietas. Eles podem falar o quanto quiserem.

— É tão insano. Não é ilegal e antiético falarem sobre


pacientes? E fornecer seus nomes?

— Porra, sim, mas será impossível para o hospital descobrir


quem vazou a informação. Tudo o que os noticiários vão dizer é uma
fonte próxima ou possível tentativa de suicídio. Nossos advogados
não podem impedir os rumores e é tudo de que precisam para uma
630
boa história. Não existe privacidade verdadeira quando se trata de
famosos.

— É tão horrível. — Estou enojada. — Não entendo por que


não posso vê-lo. Não vou incomodá-lo, só quero estar com ele, para
que não se sinta sozinho.

— Eu sei, infelizmente é o protocolo. Ele tentou se matar.


Ouviu vozes, tomou pílulas e pulou de um telhado. Eles não vão
simplesmente deixá-la entrar ou as pessoas entrarem e saírem do
quarto. Qualquer um de nós poderia ser um gatilho para ele. Pode
até tentar novamente. Eles precisam protegê-lo. Mesmo que seja de
nós.

Eu pisco para ele enquanto a ficha, lentamente, começa a


cair. Até agora, estive em choque, operando numa espécie de piloto
automático, tentando passar por tudo sem perder a cabeça e
desmoronar.

As palavras de Reece me tiraram do torpor me jogando na


realidade cruel e assustadora.

Blue tentou se matar.

Ele tem lutado contra sentimentos tão terríveis,


assustadores e tão esmagadores que quis acabar com sua própria
vida para escapar – e eu nunca soube. Tive pequenos vislumbres de
suas lutas, nada como o que está acontecendo. Ele disse que ouviu
vozes. Um calafrio percorre minha espinha quando penso no que
significa. Há quanto tempo vem acontecendo? Ele nunca falou
comigo a respeito. Não me deu, nem a ninguém, a chance de ajudá-
lo. Sequer disse adeus.

Ele iria me deixar.


631
Novamente.

Para sempre.

632
Capítulo 55
Blue

A porra do pássaro mentiu.

Eu não posso voar.

Eu não voei para o céu e encontrei liberdade e paz.

E onde ele está agora, com seus insultos e promessas sem


fim?

Eu não ouvi um pio dele desde que pulei do telhado.

Liberdade minha bunda, pássaro de merda.

Você me fodeu mais ainda.

Olha o que você fez comigo.

Veja o que você fez para nós.

633
Capítulo 56
Piper

Não suporto estar em um hospital. O cheiro me deixa


enjoada. Além dos germes que podem estar espreitando no ar e em
qualquer superfície. Minha fobia de germes está em alerta máximo.
Lavei minhas mãos tantas vezes que minha pele está seca e em
carne viva.

A preocupação e as explosões de choro não me deixam


descansar ou dormir e, felizmente, Ditra ficou ao telefone comigo
quase toda a noite ouvindo meu discurso choroso. Não pude deixar
de repetir toda a minha história com Blue na minha cabeça. Analisei
cada lembrança, cada palavra, cada ação e reação. Tenho certeza
que devo ter perdido alguma pista que poderia ter me dado a
entender que algo estava errado, não perdi.

O que perdi foram centenas de pequenas pistas. Algumas


foram habilmente escondidas e algumas estavam claras como o dia,
agora que estou procurando por elas, não de todo óbvias na época.
O homem que eu amo com todo o meu coração e alma, estava
lutando de maneiras que não consigo imaginar nem compreender e
eu não tinha absolutamente nenhuma noção do que estava
acontecendo.

634
Um nó de tristeza e arrependimento trava na minha
garganta, porque não consigo engolir. Deixei Blue cair, estava cega
e surda à sua dor e quase o perdi.

Como pude não enxergar? Que merda havia de errado


comigo?

Agora não posso deixar de me perguntar – ele estava


realmente feliz ou era algum tipo de fantasia que criou?

Você nunca conhece verdadeiramente uma pessoa, Ditra


falou na noite passada. Talvez ela esteja certa.

Ao longo dos anos, Blue e eu passamos horas e horas


conversando. Nós nos tocamos de todas as formas imagináveis, o
mais próximo possível que duas pessoas podem estar. Eu o provei,
engoli, dormi com ele, acordei com ele. Eu ri e chorei com ele.

Então, como este seu lado escorregou pelas frestas? Eu estava


sempre distraída demais com o nosso relacionamento para perceber?
Ele propositalmente me distraiu para que não enxergasse?

Reece e eu nos encontramos no hospital às nove da


manhã, e a enfermeira nos informou somente que Blue está em
condição estável o médico não está disponível para conversar
conosco. Nós aguardamos na sala de espera até o meio-dia, quando
Reece me convence a caminhar até a lanchonete do hospital para
pegar algo para comer. Ele admite durante o almoço que também
ficou acordado a noite toda fazendo as mesmas perguntas e
debatendo consigo mesmo.

Enquanto voltamos para a sala de espera, Reece para de


repente e olha para uma mulher de pé no saguão principal do
hospital debruçada sobre a mesa da recepção.
635
— Pu-ta-mer-da! — Ele murmura em voz baixa. — Não posso
acreditar que ela veio.

Olho para a mulher com um longo cabelo negro que me


parece vagamente familiar. Parece ter cinquenta e poucos anos,
bonita e muito bem vestida, com um ar de classe e confiança.

— Eu quero vê-lo agora! — Posso ouvi-la repreendendo a


enfermeira. — Chame o médico imediatamente. Sabe quem eu sou?
Quem ele é?

— Quem é essa? — Pergunto a Reece, olhando para ele. Sei


que já a vi antes, só não sei dizer quem é.

— Ellie Von Bleu, a cantora de ópera.

Balanço a cabeça em confusão, sem assimilar quem é só sei


que conheço o sobrenome.

— A irmã de Blue. — Reece acrescenta, como se eu devesse


saber.

Meu Deus! E de repente, a verdade me atinge. Ela é a mulher


do parque de anos atrás. Aquela que Blue falou que parou para
conversar. Deu a Bolota uma bola de tênis.

A sala gira e me apoio em Reece para me equilibrar. Não


sabia que Blue tinha uma irmã. Ele nunca a mencionou – além
daquele dia no parque quando a descreveu simplesmente como uma
mulher com quem conversava às vezes.

— Ele nunca a mencionou — digo. — Como ela sabe que ele


está aqui?

— Eu liguei para ela ontem a noite. Não disse nada por não
ter certeza se ela realmente viria.
636
Olho para ele com raiva crescente.

— Você poderia ter me dito. Eu tenho que ser mantida no


escuro a respeito de tudo? Sou sua noiva e não tenho ideia do que
está acontecendo. Os parentes estão saindo da toca e me sinto um
idiota.

Ele solta um suspiro de frustração. — Sinto muito, não


queria acrescentar mais confusão, se não fosse necessário. Eu falei,
não pensei que ela apareceria. Eles não se veem há anos.

— Mesmo assim deveria ter me contado. O que ela pensará


de mim? Estou noiva do irmão dela e não fui eu quem ligou sequer
sabia de sua existência!

Segurando meu braço, ele me conduz pelo saguão na direção


de Ellie e não tenho ideia do que devo dizer a ela. Esta é a maneira
mais horrível de encontrar uma futura cunhada. Ela pensará que
sou totalmente esquisita.

— Piper, acredite em mim, ela não pensará mal de você.

Ela parece frustrada com a mulher atrás do balcão da


recepção e se vira em nossa direção quando nos aproximamos.

— Reece. — Exclama com alívio em sua voz. — Aí está você.


Alguma novidade? Não consigo chegar a lugar nenhum com estas
pessoas.

Eles se abraçam e ela beija uma de suas bochechas, depois


a outra.

— Estamos esperando pelo médico. Fomos pegar algo para


comer.

637
Estou ao lado de Reece sem jeito, me sentindo perdida e
pequena. Ellie é alta e linda, tem os olhos de Blue, que estão me
olhando de cima a baixo.

— Você deve ser Piper. — Ela afirma.

Um lampejo de medo me atravessa. E se ela me culpar? Eu


sou a noiva de Blue – aquela que deveria fazê-lo feliz. E se ela pensar
que fiz algo com Blue para deixá-lo infeliz? As pessoas que estão
felizes no amor e planejam um casamento não tentam se suicidar.
E se todo mundo estiver secretamente me culpando? E se eles
estiverem certos?

Engulo e assinto, ela me surpreende, puxando-me para um


abraço e beijando minhas bochechas.

— Como você está? Parece absolutamente em pânico. — Ela


segura minhas mãos nas dela e observa meu rosto com bondade. —
Eu não esperava que você fosse tão jovem.

— Eu não sou. — Respondo. — Sou muito pequena.

Ela joga a cabeça para trás e ri. — Você é adorável. Posso ver
por que Blue foi atraído para você. Perdoem meus modos, estou
exausta e estressada, fiquei em um avião abafado para sempre e foi
tudo tão inesperado. — Ela olha para Reece. — Embora não seja,
verdade? Quer dizer, todos nós conhecemos Blue...

Nós? Algum de nós conhece Blue?

Nós vamos para a sala de espera juntos para aguardar o


médico. Koler e Vic, que estavam lá antes, agora se foram, então
temos espaço para nós.

638
— Ele está estável? — Ellie pergunta, tirando seu casaco de
couro marrom escuro. — Pelo menos sabemos de algo?

Reece acena com a cabeça. — Sim. Ele tem muitos ossos


quebrados e hematomas, mas nos disseram que sua condição é
estável.

— Fisicamente, pelo menos? — Ela acrescenta, erguendo as


sobrancelhas perfeitas.

— Sim.

Ela se senta em frente a mim numa pequena mesa redonda


perto da janela, me sinto um pouco encurralada só queria ficar
sozinha e organizar meus pensamentos. Ainda estou tentando
identificar um momento em que Blue possa ter agido de forma
suicida.

— Eu me lembro de você. — Diz ela. — Eu a vi com Blue e


seu cachorro no parque. Estava tão esperançosa de que nos
apresentasse, então ele simplesmente foi embora...

— Eu me lembro de você também. Ele me disse que você era


uma garota com quem conversava de vez em quando.

Ela balança a cabeça e franze os lábios. — Claro que ele


disse. E tenho certeza que, na época, é no que acreditava.

— Você está dizendo que ele teve amnésia?

— Não, estou dizendo que muitas vezes ele não estava,


exatamente, em contato com a realidade.

Eu me pergunto o que é pior – não se lembrar de coisas ou


não saber se suas lembranças são reais.

639
— Então, naquele dia no parque, ele sabia que você era sua
irmã? Ou não? Sinto muito, tudo é muito confuso. Ele me disse que
tinha um irmão, nunca mencionou uma irmã.

— Nós não temos um irmão. — Ellie diz simplesmente.

Eu sei com certeza que Blue mencionou um irmão mais


velho.

Eu olho para ela. — Ele me disse que tinha um irmão mais


velho que o fez começar a fumar maconha quando era muito jovem.

— Não é verdade.

Eu fico olhando para ela e para Reece, que não parecem se


incomodar com o fato de Blue estar falando sobre um irmão que ele
sequer tem. — Por que mentiria sobre algo assim? — Eu pergunto.

— Para ele não é mentira. É como uma criança que tem um


amigo imaginário. Eles acreditam que o amigo é real, até que,
eventualmente, percebem que não são reais. Blue sempre lutou com
o que é real e o que existe somente na mente dele.

Meu cérebro e meu coração começam a bater em uníssono.


Teve momentos em que ele não achava que eu era real?

— Eu sinceramente não entendo nada. — Digo. — Ele age de


maneira estranha às vezes, porém nunca o vi falar com pessoas que
não estavam lá, alucinar ou fazer qualquer coisa maluca. Ele tem
uma carreira muito bem-sucedida e é um ótimo pai.

Um sorriso simpático cruza o rosto de Ellie. — Ele aprendeu


a esconder bem, Piper. Bebia e usava drogas, para tentar impedir
toda a loucura em sua cabeça. Mascarava sua confusão. Também
caminhava para manter sua mente ocupada.

640
Eu me recosto na cadeira e cruzo os braços sobre o peito. —
Não. Não acredito em nada disso. Sei que tem um problema de
abuso de drogas, mas Blue não é louco.

— Oh, eu não diria que ele é louco, embora ele pular daquele
telhado e se internar neste hospital tenha sido, provavelmente, a
melhor coisa que aconteceu.

Minha boca se abre de choque e raiva. — Você está falando


sério Ele quase morreu!

— Eu sei e ele é muito sortudo. Finalmente receberá a ajuda


da qual precisa e um diagnóstico correto. Algo do qual tem fugido
por toda sua vida.

Estou começando a não confiar ou gostar desta mulher. Por


que ela está aqui mesmo? Eu não sei dizer se ela se importa ou não
com Blue.

Ela aponta com o queixo elegante em direção ao anel de


noivado na minha mão esquerda.

— Lindo anel — diz.

Eu puxo minha mão para trás, com medo que ela de alguma
forma tire o significado do anel de mim.

— Obrigada. Ele me surpreendeu com ele. Nós estávamos


planejando nos casar assim que as coisas se acalmassem, depois
que deixasse a banda. Temos uma garotinha juntos. Eles se adoram.

— Eu sei. Reece me mantém informada. Você é a única


mulher que Blue permitiu entrar em sua vida. Ele deve amar e
confiar muito em você.

641
— Sim. — Eu digo, com lágrimas ameaçando sair. — Ele ama
e confia. E eu o amo. Eu o amo há anos.

Seus olhos azuis se suavizam com compreensão. Ou pena?


Não posso dizer.

— Não tenho nenhuma dúvida de que ele a ama. E não estou


tentando aborrecê-la, Piper, você precisa saber com o que está
lidando parece que não tem ideia. Diga-me, Blue já mencionou sua
infância? Quero dizer antes de ele ser adolescente?

Ele o fez? Pense, pense, pense...

Eu respondo com relutância. — Não. Ele não mencionou.

— Imaginei. Eu tinha dezesseis anos quando Blue nasceu.


Nossa mãe teve muitos problemas. Ela sofria de transtorno bipolar,
esquizofrenia, depressão e tinha episódios de loucura. Ela nunca
deveria ter tido filhos, muito menos dois. E certamente não uma
criança tão tardiamente. Quando estava tomando remédios, era um
pouco funcional, divertida e amorosa. Quando parava de tomá-los
ficava quase fora de si.

Eu me forço a respirar e ouço enquanto Ellie me conta mais.

— Nosso pai era um alcoólatra e francamente, um idiota


abusivo. Ele não estava preparado para lidar com uma esposa
mentalmente doente e dois filhos. Aprendi em uma idade muito
jovem a simplesmente ficar longe de ambos e cuidar de mim mesma.
Quando tive idade suficiente, trabalhei na cidade e economizei todo
o meu dinheiro para conseguir meu próprio espaço e ficar o mais
longe possível deles. Então Evan nasceu e de repente havia um bebê
do qual ninguém queria cuidar. Por sorte, ele era um bebê
extremamente quieto. Muito quieto, se bem me lembro. Nunca
642
chorava ou fazia qualquer barulho. Simplesmente se deitava lá, no
berço ou no chão, olhava para o teto ou para fora da janela. Nossa
mãe se esquecia de alimentá-lo, às vezes durante dias, quando tinha
algum episódio e ele não fazia nenhum som. Simplesmente
esperava.

— Que horrível... — Eu quase grito. — Trata-se de abuso


infantil.

— Sim. — Ela concorda. — Foi. Tentei cuidar dele. Sei que


parece terrível, porém eu era apenas uma adolescente e realmente
não entendia a seriedade de tudo. Estava em negação, acho e
realmente não sabia o que fazer.

Eu tento me imaginar como uma adolescente na mesma


situação. O que eu teria feito?

— Nossa mãe amava pássaros. — Ela continua e meu


coração aperta, porque já sei onde a história está indo. Eu já sei. —
Ela era obcecada por eles e tinha todos os tipos diferentes que
comprava ou resgatava. E, quando estava bem, cuidava
maravilhosamente deles e de Evan. Ele era muito pequeno para
entender suas grandes mudanças de humor e as diferenças de
comportamento erráticas, ele acreditava que a mãe boa e a mãe
ruim eram duas pessoas diferentes. E ela o deixou acreditar.

— Uma tia? Ele pensava que a mãe boa era uma tia? —
Minha voz treme.

Ela acena com a confirmação. — Sim. Uma tia maravilhosa


e legal. Evan era louco pelos pássaros. Ele tinha cerca de quatro ou
cinco anos, quando realmente começou a passar tempo com os
pássaros. Ainda não estava falando, na verdade, eu acho que Evan
643
não começou a falar até quase seis anos de idade. Ele ficava sentado
na varanda com os pássaros o dia inteiro, ouvindo-os cantava junto
ou imitava suas pequenas canções, escrevia nesses cadernos
antigos. Um dia eu o encontrei em uma das grandes gaiolas com seu
pássaro favorito, cantando e escrevendo e não consegui chamar sua
atenção por nada. Ele pensava que o pássaro estava falando com
ele, realmente acreditava que ele entendia o que estava dizendo, me
disse que seu nome não era Evan, era Blue. Estava em seu próprio
mundo então soube que ele estava ferrado. Herdou a doença de
nossa mãe ou ela o deixou louco, talvez ambos. Eu não sei. Logo me
mudei, voltava e o via uma vez por semana e ele parecia estar bem.
Estava na escola, arrastava um violão velho com ele e, embora
continuasse conversando com os pássaros, não ficava mais na
gaiola. Pensei que ficaria bem. Ele era estranho e desapegado, mas
parecia bem e não estava em perigo.

— Você deixou um menino sozinho numa situação como


essa?

— Eu deixei e sempre me arrependi, não sabia o que fazer.


Estava com medo deles.

— Você deveria ter procurado ajuda para ele. O Estado o teria


levado e colocado em um orfanato, não é?

— Sim. — Reece concorda. — Eles teriam.

— Não queria que ele fosse levado embora. Fui egoísta e agora
sei que foi errado, só não queria o levassem embora. Eu o amava.
Pensei que ficaria bem. Que seria como eu passaria por tudo e
partiria quando pudesse.

644
Quero estrangular esta mulher. Eu não me importo se era
uma adolescente, sabia o que era certo e errado e deveria ter
ajudado seu irmão mais novo – não o deixado com pais que não
podiam cuidar dele.

— Bem, obviamente, ele não estava bem! — Digo. — Você era


mais velha, deveria ter feito alguma coisa.

Ela balança a cabeça, sem romper nosso contato visual.

— Nós não podemos voltar no tempo e mudar tudo, Piper. —


Reece diz suavemente. — Ellie não é uma pessoa ruim. Era apenas
uma criança sozinha.

— Eu sei, mas...

Ela corta — Acredite em mim, me senti horrível a respeito de


tudo durante toda a minha vida. Tentei ajudá-lo quando ele ficou
mais velho. Até então, sabia que Evan estava confuso. Toda vez que
tentava falar com ele, me dizia para ir me foder ou agia como se não
soubesse quem eu era. Então ele saiu da casa e foi para o galpão,
depois morou com amigos e de novo pensei que ficaria bem. Mais
tarde, nosso pai partiu e nunca mais ouvimos falar dele e nossa mãe
faleceu deixando-lhe aquela casa e ele simplesmente ficou lá. Eu
morava perto, o via na cidade andando com o cachorro o tempo todo
e tocando por dinheiro, tentei tanto ajudá-lo, convencê-lo a voltar
para casa comigo, não conseguia alcançá-lo. Dizia que estava com
dor de cabeça e que precisava andar por causa das vozes, ouvir a
chuva e os pássaros. Em alguns dias ele parecia perfeitamente
normal, nós conversávamos e brincávamos com o cachorro. Eu
nunca soube se ele estava alto ou doente como a nossa mãe, não
conseguia convencê-lo a ir ao médico. Tentei muitas e muitas vezes.

645
Não sei por que ele escolheu viver nas ruas. Blue tinha uma casa,
tinha dinheiro e a mim. Ele só queria ficar sozinho.

— Espere. — Eu interrompo. — Você está dizendo que a casa


com a varanda em Amherst – com o galpão no quintal – é dele?

Ela acena com a cabeça. — Sim. É dele há anos. Está


simplesmente lá, caindo aos pedaços. Ele tinha dinheiro que nossa
mãe herdou de seus próprios pais e deixou para nós dois, até onde
eu sei, ele nunca tocou nele. Pensei que, com certeza, quando
conseguisse organizar sua vida e construísse uma incrível carreira
para si mesmo, restauraria a casa ou a venderia, no entanto ela
ainda está lá.

Durante todo o tempo em que morou naquela velha casa


abandonadas, Blue estava em casa.

— Eu me sinto mal. — Digo, colocando minhas mãos em


sinal de rendição. — Realmente não sei se posso lidar com tudo isso.

Reece se levanta e se ajoelha ao lado da minha cadeira. Ele


coloca seus braços ao meu redor e me segura enquanto eu choro,
querendo poder desaparecer. Minha cabeça está girando com
confusão e medo. Blue é realmente louco? Ele era louco o tempo todo?
Eu simplesmente não posso acreditar.

Eu me afasto e limpo meu rosto com um guardanapo que


Ellie me entrega. — E Lyric? — Eu pergunto, tremendo. — A doença
é hereditária? Ela pode estar doente?

— Não. — Reece diz rapidamente. — Não. Lyric está bem.

646
Ele tem que estar certo. Lyric nunca agiu de forma estranha.
Ela é inteligente, criativa, carinhosa, sociável e completamente
normal.

A porta da sala de espera se abre e o médico de Blue entra.

Finalmente.

647
Capítulo 57
Piper

Estou furiosa.

Exasperada.

O médico só permitiu que Ellie visse Blue, pois é da família.


Não eu, a mulher que sempre o amou e ficou ao lado dele, não
importa de que forma e está chorando enlouquecendo de
preocupação além de ser a mãe de sua filha.

— Não posso acreditar — Digo para Reece enquanto ando


pela pequena sala. — Nós deveríamos estar lá com ele. Não ela. Ele
gosta dela?

— Talvez seja melhor se ele não gostar.

Paro para olhá-lo como se ele tivesse perdido a razão. — O


que significa isso?

— Ele provavelmente não está pronto para nos ver, se


preocupa conosco e sabe que nos importamos com ele. Seria muito
difícil nos enfrentar. Especialmente você.

Deus. Ele tem razão.

648
Ellie não saiu por mais de vinte minutos quando volta para
a sala de espera. Eu praticamente pulo nela como um animal
selvagem faminto.

— Como ele está? Está bem? Está com muita dor? O que ele
falou?

Reece toca meu braço. — Piper, dê a ela um segundo.

Estou dando a ela um segundo.

Ela se senta em uma das cadeiras e suspira. — Ele está uma


bagunça de gessos e bandagens, cortes e contusões. Parece que
enfrentou um furacão. É terrível.

— Oh meu Deus…

— Ele vai ficar bem. — Ela segura minha mão. — Vai se


curar, talvez fazer uma pequena cirurgia plástica para um corte em
seu rosto, então ficará como novo, Piper. Levará um tempo, claro e
ele precisará de fisioterapia, porém seu corpo vai se curar.

— Bom. — Reece diz com alívio, enquanto ainda estou presa


no comentário de cirurgia plástica. Quão profundamente se cortou?
— Ele falou algo?

— Muito pouco. Ele pareceu surpreso em me ver, o que já


esperava. Sua atitude habitual continua lá.

— O que ele disse? — Pergunto impacientemente.

— Bem, se realmente quer saber, ele falou que fodeu tudo


como sempre faz.

Reece zomba e balança a cabeça. — Tão típico. — Diz ele.

Estou esmagada, sem palavras.

649
Blue acha que viver é um fracasso? Significa que ele gostaria
de ter morrido e ainda quer morrer?

Por quê?

— Ele pediu para ver você. — Ellie fala para Reece,


destroçando ainda mais meu coração. — Você precisava falar com a
enfermeira antes de entrar, ela dirá o que precisa tirar. Como seus
cadarços. E não devemos fazer perguntas sobre o motivo de ele ter
feito o que fez, dizer qualquer coisa para culpá-lo ou perturbá-lo.

Confusão e mágoa me fazem perder as palavras enquanto


vejo Reece sair da sala.

Blue deve querer me ver por último. Por isso que pediu para
ver Reece antes de mim.

— Você não quer vê-lo assim, querida. — Diz Ellie. — Ele é


um homem tão bonito. Não quer vê-lo todo machucado, inchado e
cortado, acredite em mim. Não é uma visão bonita.

Ela realmente pensa que eu não gostaria de vê-lo? Essa


mulher já amou um homem antes? — Eu quero vê-lo não importa
como, Ellie. Quero dizer a ele que o amo e estou aqui. Quero dizer
que passaremos por tudo juntos, então ele saberá que não está mais
sozinho.

650
Capítulo 58
Blue
Oops

Eu fodi tudo com este salto, completamente.

Na época, parecia certo. Rápido. Fácil. Sem dor. O perfeito


final trágico e confuso. O pássaro estava falando comigo novamente.
Ele não apareceu por um tempo, então voltou – quando eu estava
exausto e cansado, mental e fisicamente, com tudo ao meu redor.
Ele se sentou no meu ombro e me viu ler todos os comentários
online sobre como sou um covarde. Como destruí a banda. Como os
fãs me odeiam, quão patético sou.

Eu fui um tolo em pensar que tudo daria certo. Fui realmente


estúpido o suficiente para pensar que poderia deixar a banda, casar
com minha garota, escapar de tudo e viver feliz para sempre?

Deveria saber que não podia ir em silêncio.

Então o pássaro começou:

É hora de acabar com a loucura, Blue.

Está muito atrasado.

Você não pode escapar. Eles não deixarão.

Você não precisa mais se machucar.

651
Ninguém o ama. Eu amo, no entanto.

Todo mundo o odeia. Você é uma decepção. Um desistente.


Uma aberração.

Piper e Lyric ficarão envergonhadas. Você será uma pessoa


acabada.

Lembra quando era apenas você e eu? Lembra-se de como era


bom?

Venha aqui em cima. Perto das árvores. Você pode voar!

Você pode ser livre!

E aqui estou eu, todo fodido, sedado com medicação legal.


Outra falha de muitas para adicionar à minha lista. Eu me sinto
mal e me quebro como se alguém colocasse uma janela em mim e
todos olhassem para dentro – vendo a da doença correndo em
minhas veias. O mundo inteiro conhece meus segredos.

Eu meio que me sinto aliviado – pelo mesmo motivo. Agora


todo mundo conhece o meu verdadeiro eu.

Eu não tenho mais que me esconder. Estava sendo


exaustivo.

Eles cuidarão de mim. Eles me deixarão descansar. Talvez


consigam fazer tudo parar.

Seria realmente possível? Fazer tudo parar?

Reece está de pé perto da porta, o próximo na fila depois da


irmã que mal conheço. Eu rio do jeito que ela diz ser família. Como

652
se o título lhe desse privilégios especiais. Eu me lembro de você, Ellie.
Eu a vi nascer.

Eu me forço a parar de rir, os olhos críticos estão em toda


parte.

— Você parece uma merda. — Digo a Reece.

Ele sorri. — Você também.

— Pelo visto não posso voar.

— Acreditou que poderia? — Ele pergunta, sentado na


cadeira ao lado da cama. Ele não está usando sapatos e seus pés
parecem estranhamente reconfortantes em meias brancas.

— O pássaro falou que eu podia. Que eu poderia voar para


fora deste mundo e fugir de todas as coisas que me machucam.

— Nós conversamos sobre o pássaro antes. Você sabe que ele


não é real.

— Eu sei. Só que desta vez, ele pareceu muito real.

Ele assente como se fosse algo normal e eu não fosse um


lunático nível dez. É o que os melhores amigos fazem.

— Por que você não falou comigo? Sempre o ajudei. Você


sabia que podia conversar comigo.

— Eu não sei. Pensei que estivesse bem.

— Você terá ajuda agora, Ev.

Eu concordo e uma dor sobe na parte de trás da minha


cabeça e irradia para a minha testa. Pisco as estrelas que se
espalham na minha visão.

— Piper quer vê-lo.

653
Desta vez, a dor atravessa meu peito como um punhal direto
para o meu coração.

— Não.

— Ela está muito triste. Você deveria deixá-la vê-lo por


alguns minutos, para que possa ver por si mesma que você está
bem.

— Não. Eu não quero que ela me veja assim. — Eu me afasto


dele e a dor atravessa todo o meu corpo. Minha cabeça dói.

Meu coração dói.

— Vamos, Blue. Não faça isso com ela.

O guarda no canto lança um olhar de advertência para


Reece.

Não cutuque o louco. Ele poderia pular pela janela.

Eu respiro fundo e minhas costelas gritam em agonia.

Cada momento de dor bem merecido.

— Você pode dar a ela um recado meu? Já que não tenho


permissão para usar uma caneta ou lápis para escrever?

— Sim. Claro.

— Diga a Piper que quero que ela vá para casa.

— Blue... — Ele fecha os olhos, não antes de eu ver a


decepção estampada neles, então balança lentamente a cabeça. —
Não faça isso.

— Diga a Piper que a amo e a Lyric, mas minha cabeça está


muito fodida.

654
Ele olha para mim como se eu fosse um menino
indisciplinado. — Você acha que ela não sabe ? Ela não se importa
se sua cabeça está fodida. Ama você. Claro e simples. Precisa dela
agora mais do que nunca. Não a mande para longe, porra.

— Eu não quero vê-la.

Não poderei ver a dor em seus olhos depois do que fiz.


Embora não tenha me matado o salto me fez enxergar a dor que
causei a ela, poderá me instigar a tentar novamente, fazer direito
desta vez, somente para escapar da culpa insuportável que está me
devorando como vermes. Nunca pensei que teria que encarar as
pessoas que abandonei, testemunhar sua dor e confusão de perto e
pessoalmente. O pássaro não me falou aquele pequeno mentiroso
trapaceiro. Como Reece com seus olhos escuros cheio de perguntas
e sua decepcionada careta. E Ellie com seu rosto... vi quando eles
chegaram. Não preciso ver Piper para saber o que verei nela. Mágoa.
Traição. Medo total. Negação. Culpa. O amor arrependido.

Tudo por minha causa.

Minha pequena noiva vai passar dias pesquisando na


internet e se transformará em enfermeira e psicoterapeuta em
menos de uma semana. O objetivo de sua vida será tentar me ajudar
e não posso permitir que o faça. Eu a amo demais para colocá-la
nessa merda toda. Não posso deixá-la se perder tentando me
encontrar.

Tudo o que sempre quis desde o dia em que a conheci foi ser
um homem de verdade. Alguém que pudesse cuidar dela. Nunca
aconteceu.

655
Ela já me consertou o quanto pôde. Mais do que pensei que
poderia. É a cola que segurou todas as minhas rachaduras e a amo
infinitamente por tê-lo feito. Infelizmente, sempre soube que, mais
dia menos dia, me quebraria novamente e ela ficaria com nada além
de pedaços.

656
Capítulo 59
Piper

Dee está me esperando no aeroporto. Assim que ela me


abraça na área de bagagens, começo a chorar descontroladamente.
De novo.

Tive um colapso total quando Reece me falou que Blue não


queria me ver. Pulei no elevador mais próximo, corri pelo corredor,
tentei passar pelo segurança de quase dois metros de pé em frente
ao quarto de Blue. O guarda literalmente me pegou com uma das
mãos e me carregou para a sala de enfermagem, chorando, gritando
e implorando.

Eu poderia facilmente ser confundida com uma paciente que


escapou. Foi muito ruim. Eu tremia muito, meus dentes batiam.
Meu coração disparou batendo perigosamente rápido. Minhas
pernas tremeram, minha cabeça ficou leve e eu comecei a
hiperventilar enquanto Reece tentava gentilmente me conduzir de
volta para o elevador. Assim que as portas se abriram, desmaiei e
acordei algum tempo depois em um quarto do hospital. Fui
diagnosticada com um sério ataque de pânico, fiquei sedada
durante três dias, recebi a visita de um psiquiatra e fui liberada com
uma receita de medicamentos para ansiedade.

657
Mesmo depois de tudo, ainda não tive permissão para ver
Blue. Uma parte de mim esperava que Reece dissesse a ele que eu
fiquei completamente transtornada e iria querer me consolar. É
claro que o lado racional do meu cérebro entendia que Reece não
podia contar a ele, porém não mudava o fato de que estava com
medo e com o coração partido, queria somente que o homem que
amo me mostrasse que continuava vivo e me amava. Eu precisava
desesperadamente que ele expulsasse de mim toda a raiva, medo e
sofrimento.

E no final acabei como ele, deitada em uma cama, desejando


poder escapar de tudo e simplesmente dormir para sempre.
Felizmente, saí depois de setenta e duas horas.

Blue não.

Reece cuidou do meu voo. Ellie fez os arranjos para a


transferência de Blue.

E aqui estou eu, de volta a New Hampshire, chorando no


aeroporto.

Antes só chorava assistindo Titanic e outros filmes tristes. O


que aconteceu com aquela garota?

— Está tudo bem. — Dee me acalma, acariciando meu


cabelo. Gostaria de poder acreditar nela, embora nada esteja bem e
talvez nunca mais fique.

Apesar de sentir falta de Lyric, estou feliz que Dee não a


tenha trazido para o aeroporto. Tenho certeza de que ela sabia que
eu estaria uma bagunça e precisaria de algum tempo para me
recompor.

658
— Sinto tanto, Piper. — Diz quando entramos no carro. —
Sei que as coisas não estão como você queria que estivessem.

— Suas palavras são um eufemismo enorme. — Respondo,


tirando um pequeno pacote de lenços de seu porta-luvas.

— Ele nem sequer quis vê-la ou conversar? Nada?

— Não. A única pessoa com quem fala é Reece.

Ela sai do aeroporto e ultrapassa um motorista em um


caminhão azul, que se desvia. Dee está totalmente alheia e continua
falando.

— O que você vai fazer?

— O que posso fazer? Minhas mãos estão atadas. Ele não


quer falar comigo e foi transferido para uma clínica de tratamento
psiquiátrico para ricos e famosos, em tempo integral.

— Eu não sei... talvez seja hora de deixar ir. — Afirma


hesitante.

Eu me viro para olhá-la, seus olhos estão na rua. — Deixar


o que ir?

— Ele. O relacionamento. Tudo.

— O quê?

— Piper, você tem estado em altos e baixos com esse homem


por uns quinze anos. Toda vez que pensa que as coisas estão nos
trilhos, tudo desaba. Desta vez? É realmente... além da
compreensão. — Abro a boca para interrompê-la, ela continua
falando. — Ele se jogou da porra de um telhado. Você falou que
encontraram drogas em seu sangue e em seu quarto.

659
— Não drogas, Dee. Medicamentos prescritos. É totalmente
diferente!

Ela me lança um olhar indignado. — Tudo bem, Piper, só que


ele não deveria ter misturado todos eles como um coquetel. Sei que
você o ama, mas Blue tem alguns problemas muito sérios que não
podem mais ser ignorados. É pior do que pensávamos. Ele não é
apenas um sem-teto qualquer transformado num astro do rock com
problemas com drogas e álcool. Descobrimos que tem um histórico
de algum tipo de doença mental, ao longo da vida.

— Não fale assim! — Eu soluço. — Não quero ouvir.

— Você precisa ouvir. Ele é o pai da sua filha. Você precisa


pensar nela.

— Claro que estou pensando nela!

— Você realmente quer alguém tão instável perto de sua


filha? Ou na sua vida? É honestamente o tipo de homem com quem
você quer se casar e ter filhos? E quando o inferno terminar com
ele? Eu nem estou envolvida e me sinto exausta, acabada. Não
consigo nem imaginar como você deve estar se sentindo. E ele nem
quer vê-la. Simplesmente joga uma bomba épica em cima de você e
depois se esconde? Foda-se ele!

Eu quero estrangulá-la por seus comentários furiosos, como


sei que ela me ama e está extremamente preocupada comigo, desisto
de bater nela. Reece e eu conversamos a respeito antes de eu viajar.
Sabíamos que a maioria das pessoas não o apoiava nem o
compreendia. Só não esperava ter que lidar com tal de reação tão
cedo.

660
Depois de me dar um momento para me acalmar, enxugo
meus olhos com um lenço e então tento falar com ela sem gritar e
chorar.

— Primeiro de tudo, ele não agiu assim de propósito, Dee.


Não está tentando me machucar. Acredito com cada parte de mim.
E não está se escondendo e sim doente. Pela primeira vez em sua
vida poderá ser devidamente avaliado e diagnosticado – devo
acrescentar. Os médicos estão muito otimistas acreditam que, com
a medicação e o tratamento certos, irá melhorar e
esperançosamente não terá mais esses episódios. Quer dizer,
mesmo sem tratamento, ele levou uma vida bem produtiva e
funcional. Então, com tratamento, deverá ficar bem.

— Deus te ouça, realmente espero que sim, no entanto e se


ele não ficar?

— Por favor, tente entender o quanto é difícil para mim. Você


está certa, estou exausta. Com minha cabeça confusa. Sinto-me
traída, também que falhei com ele. Estou magoada por ele não
querer me ver e ao mesmo tempo entendo que se sinta mal e precise
de tempo para entender seus sentimentos antes de lidar com os
meus. É tudo sobre ele agora. Está doente e precisa melhorar. Eu
tenho que lidar com meus sentimentos longe dele.

— Como é justo para você? Não é quase abusivo? Você tem


seu coração partido e agora o quê? O que acontece com seus planos
de casamento? Foi deixada num turbilhão emocional sozinha? Sinto
muito, Piper, não gosto nem um pouco. Eu me sinto mal por ele
estar doente, porém você não precisa ou merece o que está
passando, Lyric também não. O que você dirá a ela, considerando-

661
se que ele estará fora de sua vida por quem sabe quanto tempo
enquanto estiver em algum SPA famoso?

É outro problema no qual tenho pensado.

— Direi a ela que ele está em turnê com a banda e demorará


mais tempo do que pensávamos. Terei que levar um dia de cada vez.
A última coisa que desejo fazer é colocá-la contra ele de qualquer
maneira. Reece acredita que quando Blue estiver se sentindo
melhor, ligará para ela, manterá a comunicação e o relacionamento
deles. Ela não precisa saber onde ele realmente está.

— Sério? Ela não é mais um bebê. Ela lê. Fica online.


Descobrirá o que aconteceu eventualmente. Alguns sites já estão
especulando e espalhando rumores.

Minha respiração fica presa na minha garganta. — O quê?


Você tem certeza?

Ela acena com a cabeça. — Sim. Billy tem verificado para ver
se alguma coisa apareceu e alguns dos fóruns de rock já
começaram. Estão dizendo que Blue teve um colapso depois de
anunciar o fim da banda e está em tratamento, no entanto não
ficaria surpresa se descobrissem a verdade. Eles sempre descobrem.

— Merda. — Seguro minha cabeça nas mãos. — Não posso


acreditar.

— É o que estou dizendo. Vale realmente a pena? Você


realmente quer que sua vida seja assim? Não quer paz e
tranquilidade e... — Ela faz uma pausa e luta por palavras. —
Normalidade? Sem insanidade? Como Billy e eu? Vocês não são
casados. Pode deixá-lo e ninguém iria culpá-la. Você tem todo o
direito de ir embora, Piper.
662
Meu sangue está quase fervendo com suas palavras. Ela
nunca entenderá que deixar Blue não é sequer uma opção em minha
mente.

Os edifícios e as árvores do lado de fora se confundem


enquanto passamos, olho para eles atordoada. Exatamente como
minha vida se parece agora, um borrão vertiginoso, tudo
embaralhado sem começo ou fim. Dee está certa ao dizer que estou
muito mal. Odeio as coisas como estão e gostaria de poder mudá-
las, apesar de já ter aceitado que não posso.

Esta é a minha vida – a vida que compartilho com Blue.

— Eu o amo, Dee. É tudo que sei. Não preciso dizer os votos,


eles estão no meu coração para sempre. No bom ou no ruim, na
saúde e na doença – seja o que for que a vida jogue sobre nós. Estou
dentro mil por cento.

— Você está totalmente louca... — Ela balança a cabeça e


olha para mim. — Também respeito sua vontade. Só espero que
fique bem. Eu te amo.

— Então, basta estar presente para mim, Dee. — Quase


imploro. — Não bata em Blue ou nos meus sentimentos por ele. Por
favor, seja somente minha amiga, é o que eu preciso.

Ela pega minha mão, apertando-a com força na dela. Solta


um longo suspiro enquanto olha para a estrada diante de nós.

— Bem, se é o que você deseja, terá. Eu não quero perdê-la.


— Diz suavemente. — Só tenho um pedido. Quero que veja um
terapeuta. Irei com você se quiser. Temos que cuidar de você
também, não se trata apenas dele. Você é importante também. Ele
não é o único confuso, Piper. Você também está e vem se
663
acumulando há muito tempo. Lyric precisa que pelo menos um de
seus pais seja mentalmente estável.

Concordo com a cabeça, com medo de falar, porque uma


enxurrada de lágrimas está ameaçando descer.

664
Capítulo 60
Piper

Toda vez que meu celular toca, pulo e o agarro, esperando


que seja Blue. Oito semanas se passaram desde que saí da
Califórnia, então, quando meu telefone toca, espero com todo o tipo
de esperança que seja ele, infelizmente é o número de Reece na tela.

— Oi. — Digo meu estômago se contorcendo em nós de


ansiedade.

— Ei. Como estão vocês?

Eu me levanto do sofá e vou para o meu quarto, para Lyric


não ouvir minha conversa. — Estamos bem. Nada de novo, fazendo
as coisas de sempre.

O normal é chorar a maior parte da noite abraçada ao


travesseiro de Blue, vendo um terapeuta duas vezes por semana e
comendo meu peso em sorvete e café com leite.

— Bom.

— E você como vai?

— Eh. Sentindo-me meio oprimido e puxado em todas as


direções. Estou bem, no entanto.

665
Eu sinto uma pitada de tristeza em sua voz? Ou passei a
analisar todo mundo, com medo de que estejam sofrendo de um
problema mental? Pesquisei na internet por sinais de depressão e
pensamentos suicidas em outras pessoas, o que ele falou pode
muito bem ser uma bandeira vermelha.

— Você tem certeza?

Eu não me intrometo na vida de Reece, mesmo que uma


parte de mim queira. Ele sabe tudo sobre o Blue e eu. Nós
conversamos por horas, sempre sobre mim e Blue. Geralmente
estou divagando sem parar. A maior parte do tempo me pergunto
como ele ainda se dá ao trabalho de me ligar, tenho certeza que está
cansado de ouvir minha voz e de me acalmar. Sei que algo está
acontecendo com ele e a mãe de seu filho, gostaria que se abrisse
comigo e me contasse. Com quem Reece fala sobre seus problemas?
Blue? Alguém? Ninguém?

— Estou bem — responde. — Falei com Blue por telefone esta


manhã.

Meu coração bate mais rápido apenas com a menção do


nome dele. — Como ele está? — Minha voz luta com o nó na minha
garganta.

— Parecia muito bem. Antes de dizer mais alguma coisa,


pediu para te dizer que a ama. E que também ama Lyric, Mickey e
Archie.

— Será que ele ama realmente? — Uma mistura de lágrimas


tristes cai pelas minhas bochechas.

666
— Nenhuma mentira. Você foi a primeira por quem ele me
perguntou. Eu disse que você está bem. Tenho de manter uma
conversa animada.

Eu franzo a testa levemente com ciúmes e frustração. Reece


esteve em várias sessões de terapia com Blue na clínica de
tratamento. Ele consegue vê-lo e ouvir seus pensamentos. Consegue
fazer perguntas, se envolver e entender.

Enquanto eu tenho um buraco cheio de perguntas.

— Ele não quer realmente falar comigo? — Eu não queria


fazer a pergunta, não consigo me impedir. Tenho pouco autocontrole
ultimamente.

— Ele diz que ainda não está pronto.

A felicidade que acabei de sentir é sugada de mim como um


vácuo. — Por quê?

Ele respira no telefone. — Realmente não sou eu quem tem


que lhe dizer Piper. E acredite em mim, odeio estar no meio desse
jeito, me importo com vocês dois. Estou tentando manter uma
ponte. Ele fala muito sobre você – mais do que fala sobre qualquer
outra coisa. Está se esforçando para melhorar. Não está pronto para
encarar você nem como a fez se sentir. Blue receia que vê-la possa
enviá-lo ao limite. Ele não sabe o que dizer para tornar as coisas
melhores. Sente que nada é suficiente e não quer continuar te
magoando. Ele tem medo de que nunca mais sinta o mesmo por ele.

A dor no meu peito fica mais forte. — Ele não tem que dizer
nada ou fazer qualquer coisa por mim. Por favor, faça-o entender.
Ele não precisa se desculpar. Nós não temos que falar sobre o que
aconteceu. Só quero ouvir sua voz, dizer o quanto o amo e sinto falta
667
dele. Quero contar a ele como Mickey aprendeu a se sentar como
um esquilo e que Lyric está tocando músicas do Pink Floyd em sua
harpa, quero ouvir se ele viu algum arco-íris ultimamente e... — Um
soluço trava na minha garganta e não consigo falar mais.

— O médico está trabalhando intensamente com ele.

— Sinto muita falta dele.

— Sei que você sente. Não desista querida, certo?

— Não desistirei. É muito difícil, me sinto tão sozinha.

— Entendo que você sinta que ele desistiu, mas não, ele não
desistiu.

Gravo suas palavras e as envolvo em um belo pacote virtual


para que possa desembrulhá-las e ouvi-las mais tarde quando
precisar.

— Obrigada por dizer isso. Significa muito…

— Há mais uma coisa que preciso dizer. — Blue quer contar


tudo.

— Contar? — Abro uma das janelas do quarto para respirar


ar fresco, fico em frente a ela olhando para a estátua do dragão azul
colocada no jardim de pedras. — Sobre o quê?

— Tudo. Sobre a tentativa de suicídio, sua doença mental, o


uso de drogas. Ele quer que Vic faça uma nova declaração. Dará
uma entrevista exclusiva quando se sentir bem.

Esta é uma notícia inesperada, especialmente depois que a


equipe de gerenciamento e de relações públicas da banda passou
tanto tempo tentando encobrir tudo.

668
— Ele realmente quer contar?

— Foi ideia dele. Acredita que as pessoas deveriam saber


sobre depressão e doenças mentais, em vez de escondê-las como se
fossem algo vergonhoso e proibido. Há outros músicos nas
instalações, eles estão pensando em começar uma fundação sem
fins lucrativos para ajudar a outros. Ele quer tentar tirar algo bom
de tudo, Piper. Tem uma base de fãs enorme, está em uma boa
posição para espalhar a palavra, por assim dizer. Vai lhe trazer
muito respeito. E, se o fará se sentir melhor, deveria fazê-lo. Eu
disse que faria o que pudesse para ajudá-lo. A banda inteira o está
apoiando.

Estou cheia de orgulho por Blue – por ele decidir se abrir,


contar ao mundo inteiro, tentar ajudar outros que sofrem do mesmo
mal e a fundação seria algo maravilhoso para aqueles que não têm
condições financeiras de se tratar. Mostra que está ficando mais
forte. Só gostaria que ele pudesse me encarar.

— É ótimo. — Finalmente falo. — Ele está certo, não deve ser


escondido e varrido para debaixo do tapete. Talvez se fosse mais
divulgado, as pessoas que sofrem não se sentiriam tão sozinhas.
Estariam mais abertas a falar sobre o problema, certo?

— Alguns podem. É o que ele espera.

— Os médicos têm alguma ideia de quando poderá ir para


casa? — Enquanto as palavras saem da minha boca, me pergunto
onde Blue considera sua casa. Seattle? New Hampshire comigo? Na
Califórnia, onde estão as instalações sofisticadas e os médicos?

669
— Ainda não. Ele não está sendo mantido lá. Quer ficar até
se sentir pronto. É um bom lugar. Você ficaria surpresa com a
quantidade de músicos, atores e atrizes por lá.

Eu gostaria de obter mais respostas. Minha terapeuta


continua me dizendo para ser paciente e solidária com Blue,
também para viver minha vida e focar no que preciso, no que me faz
feliz. Muito mais fácil dizer do que fazer, no entanto. Já passei por
tantas fases emocionais – negação, raiva, traição, abandono,
devastação. Trabalhei muito com a minha terapeuta para não deixar
que me derrubassem, não está sendo fácil.

— Bem, preciso ir. Lyric está esperando o almoço. — Eu


minto. — Muito obrigada por ligar, Reece. Quando falar com Blue,
por favor, diga a ele que eu o amo com todo meu coração. — Engulo
em seco e molho meus lábios. — E, por favor, diga a ele que não irei
a lugar nenhum.

Termino a ligação e olho pela janela para a garoa que cai,


esperando que um arco-íris apareça para tocar o céu com cor.
Nunca mais conseguirei ver nuvens cinzentas e chuva sem pensar
em Blue.

Eu me tornei uma daquelas mulheres que lida com seus


problemas fazendo quantidades insanas de tarefas domésticas.
Assim que desliguei o telefone, limpei os banheiros, toda a casa,
limpei a caixa do gato e cheguei perto de pintar novamente a porta

670
da frente. Decidi deixá-la para outro dia que estivesse me sentindo
emocionalmente descontrolada.

E então, apenas para ter certeza de apagar as últimas duas


horas mantendo minha mente ocupada e em um lugar saudável,
coloquei a gravação da última apresentação de Blue – o programa
de TV ao vivo que ele fez. Não pude assisti-lo antes, de repente sinto
que não posso ficar outro segundo sem assisti-lo. Talvez enxergasse
algo que perdi quando assisti ao vivo naquela noite – como um sinal
de que estava lutando. Sento-me no chão do meu quarto com meu
rosto a cerca de sessenta centímetros da tela e vejo o homem que eu
amo ganhar vida.

Vê-lo tão fulgurante, parecendo tão confiante e controlado no


palco é um golpe no meu coração e me faz sentir falta dele cem vezes
mais do que já sinto. Colada na tela, analiso cada movimento dele
procurando por um brilho de tristeza ou loucura em seus olhos, não
vejo nada fora do normal. Blue sempre teve uma aura sombria e
sensual no palco naquela noite não foi diferente.

Sua voz faz o que sempre faz comigo – me acaricia como uma
brisa quente, deixando pequenos arrepios sobre a minha pele. Desta
vez escuto as letras da nova música com mais atenção…

Se eu pudesse ficar, acho que ficaria

Se eu pudesse te salvar, acho que salvaria

Se eu pudesse trazer você comigo, Deus sabe que eu traria

Mas estou nessa estrada sozinho, não fazendo nada do que


eu deveria

671
Eu queria não te amar

Eu queria que você também não me amasse

Eu queria poder mudar as coisas que faço

Eu gostaria que nada disso fosse verdade.

Um calafrio percorre minha espinha. Blue sempre expressa


seus sentimentos através de suas letras. Estas palavras foram um
pedido de ajuda? Uma rendição? Um adeus? Ou apenas as palavras
para uma canção de amor suave adequada para uma plateia de
televisão?

E depois tem a coleira de Bolota. Por que não perguntei a ele


naquela noite ao telefone sobre a coleira desbotada e as placas que
estavam em seu pulso? Simplesmente pensei que fosse um tributo
de algum tipo para seu cachorro. Ele estava tentando dizer alguma
coisa?

Toco sua imagem na tela da TV, enquanto o cinegrafista dá


um zoom em seu rosto e Blue sorri brevemente, depois olha para
baixo, respira fundo, estremecendo.

Na época, achei o sorriso dele para a câmera sexy, agora,


observando com o conhecimento que tenho hoje, sua expressão
muda à medida que a câmera se afasta. O sorriso some, seus olhos
escurecem quando descem em direção ao chão, ele parece
completamente dominado pela tristeza.

A câmera se move para Reece, depois para Koler e quando


volta para Blue, ele parece normal novamente. Mas eu vi – aquele
olhar desesperado e sofrido.

672
Gostaria de ter visto naquela noite. Será que teria mudado
alguma coisa? O que teria feito, além de perguntar se estava bem?
E se o fizesse, qual teria sido sua resposta?

Estou cansado, como sempre dizia ou estou pensando em me


jogar do telhado?

Tenho certeza que a última nunca teria saído de sua boca.

— Mamãe?

Tiro meus olhos da tela para ver Lyric de pé na porta do


quarto. — Olá querida. Tudo bem?

Ela entra e olha para a TV antes de eu desligá-la.

— Você estava assistindo o show de Blue?

Eu concordo. — Sim, sinto falta dele e queria vê-lo.

Ela se senta no chão ao meu lado, na mesma posição em que


estou sentada.

— Blue não está bem, não é? — Sua voz suave poderia ter
sido um grito horrível e teria o mesmo efeito angustiante sobre mim.

— O que faz você pensar assim? — Pergunto, forçando um


sorriso.

— Sinto dentro de mim que algo está errado.

Lyric sentiu que ele parecia triste naquela noite. Ela me


perguntou por que Blue parecia tão triste e não vi o que ela viu. Oh,
como gostaria de ter visto.

Percebo que não posso mais mentir para Lyric. Ela é intuitiva
demais – inteligente demais para sua idade – para que possa colocar
uma venda nela.

673
— Não. Ele está passando por um momento difícil. Está
emocionalmente exausto há muito tempo e... confuso. — Ela ouve
atentamente, assentindo como se entendesse, não ficaria surpresa
se o fizesse. — Ele teve uma infância muito difícil e as lembranças
ainda o machucam e o fazem se sentir triste e doente. Faz sentido
para você?

— Sim.

— Então ele está em uma clínica especial por um tempo, eles


o estão ajudando a descansar, dando-lhe medicamentos que farão
sua cabeça parar de doer e lidar com sua tristeza. — Não posso dizer
a Lyric que Blue tentou se matar. Não quando ela está olhando para
mim com enormes olhos esperançosos.

— Vou vê-lo novamente?

— Sim, definitivamente. Prometo a você que ele estará de


volta. Na verdade, seu amigo Reece me ligou esta manhã, me falando
que Blue mandou dizer que a ama e sente muito sua falta.

— Posso ligar para ele e dizer que também o amo e sinto falta
dele?

— Ainda não, prometo que assim que pudermos falar com


ele ao telefone, nós o faremos.

A decepção coloca uma careta no rosto dela. — Ok. Eu pensei


que algo estava errado quando estava desenhando as figuras de
pássaros em seu livro e me perguntou se eu podia ler. Espero que
ele melhore logo, realmente sinto falta dele. Vocês ainda vão se
casar?

674
Bem, se eu tiver alguma coisa a ver com isso, então sim,
vamos nos casar.

— Claro que vamos, apenas adiamos até ele se sentir melhor.


Não se preocupe, ok? Venha aqui e me dê um abraço. — Sorrindo
ela rasteja pelo chão e me abraça, então me diz que vai levar Mickey
para o quintal e ensinar a ele novos truques.

Não foi até ouvi-la lá fora com o cachorro que me lembrei do


que falou sobre as imagens de pássaros e o livro de Blue. Confusa,
vou ao armário onde ele guarda algumas de suas coisas e, com
certeza, um de seus antigos livros está lá. Puxo para fora e folheio
algumas páginas de entradas de diário até chegar a uma página de
rabiscos – apenas agora vejo que eles não são simplesmente
rabiscos aleatórios como sempre pensei. São, na verdade, rastros de
pássaros.

Que merda? Eis uma enorme bandeira vermelha que esteve


bem na minha frente durante anos e não tinha a menor noção.

Eu me pergunto quantas pessoas com doença mental estão


andando por aí sofrendo em silêncio, sorrindo do lado de fora e
fazendo coisas como essa, que seus amigos e entes queridos
simplesmente pensam que são estranhas, nunca percebendo que
podem estar precisando de ajuda.

Talvez eu nunca tenha falado ou feito o suficiente. Sempre


deixei Blue no controle. Sempre esperei por ele. Não pode ter sido
bom para mim nem para ele.

Eu pego meu telefone e envio um texto para Reece:

Eu: Posso escrever uma carta para Blue? Você poderia


entregar a ele se enviar para você?
675
Reece: Claro... desde que não seja severa com ele.

Eu: OMG20 não, não direi nada de ruim.

Reece: O médico dele pode ler antes ou com ele. Pode ser
assim você sabe.

Eu: Entendo, não tem problema.

Reece: Envie para mim e levo na próxima vez que o vir. Deve
ser dentro de pouco mais de uma semana.

Vou até a cozinha e encontro um caderno que alguém me


deu de presente na festa do escritório faz muito tempo me sento à
mesa e escrevo uma carta:

Joaninha,

Era hora de continuar caminhando.


Cuide de Bolota.
E se puder, tente deixar um espaço para mim em
seu coração.
Sinto muito.
Eu te amo como se não houvesse amanhã, pequena
estrela.
Nunca se esqueça.

~Blue

Caro Blue

20
OMG – Oh My God. – Oh Meu Deus.
676
Você me escreveu tantas cartas ao longo dos anos, mas nunca
te escrevi nada. Não diga que enviei e-mails, eles não contam. ;-)
Reece me ligou hoje. Tenho certeza de que você já sabe, ele tem
sido incrivelmente gentil e prestativo. Deu-me sua mensagem de que
me ama e quero que você saiba que eu também te amo. Por favor, saiba
e acredite. Eu te amo com todo meu coração. Nada mudou. Nada irá
mudar. Sinto falta do seu sorriso, da sua risada e também das suas
panquecas.
Lyric sente sua falta também. Está aprendendo muitas
músicas legais, mal pode esperar para tocar para você. Nós ensinamos
novos truques ao Mickey. Ele é um ótimo cão sinto-me feliz que o
tenhamos adotado.
Conheci sua irmã, Ellie. Gostei dela. Quando me conheceu,
pensou que você estivesse noivo de uma adolescente. Ri muito. Sua voz
é melhor e mais bonita que a dela. ;-) Ela me contou algumas coisas,
quero que saiba que nada mudou para mim. Ainda é o homem que eu
amo e escolhi passar toda a minha vida. É algo que não mudará. Você
não tem nada para se preocupar quando se tratar de mim e de nós. As
joaninhas nos colocaram juntos, lembra? Elas sabiam o que estavam
fazendo.
Reece me contou que pretende enfrentar o público e estou com
você cem por cento. Não existe nada do que se envergonhar, de forma

677
alguma. Você é um homem forte, talentoso e incrível. Estou muito
orgulhosa.
Sei que você precisa de tempo. Compreendo. E sei que um novo
Blue pode surgir depois de tudo, estou esperando para conhecê-lo. Amo
Evan, amo Blue. Amo todas as partes que o compõem. Por favor, não
tenha medo de me ver ou conversar comigo. Nós podemos passar por
tudo juntos. Deixe-me estar presente para você. Eu o amei desde que te
conheci. Tenho sido sua desde que você estragou minha cabeça debaixo
da ponte. ;-) Você é meu primeiro, meu único e meu tudo. Eu o amei no
seu melhor e no seu pior, continuarei amando através de qualquer
coisa e de tudo. Até mesmo se decidir que não pode mais me ter ao seu
lado, ainda assim amarei você e Lyric ainda fará parte de sua vida.
Eu juro.
Estou usando seu anel, nada mudou, planejo passar minha
vida com você, se for o que deseja também.
Eu te amo para sempre.
Piper xo

Cuidadosamente dobrei, coloquei no envelope e mandei para


Reece. Não posso simplesmente sentar e esperar que Blue entre em
contato comigo, enquanto está em uma clínica se preocupando que
eu possa odiá-lo, que não o queira mais ou que não haverá mais
chance para nós. Dane-se! Estou dando o primeiro passo, seja certo
ou errado, sinto que ele precisa saber que estou bem e que ainda o
amo, não importa o que aconteça.

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679
Capítulo 61
Evan

Minhas mãos tremem tanto quando leio a carta de Piper que


mal consigo ler.

Respire Evan.

Todas as palavras que precisava ouvir estão bem aqui neste


papel rosa claro com a frágil borboleta roxa no canto. O papel veio
de sua gaveta da cozinha sob a cafeteira. Sei por que cheira às
pequenas velas de baunilha que ela guarda naquela gaveta. Muitas
vezes, quando nos sentávamos na varanda de trás à noite, as
acendíamos para ficar mais aconchegante. É uma recordação de
casa e uma inundação de lembranças. Ela nua em meu colo com o
brilho de chamas cintilantes dançando em sua pele, puta merda,
suas palavras e o cheiro praticamente me sugam para um portal e
me transportam de volta para ela e sua casa acolhedora.

É o que precisava para me ajudar a dissipar a neblina da


qual tenho lutado para sair nas últimas semanas.

Desde que comecei a terapia tentei ver o meu salto – como já


disse apropriadamente – como um novo começo. Um recomeço.
Estava no meu ponto mais baixo, o pior de todos, quando fui

680
admitido. Extremamente baixo, considerando todas as merdas que
fiz na minha vida. Um buraco profundo e escuro me mantinha
prisioneiro sem esperança de encontrar uma saída. Humilhação,
arrependimento e vergonha me consumiram não apenas por fazer o
que fiz, também por falhar tão horrivelmente.

E a pior parte – por cometer a derradeira traição à mulher


que amo. Prometi a ela um futuro e então o arranquei dela da pior
maneira possível, junto com seu coração, sua confiança e seus anos
de paciência e amor incondicional. Tenho certeza que para o amante
deixado para trás, o suicídio é a forma mais maléfica e terrível de se
acabar.

Eu não enxerguei nada disso quando estava na beirada do


telhado.

O pássaro me convenceu de que ela estaria melhor sem mim


e que eu poderia cuidar melhor dela de algum lugar lá em cima.

Embora saiba há muito tempo que o pássaro não existe,


houve momentos de exceção quando ele rompeu a barreira de sua
inexistência e foi bastante real.

Agora com os remédios certos melhorando meu cérebro, o


pássaro se foi. Pensei que sentiria falta dele, não sinto. Sinto falta
do verdadeiro pássaro – o minúsculo pássaro Blue que me fazia
companhia quando criança. O pássaro cuja pena eu uso. Não sinto
falta do pássaro que estava em minha mente e que deu voz à minha
doença.

Sinto falta da minha Joaninha. Sinto falta dos seus lindos


olhos verdes azulados e como seus cabelos se movem como seda
sobre os ombros magros. Sinto falta de ela rindo e seu sorriso, do
681
jeito que ronrona como um gatinho quando minhas mãos e boca
estão sobre ela. Principalmente sinto falta de como ela me ama do
jeito que preciso ser amado.

Joaninha,

Sua carta foi como uma luz lançada em um túnel


escuro. Me ajudou a dar alguns dos passos mais difíceis
que não tinha certeza se poderia.
Tenho muitas coisas para dizer a você. Minha
mente está confusa, embora não do jeito que costumava
estar. Tenho clarões que nunca senti antes. Palavras e

682
pensamentos vêm para mim agora na velocidade da luz.
É impressionante. Antes, tudo era sempre lamacento e
lento. Eu precisei cavar profundamente para encontrar
e entender meus próprios pensamentos. Alguns dias
estou completamente exausto só que de um jeito
diferente do que costumava estar. Eu me sinto leve e
feliz num dia, lento e mal-humorado no dia seguinte. O
médico diz que encontrarei o equilíbrio e as coisas nem
sempre serão assim, você está certa, uma nova versão
minha pode emergir e só posso esperar que você ainda
sinta o mesmo por mim. No momento, sinceramente, não
sei quem está vivendo na minha cabeça.
Antes de ficar tagarelando sobre todo tipo de
merda, eu amo você. Eu te amo muito e sinto demais.
Nunca foi minha intenção machucar você ou a Lyric.
Reece me contou que Lyric não sabe o que fiz. Gostaria
que ela nunca descobrisse, ao mesmo tempo creio que
precisa saber. Deixarei para você decidir quando e como
dirá a ela. Pode contar, eu posso, ou podemos contar
683
juntos. Só desejo que ela fique bem e não se machuque
ou fique assustada com o que fiz. Espero que ela possa
me perdoar. Passarei o resto da minha vida mostrando
a você o quanto eu te amo e aprecio. Nunca machucarei
nenhuma de vocês novamente. Disso tenho certeza.
Eu sei que traí nossa confiança. Não espero que
você deixe meu erro passar facilmente e não quero que
o faça. Temos uma longa jornada a nossa frente, porém
já caminhamos por estradas longas e agitadas, então
espero que possamos chegar juntos ao fim de mais uma
delas. Não vou conseguir sem você. Por favor, continue
usando meu anel. Ainda espero que possamos ter nosso
final feliz.
Eu nunca disse a você que eu ia a um médico
regular na estrada que me prescreveu remédios para
ansiedade, depressão e insônia. Pensei que me
acalmariam para que pudesse aproveitar mais o nosso
casamento e não me sentir tão confuso. Não sabia que
os remédios errados poderiam me deixar pior.
684
Aparentemente nem ele. Eu podia sentir minha cabeça
piorando, porém não sabia como parar. Então, tomei
mais comprimidos.
Acho que Ellie estava certa o que aconteceu foi
bom, pois eu nunca soube o que estava errado comigo.
Pensava que era apenas diferente, confuso, excêntrico,
deprimido e basicamente fodido. Bebi e usei drogas
porque não sabia como lidar com como me sentia por
dentro ou como parar. Hoje sei que o que está errado
comigo tem um rótulo. Ou vários. Bipolaridade,
depressão, transtorno de personalidade dissociativa,
hipomania21. Esqueci o resto, porém esses são mais do
que suficientes.
Toda a minha vida vivi neste turbilhão louco de
emoções, vozes e confusão, tentei existir em um mundo
onde os outros não podiam ver ou ouvir as coisas da
mesma maneira que eu. Agora tenho que tentar

21
É uma alteração de humor semelhante à mania, porém com menor intensidade. A pessoa se sente muito bem,
com bastante energia. Normalmente a necessidade de sono diminui e a libido aumenta. Ocorre no Distúrbio
Bipolar do tipo II, ou como episódio isolado.
685
resolver tudo, me encontrar e descobrir quem sou
quando a poeira assentar.
Alguns dias me preocupo. E se for muito
diferente? E se você não gostar de mim? E se Lyric não
gostar de mim? E se toda a minha criatividade for
embora? E se não puder mais escrever ou tocar? E se
me sentir como um zumbi o tempo todo? E se o pássaro
voltar?
Quero que você saiba que todos os meus
sentimentos sempre foram reais. Tudo o que
compartilhamos foi real. Eu entendo que possa duvidar
agora. Você nunca fez parte dos meus delírios. Foi minha
única âncora. Sempre soube que com você era real e que
eu podia confiar. Você viu o meu verdadeiro eu. Senti o
meu melhor quando estava com você.
Desculpe-me se minhas palavras são uma
bagunça desconexa. Ainda estou aprendendo e
melhorando. Provavelmente nunca serei normal, embora
tenha certeza que posso ser mais normal do que fui. Os
686
médicos estão me ajudando e continuarão depois que eu
sair. Prometo ficar em tratamento e tomar os remédios
certos.
Fisicamente, estou começando a me sentir melhor.
Estou fazendo fisioterapia e ainda tenho um pouco de
dor, não estou tomando remédio para dor.
Porra, apenas divago muito atualmente. Espero
que melhore ou serei irritante como o inferno. Ainda
queria escrever músicas depois que saísse da banda,
mas agora escreverei músicas com dez mil palavras.
É hora de encontrar o grupo e compartilhar meus
sentimentos. Não estou brincando. Direi a eles que
finalmente me levantei para escrever para você.
Talvez consiga uma estrela de ouro.
Eu sinto sua falta, bebê, tanto que nem consigo
colocar em palavras. Ligarei quando me sentir um pouco
menos divagante e confuso.
Obrigado por não desistir de mim e por sempre
ser tudo o que eu preciso. Espero que acredite em mim
687
e que possa algum dia me deixar mostrar o quanto eu
te amo.
Espero que você esteja bem e cuidando de si
mesma. Não quero que se preocupe comigo o tempo todo.
Quero que seja feliz, se sinta segura e amada. Ainda
quero dar a você tudo no mundo, por enquanto, estamos
de volta onde estivemos e tudo que posso lhe dar é meu
amor.
Eu te amo como se não houvesse amanhã
Evan.

688
Capítulo 62
Piper

Primeiro chegou um vaso de vidro com lindas flores exóticas


e dois dias depois uma carta. Ambos de Evan.

Eu me pergunto o que significa ele usar seu nome real. O


médico o aconselhou? Ou decidiu por conta própria?

Independentemente de qualquer coisa, ele está lentamente


me deixando entrar novamente. Eu não me importaria se ele
divagasse em uma carta de cem páginas. Tudo o que me importa é
que está vivo, recebendo ajuda, parece realista e esperançoso.

E ainda me ama. Não está desistindo de nós.

Precisava ouvir suas palavras tanto quanto ele precisava das


minhas.

Estou enchendo o vaso com água fresca da pia da cozinha


quando meu telefone toca. Não reconheço o número no identificador
de chamadas e quase não atendo, desisto e pego no quarto toque.

— Alô?

Há silêncio do outro lado, meu coração já sabe quem é. Eu


posso realmente sentir seu nervosismo zumbindo através da linha.

689
— Estava trocando a água das flores que me enviou. — Digo.
— Elas são lindas. Obrigada por esta surpresa tão boa. Estava tendo
um dia ruim quando chegaram e me animou totalmente.

— Por que você estava tendo um dia ruim?

Deus, sua voz. Já faz quase três meses desde que ouvi sua
voz sensual e grave, me traz de volta aos tempos que passamos anos
sem nos falar e, quando ele finalmente ligou, minhas entranhas se
revolveram ao som de sua voz. Como agora.

Eu deveria manter a conversa casual.

Sem lágrimas. Sem perguntas. Sem pressão.

— As coisas de sempre. Precisei passar por cinco reuniões


chatas no trabalho e ouvir as pessoas serem idiotas sobre prazos
impossíveis. Em seguida, meu computador falhou e perdi o que
estava trabalhando porque não salvou automaticamente. Foi
apenas um dia nojento. Receber flores o tornou bem melhor.

— Oh sim? Bem desse jeito?

Meus dedos apertam o telefone quando pego uma sugestão


de seu tom familiar de provocação.

— Sim... — Respondo. — Recebi sua carta há alguns dias


também.

— Você precisou de um decodificador para decifrar minhas


inúmeras divagações? Talvez um Red Bull para se manter
acordada?

— Não. Foi perfeita e me deixou tão feliz quanto as flores.


Talvez até um pouco mais.

— Piper... — Sua voz desaparece em palavras não ditas.


690
Engulo em seco e respiro fundo. Preciso ser forte. Não posso
cair em pedaços.

Continuo falando, então o silêncio não nos engole. — Lyric


ensinou a Mickey alguns truques. Ele pode se sentar em suas patas
traseiras, dar a pata, rolar, andar para trás, girar e dançar.

— Ela realmente lhe ensinou tudo isso?

— Sim. Ela passa horas com ele todos os dias. E quando não
está treinando o cachorro para fazer alguma coisa, está na harpa.
Praticando constantemente como você disse a ela. Aprendeu
algumas músicas do Pink Floyd.

— Puta merda. Uma das minhas bandas favoritas.

Sorrio — Eu sei. Minha também.

— Droga. Mal posso esperar para ouvi-la tocar. E ver Mickey


fazer truques. Ela está em casa?

— Não, está na casa da minha mãe.

— Oh. — Ele faz uma pausa. — Ela sabe? Sobre mim?

— Ainda não.

— Será que eu poderia conversar com ela na próxima vez que


ligar?

— Claro. Não precisa pedir permissão, ela é sua filha. Nada


mudou. Ela sente sua falta e mal pode esperar para conversar com
você e tocar músicas.

— Eu realmente sinto falta dela também.

— Pode ligar a qualquer hora. Pode vir a qualquer hora. —


Eu digo baixinho.

691
Sua respiração se aprofunda. — Sinto muito, Piper.

Eu fecho meus olhos por alguns segundos e ignoro as


lágrimas.

— Não. Você não precisa se desculpar.

— Não, preciso me desculpar por tudo.

Não sei o que dizer a ele. Queria manter a conversa leve e


feliz para que não se sentisse pressionado a falar sobre o que
aconteceu. Queria mostrar que estamos bem, como sempre
estivemos.

— Sinto sua falta, Joaninha.

— Também sinto sua falta.

O clique da sua língua... um som do qual senti falta.

Ele tosse nervosamente. — Posso vê-la em algum momento?

Meu coração acelera com tanta força que um pequeno


suspiro sai da minha boca em resposta.

— Adoraria ver você. Mais que adoraria, na verdade, porém


essa é a única palavra que chega perto.

Ele solta uma risada curta. — Quero ver você também.


Realmente. Muito.

Estou tão animada que começo a tremer. — Quando for bom


para você é só me avisar. Posso ir até aí ou você pode vir.

— Deixe-me pensar e conversar com meu médico sobre


quando seria melhor.

— Ok.

692
— Piper... — Outra longa pausa me deixa sem fôlego e
apreensiva — Queria agradecer. Por lidar com todas as minhas
merdas. E por tornar as coisas mais fáceis para mim do que
provavelmente mereço.

— Tudo bem. Eu te amo. E de todas as maneiras. E sei que


você me ama. É o que torna mais fácil.

— Amar você é um eufemismo. — Ele diz. — Ligarei


novamente... em breve. Preciso de mais algum tempo.

Eu seguro o telefone por vários minutos depois que ele


encerra a ligação. Vários sentimentos se acumulam dentro de mim
novamente. Esperança, tristeza, excitação, impaciência,
nervosismo. Sinto-me como um smoothie22 mental – tudo jogado e
batido. Gostaria que houvesse uma maneira de avançarmos
rapidamente para chegarmos à parte onde estamos casados,
curtindo nossa vida juntos, sem mais incertezas ou áreas cinzentas.

A porta da frente abrindo e fechando me tira do meu torpor


e Lyric vem correndo com Josh não muito atrás dela.

— Mamãe! Tio Josh me levou para o shopping no caminho


da casa da vovó, compramos pretzels e ele me deu essas botas
incríveis! — Ela joga uma sacola de compras na mesa da cozinha e
pega uma enorme caixa de sapatos.

— Olhe para elas! Não são legais? — Ela segura uma bota
preta com a franja pendurada de lado.

— São! — Eu exclamo. — Eu tinha um par parecido quando


estava no ensino médio.

22
Bebida espessa e cremosa feita de purê de frutas cruas ou vegetais.
693
— Eu me lembro. — Josh fala encostado no balcão.

— Adorei! Vou colocá-las. — Ela joga os braços ao redor de


Josh. — Obrigada, tio Josh. Eu te amo.

— Também te amo. — Ele afirma seguindo-a quando sai para


o quarto.

Olho para ele enquanto pego o vaso da pia e coloco de volta


no meio da mesa.

— Você não devia estragá-la. — Lembro a ele.

— Eu não a estou estragando. São somente botas. Elas nem


são de couro verdadeiro. Toda vez que passamos pela loja de
sapatos, ela diz que quer. Eu as achei fofas, especialmente porque
você tinha um par igual.

Josh cumpriu sua palavra de continuar passando tempo com


Lyric. Ele sempre se encontra com ela, nem que seja apenas para
buscá-la na casa dos meus pais e levá-la ao shopping para um
lanche rápido antes de trazê-la para casa.

— Obrigada por pegá-la e comprar as botas. Ela está ficando


cada vez mais interessada em roupas de repente. Trocará todo seu
guarda-roupa em breve. Posso precisar de uma casa maior.

— Você pode voltar para a minha. Lembra? Onde vocês duas


tinham closets enormes... — Ele levanta uma sobrancelha.

— Pare com isso.

Ele sorri e encolhe os ombros. — Não posso evitar se odeio


minha casa vazia.

— Então, venda e compre um daqueles apartamentos caros,


com paredes internas de tijolos.
694
— Não é má ideia. Eu te contei que meu ex e seu
companheiro adotaram um bebê?

— Não, você não me falou.

— Sim. Quando eu queria um bebê, era todo ooh, ainda não


estou pronto.

— Bem, em sua defesa aconteceu anos atrás, Josh. As coisas


mudam. Pessoas mudam.

— Você está certa. — Ele aponta o queixo na direção das


flores. — E de onde vieram?

— Blue me enviou.

Seus olhos se arregalam. — Sério? O que está acontecendo?

— Nada está acontecendo.

— Então, como ele está?

— Parece muito bem. Ele me ligou, pela primeira vez, antes


de você e Lyric chegarem.

Ele cruza os braços. — Flores e telefonemas. Está mais para


pedido de desculpas, não?

Lanço um olhar de advertência. — Josh, nós temos que


começar de algum lugar.

— Bem, pode não começar em qualquer lugar e


simplesmente deixar acabar.

Ignorando-o, gentilmente toco uma das pétalas da flor e me


sento em uma das cadeiras da cozinha.

— Piper… estou preocupado com você e Lyric.

695
— Estamos bem. — Não quero ter essa conversa novamente.
Ou nunca mais.

Ele se aproxima e se senta do outro lado da mesa, deixando


claro que iremos conversar, eu querendo ou não.

— Piper, o homem coloca um anel em seu dedo e depois tenta


se matar? Como você pode estar bem?

— Ele está recebendo ajuda. Estava doente e tomando o


remédio errado. Não estava pensando direito. E eu também estive
em terapia. E me sinto muito melhor.

— Você não deveria precisar de terapia para ter um


relacionamento.

— Não seja idiota, Josh. Eu estava deprimida, confusa,


realmente triste e magoada com o que ele fez.

— Como deveria estar.

— Não, você está errado. Eu realmente não deveria estar. É


como se ficasse com raiva de você por ser bissexual e por estar
confuso sobre o que deseja. E se você não estivesse confuso, talvez
tivéssemos durado um pouco mais. Poderíamos ter casado, tido
filhos talvez, fossemos felizes.

— É realmente muito baixo.

— É? Ou é a mesma coisa? As pessoas não podem mudar


quem são, como se sentem ou como estão ligadas, Josh. O que não
significa que devam ser descartadas e esquecidas.

Ele balança a cabeça para mim. — Não é exatamente a


mesma coisa.

696
— Para mim é. Não vamos discutir. Aceito você como é, não
importa o quê. Assim como o aceito como ele é.

— Você e eu somos apenas amigos. Quer se casar com este


homem. E se ele fizer merda novamente? Ou... pelo resto da vida?

Eu me encolho com a escolha de palavras dele.

— Eu não creio que ele fará novamente. E se fizer? Ou se ele


agir, como você colocou tão bem? Lidaremos com o problema juntos,
como todos os casais fazem.

Ele solta um suspiro irritado. — Você merece algo melhor.


Não quer um bom relacionamento normal pela primeira vez? Ditra
e eu conversamos algumas semanas atrás. Durante anos, vimos
você andar nesta montanha-russa com ele. Nem estou dizendo que
você e eu deveríamos tentar Piper. Entendo que nosso navio partiu
faz muito tempo. Estou dizendo que você precisa de um começo
totalmente novo, com alguém que possa lhe dar cem por cento de si
mesmo e não colocá-la em um triturador emocional.

Eu senti falta do memorando sobre o relacionamento perfeito


do resto do mundo? Talvez existam alguns casais que nunca tiveram
uma briga, nunca tiveram problemas e tudo seja bom para eles, pelo
que sei a maioria dos casais passa por diferentes graus de confusão
em algum momento, não importa o quanto se amem.

— Honestamente, Josh... realmente não acredito que exista


um relacionamento perfeito para ninguém. Ninguém é perfeito. Todo
mundo tem bagagem. Você sabe tão bem quanto eu. E por que eu
mereço melhor? Não há nada em mim que mereça o Lamborghini
dos homens. Eu sou uma mulher comum que só deseja ser feliz.

697
— Eu simplesmente não sei o motivo de você querer estar
com alguém como ele... o risco é alto.

— Eu o amo. As pessoas não precisam ser perfeitas para


serem amadas. Elas podem ser quebradas, doentes, confusas e
feias. Todo mundo merece o amor. E ele me faz feliz. Quando
estamos juntos e as coisas estão bem, não posso imaginar felicidade
maior. Sinto muito se você não entende ou se nunca experimentou,
não tenho que justificar nosso relacionamento para você ou
qualquer pessoa.

Ele se recosta na cadeira e olha nos meus olhos. — Você tem


certeza? Tem absoluta certeza de que deseja continuar com ele?

— Sim. — Respondo sem qualquer hesitação. — Eu quero. E


também que você pare de ser tão negativo sobre nós. Todo mundo
tem uma opinião sobre minha vida amorosa, estou farta, Josh.
Ditra, meus pais, pessoas no trabalho – todo mundo continua me
dizendo que Blue pode enlouquecer ou que sou louca por querer
ficar com alguém com uma doença mental. A única pessoa que
apoia meu relacionamento com Blue é Reece. Realmente gostaria
que as pessoas da minha vida me apoiassem e que eu não
precisasse continuar pedindo que o fizessem. Se as coisas derem
certo e acredito que darão, ele será meu marido. E é o pai de Lyric.
Não quero que seja tratado como algum tipo de criminoso por meus
amigos e familiares.

Ele me olha fixamente por alguns minutos, como se estivesse


tentando entrar na minha cabeça ou ver o futuro para descobrir o
que está reservado para mim. Talvez para todos nós.

698
— Ok. — Ele finalmente diz. — Quer saber? Você está certa.
Estou sendo um idiota. Não direi mais nada. Farei o meu melhor
para estar do seu lado, pois sou seu amigo. Sairei com vocês quando
ele voltar e farei um esforço sincero para conhecê-lo e sermos
amigos. Só espero que ele saiba o quanto é sortudo.

— Obrigada. — Significaria muito para mim. Só quero paz,


felicidade e amor.

Pareço uma garota hippie dos anos setenta. Minha vida


chegou neste ponto.

— Estou saindo com uma mulher. Então, se Blue estiver por


perto, talvez possamos sair para jantar?

Pode precisar de um pouco de esforço para convencer Blue a


sair com Josh, já que ele ficou um pouco chateado quando soube
que morávamos juntos anos atrás, se eles pelo menos tolerarem um
ao outro e não falarem mal um do outro comigo, ficarei feliz.

Sorrio e brinco um pouco mais com minhas lindas flores.

— Gostaria muito. Como ela é? Alguma fobia ou tendências


estranhas que o enlouquecerão antes do quarto encontro?

Ele ri. — Você ficará feliz em saber que tivemos mais de


quatro encontros e ainda gosto dela.

Faço uma expressão excessivamente surpresa e ridícula. —


Uau. Parece sério.

— Pode ser. Quem sabe. Ela é inteligente, malvada e sexy e


independente. Não tenho ideia do que vê em mim.

699
— Você é inteligente, perverso e sexy também. Não é muito
independente, infelizmente, pois tem medo dos quartos vazios em
sua casa. Vocês ainda podem se tornar um grande casal.

— Muito engraçado.

— Ela sabe?

— Que vou nos dois sentidos? — Ele interrompe. — Ainda


não. Eu deveria contar a ela? Será que importa?

— Hmm. Não tenho certeza, realmente. Não sei nada sobre


essas coisas. Se o fato o deixa confuso em relação a seus
sentimentos por ela, então sim, precisa contar. — Tendo sido o outro
lado, posso atestar o fato de que é uma droga. — Se você não está
confuso e não representa uma ameaça aos seus sentimentos ou
maneira de tratá-la dentro e fora do quarto, então não vejo razão
para contar. É como dizer às pessoas que você odeia frutos do mar
quando sai com eles pela primeira vez. É importante gostar de
camarão? Não tem relação com o seu relacionamento, certo? No
entanto, se ela perguntar se você já esteve com um homem ou se
gosta de homens, então sim, deve contar. Honestidade é melhor.

— Certo.

Lyric aparece na porta, usando suas novas botas franjadas,


com lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Querida, as botas são lindas, por que você está chorando?

— É verdade? — Ela soluça. — Sobre Blue?

Meu coração aperta profundamente quando Josh e eu


trocamos um olhar de pânico através da mesa.

700
— O que você quer dizer? — Pergunto inocentemente,
embora saiba exatamente do que está falando.

— Na internet... ele disse que tentou... — Ela explode em


lágrimas, cobrindo o rosto com as mãos. Josh e eu nos levantamos.
Ele bate a cadeira no chão no processo enquanto nos apressamos a
ajoelhar na frente dela para consolá-la.

— Querida, ele está bem. — Digo rapidamente. — Conversei


com ele esta manhã. E ele me enviou flores.

Seus olhos azuis se enchem de lágrimas. — Ele não foi


embora? Ou morreu?

— Não. — Garante Josh. — Seu pai não está morto.

Seu lábio inferior treme. — Mas ele tentou? Por quê?

— É muito complicado, Lyric. — Deus me ajude, não tenho


ideia de como explicar para uma criança.

Ela funga e esfrega os olhos com as palmas das mãos. — Por


que ele faria isso? Blue não nos ama mais?

— Claro que ama. Ele apenas se sentiu sobrecarregado... e o


médico acidentalmente deu a ele o remédio errado, fazendo-o se
sentir muito confuso. Ele nunca a deixaria ou a machucaria.

— Então onde está? Por que não me ligou por tanto tempo?
— Ela pergunta. — Você falou que ele estava fazendo shows e depois
que estava descansando, mas ele nem me ligou. Blue sempre me
liga, aprendi um monte de músicas e ele não me ligou.

— Lyric, na verdade ele está em um hospital. Quebrou alguns


ossos, está com muita dor e meio mal-humorado. E precisou
conversar com alguns médicos especiais sobre o motivo de ele
701
muitas vezes se sentir deprimido e confuso, está se sentindo muito
melhor e seu corpo se recuperando bem. Perguntou sobre você esta
manhã e contei tudo sobre suas novas músicas e como você está
ensinando truques a Mickey. Ele está animado para conversar com
você e vê-la novamente.

Ela estreita os olhos para nós. — Você está mentindo para


mim?

— Não. — Josh insiste, colocando as mãos nos ombros dela


e forçando-a a olhá-lo. — Sua mãe está dizendo a verdade. Eu juro.

Ela olha para nós dois com o primeiro olhar sério de


desconfiança que já vi em seus olhos e parte meu coração em dois.
É assim que as crianças perdem sua magia e inocência – com os
acontecimentos da vida.

— Por que você não me contou? Ele é meu pai...

— É muito, muito particular. E ele queria contar a você


pessoalmente. Quando conversei com ele hoje de manhã, falamos
sobre ele vir nos visitar. Ele a ama. É difícil falar sobre o acontecido
e ele ainda não está pronto. Você sabe como é, quando não nos
sentimos bem só queremos ficar sozinhos, deitar na cama, tirar uma
soneca e assistir televisão? É como ele está se sentindo. Precisava
de um tempo sozinho para descansar.

— Você tem certeza?

— Absoluta.

— Quando poderei conversar com ele, então?

702
— Não tenho certeza. O que posso fazer é ligar para o amigo
dele, Reece e pedir que diga a Blue que você gostaria de conversar,
tenho certeza de que vai ligar para você em breve. Ok?

— Acho que sim. — Seu rosto se contorce em uma careta


decepcionada.

Josh acaricia seu cabelo e enxuga as bochechas com os


polegares.

— Esta é uma das coisas na vida que os adultos entendem,


embora seja muito difícil para as crianças entenderem. Você precisa
dar o seu melhor para ser paciente e confiar em sua mãe, confiar
em Blue. — Ele explica suavemente. — Por que não escreve uma
carta legal para ele? Acho que fará você se sentir melhor e tenho
certeza que o fará se sentir melhor também. Ele deve estar sentindo
sua falta tanto quanto você sente falta dele.

— Posso escrever? — Ela pergunta. — E enviar um cartão


com um poema impresso no computador?

Concordo com entusiasmo — É uma ótima ideia. Ele gostará


muito.

— Ok. Vou fazer agora.

Enquanto nós a observamos caminhar de volta para seu


quarto com a cabeça baixa, a raiva e frustração que senti semanas
atrás por causa de Blue voltam à superfície e aperto meus dentes
na tentativa de expulsá-las e não começar a falar sobre o assunto
com Josh, o que somente pioraria as coisas.

— É melhor consertar tudo. — Josh fala quando olho para


ele. — É tudo que direi. — Ele aponta para o corredor. — Ele precisa

703
fazer direito de alguma forma, Lyric não merece se sentir assim. É
apenas uma criança.

Eu concordo. — Você está certo. E ele o fará.

704
Capítulo 63
Piper

Arrumo minhas roupas, jogo minha a bolsa de maquiagem


na mala, despeço-me de Lyric e Ditra na minha porta da frente. Digo
a elas que as verei em dois dias quando voltar da minha viagem de
negócios.

Lyric, como sempre, está animada por ficar com Ditra em


nossa casa, Dee vai ensiná-la a fazer um bolo diferente a cada noite.
Não tenho ideia de quando minha melhor amiga se transformou em
Martha Stewart, espero que haja algum bolo sobrando para mim
quando voltar para casa.

Aceno um tchau para elas enquanto retiro meu carro da


garagem, então dirijo pela cidade até o hotel perto do parque. Meu
estômago arde de ansiedade quando estaciono na garagem, em
seguida, ando até o saguão do hotel. Desvio da recepção e vou
diretamente para o elevador, parando no segundo andar.

Quarto 205

Hesito na frente da porta, arrumando meu cabelo já


arrumado, ajeitando a minha camisa já perfeita, respirando fundo.

705
Bato levemente na porta e o tempo parece parar enquanto
espero. Minha mala parece duas vezes mais pesada do que alguns
segundos atrás, o cabo escorregadio na palma da minha mão
úmida.

Eu não deveria estar tão nervosa, chega a ser idiota da minha


parte, é apenas...

Blue.

Evan

A porta se abre e estou olhando nos olhos dele.

Ele se afasta para o lado e cruzo o limiar para que ele possa
fechar a porta. Depois de colocar minhas coisas no chão, viro-me
para onde ainda está perto da porta.

Esperava que ele parecesse diferente depois de passar seis


meses num hospital se recuperando de vários problemas físicos e
mentais.

Só não esperava que parecesse muito melhor.

Não que, algum dia, ele realmente tenha parecido mal.


Nasceu com boa aparência, o que não pode ser ruim, não importa
que bagunça faça de si mesmo. Merda, o homem de pé na minha
frente é como o Blue versão 2.0 com o pacote estendido de upgrade
de elite.

Seus cabelos ondulados estão alguns centímetros mais


curtos, um pouco além dos ombros em vez do comprimento até o
meio do peito, desde a primeira vez que o conheci. Faz com que
pareça maduro e mais bonito.

706
A pena ainda está pendurada em sua orelha, ele explicou que
veio de um bom pássaro.

É óbvio que não apenas ganhou um pouco de peso, músculos


também. A largura de seus braços e ombros parece quase o dobro
do que eram e já estou fantasiando sobre como deve parecer sem
camisa. Estou surpresa com quão saudável e vibrante parece – como
uma daquelas pessoas que frequentam academia, dormem oito
horas por noite, tomam vitaminas e bebem muita água. Ele não se
parece mais com um astro de rock que passou a maior parte de sua
vida lutando contra seus demônios interiores. Parece incrível, sexy
e... tranquilo. Nervoso, sim, também irradiando uma calma interior.

Um sorriso tímido cruza seus lábios de onde ele ainda está


parado na porta enviando meu pulso a um frenesi. Preso entre sorrir
de volta e desmoronar em lágrimas, congelo sob seu olhar. Senti
muito sua falta. Por meses eu o amei, o odiei e tudo mais. Naquela
noite, ele incutiu um medo tão profundo em mim. Ele me despojou
da minha confiança e me abandonou com um coração em pedaços.
Realmente senti como se ele tivesse ido embora e tenho me
comunicado com o fantasma dele por todos esses meses.

Então ele está aqui em carne e osso incrivelmente nítido e


real. Seu perfume já impregnou o lugar, me envolvendo, tirando
lembranças de seus esconderijos. O calor do seu corpo está vindo
em direção ao meu, me atraindo.

— Oi. — Minha voz é um sussurro tímido quando sou


corajosa o suficiente para finalmente encontrar seus olhos. A última
vez que nos vimos foi antes de ele ir para a Califórnia. Antes que
tudo fosse para o inferno. Foram seis longos meses de mudança de

707
vida desde que nos tocamos ou nos beijamos. As cartas esporádicas,
as mensagens e as ligações telefônicas que compartilhamos durante
o período no qual evitamos muitas áreas cinzentas. Até poucos dias
atrás, quando ele me enviou uma mensagem pedindo para nos
encontrarmos num fim de semana, somente nós dois para fazer as
coisas direito.

— Ei. — Ele lentamente se aproxima de mim, seus olhos


ardentes fixos nos meus. Meu coração acelera como um beija-flor
quando ele me apoia contra parede, segura meu rosto em suas mãos
e me dá um beijo que rouba minha respiração e faz minhas pernas
se dobrarem. Ele passa a língua sobre meus lábios e em minha boca,
procurando a minha para dançar com a dele. Com um leve gemido,
envolvo meus braços em seu pescoço, puxando-o para mim.
Perdoando-o. Tremendo um pouco, ele move as mãos para minha
cintura e me levanta como uma boneca, usando seu corpo para me
segurar contra a parede enquanto me beija com um desespero mais
profundo. Envolvo minhas pernas ao seu redor e despejo em nosso
beijo toda a emoção e paixão que ficou presa dentro de mim durante
meses.

Não era o que eu esperava, embora, sem dúvida, seja


exatamente o que desejo e preciso.

Ele.

Nós.

Ele se afasta e nos olhamos sem fôlego.

— Eu te amo... — Ele acaricia minha bochecha. — Senti sua


falta... — Move o polegar em meus lábios. — Você quer que eu pare?

708
— Não... nunca. —Puxo seus lábios de volta para os meus e
ele mergulha a língua na minha boca, me devorando, sugando o ar
dos meus pulmões. Abraço seus ombros largos e aperto minhas
coxas ao redor dele enquanto leva seus lábios para o meu pescoço,
seus dentes mordendo minha carne, sua língua seguindo. Ferindo
para depois curar. As pontas dos dedos ásperos se cravam na minha
cintura; ele esfrega os quadris nos meus, acendendo a paixão entre
nós.

Tantas perguntas; tantas coisas que quero dizer que estão


na ponta da minha língua... talvez as perguntas já tenham sido
respondidas e nada realmente precise ser dito.

Ele desabotoa minha camisa com uma das mãos enquanto


me beija, sigo seu exemplo puxando sua camiseta para cima e por
sua cabeça. Meus olhos se arregalam com a visão de seus ombros
musculosos e bíceps, o vislumbre de um abdômen perfeito.

Escorrego meus dedos sobre seu peito tatuado, atraída pela


solidez e dureza, a nova aura de força que ele exala. Mais uma vez,
sou uma mariposa atraída para sua chama.

Ele puxa meu sutiã e chupa meu seio nu enquanto


desabotoa minha calça jeans, puxa o zíper e coloca a mão dentro da
minha calcinha. Quando seus dedos tocam meu clitóris e alcançam
meus lábios molhados, ele geme profundamente e agita o metal
quente e escorregadio de sua língua em meu mamilo. Arqueio
minhas costas empurrando meu corpo em sua boca e mão,
segurando seu cabelo.

709
Descendo a mão entre nós, ele abre o jeans, empurra-o para
baixo, em seguida o desce junto com minha calcinha apenas o
suficiente para me mostrar a ele.

Suspiro e arranho suas costas quando ele empurra toda a


extensão de seu pau dentro de mim e seu rosnar em resposta me
deixa ainda mais molhada e selvagem. Sempre fui completamente
apaixonada por este seu lado sensual e selvagem, que me devorou
sob a ponte anos atrás. Graças a Deus, a medicação não tirou essa
parte dele.

Eu me esforço para me abrir ao redor dele, sou contida pelo


jeans preso em minhas coxas. Segurando minha bunda, ele me
levanta, então me abaixa, empalando-me com seu eixo grosso.

— Porra, senti tanto sua falta, bebê... — Ele geme em meus


lábios, me beijando ferozmente, movendo-se mais e mais rápido,
esfregando minhas costas no papel de parede texturizado.

— Senti sua falta também.

Suspirando, seus olhos se fecham e ele continua, me


deixando assumir. Monto seu corpo mais devagar, acalmando-o,
saboreando cada centímetro, cada respiração, cada batida de
nossos corações. — Nunca mais me deixe. — Sussurro.

— Nunca.

Em seguida ele me leva para cama, lentamente tira o restante


das minhas roupas, depois as dele. Sem palavras, coloca o lençol
branco e edredom sobre nós e me puxa para ele, envolvendo seus
braços ao meu redor. Eu aconchego meu rosto no calor de seu peito
e o abraço com força.

710
Eu prometi a mim mesma que não iria chorar hoje,
promessas foram feitas para serem quebradas, certo?

No momento em que sinto o coração dele batendo na minha


bochecha, começo a soluçar; incapaz de parar, não importa o
quanto tente me segurar. Estava errada em pensar que resolvi todo
o tumulto emocional, durante meus meses de terapia. Posso ter
encontrado força, paciência e compreensão, essas coisas apenas
podem chegar até aqui. Partes de mim ainda estão quebradas e
tenho certeza que o mesmo acontece com ele.

Acariciando minhas costas em círculos lentos, ele pressiona


seus lábios no alto da minha cabeça e sussurra. — Me perdoe. —
Repetidamente ele fala até que paro de chorar. Nos agarramos um
ao outro até que minha respiração se acalma e os soluços param.

— Eu já volto. — Ele diz suavemente e me sento, vendo-o


desaparecer no banheiro. Ele volta com alguns lenços e uma toalha
umedecida com água morna, que usa para limpar suavemente
minhas bochechas.

O gesto carinhoso quase me faz voltar a uma bagunça


soluçante. — Eu sinto muito, não queria chorar... queria ser forte.

— Shhh... — Ele toca seus lábios na minha testa. — Você


não precisa se desculpar Piper. Por nada. E você é forte. É a mulher
mais forte que já conheci. Uma mulher fraca nunca seria capaz de
me amar. Você é uma guerreira.

Eu sorrio frouxamente, não me sentindo como qualquer tipo


de guerreira.

— Só desejo que sejamos felizes. Juntos.

711
Ele se deita na cama novamente e se recosta na cabeceira,
estendendo o braço para eu me aninhar.

— Nós chegaremos lá, Joaninha. Eu prometo.

— É tudo o que almejo. Para nós dois.

Descanso minha cabeça em seu peito, escorrego meu braço


ao redor de sua cintura, coloco a perna ao redor dele, exatamente
como costumávamos dormir no saco de dormir do galpão. Quão
insano parece, que aquelas noites nos aconchegando no galpão
mofado, ouvindo a chuva cair no telhado de estanho com Bolota
dormindo a nossos pés, foram alguns dos nossos melhores
momentos juntos? A vida era mais simples quando eu vivia em uma
confortável bolha de ingenuidade.

— Eu não queria morrer. — Ele diz em voz baixa.

Ondas de tristeza me inundam ouvindo suas palavras.

— Blue... você não precisa falar...

— Eu quero. — Ele move a mão para a curva da minha


cintura e aperta. — E quero que você volte a me chamar de Evan.
Como quando nos conhecemos. Blue precisa ir.

— Ok.

— Matar-me não é o que eu queria. Não havia um plano. Eu


não queria deixá-la. Ou Lyric. Todos simplesmente assumiram que
odiava minha vida e não é verdade. Não odiava a minha vida de
maneira nenhuma. Na verdade, estava amando minha vida mais do
que nunca. Finalmente havia uma luz no fim do túnel ao sair da
banda, estava ansioso para ter uma vida tranquila com você e Lyric.
— Ele respira fundo e esfrega o pé descalço no meu debaixo do

712
lençol. — Então a merda continuou surgindo da banda, coisas
legais, toneladas de decisões. Muitos fãs ficaram irritados. Eu
recebia mensagens de ódio todos os dias. Os rapazes também
estavam recebendo e não mereciam. Foi minha a decisão acabar
com a banda, não deles. E toda a incerteza se infiltrou em mim.
Fiquei com medo que você me deixasse. Não sabia o que fazer.
Minha cabeça começou a girar. Fiquei louco de agonia com o
barulho e as vozes do maldito pássaro e precisava parar com tudo.
Não conseguia pensar em mais nada. Todo o restante ficou negro.
Não sei como explicar, só preciso que acredite que nunca quis deixá-
la.

Aterroriza-me ouvi-lo falar sobre dor, vozes e malignos


pássaros imaginários. Como seria ter algo assim em sua cabeça?
Não posso nem imaginar.

— Acredito em você. Não no começo, agora acredito.

— Não a machucarei novamente.

Esfrego minha mão sobre seu peito e ouço suas palavras. Eu


sei que é muito possível que, embora ele possa acreditar que suas
palavras sejam totalmente sinceras no momento, algum dia ele
poderá me machucar de maneira não intencional outra vez. A parte
mental dele sobre a qual não tem controle completo pode sair de sua
prisão um dia e causar estragos em sua vida.

Na minha. E da nossa filha.

— E se acontecer novamente? — Pergunto. É a pergunta que


Reece me pediu para não fazer, também é a questão que continua
correndo solta em minha mente. Como não posso fazer uma
pergunta tão importante?
713
Seu corpo enrijece e ele hesita antes de soltar um suspiro
profundo e responder.

— Não vou mentir Piper. Poderá acontecer de novo. Não deve,


pelo enquanto tomar meus remédios, tentar manter minha vida o
mais livre de estresse possível e fazer terapia semanal. Para sempre,
basicamente. Então, se começar a ficar fodido, será detectado antes
que saia do controle. Eu me sinto ótimo, no entanto. Melhor do que
nunca. Um pouco cansado e mal-humorado, de vez em quando,
porém nada louco. Nenhum trocadilho intencional.

— Ok. Fico feliz em ouvir.

— E caso me veja agindo de forma estranha, simplesmente


diga, ok? Não quero que fique com medo.

Mordo meu lábio inferior. Estou com medo, não quero que
ele saiba. Evan precisa que eu confie e tenha fé nele e em sua
recuperação. E, se ficar analisando cada movimento seu e humor,
esperando que tenha um colapso, nenhum de nós jamais será feliz.

— Precisaremos de algum tempo Piper. — Ele diz


suavemente. — Pensei que um fim de semana sozinhos seria um
bom começo. Para você se certificar de que ainda me quer. Eu a
deixei por muito tempo. Talvez não seja mais o que deseja. Talvez
alguém como Josh seja melhor para você, embora me mate dizer.

Levanto a cabeça para olhá-lo. — Não, ele não seria. Eu


quero você e apenas você. É algo que não irá mudar. Já deveria
saber.

— Mesmo se eu tiver que tomar dez comprimidos por dia?

— Mesmo que fossem vinte.

714
— Mesmo que eu não seja mais uma estrela do rock?

— Eu o amei antes de você ser uma estrela do rock. Não


significa nada para mim.

Ele sorri zombeteiro e é uma das coisas mais bonitas que já


vi. — Mesmo se eu quiser transar com você todos os dias?

Sorrindo, me inclino para frente e o beijo. — É melhor você


querer.

— Mesmo se eu quiser fugir e me casar com você porque eu


sou o homem mais sortudo do mundo?

Parece que tenho perseguido o sonho de passar minha vida


com ele desde o começo dos tempos. Tem sido como tentar capturar
uma borboleta – chegar muito perto a cada vez, apenas para vê-lo
voar para longe do meu alcance novamente.

— E nós tememos o silêncio.

Eu saio do meu pensamento preocupante. — Não... eu estava


apenas pensando.

Seu sorriso se transforma em uma careta desequilibrada e


envergonhada.

— Eu não deveria ter dito isso. Ainda é muito cedo para você
pensar a respeito.

Balanço a cabeça e gentilmente afasto o cabelo de seu rosto.


— Não é. E sabe de uma coisa? É o que eu pretendo fazer quando
for a hora certa. Não quero um casamento agora.

— E todas aquelas revistas de casamento com post-its


codificados por cores em suas coisas favoritas?

715
— Eh. Parecia ser o que eu queria. Prefiro muito mais fugir
com você e Lyric.

As partículas de prata em seus olhos se iluminam como


pequenas luzes natalinas. — Sério?

Concordo. — Sério.

Ele segura meu queixo na palma da mão e me beija suave


como uma pluma, demorando-se em meus lábios.

— Obrigado por sempre esperar por mim. — Ele sussurra. —


Quer saber um segredo?

— Quero... — Respondo nervosa.

— Eu sabia que queria estar com você para sempre desde o


começo. Por isso contei sobre a lenda da joaninha. Queria que você
me quisesse também. E quando aconteceu me apaixonei. — Ele me
beija novamente. — Agora que sei que você não vai me abandonar
como todo o mundo não tenho mais com medo.

716
Capítulo 64
Evan

Gosto de observar Piper quando ela está completamente


inconsciente. Como neste momento, quando está dormindo
encolhida sob o edredom bege, com apenas a cabeça aparecendo, o
cabelo solto e bagunçado no travesseiro. Olho para todas as partes
dela que me cativam. Seus cílios – como pequenas penas
descansando em suas bochechas. Seus lábios – vermelhos. Seus
dedos curvados sob o queixo como os bebês fazem. Fiquei aliviado
ao ver o anel de noivado em sua mão quando ela entrou.

Observá-la é um antigo hábito favorito meu. Um prazer. Eu


a observei por um longo tempo, antes de terminarmos conversando
naquele gazebo. Ela é a razão pela qual escolhi aquele parque para
tocar todos os dias – para que pudesse vê-la de perto.

Poderia estar perto.

Ela já sabe da vez em que a vi, quando Bolota e eu estávamos


andando pela calçada, passando por seu escritório. Ela deixou cair
as coisas a caminho de seu carro e me virei para pegá-la ajoelhada
na calçada com a saia alta o suficiente para me dar um vislumbre
tentador de suas coxas. Seus óculos escuros pretos caíram do alto
de sua cabeça quando se abaixou e a vi lutar para desenredá-lo de
717
seu cabelo. O fato de que estar vestida com roupas de escritório,
contradizia a possibilidade de ela não ter mais do que dezesseis anos
de idade. Ela tinha feições minúsculas e era tão pequena que
duvidava que pudesse ver além do volante de seu carro. Ela
amaldiçoou para si mesma e pensei ser a garota mais desajeitada e
adorável que já vi.

A segunda vez que a vi, estava em seu carro, num sinal


vermelho no centro da cidade. Estava cantando mal junto com o
rádio e parecia tão incrivelmente livre e perdida em seu próprio
mundo, que literalmente teria vendido minha alma para me arrastar
por aquele mundo com ela. Para me sentir da mesma forma que ela
se sentia. Enquanto a olhava, desejando o seu espírito livre e
querendo muito passar as mãos por seus cabelos, ela de repente
decidiu ficar vermelha e chegou perto de me atropelar quando
estava na faixa de pedestres.

Ela nunca me viu o que aumentou mais seu apelo.

A próxima vez foi quando estava espiando o parque e tropecei


nela lendo em um banco. Foi uma surpresa deliciosa. Até então, não
dava a mínima se ganharia um dólar ou mil tocando violão lá todos
os dias. Só queria estar no mesmo espaço que ela. Meu corpo doía
olhando-a – o jeito que suas pernas ficavam debaixo dela, seus
pequenos pés descalços aparecendo. Completamente absorta no
livro, a língua escorregando sedutoramente pelos lábios enquanto
lia, arregalando os olhos com as palavras. Acendi um cigarro e a
observei do meu lugar no morro. Perto o suficiente para vê-la,
também longe o suficiente para que não me notasse. Olhei para o
livro, cheio de curiosidade sobre o que minha pequena fada mágica
estaria lendo. Sorri quando vi o casal se abraçando na capa.
718
Um romance.

Ela acreditava no amor ou pelo menos queria.

Eu não.

Pelo menos ainda não.

Ela mudou tudo. Fez-me acreditar, querer de uma forma que


não consigo viver sem. Eu me apaixonei rápida e completamente por
ela. Piper me assombrou; vivi em minha alma, inspirei todas as
emoções e palavras que sempre me escaparam. Sem nunca saber,
ela me levou ao topo da minha carreira.

Eu a deixaria naquela noite chuvosa anos atrás. Uma vez que


aquela merda de dor de cabeça parasse, iria embora. Ficaria longe
de seus olhares tímidos, risada infantil e bochechas coradas. Não
pude, não podia deixá-la ir. Queria que ela fosse minha.

Isso faz de mim um fodido? Sua inocência me deixava duro


como uma pedra do caralho, me fazia querer corrompê-la, arruiná-
la para todos os outros? Fazê-la gozar tão intensamente que
qualquer outra pessoa falharia miseravelmente?

Então ela veio, rastejando através da neblina, seus pequenos


pés em saltos altos com um pequeno saco de guloseimas e um
sorriso que poderia me deixar de joelhos, um cabelo loiro-limão,
grandes olhos inocentes e aqueles lábios rosados perfeitos, uma voz
suave e açucarada. Estava de saia e o vento passava por suas
pálidas pernas.

Tudo isso eu poderia ignorar, se realmente quisesse. Foi a


respiração dela que me fez entrar, o jeito que ficou presa na garganta
quando me aproximei, como a segurou em seus pulmões e ficou

719
sobre mim antes de exalar por seus lábios trêmulos. Estava com
medo, não de mim, de me querer.

Ela era um coelho pulando direto nas garras de um abutre.

Eu sabia que iria devorá-la. Não pude me conter. Eu a queria


muito, precisava demais dela... quando não me afastou, quando se
entregou para mim – foi o que bastou.

Ela me fez desejar ficar, quando tudo o que queria fazer era
fugir. Fez-me querer mais e coisas que não poderia ter. E pior, sabia
que ela queria coisas que eu não podia dar, criando mais uma
batalha dentro de mim.

Ela não foi feita para brincadeiras... minha pequena


joaninha. Era o tipo de garota que você levava para casa, se tivesse
uma. Era o tipo de garota que você mantinha. Sempre seria minha.

— Você acordou cedo. — Sua voz suave me puxa da minha


viagem pela estrada das lembranças.

— Sim. Devo acordar todos os dias no mesmo horário. Por


coerência e estabilidade. — Tenho horário para tomar pílulas para
dormir, para me forçar a dormir e tudo mais.

Ela beija meu ombro, depois rola de costas, esticando os


braços sobre a cabeça. O edredom escorrega por seu corpo, expondo
seus perfeitos seios nus e quero rolar sobre ela e atacar cada
centímetro, afundar-me profundamente nela até que choramingue
e arraste as unhas nas minhas costas.

Não vou.

Não posso mais usar sexo com ela para preencher meus
vícios. Eu me pergunto se ela perceberá e tenho medo que pense

720
que não a quero tanto quanto costumava. O salto criou medo e
dúvida onde não havia antes. Minha culpa. E tenho que consertar.

O equilíbrio é uma puta.

— Que tal café da manhã na cama? — Sugiro, pegando o


cardápio do serviço de quarto da mesa de cabeceira.

Ela se senta com um sorriso sonolento no rosto. — Parece


incrível.

Meia hora depois, temos duas bandejas com waffles, bacon,


frutas frescas e torradas espalhadas na cama entre nós.

— Está muito bom, porém realmente sinto falta do seu café


da manhã.

— Eu também. Não cozinho faz algum tempo.

Ela baixa a cabeça e toma o suco de laranja. — Não vi você


fumar nenhum cigarro desde que cheguei.

— Eu não fumo mais.

Seus lábios se separam surpresos. — Uau! Que maravilha!

— É meio fodido, na verdade. Quando acordei no hospital,


não tinha vontade de fumar. Nunca mais tive. Não foi nem difícil. —
Encolho os ombros. — Simplesmente... parei.

— É estranho. Você perdeu o interesse em mais alguma


coisa?

— Eu não sinto mais a necessidade de caminhar até os


confins da terra.

Alívio brilha nos olhos dela. — É muito bom também.

Concordo. — É diferente, mas bom.

721
Continuo esperando pelo impulso de me afastar de tudo que
está por vir, como sempre acontecia, não chegou. Espero que nunca
mais aconteça.

Depois do café da manhã ela vai para o chuveiro e eu me


junto a ela cinco minutos depois, incapaz de resistir ao seu corpo
molhado e ensaboado. O desejo ardente em seus olhos quando me
vê nu sob a água é exatamente o que preciso. Ela gosta do novo eu.
Pelo menos fisicamente, o que é um começo.

— Você quer dar um passeio no parque? — Pergunto a ela


quando estamos secos e vestidos. Meu médico continua me dizendo
que preciso sair ao ar livre. Parece que ele esqueceu que passei a
maior parte da minha vida nas ruas.

— Esperava que me pedisse. — Ela olha para o meu velho


estojo de violão no canto. — Quer levar violão e tocar?

Ela não sabe que não toquei mais desde que pulei, tenho
medo de não poder mais tocar. Às vezes os novos remédios me
deixam em branco. É uma sensação estranha que não consigo
colocar em palavras, estou com medo de pegar o violão e meus dedos
se perderem nas cordas. Receio não sentir mais a letra e a melodia
nas minhas veias.

Eu tinha os mesmos medos em relação a Piper – que o amor


intenso e a atração selvagem que sempre senti por ela morressem
por causa dos remédios. Obrigado, por não ser o caso. Meus
sentimentos estão mais fortes.

Ainda estou preocupado em tocar e escrever músicas, no


entanto. Então, estou evitando até estar pronto para descobrir.

722
— Não. — Respondo me afastando do violão. — Quero me
concentrar somente em você. — Prendo meu cabelo e coloco um
boné de beisebol preto para trás na minha cabeça para impedir as
pessoas de me reconhecerem, encontrei dois fãs no aeroporto
ontem. Ex-fãs eu deveria dizer, me pararam somente para me dizer
o quanto sou chato por acabar com sua banda favorita e arruinar
suas vidas.

Mesmo que sejam um gatilho, li os comentários de merda on-


line, ter alguém dizendo diretamente na minha cara foi como ser
atropelado por um caminhão. As pessoas que passavam me
olhavam com olhos acusadores, enquanto as duas garotas se
aproximavam de mim. Me fez querer nunca mais tocar. A ideia de
correr para o bar do aeroporto e beber as palavras irritantes passou
pela minha cabeça. Talvez, levar o meu carro alugado para a
periferia da cidade, um lugar que conhecia como a palma da minha
mão e comprar pequenos sacos plásticos de pó e comprimidos, para
esquecer toda essa porcaria.

Sim, pensei em todas estas coisas, não fiz nenhuma delas e


não senti nenhum arrependimento.

Em vez disso, fui para o hotel, tomei uma garrafa de água,


liguei para Reece, tomei um longo banho e me concentrei no que
realmente importa para mim – Piper, Lyric e meu futuro com elas.
Todas as outras besteiras se desvaneceram.

Agora que estou andando pelo parque segurando a mão da


mulher mais preciosa e bonita do mundo e sei, sem nenhuma
dúvida, que posso fazer isso.

Eu venci o monstro.

723
Capítulo 65
Piper

Andar pelo parque de mãos dadas com Evan parece


estranho, não de um jeito ruim. De um jeito muito bom. Parece
familiar e novo ao mesmo tempo. O primeiro encontro com alguém
que conheceu toda sua vida.

— Ver você sentada ali todos os dias era a melhor parte do


meu dia. — Ele diz quando passávamos pelo meu banco.

Sorrio para ele. — Sério? Ver você era a melhor parte do meu
dia também. — Parece que ontem mesmo eu olhava para o relógio
esperando o meio-dia chegar, caminhando até o parque com a
sensação de mil borboletas no meu estômago.

Continuando, passamos pela mesa de piquenique que


costumávamos sentar e descemos o caminho de terra até a velha
ponte de pedra. Ele para de repente e dá alguns passos para trás
até encontrar a parede da ponte. Recostando-se nela, ele sorri e me
puxa para seu peito, curvando-se para me beijar suavemente no
início, depois mais profundo enquanto suas mãos tocam minha
cintura e descem para cobrir minha bunda.

724
— Não há como andar por este local sem beijá-la. — Ele
murmura.

Aperto minhas mãos atrás do pescoço dele. — Oh! Foi aqui


onde... — Minha voz desaparece quando olho ao redor, lembrando-
me.

— Sim. — Diz ele, esfregando o nariz ao longo do meu,


despertando as borboletas novamente. — Ainda tenho sua calcinha
daquela noite. E a que você estava usando na noite anterior a minha
partida.

— Não tenho certeza se é algo sexy ou perturbador.

— Provavelmente ambos.

Ainda segurando minha mão, ele me conduz por um pequeno


caminho através da floresta até chegarmos a uma estrada e percebo
surpresa que estamos no final da rua sem saída onde fica a casa
com o galpão.

Sua casa.

Nós ficamos na entrada e olhamos para ela calmamente


juntos. Não tenho certeza se estar aqui é bom ou ruim para sua
recuperação.

— Ellie me falou que você morava aqui. — Digo baixinho. —


Por que nunca me contou?

Ele encolhe os ombros depois de alguns instantes, com o


olhar ainda na velha casa. — Sinceramente não sei Piper.

— Tudo bem.

Ele respira fundo e olha para mim. — Você quer entrar?

725
— Um... — Sua pergunta é a última coisa que espero. —
Você quer?

— Sim. Creio que sim.

— Então, adoraria ir com você.

— Provavelmente estará sujo e fedorento. — Ele avisa quando


subimos a entrada da garagem.

— Está tudo bem.

Andamos pela casa e entramos pela porta de tela do


alpendre. Tudo está exatamente como da última vez que vim
procurando por ele.

— Quando foi a última vez que você esteve aqui? — Pergunto.

— Acho que eu tinha cerca de vinte anos.

— Você comprou muitos cadernos. — Observo enquanto


passamos pelas pilhas.

Ele para na frente da porta que leva à cozinha e olha para os


cadernos.

— Na verdade, eu não comprei. Minha mãe comprou.


Aparentemente, ela pensou que estava comprando um pacote de
doze e de alguma forma pediu mil e duzentos.

— Merda. É muito.

— Sim. Pelo menos nunca acaba.

Observo enquanto ele se abaixa para mover um grande vaso


de cerâmica perto da porta e tira uma chave debaixo dele.

— Eu perdi minhas chaves há muito tempo. — Diz ele,


destrancando a porta.

726
Estar dentro da casa é como voltar no tempo. A geladeira e
pia são verdes. Ainda há armários de madeira na maioria das
paredes. As cadeiras da cozinha têm almofadas de assento xadrez.
O ar é velho e mofado, pelo menos não cheira como se algo tivesse
morrido ali.

Evan suspira profundamente e caminha lentamente para o


quarto. — É exatamente como me lembro. — Diz ele com admiração.
— Aposto que ainda há comida na geladeira.

— Não vamos verificar. — Aconselho.

Ele sorri. — Boa ideia.

Segurando minha mão novamente, passamos pela sala de


jantar, pelo escritório e depois pela sala de estar. Os quartos são
enormes tudo parece como se a mãe dele tivesse acabado de sair
para comprar leite anos atrás e nunca mais voltado. Tudo intocado,
ainda esperando. Uma xícara de chá, um par de óculos de leitura e
um livro antigo, aberto, virado para baixo, estão sobre a mesa no
final do sofá. Eu me pergunto o que aconteceu com ela. Ficou louca
aqui sozinha? Ellie voltou para visitá-la? Havia outros parentes para
cuidar dela?

— Você está bem? — Pergunto. — Eu não quero que estar


aqui...

— Foda a minha cabeça? — Ele pergunta.

— Bem, sim. Eu sei que você não era, exatamente, feliz nesta
casa.

727
— Estou bem. Morar aqui foi como qualquer outra parte da
minha vida. Alguns dias bons, outros ruins. Não foi mau de tudo.
Ellie fez tudo parecer ruim, não é?

Concordo.

— Quando minha mãe estava bem, era divertida e meu pai


não era tão idiota. Quando ela estava num lugar ruim, era difícil
ficar perto de ambos. Ele bebia e gritava, ela chorava. Então eu
escapava para a minha própria cabeça e para a minha música,
conversava com os pássaros. Tornou-se meu normal.

— Evan...

— O quê? Eu não esconderei mais nada. Você já sabe que


sou louco.

Eu franzo a testa e cruzo os braços. — Você não é louco. Não


quero que me esconda nada, só me sinto mal.

— Não se sinta. Vamos subir e olhar o meu quarto.

Eu o sigo pela larga escadaria de madeira, onde há quatro


quartos e dois banheiros. A casa devia ser linda em seu tempo, antes
de todos irem embora. Tetos abobadados, muitas janelas,
acabamentos em madeira, detalhes e ângulos conhecidos nas casas
de estilo Tudor. É muito triste que tenha ficado abandonada por
tanto tempo.

Uma porta do quarto com uma caveira e ossos cruzados está


fechada.

— Adivinha de quem é este quarto? — Ele brinca.

— Não me surpreende.

728
Ele abre a porta e parece exatamente como imaginei que
seria o quarto de Evan adolescente. Cartazes de rock cobrem quase
todas as paredes e teto. Um pequeno colchão está no chão com um
velho cobertor preto jogado sobre ele. Há apenas uma cômoda e suas
gavetas não estão fechadas até o fim. As roupas penduradas fora
delas. Um velho rádio e toca-fitas em cima da cômoda, cercado por
velas com cera endurecida escorrida. Maços de cigarro vazios
jogadas por todo o lugar. Ao lado da cama uma pilha de revistas de
rock e guitarra, mais cadernos.

Não é surpreendente.

— Sem pôsteres de garotas nuas? — Provoco, olhando ao


redor.

Ele ri e abre a porta do armário. — Não. Nunca fui de cobiçar


as mulheres.

Depois de procurar dentro do armário, ele sai com um violão.

— Veja o que ainda está aqui. — Ele coloca a velha caixa


empoeirada na cama.

— O que é?

— Meu primeiro violão.

— Oh. Pensei que o que você carregava fosse o primeiro.

— Era o segundo, na verdade.

Fico chocada e confusa, quando ele abre o estojo e o violão


dentro está em condições absolutamente perfeitas.

— É bonito. — Eu digo. — Parece novo em folha.

729
Sorrindo de orelha a orelha, ele gentilmente o tira do estojo
e gira nas mãos.

— Sabe o que é? — Pergunta, claramente empolgado. — É


um Gibson Jumbo1934.

Eu pisco para ele. — E é bom?

— Bom? É incrível, Piper. Eles são muito raros e valem uma


tonelada de dinheiro, não que algum dia vá vendê-lo. Simplesmente
não posso acreditar que continue aqui. — Ele passa os dedos
levemente sobre as cordas antes de colocá-lo de volta no estojo. —
Vou levá-lo conosco.

— Por que o deixou quando foi embora? — Pergunto.

— Só o toquei algumas vezes. Minha mãe comprou numa


venda de garagem e não tinha ideia do que era ou o quanto era
valioso. Nem o cara que o vendeu. Eu sabia, no entanto. E estava
com medo de usar. É muito bom. Sabe? — Ele fecha o estojo. — Eu
comprei o outro para poder guardar este. Protegê-lo de ser
destruído. Eu não tive a chance de levá-la comigo. Eu me mudei
para o galpão com Bolota e depois partimos. E nunca mais entrei
dentro da casa.

Meu coração ainda aperta com a menção do doce Bolota.

— Estou feliz que ainda esteja aqui. Você deve colocá-lo junto
com os outros. Merece ficar de fora, não fechado num armário velho.

— Você está certa. Colocarei novas cordas nele. Mal posso


esperar para mostrar a Lyric, ela vai adorar.

Lyric ama tudo o que ele compartilha com ela.

730
Nós voltamos para o andar de baixo, estou aliviada que a
visita não o esteja aborrecendo. Ele parece feliz e animado com o
violão. Espero enquanto vasculha uma gaveta da cozinha, então se
vira e me entrega uma fotografia antiga.

Eu a seguro com cuidado e, quando a levanto sob a luz da


janela, meu coração pula de alegria.

É uma foto de Evan com cerca de cinco anos de idade,


cabelos nos ombros e um pequeno pássaro azul sentado em seu
ombro. Ele está sorrindo como se fosse o menino mais feliz do
mundo.

— Posso ficar com ela? Por favor? — Pergunto, encontrando


seu olhar.

— Claro.

— Você parece tão adorável. E feliz.

Ele pisca para mim. — Eu falei.

Dou um passo a frente e envolvo meus braços ao redor de


sua cintura, colocando minha cabeça em seu peito.

— Eu te amo. — Digo baixinho.

Ele me segura com o braço livre. — Eu também te amo, bebê.


Obrigado por fazer isso comigo. Eu não planejava vir embora esteja
feliz por termos vindo.

No caminho de volta ao hotel, paramos para tomar sorvete


no parque sentados em nossa mesa habitual. Nossas pequenas

731
tradições significam o mundo para mim e uma das coisas que mais
amo nele é como nunca se esqueceu delas.

Ele fica quieto pelo resto da tarde e começo a pensar que


visitar a casa não foi uma boa ideia. Talvez tivesse muitas
lembranças ruins que agora o estão corroendo. Mais tarde, durante
o jantar no restaurante do hotel, falamos principalmente sobre Lyric
e as coisas que estão acontecendo na minha vida, ele ainda parece
um pouco mais distraído e deprimido do que antes. Eu me pergunto
se é efeito da medicação.

— Você está bem? — Finalmente pergunto a ele quando


estamos de volta ao nosso quarto. — Parece quieto.

Sentado na cama, ele se abaixa e tira as botas, enquanto tiro


meus saltos pretos.

— Sim... só estou pensando em uma coisa.

Preocupada, eu me movo para ficar na frente dele e


gentilmente passo os dedos por seus cabelos.

— Você quer falar sobre o que está pensando? — Pergunto


baixinho.

Envolvendo as mãos em minha cintura, ele se abaixa para


beijar o espaço entre meus seios.

— Estou pensando na casa.

— Talvez não devêssemos ter ido lá. O incomodou?

— Não tinha certeza de como me sentiria, na verdade não me


incomodou. Sinto-me mal porque o lugar está horrível. Pertencia aos
meus avós, eu te contei?

— Não, eu não sabia.


732
— Eles morreram antes de eu nascer, minha mãe me falou
que cresceu lá. Meu avô mandou construir para minha avó como
presente de casamento.

— Uau. É um grande presente. É uma linda casa.

— Pode ser. — Diz ele. — Quando saí do hospital, meu


médico me disse: vá para casa e comece sua nova vida, percebi que
nem tinha uma casa. — Ele me puxa para baixo enquanto fala, até
que estou sentada em seu colo. — Reece saiu da casa em Seattle e
nunca estivemos lá o suficiente para me sentir em casa. Era
basicamente apenas um lugar. E sua casa é legal, embora seja um
lembrete de que fui um idiota por tanto tempo que você e minha
filha tiveram que comprar uma casa sozinhas. É estranho. Pela
primeira vez quero uma casa de verdade.

É engraçado que eu tenha pensado a mesma coisa sobre


onde ele gostaria de morar quando deixou a banda e depois, para
onde iria quando deixasse a clínica. É algo do qual nunca falamos,
nem quando estávamos planejando o casamento.

— Estou pensando em reformar completamente a casa e


morar lá — diz. — Também quero você, Lyric, Mickey e Archie. Não
quero morar sozinho. A casa já teve muita solidão. — Quando não
digo nada imediatamente, ele continua falando nervoso. — Será
como uma casa novinha em folha quando estiver pronta, não como
agora. Podemos escolher tudo o que quisermos e torná-la nossa.

Meu cérebro começa a girar como um redemoinho com o


inesperado da conversa. Presumi que ele poderia querer manter
alguma distância entre nós para ter tempo para pensar, já que

733
acabou de sair do hospital. Não estava ansiosa por isso, embora
estivesse preparada.

Definitivamente não estava preparada para ouvi-lo falar


sobre morarmos juntos.

— Evan... — Estou impressionada com todas as coisas que


quero dizer.

— Merda. É cedo demais, não é? — Ele me deita na cama ao


lado dele antes de ficar de pé e atravessar a sala para olhar pela
janela. — Eu estraguei tudo novamente. Nós. Nossa confiança. Todo
mundo. Você precisa de tempo para descobrir.

Ando até ele e o abraço por trás, ele cobre minhas mãos com
as dele sobre o peito.

— Todos aqueles anos que você esperou por mim? — Sua voz
é tão baixa que mal posso ouvi-lo. — Eu também esperava por você.
Sempre quis tudo e apenas continuei tropeçando em mim mesmo,
fodendo tudo. Eu quero agora. Quero me casar com você e ter outro
bebê.

Meu coração aperta com o pensamento de que este lado


meigo e vulnerável dele foi enterrado sob todos os seus demônios
por anos, tentando sair e ser feliz.

— Você não fodeu tudo. As coisas aconteceram da forma


como deveriam acontecer. E no caso de você não ter percebido... —
Eu o viro para me encarar. — Estou bem aqui e ainda quero as
mesmas coisas com você também.

Ele segura minha nuca e me puxa, me beijando com fervor.


— Não mereço você, Piper.

734
— Você merece. — Fico na ponta dos pés para que possa
olhar em seus olhos. — Não preciso de tempo, Evan. Eu tive mais
do que suficiente. E não preciso descobrir nada. Eu te amo. Quero
você... agora, todos os dias e para sempre.

— E se...

Eu rapidamente o beijo. — E se você tropeçar? Ou se precisar


de mais ajuda ou remédios diferentes? E se apenas precisar apagar
seu cérebro algumas vezes? Ou necessitar um longo abraço e o som
da chuva? E se começar a se sentir mal novamente? Está tudo bem.
Não preciso pensar sobre nada, já sei que passarei por tudo e
qualquer coisa com você. Não há nada no mundo que me faça ir
embora.

— Você tem certeza? Ainda posso ter alguns dias ruins...

Eu nunca tive mais certeza sobre qualquer coisa na minha


vida. Eu o amo e o que temos, com falhas e tudo mais. Sempre amei.

— Eu tenho. Não importa o quê. Eu amei a casa, Evan. Foi


nossa casa por um tempo, não foi? Adoraria trazê-la de volta à vida
com você e mudar com nossa pequena família, transformá-la em
uma casa de verdade novamente. E estaremos perto de todos os
nossos lugares especiais. — Sorrio para ele. — Sinto como se
estivéssemos lá.

Ele balança a cabeça animado. — Deus, eu te amo. Quero


muito também. Muito.

— Então é o que faremos. Não precisamos esperar mais.

Ele me levanta em seus braços e nos beijamos. Um tipo de


beijo que é feito de lembranças, esperança e novos começos.

735
Sabemos que teremos bons e maus dias, tudo bem. Esta é a magia
do amor. Nem sempre é fácil, perfeito ou normal. Pode ser apenas
duas pessoas que acreditam uma na outra o suficiente para estarem
juntas em todos os amanhãs.

736
Epílogo
2019 - SEIS ANOS DEPOIS

Às vezes, certos sons e aromas podem ser como pequenas


máquinas do tempo nos levando de volta a momentos em nosso
passado que são tão vívidos, tão poderosos, que podemos fechar
nossos olhos e entrar naquelas lembranças novamente.

Aqueles flashes no tempo podem ser bonitos como visitar um


amor perdido mais uma vez, por um breve segundo. Ou podem ser
devastadores; ressuscitando os fantasmas que preferíamos nunca
mais enfrentar.

Eu experimento as duas variações.

Frequentemente.

Blue e eu compartilhamos anos de amanhãs que se


transformaram em vários ontem e, um dia, ele se foi. Não posso
explicar como soube, além de vê-lo lentamente se afastar e
desaparecer. Talvez tenha sido o modo como o corpo dele relaxou e
caiu num sono profundo. Ou talvez a ausência dos vincos na testa.
Pode ter sido como os olhos dele permaneciam da cor de um céu de
verão – nunca mudando para aquele tom mais escuro e sem nome
novamente. Poderia ser por como seu toque, uma vez áspero,
exigente e controlador, deu lugar a uma gentileza doce e paciente.

737
Sempre sentirei falta de Blue, embora tenha recebido Evan
de braços abertos.

Evan disse que sim.

Evan colocou nosso bebê recém-nascido em meus braços.

Evan nunca se afasta, classifica pratos ou acredita que pode


voar.

Ele acredita, no entanto, na lenda de pequenos insetos


vermelhos que selam o destino das almas gêmeas.

Eu também.

Os sons de cordas sendo dedilhadas, arpejos, os vocais


sexies e roucos de Evan me recebem quando saio para a varanda
ensolarada. Nossa filha adicionou seus talentos à melodia e eles
tocam juntos.

Essa música em particular me leva de volta ao parque como


se fosse ontem. Lembro dos sorrisos. A chuva. A piscadela sexy de
Blue. Nuvens e arco-íris. Carne contra carne nua debaixo da ponte.
Sorvete e coração enlouquecido.

Lembro-me do cheiro de medo e desejo que queimou através


de mim quando voltei ao trabalho e à vida.

Como se meu coração estivesse me dizendo não, não vá longe


demais. Você pertence a este lugar.

Assim que coloquei a bandeja de chás gelados e biscoitos de


limão na mesa de vime na frente deles, Evan e Lyric terminam seu
dueto e colocam seus instrumentos para o lado para pegar seus
biscoitos favoritos.

738
— Espero que você tenha feito mais, mamãe. — Lyric brinca.
— Papai vai devorar tudo sozinho.

Sorrindo, sento-me no sofá ao lado de Evan. A varanda se


tornou nossa parte favorita da casa, desde que nos mudamos. A
casa foi destruída e reconstruída em tempo recorde. Deixamos
muito do charme original – como os pisos de madeira e a moldura,
fizemos uma reestruturação importante no layout geral. Muitas das
paredes foram removidas ou realocadas para dar a ela um conceito
moderno e arejado. Os banheiros e cozinha foram completamente
reformados. Nosso pequeno galpão no quintal foi convertido num
estúdio – ou man cave23, como Evan gosta de chamá-lo. Nós
insistimos em manter o telhado de zinco original e passamos muitas
noites chuvosas naquela cabana, aconchegando-nos no futon com
velas acesas.

A casa não é mais solitária ou um lugar onde Evan tem medo


entrar. É uma casa cheia de amor, música e felicidade.

— Há muito mais biscoitos lá dentro. — Garanto-lhes.

Meu marido coloca o braço ao meu redor e me puxa para


mais perto.

— Obrigado pelos biscoitos. — Diz beijando minha


bochecha. — São bons combustíveis para escrever.

Ele está trabalhando em seu primeiro álbum solo, Out of the


Blue24, por vários meses. É uma compilação de músicas acústicas
novas e antigas que escreveu, muito parecidas com as que

23
Caverna de homem. Um local só para homens.
24
Em tradução literal, é algo como — Saindo de Blue—, uma forma de Evan superar o seu passado.
739
costumava tocar no parque com Bolota. Suaves, sonhadoras e um
pouco sombrias.

— Tudo bem. — Eu sorrio, em seguida, movo o olhar para


nosso filho de cinco anos de idade, Noah. Ele está sentado no chão
com Mickey no canto mais distante da varanda, cantarolando para
si mesmo. Ele olha para o céu, observando as nuvens passarem.

Sonhando acordado.

Ele não tem interesse em biscoitos hoje. Ou café da manhã.


Ignorou completamente minha oferta de frutas, cereais ou
panquecas antes, querendo apenas se sentar com o cachorro, ouvir
o pai e a irmã tocarem música e olhar para o céu. Conseguir que ele
coma ultimamente tem sido difícil.

Evan se vira para mim, coloca o rosto no meu cabelo e


sussurra no meu ouvido. — Ele está bem, bebê. Eu juro.

Acredito que sim.

Eu me pergunto. E me preocupo.

Noah poderia ser como Blue. Perdido. Confuso. Lutando com


pensamentos e vozes. Com medo de pedir ajuda – ou pior – sem
saber que precisa de ajuda.

Ele poderia ser apenas um pensador. Um sonhador quieto.


Como Evan é agora.

Então eu o observo de perto – talvez muito de perto, admito.

Evan aperta minha mão, então pega um chá gelado e alguns


biscoitos. Meu olhar permanece nele enquanto caminha até o canto
da varanda. Seu velho jeans azul desbotado ainda se ajusta de uma
maneira que faz meu interior vibrar de excitação. Alguns fios
740
brancos aparecem nos cabelos longos que hoje estão presos,
acentuando seu queixo estreito. Ele não tenta mais cobrir a cicatriz
tênue e irregular na bochecha com o cabelo. Eu não penso mais
nessa cicatriz como um lembrete de que ele quase morreu. Penso
nela como um lembrete de que sobreviveu.

Ele se senta de pernas cruzadas ao lado de nosso filho e


Mickey imediatamente sobe em seu colo. Noah acena com a cabeça
para algo que Evan diz em uma voz muito suave para eu ouvir. Ele
pega o copo de chá gelado e bebe com um sorriso adorável que é
uma imagem espelhada do pai. Minha preocupação diminui quando
Evan quebra um biscoito ao meio e dá metade para Mickey e metade
para Noah, que mastiga e aponta para o céu. Tenho certeza de que
ele está explicando detalhadamente uma figura na nuvem e Evan
ouve atentamente, enquanto gentilmente afasta o cabelo comprido
de Noah do rosto.

Ele encontra meu olhar do outro lado da varanda e pisca


para mim, murmurando as palavras eu te amo. Sorrindo, eu lhe
mando um beijo de volta, antes de voltar minha atenção para Lyric,
que está me contando sobre um rapaz em quem está interessada.

Ela acha que ele é o único. Ele é complicado, ela diz, mas não
se importa.

Compreendo. Mais do que ela imagina.

Nunca desejei ou quis perfeição.

Queria apenas amar e ser amada.

Acredito no final feliz – para todos nós.

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