Você está na página 1de 430

DIREITO MUNICIPAL

Hely Lopes
BRASILEIRO Meirelles
Este livro é, hoje, uma daquelas obras clássicas do
Direito Brasileiro - quer pela riqueza e abrangência de
.
seu conteúdo, quer pela excelência das lições de seu Autor..
-

Única no seu gênero, é, ao mesmo tempo, verdadeiro


DIREITO
MUNICIPAL
"manual" para uso diário e obrigatório pela Adminis-
tração Municipal e pelos seus administrados, e autêntico
"tratado" de Direito Municipal, especialização do Direito
Administrativo, para orientação e estudo dos especialistas

BRASILEIRO
e dos aplicadores do Direito.

PioneirÇJ na matéria, o Autor, nesta obra - como, de


resto, em todas as demais de sua lavra - é claro, preciso,
objetivo e prático e, ao mesmo tempo, completo e profundo
nos temas que aborda.
16ªEDIÇÃO
Atualizada por especialistas na matéria, esta é mais
uma obra que permanece definitivamente consagrada na
ATUALIZADA POR
literatura jurídica brasileira. MÁRCIO SCHNEIDER REIS
E EDGARD NEVES DA SILVA

- -
....
----.
---
I
I

HELY LOPES MEIRELLES foi Professor e


Magistrado em São Paulo, com uma brilhan-
te carreira. Sem ser político, foi Secretário de
Estado do Governo de São Paulo em quatro
ocasiões (nas pastas da Justiça, do Interior, da
Educação e da Segurança Pública). Foi tam-
bém Parecerista emérito e Advogado militante.
Acima de qualquer destas atividades, po-
rém, seu nome ficou indelevelmente ligado ao
Direito Público brasileiro pela sua contribuição
à evolução da matéria, em obras, hoje consa-
gradas, sobre Direito Administrativo, Direito DIREITO MUNICIPAL
Municipal, sobre o mandado de segurança e de-
mais "writs" constitucionais e sobre licitação e BRASILEIRO
contrato administrativo.
Segundo Arnaldo Wald, "sem cometer in-'
justiças, é possível afirmar que o Direito Admi-
nistrativo em nosso País, no século.xx: se divi-
de em dois períodos: o anterior e o posterior à
obra de Hely Lopes Meirelles".
Apesar da perda irreparável, com sua mor-
te em 1990, permanece viva a obra magistral
por ele criada, que o coloca entre os mais im-
portantes e influentes doutrinadores do nosso
Direito Público.
Este Direito Municipal Brasileiro foi seu pri-
meiro livro, lançado em 1957, e teve imediata
aceitação, tanto pela crítica como pelos profis-
sionais do Direito.
Diante dessa unidade de opiniões favorá-
veis, quer do público especializado, quer da crí-
tica, não poderia deixar de ser reeditado, com
as atualizações que se fizessem necessárias.
Para isso afamília do ilustre Mestre contou com
a inestimável colaboração de dois especialistas

----
---
---
HELY LOPES MEIRELLES

DIREITO MUNICIPAL
BRASILEIRO
16ª edição,
atualizada por

Márcio Schneider Reis


e
Edgard Neves da Silva

=. -MALHEIROS
=~= EDITORES
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
HELY LOPEs MElRELLES

© 1990, VERALICE CELIDONIO LOPES MElRELLES

1ª edição, 1957; 2ª edição, 1964; 3ª edição, 1977; 4ª edição, 1981;


5" edição, 1ª tiragem, 1985; 2ª tiragem, 1987; 6ª edição, 1ª tiragem, HOMENAGEM
01.1993; 2ª tiragem, 03.1993; 3ª tiragem, 05.1993; 4ª tiragem, 08.1993;
7ª edição, 1994; 8ª edição, 1996; 9ª edição, 1997; 10ª edição, 1998;
11" edição, 2000; 12ª edição, 2001; J3ª edição, 2003; 14ª edição, 02.2006;
15ª edição, 09.2006. Ao meu pai, a quem prometi editar seus livros sempre atualizados.
Primeiro porque acredito que isso contribuirá para o Direito Público Bra-
sileiro; segundo porque essa é aforma de senti-lo vivo e ainda presente.
ISBN 978-85-7420-880-0 Meu pai, eterno professor.
Meu pai, amigo dos amigos, da família, dos empregados, dos vizi-
nhos e até dos inimigos ...
Meu pai, homem de caráter, homem de convicções, homem sem preço.
Direitos reservados desta edição por
MALHEIROS EDITORES LTDA. Meu pai, poeta na juventude, inteligente, vivo e espirituoso.
Rua Paes de Araújo, 29, conjzmto 171 Meu pai, silencioso na dor, humilde nas homenagens.
CEP 04531-940 - São Paulo - SP Meu pai, apoio nos acertos e nos desacertos.
Tel.: (11) 3078-7205 Fax: (11) 3168-5495
Meu pai, que adorava plantas e animais.
URL: www.malheiroseditores.com.br
e-mail: malheiroseditores@terra.com.br Meu pai, que acreditava no nosso País.
Meu pai, trabalhador até a morte.
A este homem, que sempre teve fé na vida, amor pelas pessoas, pelo
trabalho e pelo Brasil,
Composição
Ao ser humano que muito lutou contra os seus defeitos e evoluiu,
PC Editorial Ltda.
A ele, que deixou um vazio enorme aos que o conheceram,
A ele, que tinha tanta luz e um sorriso tão doce ...
O meu amor eterno.
Capa
Criação: Nadia Basso São Paulo, agosto de 1990

VERALICE CELIDONIO LOPEs MElRELLES

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
06.2008
NOTA DA EDITORA

A 6ª edição do presente livro começou a ser atualizada pelo próprio


Autor, adaptando-a aos preceitos da Constituição de 1988 e à superve-
niente legislação aplicável aos Municípios. Contou, para tanto, com a par-
ticipação da Dra. IZABEL CAMARGO LOPES MONTEIRO - que, por quase nove
anos, teve convívio diário no escritório com HELY LOPES MEIRELLES - e
da Dra. YARA DARCY POLICE MONTEIRO, ex-Coordenadora de Pesquisa e
Desenvolvimento do CEPAM, grande conhecedora dos temas aqui ver-
sados.
Com a morte do Autor, em julho de 1990, as atualizações assim pros-
seguiram até a 8ª edição, publicada em 1996, quando, em virtude da apo-
sentadoria da Dra. Y ARA a Dra. CÉLIA MARrSA PRENDES, ex-assistente do
professor HELY LOPES MEIRELLES e Procuradora do Estado de São Paulo,
aposentada, assumiu a incumbência.
A partir da 11 ª edição, passamos a contar com a criteriosa colabora-
ção do Dr. MÁRCIO SCHNEIDER REIS, Procurador de Justiça do Ministério
Público do Estado de São Paulo, com longa atuação na área de direito
público, hoje aposentado, e militante nessa especialidade, na Advocacia
em São Paulo, juntamente com a Dra. CÉLIA MARISA PRENDES, que, por
razões particulares, deixou de emprestar sua excelente participação - e a
quem agradecemos o trabalho inestimável. Assim, a partir da 14ª edição,
passamos a contar com a proficiente colaboração do Dr. EDGARD NEVES DA
SILVA, especialista na área tributária municipal (v. a 2ª orelha desta obra), e
a quem devemos a atualização do Capítulo V (Finanças Municipais), além
de outras observações no corpo da obra.

São Paulo, agosto de 2006


Os EDITORES
AO LEITOR
(Nota à 6ª edição)

Nas 1ª e 2ª edições deste livro incluímos, além da matéria especifi-


camente municipal, muitos tópicos sobre assuntos conexos, o que ampliou
desmedidamente a obra, desdobrada em dois volumes. Agora, procuramos
versar exclusivamente Direito Municipal e Administração local, remeten-
do o leitor para os trabalhos especializados nas questões incidentemente
referidas na exposição. Desse modo conseguimos fundir os dois tomos
das edições anteriores neste volume único, em que só tratamos de temas
municipais.
Para tanto, refondimos textos e atualizamos conceitos em face das
profundas modificações constitucionais e administrativas introduzidas no
País a partir de 1964, confrontando a legislação vigente com a doutrina
e a jurisprudência dominantes na matéria. Suprimimos alguns capítulos e
acrescentamos outros, segundo a nova orientação que demos à obra, mas
mantivemos o sistema expositivo e a objetividade nos estudos, visando a
conservar a suafeição prática, sem preocupações de teorizar o Direito além
do necessário à compreensão e solução dos nossos problemas municipais.
As alterações são muitas e profitndas, o que nos levou a abandonar
a redação anterior e, em alguns pontos, a modificar a orientação dou-
trinária precedente, que se tornou superada diante da nova legislação
concernente aos Municipios e do avassalador fenômeno da urbanização e
das exigências da proteção ambiental, que geram hoje os mais complexos
problemas nas Administrações municipais.
Na 5ª edição procuramos abordar as questões da atualidade, em bus-
ca de soluções jurídicas e administrativas compatíveis com a realidade
nacional e adequadas ao estágio de desenvolvimento social, econômico e
cultural em que nos encontramos, tendo em vista, sempre, as peculiarida-
des do nosso regime municipal e os limites da autonomia local.
Não tivemos a pretensão de fazer doutrina; visamos apenas a siste-
matizar e aclarar conceitos. Não destinamos este trabalho aos doutos,
10 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

com os quais só temos que aprender. Oferecemo-lo aos iniciados no Direi-


to e na Administração municipal.
Nesta 6ª edição, atualizamos o texto pelas inovações da Constituição
Federal de 5.10.88, que ampliou a autonomia municipal, dando-lhe novas
atribuições administrativas e aumentando suas rendas, com novos tributos
e majoração do percentual nos impostos partilhados. Quanto à legislação
anterior à nova Constituição da República, entendemos que permanece
em vigor, pelo princípio da recepção, em tudo que não contrariar a Carta DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO*
Federal, nem tenha sido revogado por norma posterior especifica.
Desde já nos penitenciamos pelas falhas existentes, e que certamente
nos serão apontadas para oportuna correção. o Sr. HELY LOPES MElRELLES, Juiz de Direito da comarca de São Car-
Por fim, queremos consignar nossos agradecimentos à colega e com- los, é um apaixonado da autonomia dos Municípios. A paixão levou-o a um
panheira de escritório Dra. Izabel Camargo Lopes Monteiro e à Dra. Yara estudo minucioso da organização municipal, do conceito da autonomia, da
Darcy Po/ice Monteiro, coordenadora de pesquisas e desenvolvimento do organização dos Municípios com a sua competência, atribuições e respon-
CEPAM, pela valiosa colaboração que nos foi dada para atualização des- sabilidades, do poder de polícia do Município, das formas de execução dos
ta 6ª edição. serviços públicos, do urbanismo e plano diretor, administração pública e
os atos administrativos do prefeito, suas atribuições e responsabilidades,
São Paulo, janeiro de 1990 da Câmara Municipal, sua composição e atribuições e o controle judicial
o AUTOR dos atos municipais. Sob esses vários capítulos organizou um verdadeiro
tratado de Direito Municipal brasileiro. Do seu conceito sobre a maté-
ria diz bem o seguinte trecho do livro: "Somente com a promulgação da
Constituição de 1946 e subseqüente vigência das Cartas estaduais e leis
orgânicas é que a autonomia municipal passou a ser exercida de direito e
de fato nas administrações locais. A posição atual dos Municípios brasi-
leiros é bem diversa da que ocuparam nos regimes anteriores. Libertos da
intromissão discricionária dos governos federal e estadual e dotados de
rendas próprias e suficientes para os serviços locais, os Municípios elegem
livremente suas Câmaras e seus prefeitos e realizam o self-government, de
acordo com a orientação política e administrativa dos órgãos de governo.
Deliberam e executam tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse sem
consulta ou aprovação do governo federal ou estadual. Agem dentro da
esfera própria com liberdade própria. Decidem da conveniência ou incon-
veniência de todas as medidas de interesse local; entendem-se diretamente
com todos os poderes da Soberania Nacional sem dependência hierárquica
à administração estadual; manifestam-se livremente sobre os problemas
da Nação; constituem órgãos partidários locais e realizam convenções de-
liberativas; suas Câmaras cassam mandatos de vereadores e prefeitos no
uso regular de suas atribuições de controle político e administrativo do

* Comentário de Plínio Barreto à 1ª edição, transcrito de O Estado de S. Paulo e


republicado na RT 264/879.
12 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 13

governo local". Nem sempre, observo eu, procedem com essa liberdade Por essas linhas se vê qual a orientação do Autor dos dois preciosos
de ação. Muitos vivem ainda na dependência dos governos estaduais e volumes em que encerrou tudo quanto interessa ao Direito Municipal. Não
só fazem o que os governadores lhes ordenam. Pensa o Sr. HELY LOPEs se limitou a expor esse Direito. Organizou também índice bem minucioso
MElRELLES que, diante desses fatos, já não se pode mais considerar o Mu- de toda a matéria de que o livro trata e transcreveu toda a legislação na-
nicípio como entidade meramente administrativa. A sua posição atual no cional que interessa aos Municípios. O livro, editado pela "Revista dos
seio da Federação é de entidade político-administrativa. Tribunais", vai constituir naturalmente, doravante, a obra clássica sobre
Teoricamente assim é, mas, na realidade, nem sempre o será. Realmen- o assunto. A sua consulta impõe-se a quem quer que seja obrigado a lidar
te, a Constituição vigente concedeu ao Município, como assinala o ilus- com o Direito Municipal.
tre Jurista, ampla liberdade na organização do seu governo e lhe atribuiu PLÍNIO BARRETO
larga capacidade impositiva tributária e lhe assegurou autonomia em tudo
quanto respeite ao seu peculiar interesse. Mas a realidade mostra que nem
todos os Municípios se libertaram da ação estadual ou federal. Devem
libertar-se'. Estão aparelhados para isso, salvo no que concerne às finanças,
que, em regra geral, em quase todos eles, são precárias. Para o Sr. HELY
LOPES MEIRELLES a Constituição da República, atualmente em vigor, é a
de feição mais municipalista das Constituições brasileiras e sem dúvida a
mais municipalista das Constituições dos Estados civilizados. Reconhece,
entretanto, que, a despeito disso, ainda se increpa a nossa organização
municipal de oprimida e mal-estruturada pela legislação federal e esta-
dual, pleiteando-se maiores franquias locais. O distinto Magistrado não
participa dessa opinião. Para ele, se defeito existe no regime municipal
brasileiro, é o de excesso de liberdade administrativa e falta de controle fi-
nanceiro. Observa muito bem que na maioria dos casos as administrações
locais não estão politicamente educadas e tecnicamente preparadas para
dirigir o Município com a autonomia que a Constituição Federal lhe asse-
gura. É por isso que, a meu ver, no terreno da teoria pura, o seu amor ao
Municipalismo brasileiro tem toda razão de ser. Na prática, porém, muito
há que fazer para que esse amor se justifique. A incompetência de vereado-
res e prefeitos precisa ser combatida a fim de que a estrutura que aos Mu-
nicípios deu a Constituição Federal produza os beneficios indispensáveis.
A propósito do que há no Estrangeiro sobre a legislação municipal, o Sr.
HELY LOPES MEIRELLES se insurge contra os que vivem a invocar o exemplo
norte-americano para que o Brasil o siga. Essa invocação é um dislate: a
Federação norte-americana nem conta com regime municipal uniforme,
nem conhece Municípios em sua função federal, nem assegura autonomia
municipal. Os vários sistemas ali adotados não satisfazem aos anseios lo-
cais nem aos publicistas da própria Nação, os quais estão incessantemente
proclamando os defeitos dessa desorganização municipal. Se a vida mu-
nicipal ali é freqüentemente satisfatória é porque outros fatores que não a
boa organização administrativa dos Municípios atuam decisivamente na
marcha dos negócios municipais.
SUMÁRIO

Homenagem, 5
Nota da Editora, 7
Ao Leitor (nota do Autor à 6ª edição), 9
Direito Municipal Brasileiro - PLÍNIO BARRETO, 11
Capítulo I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICíPIO
1. Origens e evolução do Município
1.1 O Município na Antigüidade, 33
1.2 O Município na atualidade, 34
2. O Município no Brasil-Colônia, 35
3. O Município na Constituição Imperial de 1824,37
4. O Município na Constituição de 1891,39
5. O Município na Constituição de 1934,40
6. O Município na Constituição de 1937,41
7. O Município na Constituição de 1946, 42
8. O Município na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional de
1969,43
9. O Município na Constituição de 1988,44
10. Posição atual do Município Brasileiro, 45
11. O regime municipal brasileiro em confronto com o de outros países, 47
11.1 Estados Unidos, 48
11.2 Inglaterra, 49
11.3 Alemanha, 51
11.4 França, 55
11.5 Itália, 60
11.6 Portugal, 62
11.7 Espanha, 63
11.8 Argentina, 64
Capítulo II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICíPIO
1. Competência do Município para sua organização, 66
2. Criação, desmembramento, anexação, incorporação efusão de Municí-
pios, 68
3. Plebiscito, 72
18 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO SUMÁRIO 19

4. Divisão territorial, administrativa ejudiciária do Estado e dos Municípios, 7. Símbolos Municipais, 141
74 8. Responsabilidade civil do Município, 143
4.1 Divisão em Municípios, 74
4.2 Divisão em Distritos e Subdistritos, 75 Capítulo V-FINANÇAS MUNICIPAIS
4.3 Outras divisões administrativas, 76 1. Considerações gerais, 150
4.4 Divisão judiciária, 80 1.1 Poder impositivo do Município, 150
5. Regiões Metropolitanas e outras unidades regionais, 81 1.2 Receitapública e rendas municipais, 151
6. Lei orgânica municipal, 84 1.3 Tributos e preços, 152
1.3.1 Impostos, 154
Capítulo IH -AUTONOMIA MUNICIPAL 1.3.1.1 Imposto direto, 155
1. A organização política nacional, 89 1.3.1.2 Imposto indireto, 155
2. Soberania e autonomia, 91 1.3.1.3 Imposto real, 155
3. A autonomia municipal, 94 1.3.1.4 Imposto pessoal, 156
3.1 Autonomia política 1.3.1.5 Imposto fixo, 156
3.1.1 Poder de auto-organização, 95 1.3.1.6 Imposto proporcional, 156
3.1.2 Eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores e 1.3.1.7 Imposto adicional, 156
legislação local, 95 1.3.2 Taxas, 157
3.1.2.1 Eleição, 97 1.3.3 Contribuições, 162
3.1.2.2 Diplomação, 99 1.3.4 Preços, 164
3.1.2.3 Inelegibilidades, 100 1.3.4.1 Preços públicos, 165
3.1.2.4 Recursos eleitorais, 105 1.3.4.2 Preços semiprivados, 167
3.1.2.5 Incompatibilidades, 107 1.3.4.3 Pedágio, 167
3.1.2.6 Legislação local, 110 2. Principais conceitos do direito tributário, 168
3.2 Autonomia administrativa 2.1 Lei tributária, 169
3.2.1 Administração própria, organização dos serviços públicos 2.2 Obrigação tributária, 170
locais e ordenação do território municipal, 111 2.3 F ato gerador, 171
3.3 Autonomiafinanceira 2.4 Base de cálculo, 172
3.3.1 Decretação de tributos e aplicação das rendas municipais, 113 2.5 Alíquota, 173
4. Intervenção do Estado no Município 2.6 Lançamento, 175
4.1 Considerações gerais, 116 2.6.1 Modalidades, 176
4.2 Falta de pagamento de dívida fundada, 119 2.6.1.1 Lançamento por declaração, 176
4.3 Falta de prestação de contas, 120 2.6.1.2 Lançamento de oficio, 176
4.4 F alta de aplicação da percentagem constitucional da receita de impos- 2.6.1.3 Lançamento por homologação, 177
tos na manutenção e desenvolvimento do ensino e em ações e serviços 2.6.2 Revisão, 177
públicos de saúde, 122 2.6.3 Atualização de valores imobiliários, 179
4.5 Inobservância dos princípios indicados na Constituição Estadual, 2.6.4 Recursos contra lançamentos, 179
descumprimento de lei, ordem ou decisão judicial, 123 2.7 Crédito tributário, 181
2.7.1 Exigibilidade, 181
Capítulo IV - O MUNICíPIO BRASILEIRO: CONCEITUAÇÃO,
2.7.2 Extinção, 182
GOVERNO, COMPETÊNCIA E RESPONSABILIDADE
2.7.3 Pagamento,183
1. Conceituação do Município Brasileiro, 127 2.7.4 Decadência, 184
2. O Município como pessoa jurídica de direito público interno, 128 2.7.5 Prescrição, 185
3. O Município como entidade estatal, 130 2.7.6 Demais modalidades de extinção, 186
4. A repartição das competências na Constituição da República, 133 2.7.7 Exclusão, 187 .
5. A competência do Município em assuntos de interesse local, 136 2.7.8 Anistia, 188
6. Composição do governo municipal, 138 2.7.9 Cobrança judicial, 188
20 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO SUMÁRIO 21

2.8 Imunidade e isenção, 190 3.2.7 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, 251
2.8.1 Isenções unilaterais, 193 3.2.8 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
2.8.2 Isenções bilaterais, 194 e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), 254
2.8.3 Isenções subjetivas, 195 3.2.9 Fundo Municipal da Saúde, 257
2.8.4 Isenções objetivas, 195 3.2.10 Outros Fundos, 258
2.8.5 Isenções mistas, 195 3.3 Tributos comuns, 258
2.9 Incidência e não-incidência, 195 3.3.1 Taxas diversas, 259
2.10 Bitributação e "bis in idem", 196 3.3.2 Contribuição de melhoria, 262
2.Jl Parafiscalidade, extrafiscalidade, 198 3.4 Outras receitas, 265
2.12 Normas gerais de direito financeiro e de direito tributário, 201 3.4.1 Preços, 265
3. Tributos e outras receitas municipais, 207 3.4.2 Empréstimos, 266
3.1 Tributos privativos, 209 3.4.3 Emissão e venda de títulos da dívida pública, 270
3.1.1 Imposto predial e territorial urbano (IPTU), 209 3.4.4 Financiamentos, 271
3.1.1.1 Zona urbana, 211 3.4.5 Auxílios e subvenções, 271
3.1.1.2 Incidência, 213 4. Orçamentos municipais
3.1.1.3 Alíquota, 214 4.1 Considerações gerais, 274
3.1.1.4 Base de cálculo, 216 4.2 Plano plurianual, 275
3.1.1.5 Contribuinte, 217 4.3 Diretrizes orçamentárias, 276
3.1.2 Imposto sobre transmissão "inter vivos" de imóveis e de direi- 4.4 Lei do orçamento anual, 280
tos reais (ITBI), 220 4.5 Principios orçamentários, 281
3.1.2.1 Incidência, 220 4.5.1 Anualidade, 282
3.1.2.2 Base de cálculo, 221 4.5.2 Universalidade, 282
3.1.2.3 Alíquotas, 222 4.5.3 Não-vinculação, 282
3.1.2.4 Contribuinte, 222 4.6 Proposta orçamentária, 283
3.1.3 Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), 222 4.6.1 Mensagem, 283
3.1.3.1 Incidência, 224 4.6.2 Projeto de lei de orçamento, 284
3.1.3.2 Local do recolhimento do imposto, 227 4.6.3 Tabelas explicativas, 285
3.1.3.3 Base de cálculo, 231 4.6.4 Especificação de programas especiais, 285
3.1.3.4 Alíquotas, 234 4.7 Receita, 286
3.1.3.5 Sujeito passivo, 235 4.7.1 Orçamento, 287
3.1.4 Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, 4.7.2. Classificação, 287
237 4.8 Renúncia de receita, 288
3.2 Impostos partilhados, 238 4.9 Despesa, 289
3.2.1 Imposto de renda, 239 4.9.1 Orçamento, 292
3.2.2 Imposto territorial rural (ITR), 240 4.9.2 Empenho, 293
3.2.3 Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), 4.9.3 Liquidação, 294
242 4.9.4 Pagamento, 294
3.2.4 Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias 4.10 Dotação, 296
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e 4.10.1 Vinculação a determinado elemento de despesa, 297
intermunicipal e de comunicação (ICMS), 242 4.10.2 Proibição de transposição de recursos, 297
3.2.5 Imposto sobre produtos industrializados (IPI), 245 4.10.3 Desvio de verba, 298
3.2.6 Fundo de Participação dos Municípios (FPM), 245 4.10.4 Emprego irregular de rendas, 299
3.2.6.1 Instituição e aplicação, 245 4.Jl Transparência, controle efiscalização, 300
3.2.6.2 Cálculo e critério de distribuição das quotas, 247 4.11.1 Controle interno, 301
3.2.6.3 Pagamento das quotas, 249 4.11.1.1 Legalidade, 302
3.2.6.4 Comprovação da aplicação das quotas, 251 4.Jl.1.2 Fidelidade, 303
22 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO SUMÁRIO 23

4.11.1.3 Execução, 303 2.1.3 Outras classificações, 351


4.12 Crime e responsabilidadefiscal, 303 2.1.3.1 Serviços administrativos, 351
2.1.3.2 Serviços gerais ou "uti universi", 351
Capítulo VI - BENS MUNICIPAIS 2.1.3.3 Serviços individuais ou "uti singuli", 352
1. Conceito e classificação dos bens públicos, 306 2.1.3.4 Serviços divisíveis, 353
1.1 Conceito, 306 2.1.3.5 Serviços indivisíveis, 353
1.2 Classificação, 308 2.1.3.6 Serviços compulsórios, 353
1.2.1 Bens de uso comum do povo ou do domínio público, 309 2.1.3.7 Serviçosfacultativos, 353
1.2.2 Bens de uso especial ou do patrimônio administrativo, 309 2.2 Regulamentação e controle, 353
1.2.3 Bens dominiais ou do patrimônio disponível, 310 2.3 Remuneração, 355
2. Administração dos bens municipais, 312 2.4 Requisitos do serviço e direitos do usuário, 355
3. Uso dos bens municipais, 314 2.4.1 Greve nos serviços essenciais, 358
3.1 Uso comum dopovo, 315 2.5 Responsabilidades, 358
3.2 Uso especial, 316 3. Obras públicas, 359
3.2.1 Autorização de uso, 318 3.1 Conceito, 359
3.2.2 Permissão de uso, 318 3.2 Classificação, 360
3.2.3 Concessão de uso, 319 3.3 Contratação, 361
3.2.4 Concessão de direito real de uso e direito de superficie, 321 3.4 Execução, 361
3.2.5 Concessão especial de uso, 323 3.5 Responsabilidades, 362
3.2.6 Cessão de uso, 324 4. Formas de execução, 365
4. Alienação de bens municipais, 326 4.1 Serviços centralizados, descentralizados e desconcentrados, 365
4.1 Venda, 328 4.1.1 Execução direta e indireta, 367
4.2 Doação, 329 4.2 Instrumentos de descentralização, 368
4.3 Dação em pagamento, 330 4.2.1 Autarquias
4.4 Permuta, 330 4.2.1.1 Conceito, 368
4.5 Investidura, 331 4.2.1.2 Caracteres, 371
4.6 Enfiteuse, 333 4.2.1.3 Privilégios, 373
4.7 Concessão de domínio, 336 4.2.1.4 Controle autárquico, 374
4.8 Legitimação de posse, 337 4.2.2 Autarquias de regime especial, 376
5. Imprescritibilidade, impenhorabilidade e não-oneração dos bens munici- 4.2.3 Agências, 377
pais, 338 4.2.4 Agência executiva, 379
5.1 Imprescritibilidade, 338 4.2.5 Agências reguladoras, 380
5.2 Impenhorabilidade, 338 4.2.6 Fundações, 383
5.3 Não-oneração, 339 4.2.6.1 Caracteres, 385
6. Aquisição de bens pelo Município, 341 4.2.7 Empresas estatais ou governamentais
6.1 Forma e requisitos, 343 4.2.7.1 Explicação preliminar, 386
4.2.7.2 Empresas públicas, 394
Capítulo VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 4.2.7.3 Sociedades de economia mista, 397
1. Competência do Município para serviços e obras públicas, 344 4.2.8 Entes de cooperação
1.1 Repartição das competências, 345 4.2.8.1 Entidades paraestatais, conceito e espécies, 401
1.2 Critério do interesse local, 346 4.2.8.2 Serviços sociais autônomos, 401
1.3 Atividadejurídica e social, 347 4.2.8.3 Organizações sociais, 401
2. Serviços públicos, 348 4.2.9 Serviços delegados a particulares, 404
2.1 Conceito e classificação, 349 4.2.9.1 Serviços concedidos, 405
2.1.1 Serviços públicos propriamente ditos, 349 4.2.9.2 Parcerias público-privadas, 420
2.1.2 Serviços de utilidade pública, 349 4.2.9.3 Serviços permitidos, 421
24 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO SUMÁRIO 25

4.2.9.4 Serviços autorizados, 424 1.2 Conceito, 480


4.2.10 Contratação de serviços e obras com terceiros, 425 1.3Razão efundamento, 482
4.2.10.1 Definição do objeto, 425 1.4 Objeto efinalidade, 483
4.2.10.2 Recursosfinanceiros, 426 1.5Extensão e limites, 484
4.2.10.3 Licitação, 427 1.6Atributos, 485
4.3 Convênios e consórcios, 431 1.6.1 Discricionariedade, 485
4.3.1 Convênios, 431 1.6.2 Auto-executoriedade, 486
4.3.2 Consórcios, 433 1.6.3 Coercibilidade, 488
5. Meios de intervenção na propriedade, 435 1. 7 Meios de atuação, 488
5.1 Desapropriação, 436 1.8 Sanções, 490
5.2 Servidão administrativa, 438 1.9 Condições de validade, 491
5.3 Requisição, 442 2. Principais setores de atuação do poder de polícia do Município, 492
5.4 Ocupação temporária, 442 2.1 Polícia sanitária, 492
5.5 Limitação administrativa, 443 2.2 Polícia das construções, 495
6. Principais serviços e obras municipais, 444 2.3 Polícia das águas, 499
6.1 Arruamento, alinhamento e nivelamento, 444 2.4 Polícia da atmosfera, 502
6.1.1 Arruamento, 445 2.5 Polícia das plantas e animais nocivos, 505
6.1.2 Alinhamento, 446 2.6 Polícia dos logradouros públicos, 506
6.1.3 Nivelamento, 447 2.6.1 Segurança, 507
6.2 Aguas e esgotos sanitários, 448 2.6.2 Higiene e moral, 508
6.2.1 Águas (potável e industrial), 448 2.6.3 Conforto e estética, 508
6.2.2 Esgotos sanitários, 450 2.6.4 Publicidade urbana, 509
6.3 Galerias de águas pluviais, 450 2.7 Polícia de costumes, 509
6.4 Pavimentação e calçamento, 451 2.7.1 Conduta pública, 510
6.5 Iluminação pública, 452 2.7.2 Jogos e sorteios, 511
6.6 Trânsito e tráfego, 453 2.7.3 Espetáculos, 512
6.7 Transporte coletivo, 457 2.7.4 Telecomunicação, 512
6.8 Estradas vicinais, 459 2.8 Polícia de pesos e medidas, 513
6.9 Mercados, feiras e matadouros, 460 2.9 Polícia das atividades urbanas em geral, 515
6.9.1 Mercados, 460 3. Poder de propulsão, 516
6.9.2 Feiras-livres, 463 3.1 Conceito e objetivos, 517
6.9.3 Matadouros, 464
6.10 Serviço funerário, 465 Capítulo IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL
6.11 Segurança urbana, 466 1. Urbanismo
6.12 Educação e ensino, 468 1.1 Conceito e objetivos, 521
6.13 Saúde, higiene e assistência social, 471 1.2 Direito urbanístico, 525
6.13.1 Saúde pública, 472 1.3 Naturezajurídica das limitações urbanísticas, 526
6.13.2 Higiene pública, 472 1.4 Competência estatal em assuntos urbanísticos, 530
6.13.3 Assistência social, 475 1.4.1 Competência da União: diretrizes para o desenvolvimento
6.14 Limpeza de vias e logradouros públicos e coleta de lixo, 476 urbano e normas gerais de Urbanismo, 531
6.15 Esporte, lazer e recreação, 477 1.4.1.1 Diretrizes para o desenvolvimento urbano, 531
6.16 Saneamento básico e a Lei 11.445, de 5.1.2007, 477 1.4.1.2 Normas gerais de Urbanismo, 531
1.4.2 Estatuto da Cidade, 534
Capítulo VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 1.4.2.1 Instrumentos da política urbana, 536
1. Considerações gerais, 479 1.4.2.2 Parcelamento, edificação ou utilização compulsó-
1.1 Origens e evolução, 479 rios, 537
I 26 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO sUMÁRIo 27

1.4.2.3 IPTU progressivo no tempo, 537 4.3 Restauração dos elementos destruídos, 589
1.4.2.4 Desapropriação com pagamento em títulos, 538 4.4 Ação civil pública para proteção ambiental, 590
1.4.2.5 Usucapião especial de imóvel urbano, 538 4.5 Infrações penais e administrativas contra o meio ambiente, 591
1.4.2.6 Concessão de uso especial para fins de moradia, 540
1.4.2.7 Direito de superficie, 540 Capítulo X - SERVIDORES MUNICIPAIS
1.4.2.8 Direito de preempção, 541 1. Considerações gerais, 593
1.4.2.9 Outorga onerosa do direito de construir e de altera- 1.1 Servidores públicos municipais, 594
ção de uso, 542 1.1.1 Agentes políticos, 595
1.4.2.10 Operações urbanas consorciadas, 543 1.1.2 Servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, 595
1.4.2.11 Transferência do direito de construir, 544 1.1.3 Empregados públicos, 596
1.4.2.12 Estudo de impacto de vizinhança, 545

I
1.lA Servidores contratados por tempo determinado, 597
1.4.2.13 Gestão democrática da cidade, 545 1.2 Regimejurídico,598
1A.3 Competência dos Estados-membros e do Distrito Federal: 1.2.1 Limites e controle de despesa com pessoal, 600
plano estadual e normas regionais de Urbanismo, 547 1.2.2 Sistema de previdência social do servidor, 604
f AA Competência dos Municípios: plano diretor e ordenamento 2. Organização dos servidores municipais, 607
urbano, 548
2.1 Competência do Município, 607
2. Plano diretor do Município
2.2 Organização legal, 610
2.1 Conceito e objetivos, 549
2.2.1 Conselhos de Política de Administração e Remuneração de
2.2 Elaboração e aprovação, 551
Pessoal. Escolas de Governo, 611
2.3 Implantação, 552
2.3 Observância das normas constitucionais, 612
3. Ordenamento urbano, 553
3.1 Regulamentação edilícia, 554 Capítulo XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E
3.2 Delimitação da zona urbana, 559 ATRIBUIÇÕES
3.3 Traçado urbano, 556
1. A Câmara Municipal, 616
3.3.1 Arruamento, 557
3.3.2 Alinhamento, 558 1.1 Natureza da Câmara, 617
3.3.3 Nivelamento, 559 1.2 Funções da Câmara, 617
3.3A Circulação, 559 1.2.1 Função legislativa, 619
3.3.5 Salubridade, 560 1.2.2 Função de controle e fiscalização, 620
3.3.6 Segurança, 560 1.2.3 Função de assessoramento, 623
3.3.7 Funcionalidade, 561 1.2A Função administrativa, 623
3.4 Uso e ocupação do solo urbano, 562 1.3 Prerrogativas da Câmara, 624
3.5 Zoneamento, 564 2. Composição da Câmara, 627
3.5.1 Usos conformes, 565 2.1 Vereadores, 631
3.5.2 Usos desconformes, 566 2.1.1 Atribuições, 631
3.5.3 Usos tolerados, 566 2.1.2 Mandato, 633
3.5A Zonas residenciais, 566 2.1.3 Prerrogativas, 636
3.5.5 Zonas comerciais, 567 2.1.3.1 Prerrogativas regimentais, 636
3.5.6 Zonas industriais, 567 2.1.3.2 Inviolabilidade, 636
3.5.7 Zonas mistas, 569 2.1.3.3 Prisão especial, 638
3.6 Loteamento, 569 2.1A Remuneração, 639
3.7 Controle das construções, 574 2.1.5 Licença, 641
3.8 Estética urbana, 576 2.1.6 Perda do mandato, 643
4. Proteção ambiental, 579 2.2 Mesa da Câmara
4.1 Controle da poluição, 582 2.2.1 Natureza e composição da Mesa, 644
4.2 Preservação dos recursos naturais, 584 2.2.2 Presidente, 648
28 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
sUMÁRIo 29

2.2.3 Outras atribuições do presidente, 650


3.1.8.6 Inciso, 685
2.2.3.1 Interpretação do regimento, 651 3.1.8.7 Alínea,685
2.2.3.2 Promulgação de leis e outros atos, 651 3.2 Elaboração do regimento interno, 687
2.2.3.3 Posse do prefeito, vice-prefeito e suplentes, 652 3.3 Eleição da Mesa, 688
2.2.3.4 Declaração de extinção de mandatos, 653 3.4 Apreciação de veto, 689
2.2.3.5 Chefia dos serviços da Câmara, 654 3.5 Votação das leis orçamentárias, 690
2.2.3.6 Requisição de numerário da Câmara, 654 3.6 Autorização para abertura de créditos, 694
2.2.3.7 Requisição deforça, 655
3.7 Tomada de contas do prefeito e do presidente da Mesa, 695
2.2.4 Atribuições de outros membros da Mesa, 656 3.8 Pedidos de informações e de comparecimento do prefeito à Câmara,
2.2.5 Dualidade de Mesas, 657
2.3 Plenário, 657 698
3.9 Autorização para empréstimos, subvenções, concessões e permissões,
2.3.1 Recinto legal, 658
2.3.2 Sessão, 659 699
3.10 Autorização para alienação de imóveis, 702
2.3.3 "Quorum", 660
3.11 Autorização para convênios e consórcios, 704
2.3.3.1 Maioria absoluta, 661
3.12 Autorização para isenção de tributos e perdão de dívida ativa, 706
2.3.3.2 Maioria simples, 661
3.13 Aprovação do plano diretor, 708
2.3.3.3 Maioria qualificada, 661
3.14 Representação a autoridades federais, estaduais e municipais, 710
2.4 Comissões legislativas, 662
3.15 Fixação do subsídio dos vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e dos
2.4.1 Comissões permanentes, 663
secretários municipais, 711
2.4.1.1 Pareceres, 665
3.15.1 Subsídio dos vereadores, 711
2.4.1.2 Composição, 665
3.15.2 Subsídio do prefeito, 712
2.4.2 Comissões especiais, 666
3.15.3 Subsídio do vice-prefeito, 713
2.4.2.1 Comissões especiais de estudos, 666 3.15.4 Subsídio dos secretários municipais, 713
2.4.2.2 Comissões de inquérito, 667 3.16 Deliberação sobre licença de vereadores e do prefeito, 713
2.4.2.3 Comissões especiais de representação social, 669 3.17 Cassação de mandato de prefeito e de vereador, 714
2.5 Serviços auxiliares da Câmara, 670
3. Principais atribuições do plenário, 672 Capítulo XII - A PREFEITURA E O PREFEITO:
3.1 Votação de leis e outras proposições, 672 ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES
3.1.1 Lei, 672
1. A Prefeitura: órgão executivo do Município, 722
3.1.2 Decreto legislativo, 673
3.1.3 Resolução, 674
2. O prefeito, 725
2.1 Atribuições, 726
3.1.4 Atos legislativos inominados, 674
2.2 Investidura, 728
3.1.5 Processo legislativo, 675
2.3 Posse, 728
3.1.5.1 Iniciativa, 676
2.4 Remuneração, 730
3.1.5.2 Discussão, 677
2.5 Licença eférias, 731
3.1.5.3 Votação, 678
2.6 Controle político-administrativo, 732
3.1.5.4 Sanção e promulgação, 678 2.7 Vice-prefeito e subprefeito, 733
3.1.5.5 Veto, 679
3.1.6 Projetos com prazo para apreciação, 680 3. Principais atribuições do prefeito, 734
3.1.7 Técnica legislativa, 681 3.1 Representação do Município, 737
3.1.8 Forma e redação da lei, 684 3.2 Sanção, promulgação, publicação e veto de leis, 739
3.3 Execução de leis e de outras normas, 742
3.1.8.1 Ementa, 684
3.4 Expedição de decretos e outros atos administrativos, 745
3.1.8.2 Preâmbulo, 684
3.5 Apresentação de projetos de lei, 747
3.1.8.3 Texto, 684
3.6 Administração do patrimônio municipal, 750
3.1.8.4 Artigo, 685
3.7 Elaboração e execução do orçamento, 751
3.1.8.5 Parágrafo, 685
3.8 Abertura de créditos, 757
30 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

3.9 Arrecadação, guarda e aplicação da receita municipal, 761


3.10 Execução de obras e serviços, 764
3.11 Decretação de desapropriações, 768
3.12 Prestação de contas e relatório da administração, 770
3.13 Comparecimento e informações à Câmara, 772
3.14 Convocação extraordinária da Câmara, 774
3.15 Imposição de penalidades administrativas, 775
3.16 Execução da dívida ativa, 776
3.17 Organização e direção do jitncionalismo, 778
3.18 Despacho do expediente, 780
ABREVIATURAS E SIGLAS USADAS
3.19 Publicação dos atos oficiais, 781
3.20 Gestão documental e expedição de certidões, 783 AASP Associação dos Advogados de São Paulo
3.21 Representação a outras autoridades, 785
ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.22 Execução de atribuições delegadas, 787
3.23 Requisição de força policial, 788
AP Ação Popular
4. Responsabilidades do prefeito, 789 BDM- Boletim de Direito Municipal (NDJ-SP)
4.1 Responsabilidade penal, 791 BI Boletim do Interior (SP)
4.1.1 Crimes de responsabilidade, 792 CC Código Civil
4.1.2 Crimes funcionais, 800 CF Constituição Federal
4.1.3 Crimes por abuso de autoridade, 801 CP Código Penal
4.1.4 Crimes comuns e especiais, 802 CPC Código de Processo Civil
4.1.5 Contravenções penais, 803 CPP Código de Processo Penal
4.1.6 Prerrogativas processuais, 803 CTN Código Tributário Nacional
4.2 Responsabilidade político-administrativa, 804 DJU - Diário da Justiça da União
4.2.1 Infrações político-administrativas, 805 DOU - Diário Oficial da União
4.3 Infrações administrativas contra as leis definanças públicas, 807 EC - Emenda Constitucional
4.4 Responsabilidade civil, 808
JSTF - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Lex
Bibliografia, 811 JTJ - Jurisprudência do Tribunal de Justiça
LC Lei Complementar
Índice alfabético-remissivo, 835 MP Ministério Público ou Medida Provisória
A1PAJ Município Paulista - Aspectos Jurídicos (SP)
MS Mandado de Segurança
RAM- Revista de Administração Municipal (RJ)
RDA- Revista de Direito Administrativo (RJ)
RDI - Revista de Direito Imobiliário (SP)
RDM- Revista de Direito Municipal (RS)
RDP Revista de Direito Público (SP)
RDPG Revista de Direito da Procuradoria-Geral (RJ)
RE Recurso Extraordinário
REsp Recurso Especial
RF Revista Forense (RJ)
RJTJSP Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São
Paulo
RPGE Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (SP)
32 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

RT - Revista dos Tribunais (SP)


RTDP - Revista Trimestral de Direito Público (SP)
RTFR - Revista do Tribunal Federal de Recursos
RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência (DF)
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TA Tribunal de Alçada
TCE Tribunal de Contas do Estado Capítulo!
TCU Tribunal de Contas da União
TFR Tribunal Federal de Recursos (extinto) ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO
TJ Tribunal de Justiça
TRE Tribunal Regional Eleitoral 1. Origens e evolução do Município: 1.1 O Município na Antigüidade -
TRF Tribunal Regional Federal 1.2 O Município na atualidade. 2. O Município no Brasil-Colônia. 3. O
TSE Tribunal Superior Eleitoral Município na Constituição Imperial de 1824. 4. O Município na Consti-
tuição de 1891. 5. O Município na Constituição de 1934. 6. O Município
na Constituição de 1937. 7. O Município na Constituição de 1946. 8. O
NOTA Município na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional de 1969.
9. O Município na Constituição de 1988. 10. Posição atual do Município
Nas citações de livros e revistas, o primeiro número indica o volume, e Brasileiro. 11. O regime municipal brasileiro em confronto com o de ou-
o segundo, após a barra, a página. tros países: 11.1 Estados Unidos-11.21nglaterra -11.3 Alemanha-11.4
Na indicação de acórdãos da Justiça estadual, aditamos à sigla do Tri- França - 11.5 Itália - 11.6 Portugal - 1l. 7 Espanha - 11.8 Argentina.
bunal a do Estado a que pertence.
Para facilidade de consulta, repetimos a indicação de acórdãos quando 1. Origens e evolução do Município
publicados em diversas revistas.
1.1 O Município na Antigüidade
O Município, como unidade político-administrativa, surgiu com a
República Romana, interessada em manter a dominação pacífica das ci-
dades conquistadas pela força de seus exércitos. Os vencidos ficavam su-
jeitos, desde a' derrota, às imposições do Senado, mas, em troca de sua
sujeição e fiel obediência às leis romanas, a República lhes concedia cer-
tas prerrogativas, que variavam de simples direitos privados (jus connubi,
jus commerci etc.) até o privilégio político de eleger seus governantes e
dirigir a própria cidade (jus suffragii). As comunidades que auferiam essas
vantagens eram consideradas Municípios (municipium) e se repartiam em
duas categorias (municipia caeritis e municipia foederata), conforme a
maior ou menor autonomia de que desfrutavam dentro do Direito vigente
(jus italicum).
Nessas cidades o governo era eleito pelos homens livres, conside-
rados cidadãos do Município (cives municipes), em contraste com outra
categoria formada pelos estrangeiros (incolae), que, por originários da re-
gião dominada, eram tidos como peregrinos, sem direito a voto.
34 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 35

A administração de tais cidades efetivava-se por um colégio de dois nomia e lhe defere maiores ou menores incumbências administrativas no
a quatro magistrados investidos de supremo poder e particularmente da âmbito local. O inegável é que na atualidade o Município assume todas
administração da justiça (duumviri juridicundo ou quatuorviri juridicun- as responsabilidades na ordenação da cidade, na organização dos serviços
do), auxiliados por magistrados inferiores, encarregados administrativos públicos locais e na proteção ambiental de sua área, agravadas a cada dia
e de polícia (aediles). Além destes, integravam o governo municipal o pelo fenômeno avassalador da urbanização, que invade os bairros e de-
encarregado da arrecadação (quaestor ou exactor), o encarregado da fis- grada seus arredores com habitações clandestinas e carentes dos serviços
calização dos negócios públicos (curator), o defensor da cidade (defensor públicos essenciais ao bem-estar dessas populações.
civitatis), os notários (actuarii) e os escribas (scribae), que auxiliavam os O gigantismo das cidades modernas e os problemas do campo des-
magistrados. truíram as relações de vizinhança e o espírito comunitário que caracte-
As leis locais (edictus) emanavam de um Conselho Municipal (Curia rizavam os Municípios da Antigüidade. Essa nova realidade é universal
ou Ordo Decurionum), constituído de elevado número de cidadãos do Mu- e transformadora da administração convencional das Municipalidades,
nicípio (cives municipes), escolhidos periodicamente (duoviri quinquen- como acentuam os mais autorizados municipalistas contemporâneos. 3
nales) e com funções assemelhadas às do Senado Romano. Do passado restou apenas a tradição romana dos edis e dos medievais
No ano 79 uma lei de Júlio César - Lex Julia Municipalis - estendeu Conselhos dos Homens Livres, hoje modernizada nas Câmaras de Verea-
esse regime a todas as Colônias da Itália, e mais tarde, nas invasões de dores, representativas da comunidade local e fiscalizadoras da conduta do
Sylla, o mesmo sistema de governo foi adotado nas Províncias conquista- Executivo Municipal.
das da Grécia, Gália e Península Ibérica. 1 Assim, as atribuições edilícias da Antigüidade, meramente adminis-
Assim, o regime municipal chegou à França, Espanha e Portugal, e trativas da urbe, transformaram-se em funções político-administrativas do
paulatinamente se foi modificando, sob a dominação bárbara que sucedeu Município da atualidade, abrangentes de todos os setores urbanos e dos
à hegemonia romana. aspectos rurais que interfiram na vida da cidade. A administração muni-
cipal contemporânea não se restringe apenas à ordenação da cidade, mas
Na Idade Média o Conselho de Magistrados foi substituído pelo Co-
se estende a todo o território do Município - cidade/campo - em tudo que
légio dos Homens Livres, a que os germânicos denominaram Assembléia
concerne ao bem-estar da comunidade.
Pública de Vizinhos (Conventus Publicus Vicinorum), com a tríplice fun-
ção administrativa, policial e judicial. Os invasores visigóticos mantiveram
essa instituição, introduzindo-se posteriormente algumas modificações de 2. O Município no Brasil-Colônia4
inspiração árabe na organização administrativa dos Municípios de então
(Comunas), tais como o pagamento de tributos pelos munícipes (monera) O Município Português foi transplantado para o Brasil-Colônia com
e a criação dos cargos de alcaides, alvacis e almotacéis. as mesmas organização e atribuições políticas, administrativas e judiciais
Como o Município Romano, a Comuna Portuguesa passou a de-
sempenhar funções políticas e a editar suas próprias leis, de par com as 3. Sobre o Município contemporâneo v.: Rafael Bielsa, Cuestiones de Adminis-
tración Municipal, Buenos Aires, 1930, e também Principios de Régimen Municipal,
atribuições administrativas e judicantes que lhe eram reconhecidas pelos Buenos Aires, 1962; Alcides Greca, Derecho y Ciencia de la Administración Munici-
senhores feudais. 2 pal, Santa Fé, 1943 (4 vs.); Fairlie e Kneier, County Government andAdministration,
Nova York, 1950; Mario Bernaschina Gonzales, Derecho Municipal Chileno, Santiago,
1952; Fernando Albi, Derecho Municipal Comparado dei Mundo Hispánico, Madri,
1.2 O Município na atualidade 1955, e também La Crisis de! Municipalismo, Madri, 1966; Roger Garreau, Le "Local
Government" en Grande Bretagne, Paris, 1959; Salvador Dana Montano, Estudios de
O Município no mundo moderno diversificou-se em estrutura e atri- . Política y Derecho Municipal, Maracaibo, 1962; León Morgand, La Loi Municipale,
buições, ora organizando-se por normas próprias, ora sendo organizado Nancy, 1963; Otto Gonnenwein, Derecho Municipal Alemán, trad. de Saenz-Sagaseta,
pelo Estado segundo as conveniências da Nação, que lhe regula a auto- Madri, 1967; Maurice B ourj 01, La Ré/orme Municipale, Paris, 1975; Daniel Hugo
Martins, El Municipio Contemporáneo, Montevidéu, 1979.
1. Mayns, Droit Romain, v. I, §§ 30, 37 e 58. 4. Sobre a história do Município no Brasil v.: Tavares Bastos, A Província, 1870;
2. Alexandre Herculano, História de Portugal, lª ed., v. VII. Carneiro Maia, O Município; 1883; Levindo Ferreira Lopes, Câmaras Municipais,
36 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 37

que desempenhava no Reino. Sob a vigência das três Ordenações - Afon- No período colonial a expansão municipalista foi restringida pela
sinas, Manuelinas e Filipinas - que regeram o Brasil até a Independência idéia centralizadora das Capitanias, afogando as aspirações autonômicas
(1822), nossas Municipalidades foram constituídas uniformemente por dos povoados que se fundavam e se desenvolviam mais pelo amparo da
um presidente, três vereadores, dois almotacéis e um escrivão. Além des- Igreja que pelo apoio dos donatários. Mesmo assim, as Municipalidades
ses encarregados administrativos, serviam junto à Câmara um juiz de fora de então tiveram inegável influência na organização política que se ensaia-
vitalício e dois juízes comuns, eleitos com os vereadores. 5 va no Brasil, arrogando-se, por iniciativa própria, relevantes atribuições
de governo, de administração e de justiça. Realizavam obras públicas, es-
1884; Cortines Laxe, Regimento das Câmaras Municipais, 1885; Castro Nunes, Do tabeleciam posturas, fixavam taxas, nomeavamjuízes-aImotacéis, recebe-
Estado Federado e sua Organização Municipal, 1920; Fernando Antunes, Do Muni- dores de tributos, depositários públicos, avaliadores de bens penhorados,
cípio Brasileiro, 1926; Max Fleius, História Administrativa do Brasil, 1928; Orlando alcaides-quadrilheiros, capitães-mores de ordenanças, sargentos-mores,
de Carvalho, Política do Município, 1946; Edmundo Zenha, O Município no Brasil,
1948; Carvalho Mourão, "Os Municípios", Revista do Instituto Histórico e Geográfico capitães-mores de estradas, juízes da vintena e tesoureiros-menores. Jul-
Brasileiro, tomo especial do I Congresso de História Nacional, parte m, pp. 305 e ss.; gavam injúrias verbais, e não raras vezes, num incontido extravasamen-
Manuel de Çarvalho Barroso, ''Notícia acerca da história administrativa da cidade do to de poder, chegaram essas Câmaras a decretar a criação de arraiais, a
Rio de Janeiro", Revista de Direito da Procuradoria-Geral da Prefeitura do (então) convocar "juntas do povo" para discutir e deliberar sobre interesses da
Distrito Federal I/86 e ss. Capitania, a exigir que governadores comparecessem aos seus povoados
Sobre o Município Brasileiro atual v.: Arruda Viana, O Município e a sua Lei
Orgânica, São Paulo, 1950; Machado Vila, O Município no Regime Constitucional Vi-
para tratar de negócios públicos de âmbito estritamente local, a suspender
gente, Porto Alegre, 1952; Martins Silva, Direito Público Municipal e Administração governadores de suas funções e até mesmo depô-los, como fez a Câmara
dos Municípios, Belo Horizonte, 1952; Levi Carneiro, Organização dos Municípios e do Rio de Janeiro com Salvador Correia de Sá e Benevides, substituído
do Distrito Federal, Rio de Janeiro, 1953; Yves de Oliveira, Curso de Direito Muni- por Agostinho Barbalho Bezerra.
cipal, Rio de Janeiro, 1958; Machado Paupério, O Município e o seu Regime Jurídico
no Brasil, Rio de Janeiro, 1959; Angelito A. Aiquel, Problemas Jurídicos dos Municí- Essa situação perdurou até a Independência, quando a Constituição
pios, Porto Alegre, 1959; Manoel Ribeiro, O Município na Federação, Salvador, 1960; Imperial de 1824 deu novas diretrizes às Municipalidades Brasileiras.
Diogo Lordelo de Melo, A Moderna Administração Municipal, Rio de Janeiro, 1960;
Dalmo de Abreu Dallari, O Município Brasileiro, São Paulo, 1961; Ovídio Bernar-
di, Responsabilidades dos Prefeitos Municipais, São Paulo, 1962; Do Município em 3. O Município na Constituição Imperial de 1824
Juízo, São Paulo, 1964; O Município e a Nova Legislação Federal após a Revolução
de 31 de Março de 1964, São Paulo, 1965, e O Município e o Novo Código de Pro- Com a Constituição Imperial de 25.3.1824 foram instituídas Câma-
cesso Civil, São Paulo, 1976; Arnaldo Malheiros, Manual das Eleições Municípais, ras Municipais em todas as cidades e vilas existentes "e nas mais que
São Paulo, 1963; Hely Lopes Meirelles e Eurico de Andrade Azevedo, Assuntos Mu- para o futuro se criarem" (art. 167), com caráter eletivo e presididas pelo
nicipais, Porto Alegre, 1965; Antônio Tito Costa, O Vereador e a Câmara Municipal, vereador mais votado (art. 168). A estas Câmaras competia "o governo
São Paulo, 1965; Manual do Prefeito, elaborado pelo IBAM para o SENAM, Minis- econômico e municipal das mesmas cidades e vilas" e "especialmente o
tério do Interior, 1967; Encontro de Juristas em São Paulo, "O Município diante da
Emenda Constitucional 1169", RDP 10/289; Paulo Lúcio Nogueira, Administração e exercício de suas funções municipais, formação das suas posturas poli-
Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, São Paulo, 1974; José Afonso da Silva, ciais, aplicação das suas rendas e todas as suas particulares e úteis atribui-
Alanllal do Vereador, 5ª ed., 2004; O Prefeito e o Município, elaborado para o CEPAM, ções", a serem regulamentadas por lei ordinária (art. 169). Essa lei surgiu
Secretaria do Interior de São Paulo, 1977; Eugênio Franco Montoro, O Município na em 1.10.1828, disciplinando o processo da eleição dos vereadores e juízes
Constituição Brasileira, São Paulo, 1976; J. Cretella Júnior, Direito Municipal, São de paz e catalogando todas as atribuições da novel corporação; mas - com
Paulo, 1976; Cícero Dumont, Organização Municipal Comparada, Belo Horizonte,
1976; Wolgran Junqueira Ferreira, Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, São
surpresa para os que tinham lobrigado a autonomia municipal nos dispo-
Paulo, 1978; José Nilo de Castro, Direito Municípal- Direito Metropolitano, Belo sitivos constitucionais - trouxe ela para as Municipalidades a mais estrita
Horizonte, 1979; Armando Marcondes Machado Júnior, Direito Municipal, São Paulo, subordinação administrativa e política aos presidentes das Províncias. As-
1984; Antônio Tito Costa, Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, São Paulo, sim, as franquias locais, que repontavam na Carta Imperial, feneciam na
1988; Adílson de Abreu Dallari, "O Município na Constituição de 1988", Boletim de lei regulamentar.
Direito Municipal 8/89, NDJ; Diomar Ackel Filho, "A autonomia municipal na nova
Constituição", RT 635/37. O centralismo provincial não confiava nas administrações locais, e
5. Cândido Mendes, Código Filipino, 1~ ed., pp. 46, 134 e 144. poucos foram os atos de autonomia praticados pelas Municipalidades,
38 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 1- ORlGENS E EVOLUÇÃO DO MUNIcíPIO 39

que, distantes do poder central e desajudadas pelo governo da Província, putado Romão Ataíde, que restituía as atribuições judicantes às Câmaras
minguavam no seu isolamento, enquanto os presidentes provinciais cor- (1857); o do Marquês de Olinda, que opinava pela separação das funções
tejavam o imperador, e o imperador desprestigiava os governos regionais, administrativas das deliberativas (1862); o do Visconde de São Vicen-
na ânsia centralizadora que impopularizava o Império. 6 te, que propunha a criação de Conselhos de Presidência nas Províncias
Na vigência da Lei Regulamentar de 1828, que perdurou até a Re- (1867); o do deputado Paulino de Souza, que entregava ao presidente da
pública, as Municipalidades não passaram de uma divisão territorial, sem Câmara o Executivo Municipal (1869); e, finalmente, o do senador Carrão
influência política e sem autonomia na gestão de seus interesses, ante a ex- (1882), que outorgava às Assembléias Legislativas provinciais a atribui-
pressa declaração daquele diploma legal de que as Câmaras eram corpora- ção de nomear prefeito para as cidades e vilas. A despeito da iniciativa
ções meramente administrativas (art. 24). Desprestigiadas politicamente, desses parlamentares e da acerba crítica dos publicistas de então ao espí-
jungidas à Província e despojadas do poder judicante, as Municipalidades rito centralizador e à sufocante uniformidade que a Lei Regulamentar de
do Império contrastaram gritantemente com a organização anterior, do 1828 impunha às Municipalidades, o malfadado diploma resistiu incólu-
Município colonial, que desfrutava de franquias mais largas e consentâneas me até a proclamação da República, com todo seu cortejo de malefícios
com suas finalidades. Esse sufocamento das Municipalidades tomou-se aos Municípios do Império.?
tão evidente que o Ato Adicional (Lei 16, de 12.8.1834), ao reformar a
Constituição Imperial de 1824, enveredou pela descentralização, mas in- 4. O Município na Constituição de 1891
correu em igual erro ao subordinar as Municipalidades às Assembléias
Legislativas provinciais em questões de exclusivo interesse local (art. 10). Proclamada a República, o Decreto 1, de 15.11.1889, declarou os
Mais tarde, em 12.5.1840, a Lei 105 procurou remediar o mal, dando inter- Estados-membros soberanos, ao invés de afirmá-los autônomos, e daí
pretação mais ampla a dispositivos do Ato Adicional, de modo a restituir veio a imprecisão da técnica de muitas Constituições Estaduais (Bahia,
algumas franquias ao Município. Nem assim ficaram as Municipalidades Piauí, São Paulo), que repetiram tal erro no seu texto. Serenados os âni-
aptas a uma boa administração, porque a Lei Regulamentar de 1828, que mos, verificaram os republicanos que os Estados, no regime federativo,
uniformizara toda a organização dos Municípios, não lhes dava órgãos são autônomos, como também os Municípios, com a só diferença de que
adequados às suas funções. Não havia um agente executivo próprio do o Estado-membro participa da soberania da União, porque a integra como
Município; exercia parcialmente essas atribuições o procurador, que era elemento vital de sua organização, ao passo que o Município desfruta de
mero empregado da Câmara (art. 80). Afora o procurador, cuja atribuição uma autonomia local, outorgada pela Constituição. 8
principal era a de arrecadar e aplicar as rendas do Conselho e postular em Coerente com este princípio federativo, a Constituição da República
nome da Câmara perante os juízes de paz (art. 81), integravam-na nove ve- determinou que os Estados se organizassem "de forma a assegurar a auto-
readores, um porteiro e um ou mais fiscais de suas posturas, e respectivos nomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse"
suplentes (arts. 82-83). (art. 68). Com tal liberdade, as Constituições Estaduais modelaram seus
Na organização das Municipalidades não havia prefeito - cargo, este, Municípios, com maior ou menor amplitude na administração, em termos
que só foi criado pela Província de São Paulo, pela Lei 18, de 11.4.1835, que lhes asseguravam a autonomia pregada na Lei Magna. 9 As leis orgâ-
com o caráter de delegado do Executivo, e de nomeação do Presidente da nicas reafirmaram o princípio e discriminaram as atribuições municipais,
Província. A inovação foi tão bem recebida que a Regência a recomendou, mas todo esse aparato de autonomia ficou nos textos legais.
pelo Decreto de 9 de dezembro do mesmo ano, às demais Províncias, sen- Durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891 não houve
do o exemplo logo seguido pelo Ceará, Pernambuco e Alagoas. autonomia municipal no Brasil. O hábito do centralismo, a opressão do
Daí por diante amiudaram-se os projetos de reforma da administra- coronelismo e a incultura do povo transformaram os Municípios em feu-
ção municipal, com ampliação de órgãos e concessão de franquias aos dos de políticos truculentos, que mandavam e desmandavam nos "seus"
governos locais, merecendo destaque o do Marquês de Monte Alegre, que
instituía agentes especiais do governo nas cidades e vilas (1850); o do de- 7. Tavares Bastos, A Província, cit.; Carneiro Maia, O Município, 1883.
8. Amaro Cavalcanti, Regime Federativo e a República Brasileira, pp. 86 e ss.
6. Pandiá Calógeras, Formação Histórica do Brasil, p. 143. 9. Castro Nunes, Do Estado Federado ... , pp. 63 e ss.
40 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 41

distritos de influência, como se o Município fosse propriedade particular e 6. O Município na Constituição de 1937
o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder.
O golpe ditatorial de 10.11.1937 impôs um novo regime político ao
Os prefeitos eram eleitos ou nomeados ao sabor do governo estadual, Brasil. Misto de corporativismo e socialismo, temperado com algumas
representado pelo "chefe" todo-poderoso da "zona". As eleições eram de franquias democráticas, o Estado Novo - como o denomin~u seu criad~r
antemão preparadas, arranjadas, falseadas ao desejo do "coronel". As opo- _ caracterizou-se pela concentração de poderes no Executivo, ou, mms
sições que se esboçavam no Interior viam-se aniquiladas pela violência propriamente, nas mãos de seu instituidor. Feriu fundo a autonomia mu-
e pela perseguição política do situacionismo local e estadual. Não havia nicipal, cassando a eletividade dos prefeitos, para só a conced~r. a~s
qualquer garantia democrática. E nessa atmosfera de opressão, ignorân- vereadores (arts. 26-27). Manteve a discriminação das rendas mUnICIpaIS
cia e mandonismo o Município viveu quatro décadas, sem recurso, sem nos moldes da Constituição anterior, menos quanto ao imposto cedular
liberdade, sem progresso, sem autonomia. Tal situação foi magistralmente sobre a renda de imóveis rurais. A se aplicar o regime do Estado Novo
focalizada por Víctor Nunes Leal em obra que traduz fielmente a política as Municipalidades só teriam funções deliberativas próprias, visto que as
municipalista brasileira até 1946. 10 atribuições executivas incumbiam ao prefeito nomeado pelo governador
do Estado. Na realidade, nunca se obedeceu àquela Constituição na parte
5. O Município na Constituição de 1934 concernente à composição das Câmaras.
Ao golpe de 10 de novembro seguiu-se um regime interventorial nos
Com a Revolução de 1930 e a deposição dos homens da Primeira Re- Estados e nos Municípios. O interventor era um preposto do ditador, e os
pública as idéias sociais-democráticas fizeram escola na opinião pública prefeitos, prepostos do interventor. Todas as atribuições municipais enfei-
brasileira e vieram a se refletir na Constituição de 16.7.1934, que teve para xavam-se nas mãos do prefeito, mas acima dele pairava soberano o Con-
o Municipalismo o sentido de um renascimento. A experiência do regime selho Administrativo estadual, órgão controlador de toda a ~tividade mu-
anterior demonstrou que não bastava a preservação do princípio autonô- nicipal, que entravava eficientemente as iniciativas locais. Aquele tempo
mico na Carta Magna para sua fiel execução. Era necessário muito mais. os interesses municipais ficaram substituídos pelo interesse individual do
Precisavam as Municipalidades não só de governo próprio mas - antes e prefeito em se manter no cargo à custa de subserviência às interventorias.
acima de tudo - de rendas próprias, que assegurassem a realização de seus Instituiu-se, então, um sistema de subalternidade nacional, que descia
serviços públicos e possibilitassem o progresso material do Município. do ditador ao mais modesto funcionário público, todos preocupados em
Fiel a essa orientação, a Constituinte de 1934 inscreveu como princípio agradar o "chefe" e esquecidos de seus deveres para com a coletividade. O
constitucional a autonomia do Município em tudo quanto respeite ao seu código das Municipalidades era o Decreto-lei federal 1.202, de 8:4.1939,
peculiar interesse, e especialmente a eletividade do prefeito e dos verea- modificado substancialmente pelo de n. 5.511, de 21.5.1943 - dIplomas,
dores, a decretação de seus impostos e a organização de seus serviços estes , passíveis das mais sérias censuras, inclusive a da inconstitucionali-
11
(art. 13). dade , como bem observa um de seus autorizados comentadores.
Depois de dar os lineamentos da autonomia, concretizando-a em pro- Pode-se afirmar, sem vislumbre de erro, que no regime de 1937 as
vidências, passou a Constituição de 1934 a discriminar as rendas perten- Municipalidades foram menos autônomas que sob o centralismo imperial,
centes ao Município (art. 13, § 22 , I-V). Pela primeira vez uma Constitui- porque na Monarquia os interesses locais eram debatidos nas Câmaras de
ção descia a tais minúcias para resguardar um princípio tão decantado na Vereadores e levados ao conhecimento dos governadores (Lei de 1828)
teoria quanto esquecido na prática dos governos anteriores. A brevíssima ou das Assembléias Legislativas das Províncias (Ato Adicional de 1834),
vigência da Constituição de 1934 não permitiu uma apreciação segura dos que proviam a respeito, ao passo que no sistema interventorial do E~tado
resultados das inovações (delineamento da autonomia e discriminação das Novo não havia qualquer respiradouro para as manifestações locaIS em
rendas municipais) introduzidas na esfera municipal. prol do Município, visto que os prefeitos nomeados governavam discricio-

10. Coronelismo, Enxada e Voto (o Município e o Regime Representativo no 11. Océlio de Medeiros, O Governo Municipal no Brasil, p. 90, e Reorganização
Brasil), Rio de Janeiro, 1948. Municipal, Capítulo V.
42 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICípIO 43

nariamente, sem a colaboração de qualquer órgão local de representação 8. O Município na Constituição de 1967
popular. e na Emenda Constitucional de 1969
A Constituição de 4.1.1967 e sua Emenda 1, de 17.10.1969, carac-
7. O Município na Constituição de 1946 terizaram-se pelo sentido centralizador de suas normas e pelo reforço de
poderes do Executivo. Ambas mantiveram o regime federativo e assegu-
Deposto o governo ditatorial, pelo movimento das Forças Armadas
raram a autonomia estadual e municipal, porém em termos mais restritos
de 29.10.1945, renasceu para o Brasil o ideal democrático, já agora de-
do que as anteriores Constituições da República.
purado pela dura experiência dos anos de opressão e influenciado pela
vitória das democracias sobre o totalitarismo europeu e asiático. A re- Os atos institucionais e as emendas constitucionais que a sucederam
constitucionalização do país processou-se num clima de garantias e sere- limitaram as franquias municipais no tríplice plano político, administrati-
nidade, entregue como fora o governo à Magistratura, Federal e Estadual, vo e financeiro.
que presidiu as eleições. Na Constituinte o Municipalismo ganhou corpo A EC 1, de 1969, manteve a autonomia municipal pela eleição di-
e veio a se refletir na Constituição de 1946 sob o tríplice aspecto político, reta dos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores (art. 15, I); pela adminis-
administrativo e financeiro. Impressionados com a hipertrofia do Exe- tração própria no que respeite ao peculiar interesse do Município (art.
cutivo no regime anterior, os novos legisladores promoveram eqüitativa 15, II); pela decretação e arrecadação dos tributos de sua competência
distribuição dos poderes e descentralizaram a administração, repartindo- e aplicação de suas rendas (art. 15, lI, "a"); pela organização dos servi-
a entre a União, os Estados-membros e os Municípios, de modo a não ços públicos locais (art. 15, lI, "b"). Mas tornou obrigatória a nomeação
comprometer a Federação, nem ferir a autonomia estadual e municipal. dos prefeitos das Capitais, das Estâncias Hidrominerais e dos Municípios
Idêntico critério foi adotado quanto à repartição das rendas públicas, que declarados de interesse da Segurança Nacional (art. 15, § l Q , "a"-"b");
já vieram discriminadas (arts. 29-30), para que o legislador ordinário não sujeitou a remuneração dos vereadores aos limites e critérios estabelecidos
modificasse seu destino, em detrimento da Comuna. No âmbito político em lei complementar federal (art. 15, § 2 Q , com a redação dada pela EC 4,
propriamente dito, integrou o Município no sistema eleitoral do país e de 23.4.1975); ampliou os casos de intervenção do Estado no Município
dispôs seus órgãos (Legislativo e Executivo) em simetria com os Poderes (art. 15, § 3 Q, "a"-"f'); limitou o número de vereadores a 21, na proporção
da Nação. do eleitorado local (art. 15, § 4 Q ); impôs a fiscalização financeira e orça-
mentária mediante o controle interno da Prefeitura e.o controle externo da
Dentro desse esquema, ficou assegurada autonomia política, adminis-
Câmara Municipal, com auxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão
trativa e financeira: pela eleição do prefeito e dos vereadores (art. 28, I);
estadual a que fosse atribuída essa incumbência (art. 16, § 1Q), só admitin-
pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse e
do a rejeição do parecer prévio do Tribunal ou órgão estadual de Contas
especialmente à decretação e arrecadação dos tributos de sua competên-
pela maioria de dois terços dos vereadores que compunham a Edilidade
cia e à aplicação das suas rendas, bem como à organização dos serviços (art. 16, § 2Q ); e, finalmente, limitou a criação de Tribunais de Contas aos
públicos locais (art. 28, II). Além das rendas exclusivas do Município (art. Municípios com população superior a 2 milhões de habitantes e renda
29), a Constituição de 1946 lhe deu participação em alguns tributos arre- tributária acima de 500 milhões de cruzeiros (art. 16, § 3Q ).
cadados pelo Estado e pela União (arts. 15, §§ 2Q e 4Q, 20, 21 e 29).
No campo financeiro a Constituição de 1969 discriminou os impostos
Na distribuição da competência administrativa a Constituição de municipais, reduzindo-os ao de propriedade predial e territorial urbana
1946, fiel à nossa tradição, manteve o princípio dos poderes enumerados, (IPTU - art. 24, I) e ao imposto sobre serviços (ISS - art. 24, lI), mas
delineando o que compete e o que é vedado à União, ao Estado e ao Mu- atribuiu à lei complementar federal o estabelecimento de normas gerais
nicípio na órbita governamental em que se entrecruzam os interesses das de direito tributário e a regulamentação das limitações constitucionais ao
três entidades (arts. 7 Q , VII, 15, 19,20,21,22,23,24,27,28,29,30,31, poder de tributar (art. 18, § l Q). Manteve a faculdade de instituir e arreca-
32,33,151,169, 175, 192, 194, 195,202 e 204). dar taxas e contribuições de melhoria, dentro dos limites conceituais que o
Tais os princípios que informaram nosso regime municipal na Cons- próprio texto fixou para as três entidades estatais tributantes (art. 18, I-lI);
tituição de 1946. proibiu que se tomasse para base de cálculo da taxa o mesmo elemento
44 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 45

que tivesse servido para incidência de imposto (art. 18, § 2º); vedou a Es- inclusive, o poder de elaborar sua lei orgânica (Carta Própria), anterior-
tados e Municípios a instituição de empréstimo compulsório (art. 18, § 3º); mente adotada apenas pelo Estado do Rio Grande do Sul, desde a Lei Júlio
e, por derradeiro, criou restrições ao endividamento, externo e interno, de de Castilhos, de 12.1.1897. Extinguiu, também, a nomeação de prefeitos
Estados e Municípios, sujeitando-o a amplo controle pelo Senado Federal para qualquer Município, manteve a eleição direta para vereadores (art.
(art. 42, IVe VI). 29) e vedou a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas muni-
Além dos tributos municipais - impostos, taxas e contribuições de cipais (art. 31, § 4º).
melhoria - acima relacionados, a Constituição de 1969 deu participação Observamos, ainda, que, além da competência privativa do Municí-
aos Municípios no produto de impostos da União e do Estado, a saber: pio para algumas matérias (art. 30), a nova Constituição deu-lhe compe-
no Fundo de Participação dos Municípios (art. 25, lI, e §§ 1º e 2º); no tência comum com a União, os Estados e o Distrito Federal para outras
imposto sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos (art. 26, I); que especifica em seu art. 23. E dentro de sua competência privativa está a
no imposto sobre energia elétrica (art. 26, lI); no imposto sobre minerais de "legislar sobre assuntos de interesse locar' (art. 30, I), em substituição
do país (art. 26, IlI); no imposto sobre circulação de mercadorias (ICM- à tradicional expressão "peculiar interesse", consagrada em todas as Cons-
art. 23, § 8º). Além dessas participações, pertenciam, ainda, ao Município tituições Republicanas anteriores, o que melhor definiu as atribuições pri-
o produto da arrecadação (não o imposto) do imposto territorial rural vativas da Municipalidade.
(ITR), decretado pela União (art. 24, § 1º), e o produto da arrecadação No que concerne aos tributos a Constituição vigente ampliou sua
(não o imposto) do imposto de renda incidente sobre rendimentos do tra- competência impositiva (art. 156) e aumentou sua participação nos im-
balho e de títulos da dívida pública por ele pago, quando obrigado a reter
postos partilhados (arts. 158 e 159, § 3º).
o tributo (art. 24, § 2º).
Essas e outras modificações constitucionais, alteradoras da adminis-
A modificação do sistema tributário introduzida pela Constituição de tração municipal, serão amplamente examinadas, no devido tempo, nos
1969 teve o mérito de distribuir melhor a renda pública entre as três enti-
capítulos seguintes.
dades estatais, mas o critério de atribuição de percentagem fixa e uniforme
(20%) na participação do imposto estadual de circulação de mercadorias
(ICM) criou uma gritante disparidade entre Municípios industrializados 10. Posição atual do Município Brasileiro
e Municípios de predominante atividade agrícola, ficando aqueles em si-
tuação privilegiada em relação a estes. Merece ainda destacar que esse Pelo escorço histórico e constitucional que traçamos até aqui verifica-
sistema tributário, com as limitações constitucionais estabelecidas, cor- se que o conceito de Município flutuou no Brasil ao sabor dos regimes,
rigiu sérias distorções da tributação municipal, impedindo a proliferação que ora alargavam, ora comprimiam suas franquias, dando-lhe liberdade
de impostos e taxas tendo como base de cálculo o mesmo fato gerador, política e financeira ou reduzindo-o à categoria de corporação meramente
apenas com denominações diferentes e impróprias, o que sobrecarregava administrativa, embora todas as Constituições do Brasil inscrevessem em
o contribuinte e tumultuava as finanças municipais. seus textos a tão aspirada autonomia municipal. Essa autonomia, entre-
tanto, até a Constituição de 1946 foi apenas nominal. No regime monár-
quico o Município não a teve, porque a descentralização governamental
9. O lYIunicípio na Constituição de 1988
não consultava aos interesses do imperador; na Primeira República não
De início a Constituição da República de 1988, corrigindo falha das a desfrutou, porque o coronelismo sufocou toda a liberdade municipal e
anteriores, integrou o Município na Federação como entidade de terceiro falseou o sistema eleitoral vigente, dominando inteiramente o governo lo-
grau (arts. 1º e 18) - o que já reivindicávamos desde a 1ª edição desta cal; no período revolucionário (1930-1934) não a teve, por incompatível
obra, por não se justificar sua exclusão, já que sempre fora peça essencial· com o discricionarismo político que se instaurou no país; na Constituição
da organização político-administrativa brasileira. de 1934 não a usufruiu, porque a transitoriedade de sua vigência obstou à
A característica fundamental da atual Carta é a ampliação da auto- consolidação do regime; na Carta Outorgada de 1937 não a teve, porque
nomia municipal no tríplice aspecto político, administrativo e financeiro, as Câmaras permaneceram dissolvidas e os prefeitos subordinados à inter-
conforme estabelecido nos arts. 29-31, 156, 158 e 159, outorgando-lhe, ventoria dos Estados.
46 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 47

Somente a partir da Constituição de 1946 e subseqüente vigência das à eleição do prefeito e dos vereadores (art. 28, I), autoridades políticas,
Cartas Estaduais e leis orgânicas é que a autonomia municipal passou a legislativas e executivas".16
ser exercida de direito e de fato nas administrações locais. A posição atual Já não corresponde à realidade brasileira a afirmativa de Castro Nu-
dos Municípios Brasileiros é bem diversa da que ocuparam nos regimes nes, feita em 1920, de que "o Município não é peça essencial da Federa-
anteriores. Libertos da intromissão discricionária dos governos federal e ção". Não o era na Federação instituída pela Constituição de 1891, plas-
estadual e dotados de rendas próprias para prover os serviços locais, os mada na sua congênere Norte-Americana, que desconhecia e desconhece
Municípios elegem livremente seus vereadores, seus prefeitos e vice-pre- até hoje o Município como entidade estatal. Mas é peça essencialíssima da
feitos e realizam o self-government, de acordo com a orientação política nossa atual Federação, que desde a Constituição de 1946 erigiu o Muni-
e administrativa de seus órgãos de governo. Deliberam e executam tudo cípio Brasileiro em entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessá-
quanto respeite ao interesse local, sem consulta ou aprovação do governo ria ao nosso sistema federativo. A Federação Brasileira não dispensa nem
federal ou estadual. Decidem da conveniência ou inconveniência de to- prescinde do Município na sua organização constitucional. Segue-se, daí,
das as medidas de seu interesse; entendem-se diretamente com todos os que o Município Brasileiro é entidade político-administrativa de terceiro
Poderes da República e do Estado, sem dependência hierárquica à Admi- grau, na ordem descendente da nossa Federação: União - Estados - Mu-
nistração federal ou estadual; manifestam-se livremente sobre os proble- nicípios.
mas da Nação; constituem órgãos partidários locais e realizam convenções Nesta linha de idéias, sustenta Pontes de Miranda que "o Municí-
deliberativas; e suas Câmaras cassam mandatos de vereadores e prefeitos pio [Brasileiro] é entidade intra-estatal rígida, como a União e o Estado-
no uso regular de suas atribuições de controle político-administrativo do membro". E remata com esta advertência: "Fujamos à busca no Direito
governo local. 12 Norte-Americano e Argentino, porque a concepção brasileira de autono-
Em face dessas atribuições já não se pode sustentar, como sustenta- mia municipal é diferente". 17
vam alguns publicistas, ser o Município uma entidade meramente admi- No mesmo sentido expressa-se Lordelo de Melo ao aflITllar que o
nistrativa. 13 Diante de atribuições tão eminentemente políticas e de um Município de hoje "constitui uma ordem política e administrativa inerente
largo poder de autogoverno, sua posição atual no seio da Federação é de ao sistema federal brasileiro, inclusive porque a Constituição estabeleceu,
entidade político-administrativa de terceiro grau, como bem salientavam entre outros pertinentes à matéria, o princípio da intervenção federal nos
os comentadores da Constituição. No dizer de Carlos Maximiliano, "às au- Estados para a defesa da autonomia municipal". 18 E, em substanciosa tese,
toridades locais incumbem a direção administrativa e a supremacia políti- o professor Manoel Ribeiro conclui, com inteiro acerto, que "o Município
ca nos limites do território do Município, nada embaraçada pelos Poderes tem posição eminente na Federação Brasileira. É uma peça essencial".19
mais fortes e estranhos, do Estado ou das circunscrições vizinhas".14 No
Desde a 1ª edição deste livro, sustentamos que o Município Brasileiro
mesmo sentido é a interpretação de Themístocles Cavalcanti ao afirmar
sempre fez parte da Federação. E a Constituição de 1988 assim o declarou
que, "depois de ter assegurado a autonomia política, garantiu a Constitui-
em seus arts. 1º e 18, corrigindo essa falha.
ção a autonomia administrativa, pela administração própria e estribada de
um lado na autonomia financeira e de outro na organização dos serviços
próprios às finalidades institucionais do Município".15 E com a dupla au- 11. O regime municipal brasileiro
toridade de professor de Direito e constituinte de 1946, a quem devemos a em confronto com o de outros países
inclusão de muitas cláusulas municipalistas no texto da nossa Carta Mag-
na, afirma Ataliba Nogueira que "a Constituição de 1946 reconhece que o Vejamos, para confronto com o regime municipal pátrio, alguns sis-
temas estrangeiros, a começar pelos Estados Unidos da América do Norte,
Município é grupo político e é circunscrição administrativa. Daí referir-se

12. V. o Capítulo XII, item 4. 16. O Município e os Munícipes na Constituição de 1946, p. 18.
13. Castro Nunes, Do Estado Federado ... ; Alcides Cruz, Direito Administrativo 17. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, t. 11, p.
Brasileiro, p. 122. 345.
14. Comentários à Constituição Brasileira, v. I, p. 245. 18. A Moderna Administração ... , p. 62.
15. A Constituição Federal Comentada, v. I, p. 353. 19. O Município ... , 1959, p. 101.
48 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 49

cuja Federação é a que mais se assemelha à nossa, mas nem por isso se vam considerável soma de atividades administrativas. Desde então nota-se
identificam as administrações locais. acentuada tendência de fortalecimento dos poderes federais, e em menor
escala dos estaduais. Recentemente, todavia, percebe-se claramente um
11.1 Estados Unidos como que renascimento municipal, evidente em determinados programas
urbanísticos de porte verdadeiramente ambicioso.
A Constituição N arte-Americana - mínimo de regras indispensáveis à As críticas feitas ao local government pelos próprios americanos 20 só
coexistência, com particular destaque às liberdades individuais - não con- poderão ser bem compreendidas se levarmos em conta dois fatores p~­
tém uma referência sequer aos Municípios. Não lhes assegura autonomia, mordiais: de um lado, o hábito característico de autocrítica, à qual pratI-
nem lhes garante renda própria - o que não significa, todavia, que esses camente nenhuma instituição daquele país tem escapado; de outra parte,
recursos fundamentais inexistam. De acordo com a tradição descentrali- a circunstância de se basearem tais comentários negativos no confronto
zadora e individualista, diversas formas de administração local podem ser entre os três níveis de administração pública, isto é, Município, Estado-
apontadas. Em certas regiões predomina o County (equivale ao Município membro e Governo Federal.
Brasileiro) - como ocorre, por exemplo, no Estado de Nova York. Em ou-
Se a medida do sucesso de um governo local é o conforto material
tras prevàlece a City (área urbana inferior em extensão ao County, mas não
proporcionado aos munícipes poucos países levariam vantagem no con-
necessariamente subordinada a este), enquanto que determinadas regiões,
fronto com os Estados Unidos. Praticamente todos os serviços públicos
como a Nova Inglaterra, ainda adotam a Township (entidade cuja definição que afetam a vida diária de um cidadão (água, esgoto, gás, telefone, polí-
varia consideravelmente, confundindo-se por vezes com a de County). cia, escolas, hospitais e, mesmo, várias formas de assistência social) são
A autonomia municipal, reconhecida pelo Estado-membro a partir de competência municipal e de execução geralmente impecável, qualquer
do momento em que o núcleo urbano preenche determinados requisitos, que seja a área abrangida pela City, pela Township ou pelo County.
particulannente um mínimo de população, exterioriza-se através de várias Talvez a explicação resida na flexibilidade da estruturafiscal daquele
formas de Carta Própria (Charter). país, que permite à administração local arrecadar proporcionalmente mui-
Quanto à forma de administração municipal não é menor a diversi- to mais do que o Estado-membro ou a União. Com efeito, em geral cabem
dade de sistemas adotados nos vários Estados e até mesmo entre cidades ao Município os impostos incidentes sobre a propriedade imobiliária, bem
de um mesmo Estado, podendo-se distinguir os seguintes tipos básicos: como taxas da mais variada natureza, que gravam praticamente todas as
1) o governo por um Conselho (Council) que toma decisões colegiadas; atividades locais. A receita federal compõe-se principalmente dos impos-
2) o governo por uma Comissão (Comission), em que cada membro cuida tos de renda e de consumo, bem como dos direitos alfandegários, enquanto
individualmente de Uma atividade pública; 3) o governo por um indivíduo que as finanças do Estado-membro baseiam-se fundamentalmente nos tri-
(mayor), em cujas mãos se concentram amplos poderes, embora assesso- butos sobre vendas e atividades conexas, de natureza mercantiU 1 .
rado por um Conselho; 4) o sistema denominado federal analogy, bastante
próximo do regime municipal brasileiro; 5) o governo por um gerente (ma- 11.2 Inglaterra
nager), contratado para administrar a cidade por determinado período.
O mmwger, hoje em dia, apresenta-se como a mais notável evolução A unidade político-administrativa da Grã-Bretanha é o Burgo, ao qual
político-administrativa norte-americana. Contratado por período determina- a Coroa concede o self-government. A reunião de Burgos forma o Conda-
do, executará suas n.mções em qualquer dos tipos de governo acima descri-
tos, ou em formas híbridas dos mesmos. Releva notar que a tal ponto se de- 20. Eaton, The Government of Municipalities, pp. 19 e ss.; Fairlie e Kneier,
County Government ... , pp. 38 e ss.
senvolveu a nova especialização que a tradicional Universidade de Harvard
21. Essa apreciação do regime municipal norte-americano não se baseia em opi-
destaca-se atualmente como o melhor centro de formação de managers. niões de publicistas, mas sim na nossa observação direta e pessoal quando visita~os o
A extrema diversidade - característica das instituições norte-america- país, como membro oficial da Delegação Brasileira ao Congresso Latino-Amencano
nas - impede, via de regra, generalizações a respeito das diferentes formas de Municípios (LouisvillelKentucky, outubro de 1964), e, sob o patrocínio da Orga-
de administração comunal. Semelhantemente ao que ocorreu entre nós, nização dos Estados Americanos (OEA) e da Associação Brasileira de Municípios
(ABM), percorremos 14 Estados daquele país e dezenas de Municipalidades, para co-
os Municípios Norte-Americanos até meados do século passado enfeixa- nhecer as diferentes administrações locais.
50 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
r
I

51
I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO

do, mas a tradição conserva uma grande parte de Burgos independentes de O Local Government Inglês, à semelhança da Commonwealth, apre-
qualquer Condado - daí a nossa afirmativa inicial de que o Burgo é que senta-se como instituição tipicamente britânica, inadaptável a qualquer
constitui a base político-administrativa do regime municipal inglês (muni- outro país. Consoante assinala Roger Garreau, "não houve, na Inglaterra,
cipal boroughs). A Inglaterra uniformizou seu sistema municipal em 1882 uma longa luta entre o Estado e as coletividades descentralizadas, compa-
pelo Municipal Corporation Act, aperfeiçoando-o em 1933 pelo Local rável à que se observa na França ao longo dos séculos e particularmente
Government Act, os quais ainda hoje regem a atividade administrativa dos no século XIX, o que, aliás, explica a inexistência, no Direito Inglês, da
Condados e Burgos que gozam do self-government. Em linhas gerais, a noção de descentralização técnica. De maneira mais geral, enquanto o sis-
administração municipal britânica é exercida pelo Conselho local (Burges tema jurídico francês se baseia em oposições - oposições entre direito
Council), cujos membros são diretamente eleitos pelo povo do Burgo. Por público e direito privado, entre Estado e coletividades descentralizadas,
sua vez, o Conselho elege uma Comissão permanente de administração, entre o Departamento e a Comuna, por exemplo -, o sistema jurídico in-
em número variável de componentes (aldermen), sob a direção de um pre- glês assenta-se na unidade, no império da lei, no rule oflaw".23
sidente (mayor). O mayor é o representante do Burgo, exercendo funções
executivas e judiciárias equivalentes às da justiça de paz. 11.3 Alemanha
A administração municipal é controlada por um órgão central (Local A República Federal da Alemanha (Bundesrepublik Deutschland)
Government Board), sediado em Londres, presidido por um membro do em 3.10.1990 consumou sua unidade nacional. A Lei Fundamental de
Gabinete nomeado pela Coroa e com jurisdição sobre todas as Munici- 23.5.1949 tomou-se, por decisão soberana e consciente dos seus cidadãos,
palidades. Segundo Jenks o Local Government Board exerce um poder a Lei Magna de toda a Nação Alemã. Superada a divisão da Alemanha,
de crítica e censura; mas na opinião de Castro Nunes esse controle é, em num contexto de grandes transformações na Europa, inclusive com a cria-
certos casos, uma legítima tutela sobre a atividade dos Burgos. Ainda é o ção da União Européia, trazendo novos desafios e oportunidades, foram
eminente publicista pátrio quem chama a nossa atenção para a fundamen- necessários alguns ajustes na Lei Fundamental de 1949, sem qualquer al-
tal diferença entre o sistema inglês e o norte-americano, visto que no re- teração em sua essência. A divisão político-administrativa do país reco-
gime britânico predomina a autoridade do Conselho e nos Estados Unidos nhece a existência, além do Estado-membro (Land ou Bundesland), de
prevalece o poder do mayor, individualmente, embora assessorado pela mais duas entidades, o Distrito (Kreise) e o Município (Gemeinde), aos
Comissão de administração composta dos aldermen. quais assegura representação popular, oriunda de eleições por sufrágio
Para Zavalia o regime municipal inglês caracteriza-se por estes quatro universal, direto, livre, igual e secreto (art. 28.1). Pessoas que detenham a
elementos, constantes em sua organização: 1) ampla base eleitoral, funda- nacionalidade de um país-membro da Comunidade Européia podem votar
da no direito de sufrágio concedido a todo homem de 21 anos e a toda mu- e ser eleitas nas eleições distritais e municipais, em conformidade com
lher de 30 anos para cima; 2) funcionamento de conselhos que nomeiam o o Direito da Comunidade Européia. Nos Municípios a Assembléia local
/ord mayor e os funcionários executivos; 3) a função municipal é um cargo poderá substituir o corpo eleito. Aos Municípios, aos Distrit?s e às asso-
honorário; 4) a administração realiza-se sob o sistema de comissões.22 ciações de Municípios (Gemeindeverbande) o art. 28.2 da LeI Fundamen-
tal garante, ainda, autonomia administrativa e financeira, nestes termos:
Embora haja uniformidade no sistema administrativo dos Burgos Bri- "Será assegurado aos Municípios o direito de regular, sob sua própria res-
tânicos, não há igualdade na autonomia de que desfrutam, e isso porque o ponsabilidade e nos limites da lei, todos os ass~tos da com.unidade l~cal.
Parlamento é que delimita a extensão das franquias de cada Burgo, ao lhes No âmbito de suas atribuições legais e nas condIções defimdas em leI, as
conceder a emancipação e a prerrogativa do self-government. Regem-se, associações de Municípios gozarão igualmente do direito de autogestão.
entretanto, por Carta Própria e com ampla liberdade política, adminis- Essa autonomia administrativa pressupõe também autonomia financeira:
trativa e financeira, somente sujeita à autoridade controladora do Local· aos Municípios deverá caber uma fonte de arrecadação fiscal basead~ em
Government Board em determinados atos, uniformemente especificados sua capacidade econômica, bem como o direito de fixar os percentuaIs de
para toda a comunidade metropolitana. taxação dessas fontes".

22. Derecho Municipal, p. 27. 23. Le "Local Government" ... , p. 3.

\
52 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 53

Na sistemática constitucional alemã a competência legislativa repar- Dessas indefinições e disposições da Lei Fundamental resulta que
te-se exclusivamente entre aFederação e os Estados, cabendo a estes dis- os limites da autonomia municipal, entendida como direito à auto-admi-
por sobre todas as matérias não reservadas àquela (art. 70). Dentre essas nistração (Selbstverwaltung), variam de Estado para Estado, ao sabor das
matérias insere-se a organização municipal, em todos os seus aspectos, interpretações propostas ao seu art. 28.2, que é dirigido aos Estados, e não
muito embora a Federação possa editar o estatuto dos empregados públi- aos Municípios. Assim, há as extremamente favoráveis ao Município, por
cos municipais (art. 75.1) e, mediante prescrições gerais, alterar a própria entenderem que o âmbito das competências municipais de importância
organização administrativa local, visando à execução de leis federais, as- local não era passível de determinação pelo legislador estadual; outras, fa-
sumida pelo Estado ou a este delegada (arts. 84.2 e 85.2). vorecendo o Estado, consideram que apenas a auto-responsabilidade mu-
A autonomia municipal na Alemanha não era igualmente tratada pe- nicipal era inatacável, de modo que o conteúdo das atividades materiais do
los Estados porque, diversamente da Constituição Brasileira, a Lei Funda- Município sujeita-se às disposições da lei do Land. 25 Em qualquer caso,
mental Alemã não traça, nem em linhas gerais, seus contornos, limitando- porém, os Estados não abrem mão do seu poder de controle sobre as ati-
se às di!>posições referidas acima e a poucas outras, as quais têm sempre o vidades municipais, que exercitam através de prévia autorização ou de ra-
caráter de garantias constitucionais, e não de repartição de competências. tificação, revogação, substituição e até mesmo dissolução de colegiados e
No mesmo sentido, assegura aos Municípios, no que for compatível com destituição de representantes de órgãos unipessoais. Essas medidas visam,
sua natureza de pessoas jurídicas de direito público interno (pessoas mo- de um modo geral, ao controle da legalidade da Administração municipal,
rais nacionais), os direitosfitndamentais (art. 19.3), cuja definição consti- mas em certos casos podem fundamentar-se em questões de conveniência
tui o objeto de seu primeiro capítulo. e oportunidade. 26
Por outro lado, a mesma Lei Fundamental atribui aos Municípios o A organização municipal, pelas mesmas razões, não é uniforme, sen-
produto dos impostos territorial e industrial (impostos reais), ao mesmo do possível distinguir três sistemas de governo, segundo o número, a com-
tempo em que determina aos Estados lhes distribuam percentagem da par- posição e as atribuições de seus órgãos, a saber: o de dois órgãos colegia-
te que lhes cabe na arrecadação do imposto de renda. E desde 1.1.1998 os dos; o de um colegiado e um órgão unipessoal; o de um órgão colegiado.
Municípios passaram a receber uma parcela da receita do imposto sobre
No sistema de dois órgãos colegiados o Conselho Municipal (Ge-
mercadorias e serviços. O repasse dessa parcela da receita aos seus Muni-
meinderat), eleito pelo povo, escolhe uma Comissão Executiva (Magistrat
cípios é feito com base numa fórmula que considera fatores geográficos e
ou Bürgerauschuss), por um período de 6 a 12 anos, e, com a aprovação
econômicos (art. 106.6). Com isso, todavia, não os reconhece como "titu-
do governo estadual, o burgomestre (Bürgermeister). A Comissão .Exe-
lares de direito sobre a massa financeira de que se nutrem os organismos
cutiva, além de suas atribuições próprias, exerce funções delegadas pelo
públicos",24 porque todos os ingressos devem passar pelo Estado, com
Conselho Muni.cipa!. Cada um de seus membros chefia um departamento
cujas receitas e despesas se confundem as receitas e despesas dos respec-
municipal e suas sessões são presididas pelo burgomestre.
tivos Municípios (art. 106.8). A autonomia financeira dos Municípios é,
ainda, muito restrita, uma vez que o montante de seus recursos não depen- No sistema de um colegiado e um órgão unipessoal as atribuições de-
de unicamente deles, mas do Estado a que pertencem, o qual pode fixar cisórias competem exclusivamente ao Conselho Municipal, sempre elei-
discricionariamente as percentagens dos impostos de renda e sobre merca- to pelo povo; as executivas são da alçada do burgomestre, que pode ser
dorias e serviços a serem distribuídas e estabelecer critérios próprios para eleito pelo Conselho ou diretamente pelo povo, como ocorre no Estado de
a repartição dos impostos territorial e industrial entre seus Municípios. Baden-Wüttemberg.
Neste último caso é permitido ao Estado até mesmo proceder a repartições No sistema de um órgão colegiado o Conselho Municipal, eleito pelo
experimentais, sujeitas a posteriores alterações (art. 106.6). A lei federal povo, é, ao mesmo tempo, órgão deliberativo e executivo, cabendo a seu
pode, agora, autorizar os Municípios a fixar alíquotas para sua parcela do
imposto sobre a renda de pessoas físicas (art. 106.5). 25. Ramón Martín Mateo, EI Município ... , p. 150; Diogo Freitas do Amaral,
Curso ... , 2ª ed., v. I, p. 485.
24. Ramón Martín Mateo, EI Municipio y el Estado en el Derecho Alemán, p. 26. Ramón Martín Mateo, EI Municipio ... , p. 274; Diogo Freitas do Amaral,
142; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., v. I, p. 485. Curso ... , 2ª ed., v. I, p. 485.
54 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 55

presidente o exercício das funções de rotina normalmente atribuídas ao o governo estadual, seja com seu representante regional (Regierungspréi-
burgomestre. sident), seja com o próprio secretário do Interior. Para se desvincular de
Esses sistemas são apresentados em linhas gerais, pois sofrem, ainda, uma Circunscrição e alcançar o status de Cidade-Livre (Kreisfreie Stadt)
variações locais. Na Westfalia, por exemplo, vigora o sistema Conselho/ o Município deve ter suficiente capacidade administrativa e financeira e
burgomestre/diretor (Gemeindedirektor); em Hesse a própria Comissão não menos de 25 mil habitantes (alguns Estados exigem mínimos mais
Executiva elege seu presidente; noutros Estados adota-se o sistema ame- elevados, chegando até a 100 mil habitantes).
ricano manager, espécie de gerente contratado para administrar o Municí- Além das Cidades-Livres, existem na Alemanha as Cidades-Estado
pio por um determinado período. 27 ou Estados-Cidade, reconhecidas pelo art. 106.6 da Lei Fundamental, as
A despeito dessa diversidade de organização, existem pontos comuns quais constituem entidade única, com a dupla característica de Estado e
a todos os Municípios, qualquer que seja o Estado a que pertençam, dentre Município. Essas Cidades são governadas por uma Câmara de Deputados,
os quais destacamos: 1) o Conselho Municipal é o principal órgão da admi- com funções legislativas típicas, e por uma Comissão Executiva, presidida
nistraçãq, cabendo-lhe tomar as decisões de importância para a comunida- pelo burgomestre (Regierender Bürgermeister).
de local; 2) o Conselho Municipal é sempre eleito, em sufrágio universal, A Câmara dos Deputados é eleita pelo povo. O burgomestre e seu
direto, livre, igual e secreto, por um período de quatro anos, muito embora suplente são eleitos pela Câmara, que, por indicação do primeiro, elege
possa ser substituído pela Assembléia de Cidadãos do Município (Gemein- também os demais integrantes da Comissão Executiva (16 no máximo), os
deversammlung - art. 28.1 da Lei Fundamental), colegiado não-eletivo, quais chefiam os diferentes serviços administrativos da Cidade-Estado.
constituído por todos os eleitores locais, o que geralmente ocorre nos pe-
quenos Municípios; 3) a administração municipal, no interesse da coleti-
11.4 França
vidade, pode realizar tudo o que a legislação estadual não deferir a outros
órgãos ou entidades, mas está sempre sujeita ao controle do Estado. Na França, Estado unitário, as atribuições administrativas (não as po-
As associações de Municípios que configuram Circunscrições são líticas) estão descentralizadas em três níveis territoriais: Estado, Departa-
expressamente reconhecidas pela Lei Fundamental como entidades infe- mentos e Comunas. Os Departamentos subdividem-se em Arrondissements
riores aos Estados (art. 28.1-2). Conseqüentemente, todos os Estados da (antigos Distritos criados pela Revolução) e Cantões e se agrupam em 22
Alemanha, com exceção das Cidades-Estado, subdividem-se em Circuns- Regiões. Dessas divisões e subdivisões do território francês, as Regiões,
crições Rurais (Landkreise). A Landkreis, tipo básico de associação de os Departamentos e as Comunas são pessoas jurídicas, com orçamento,
Municípios,28 é pessoa jurídica de direito público interno, com atribui- patrimônio e atribuições próprios; as demais são meras Circunscrições que
ções próprias (relacionadas com a execução de serviços do interesse das atendem a objetivos econômicos e técnicos (Arrondissements) ou eleito-
comunidades que a integram) e delegadas, conforme estabelecido na lei rais (Cantões). _
estadual. Dos 25.511 Municípios existentes em 1963 apenas 140 não per- A Constituição Francesa vigente, de 4.10.1958, só reconhece os De-
tenciam a uma das 425 Circunscrições Rurais. 29 partamentos e as Comunas como coletividades territoriais (collectivités
Os Municípios que não pertencem a Circunscrição Rural são deno- territoriales), juntamente com os Territórios Ultramarinos (art. 72). Por
minados Cidades-Livres, as quais detêm as atribuições circunscricionais, isso mesmo, ao adquirirem personalidade jurídica com a Reforma de 1972
auferem as rendas destinadas às Circunscrições e tratam diretamente com (Lei de 5.7.1972), as Regiões, anteriormente Circunscrições de ação re-
gional para a aplicação dos planos econômicos governamentais, foram eri-
27. Luís Marqués Carbó, El Municipio en el Mundo, v. I, p. 31; Diogo Freitas do gidas em autarquias territoriais (établissements publics). 30 Como observa
Amaral, Curso ... , 2ª ed., v. I, p. 485.
28. Otto Gonnenwein esclarece que as Circunscrições Rurais (Landkreise) são 30. Os établissements publics, muito embora - ao lado das sociétés d'économie
encontradas em todos os Estados; abaixo delas existem os Ainter nos Estados de Nor- mixte e das sociétés à capital public - possam exercer atividades econômicas ou in-
drhein-Westfalia, Rheinland-Pfalz, Schleswig-Holstein e Sarre; acima, como agrupa- dustriais, equiparam-se às nossas autarquias, pois são conceituados como serviços pú-
mentos comunais superiores, encontram-se os Bezirke (Distritos), na Baviera, Westfa- blicos personificados. Daí por que Louis Trotabas considera imprópria a inclusão legal
lia do Norte e Rheinland-Pfalz (Derecho Municipal ... , p. 546). das Regiões entre os établissements publics, uma vez que elas se definem pelo territó-
29. Otto Gonnenwein, Derecho Municipal ... , p. 551. rio, e não pelo serviço a seu cargo (Manuel de Droit Public et Administratij, p. 160).
56 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 57

Laubadere, a Região, administrada por um prefeito regional, um Conselho prios do Departamento o prefeito atua como executor das deliberações do
Regional (com atribuições consultivas para os assuntos estatais e delibe- Conselho-Geral, que é o principal órgão da administração departamental
rativas para os locais) e um Comitê Econômico e Social (meramente con- (Constituição, art. 72), embora com direito de iniciativa e de instrução
sultivo), continua sendo repartição do governo central, essencialmente das matérias em discussão. É ele quem executa o orçamento, representa
encarregada da planificação econômica, com pouquíssimas atribuições o Departamento perante a Justiça e conclui os negócios decididos pelo
próprias, relacionadas com o estudo, financiamento e execução de equipa- Conselho-Geral. 34
mentos de interesse regional ou das coletividades locais.31
A Comuna ocupa na vida administrativa francesa um lugar prepon-
Assim, as Comunas e os Departamentos que as agrupam são as únicas derante: todo francês sente-se incontestavelmente mais ligado à sua Co-
unidades territoriais com alguma importância político-administrativa na muna que ao Departamento em que vive. Justifica-se essa preferência
divisão do território francês. 32 Todavia, comparadas com os Municípios e porque - como adverte Bourjol - "la commune n'es~ pas s~ulement ~,n
os Estados-membros Brasileiros, essas unidades territoriais desfrutam de agencement plus ou moins ingénieux de services pubhcs, maIS une SOCIe-
uma autonomia muito acanhada, em razão do enérgico controle do Estado, té politique de citoyens responsables",35 em perfeita consonância com a
que atua até mesmo com poderes hierárquicos. Esse controle é exercido ponderação de Laubadere sobre a realidade sociológica da coletivid~de
não só sobre os órgãos unipessoais como, também, sobre as Assembléias comunal, concluindo que "elle [a Comuna] paraissait comme un syndlcat
locais (Conselhos Departamentais e Comunais). Com efeito, no plano mu- privé d'habitants et presque une personne morale de droit privé plutôt que
nicipal o Conselho pode ser dissolvido por decreto motivado do presidente comme un groupement proprement administratif', ao passo que o Depar-
da República,33 que também pode exonerar qualquer de seus membros; o tamento "a des racines moins profondes, une solidarité intérieure moins
maire e seus adjuntos podem ser suspensos por um mês pelo préfet (agente évidente et même quelquefois discutée; sa personnalité morale et même
executivo do Departamento) e por três meses pelo ministro do Interior, e son existence sont apparues tardivement". 36
révoqués, isto é, desti:.IíJos de suas funções executivas, sem prejuízo de
sua condição de conselheiros municipais, por decreto do presidente da A Comuna Francesa é, como o Município Brasileiro, entidade de di-
República - em qualquer caso, sempre motivadamente. reito público interno - isto é, pessoa jurídica dotada de capacidade civil
para adquirir bens e ser sujeito de direitos e obrigações -, administrada por
O Departamento é administrado por um prefeito (préfet), nomeado um órgão executivo (Municipalité) e um deliberativo (Consei! Municipal).
pelo presidente da República, por indicação conjunta do primeiro-ministro Mas cessam aí as semelhanças no plano político-administrativo, não só
e do ministro do Interior, ouvidos os demais, e por um Conselho-Geral em razão de sua limitada e controlada autonomia como, também, porque
(Consei! Général), constituído por um representante de cada Cantão, elei- é somente ao Conselho Municipal que a Constituição atribui a administra-
to em sufrágio universal e direto para uma legislatura de seis anos, e reno- ção da Comuna, nestes termos: "Ces collectivités [a Comuna, inclusive]
vável por metade ao fim de cada triênio.
s' administrent librement par des Conseils élus et dans les conditions pré-
O prefeito do Departamento, "depositário da autoridade do Estado" vues par la lo i" (art. 72).
e "delegado do governo e representante direto de cada um dos ministros" O Conselho Municipal é constituído de 11 a 37 conselheiros, con-
(Decreto 250, de 14.3.1964), exerce não só funções administrativas como forme o número de habitantes, eleitos em sufrágio universal e direto para
também, algumas atribuições de polícia judiciária em matéria de crimes ~ um período de 6 anos. Compete-lhe regular todos os assuntos de peculiar
contravenções contra a segurança do Estado. Na gestão dos assuntos pró- interesse da Comuna, como se depreende do art. 40 do Code de I 'Admi-
nistration Communale, de 22.5.1957 (que reúne todos os textos concer-
31. Manuel de Droit Administratif, 10ª ed., pp. 171-173.
nentes à organização municipal francesa). Todavia, as Comunas não têm o
32. Até o momento não se realizou, portanto, a previsão dos que - como Luís
Marqués Carbó - vaticinavam o esvaziamento dos Departamentos e sua substituição poder de especificar o que é ou não do seu peculiar interesse, uma vez que
pelas Regiões (EI MU"~icipio ... , v. I, p. 142). a Constituição, como consta do trecho acima transcrito, condiciona a sua
33. Lembramos que na sistemática constitucional francesa os decretos são bai-
xa~os pelo presidente da República en Consei! des Ministres - ou seja, resultam das 34. André de Laubadere, Manuel ... , 10ª ed., p. 180.
delIberações do Conselho de Ministros, que ele preside (Constituição Francesa arts. 35. La Réforme ... , p. 12.
92 e 13). '
36. Manuel ... , 10ª ed., pp. 176-177.
58 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 59

"livre administração" aos preceitos da lei, que é sempre votada pelo Parla- cadas como urbanas (com mais de 2 mil habitantes), revigorou o sistema
mento (Assembléia Nacional e Senado). A própria Constituição determina implantado pela Lei de 5.4.1884 e que constitui o verdadeiro Estatuto das
que essa lei estabeleça os princípios fundamentais da livre administração Comunas, incorporado ao Code de I 'Administration Communale desde
das coletividades locais (entre elas, as Comunas), de suas competências e 1957. Todavia, procurou-se adaptar o sistema à diversidade das 38 mil
de seus recursos (art. 34). Comunas então existentes (a grande maioria delas com menos de 2 mil
A atuação do Conselho Municipal abrange, portanto, toda a matéria habitantes), em atendimento à Constituição de 1946, que determinava a
que a lei atribui à competência comunal, salvo quanto à polícia e à res- edição de regras de funcionamento e de estrutura diferentes para as gran-
ponsabilidade pela ordem pública, que são do maire. Dentre as atribui- des Cidades e para as pequenas Comunas, preservada sua autonomia ad-
ções do Conselho Municipal, Trotabas enumera: votação do orçamento, ministrativa (arts. 85, 87 e 89).39
dos impostos municipais e dos empréstimos; gestão dos bens da Comuna; Embora a Constituição vigente, de 1958, não tenha reproduzido os
criação e organização dos serviços comunais; nomeação do maire e seus preceitos da que a antecedeu (de 1946), a política governamental vem-se
adjuntos; controle da administração do maire, cujas contas são sujeitas à mantendo no sentido da diversificação. Assim, tem favorecido a fusão de
sua aprovação, e de outros agentes públicos da Comuna, bem como de Comunas, cujo número baixou para 37.708, de 1954 a 1968, tendo sido,
certas entidades locais. 37 ainda, fundidas mais 1.750, entre 1971 e 1972, por força da Lei 588, de
A Municipalité é integrada pelo maire e seus adjuntos (de 1 a 12, con- 17.7.1971.40 Além disso, a legislação propiciou a criação de Sindicatos de
forme o número de habitantes), eleitos pelo Conselho Municipal, dentre os Comunas (Syndicats de Communes), Distritos Urbanos (Districts Urbains)
seus membros, para a mesma legislatura. As atribuições da Municipalité e Comunidades Urbanas (Communautés Urbaines). As Comunidades Ur-
confundem-se com as do maire, pois os adjuntos não têm funções pró- banas, assemelhadas às nossas Regiões Metropolitanas, mas dotadas de
prias, atuando por delegação ou suplência. personalidade jurídica (établissements publics), foram instituídas pela
Lei de 31.12.1966, que criou desde logo quatro Comunidades: Bordeaux,
O maire é, ao mesmo tempo, agente do Poder central e da Comuna. 38
Strasburg, Lille e Lyon.
Como agente do Poder central, além das funções administrativas propria-
mente ditas, é oficial do Registro Civil e da Polícia Judiciária, podendo, F inalmente, Lei de 10.7.1964 estabeleceu um regime especial para
ainda, exercer atribuições de competência do Ministério Público. Como Paris, definindo-a como coletividade territorial de estatuto particular,
agente da Comuna atua como executor das deliberações do Conselho Mu- com competências departamentais e comunais. Nessa mesma ocasião foi
nicipal ou como seu delegado, mas tem poder de iniciativa e instrução, criada a Região Parisiense, que se antecipou às Regiões institucionaliza-
poder hierárquico sobre os agentes públicos locais e poder de polícia geral das pela Lei de 1972, delas diferindo em vários aspectos, principalmente
para a preservação da ordem, da segurança e da saúde públicas. Além des- por não possuir personalidade jurídica.
sas funções, o maire preside as sessões periódicas do Conselho Municipal, Desaparecido o Departamento do Sena, em que se integrava a cidade,
que, inclusive, pode convocar extraordinariamente. Paris tem, atualmente, um só Conselho (Consei! de Paris), com 90 mem-
A administração da Comuna realiza-se sob controle do poder cen- bros, mas conta, ainda, com dois prefeitos: o de Paris, com atribuições de
tral, cabendo ao prefeito do Departamento anular, aprovar ou substituir a préfet e de maire, salvo as policiais; o de Polícia, com atribuições gerais
ação do maire e as deliberações do Conselho Municipal. Compete ainda de polícia. Territorialmente, Paris está dividida em 20 Arrondissements,
ao prefeito suspender as sessões do Conselho Municipal por um mês, e sedes de maires, com seu maire e vários adjuntos, todos agentes adminis-
que o Conselho de Ministros delibere sua total dissolução, se o entender trativos nomeados, com funções muito limitadas.
.'
conveniente.
39. A moderna doutrina municipalista francesa lamenta que a autonomia comunal
A legislação que se seguiu à fase conhecida por "Regime de Vichy" flutue ao sabor das correntes pró e contra a descentralização, que ora uma, ora outra,
(de 1940 a 1944), em que se suprimiu a autonomia das Comunas classifi- em maior ou menor grau, orientam a Administração. A esse respeito BoUIjol escreveu
alentada monografia em que propugna por uma reforma municipal, dentre outras coi-
37. Manuel ... , p. 136. sas para conceder realmente o self-gavernment às Comunas (La Réfarme ... ,passim).
38. Louis Trotabas, Manuel ... , p. 142. 40. Louis Trotabas, Manuel ... , pp. 129-130.
60 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNIcípIO 61

11.5 Itália A Comuna Italiana possui, ainda, um órgão sui generis, que é o Escri-
tório Comunal (Ufficio Comunale), dirigido por um secretári? remunera~o
A Constituição Italiana vigente, promulgada em 22.12.1947, criou
pela administração local, mas equipa:ado em su~s prerrogatl\~.as a fun~IO­
um tipo particular de República, algo diverso das Repúblicas Federati-
nário provincial, e com a incumbênCia de fiscahzar a execuçao das leIS e
vas até agora conhecidas. Além da Província e da Comuna (Município),
atos dos administradores locais. O secretário comunal é nomeado e trans-
acrescentou um ente autônomo - a Região - com poder normativo (potes-
ferido pelo Ministério do Interior, ouvida a Comuna interessad~ ~De,creto
tà normativa) sobre as unidades administrativas inferiores - Província e
Legislativo 553, de 21.8.1945, e Lei 530, de 9.6.1947). Sua poslÇao e a de
Comuna - e com tal preeminência na organização estatal que os modernos
delegado do poder provincial no Município.
publicistas não têm hesitado em considerar o Estado Italiano como uma
República Regional sui generis. 41 Aliás, a própria Constituição declara, O órgão legislativo da Comuna Italiana é o Conselho Comunal, com-
em seu art. 114: "La Republica si riparte in Regioni, Provincie e Comuni" posto de membros eleitos por sufrágio direto, e~ número ~ariáv~l de 15
- e acrescenta, no dispositivo seguinte, que: "Le Regioni sono costituite in a 80, segundo a população local. A eleição reahza-se atraves .de hstas de
enti autonomi con propri poteri e funzioni secondo i principii fissati dalla candidatos em número não inferior a um quinto e não supenor a quatro
Costituzione" . quintos das vagas a serem preenchidas pelo critério de representação pro-
porcional entre as listas apresentadas.
O Município Italiano (Comune) é autônomo no âmbito dos princí-
A administração local é realizada sob a supervisão e controle direto
pios fixados pelas leis da República, dispondo do poder de e~itar normas
do governador da Província, que o exerce sob o quádruplo asp.ecto preven-
locais e de arrecadar tributos necessários a suas despesas. 42 E, entretanto,
tivo, sucessivo, repressivo e de inspeção. O control~ J?reve,nÍlVO ref:re-s,:
criado e organizado pelo Estado em moldes uniformes para toda a Repú-
ao exame da legalidade e do mérito dos atos admlU1straÍlvos locaIS e e
blica (Constituição, art. 133), salvo para o das Capitais das Províncias.
exercido pela Junta Provincial Administrativa (Giunta Provinciale Ammi-
Desempenha, além das funções administrativas de seu interesse exclusivo,
nistrativa), que examina as deliberações municipais de maior relevância,
atribuídas pelas leis da República, mais as delegadas pela Região (Cons-
especificadas em lei e pertinentes à administração patrimonial e fman-
tituição, art. 118).
ceira e aos atos regulamentares do Conselho Comunal. O governa~or da
O governo local é constituído pelo prefeito (sindaco), pela Junta Mu- Província poderá anular qualquer ato municipal (executivo ou ~ehbera­
nicipal (Giunta Municipale) e pelo Conselho Comunal (Consiglio Comu- tivo) julgado ilegítimo pela Junta Provincial Administrativa.(Lel 5?0, de
nale), na conformidade do Decreto Legislativo 1, de 7.1.1946. 9.6.1947). O controle sucessivo abrange os assuntos financerros e e exer-
O prefeito é o presidente da Junta e o representante legal da Comuna, cido após o encerramento de cada exercício da Comuna. Para esse fim as
enfeixando em suas mãos todas as funções executivas da administração contas são remetidas, depois de apreciadas pelo Conselho Comunal, ao
local. governador da Província, que as submeterá ao julgamento d~ Junta Pro-
AJunta Municipal é o órgão administrativo auxiliar do prefeito, cons- vincial. O controle repressivo abrange todo e qualquer ato Irregular da
tituída por secretários eleitos entre os conselheiros, e variando seu número administração comunal, dando ensejo não só à sua invalidação pelo go-
de 2 a 14 membros, conforme a população da Comuna. A Junta, além de vernador da Província como à intervenção no Município, pela nomeação
auxiliar o prefeito na rotina administrativa, colabora com o Conselho na do interventor provincial, que passará a administrar os interesses locais .e
tarefa legislativa e pode substituí-lo na função deliberativa dos casos de a apurar as responsabilidades, para a conveniente punição, que poderá Ir
urgência, submetendo sua resolução, posteriormente, à ratificação da Câ- até a destituição do prefeito, da Junta Municipal e do Conselho Comunal.
O controle de inspeção é realizado por um inspetor provincial (ispettore
mara Comunal. Em caso de impedimento ou irregularidade verificada na
provinciale), incumbido de visitar, periodicamente e sem aviso prévio, as
Junta a Província, por seu governador (prefeito), pode intervir na Comuna
Comunas e informar o governador sobre o funcionamento de todos os
por meio de interventor provincial (comissario prefettizio), até a regulari-
serviços públicos e cumprimento das leis e regulamentos.
zação do governo municipal.
Além dessas quatro modalidades de controle administrativo, os atos
41. Alberto Ronchey, Le AlItonomie Regionali e la Costituzione, 1952, pp. 53 e ss. municipais ficam sujeitos ao controle judicial, pelos meios co~uns : es~e­
42. Agostinho Sisto, lstitllzione di Diritto PlIbblico, 1948, pp. 201 e ss. ciais, notadamente pela ação popular (azione popolare), que la tem amblto
62 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 63

mais amplo que entre nós, servindo para a invalidação de qualquer proce- é também autoridade policial, salvo quando haja comando local da polícia
dimento comunaI. de segurança pública, entregue a oficial do Exército.
Na lição autorizada de Marcello Caetano: "A competência do pre-
11.6 Portugal sidente reparte-se em três ramos: o de orientação e coordenação da ad-
ministração municipal; o de superintendência na execução das delibera-
O Município Português é o Concelho, que se forma de Freguesias ções camarárias; o de representação do poder central, como magistrado
e se agrupa em Distritos, à exceção dos Concelhos de Lisboa e Porto, administrativo".43
que se subdividem em Bairros, e estes em Freguesias, segundo dispõe o
Conserva, ainda, a República Portuguesa a Freguesia, como circuns-
Código Administrativo de Portugal, aprovado pelo Decreto-lei 31.095, de
crição administrativa e de justiça de paz, administrada por uma Junta da
31.12.1940 (art. 1º).
Paróquia, de composição eletiva, e pelo regedor da Paróquia, de nomea-
Tanto o Concelho como a Freguesia e o Distrito são pessoas jurídicas ção do governador civil do Distrito.
de direito público.
Os Concelhos são classificados em Urbanos e Rurais, segundo a con- 11.7 Espanha
centração populacional num mesmo centro residencial ou sua dispersão
em povoados afeitos à cultura da terra. A administração municipal na Espanha está disciplinada pela Ley de
Régimen Local, cujos textos de 17.7.1945 e de 3.12.1953 acham-se conso-
Os órgãos da administração municipal são o Concelho Municipal, a
lidados pelo Decreto de 24.6.1955. Essa lei básica declara, em sua primei-
Câmara Municipal e o presidente da Câmara Municipal, além de juntas,
ra disposição, que o Estado Espanhol é integrado pelas entidades naturais
comissões e assessorias de segundo escalão.
que constituem os Municípios, agrupados territorialmente em Províncias.
O Concelho Municipal é uma assembléia integrada pelo presidente A mesma lei dispõe que são entidades municipais: o Município; a Entidad
da Câmara e por representantes, natos ou eleitos, das Juntas de Fregue- Local Menor, a Mancomunidad Municipal Voluntaria; a Agrupación Mu-
sias, das Misericórdias e dos organismos corporativos. Suas funções são: nicipal Forzosa.
eleitoral, quando elege os vereadores; fiscalizadora, quando acompanha O Município Espanhol é pessoa jurídica de direito público, adminis-
a atuação do presidente da Câmara e dos vereadores; orientadora, quando trado pelo alcaIde (prefeito) e pelo Ayuntamiento (Câmara), sendo este
estabelece as regras gerais da ação administrativa e financeira da Câmara e composto por concejales (vereadores). O Município tem amplas atribui-
ao se pronunciar sobre as deliberações desta, sujeitas à sua aprovação para ções de administração local "de los intereses peculiares de los pueblos"
se tomarem executórias. - como diz a própria lei orgânica municipal (art. 101).
A Câmara Municipal é o órgão colegial de gestão permanente de ne- O alcaide é o chefe da administração local; preside o Ayuntamiento
gócios municipais - ou, como diz o Código Português, é o corpo adminis- e é o delegado do governo central, que o nomeia para as Capitais da Pro-
trativo do Concelho - e se compõe de um presidente e de um vice-presi- víncia e para os Municípios de mais de 10 mil habitantes. Nos Municípios
dente, nomeados pelo governo, e de vereadores eleitos quadrienalmente menores o alcaide é nomeado pelo governador civil da Província, ouvido
pelo Concelho Municipal (art. 36). O número de vereadores varia de dois previamente o ministro de la gobernación. Em ambos os casos o cargo é
a seis, segundo a categoria do Concelho (1 ª, 2ª ou 3ª ordem), sendo sempre exercido por tempo indeterminado.
de dois vereadores nos Concelhos Rurais. O Ayuntamiento é a corporação deliberativa do Município e de as-
O presidente da Câmara é livremente nomeado pelo governo, dentre sessoramento do governo em assuntos municipais. É integrado por 3 a 24
vogais do Concelho, antigos vereadores, membros das comissões admi- concejales, eleitos para um mandato de 6 anos, renovável pela metade,
nistrativas ou diplomados em curso superior, para um mandato de quatro trienalmente. O preenchimento das vagas faz-se do seguinte modo: o pri-
anos (Código Administrativo, arts. 71-72). Tem a dupla função de chefiar meiro terço por eleição dos munícipes chefes de família; o segundo terço
a administração municipal como órgão do Concelho e de representar o
43. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, p. 421; Diogo Freitas
governo central como magistrado administrativo. O presidente da Câmara do Amaral, Curso ... , 2ª ed., v. I, pp. 489-499.
64 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MUNICÍPIO 65

por eleição dos organismos sindicais do Município; o terceiro terço por Várias tentativas têm sido feitas no sentido de uniformizar o regime
eleição dos concejales dos dois grupos anteriores, dentre representantes de municipal, mas tais projetos esbarram sempre no intransponível obstáculo
entidades econômicas, culturais e profissionais sediadas no Município. constitucional do já citado art. 5º, que concede a faculdade organizatória
A Lei Básica Espanhola permite a concessão de regime especial para dos Municípios às Províncias, sem qualquer restrição.
certos Municípios, requerido pelo Ayuntamiento, visando a melhor ade- Além das funções administrativas e deliberantes exercidas pelas Mu-
quar a administração às suas necessidades peculiares (art. 94), como ad- nicipalidades Argentinas, a maioria delas acumula atribuições da justiça
mite também a associação de Municípios para a realização de obras e ser- de paz nos respectivos territórios, à semelhança das Comunas Francesas.
viços de interesse comum (Mancomunidad Municipal Voluntaria), como Ao fim desta súmula do regime municipal adotado nos diversos paí-
impõe, ainda, essa reunião em determinados casos (Agnpación Municipal ses do velho e do novo Continente, podemos concluir que o mais aper-
Forzosa).44 feiçoado é o nosso, juridicamente concebido e tecnicamente organizado,
dentro do sistema constitucional brasileiro. Se há deficiências no seu fun-
11.8 Argentina i':
cionamento, são menos devidas às falhas da instituição que aos erros fre-
C qüentemente cometidos pela inexperiência ou inépcia dos administradores
A Constituição da República Argentina estabelece em seu art. 5º a au- locais. A nosso ver, os defeitos da administração municipal brasileira não
tonomia das Províncias e a obrigatoriedade de sua organização municipal, estão nas leis, mas sim na maneira de aplicá-las. Corrijam-se os adminis-
mas não fixa os lineamentos do regime local a ser adotado - razão pela
tradores, e corrigidas estarão as falhas das administrações.
qual cada Província organiza a seu modo os seus Municípios.
Em linhas gerais, a administração municipal efetiva-se através de um
Conselho Deliberativo (Concejo Deliberante ou Juntas de Fomento) e de
um órgão executivo colegiado (Municipalidad) ou singular (intendente).
Os Conselhos Deliberativos são constituídos por membros em nú-
mero variável, eleitos por sufrágio universal e direto, para uma legislatura
também variável, de três a seis anos.
Os membros da Municipalidade (órgão executivo do Município) e o
intendente em algumas Províncias são eleitos diretamente; noutras, indire-
tamente pelo Conselho Deliberativo; e noutras são nomeados pelo gover-
nador da Província, constituindo esta modalidade a regra na Argentina.
Dessa diversidade de sistemas, que é decorrência da ampla autono-
mia das Províncias, segue-se a restrita autonomia dos Municípios, que
só exercem administração própria quando a Província lhes outorga essa
liberalidade, não garantida pela Constituição da República.

I
Daí a justa observação de Zavalia de que, "dentro de la economía de
nuestra estructura institucional, es indiscutible que una semejante autono-
mía municipal no existe. La función edilicia se ejerce por delegación: vale
decir que es a las autoridades provinciales que corresponde la potestad
gubemativa plena en la que está comprendida la gestión de los asuntos
comunales".45

44. Sabino Álvares-Gendin, Derecho Administrativo Espanol, pp. 122 e ss.


45. Derecho Municipal, p. 54; Roberto Dromi, Ciudad y Municipio, Buenos Ai-
res, 1997.
11 - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 67

essa orientação porque nosso sistema constitucional é de poderes reser-


vados ou enumerados para a União e para os Municípios, recolhendo os
Estados-membros todas as atribuições remanescentes que, expressa, im-
plícita ou explicitamente, não lhes sejam negadas (CF de 1969, art. 13, §
1º; CF de 1988, art. 25, § 1º).
Como a Constituição de Í969 não reservou para a União a competên-
cia organizatória dos Municípios, nem a atribuiu a estes, seguia-se terem
Capítulo 11 os Estados tal atribuição - como, aliás, afirmava uniformemente a doutri-
na pátria. 4
ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO
A Constituição vigente outorga expressamente ao Município a com-
petência para sua organização, mas reserva ao Estado competência para,
1. Competência do Município para sua organização. 2. Criação, desmem- através de lei, determinar a criação, incorporação, fusão e desmembra-
bramento, anexação, incorporação e fusão de Municípios. 3. Plebiscito.
4. Divisão territorial, administrativa e judiciária do Estado e dos Municí- mento de Municípios,5 dentro do período estabelecido por lei complemen-
pios: 4.1 Divisão em Municípios - 4.2 Divisão em Distritos e Subdistritos tar federal.
_ 4.3 Outras divisões administrativas - 4.4 Divisão judicíária. 5. Regiões
Metropolitanas e outras unidades regionais. 6. Lei orgânica municipal. Ressalte-se que, com a promulgação da EC 15/1996, o processo de
criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios passou a

1. Competência do Município para sua organização


A organização do Município a partir do regime constitucional de
- ...,.- . ficar sujeito à disciplina, por lei complementar federal. da periodicidade.
~, por lei também federal, dos requisitos para o atendimento dos Estudos
de Viabilidade Municipal, cuja divulgação deve preceder ao plebiscito.
1988 passou a competir ao próprio Município (CF, art. 30). Este é..cria- f..os requisitos mínimos federais o Estado poderá aditar outras exi
do na forma estabelecida nas Constituições da República (art. 18, § 4 Q ) gências visando às conveniências da administração e às peculiaridades
regioIl~is ou locais, que nem sempre aconselham o fracionamento do
e do Estado, atendida a periodicidade determinada por lei complementar.
federal e os parâmetros dos Estudos de Viabilidade Municipal determina- território municipal para dar lugar a novas Comunas. A experiência vem
dos por lei, igualmente, federal. Somente depois de aprovada sua criação demonstrando que a desmedida criação de Municípios enfraquece eco-
por lei estadual é que o território adquire personalidade jurídica de direito nomicamente os já existentes e debilita os que surgem sem condições de
público interno (CC, art. 14, IH) e autonomia política, administrativa e vida autônoma.
financeira, decorrentes de sua condição de entidade estatal de terceiro grau Quanto aos Distritos a Constituição Federal confere competência aos
(CF, arts. 29-31), integrante do sistema federativo (CF, art. 1º). Até então Municípios para criá-los, organizá-los e suprimi-los, "observada a legisla-
inexiste a pessoa jurídica, subsistindo apenas o desejo de uma população ção estadual" (art. 30, IV) - retirando, portanto, essa atribuição do Estado,
despersonalizada à elevação de um Distrito (mera circunscrição adminis- mantendo-lhe apenas a possibilidade de legislar a respeito, tanto na Cons-
h'ativa) ou de uma área territorial à categoria de Município.
No seio do Congresso Nacional sempre houve quem reivindicasse a 4. Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, p. 114,
criação do Município pela própria coletividade interessada, I mas tal pro- e também in RDA 28/396; Lafaiete Pondé, in RDA 36/426; Machado Vila, in RDA
pósito nunca vingou nas Constituições Brasileiras, e as tentativas judiciais 39/437; Francisco Campos, in RDA 49/442.
5.A alteração introduzida pela referida EC 15/1996 retirou a expressão "obedeci-
que se fizeram nesse sentido foram sempre repelidas, quer na vigência da dos os requisitos previstos em lei complementar estadual", que constava originalmente
Constituição de 1891,2 quer no regime anterior, de 1969. 3 E se justificava do art. 18, § 4º, retrocedendo ao que estava em vigência antes do advento da Cons-
tituição de 1988, ou seja, a determinação, por lei complementar federal, do período
1. Emenda Meira Vasconcelos ao art. 68 da CF de 1891, rejeitada em Plenário. ?ara criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios e a definição,
2. STF, RF 9/389 e 20/153. . Igualmente por lei federal, dos parâmetros dos Estudos de Viabilidade Municipal. Aos
3. STF, RDA 28/231,43/221 e 51/317. No mesmo sentido: TJSP, RT 173/798, Estados, restou apenas a lei de criação, após consulta plebiscitária às populações dos
Municípios envolvidos.
RDA 44/332; TJPB, RDA 35/286; TJPR, RJ 49/426.
68 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 69

tituição quanto em lei ordinária. Obviamente, essa competência abrange .Anexação é a junção d.a parte desmembrada ~e um terri~ório a Muni-
também a criação de Subdistritos, conforme as conveniências locais. Cípio já existente, que contmua com sua personalIdade antenor. .
Compete ainda ao Município "promover, no que couber, adequado . Incorporação é a reunião de um Município a outro, perdendo um de:;,
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do par- les a personalidade, que se integra na do território incorporador. _
celamento e da ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII) - matéria, es~~, Fusão é a união de dois ou mais Municípios, que perdem, todos eles,.
que sempre se reconheceu ao Município, a ser regulada nas normas edllI- sua primitiva personalidade, surgindo um novo Município.
cias. 6 Cumpre, todavia, notar que tal competência, por se relacionar com o A fusão. sobre a qual silenciavam as pretéritas Constituições Esta-
direito urbanístico, está sujeita a normas federais e estaduais (CF, art. 24, duais, suscitando dúvidas sobre sua viabilidade, foi expressamente pre-
I), que, entretanto, deverão ser gerais, em forma de diretrizes, sob pena de vista na Carta Ma na de 1988 (art. 18, § 4º) como um dos processos de
tomarem inócua a competência municipal, que constitui exercício de sua alteração do território dos Municípios, e conseqüentemente acol 1 a na
autonomia constitucional. 7 órbita dos Estados (art. 145 da Constituição do Estado de São Paulo).
Finalmente, é de se repetir que a emancipação dos Distritos só se deve Não mais- se justifica, pois, a ocorrência na legislação estadual da
verificar quando possuam eles suficiente vitalidade econômica, razoável ~indistinção entre incorporação e fusão, conceitos jurídicos absolutamente
população e progresso compatível com a vida própria que se vai i~sta~­ ~ diversos, que não devem ser confundidos pelos legisladores estaduais.
rar nessas novas unidades. Sem esses requisitos a criação do MumcíplO
Se os Municípios podem desmembrar-se e incorporar-se em outras
constitui um mal, por onerar a população local com os encargos de um
entidades já existentes ou, com partes desmembradas, formar um novO'
govemo próprio que nada pode produzir e por permanecer a nova unidade
Município, nenhuma razão de ordem constitucional, jurídica ou política
local na dependência dos favores estaduais para a solução de assuntos de
._-- -'>- ...... existe a impedir que Municípios economicamente fracos, ou destituídos
seu peculiar interesse. de fatores de progresso, se fundam, perdendo cada qual sua personalidade
Por outro lado a facilidade de desmembramento de território de um em favor de uma nova entidade, que surgirá revitalizada pelos territórios
ou alguns Municípios para constituir outro enfraquece a todos e ostorna unificados. Aliás, como acima dito, a Constituição vigente, de forma ine-
incapazes de realizar o objetivo visado pela autonomia municipal, que é o quívoca, previu tal procedimento.
auto governo, mas o autogovemo em acepção ampla, ou seja, sob o tríplice- O poderde organizar os Municípios já foi apreciado no início deste
aspecto político, administrativo e financeiro. O que mui freqüentemente oapítulo, cabendo, agora, acrescentar que os Estados-membros assentam
ocorre com as solicitações de elevação de Distrito a Município é mais a os lineamentos dessa organização, e a extensão desse poder organizatório
expansão de um bairrismo irrefletido, não raras vezes insuflado por inte- só encontra limites na autonomia municipal, que há de ser preservada.,..
resses políticos subaltemos, que uma vital necessidade de progresso da por constituir também preceito constitucional de observância compulsória
localidade. pelos Estados perante seus Municípios (ÇE art 30).
A torma usual de criação de Município é a emancipação do Distrito,
2. Criação, desmembramento, anexação, incorporação com sua elevação à categoria de pessoa jurídica de direito público intero;
e fusão de Municípios !lO, através da outorga de autonomia por lei estadual dentro do período_
determinado por lei complementar federal (CF, art. 18, § 4º). Para tanto, o
O Município Brasileiro surge sempre do território de outro Municí-
Distrito que pretenda ser elevado a Município deverá preencher as condi-
pio, dando ensejo, conforme o caso, a guatro atos distintos: o desmem-
ções mínimas estabelecidas na legislação federal e atender às exigências
bramento, a anexação, a incorporação e a fusão de territórios - ~empre
estaduais pertinentes, bem como às instruções da Justiça Eleitoral para a
Qrecedidos de consulta plebiscitária.
consulta plebiscitária, cujo procedimento examinaremos adiante (item 3).
J2csmembramento é a separação de parte de um MunicíQio para se O plebiscito somente se realizará após a divulgação dos Estudos de Viabi-
integrar noutro ou constituir um novo Município. lidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei.
6. v., do Autor, Direito de Construir, 9ª ed., 2005. Podem-se assinalar quatro fases distintas no procedimento de criacão
7. STF, ADIn 478-SP, reI. Min. Carlos Velloso, j. 9.12.1996, DJU28.2.1997. de Município, a saber: 1) representação à Assembléia Legislativa nos ter-
70 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 11 - ORGANIZAÇÃO DO MUNIcíPIO 71

mos e com os comprovantes dos requisitos mínimos exigidos pela ki; 2) acão direta de inconstitucionalidade ao respectivo Tribunal de Justiça. Nos
determinação da Assembléia Legislativa para que se realize o plebiscfto~' '1emais casos em que haja simples violação de direito individual (público
desde que satisfeitas as exigências legais; 3) realização do plebiscito pela ou privado) a lei ou ato poderá ser atacado por mandado de segurança (v. a
-Justiça Eleitoral; 4) promulgação da lei criadora do Município, dentro do jurisprudência citada na nota 9), ou pelas vias judiciais comuns.
eriodo estabelecido na lei complementar federal, se favorável o resultado
A rejeição da representação para criação de Município ou alteração
c o p e ISCltO.
de área municipal não admite qualquer impugnação judicial, porque é ato
Sendo a criação de Município um ato eminentemente político, sua de soberania política da Assembléia Legislativa, fundado em motivos de
efetivação pela Assembléia Legislativa, com a sanção do governador, se- conveniência e oportunidade que só ela pode julgar. E um de seus interna
ria, em princípio, insuscetível de impugnação judicial. Mas, como a Cons- corporis, insuscetível de interferência do Poder Judiciário. 11
tituição da República prevê um procedimento administrativo vinculado, a
Elevado o território a Município, adquire personalidade jurídica, au-
ser instituído por lei, para o Legislativo, para a Justiça Eleitoral e para o
tonomia política e capacidade processual para compor seu governo, admi-
Executivo Estadual (que deverá sancionar ou vetar a lei), g,ecorre, neces-
nistrar seus bens e postular em juízo. Desde a promulgação da lei estadual
sariamente, a possibilidade de impugnação judicial dos atos ilegais pra-...
que reconhece a nova entidade municipal todas as rendas e bens públicos
ticados em qualquer das fases desse procedimento, como da própria lei_
locais passam a lhe pertencer,12 salvo os que estiverem vinculados a ser-
gue vier a ser promulgada com ofensa às normas constitucionais e legais
viços públicos do Município primitivo ou a serviços de utilidade pública
pertinentes. Nula será a determinação' da Assembléia Legislativa para a
por ele concedidos e que se situem no território desmembrado mas sirvam
realização do plebiscito se a representação não houver atendido a todos os
ao primitivo concedente.
requisitos legais para seu deferimento. Nulo será o plebiscito que se rea-
lizar sem obediência às normas legais e às instruções da Justiça Eleitoral. Quanto às dívidas do Município originário, devem ser partilhadas,
Inconstitucional será a lei que criar Município ou efetivar desmembra- proporcionalmente, entre ambos, por se presumirem resultantes de interes-
mento territorial em desacordo com a Constituição, com a lei complemen- ses comuns quando o território ainda se achava unificado. 13
tar federal ou com outras normas pertinentes. 8 Até a instalação do governo do novo Município seu patrimônio e suas
Advertimos que as leis criadoras de Municípios ou aprovadoras de rendas serão administrados pelo antigo, mas nesses poderes de administra-
alterações territoriais produzem efeitos concretos e imediatos, e, por eSBa ção não se compreendem os de alienação ou oneração de bens. 14
razão, tomam-se atacáveis pelas vias judiciais adequadas (mandado de A criação de Município dos Territórios Federais, nos termos do art.
segurança, ação anulatória, representação, conforme ocaso) antes mesmo ~' 33 da CF, será regida pela lei federal, que "disporá sobre a organização
de qualquer ato administrativo decorrente de sua execução.Y administrativa e judiciária dos Territórios", aplicando-se, no que cou-
Tratando-se de lei ou ato normativo ofensivo da Constituição Federal ber,.;'!.s mesmas <;lisposições previstas no Capítulo IV do Título IIl.para
relativo à autonomia municipal o meio judicial próprio é a acão direta de
inconstitucionalidade ao STF, nos termos do art. 102, r, "a", da mesma territorial, a criação de Município, pela generalidade dos efeitos que irradia, é um
dado inovador, com força prospectiva, do complexo normativo em que se insere a
Carta. 10 Se for ofensa a disposição da Constituição Estadual cabe a mesma. ~ã entidade política: por isso, a validade da lei criadora, em face da Lei Funda-
• . 0-- .

Iffimtal, pode ser questionada por ação direta de inconstitucionalidade" (Me na ADIn
8. STF, RDA 57/326, 74/265 e 75/235, RT 317/645; ADIn 458-MA, reI. Min. 2.381-RS, reI. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20.6.2001, T. Pleno, DJU 14.12.2001, p.-
Sydney Sanches, j. 8.6.1998, DJU 11.9.1998. Sobre criação de Município v. artigo de 23, RTJ 180(02)/535).
Betty E. M. Dantas Pereira in BDM2/87. 11. STF, RT2l5/474, RE 14.254, DJU 8.9.1965, e 14.6l3, DJU6.1O.1965.
9. TJSP,RDA 57/329,60/247 e 61/175, RT289/152 e 291/153; TJPR, RT3291764 12. TJSP, RDA 31/297, RT 142/150, 196/114 e 250/159; TJMG, RT 192/363.
e 340/423. v., sobre esta matéria, do Autor, Mandado de Segurança, Ação Popular, 13. O TJSP decidiu que cabe ao Município originário a indenização em desapro-
Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", Ação Direta de Inconsti- priação indireta por ato ilícito promovido pelo mesmo Município. Entendeu o egrégio
tucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumpri- Tribunal que "não é jurídico e nem lógico carrear-se a Município novo a responsabili-
mento de Preceito Fundamental, 31 ª ed., 2008, Primeira Parte. dade civil por ato administrativo que não foi por ele cometido" (Ap. cível 271.500-2,
10. "Ainda que [a lei de criação de município] não seja em si mesma uma norma Sumaré,j.9.2.1996).
jurídica, mas ato com forma de lei, que outorga status municipal a uma comunidade 14. V. nossa sentença inRT250/159.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 11 - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 73
72

os Municípios dos Estados-membros (cf. § 1º do mesmo art. 33). Diante Certamente, os TREs aditarão outros requisitos e darão instruções
desses dispositivos constitucionais entendemos revogada a Lei 6.448,"d7" pormenorizadas visando a estabelecer com precisão quais as pessoas que
11.10.1977, por colidir com as normas da Carta de 1988. 15 terão direito a voto e como deverá se processar a votação no local da con-
--"- --~ sulta. Outro aspecto a ser focalizado nas resoluções da Justiça Eleitoral
3. Plebiscito'" é o dos recursos cabíveis do procedimento e do resultado do plebiscito,
passíveis de falseamentos e irregularidades que hão de ser corrigidos pelo
Pleb~'.16
é a consulta direta à população de determinada área sobre Judiciário, através das vias adequadas e no tempo próprio, para que o re-
sultado da votação adquira estabilidade e certeza jurídicas. A lei não o
assunto de seu' interesse. Realiza-se após um processo sumário de quali-
ficação dos votantes, assemelhado ao da qualificação eleitoral, mas com diz, mas esses recursos só poderão ser dirigidos e julgados pela própria
ela não se confunde, porque a consulta plebiscitária não decorre do direito Justiça Eleitoral, pois a ela incumbe regulamentar e realizar o plebiscito
de cidadania, razão pela qual podem votar até estrangeiros residentes na e, conseqüentemente, decidir da sua validade. Esses recursos poderão ser
área interessada. O essencial é a vinculação do votante com o assunto em os mesmos ou alguns do Código Eleitoral, mas é necessário que as reso-
consulta. Essa vinculação será estabelecida, agora, pela Justiça Eleitoral, luções normativas dos plebiscitos os indiquem especificamente, com as
a quem foi atribuída a incumbência de regular e realizar os plebiscitos adaptações que se fizerem necessárias.
para criação de Município (Lei Complementar 1, de 9.11.1967, art. 3º, Surge, aqui, outro problema - qual seja, o de se saber se prevalece a
parágrafo único). competência da Justiça Comum para decidir as impugnações judiciais à
determinação da Assembléia Legislativa para a realização do plebiscito,
O plebiscito para criação, incorporação, fusão e desmembramento de
em acolhimento da representação dos interessados, e, finalmente, a argüi-
Município está previsto no § 4º do art. 18 da CF, cuja redação originária
ção de inconstitucionalidade da lei que criar o Município. Entendemos
referia-se a consulta às "populações diretamente interessadas", abrindo
que em ambos os casos continua a competência da Justiça Comum para
ensejo à interpretação no sentido de que a abrangência da consulta al-
_ conhecer e decidir tais impugnações, em mandado de segurança, ação or-
cançava apenas a população da área que se pretendia desmembrar, e não
dinária anulatória ou ação direta de inconstitucionalidade ao STF (CF, art.
também a da área remanescente do Município. 17 A nova redação dada ao
102, I, "a"; Lei 4.337, de 1.6.1964, complementada pela Lei 5.778, de
referido dispositivo pela EC 15, de 12.9.1996, estabeleceu, de forma in-
controversa, o âmbito da consulta plebiscitária, ao expressar seu alcance 16.5.1972).
"às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos Temos, assim, duas Justiças competentes para as impugnações judi-
de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei". ciais à criação de Município: a Justiça Comum, para os atos da Assembléia
Legislativa e do governador; a Justiça Eleitoral, para os atos do plebiscito
A lei complementar federal delegou aos Tribunais Regionais Eletto
por ela regulamentado e realizado.
rais competência para regular a forma da consulta plebiscitária, através
de resoluções, respeitados os seguintes preceitos: residência do votante, há O STJ, por sua 1ª Turma, assentou que "o cidadão que votou na
1]1ais de um ano, na área a ser desmembrada e cédula oficial, que conterá consulta relativa à emancipação de Distrito está legitimado para reque-
as palavras "Sim" e "Não", indicando, respectivamente, a aprovação ou a .~ iêr mandado de segurança contra ato ilegal, cometido na criação do novo
II Município" .18 A mesma Corte, apreciando mandado de segurança ajuizado
rejeição da criação do Município (art. 3º, parágrafo único, I-lI). •
por um grupo de eleitores contra ato da Assembléia Legislativa que alterou
o topônimo proposto no momento do plebiscito, decidiu que o voto é ma-
15. Quanto ao antigo Território de Fernando de Noronha, sua área foi reincorpo-
nifestação de direito individual. A vontade popular apurada em plebiscito
rada ao Estado de Pernambuco (art. 15 das "Disposições Transitórias" da Constituição
Federal de 1988). é o somatório dos votos individuais. O desrespeito a decisão plebiscitária
16. A execução do plebiscito foi regulamentada pela Lei 9.709, de 18.11.1998. ofende, a um só tempo, direito de cada um dos eleitores vitoriosos. O
17. STF, ADIn 733-MG, reI. Min. Sepúlveda Pertence, j. 17.6.1992, DJU eleitor que votou em plebiscito com o escopo de criar Município está le-
30.6.1995, p. 18.213; ADInlMC 1.504-RS, reI. Min. Moreira Alves, j. 5.12.1996,
DJU 4.4.1997, p. 10.518; ADIn 478-SP, reI. Min. Carlos Velloso, j. 9.12.1996, DJU
28.2.1997, p. 4.063. 18. ROMS 9.948-RS,j. 27.4.1999, DJU7.6.1999, p. 42.
74 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 11 - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 75

gitimado para requerer mandado de segurança visando à manutenção do A divisão do Estado em Municípios é ato político-administrativo su-
topônimo proposto na ocasião da consulta. 19 i eito a normas jurídicas preestabelecidas pelo próprio Estado, dependente
da aprovação pela Assembléia Legislativa que vota a lei criadora do Mu-
4. Divisão territorial, administrativa e judiciária nicípio e aprova o quadro territorial do Estado. Portanto, a Assembléia
do Estado e dos Municípios Legislativa não é soberana, como era antes, para votar a criação de Muni-
cípio, pois está vinculada ao atendimento de todos os requisitos estabeleci-
O território nacional, da República Federativa do Brasil, como a dos na lei complementar federal e nas demais normas atinentes à espécie.
Constituição a denomina, está dividido em Estados, Municípios, Territó- Daí por que a lei de criação de Município é impugnável judicialmente
rios e Distrito Federal (CF, art. 1º). Por sua vez, os Estados e Territórios somente quando infringir a legislação federal e estadual pertinente.
repartem-se em Municípios, e estes se subdividem em Distritos e Subdis-
Tradicionalmente, o quadro territorial do Estado é modificáve1 de
tritos. Outras divisões administrativas e urbanísticas existem, tais como
quatro em quatro anos, com a criação e extinção de Municípios ou a mo-
cidades e vilas, bairros, zonas e regiões, visando sempre à melhor distri-
dificação de suas divisas. 20 Essa estabilidade quadrienal, que deverá ser
buição dos serviços públicos e à descentralização ou à desconcentração
mantida nas Constituições e leis complementares estaduais, é de toda con-
das Administrações. Para fins de organização judiciária os Estados e Mu-
veniência para as Administrações estadual e municipal, que não podem
nicípios são divididos em comarcas, termos, distritos judiciários oujoros
flutuar ao sabor das alterações territoriais e das freqüentes mudanças de
distritais,joros regionais, seções e circunscrições judiciárias, variando as
governos locais. A revisão territorial do Estado há de ser feita no ano que
denominações nas diversas unidades da Federação.
antecede o das eleições municipais gerais, realizadas simultaneamente em
A divisão dos Estados em Municípios é alterável, quadrienalmente, todo o país (CF, art. 29, I), para que no ano seguinte se instalem as Admi-
por lei estadual, observados os requisitos mínimos da lei complementar fe- nistrações de todos os Municípios que foram criados, concomitantemente"
deral pertinente (CF, art. 18, § 4º); a divisão administrativa dos Municípios com as dos antigos.
em Distritos é feita, agora, por lei municipal, observada a legislação esta- •
'., dual (CF, art. 30, IV). As demais divisões e subdivisõe&.administrativas e Se no ano próprio não for promulgada a lei de revisão territorial per-
. "urbanísticas (subdistritos, cidades, vilas, bairros, zonas ~ regiões) não são manece a divisão anterior inalterável por mais quatro anos.
cogitadas pela Constituição da República, pelo quê ficam inteiramente a Observamos, finalmente, que a revisão do quadro territorial é da pri-
critério do Estado e do próprio Município, nos limites de sua competência vativa competência do Estado, por se tratar da divisão político-administra-
institucional, e sem qualquer norma ou interferência da União, salvo para tiva do seu território, não dependendo de qualquer aprovação ou referendo
o estabelecimento da Região Metropolitana, que depende de lei comple- das Câmaras Municipais ou das Prefeituras, as quais, entretanto, poderão
mentar estadual (CF, art. 25, § 3º). representar à Assembléia Legislativa sobre os seus interesses, para a con-
Quanto à divisão judiciária, é efetivada por lei de iniciativa ~o Tri- sideração que merecerem. Somente do ato que determina o plebiscito, da
bunal de Justiça do Estado (CF, art. 125, § 1º), atendidas as prescrições sua realização, da lei criadora do Município ou desmembradora de seu
estaduais pertinentes. território é que cabe impugnação judicial, se ofensivos da autonomia mu-
nicipal ou violadores de direitos dos antigos Municípios.

4.1 Divisão em Municípios


4.2 Divisão em Distritos e Subdistritos
Os Estados estão constitucionalmente obrigados a se dividir em Mu-
nicípios, porque a Constituição de 1988 impõe a divisão político-adminis- A divisão em Distritos e Subdistritos é de natureza meramente admi-
trativa da Federação em Estados e Municípios (CF, art. Iº), os quais cons- nistrativa. Essas circunscrições não se erigem em pessoas jurídicas, nem
tituem entidades estatais de terceiro grau, conforme assinalamos desde a adquirem autonomia política ou financeira. Continuam sob administração
I ª edição deste livro. do Município e não têm representação partidária. O Distrito é uma simples

20. Em São Paulo a Lei 9.821, de 24.10.1997, alterou o Quadro Territorial-Ad-


19. RT738/231. niinistrativo do Estado.
76 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 77

área administrativa com alguns serviços públicos estaduais (Registro Ci- urbanos sem reconhecimento oficial, mas que constituem uma realidade
vil, Registro de Imóveis, delegacias de polícia etc.) ou municipais (postos social, geradora das futuras vilas e cidades. As cidades e vilas admitem,
de arrecadação, serviços de limpeza pública etc.), destinados ao melhor também, a subdivisão em zonas e bairros, para fins seletivos de sua ocu-
atendimento dos usuários. Sendo, como é, uma circunscrição administra-. pação. As cidades, vilas e demais divisões urbanas não têm personalidade
tiva dependente do Município, o Distrito não tem capacidade processual jurídica nem autonomia política; são meras circunscrições administrativas
para postular em juízo; todas as suas pretensões deverão ser manifestadas do Município, com tratamento urbanístico especial. A lei quadrienal é que
pelo Município a que pertence. Quanto aos Subdistritos, são subdivisões oficializa as cidades e vilas, dando-lhes a denominação e a classificação
do Distrito, igualmente dependentes da Administração central do Muni- no quadro territorial e administrativo do Estado, mas o perímetro urbano
cípio, destinando-se apenas à descentralização ou à desconcentração de é fixado por lei municipal a qualquer. tempo, desde que contenha os re-
serviços locais e estaduais. quisitos mínimos de zona urbana (CTN, art. 32, § 1º) e atenda aos demais
Atualmente, a criação, organização e a supressão de Distritos são da preceitos estaduais.
exclusiva competência do Município, observada a legislação estadual (CF, Zona urbana ou perímetro urbano é a área territorial das cidades e vi-
art. 3D, IV). Se a Constituição Federal admite a criação de Distritos pelo las, mas o Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25.10.1966) ampliou
Município, também permite a divisão em Subdistritos, para facilitar a ad- esse conceito para fins tributários, possibilitando sua extensão a áreas em
ministração local. urbanização ou de expansão urbana, ainda que descontínuas ou fora do
Todavia, as leis orgânicas municipais podem estabelecer a consulta núcleo urbano da cidade ou vila. Q essencial é que a área tenha, pelo me-
plebiscitária e fixar condições para essas divisões e subdivisões adminis:- nos, dois dos cinco melhoramentos urbanos enumerados no Código Tribu-
..~trativas dos Municípios. Embora nenhuma norma constitucional imponha. tário Nacional ou se destine à urbanização ou à extensão de aglomerado
a criação de Distrito e Subdistrito em períodos quadrienais, cremos que o "urbano, através de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, para
momento próprio é o da revisão territorial do Estado, quando se delimi~ habitação, indústria ou comércio, e seja definida em lei municipaf.2 1 To-
tam as áreas municipais e se estabelecem suas divisões de administração, davia, contrariando a sistemática do Código, a lei que instituiu o Sistema
fixando-se o quadro de áreas e serviços locais e estaduais. Criar Distritos Nacional de Cadastro Rural (Lei 5.868, de 12.12.1972) estabeleceu um
e Subdistritos em meio do período seria tumultuar a administração local e conceito de imóvel rural baseado na sua destinação e dimensões, mas in-
estadual, invalidando-se o quadro territorial e administrativo do Estado,
que, no nosso entendimento, deverá ter vigência certa por quatro anos. 21. O Código Tributário Nacional dispõe:
"Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial
e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de
4.3 Outras divisões administrativas bem imóvel por natureza ou por acessão fisica, como defmido na lei civil, localizado
na zona urbana do Município.
Além dos Distritos e Subdistritos, tradicionais na nossa organização "§ I º. Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a defmida em
municipal, outras divisões administrativas podem ser estabelecidas pelo lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indica-
Estado ou pelo próprio Município para setorização de seu território, visan- dos em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder
do à melhor funcionalidade do governo e à maior eficiência dos serviços Público:
públicos. Para tanto criam-se regiões agrícolas, fazendárias, policiais, "I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
"11 - abastecimento de água;
sanitárias; delimitam-se núcleos industriais, zonas urbanas, bairros re-
"I1I - sistema de esgotos sanitários;
sidenciais e tantas outras divisões do território do Estado e do Município, "IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição
Eara fins simplesmente administrativos ou especificamente urbanísticos, domiciliar;
como são as cidades e vilas. "V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3km do imó-
As cidades e vilas são divisões urbanas, com perímetro certo e deli- v:el considerado.
mitado, para fins sociais de habitação, trabalho e recreação no território "§ 2º. A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de ex-
pansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, desti-
municipal. A cidade é a sede do Município, que lhe dá o nome; as vilas
nados à habitação, à indústria, ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas
são a sede dos Distritos e dos Subdistritos. Há, ainda, povoados e núcleos definidas nos termos do parágrafo anterior."
78 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
,
..~,""~""
~;':

~~!?,...(
~"
II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO

A lei municipal é que declara e delimita o perímetro urbano, para todos


79

dependente de sua localização, e, por exclusão, considerou urbanos todos ~.

(.
os fins administrativos, urbanísticos e tributários, atendidos os requisitos
os demais imóveis. 22 Esse conceito, fixado para fins de incidência do im-
mínimos da norma federal pertinente e as demais condições que a Consti
posto sobre a propriedade territorial rural (ITR - art. 6º da Lei 5.868, de
tuição Esta~u.al estabelecer. Pode ainda o Município editar, por lei própria,
1972), não poderia prevalecer sobre o Código Tributário Nacional, cujo
o~tros re~ulSltos para o reconhecin:ento do pe?metro urbano, desde que
art. 29 considera fato gerador desse imposto a propriedade, o domínio
.nao conflItem com as normas supenores da Umão e do Estado e não aten-
útil ou a posse de imóvel localizado fora da zona urbana do Município,
tem contra o direito de propriedade, segundo a normal utilização da terra.
definida por lei municipal (art. 32 e parágrafo). Isto porque a Lei 5.868, de
1972 - lei ordinária -, não poderia alterar dispositivos do referido Códi- Observe-se que para fins de loteamento urbano,24 regido pela Lei
go, que é a lei complementar que dispõe sobre as normas gerais de direito 6.766, de 19.12.1979, a zona urbana pode ter conceituação diversa da que
tributário e os conflitos de competência nessa~p1atéria entre as entidades lhe atribui o Código Tributário Nacional, estando os Municípios no dever
estatais, previstas no art. 146, I, da CF. Pela me.sma razão, não poderia re- de atender a ambas as normas - a lei tributária e a urbanística -, concilian-
vogar, como pretendeu, os arts. 14 e 15 do Decreto-lei 57, de 18.11.1966, do suas disposições, porque cada um desses diplomas legais a conceitua
que excepcionaram os "sítios de recreio" e os imóveis comprovadamente para uma determinada finalidade. Sendo a do Código a mais ampla e ge-
utilizados em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroin- nérica, é a que deve prevalecer para efeito de extensão e delimitação do
perímetro urbano, complementada pelas exigências da Lei 6.766, de 1979,
dustrial das disposições dos arts. 29 e 32, respectivamente, do CTN. 23
e pela legislação local.
~ perímetro urba~o_ pode s~r alterad~ em qualquer época, desde que
22. A Lei 5.868, de 1972, dispunha:
se venfiquem as condlçoes legaiS de sua identificação. Sua extensão não
"Art. 6º. Para fim de incidência do imposto sobre a propriedade territorial rural, .
a que se refere o art. 29 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, considera-se imó- é discricionár.ia; é vinculada à existência dos elementos objetivos que as
vel rural aquele que se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou ~ n?~as ~~pe~l~res estab~lecem. Desatendidos seus pressupostos a lei mu-
agroindustrial e que, independentemente de sua localização, tiver área superior a lha. ?IClpal e lllvahda, e aSSIm pod.e. se: declarada pelo Judiciário; desde que
"Parágrafo único. Os imóveis que não se enquadrem no disposto neste artigo, Impugnada por quem tenha legitImIdade para fazê-lo. Observamos aind~
independentemente de sua localização, estão sujeitos ao imposto sobre a propriedade que tal lei é de efeitos concretos, razão pela qual admite correção Judicial
predial e territorial urbana, a que se refere o art. 32 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro direta, antes mesmo que se pratiquem atos de sua execução, tais como o
de 1966."
lançamento do IPTU, a aplicação das limitações urbanísticas e outras con-
Nota: Este artigo e seu parágrafo único foram julgados inconstitucionais pelo
~eqüências administrativas incidentes sobre a área declarada urbana.
STF, em 12.12.1972, no RE 93.850-8-MG.
23. O Decreto-lei 57, de 1966, dispõe: Zona de expansão urbana é a que se reserva para receber novas edi-
"Art. 14. O disposto no art. 29 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, não ficações e equipamentos urbanos, no normal crescimento das cidades e
abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado como 'sítio de recreio' e no
qual a eventual produção não se destine ao comércio, incidindo assim sobre o mesmo
o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, a que se refere o art. 32 da expl?ração e~trativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, qualquer que seja a
sua arca; b) Situados fora de zona urbana, qualquer que seja a sua área desde que se
mesma lei. caracterizem como "sítios de recreio". '
"Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, não
Não sendo cogente para os Municípios, o parágrafo único do art. 6º da Lei 5.868,
abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa ve-
de 1972 (v. nota 22, retro), não os legitima a exigir o IPTU dos imóveis de área até
getal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o imposto
lha: situados ~~ zona ur~ana o~ rural, utilizados em exploração extrativa vegetal,
territorial rural e demais tributos com o mesmo cobrados." agrlcola, pecuana ou agromdustnal. Todavia, o caput desse artigo subtraiu essas pe-
Esses dispositivos, editados logo após a promulgação do Código Tributário Na- quenas gleb~s da incidência do ITR, de competência da União, o que, em tese, não
cional, com a vigência da Constituição Federal de 1967 (art. 18, § lº, mantido pela consubstancla norma geral de direito tributário, nem disciplinadora de conflitos entre
EC 1, de 1969) adquiriram também a natureza de norma complementar, não podendo as entida~es estatais. Assim sendo, é válido para a União, e, por isso, os proprietários
ser revogados por lei ordinária, como o é a Lei 5.868, de 1972. Conseqüentemente, a ou p~ssuldores ~essas glebas estão atualmente isentos de qualquer imposto sobre a
despeito do disposto no parágrafo único do art. 6º desta última, os Municípios, em face propnedade temtorial.
dos citados preceitos do Código Tributário Nacional e do Decreto-lei 57, de 1966, só 24. Sobre loteamento urbano v. o tópico pertinente, e para maiores esclarecimen-
podem arrecadar o IPTU sobre os imóveis: a) situados em zonas urbanas, definidas tos consulte-se, do Autor, Direito de Construir, 9ª ed., 2005, Capítulo 4.
por lei municipal nos termos do art. 32 e §§ do CTN, ressalvados os utilizados em
80 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 81

vilas. 25 Essas zonas, ainda que na área rural, devem ser desde logo deli- atualmente se faz separadamente, por lei de iniciativa do Tribunal de Jus-
mitadas' pelo Município e submetidas às restrições urbanísticas do Plano tiça do Estado, conforme preceitua o art. 125, § l Q , da CF.
Diretor e às normas do Código de Obras para suas edificações e traçado Pela divisão judiciária o território estadual é repartido em comarcas,
urbano. Inútil seria aguardar-se a conversão dessas zonas em áreas ur- termos, distritos, circunscrições e seções judiciárias, segundo a organiza-
banizadas para, depois, sujeitá-las aos regulamentos edilícios e às regras ção da Justiça de cada unidade federativa, observados os princípios cons-
urbanísticas que condicionam a formação da cidade. O Município deve titucionais estabelecidos pela União (CF, arts. 93-100, 125 e 126).
orientar e preservar o desenvolvimento de seus aglomerados urbanos a
A comarca é a unidade judiciária brasileira e pode abranger um ou
fim de obter, no futuro, cidades, vilas e bairros funcionais e humanos, com
mais Municípios, recebendo o nome do Município-sede. Como já vimos,
todos os requisitos que propiciam segurança, estética e conforto aos habi-
o Município não tem poder nem órgãos judiciários próprios, nem participa
tantes. Isto se consegue pela antecipação das exigências urbanísticas para
dos serviços auxiliares da Justiça, a qual é do Estado (Justiça Comum) ou
as zonas de expansão urbana, que são as matrizes das futuras cidades.
da União (Justiça Federal, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho e Justiça
Essas áreas, embora em zonas rurais, passam, excepcionalmente, a áreas
urbanas, sujeitas aos tributos municipais e regidas pelas leis locais de uso Militar).
do solo e pelas normas edilícias da Municipalidade. Os termos e distritos judiciários são divisões ainda usadas em alguns
Apolítica de desenvolvimento urbano está prevista na Carta da Repú- Estados para distribuição da Justiça de Paz ou descentrahzaçao dã justIça
blica (arts. 182-183), com competência exclusiva do Município para sua Comum. No Estado de São Paulo foram criados e instaladosjoros e va-
execução, observadas as diretrizes gerais fixadas pela União, nos termos ras distritais em algumas comarcas, com jurisdição territorial coincidente
do art. 21, XX. Essa matéria será estudada pormenorizadamente no Capí- com os limites de Municípios ou Distritos a elas pertencentes. E também
tulo IX, ao tratarmos do ordenamento urbano. joros regionais com jurisdição territorial delimitada em áreas definidas de
Zona rural é toda área excedente do perímetro urbano. Não há distin- bairros ou regiões do Município-sede da comarca.
ção entre zona rural e zona suburbana, que a tradição mantém sem qual-. As circunscrições e seções judiciárias são divisões para fins adminis-
quer razão de direito. No nosso regime municipal só há lugar para zona trativos da Justiça, delimitadoras das áreas de substituição dos juízes e de
itrbana, zona de expansão urbana e zona rural; a primeira caracteriza-se outras atividades internas do Poder Judiciário.
pela existência de edificações e equipamentos públicos destinados a habi- O que convém assinalar é que a divisão judiciária não se confunde
tação, comércio, indústria ou utilização institucional; a segunda define-se com a divisão administrativa do Estado e dos Municípios, e estão, agora,
como a área reservada para o crescimento da cidade ou vila; a terceira separadas tanto na forma quanto no tempo de sua efetivação, urna vez
identifica-se pela sua destinação agrícola, pastoril ou extrativa, geralmente que aquela se faz por lei de iniciativa do Tribunal de Justiça e esta por lei
a cargo da iniciativa particular. Daí por que a zona rural não está sujeita às do Estado. Essa separação, operada pela Constituição da República, veio
nonl1as edilícias e urbanísticas, nem se expõe aos tributos urbanos, desde 'pôr fim às freqüentes interferências políticas do Legislativo e do Execu-
que suas terras tenham utilização agrária ou se destinem a reservas flores- tivo Estadual e às pressões dos Municípios para a criação e elevação de
tais. A regulamentação da zona rural é da competência da União e está sob comarcas sem interesse algum para a Justiça, mas sempre prejudiciais à
as normas do Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30.11.1964) e do Código Independência do Poder Judiciário.
Florestal (Lei 4.771, de 15.9.1965).
'5.- Regiões Metropolitanas 26 e outras unidades regionais
4.4 Divisão judiciária ,~ .

A divisão judiciária, que anteriormente se fazia pela mesma lei qüin- A anterior Constituição da República permitia que, para a realização
qüenal, juntamente com a divisão territorial e administrativa do Estado, de serviços comuns, lei complementar federal estabelecesse Regiões Me-

25. O conceito de zona de expansão urbana foi pioneiramente fixado pelo Centro :. 26. Sobre Região Metropolitana consultem-se, na doutrina pátria: Hely Lopes
de Pesquisa e Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, <Meirelles, Área Metropolitana e sua Administração, São Paulo, 1966; Eurico de An-
in Boletim 4, de 1960. Sobre zoneamento em geral V., do Autor, Direito de Construir, !.Q.rade Azevedo, "Institucionalização das Regiões Metropolitanas", RDA 119/1 e RDP
9ª ed., Capítulo 4, item 2.1.7. :?1191; Adílson de Abreu Dallari, "Subsídios para a criação imediata das entidades
82 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 83
t~opolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua
vIllculação administrativa, fizessem parte da mesma comunidade sócio- da Lei Complementar 14, de 1973 (art. 20), e criou um fundo contábil para
ec?nômica (art. 164). Em consonância com o dispositivo constitucional, seu desenvolvimento, inclusive com ingressos federais (art. 21).
fOI promulgada a Lei Complementar 14, de 8.6.1973, alterada pela Lei A Constituição Federal de 1988 determina que: "Os Estados poderão,
C,?mplementar 27, d~ 3.11.1975, que criou as Regiões Metropolitanas de mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomera-
S,ao Paulo, Belo Hon~onte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Be- ções urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municí-
lem e F?rtaleza, es~ec~ficando os Municípios que as integram (art. 1º e §§); pios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução
determl~ou a.constItUIção e competência de seus órgãos diretivos (Conse- de funções públicas de interesse comum" (art. 25, § 3º).27
lho Deh.beratlVo e Conselho Consultivo), a serem criados e mantidos pelo A Região Metropolitana, como área de serviços unificados, é conhe-
Esta?o mteressado (arts. 2º-4º); permitiu a unificação da execução dos cida e adotada em vários países para solução de problemas urbanos e in-
servIços com~ns pelo. meio mais adequado (art. 3º, parágrafo único); enu- terurbanos das grandes cidades, como Paris, Los Angeles, São Francisco,
merou os servIços de mteresse comum, possibilitando a inclusão de outros Toronto, Londres e Nova Délhi. Resume-se na delimitação da zona de in-
medi.a~t~ lei ordiná~~a federal (~rt: 4º); e concedeu algumas vantagens aos fluência da Metrópole e na atribuição de serviços de âmbito metropolitano
MUlllCIplOS da Re~Iao pela partIcIpação na execução do planejamento in- a uma Administração única, que planeje integralmente a área, coordene
tegr~do e dos servIços comuns (art. 6º, parágrafo único). Posteriormente, e promova as obras e atividades de interesse comum da região, estabele-
aLeI C?mplementar 20, de 1.7.1974, criou a Região Metropolitana do Rio cendo as convenientes prioridades e normas para o pleno atendimento das
de JaneIro (art. 19), determinou que se aplicasse o disposto nos arts. 2º a 6º '"necessidades das populações interessadas.
É notório que a complexidade e o alto custo das obras e serviços de~
metrop.olitanas", RDP 1~:309 e B~ 16~30!1.66, e "O uso do solo metropolitano", RDP caráter intermunicipal ou metropolitano já não permitem que as Prefeitu-
14/285, Roberto Rosas, PerspectIva Jundlca da Região Metropolitana" RDP 28/85.
ras os realizem isoladamente, mesmo porque seu interesse não é apenas"
Amoldo ~ald, "As áreas m~tropolitanas", RDPG 26/150; Harry J. Cole, Programa d~
Des~::volvlmento ~etropo!ttano no Brasil, Rio de Janeiro, 1967; Eros Roberto Grau, rocal, mas regional, afetando a vida e a administração de todo o Estado
Regloes Metropolztanas, São Paulo, 1974. "~e, não raro, da própria União. Daí por que a Constituição condicionou o·
Na ~outrina estrangeira: ~eon H .. Wallace, "Structure of local governrnent", in •estabelecimento destas Regiões a lei complementar estadual, que fixará as"
Metrofolztan Area Problems, Sao FrancIsco, 1965; American Bar Associa/ion 8/4, São • diretrizes da regionalização, atribuindo ao Estado a organização metropo:::
:'-ranclsc?: 1965; ~e!;opolitan Area Problems; Documentation Française, Paris, 1962, litana que irá operar na área regionalizada e delineando sua competência.
La R~glOn de Pans ; .Carlos Mouchet, La Organización y Planificación deI Área Me-
tropolztana, Buenos AIres, 1969. O essencial é que a lei complementar estadual contenha normas fle-
Observamos que o preceito contido na Constituição de 1969 (art. 164) resultou xíveis para a implantação da Região Metropolitana, sem obstaculizar a
do estudo d~ professor Hely Lopes Meirelles, a pedido do então Ministro da Justiça, atuação estadual e municipal; ofereça a possibilidade de escolha, pelo Es-
professor MIlton Ca~pos, ~ara a refonna da Constituição de 1946 no setor municipal. tado, do tipo de"Região Metropolitana a ser instituída; tome obrigatória
Del~tre outras sugestoes, fOI apresentada a da institucionalização das Regiões Metro-
polItanas, fix~ndo-se na~uele texto constitucional sua conceituação e as diretrizes para
seu, e.stabelecl~ento e Implantação pelos Estados-membros, com participação obri- 27. A propósito dessa divisão em unidades regionais, o art. 153 da Constituição
gato~~ da l!llIao" do Estado.e do Município nos encargos técnicos e financeiros na do Estado de São Paulo, em confusas e complexas conceituações, considera Região
admllll.straçao da area. TodaVIa, ~0I? a muda~ça do titular da Pasta houve modificação Metropolitana o agrupamento de Municípios limítrofes que assuma destacada expres-
no projeto de refoJ?1a da ConstItuIção, desvIrtuando-se os tennos da proposta então são nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e
apresentada e surgmdo no art. 157, § 10, da Carta de 1967, reproduzido na EC I de de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integra-
1969 (art. 164), o texto cujo conteúdo não atingiu os objetivos desejados. ' ção sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta pennanente
Q~ando d~ elaboração da Lei Complementar 14, de 1973, o professor Hely Lo- dos entes públicos nela atuantes; Aglomeração Urbana o agrupamento de Municí-
pes ~elfellesfOl novam~nte ~olicitado a colaborar no trabalho apresentado pelo então pios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-
Prefeito de ~ao Paulo, FIguelfedo Ferraz, ao Ministério da Justiça. Referido trabalho social e urbanização contínua entre dois ou mais Municípios ou manifesta tendência
consubstancIava u~ anteproj~to d~ lei complementar acompanhado de estudo no qual nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos
foram exp.o~tas as lInhas geraiS da movação constitucional, enfatizando-se a necessida- entes públicos nela atuantes; Microrregião o "agrupamento" de Municípios limítrofes
de de pa:t:cIpação das três esferas administrativas, com as mesmas palavras constantes que apresentem, entre si, relações de interação funcional de natureza fisico-territorial,
desta edlçao. econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado com vistas a criar
condições adequadas para o desenvolvimento e integração regional.
84 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO II - ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 85

a participação do Estado e dos Municípios interessados na direção e nos A Constituição de 1988, ampliando a autonomia municipal e incluin-
recursos financeiros da Região Metropolitana; conceitue corretamente as do o Município como peça essencial da Federação, deu-lhe o poder de
obras e serviços de caráter metropolitano, para que não se aniquile a auto- editar sua própria lei orgânica, "votada.em dois turnos, com o interstício
nomia dos Municípios pela absorção de atividades de seu interesse local; mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
e, finalmente, se atribuam à Região Metropolitana poderes administrativos Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabel~cidos nest;a
e recursos financeiros aptos a permitir o planejamento e a execução das Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os segumtes preceI-
obras e serviços de sua competência sem os entraves da burocracia estataL tos" !CF,. art. 29). Essa lei orgânica, também denominada Carta Própria,
Sem estas características a Região Metropolitana não atingirá plenamente equivale à Constituição Municipal.
suas finalidades. Nesse dispositivo ficou assegurada sua tríplice lLutonomia política,
A Região Metropolitana poderá atingir vários Municípios limítrofes, administrativa e financeira, que estudaremos separadamente no capítulo
de um ou mais Estados da Federação, sendo que neste último caso a Re- seguinte.
gião Metropolitana terá que ser organizada por norma das entidades inte- Na enumeração dos preceitos constitucionais que o Município deverá
ressadas. obedecer na elaboração da sua lei orgânica constam: 28
Outra observação que se impõe é a de que a Região Metropolitana "I - eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores, para man-
não se erige em entidade estatal intermediária entre o Estado e os Muni- dato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo
.cípios. ·Na nossa organização constitucional federativa não há lugar para- o país;
uma nova entidade política. A Região Metropolitana será apenas uma área "II - eleição do prefeito e do vice-prefeito realizada no primeiro do-
de serviços especiais, de natureza meramente administrativa. Sua admi- mingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam
nistração poderá ser feita por entidade autárguica (autarquia) ou estat-ª.!. suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais
(empresa pública, sociedade de economia mista), ou até mesmo ser atri-_ de 200.000 eleitores;
~mída a um órgão do Estado (Secretaria de Estado) ou a um colegiadQ...
"III - posse do prefeito e do vice-prefeito no dia 1º de janeiro do ano
~e representantes do Estado e dos Municípios (Comissão ou Conselho), •
subseqüente ao da eleição;
segundo os interesses e as conveniências de cada Região; mas o que não se
permite é a constituição da Região Metropolitana ou da sua administração "IV - número de vereadores proporcional à população do Município,
como entidade política ou, mesmo, político-administrativa, rivalizando observados os seguintes limites:
com o Estado e o Município em poderes e prerrogativas estatais. "a) mínimo de 9 e máximo de 21 nos Municípios de até 1.000.000 de
A Região Metropolitana será sempre uma divisão simplesmente ad- habitantes;
ministrativa e a entidade ou órgão que a administrar não poderá ir além
de uma organização com autonomia administrativa efinanceira, seja com .... 28. CF, art. 29, com a redação dada pelas ECs 1, de 31.3.1992, 16, de 4.6.1997,
personalidade de direito público (autarquia), seja com personalidade de 19, de 1998, e 25, de 2000. O art. 77, referido no inc. li do art. 29, dispõe: "Art. 77.
A eleição ( ... ) realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em
direito privado (empresa estata!), seja sob a forma de órgão do Estado primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano
(Secretaria de Estado, Departamento, Divisão etc.), seja sob a modalidade ai;J.teijor ao do término do mandato ( ... ) vigente. § 12 • A eleição do ( ...) [Prefeito] im-
colegiada de Conselho ou Comissão. portará a do ( ... ) [Vice-Prefeito] com ele registrado. § 22 • Será considerado eleito ( ... ) o
candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não
computados os em branco e os nulos. § 3º. Se nenhum candidato alcançar maioria ab-
6. Lei orgânica municipal soluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação
do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito
Nos regimes das Constituições Federais anteriores a quase-totalidade aquele que obtiver a maioria dos votos válidos. § 42. Se, antes de realizado o segundo
dos Municípios Brasileiros - à exceção do Estado do Rio Grande do Sul turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á,
d~J?~YJ~sremanescentes, o de maior votação. § 5º. Se, na hipótese dos parágrafos an-
- adotava o sistema de leis orgânicas estaduais para reger a organização e fêfiorkfs;remáriescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação,
administração de todos os seus Municípios. qualificar-se-á o mais idoso".
86 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 11- ORGANIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 87

"b) mlmmo de 33 e máximo de 41 nos Municípios de maIS de "XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico
1.000.000 e menos de 5.000.000 de habitantes; do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo
"c) mínimo de 42 e máximo de 55 nos Municípios de mais de menos, 5% do eleitorado;
5.000.000 de habitantes; "XIV - perda do mandato do prefeito, nos termos do art. 28, parágra-
"V - subsídios do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários munici- fo único."
pais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que- Com a edição da EC 25, de 14.2.2000, que entrou em vigor em
dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4 Q , 150, lI, 153, III, e 153, § 2Q, I; _ 1.1.2001, foi acrescido o art. 29-A, estabelecendo restrições às despesas
"VI - o subsídio dos vereadores será fixado pelas respectivas Câma-- do Poder Legislativo Municipal, de tal modo que o total da sua despesa,
r~s ~unicipais e~ ",:ada legislatura para a subseqüente, observado o que incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos os gastos com inativos,
dlspoe esta ConstItUIção, observados os critérios estabelecidos na respec- não poderá ultrapassar o percentual da soma da receita tributária e das
tiva lei orgânica e os seguintes limites máximos: transferências aludidas nos arts. 153, § 5Q , 158 e 159 da CF, a ser definido
~'a) em Municípios de até 10.000 habitantes, o subsídio máximo dos de conformidade com a população do Município, a saber: I - 8% para
vereadores corresponderá a 20% do subsídio dos deputados estaduais; Municípios com população de até 100.000 habitantes; II -7% para Muni-
cípios com população entre 100.001 e 300.000 habitantes; III - 6% para
"b) em Municípios de 10.001 a 50.000 habitantes, o subsídio máximo
Municípios com população entre 300.001 e 500.000 habitantes; IV - 5%
dos vereadores corresponderá a 30% do subsídio dos deputados estaduais;
para Municípios com população acima de 500.000 habitantes. Além disto,
"c) em Municípios de 50.001 a 100.000 habitantes, o subsídio máximo o gasto da Câmara Municipal com folha de pagamento, incluídos os sub-
dos vereadores corresponderá a 40% do subsídio dos deputados estaduais; sídios dos vereadores, não deverá ser superior a 70% de sua receita (art.
"d) em Municípios de 100.001 a 300.000 habitantes, o subsídio má- 29-A, § 1Q ).
ximo dos vereadores corresponderá a 50% do subsídio dos deputados es- Esse sistema, agora admitido entre nós, é o das chamadas Cartas Pró-
taduais;
prias, tirado do Home Rufe Charter Norte-Americano, segundo o qual
"e) em Municípios de 300.001 a 500.000 habitantes, o subsídio má- cabe ao Município o direito de promulgar a lei básica de sua organização,
ximo dos vereadores corresponderá a 60% do subsídio dos deputados es- atendidos os preceitos e princípios da Constituição da República e os con-
taduais; sagrados na Constituição do respectivo Estado-membro.
"f) em Municípios de mais de 500.000 habitantes, o subsídio máximo No sistema anterior cabia sempre ao Estado-membro ditar, em pri-
dos vereadores corresponderá a 75% do subsídio dos deputados estaduais; meiro lugar, os princípios gerais da organização municipal, quer no re-
"VII - o total da despesa com a remuneração dos vereadores não po- gime das leis orgânicas, em que descia a minúcias, consolidando todos
derá ultrapassar o montante de 5% da receita do Município; os preceitos aplicáveis aos seus Municípios, quer no regime das Cartas
"VIII - inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e Próprias, adotado pelo Estado do Rio Grande do Sul desde sua primeira
votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município; Constituição,29 onde essa tarefa era deferida a cada Município.
"IX - proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, si- Em última análise, as Cartas Próprias, que anteriormente eram sim-
milares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros ples regulamento das disposições constitucionais e das normas estaduais,
do Congresso Nacional e, na Constituição do respectivo Estado, para os agora são autônomas, criando direitos e concedendo poderes, dentro das
membros da Assembléia Legislativa; prerrogativas que lhes foram outorgadas pela Carta de 1988. 30
"X - julgamento do prefeito perante o Tribunal de Justiça;
29. Júlio de Castilhos, Exposição de Motivos da Lei Estadual 19, de 12 de janeiro
"XI - organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câma- de 1897; Fernando Antunes, Do Município Brasileiro, pp. 93 e ss.
ra Municipal; 30. Entre os dois sistemas -lei orgânica estadual e lei orgânica municipal-, con-
"XII - cooperação das associações representativas no planejamento tinuamos a entender mais vantajoso aquele sobre este, porque o das Cartas Próprias
municipal; Municipais confere um exagerado poder de auto-organização, para o exercício da qual
a maioria dos Municípios Brasileiros não está preparada. E, além disso, a multifária le-
88 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Anote-se, finalmente, que o Poder Legislativo Municipal não pode, '.;


a pr~texto de elaborar a lei orgânica - process() legislativo excepcional
destmado a dar estrutura e organização ao Município -, dispor sobre ma-
téria de lei ordinária, com o intuito de arredar a participação do Executivo,
subtraindo-lhe o direito de vetar, sancionar e promulgar atos normativos'
dessa natureza. :;;

Capítulo 111
AUTONOMIA MUNICIPAL

1. A organização política nacional. 2. Soberania e autonomia. 3. A au-


tonomia municipal: 3.1 Autonomia política: 3.1.1 Poder de auto-organi-
zação - 3.1.2 Eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores
e legislação local - 3.2 Autonomia administrativa: 3.2.1 Administração
própria, organização dos serviços públicos locais e ordenação do territó-
rio municipal- 3.3 Autonomiaflnanceira: 3.3.1 Decretação de tributos e
aplicação das rendas municipais. 4. Intervenção do Estado no Municipio:
~ '; 4.1 Considerações gerais - 4.2 Falta de pagamento de dívida fundada -
4.3 Falta de prestação de contas - 4.4 Falta de aplicação da percentagem
constitucional da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento
do ensino e em ações e serviços públicos de saúde - 4.5 Inobservância
dos princípios indicados na Constituição Estadual, descumprimento de lei,
ordem ou decisão judicial.

1. A organização política nacional

No limiar deste capítulo permitimo-nos relembrar algumas idéias bá-


sicas sobre formas de Estado e sistemas de governo para que o conceito
de autonomia municipal possa ser devidamente situado na organização
política nacional,
A Constituição da República, em seu art. 1º, declara:
"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
"I - a soberania;
gislação municipal que se estabelece com o regime fracionário das Cartas Próprias se "lI - a cidadania;
n?s afigura inútil, .e até mesm~ prejudicial, pois a diversidade de legislação municipal
dlfi.culta o conhecl.~ento d~ lei local - e o fato é tão freqüente entre nós que o próprio
"IH - a dignidade da pessoa humana;
l~g.lslador ~eder~l Ja o sentIa, ~ ponto de dispensar os juízes do conhecimento obriga- "IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
tono da.le~ls~açao local, autonzando-os a exigir, da parte que a invoca, a prova do seu
teor ~ ~l~encla (CP<;, art. 337). No mesmo sentido, v. Georges Ripert, ao comentar a
"V - o pluralismo político.
multIphcld~de de leiS das mais de 30 mil Comunas Francesas, com legislação própria "Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
(Georges Rlpert, O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno, pp. 19 e ss.). de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
III - AUTONOMIA MUNICIPAL 91
90 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

E em seu art. 18 reafmna: "A organização político-administrativa da Sistema Presidencial é aquele em que o Poder Executivo é exercido
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito ·pessoalmente pelo presidente da República, diversamente do que ocor-
unl ·d
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição". re no Sistema Parlamentar, em que tal Poder se reparte entre o preSI ente
Isto significa que, quanto à estrutura do Estado (Nação), o Brasil é e o Gabinete.
uma Federação; quanto àforma de governo, é uma República; quanto à Democracia é o regime de participação do povo no governo, através
forma de investidura dos governantes, adota o sistema eletivo direto. de eleição para as funções políticas. É o regime que assegura as li?erdades
públicas e garante os direitos individuais do cidadão. Nesse sentldo é que
Vejamos o exato significado dos conceitos enunciados no texto cons-
se diz que é o governo do povo, pelo povo e para o povo.
titucional, bem assim o de Sistema Presidencial e Democracia. l
Federação é o Estado Soberano constituído de Estados-membros
autônomos, vinculados definitivamente à União, que realiza o governo 2. Soberania e autonomia
nacional e descentraliza a Administração entre as unidades federadas. É Soberania é o poder exclusivo e absoluto do Estado (Nação) de se
sabido que, do ponto de vista da estrutura estatal, os Estados Soberanos se organizar e se dirigir de acor~o com sua vontade inc~ercí~el e incontra~­
classificam em Federais, Confederados e Unitários. 2 tável sancionada pela força. E o poder de autodetermmaçao. A Soberama
Estado Federal é o que divide politicamente seu território em unida- Naci~nal nos Estados Democráticos emana do povo e em seu nome é exer-
des autônomas - Estados-membros ou Províncias - e reserva a Soberania cida (CF, art. 1º, I, e parágrafo único). Como poder de governo, pertence à
3
Nacional para a União, que exerce o governo central. Nesse tipo de Estado Nação e só encontra limites na determinação do próprio Estado.
há uma centralização política dos assuntos nacionais e uma descentraliza- . Nas Federações, como a nossa, a Soberania Nacional é da União, que
ção político-administrativa dos assuntos regionais e locais. No Brasil essa a exerce interna e externamente. Os Estados-membros e os Municípios
descentralização político-administrativa da Federação desce até os Muni- auferem parcelas da Soberania interna da Uniã~, ~a! não são ~oberanos,
cípios, como já vimos precedentemente (Capítulo I, item 9). pois que recebem apenas, por outorga da ConstltulÇao, determmados po-
República é forma de governo caracterizada pela temporariedade das deres políticos e administrativos, necessários à composição de seu gover-
funções políticas e pela responsabilidade dos governantes, diversamente no e à gestão de seus negócios internos.
da Monarquia, em que o soberano é vitalício e irresponsabilizável. Autonomia é prerrogativa política outorgada pela Constituição a enti-
Regime Representativo é o modo de composição do governo no qual dades estatais internas (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios)
o povo elege seus representantes para os Poderes Executivo e Legislativo, para compor seu governo e prover sua ,Admini~tr.ação ~egun,do.o orde~a­
sendo facultativa essa forma de investidura no Judiciário. mento jurídico vigente (CF, art. 18). E a admImstraçao propna da~Ullo
que lhe é própriQ. Daí por que a Constituição assegur~ ~ aut~nomI,a ~o
1. Sobre estes conceitos, v.: Sampaio Dória, Curso de Direito Constitucional, Município pela composição de seu governo e pela admmIstraçao propna
São Paulo, 1946; Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, São Paulo, 1954; Afonso Ari- no que conceme ao seu interesse local (art. 30, I).
nos de Melo Franco, Estudos de Direito Constitucional, Rio de Janeiro, 1957; Paulo
Dourado de Gusmão, Manual de Direito Constitucional, Rio de Janeiro, 1957; Paulino Evidencia-se dessa conceituação que os Estados-membros, o Distri-
Jacques, Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro, 1958; Machado Paupério, to Federal e os Municípios não têm Soberania, mas têmA.utonomia p~ra
Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro, 1958; José Luiz de Anhaia Mello, O Estado imprimir direção própria nos negócios que lhes sã? própnos. A despeIto
Federal e suas Novas Perspectivas, São Paulo, 1959; Carlos S. de Barros Júnior, "A dessa distinção, nos primórdios da República, a LeI 1, de 15.11.18~9,. d:-
representação política", RT 236/19; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários
clarou, erroneamente, os Estados-membros soberanos, mas a ConstltulÇao
à Constituição Brasileira, São Paulo, 1972; José Afonso da Silva, Curso de Direito
Constitucional Positivo, 30ª ed., 2008. de 1891 e as demais que se seguiram corrigiram o equívoco e reafirmaraJ?
2. Estados Confederados são os que se associam para interesses comuns, man- a forma federativa do Brasil, dentro da qual não há lugar para a soberama
tendo cada qual a Soberania Nacional própria e o governo independente da Confede- dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.
ração. Estados Unitários são os que reúnem todo o governo nos órgãos centrais da
Soberania Nacional, sem admitir divisão política de seu território, ou entidades estatais
3. Georges Burdeau, Droit Constitutionnel et ~nstituti~ns.Politiques, pp. 102 e
autônomas (Estados-membros ou Províncias), sendo todas as Administrações subordi-
ss.; Maurice Duverger, Institutions Politiques et DrOlt ConstltutlOnnel, pp. 64 e ss.
nadas ao governo central.
92 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IH - AUTONOMIA MUNICIPAL 93

Os Estados-membros participam da Soberania Nacional, mas não dis- atingirem em sua essência". Tal é a opinião do professor Meirelles Teixeira, 6
põem desse poder, que é inerente à União e exclusivo dela. 4 A Nação, sim, com apoio nos mais autorizados publicistas pátrios e estrangeiros.?
é soberana, porque decide do seu destino sem limitações à sua vontade; Na utilização desses direitos constitucionais não há prevalência da
organiza sua Constituição e a faz respeitar pela força, se necessário for. lei federal ou estadual sobre a municipal. O governo local é que provê a
Nesse sentido é que se conceitua a Soberania como poder incoercível e Administração em tudo quanto respeite ao interesse local do Município,
incontrastável, isto é, sem outro que a ele se oponha ou delimite seu exer- repelindo, por inconstitucional, qualquer intromissão de outro órgão, au-
cício. À Soberania só se opõe a mesma Soberania, no respeito à Consti- toridade ou poder. Só há hierarquia entre as leis quando, por inexistir ex-
tuição, que é a concretização da vontade nacional emanada da Assembléia clusividade de Administração, as três entidades (União - Estado-membro
Constituinte, fonte e origem de todo o poder da Nação. _ Município) regularem concorrentemente a mesma matéria, caso em que
A Autonomia não é poder originário. É prerrogativa política conce- a lei municipal cede à estadual, e esta à federal. Impropriamente se diz que
dida e limitada pela Constituição FederaP Tanto os Estados-membros, o o Município está subordinado à União e ao Estado-membro. Não ocorre
Distrito Federal como os Municípios têm sua autonomia garantida consti- tal subordinação. O que existe são esferas próprias de ação governamen-
tucionalmente, não como um poder de autogoverno decorrente da Sobera- tal, que decrescem gradativamente da União para o Estado-membro e do
nia Nacional, mas como um direito público subjetivo de organizar seu go- Estado-membro para o Município. Não há, pois, submissão do Município
verno e prover sua Administração, nos limites que a Lei Maior lhes traça. ao Estado ou à União, porque nenhuma dessas entidades pode substituir
No regime constitucional vigente não nos parece que a autonomia muni- o governo local na solução de casos afetos à Administração Municipal;
cipal seja delegação do Estado-membro ao Município para prover sua Ad- o que há é respeito recíproco pelas atribuições privativas de cada qual.
ministração. É mais que delegação; é faculdade política, reconhecida na Desses princípios é que dimana o cânon constitucional da independência
própria Constituição da República. Há, pois, um minimum de autonomia e harmonia dos Poderes (art. 2Q), e que deve ser entendido não só com re-
constitucional assegurado ao Município, e para cuja utilização não depen-
, lação aos órgãos da Soberania Nacional (Legislativo, Executivo e Judiciá-
",
de a Comuna de qualquer delegação do Estado-membro. Pode, entretanto, rio), mas também com pertinência às entidades da estrutura estatal (União
o Estado-membro delegar atribuições que ampliem as franquias munici- - Estados - Municípios). Se a União ou o Estado-membro, extravasando
pais, além das estabelecidas na Constituição da República, desde que não dos limites de sua competência, invadir a órbita privativa da Administra-
se despoje de poderes que lhe são privativos, por se referirem a interesses ção Municipal, pode o Município recorrer ao Judiciário para compelir o
regionais e não locais. No âmbito municipal há a distinguir, pois, duas poder federal ou estadual a se recolher aos lindes que a Constituição lhe
ordens de atribuições, que entendem com sua autonomia: uma de origem assinala (CF, art. 34, VII, "c").
constitucional federal, e que representa o direito mínimo do Município em Outra idéia mais ou menos arraigada entre nós, mas que urge ser afas-
relação ao Estado-membro e à própria União; outra de concessão estadual, tada, por inexata, é a de que a autonomia municipal é inerente ao regime
e que representa o direito máximo do Município em relação ao Estado- federativo. Consoante demonstram nossos autorizados publicistas, a au-
membro a que pertence. Quanto às primeiras, são imutáveis e irredutíveis tonomia municipal nada tem que ver com a forma federativa do Estado
por qualquer lei ou poder; as segundas poderão ser reduzidas, ampliadas
ou retiradas pelo Estado-membro, por lei idêntica à que as delegou ao 6. Estudos de Direito Administrativo, v. I, p. 245; O Estatuto dos Funcionários e
Município. a Autonomia Municipal, p. 38.
No que concerne às atribuições mínimas do Município, erigidas em 7. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1946, t. I, p. 481; Sampaio
Dória, "Autonomia dos Municípios", Revista da Faculdade de Direito de São Paulo
princípios constitucionais garantidores de sua autonomia (arts. 29-30), XXIV/419; João Mendes Júnior, "As idéias de Soberania, Autonomia e Federação",
constituem "um verdadeiro direito público subjetivo, oponível ao próprio Revista da Faculdade de Direito de São Paulo XXl240; José Afonso da Silva, "Ino-
Estado (União), sendo inconstitucionais as leis que, de qualquer modo, o vações municipais na Constituição de 1988", em homenagem póstuma a Hely Lopes
Meirelles, RT 669/11-28; Raul Machado Horta, "Posição do Município no direito cons-
titucional federal brasileiro", RDP 63/12-17; Guilherme Calmon Nogueira da Gama,
4. Reynaldo Porchat, "Posição jurídica dos Estados Federados perante o Estado "A autonomia do Município Brasileiro", Revista Jurídica-Instituição Toledo de Ensi-
Federal", Revista da Faculdade de Direito de São Paulo XV/61. no; Jellinek, Diritti Pubblici Subbietivi, p. 316; Fleiner, Les Principes Généraux du
5. Carlos Medeiros Silva, parecer in RDA 48/474. Droit AdrninistratifAlternand, p. 80; Ranelletti, Istituzioni di Diritto Pubblico, p. 499.
III - AUTONOMIA MUNICIPAL 95
94 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

(Nação).8 Federações existem - como os Estados Unidos da América do " lO A· ta-se essa opinião à dos juristas que consideram a auto-
Norte - que não consignam em seu texto constitucional uma só palavra à excessos
. . . . JUs1 assegurada na Constituição, como um d·· lrelto pu'bl·lCO
onna mUlllC1pa , . d d -
autonomia municipal, e nem por isso o regime federativo se desnatura. 9 n . --1',r; iCl'P' io para cuja tutela dispõe seu tItular e to as as açoes
ubietlvo uO lV1un , ,- ·d d
s 'J ocessuais oponíveis a qualquer poder, orgao, auton a e ou
As Constituições Republicanas preferiram, entretanto, inscrever em e recursos p r , , .
seus textos, de par com os princípios federativos, os lineamentos da auto- . I r que obste ou embarace seu exercI CIO.
partI cu a
nomia municipal - método que, no dizer de Castro Nunes, leva vantagem
sobre o norte-americano, por evitar a diversidade caótica de critérios ado- 3.1 Autonomia política
tados pelos Estados-membros para conceder essa prerrogativa aos seus
Municípios. 3..1 1 poder de auto-organização
A capacidade de auto-organização vem expressa ~o ~rt. ~9, ~ap.ut,
3. A autonomia municipal da CF, com a pennissão de o Município elab~rar sua propna leI org~lllca.
Dessa c:J.orrna , o Município atinge o ponto
. mms. . alto de sua
.. autonomIa
. P po- .
A atual Constituição da República, além de inscrever a autonomia 't· devendo submissão apenas aos dISpOSItIVOS constItuCIOnaIs. erml~
como prerrogativa intangível do Município, capaz de autorizar até a in- lI lca, , I d . 1I
timo-nos remeter o leitor ao item 6 do CapItulo I ,on e exammamos a e
tervenção federal, para mantê-la ou restaurá-la, quando postergada pelo orgânica municipal.
Estado-membro (art. 34, VII, "c"), enumera, dentre outros, os seguintes·
princípios asseguradores dessa mesma autonomia: a) poder de auto-orga- 3.1.2 Eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores
nização (elaboração de lei orgânica própria); b) poder de autogoverno,
e legislação local
pela eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores; c) poder
normativo próprio, ou de autolegislação, mediante a elaboração de leis A eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereado:e~ ~ a re-
municipais na área de sua competência exclusiva e suplementar; d) poder gra constitucional asseguradora da autonomia políticc: do MUlllClpIO (CF,
de auto-administração: administração própria para criar, manter e prestar art. 29). Desde que a Constituição pretendeu garantrr o. self-l5.0~ern~:nt
os serviços de interesse local, bem como legislar sobre seus tributos e _ vale dizer, o governo local próprio -, tornou-se uma lmpoSlÇao l~glca
aplicar suas rendas. a escolha, pelos eleitores locais, dos seus representantes .no E:,-ecutlvo e
Essa enumeração não é taxativa, nem exaure as atribuições munici- no Legislativo Municipal. Isto porque ~ como. bem defin~u J?ao. ~~~des
pais, mas constitui o mínimo de autonomia que os Estados-membros e a Júnior _ a autonomia é a "direção própna daqUllo que lhe e prop~? Ea
própria União devem reconhecer em favor do Município, nada impedindo, direção própria começa, para o Município, na escolha de seus dmgentes.
todavia, que concedam outras franquias à Administração local. No sistema A Constituição Federal de 1988 extinguiu totalmente a nomeação de
constitucional brasileiro, que é o de poderes enumerados, as competências prefeito em qualquer Município. "
são, em regra, estanques, salvo as que expressamente a Lei Magna declara A eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores processa-se
concorrentes ou comuns (CF, arts. 23-24). Daí a oportuna observação do simultaneamente em todo o país, para mandato de quatro anos (CF, art. 29,
professor Odilon de Andrade de que, "delimitada a esfera de competência I) no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato
de cada uma das entidades administrativas - União, Estado, Município -, d~s que devam suceder (CF, art. 29, 11, com a redação dada pela EC 16, de
nenhuma interpenetração pode haver entre elas; nesse sentido é que se diz
que, no âmbito de suas atribuições, o Município está acima do Estado e da
10. RDA 19/22. No mesmo sentido, sobre a Constitu~ç~o _F~,dera1 de 19~8, ;.:
União, só podendo refreá-lo o Judiciário, por ação própria, quando comete D· A k I Filho "A autonomia municipal na nova Constltulçao , RT 635/37, Ad.I1-
s;~r;::~b~e~ Dallari, "O Município na Constituição .de 1988", in Bol:tim de DireIto
8. Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, p. 111; Municipal 8, NDJ, agosto de 1989; José Afonso da SIlva, Curso ... ,30- ed., 2008, pp.

~
Sampaio Dória, Curso ... , v. lI, p. 66; J. H. Meirelles Teixeira, Estudos ... , v. I, p. 157. 640ess. d d D· . d S-
9. DilIon, Commentaries on the Law ofMunicipal Corporation, v. I, p. 81; Tucker, 11. João Mendes Júnior, "As idéias ... ", Revista da Faculda e e Irelto e ao

I
The Constitution ofthe United States, v. I, pp. 832 e ss. Paulo XXl251.
96 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 97

1997), de acordo com normas uniformes estabelecidas pela União (CF, art. . d pela legislação federal ordinária, nem pelas Constituições ou leis
22, I) e com os direitos políticos constantes da Lei Magna (arts. 14-17), na o
estaduais, conforme tem " d eCl'd'd T 'b . 14
I o os n unals.
como regras constitucionais delineadoras do nosso sistema eleitoral. Voto secreto é o que se dá ao candidato com sigilo no ato da vota-
Nos Municípios com mais de 200 mil eleitores toma-se obrigatório ão de modo a não se identificar a preferência do eleitor. Tal sistema só
o segundo turno, entre os dois candidatos mais votados para o Executivo ioi ~dotado no Brasil pelo Código Eleitoral de 1932 (Decreto 21.076, de
local, se o primeiro colocado não "obtiver a maioria absoluta de votos, não 24.2.1932), visto que na Monarquia e na República, dur:ante a vigência da
computados os em branco e os nulos" (CF, art. 29, lI, c/c o art. 77 e §§). Constituição de 1891, sempre se adotou o voto público, ou descoberto,
com os mais funestos resultados para a verdade eleitoraL O voto público
A posse dos eleitos dar-se-á no dia 12 de janeiro do ano subseqüente
traz em si a possibilidade de coação ao eleitor e da perseguição política
ao da eleição, em todos os Municípios (CF, art. 29, IlI).
ao adversário - métodos, esses, que foram largamente utilizados anterior-
Regulando a matéria, dispõe o Código Eleitoral 12 que o sufrágio é mente e que hoje estão reduzidos a um mínimo inevitável.
universal e direto, e o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos, sen- O voto é obrigatório, no sistema eleitoral vigente, para os maiores de
do fqcultativo para os analfabetos, para os maiores de 70 anos e para os 18 e menores de 70 anos(CF, art. 14, § 12, I-lI, "b"). Tal orientação, sobre
maiores de 16 e menores de 18 anos (CF, art. 14, § 12) e secreto (art. 82); ser inútil (porque o eleitor pode comparecer à eleição e votar em branco),
na eleição de p~efeitos e vice-prefeitos prevalecerá o princípio majoritário parece-nos contrária à liberdade individual que o cidadão deve usufruir
(art. 83); a eleição para as Câmaras Municipais obedecerá ao sistema de em todo Estado de Direito, como é o nosso. Sobre ser inútil, na prática, é
representação proporcional e partidária (arts. 84 e 105 e ss.), sendo que o até nociva, porque da obrigatoriedade se aproveitam os interessados nas
número de vereadores será proporcional à população, devendo ser fixado eleições para coagir o eleitor inculto a votar no candidato que lhe facilitar
na lei orgânica de cada Município, obedecidos os limites constitucionais a retirada do título e a condução ao local da votação. Como juiz eleitoral,
(CF, art. 29, IV, "a"-"c").13 encontramos eleitores de reduzida instrução e pouco discernimento que
Stifrágio universal é a extensão do direito de voto a todos os cidadãos se consideravam presos aos candidatos que lhes providenciaram a qua-
capazes de o exercerem, sem distinção de sexo, instrução, riqueza ou qual- lificação. Ora, se o voto não fosse obrigatório o eleitor inculto e desinte-
ressado dos problemas nacionais não se submeteria à coação dos "cabos
quer outro atributo que caracterize o indivíduo na sociedade. Ao conceito
eleitorais" e dos "alistadores", que usam da obrigatoriedade do voto para
de sufrágio universal se opõem o sufrágio censUário, que é o voto limitado
ameaçar com as sanções legais e tomá-lo cativo do partido político que
aos cidadãos que possuam um mínimo de bens, e o sufrágio qualificado,
lhe facilita a obtenção do título. Outro inconveniente da obrigatoriedade
que é o voto só concedido aos que se apresentem com determinado grau
de instrução. do voto é a desmoralização que traz à Justiça Eleitoral, pela impossibi-
lidade de punir os infratores, que, em cada eleição, orçam aos milhares.
Voto direto é o que o eleitor dá imediatamente ao candidato sem ele- Lamentavelmente, essa orientação foi mantida e, de certa forma, reforçada
ger col,égios que, por sua vez, procedam a nova eleição para os p~stos mais na atual Constituição, ao possibilitar o exercício do voto aos analfabetos
altos. E o voto dado pessoalmente pelo eleitor ao prefeito e aos vereadores (art. 14, § 12 , lI, "a"). Por outro lado, a mesma Constituição faculta o voto
de sua escolha. O voto direto, pois, faz parte do sistema eleitoral adotado aos maiores de 16 e menores de 18 anos (art. 14, § 12 , lI, "c"), inclusive
pelo constituinte, e, como princípio constitucional, não pode ser contra- àqueles que ainda não tenham o título de eleitor, mas completem 16 anos
até o dia da eleição.
12. O Código Eleitoral vigente é a Lei 4.737, de 15.7.1965, com várias altera- Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o pe-
çõ~s. V. também a Lei 9.096, de 1995, que é a Lei Orgânica dos Partidos Políticos e a
LeI 9.504, 30.9.1997, que regula as eleições. , ríodo do serviço militar obrigatório, os conscritos (CF, art. 14, § 2 2 ).
13. De acordo com o art. 29, VI, da Constituição Federal, o subsídio dos Vereado-
r~~ será fixado pelas respectiyas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subse-
3.1.2.1 Eleição - Para a eleição de prefeito e vice-prefeito prevalece,
quente, o?servadas as dISpOSIções da respectiva Lei Orgânica e da própria Constituição como já vimos, o princípio majoritário, isto é, vence o candidato que ob-
e obedeCIdos os seus limites máximos (arts. 29, VI, e 29-A). Mas é importante obser-
var que o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá ultrapassar o 14. STF, RDA 45/366 e 56/298, RT246/599; TSE, Resoluções 118, de 20.4.1950,
montante de 5% da receita do Município (art. 29, VII). e 3.309, de 25.11.1949; TRE, in Boletim Eleitoral (SP) 66/1.935 e 111/1.944.
98 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

tiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos (Lei


federal 9.504, de 30.9.1997, art. 3º, §§ 1º e 2º, c/c o art. 2º).15 No princípio
r' III - AUTONOMIA MUNICIPAL

aI - vale dizer, que tenham conseguido eleger pelo menos um candidato,


~om votação da legenda. Em caso de empate ter-se-á por eleito o candidato
99

majoritário desaparece o direito da minoria, razão pela qual só é adotado mais idoso. Se nenhum partido alcançar o quociente eleitoral considerar-
para investidura em cargo único. se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais
Na eleição de vereadores adota-se sempre o sistema de representação votados de todos os partidos concorrentes.
proporcional, a fim de dar ensejo à participação das minorias nos corpos Considerar-se-ão suplentes da representação partidária os candidatos
legislativos. Já que o povo não pode estar presente no governo, faz-se re- mais votados sob a mesma legenda e não eleitos. Em caso de empate na
presentar por seus mandatários. Todavia, como ponderou judiciosamente votação serão chamados para suplência na ordem decrescente da idade
o professor Sampaio Dória, "a perfeição absoluta estaria em que o gover- (Código Eleitoral, art. 112, lI). Não se considera suplente o candidato sem
no constituído representasse a unanimidade de opiniões dos governados. voto, por não ser representante de qualquer eleitor.
Mas, sendo a unanimidade uma utopia - prossegue o eminente Mestre -,
Ocorrendo vaga na Câmara e não havendo suplente para preenchê-
o que cumpre é reduzir os males inevitáveis da representação ao mínimo
la far-se-á eleição em data marcada pelo TRE. O Código Eleitoral, no
dos mínimos, de sorte que toda fração ponderável da opinião pública, toda
art. 113, dispunha que tal eleição só seria realizada se faltassem mais de
fração representável do eleitorado, tenha sempre, na medida de sua força,
nove meses para o término do mandato. A Constituição atual dispõe que
representantes nos corpos deliberativos".16
a eleição para o preenchimento de vagas na Câmara dos Deputados e no
Representação proporcional é o critério de distribuição dos lugares Senado Federal só será realizada se faltarem mais de 15 meses para o
de uma corporação deliberativa entre os candidatos que a eles concorram. término do mandato (art. 56, § 2º), entendendo os Tribunais que esse pra-
No caso do Brasil prevalece o sistema partidário, e, por isso, os lugares zo se aplica também às vagas nas Câmaras Municipais. Como se contará
nas Câmaras não são repartidos entre os candidatos individualmente, mas esse prazo? Da data da ocorrência da vaga ou da data da nova eleição?
entre os partidos que disputam a eleição e que alcancem quociente eleito- A Justiça Eleitoral tem entendido que a eleição para o preenchimento de
ral. E quociente eleitoral nada mais é que o resultado da divisão do núme- vaga será marcada se esta tiver ocorrido antes dos 15 meses previstos na
ro de votos válidos de cada eleição pelo número de lugares a preencher. Constituição. 17
Obtido o quociente eleitoral, pelo método já explicado, busca-se, então,
o quociente partidário, que é o resultado da divisão do número de votos Para o preenchimento de vagas de vereadores a lei federal já dispõe
válidos de cada partido (legenda) pelo quociente eleitoral previamente a respeito, o que tolhe a iniciativa do legislador municipal sobre o mesmo
determinado. assunto.
O quociente partidário, desprezada a fração, indica o número de can- 3.1.2.2 Diplomação - Realizada a eleição, apurados os votos e de-
didatos eleitos pelo respectivo partido, na ordem da votação nominal que cididos os recursos interpostos, segue-se a· diplomação dos eleitos, pelo
cada candidato tenha recebido. juiz eleitoral da zona em que estiver situado o Município, e com esse ato
Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes parti- termina a competência da Justiça Eleitoral, iniciando-se a da Justiça Co-
dários serão distribuídos entre os partidos concorrentes, pelo critério das mum, para conhecer e decidir as questões relativas à posse e ao exercício
sobras, que consiste em se dividir o número de votos válidos, atribuídos do mandato do prefeito e dos vereadores, salvo no caso de impugnação ao
a cada partido, pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo mandato do prefeito, do vice-prefeito e vereadores, no prazo de 15 dias,
ao partido que apresentar a maior média um dos lugares a ser preenchido. contados da diplomação, a qual será feita perante a Justiça Eleitoral (CF,
Repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos outros lugares. art. 14, § 10).
Convém acentuar que só poderão concorrer ao preenchimento das vagas, Com a diplomação - ou seja, com o reconhecimento formal dos elei-
na distribuição das sobras, os partidos que tiverem obtido quociente eleito- tos - encerra-se a competência da Justiça Eleitoral, porque as questões
que surgirem quanto à posse e ao exercício do mandato são pertinentes a
15. Cf Odyr Porto e Roberto Porto, Apontamentos à Lei Eleitoral, 1998; Ney incompatibilidades e impedimentos (e não a inelegibilidades ou a vícios
Moura Teles, Direito Eleitoral, 1998; Ricardo Penteado, Manual das Eleições, 2004.
16. Curso ... , v. I, p. 384. 17. TRE/SP, Acórdão 76.213, Boletim Eleitoral 15-16/5.
100 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 101

da eleição) - questões, essas, que escapam à sua alçada, por versarem Além das inelegibilidades gerais previstas na Constituição Federal,
matéria tipicamente administrativa, e não eleitoral. Desde a posse toda a Lei Complementar 64, de 18.5.1990,21 promulgada em c?nformidade
controvérsia relacionada com mandato de prefeito, vice-prefeito e verea- com o art. 14, § 9º, da Carta Magna, estabelece outras enunCIadas em seu
dor fica sujeita ao julgamento do Tribunal de Justiça (no caso do prefeito) ?,
art. 1º, I, e § 1º. Essa lei complementar veio substituir a de n. ~e .1970,
e do juiz de direito com jurisdição no Município, e não do juiz eleitoral saneando a omissão, por nós apontada, quanto aos prazos de vIgencIa das
que presidiu as eleições,18 embora possam ser a mesma pessoa, com nm- inelegibilidades, fixados, agora, para todas as hipóteses.
ções distintas. Entretanto, reiteramos a crítica externada em edições anteriores quan-
As leis orgânicas, em geral, estabelecem que os vereadores tomem to à inconstitucionalidade de lei infraconstitucional, não obstante de cará-
posse perante o juiz de direito, e o prefeito e vice-prefeito perante a Câma- ter complementar, fixar prazo para a reaquisição da elegibilidade de forma
ra. Essa posse concretiza-se pelo compromisso lavrado em ata nos livros a conflitar com o disposto no art. 15,111, da Carta Magna. Nos termos des-
respectivos da Câmara e da Prefeitura. se dispositivo constitucional, a suspensão dos direitos políticos vigorará
As inelegibilidades e as incompatibilidades ou impedimentos mere- enquanto perdurarem os efeitos da condenação criminaU2
cem algumas considerações doutrinárias. As hipóteses de inelegibilidades contempladas no inciso I do art. 1º
da Lei Complementar 64, de 1990, indicam a preocupação de punir os que,
3.1.2.3 Inelegibilidades 19 -inelegibilidades são restrições opostas à para se eleger ou no exercício de mandato ou cargo público, abusaram do
eletividade de certos cidadãos em razão de condições pessoais ou por exer- poder econômico ou político, afrontaram os princípios éticos do .decoro
cerem ou terem exercido determinado cargo ou função dentro de certo pe- parlamentar, descumpriram as normas legais a que estavam submetIdos ou
ríodo anterior à eleição. As inelegibilidades, por caracterizarem restrição cometeram atos de improbidade administrativa.
ao exercício da cidadania brasileira, só podem ser previstas ou autorizadas As inelegibilidades especiais para o cargo de prefeito estão consubs-
pela Constituição, neste último caso mediante lei complementar federal tanciadas nas situações previstas nos §§ 3º, VI, 5º e 7º do art. 14 da CF.
(art. 14, § 9º). Advirta-se desde logo que inelegibilidade não se conftmde Essas inelegibilidades constitucionais atingem o candidato que: a) não ti-
com incompatibilidade ou impedimento para o exercício de mandato ele- ver 21 anos; b) houver exercido o cargo por qualquer tempo no período
tivo, como veremos adiante. imediatamente anterior (irreelegibilidade); c) tenha sucedido ou substi-
As inelegibilidades podem ser gerais ou especiais. São gerais as que tuído o prefeito nos seis meses anteriores ao pleito; d) seja cônjuge ou
vedam candidaturas a quaisquer cargos; são especiais as que visam a de- parente consangüíneo ou afim, até o 2º grau ou por adoção,23 do prefeito
terminados cargos ou pessoas.
As inelegibilidades gerais alcançam indistintamente todos os inalis- ticos, dada a inexistência da lei complementar prevista no art. 149, § 3º, da CF de 1969
táveis e os analfabetos (CF, art. 14, § 4º), sendo condições de elegibilidade (DJU 29.5.1972). Agora, pelo disposto no inciso m do art. 15 da CF, o conden~do
com sursis fica corri seus direitos políticos suspensos, porque permanecem os efeItos
geral as especificadas no § 3º, I-V, do mesmo art. 14. Por outro lado, a per- da sentença.
da ou suspensão dos direitos políticos só se dará nas seguintes hipóteses: 21. A Lei Complementar 81, de 13.4.1994, alterou a redação da alínea "b" do
a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; b) inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64, de 1990, para elevar de três para oito anos
incapacidade civil absoluta; c) condenação criminal transitada em julgado, o prazo de inelegibilidade para os parlamentares que perderem o mandato por falta de
enquanto durarem seus efeitos; d) recusa de cumprir obrigação a todos im- decoro parlamentar.
posta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; e) improbidade 22. Os efeitos penais da condenação cessam com o cumprimento da pena prin-
administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (CF, art. 15).20 cipal, da medida de segurança detentiva ou do sursis, com o decurso do lapso pres-
cricional ou, ainda, com a concessão de graça ou indulto, que extingam a pena, ou de
anistia, independentemente do pedido e deferimento da reabilitação. Assim send.o, .a
18. Boletim Eleitoral (SP) 18/209, 40/579, 48/620, 55/741 e 94/1.513; RT exigência da Lei Complementar 64, de 1990, não pode prevalecer sobre a da ConstItuI-
180/236, 183/236, 184/86, 207/93 e 208/345. ção Federal, que prevê a reaquisição dos direitos políticos - e, conseqüentemente, da
19. Sobre inelegibilidade v. BDM21111, 1996. elegibilidade - tão logo cessem os efeitos da sentença condenatória.
20. Até 1972 entendia-se que o condenado em gozo de sursis também permane- 23. Parentesco por consangüinidade é o que se estabelece por laços de nascimen-
cia com seus direitos políticos suspensos. No julgamento da APenaI 204-MA o STF to; parentesco por afinidade, o que se estabelece entre cada cônjuge e os parentes do
assentou que a suspensão condicional da pena não importa suspensão dos direitos polí- outro, em razão do casamento. O parentesco estende-se na linha reta (de pais a filhos) e
102 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 103

ou de quem o tenha substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito. art. 128 da Constituição, estão eles, agora, proibidos de exercer qualquer
São ainda inelegíveis para o cargo de prefeito o presidente da República e atividade político-partidária, sem exceções.
os governadores de Estado e do Distrito Federal que não renunciarem ao Além dessas inelegibilidades e das de caráter geral, já mencionadas
respectivo mandato até seis meses antes do pleito (CF, art. 14, § 6º). Quan- acima, nenhuma outra poderá ser oposta ao candidato a prefeito por leis
to ao militar, se alistável, será elegível, atendidas as condições previstas federais (ordinárias), estaduais ou municipais, uma vez que tal matéria só
nos incisos do § 8º do já citado art. 14: a) se contar menos de 10 anos de pode constar da Constituição da República ou da lei complementar espe-
serviço deverá afastar-se da atividade; b) se contar mais de 10 anos de cífica, baixada nos termos do art. 14, § 9º, da mesma CF.
serviço será agregado pela autoridade superior, e se eleito passará, auto-
É elegível, portanto, para o cargo de prefeito municipal qualquer bra-
maticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. Õ",
sileiro, nato ou naturalizado, maior de 21 anos, desde que alfabetizado,
As inelegibilidades especiais para os cargos de prefeito e vice-prefei- seja alistável, esteja no pleno exercício dos direitos políticos, possua do-
to, previstas na Lei Complementar 64, de 1990, art. 1º, IV, são: a) no que micílio eleitoral na circunscrição, seja filiado a partido político e não inci-
lhes forem aplicáveis, por identidade de situações, as inelegibilidades ar- da nas restrições especiais que vimos acima.
roladas para os cargos de presidente e vice-presidente da República (inciso
11 do mesmo art. 1º), governador e vice-governador de Estado e do Distrito As inelegibilidades especiais para vereadores são as contempladas
Federal (inciso 111 do art. 1º), observado o prazo de quatro meses para a no art. 1º, VII, da Lei Complementar 64, de 1990, a saber: a) no que lhes
desincompatibilização; b) os membros do Ministério Público e Defensoria forem aplicáveis, por identidade de situações, as hipóteses pertinentes aos
Pública, em exercício na comarca, nos quatro meses anteriores ao pleito, membros do Senado Federal (inciso V do referido art. 1º) e aos da Câmara
sem prejuízo dos vencimentos integrais; c) as autoridades policiais, civis dos Deputados (inciso VI do mesmo art. 1º), observado o prazo de seis
ou militares, com exercício no Município, nos quatro meses anteriores ao meses para a desincompatibilização; b) as previstas em cada Município
pleito. para os cargos de prefeito e vice-prefeito, observado o prazo de seis meses
para a desincompatibilização.
Ressalte-se que os casos de inelegibilidade mencionados no item "a",
acima, referem-se aos ocupantes de cargos, funções ou empregos em ór- Em relação às inelegibilidades atinentes ao prefeito e vice-prefeito,
gãos ou entidades da Administração Pública direta, indireta e fundacional aplicáveis aos vereadores, foram examinadas no tópico anterior, cabendo
ou em sociedades que atuam no setor financeiro relacionado à poupança e ressaltar que tratando-se de candidato à reeleição não se aplica a hipótese
ao crédito ou, ainda, em empresas que mantenham contratos de execução prevista no art. 14, § 7º, da CF, reproduzida no art. 1º, § 3º, da Lei Com-
de obras ou de prestação de serviços com o Poder Público. Quanto aos plementar 64, de 1990, referente ao parentesco.
membros do Ministério Público, é preciso assinalar que, de acordo com a Portanto, para a Câmara Municipal é elegível qualquer brasileiro,
alteração introduzida pela EC 45/2004 na alínea "e" do inciso 11 do § 5º do nato ou naturalizado, maior de 18 anos, alfabetizado, desde que alistável,
com domicílio eleitoral no Município, filiado a partido político, em pleno
na linha colateral (irmãos, tios, sobrinhos, primos). Na linha reta o parentesco abrange exercício dos direitos políticos e que não incida em qualquer das restri-
os ascendentes (pais, avós, bisavós etc.) e os descendentes (filhos, netos, bisnetos etc.). ções apontadas ou que tenha delas se desincompatibilizado nos prazos
Na linha reta contam-se os graus de parentesco por geração (de pai a filho 12 grau; previstos.
de avô a neto 22 grau; de bisavô a bisneto 32 grau). Na linha colateral contam-se os
graus também por geração, mas tomando-se por base o ascendente comum, razão pela A argüição de inelegibilidade de candidato a prefeito, vice-prefeito
qual não há nessa linha parentes do l2 grau. Os irmãos são parentes em 22 grau, tios ou vereador é feita perante o juiz eleitoral com jurisdição no Município
e sobrinhos em 32 grau, e os primos a partir do 4 2 grau. Os graus do parentesco por por qualquer candidato, partido político ou coligação, bem como pelo re-
afinidade são contados do mesmo modo que o parentesco por consangüinidade, donde presentante local do Ministério Público, no prazo de cinco dias, contados
resulta que na linha ascendente são parentes do prefeito em 1Q grau o sogro e a sogra, o
padrasto e a madrasta; na linha descendente, o genro, a nora e os enteados. Nos demais da publicação do pedido de registro (Lei Complementar 64, de 1990, arts.
graus segue-se a mesma regra da consangüinidade. Na linha colateral são parentes do 2º, parágrafo único, 111, e 3º). O impugnante deverá especificar desde logo
prefeito em 22 grau (porque não há 12 grau) os seus cunhados. Os parentes afins dos os meios de prova, arrolando até seis testemunhas, se for o caso; termina-
cônjuges não são considerados parentes entre si. Com a viuvez não cessa o parentesco do o prazo para a impugnação passará a correr, independentemente de no-
afim em linha reta (sobre parentesco v. CC de 1916, arts. 330-336; CC de 2002, arts.
tificação, o prazo de sete dias para a contestação, que poderá ser oferecida
1.591 a 1.595 e 1.626).
104 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO fi - AUTONOMIA MUNICIPAL 105

pelo candidato ou pelo partido ou coligação, com juntada de documentos, caso, o chefe do Ministério Público deve designar outro representante para
indicação de até seis testemunhas e requerimento de outras provas (Lei examinar os pedidos de registro e, se for o caso, impugná-los perante a
Complementar 64, de 1990, art. 3º, §§ 3º-4º). Daí para a frente o processo Justiça Eleitoral.
segue o rito previsto nos arts. 5º e ss. da lei complementar, até a decisão
Constitui crime eleitoral, punido com detenção, de 6 meses a 2 anos,
do juiz de primeira instância, que deverá ser proferida no prazo máximo
e multa, de 20 a 50 BTNs, a argüição de inelegibilidade ou a impugnação
de três dias após a conclusão dos autos, com recurso para o TRE (art. 8º
de registro de candidato feita por interferência do poder econômico, des-
e §§). Transitada em julgado a decisão que declarar a inelegibilidade do
vio ou abuso de poder ou de autoridade, deduzida de forma temerária ou
candidato, seu registro será negado ou cancelado, se já tiver sido feito, e
com manifesta má-fé (Lei Complementar 64, de 1990, art. 25). O sujeito
o diploma, se já expedido, será declarado nulo (Lei Complementar 64, de
ativo desse crime será o candidato, o representante, ou representantes, do
1990, art. 15).
partido (o partido, como pessoa jurídica, não é penalmente responsável)
A inelegibilidade é matéria de ordem pública, daí por que a Lei Com- ou o membro do Ministério Público que argüir a inelegibilidade ou im-
plementar 64, de 1990, autoriza sua argüição pelo representante local do pugnar o registro de candidato com base em elementos inverídicos, ou
Ministério Público, cuja atuação não será obstada pela impugnação ante- sem qualquer motivo, levado apenas pelos motivos supra-referidos ou erro
rior de candidato ou partido político ou coligação (art. 3º e § 1º). Todavia, grosseiro.
a disputa de cargo eletivo, a participação em diretório de partido ou o
exercício de atividades político-partidárias nos quatro anos anteriores ao Nos termos do art. lº, l, "d", da Lei Complementar 64, de 1990, a
pleito constituem impedimentos para a ação do representante do Ministé- condenação pelo crime em exame (assim como pelos crimes contra a eco-
rio Público, como tal (art. 3º, § 2º). Entendemos que no âmbito municipal nomia popular, a fé pública, a Administração Pública e o patrimônio) acar-
a proibição legal se destine apenas ao membro do Ministério Público que reta a inelegibilidade do condenado. 25
tenha disputado cargo eletivo, participado de diretório ou exercido ativi- 3.1.2.4 Recursos eleitorais - Recursos eleitorais são os meios hábeis
dades político-partidárias no Município. 24 Entendemos também que, nesse a propiciar o reexame de decisão no âmbito da Justiça Eleitoral, desde o
alistamento de eleitor até a diplomação de candidato eleito; desde a de-
24. É vedado aos membros do Ministério Público exercer atividade político- núncia por crime eleitoral até a sentença que a julgar procedente ou não. 26
partidária (art. 128, § 5º, lI, letra "e", da CF, com a redação dada pela EC 4512004).
A questão tratada no texto ainda apresenta relevância porque se tem admitido que a
Assim, os recursos eleitorais não se confundem com as impugnações pre-

II
vedação não alcança aqueles que já haviam ingressado na carreira ao advento da CF de vistas no Código Eleitoral, que são manifestações prévias, geralmente ver-
1988 e fizeram a opção de que trata o § 32 , do art. 29, do Ato das Disposições Consti- bais, contra a prática de determinados atos, como as que visam a impedir
tucionais Transitórias. o registro de candidato (art. 97, §§ 2º-3º), o exercício ilegal do voto (art.
O Tribunal Superior Eleitoral entendeu que o prazo de dois anos contado a partir 147, § 1º) e a irregularidade na apuração dos sufrágios (art. 169).
da Lei Complementar n. 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União) e por ela
estabelecido para a aludida opção somente se aplica ao Ministério Público da União:
"1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Incons- somente para o Ministério Público da União. No âmbito dos Estados, a opção prevista
titucionalidade n. 2.836-RJ, assentou que a norma do parágrafo único do art. 281 da ~ no art. 29, § 32 , do ADCT pode ser feita a qualquer tempo, pois nem a Constituição da
Lei Complementar n. 75/93 não se aplica aos membros do MP Estadual. Sendo assim, República nem a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que estabelece normas

I
a opção de que trata o § 3º do art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó- gerais para a organização do Ministério Público dos Estados (Lei n. 8.625, de 12 de
rias, no âmbito do Ministério Público dos Estados, é formalizável a qualquer tempo. 2. fevereiro de 1993), fixam qualquer prazo" (ADIn 2.836-RJ, reI. Min. Eros Grau, j. em
Enquanto os magistrados estão submetidos a regime jurídico federativamente unifor- 17.11.2005). Sendo assim, a opção de que trata o § 3º do art. 29 do ADCT, no âmbito
me, os membros do Ministério Público da União e do Ministério Público nos Estados do Ministério Público dos Estados, pode ser feita a qualquer tempo.
têm estatutos jurídicos diferenciados, aspecto constitucional que autoriza concluir que r.<, 25. A orientação do TSE, referendada pelo STF, é no sentido de que basta a con-
nem todas as disposições contidas na Lei Complementar n. 75/93 se aplicam aos mem- denação em primeiro grau, ainda sujeita a apelação - e, portanto, não transitada em
bros do Parquet Estadual" (TSE, Agravo Regimental no Recurso Ordinário 1.070, reI. julgado -, para caracterizar a inelegibilidade (v. Resolução TSE-I1.352 e Acórdãos
Min. Cezar Peluso, reI. designado Min. Carlos Ayres Britto, j. em 12.12.2006, DJU 7.533, DJU 10.6.1983,7.589, DJU 19.8.1983, e 7.610, DJU 1.9.1983; e STF, AgRg
24.4.2007, p.179). Eleitoral 92.794-8, DJU 12.8.1983).
Consta do teor do acórdão da mencionada ADIn: "Para o Ministério Público dos 26. Sobre a matéria consulte-se Antônio Tito Costa, Recursos em Matéria Elei-
Estados não se aplica a norma do parágrafo único, do art. 281 da LC n. 75/93, válida toral, 1992.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 107
106

Os recursos eleitorais, de que tratam os arts. 257 e 282 do Código e 268). O juiz eleitoral pode reformar a decisão recorrida, caso em que só
Eleitoral, são interpostos para o TRE competente, perante a Junta ou juiz determinará a subida do recurso se a parte prejudicada o requerer, no prazo
eleitoral cuja decisão se pretende reformar. As decisões dos Tribunais Re- de três dias (art. 267, §§ 6º, injine, e 7º).
gionais são terminativas, salvo se: a) proferidas contra expressa disposição Quando se tratar de argüição de inelegibilidade o procedimento re-
da Constituição Federal ou de lei; b) contiverem divergência na interpreta- cursal atenderá ao estabelecido na Lei Complementar 64, de 1990 - que,
ção da lei, tendo em vista decisões de dois ou mais Tribunais Eleitorais; c) entre outras coisas, não admite a reforma da decisão pelo próprio juiz, esta-
versarem inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais belece o início do prazo para recurso a partir do dia em que o juiz entregar
ou estaduais; d) anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos a sentença em cartório (salvo se não o fizer nos três dias seguintes ao da
eletivos federais ou estaduais; e) denegarem habeas corpus, mandado de conclusão dos autos, caso em que o prazo somente começará a correr após
segurança, habeas data ou mandado de injunção (cf. art. 121, § 4º). a publicação da sentença por edital, em cartório) e assinala a data em que
As decisões do TSE são irrecorríveis, salvo as que contrariarem a for protocolada a petição de recurso como o marco inicial para o recorrido
Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de seguran- oferecer contra-razões, independentemente de notificação (arts. 8º-9º).
ça (cf. art. 121, § 3º). No tocante aos crimes eleitorais e aos comuns que lhes forem cone-
Os recursos eleitorais não têm efeito suspensivo. 27 A execução de xos o Código Eleitoral estabeleceu em 10 dias o prazo pata recurso contra
qualquer acórdão será feita imediatamente através de comunicação por decisões finais, condenatórias ou absolutórias, e determinou que nos re-
oficio, telegrama ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribu- cursos em geral se aplique o Código de Processo Penal como lei subsidiá-
nal, mediante cópia do acórdão (Código Eleitoral, parágrafo único do art. ria e supletiva (arts. 362 e 364).
257). O prazo para a interposição de recurso, sempre que a lei não o fixar, O mandado de segurança, o "habeas corpus", o "habeas data" e o
será de três dias, contados da publicação do ato, resolução ou despacho mandado de injunção são igualmente utilizáveis para a correção de atos
(Código Eleitoral, art. 258). e decisões versando matéria eleitoral, casos em que seu processo e julga-
O recurso contra decisão de Junta será interposto no ato, verbalmente mento também competem, com exclusividade, à Justiça Eleitoral (CF, art.
ou por escrito, devendo ser fundamentado em 48 horas, sem o quê não terá 121, § 4º, V). Nesses processos observa-se o mesmo rito da lei especial
seguimento (Código Eleitoral, art. 169, § 2º). O recurso contra a apuração que disciplina o mandado de segurança (Lei 1.533, de 31.12.1951) e o
só será admitido se precedido de impugnação perante a Junta (Código habeas corpus (CPP, arts. 647 e ss.). A Lei 6.978, de 19.1.1982 (art. 12),
Eleitoral, art. 171). alterou a redação da citada Lei 1.533, de 1951, para definir como autori-
dades, para efeito de mandado de segurança, também os representantes ou
O recurso contra decisão de juiz eleitoral deverá ser interposto por
órgãos dos partidos políticos. 28
petição fundamentada, acompanhada de toda a documentação necessária,
pois no Tribunal Regional nenhuma alegação escrita ou nenhum documen- 3.1.2.5 Incompatibilidades - Incompatibilidades ou impedimentos
to poderá ser oferecido, salvo se o recorrente se reportar a coação, fraude, são restrições de interesse administrativo opostas ao exercício do manda-
interferência de poder econômico, desvio ou abuso de autoridade ou poder to. Para os cargos e mandatos municipais a competência para estabelecer
ou, ainda, a processo de propaganda ou de captação de votos vedado por incompatibilidades ou impedimentos é agora do próprio Município, razão
lei, dependentes de prova a ser determinada pelo mesmo Tribunal, bastan- pela qual a Constituição da República limitou-se a fixá-los para os mem-
do-lhe, nesse caso, indicar os meios de a obter (Código Eleitoral, arts. 266 bros do Congresso Nacional (art. 54), dispondo, em seu art. 29, IX (cf. EC
1, de 1992), aplicarem-se, no que couber, aos vereadores. Todavia, a mes-
27. É iterativa a jurisprudência de nossos Tribunais quanto à inexistência de efei- ma Constituição, tendo em vista o impedimento de ordem geral de acumu-
to suspensivo para os recursos eleitorais (TSE, MS/AgRg 2.211 C-DF, reI. Min. Marco
lação remunerada de funções e cargos públicos (art. 37, XVI), disciplinou
Aurélio,j. 29.7.1994, DJU9.9.1994, p. 23.484; RE 21.421-PR, reI. Min. EdgardAntô~
nio Lippmann Júnior,j. 18.12.1996, DJU26.2.1997; TRE-RS, RCE de 30.9.2000, reI.
Des. Clarindo Favretto, DJERS 30.10.2000, p. 35). A ausência de efeito suspensivo aos 28. Sobre mandado de segurança consulte-se, do Autor, Mandado de Segurança,
recursos eleitorais, contudo, não afasta o poder de cautela em geral do magistrado ou Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data ", Ação Dire-
Tribunal, consagrado pelo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente (TSE, ta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de
MC/AgRg 15.190C-RO,j. 2.5.1995, DJU26.5.1995, p. 15.204). Descumprimento de Preceito Fundamental, 31ª ed., 2008.
108 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO UI - AUTONOMIA MUNICIPAL 109

a situação do servidor de qualquer entidade estatal investido em mandato investido em cargo dessa natureza, nem exercer funções em Comissões do
eletivo (art. 38), determinando que: a) se o mandato for federal, estadual Executivo, com exceção, como se disse, do cargo de secretário municipal.
ou distrital, seja afastado do seu cargo, emprego ou função (inciso I); b) Se antes de eleito estiver ocupando cargo em comissão, ou integrando
se o mandato for de prefeito, seja afastado do cargo, emprego ou função, Comissão do Executivo, deverá exonerar-se até a data da posse, não se
podendo optar pela remuneração (inciso 11); c) se o mandato for de verea- beneficiando, portanto, do disposto no art. 38, 111, primeira parte, da CF.
dor e houver compatibilidade de horários, permaneça no cargo, emprego
Por outro lado, a despeito de não contemplar previsão expressa, como
ou função, acumulando remuneração e subsídios, sem perder as demais o fazia a Constituição anterior (art. 104, § 5º), entendemos que o permissi-
vantagens funcionais (inciso 111); d) se o mandato for de vereador e não
vo do § I Q art. 28, que garante ao governador a posse em cargo ou função
houver compatibilidade de horários, seja afastado do seu cargo, emprego
pública decorrente de concurso público, aplicável ao prefeito por força do
ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração (inciso 111);
inciso XIV do art. 29 da Carta Magna, deve, por simetria, em homenagem
e) em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato
ao princípio da isonomia, alcançar o vereador.
eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, ex-
ceto parapromoção por merecimento (inciso IV); f) para efeito de benefi- Assim, o vereador não poderá aceitar, isto é, tomar posse em fun-
cio previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão determinados ção ou emprego do Município ou de suas entidades descentralizadas sem
como se no exercício estivesse (inciso V). renunciar ao mandato, salvo se a admissão ou contratação foi precedida
Ainda em relação aos impedimentos constitucionais ao exercício do de concurso público. Nesse caso, bem como no de nomeação para cargo
cargo de prefeito deve-se aplicar, analogicamente, o disposto no § I Q do efetivo, sempre sujeita a concurso prévio, poderá até exercê-los, se houver
art. 28,29 que se refere ao governador do Estado. compatibilidade de horários. 31
Impedimento constitucional do vice-prefeito é ser titular de mais de Esses impedimentos, entretanto, só vigoram no Município em que
um mandato público eletivo, na dicção do art. 54,11, "d", da CF, desde a o vereador se elegeu, nada obstando a que aceite cargo, em comissão ou
posse. 3D efetivo, função ou emprego de outro Município, do Estado ou da União e
Impedimentos constitucionais do vereador são, também, ocupar car- que o exerça, se os horários forem compatíveis.
go em comissão e aceitar emprego ou função no âmbito da Administração Atendidas as prescrições constitucionais acima, o Município, na sua
direta ou indireta de qualquer entidade (art. 29, IX, c/c o art. 54). Quanto à lei orgânica, tem inteira liberdade para estabelecer os impedimentos que
possibilidade do exercício de cargo de secretário municipal a Constituição entenda convenientes à moralização e eficiência do exercício de mandato
da República não proíbe, admitindo-a por similaridade com os cargos que eletivo municipal, inclusive quanto à situação do servidor eleito vice-pre-
enumera para os membros do Congresso Nacional (art. 29, IX), embora feito, de que não cogitou a Constituição da República.
no âmbito municipal seja altamente inconveniente que o vereador se tome
Em geral, esses impedimentos na órbita municipal vedam, tal como
um subordinado do prefeito sem perda de seu mandato.
na órbita federal, a ·celebração de contrato com a Administração Pública; o
Essas vedações, cujo escopo é o resguardo da independência e har- patrocínio de causas contra a Fazenda Pública ou causas em que o Muni-
monia dos Poderes (CF, art. 2º), no governo municipal impedem que o cípio, suas entidades descentralizadas ou concessionárias de seus serviços
vereador exerça cargo de confiança, emprego ou função do Município em sejam interessados; a participação em empresa beneficiada com privilégio
que se elegeu, tanto da Administração direta quanto da indireta, sem re-
ou favores concedidos pelo Município. A inscrição dessas incompatibili-
nunciar à vereança. A infringência a essas proibições importará extinção
dades é da estrita competência dos Municípios, no uso de sua autonomia e
do mandato eletivo, nos termos do art. 29, IX, c/c o art. 55, I, da CF.
de seu poder organizatório, e só encontra limites no respeito aos princípios
O preceito constitucional veda ocupar cargo em comissão ou função gerais da Constituição da República e do respectivo Estado e nos direitos
de que seja demissível ad nutum. Daí resulta que o vereador não pode ser
31. O TJSP admitiu a acumulação remunerada do cargo de oficial de justiça
29. Pela EC 19, de 1998, o parágrafo único do art. 28 da CF passou a ser § 1º, com o cargo eletivo de vereador em face de demonstrada compatibilidade de horários,
conservando a mesma redação. por aplicação do disposto no art. 38, III, da CF (2ª C. de Direito Público, Ap. cível
30. Sobre a matéria v. Adílson de Abreu Dallari, "Acumulação de mandatos de 141.284-5, reI. Des. Corrêa Vianna, j. 26.9.2000, v.u., Tribuna do Direito, março de
deputado e vice-prefeito", Tribuna do Direito, janeiro de 1997, p. 37. 2001, Cad. Jurisp., p. 284).
110 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 111

e garantias individuais. Desde que não fira a uns e outros, a lei orgânica Além da competência exclusiva do Município para legislar sobre as
municipal pode enumerar os impedimentos ou incompatibilidades para o matérias acima mencionadas (art. 30), cabe-lhe, ainda, segundo o art. 23
exercício dos mandatos de prefeito e vereador. Ocorrendo qualquer das da CF, competência comum, juntamente com a União, os Estados e o Dis-
incompatibilidades estabelecidas em lei o mandato se extinguirá, nos ter- trito Federal, para dispor sobre as atividades nele enumeradas. Ressalta-se
mos do art. 29, IX, c/c o art. 55, I, da CF, como veremos adiante (Capítulo que o exercício dessa competência deverá ser delineado por lei comple-
XI, item 2.1.6). mentar federal, que fixará normas de cooperação entre as quatro entidades
A incompatibilidade, portanto, não se confunde com a inelegibilida- estatais, "tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar
de,já porque esta é de natureza eleitoral e aquela é de caráter administrati- em âmbito nacional" (parágrafo único do mesmo art. 23).
vo como, também, porque a inelegibilidade se apresenta antes da eleição,
ao passo que a incompatibilidade só surge na posse do eleito, marco inicial 3.2 Autonomia administrativa
do exercício. Por essas razões, as incompatibilidades ou impedimentos
não estão afetos à Justiça Eleitoral, constituindo matéria de apreciação 3.2.1 Administração própria, organização dos serviços públicos locais
tanto pela Câmara como pelo Executivo a que se vincula o eleito como, e ordenação do território municipal
ainda, pela Justiça Comum, se argüida a ilegalidade por quem tenha qua-
A Constituição Federal de 1988 mantém em seu texto, além da au-
lidade e legítimo interesse para fazê-lo.
tonomia política do Município (composição de seu governo e legislação
local), a administração própria no que concerne ao interesse local, mais
3.1.2.6 Legislação local - A autonomia política do Município com-
a organização e execução dos serviços públicos de sua competência e a
preende também o poder de legislar sobre sua auto-organização; "sobre
ordenação urbanística de seu território (art. 30, IV, V, VI, VII, VIII e IX).
assuntos de interesse local"; "suplementar a legislação federal e estadual
no que couber"; "instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem O conceito de administração própria não oferece dificuldade de en-
como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar con- tendimento e delimitação - é a gestão dos negócios locais pelos represen-
tas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei"; "criar, organizar e tantes do povo do Município, sem interferência dos poderes da União ou
suprimir Distritos, observada a legislação estadual"; "promover, no que do Estado-membro. Mas a cláusula limitativa dessa administração exige
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e con- exata interpretação, para que o Município não invada competência alheia,
trole do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano"; "promover nem deixe de praticar atos que lhe são reservados. Tudo se resume, pois,
a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação na precisa compreensão do significado de "interesse local".
e a ação fiscalizadora federal e estadual" (CF, arts. 29 e 30, I, II, III, IV, Interesse local não é interesse exclusivo do Município; não é inte-
VIII e IX). resse privativo da localidade; não é interesse único dos munícipes. Se se
A expressão "legislação local" abrange não só as leis votadas pela exigisse essa exclusividade, essa privatividade, essa unicidade, bem redu-
Câmara e promulgadas pelo prefeito como, também, os regulamentos ex- zido ficaria o âmbito da Administração local, aniquilando-se a autonomia
pedidos pelo Executivo em matéria de sua alçada. de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interesse municipal
A Constituição Federal integrou o Município na Federação (arts. l Q e que não o seja reflexamente da União e do Estado-membro, como, tam-
18), considerando-o entidade estatal de terceiro grau, pondo, assim, termo bém, não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios,
à polêmica, até então existente, sobre se o Município era ente político- como partes integrantes da Federação Brasileira. O que defme e caracte-
administrativo ou simplesmente administrativo. Agora essa discussão está riza o "interesse local", inscrito como dogma constitucional, é a predomi-
eliminada, pois a Câmara é considerada Poder Legislativo, e a Prefeitura, nância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União.
Poder Executivo, independentes e harmônicos entre si, à semelhança dos Ninguém melhor do que o eminente professor Sampaio Dória soube
Poderes da União e dos Estados (CF, art. 2Q ) , inclusive quanto às restrições realçar esse conceito, em lição que não se pode olvidar, referindo-se, à
de exercício e de indelegabilidade recíproca de funções. Daí por que o época, ao "peculiar interesse" (hoje, interesse local):
eleito para função legislativa não pode exercer qualquer função do Execu- "Peculiar não é nem pode ser equivalente a privativo. Privativo, di-
tivo, e vice-versa. zem dicionários, é o próprio de alguém, ou de alguma coisa, de sorte que
112 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 113

exclui a outra da mesma generalidade, uso, direito. A diferença está na A organização dos serviços públicos locais constitui outra prerro-
idéia de exclusão: privativo importa exclusão, e peculiar, não. A ordem gativa asseguradora da autonomia administrativa do Município. Nem se
pública de um Estado é seu interesse peculiar, mas é também interesse da compreenderia que uma entidade autônoma, política e financeiramente,
Nação. Logo, não é privativo do Estado. Uma escola primária que certo não dispusesse de liberdade na instituição e regulamentação de seus ser-
Município abra é seu interesse peculiar, mas não exclusivo, não privativo, viços. Mas, a despeito de ser palmar essa verdade, e de a ter dito com
porque a instrução interessa a todo o país. inexcedível clareza a Lei Magna, intromissões ainda existem por parte de
"O entrelaçamento dos interesses dos Municípios com os interesses poderes e órgãos estranhos ao Município, que interferem arbitrariamente
dos Estados, e com os interesses da Nação, decorre da natureza mesma das nos serviços locais, com sensíveis prejuízos para a Administração e mani-
coisas. O que os diferencia é a predominância, e não a exclusividade.'>32 festo desprestígio para os poderes municipais, lesados na sua autonomia.
Nada mais há que acrescentar ao conceito de peculiar interesse, agora Contra esses resquícios do regime ditatorial, que subordinava todos os
denominado interesse local, mais técnico e preciso, já agora perfeitamente interesses comunais ao poder central e incursionava discricionariamente
esclarecido e delimitado pelos ensinamentos do Mestre patrício. Mas se re- na esfera privativa dos Municípios, já se observa salutar reação por parte
corrermos aos publicistas estrangeiros encontraremos o mesmo critério da das Municipalidades, através de vias administrativas e judiciais.
predominância do interesse local, enunciado apenas de maneira diversa. N a atribuição genérica da organização dos serviços públicos locais
Para o clássico Black tais interesses referem-se aos negócios internos :~
-a Constituição deferiu aos Municípios não só os serviços públicos pro-
das cidades e vilas (internaI affairs oftowns and counties); para Bonnard o Eriamente ditos como, também, os serviços de utilidade pública, isto é,
peculiar interesse é o que se pode isolar, individualizar e diferençar dos de ..os que o Município mantém com seu pessoal e os que mantém através dê
outras localidades; para Borsi é o que não transcende os limites territoriais concessionários ou permissionários de sua exploração. Sobre as diversas
do Município; para Mouskheli é o que não afeta os negócios da Adminis- formas de serviços e modalidades de execução diremos em capítulo espe?
tração central e regional; para Jellinek é o interesse próprio da localidade, cial (Capítulo VII).
oriundo das suas relações de vizinhança. 33
Concluindo, podemos dizer que tudo quanto repercutir direta e ime- 3.3 Autonomia financeira
diatamente na vida municipal é de interesse peculiar do Município, embo-
3.3.1 Decretação de tributos e aplicação das rendas municipais
ra possa interessar também indireta e mediatamente ao Estado-membro e à
União. O provimento de tais negócios cabe exclusivamente ao Município Outro princípio assegurador da autonomia municipal é a garantia que
interessado, não sendo lícita a ingerência de poderes estranhos sem ofensa a Constituição da República oferece ao Município de decretar e arrecadar
à autonomia local. Pode e deve o Município repelir tais interferências, os tributos de sua competência e aplicar suas rendas sem tutela ou depen-
partam elas de outro Município, do Estado-,membro ou da União, através dência de qualquer poder, prestando contas e publicando balancetes nos
de qualquer de seus órgãos ou poderes. E não sendo possível ao Município prazos fixados em lei (art. 30, 111). Não cabe, neste passo, o estudo da
ofendido em sua autonomia convencer administrativamente o poder estra- tributação municipal, o que constitui objeto de capítulo especial (Capítulo
nho a cessar sua intromissão, poderá recorrer ao Judiciário para anular o V), visto que, por enquanto, estamos examinando somente o modo pelo
ato concreto de inteiferência inconstitucional. 34 qual é assegurada a autonomiafinanceira do Município. Com efeito, inex-

32. Sampaio Dória, "Autonomia ... ", Revista da Faculdade de Direito de São
Paulo XXIV/419. Sobre autonomia municipal para legislar e fiscalizar a ação dos mu-
nícipes na divulgação de materiais publicitários v. julgado do TJMG in RT749/379.
33. Black, Handbook ofAmerican Constitutional Law, p. 135; Bonnard, Précis .
I
i
pressivas seriam a autonomia política e a autonomia administrativa sem
recursos próprios que garantissem a realização de obras e a manutenção
de serviços públicos locais. 35 Seria uma quimera atribuir-se autogoverno
ao Município sem lhe dar renda adequada à execução dos serviços neces-
de Droit Administratif, p. 332; Borsi, "Le funzioni deI comune italiano", in Trattato de sários ao seu progresso. Felizmente, o legislador constituinte desde 1946
Orlando, v. lI, 2ª Parte, p. 436; Mouskhe1i, La Théorie Juridique de I 'État Fédéral, p.
275; Jellinek, L 'État Moderne et son Droit, v. I, p. 36. 35. Amílcar de Araújo Falcão, "Autonomia dos governos locais em matéria tri-
34. Machado Villa, O Município no Regime Constitucional Vigente, Porto Ale- butária", RDA 47/l. Sobre autonomia financeira v. JosefBarat, "Municipalismo -Al-
gre, 1952, n. 7, p. 9l. cances e limites", O Estado de S. Paulo, 7.7.1997, p. A2.
T
114 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
I III - AUTONOMIA MUNICIPAL 115

compreendeu bem essa realidade e a deficiência dos regimes anteriores, Tendo o Município poder para instituir (regulamentar) e arrecadar
que, embora apregoando a importância do Município na vida nacional, eus im ostos, tem-no também ara conceder isen ões tributárias nos ue
lhes negavam recursos indispensáveis à sua subsistência como entidade orem de sua competência, porque tal atividade está contida no âmbito de
autônoma, dotada de governo próprio e de serviços especiais para aten- seu interesse local. Quanto às imunidades constitucionais (art. 150, VI),
der às necessidades de sua população. A Constituição tem aumentado a embora recaiam sobre bens situados no território do Município ou servi-
participação do Município na receita tributária, chegando a lhe atribuir ços nele executados, devem ser obedecidas pela Administração local.
22%,36 percentual este que, recentemente, alcançou 23,5%, por força da Quanto às taxas a capacidade impositiva do Município é ampla, por-
EC 55/2007, que deu nova redação ao art. 159, I, e incluiu a alínea "d". que amplo é seu poder de criar serviços públicos, sobre os quais pode
No regime vigente os tributos da competência do Município ~stão cobrar a contraprestação correspondente, e de policiar as atividades exer-
discriminados na Constituição Federal (art. 156), cabendo-lhe, ainda, a cidas em seu território (CF, art. 145, H).38 O essencial é que atenda aos
participação em outros arrecadados pela União (arts. 153, § 5º, lI, 158, preceitos pertinentes da lei complementar disciplinadora do direito tribu-
I-lI, e 159, I, "b" e "d", e §§ 3º e 4º) e pelo Estado-membro (arts. 158, IlI- tário, em conformidade com o art. 146 da CF,39 e não tome para a cobrança
IV, e 159, §§ 3º e 4º)Y da taxa a mesma base de cálculo que tenha servido para a incidência de
imposto (CF, art. 145, § 2º).
Continuamos a entender que o Município não pode criar imposto's
Arrecadado o tributo (imposto, taxa, contribuição ou contribuição de
além dos que lhe estão constitucionalmente destinados, seja na totalidad~ melhoria) pelo Município. a aplicacão fica ao inteiro critério da Adminis-
seja em percentual. Em matéria de impostos pode-se dizer que a compe.; tração local, não dependendo de qualquer consulta ou aprovação do Esta-
tência do Município é meramente regulamentar dos que se acham instituí:. do ou da União para o emprego dessa renda. Basta que a lei orçamentária
dos na Constituição da República. . municipal contenha as dotações necessárias para o exercício em que vão

Na expressão "instituir tributos", usada pelo con.stituinte (CF, art. ser aplicadas.
30, IlI), não se compreende a criação do imposto, mas sim a fixação do Entretanto, dispos,ições constitucionais obrigam o Município a apli-
quantum a ser arrecadado e a forma de sua arrecadação, para atender ao car anualmente nunca· menos de 25% da receita resultante de seus im-
preceito que veda a exigência, a elevação e a cobrança de tributo sem lei postos - compreendida: a proveniente de transferências - na manutenção
que as estabeleça (art. 150, I) e a cobrança no mesmo exercício da lei e desenvolvimento do ensino (art. 212), abrangendo o ensino em geral,
que o instituiu ou aumentou (art. 150, IH, "b"), obedecida a denominada prioritariamente a educação infantil, em creche e pré-escola (art. 208, Iv,
"noventena", prevista na letra "c" do mesmo artigo e inciso, que proíbe a com a redação da EC 53/2006) e o ensino fundamental (art. 211, § 2º,
cobrança antes de noventa dias da data da publicação da lei. CF); e de 15% do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o
art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, I, "b", e § 3º, em
36. A participação do Município em relação à União e ao Estado, era a seguinte: ações e serviços públicos de saúde (art. 198, § 2º, IH, c/c art. 167, IV, e art.
Entidade 1964 1986 1989 77, HI e § 4º, do ADCT). Não há outras restrições à aplicação das rendas
União 57,7% 43,7% 36%
municipais, como se infere do art. 160, caput.
Estado 38,5% 38,2% 42%
Município 3,8% 18,1% 22% 38. Algumas leis orgânicas de Municípios discriminam as taxas locais. Essa pra-
(Fonte: Conferência do professor Alcides Jorge Costa no Centro de Estudos da PGE/SP). xe é inútil e inconveniente, por dar a impressão de que o Município só pode arrecadar
37. Além desses, o art. 153, § 42, I1I, da Constituição permite que o Imposto sobre aquelas taxas, quando, na realidade, pode cobrar quaisquer taxas, desde que em con-
a Propriedade Territorial Rural, de competência da União, seja "fiscalizado e cobrado formidade com os preceitos constitucionais e com as normas pertinentes do Código
pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução Tributário Nacional.
do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal". Também com a inclusão do 39. A lei complementar prevista na Constituição Federal é a de n. 5.172, de
art. 149-A pela EC 3912002, o Município pode instituir "contribuição" para custeio 25.10.1966 (Código Tributário Nacional), que, com relação às taxas, veda, acertada-
do serviço de iluminação pública. Finalmente, os Municípios onde houver explora- mente, sejam calculadas sobre o capital das empresas (art. 77, parágrafo único), con-
ção de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia ceitua o poder de polícia (art. 78), define em linhas gerais os serviços pelos quais se
elétrica e de outros recursos minerais têm assegurada participação no resultado dessa pode cobrar taxas (art. 79) e indica a Constituição Federal, as Constituições Estaduais
exploração, ou correspondente compensação financeira (cf. art. 20, § 12·, da CF, e Leis e as leis orgânicas, do Distrito Federal e dos Municípios, como fontes da competência
7.990/1989 e 8.00111980). tributária nessa matéria (art. 80).
116 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO , III - AUTONOMIA MUNICIPAL 117

A Constituição Federal veda a isenção de tributos dos Estados, dos I porque intervenção é medida concreta de administração, já regulada pela
Municípios e do Distrito Federal pela União (art. 151, III).
Com essas considerações encerramos a apreciação dos princípios as-
.. Constituição do Estado, e, por isso mesmo, dispensa qualquer outra norma
legislativa para sua efetivação. Como ato concreto de administração, deve
seguradores da autonomia municipal, inscritos na Constituição da Repú- ser posta em prática por decreto do governador, a ser referendado pela As-
blica como instituição do regime vigente. A negação de tais princípios ou sembléia Legislativa no prazo de 24 horas (CF, art. 36, § 1º), dispensado
sua postergação pelo Estado-membro ensejam a intervenção federal no este "quando o Tribunal de Justiça der provimento a representação para
Estado, como está prometido no art. 34, V, "b", e VII, "c", da CF, assim assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual
como o desrespeito a esses mesmos princípios por parte da União autoriza ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial" (art.
o recurso ao Judiciário para fazê-la retroceder aos lindes constitucionais. 36, § 2º).41 Nesse caso o decreto interventivo limitar-se-á a suspender a
Já a não-aplicação do mínimo exigido da receita municipal de impostos execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento
na manutenção e desenvolvimento do ensino ensejará a intervenção do da normalidade.
Estado no Município (CF, art. 35, lU), como veremos a seguir. Se a Assembléia Legislativa estiver em recesso far-se-á convocação
extraordinária, no mesmo prazo de 24 horas, para apreciação do decreto
4. Intervenção do Estado no Município interventivo (CF, art. 36, § 2º).
4.1 Considerações gerais Cessados os motivos da intervenção as autoridades afastadas de seus
cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal (CF, art. 36, § 4º).
A intervenção do Estado no Município é medida excepcional de ca- Nos termos constitucionais em que a intervenção está concebida,
ráter corretivo político-administrativ040 só admitida nos quatro casos ex- é medida vinculada aos pressupostos de fato estabelecidos pela própria
pressos na Constituição da República (art. 35, I-IV). É mais uma restrição Constituição, e que obriga o Estado a observá-los para sua decretação, de
à autonomia municipal para salvaguardar os superiores interesses da Ad- oficio ou mediante representação. Como ato vinculado aos pressupostos
ministração e dos administrados, quando falha a ação dos governantes e constitucionais, pode ser impedido ou invalidado pelo Poder Judiciário
administradores locais. se o Executivo Estadual refugir dos casos permitidos pela Constituição
Com as cautelas estabelecidas pela Constituição e com a prudência da República ou desatender às normas procedimentais estabelecidas pela
dos governadores na utilização desse instrumento de controle das ativida- Constituição do Estado. Como ato político-administrativo, a discriciona-
des comunais, a intervenção estadual não desfigura nosso regime munici- riedade do governador do Estado compreende a valoração da conveniên-
pal, nem descaracteriza as franquias dos governos locais, que devem ser cia e oportunidade, o prazo é a extensão da medida interventiva, diante dos
autônomos mas sujeitos a responsabilizações e sanções pelos desmandos fatos ocorrentes no Município que estiverem a exigir correção estadual.
administrativos que cometerem. A intervenção, como medida corretiva de irregularidades no governo
A intervenção efetivar-se-á por decreto motivado do governador do municipal, pode ser solicitada por qualquer cidadão, mas é mais própria
Estad'J, pelo qual nomeará o interventor e indicará as razões da medida, o do presidente da Câmara, mediante representação direta ao governador
prazo de sua duração e os limites da ação interventiva, que tanto poderá do Estado, nos casos dos incisos I, II e III do art. 35 da CF, e ao chefe do
°
atingir prefeito, a Câmara ou ambos, como poderá estender-se às autar- Ministério Público Estadual, no caso do inciso IV, para que este represen-
quias, empresas estatais e entidades paraestatais do Município, desde que te ao Tribunal de Justiça. Nada impede que o Executivo ou o Judiciário,
as irregularidades que a ensejem se localizem nessas entidades. O essen- nos casos de sua competência, façam realizar uma averiguação prévia in
cial é que existam os fatos expressamente enumerados na Constituição da
República como permissivos da intervenção. 41. Como Relator do projeto de reforma da antiga Constituição do Estado de
Algumas Constituições Estaduais exigem, para cada caso, lei auto- São Paulo, do qual resultou a EC 2, de 30.10.1969, que a adaptou à Constituição da
República, refundida pela EC I, de 17.10.1969, redigimos o processo de intervenção
rizadora da intervenção no Município - o que não nos parece correto, no Município dentro da linha acima exposta, atribuindo ao governador sua efetivação
por decreto, a ser referendado pela Assembléia Legislativa (art. 106 e §§). Esse enten-
40. O STF acolheu essa conceituação no RE 94.252-I-PB, j. 7.8.1981, RDP dimento foi mantido na atual Constituição da República (arts. 35-36) e incorporado nas
62/142. Cartas Estaduais (cf. art. 149 da Constituição do Estado de São Paulo).
118 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

loco para comprovar a procedência da acusação e agir com segurança na


decretação da intervenção. O governador poderá, ainda, agir de oficio,
desde que tenha conhecimento da irregularidade ensejadora da interven-
r III - AUTONOMIA MUNICIPAL

qual responderá civilmente em ação regressiva, nos precisos termos do


art. 37, § 6º, da CF.
119

Feitas essas considerações sobre a intervenção e o interventor, veja-


ção constitucional; o Judiciário, entretanto, só poderá decidir diante de mos os casos que autorizam a providência corretiva do Estado no Municí-
representação do chefe do Ministério Público Estadual. pio, agora reduzidos a quatro hipóteses pela Constituição vigente.
O interventor estadual é delegado do Estado, com a missão precí-
pua de restabelecer a normalidade na Administração Municipal. Não é 4.2 Falta de pagamento de dívida fundada
agente político do governo local, como o prefeito, e, por isso mesmo, não
Afalta de pagamento de dívidafundada só constitui motivo para in-
se sujeita ao controle político-administrativo da Câmara de Vereadores.
tervenção do Estado no Município quando se prolonga por dois anos con-
Fica, entretanto, subordinado às leis, decretos e demais atos normativos
secutivos; antes disso não autoriza a medida interventiva (CF, art. 35, I).
municipais. No exercício da interventoria desempenha todas as atribui-
Dívidafundada ou consolidada é a garantida por título próprio da en-
ções executivas que competiam ao prefeito afastado, podendo, inclusive,
tidade pública devedora, amortizável ou resgatável em prazo certo, geral-
sancionar, promulgar ou vetar leis e expedir decretos. Como delegado do
mente longo, com fluência de juros prefixados, sendo os títulos negociáveis
Estado, o interventor do Município presta contas de sua conduta admi-
nos respectivos mercados e bolsas. Distingue-se da dívidaflutuante, que é
nistrativa diretamente ao governador e de sua administração financeira
aquela que o Poder Público contrai por um breve e indeterminado período
ao Tribunal de Contas do Estado ou ao órgão estadual competente. Co-
de tempo para atender às momentâneas necessidades de caixa, pelo quê é
existindo o funcionamento da Câmara de Vereadores com o exercício do também denominada dívida de tesouraria ou dívida administrativa.
interventor, ambos manterão independência e harmonia nas suas funções,
A Lei Complementar 101, de 4.5.2000, ampliou a abrangência do
não podendo, entretanto, a corporação legislativa cercear sua atividade
conceito, definindo dívida consolidada ou fundada como o montante to-
corretiva, nem lhe decretar o afastamento da Prefeitura. Nada impede, to-
tal, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do Município
davia, que a Câmara represente ao governador do Estado sobre eventuais
assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da rea-
irregularidades cometidas pelo interventor, que, sendo exonerável ad nu-
lização de operações de crédito para amortização em prazo superior a 12
tum, pode ser afastado de suas funções a qualquer tempo, por decreto de meses (LRF, art. 29, I). Também integram a dívida pública consolidada as
quem o nomeou, e responsabilizado por seus atos ilegais. operações de crédito de prazo inferior a 12 meses cujas receitas tenham
Embora delegado do Estado, o interventor é o administrador e repre- constado do orçamento (LRF, art. 29, § 3º) e os precatórios judiciais não
sentante legal do Município, em cujo nome pratica atos, exercita direitos pagos durante a execução do orçamento em que forem incluídos (LRF, art.
e contrai obrigações no desempenho normal da interventoria (TJSP, RT 30, § 7º).
512/121). Como agente público que é, sujeita-se às mesmas normas de A dívida fundada ou consolidada pode ser interna ou externa, con-
responsabilidade civil e penal dos demais agentes públicos, mas não é forme seja contraída no país ou no estrangeiro. O Município, para contrair
passível de responsabilização político-administrativa pela Câmara de Ve- dívida externa de qualquer natureza, depende de prévia autorização do
readores (perda do mandato), porque não é agente político-administrativo Senado (CF, art. 52, V).
do Município (como o prefeito eleito), mas simplesmente agente execu- Por outro lado, o montante da dívida fundada ou consolidada dos Mu-
tivo do Estado, estranho ao estatuto político-administrativo dos prefeitos nicípios (bem como da União, dos Estados e do Distrito Federal) sujeita-se
e ao estatuto dos servidores do Estado ou do Município. Sua posição na aos limites globais fixados pelo Senado Federal, por proposta do presidente
Administração Pública é especial e sui generis: como administrador do da República (CF, art. 52, VI). Além disso, o Senado tem competência pri-
Município, subordina-se às normas administrativas locais; como delega-· vativa para também dispor sobre limites globais e condições para as opera-
do do Estado, atua segundo as determinações do delegante e age em seu ções de crédito externo e interno do Município, de suas autarquias e demais
nome, nos expressos limites do decreto interventivo. Daí por que nos atos entidades controladas pelo Poder Público Federal (CF, art. 52, VII).
e contratos administrativos o interventor vincula o Município e nos seus Conforme o ,art. 30 da Lei Complementar 101, de 4.5.2000, o Pre-
atos ilícitos vincula o Estado, na qualidade de seu preposto e perante o sidente da República deve submeter ao Senado Federal proposta de li-
120 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 121

mites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados A tomada de contas é um controle externo da gestão financeira. No
e Municípios, cumprindo o que estabelece o incisoVI do art. 52 da CF, caso dos Municípios esse controle externo exerce-se pela Câmara Muni-
bem como de limites e condições relativos aos incisos VII, VIII e IX do cipal auxiliada pelo Tribunal de Contas do Estado ou do Município ou os
mesmo artigo. Tais limites serão fixados em percentual da receita cor- Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (CF, art.
rente líquida para cada esfera de governo e aplicados igualmente a todos 31, § 1º).43 Ora, as simples irregularidades na prestação de contas podem
os entes da Federação que a integrem, constituindo, para cada um deles, e devem ser apontadas para a correção pelo prefeito, e se forem graves
limites máximos. 42 Para que se verifique o efetivo atendimento do limite darão motivo à rejeição das contas, com as conseqüentes sanções político-
a apuração do montante da dívida consolidada será efetuada ao final de administrativas, civis e penais ao chefe do Executivo Municipal. Para es-
cada quadrimestre. ses casos, portanto, não haverá necessidade de intervenção no Município,
Para fins de aplicação dos limites a referida lei complementar passou que é a mais drástica das medidas contra o governo local.
a considerar que os precatórios judiciais não pagos durante a execução do Daí por que sustentamos que a intervenção só tem cabimento quando
orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada o prefeito deixa de prestar contas ao órgão competente. Neste caso há um
(art. 30, § 7º). descumprimento da imposição constitucional, a ser corrigido por outra
O atraso no pagamento dessas dívidas pelo Município deve ser apu- providência constitucional, que é a intervenção do Estado no Município,
rado por técnicos do Estado antes da decretação da intervenção, pois não com o imediato afastamento do prefeito deliberadamente omisso.
há outro meio para se averiguar sua consecutividade por dois anos, como
Evidentemente, se a prestação de contas não se reveste daqueles mí-
exige a Constituição da República para justificar a medida interventiva.
nimos formais inerentes a toda demonstração fmanceira, ou omite elemen-
tos necessários da despesa ou, ainda, silencia sobre o emprego de verbas
4.3 Falta de prestação de contas substanciais do orçamento as contas não podem ser havidas como presta-
A prestação de contas da Administração Pública é dever genérico das; e, assim sendo, justifica-se a intervenção.
de todo administrador e dever específico do prefeito, no que concerne à Como o Município está também sujeito à prestação de contas ao Tri-
sua gestão financeira. A Constituição da República autoriza a intervenção bunal de Contas da União no que tange à aplicação das quotas de fundos
do Estado no Município desde que "não forem prestadas contas devidas, federais (CF, art. 71, VI), cabe-lhe prestá-las nas mesmas condições ex-
na forma da lei" (art. 35, II). A redação constitucional é dúbia, não escla- postas acima, e se não o fizer expõe-se à intervenção do Estado, desde
recendo suficientemente se o que rende ensejo à intervenção é afalta de t que solicitada por aquele Tribunal. Neste caso, como o TCU é o órgão
prestação de contas ou é a prestação irregular das contas. Entendemos I julgador das contas municipais que lhe são apresentadas, diversamente
que é a ausência de prestação de contas que autoriza a intervenção, pois ~ dos Tribunais de Contas dos Estados e órgãos equivalentes, que apenas
que ao dar um sentido mais amplo ao dispositivo constitucional iríamos ~. emitem parecer prévio (CF, art. 31, § 2º), não é dado ao Estado discutir
propiciar a intervenção do Estado no Município toda vez que o prefeito f a procedência, a conveniência ou a oportunidade da medida interventiva,
errasse na prestação de contas ou apresentasse qualquer irregularidade na cumprindo-lhe decretá-la nos termos do pedido federal.
efetivação da despesa. t Quanto aos Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios que os
42. A Resolução 40 do Senado Federal, de 20.12.2001, cujo texto foi consoli-
tiverem, bem como os órgãos de contas municipais previstos na Constitui-
dado em 9.4.2002, dispôs sobre os limites globais para o montante da dívida pública
consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-
nicípios, em atendimento ao disposto no art. 52, VI e IX, da CF. Estabeleceu, no caso
dos Municípios, que a dívida consolidada líquida, ao final do décimo-quinto exercício I ção da República (art. 31, § 1º), como dispõem apenas de funções opinati-
vas sobre as contas que lhes são apresentadas, não nos parece que possam
pedir a intervenção do Estado no Município sem que tais contas estejam
apreciadas pela Câmara Municipal, que é o órgão julgador competente.
financeiro contado a partir do encerramento do ano de publicação dessa resolução, não
poderá exceder a 1,2 vezes (um inteiro e dois décimos) a receita corrente líquida (art.
3 2 , lI). Se necessária, deverá ser realizada a trajetória de ajuste, apurada a cada quadri-
mestre civil, com a redução dos limites excedentes na proporção de 1/15 a cada exer-
i Sua missão constitucional é unicamente a de emitir parecer prévio sobre
essas contas, apontando as irregularidades e indicando as medidas correti-

cício financeiro (art. 4 2 ). A Resolução 20 do Senado Federal, de 10.11.2003, ampliou o 43. A Carta Magna veda "a criação de Tribunais, Conselhos ou Órgãos de Contas
prazo em quatro quadrimestres. V sobre o assunto o Capítulo V, adiante. municipais" (art. 31, § 42 ), mantidos os existentes à data de sua promulgação.
122 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

vas, inclusive a intervenção no Município, para que a Câmara Municipal


as julgue com pleno conhecimento da matéria. A decisão é da Câmara de
r
i
III - AUTONOMIA MUNICIPAL

camos que essa disparidade poderá ser corrigida pelo aumento ou redução
de outras verbas locais destinadas ao ensino e à saúde.
123

Vereadores, à qual caberá aplicar as sanções de sua alçada (rejeição das Advirta-se, finalmente, que a intervenção nos termos do art. 35, IH,
contas e cassação do mandato do prefeito) e solicitar aos órgãos estaduais da CF só será legítima se não se verificar a aplicação dos percentuais mí-
competentes as providências complementares cabíveis, dentre as quais a nimos sobre a receita resultante de impostos.
intervenção no Município e o processo criminal contra o prefeito. Assim
ficará preservada a autonomia municipal - e assegurada a probidade ad-
ministrativa no governo local. 4.5 Inobservância dos princípios indicados
Observamos, ainda neste tópico, que, em face da sistemática implan- na Constituição Estadual, descumprimento de lei,
tada pela Lei 6.223, de 14.6.1975, os Tribunais de Contas do Estado e dos ordem ou decisão judicial '
Municípios julgam as contas dos dirigentes de sociedades de economia A Constituição da República indica, no inciso IV do art. 35, os vários
mista, empresas públicas e fundações instituídas pelos Municípios, inde- casos em que o Tribunal de Justiça do Estado pode determinar a inter-
pendentemente de qualquer pronunciamento da Câmara de Vereadores; venção no Município. Esses casos só serão apreciados pela Justiça em
e, se julgam tais contas, devem ter o poder correlato de determinar as representação do chefe do Ministério Público do Estado, na forma que a
medidas necessárias à sua correção e punição dos responsáveis, inclusi- Constituição Estadual estabelecer, desde que ocorra qualquer das seguin-
ve a destituição do cargo e a intervenção do Município na entidade, para tes hipóteses: inobservância dos princípios estabelecidos na Constituição
regularização dos desmandos financeiros. Se o Município não atender ao do Estado; desatendimento de lei; descumprimento de ordem ou decisão
determinado no julgamento do Tribunal de Contas no concernente às suas judicial.
entidades estatais, parece-nos cabível a intervenção do Estado para fazer
cumprir aquelas determinações, que se embasam em princípio constitucio- A inobservância dos princípios constitucionais caracteriza-se pela
nal regulamentado por lei federal. violação frontal ou oblíqua do que a Constituição do Estado estabelece
como princípios explícitos e implícitos aplicáveis aos Municípios. Os Es-
tados incorporarão em suas Constituições as matérias de sua competência
4.4 Falta de aplicação da percentagem constitucional (CF, arts. 25-28), podendo acrescentar outros princípios em atenção às pe-
da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento culiaridades regionais, visto que as locais compete ao próprio Município
do ensino e em ações e serviços públicos de saúde indicá-las em sua lei orgânica.
A Constituição da República tomou obrigatória a aplicação anual de Esses princípios, consubstanciados na Constituição Estadual, passam
pelo menos 25% da receita resultante de impostos na manutenção e desen- a ser princípios constitucionais de observância obrigatória pelos Municí-
volvimento do ensino (art. 212, caput) e de 15% do produto da arrecada- pios. Se desatendidos rendem ensejo à intervenção.
ção dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os Dentre esses princípios constitucionais podemos mencionar, exem-
arts. 158 e 159, inciso I, alínea "b", e § 3º, em ações e serviços públicos de plificativamente, os que asseguram a autonomia municipal; os que ga-
saúde (art. 198, § 2º, III, c/c. arts. 167, IV, e 77, III, ADCT). rantem a independência e harmonia dos Poderes do governo local; os que
O desatendimento desses comandos constitucionais expõe o Muni- obrigam à prestação de contas; os que impõem a publicidade dos atos
cípio à intervenção estadual, a ser decretada pelo governador, em face da administrativos; os que pautam a elaboração e execução dos orçamentos e
verificação da falta cometida pela Administração local (CF, art. 35, IH). os demais que se aplicam ao governo e à Administração do Município, por
A imposição é plenamente justificada pela necessidade de alfabetiza- imperativo constitucional.
ção de toda a população brasileira e da melhoria das condições de saúde· O desatendimento de lei refere-se a qualquer norma legal. Não é ape-
da população no mais breve período de tempo. nas a lei federal, estadual ou municipal, emanadas dos respectivos Legis-
Objeta-se, apenas, que a percentagem estabelecida pela Constituição lativos, que merece cumprimento; também o decreto - que é lei em sentido
é excessiva para alguns Municípios e irrisória para outros, dada a diversi- material e tem o mesmo conteúdo normativo da lei formal, nas matérias de
dade das receitas tributárias municipais nas várias regiões do país. Repli- sua alçada - há de ser cumprido fielmente pelas autoridades e agentes mu-
124 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO III - AUTONOMIA MUNICIPAL 125

nicipais. Quando a Constituição da República alude a "execução de lei" reiteradamente repelido a alegação de impossibilidade financeira, afir-
está indicando a nonna legal em sentido amplo, impositiva e obrigatória mando ser inescusável a inadimplência da Municipalidade: "Nada pode
para todos. Até mesmo os que fazem a lei ou editam o decreto ficam su- escusar a impontualidade, nem mesmo a ausência de recursos, que, ad-
jeitos à sua imperatividade enquanto vigentes e operantes. A subordinação missível como fato verdadeiro, não possui, todavia, o condão de justificar
da Administração e dos administrados às nonnas legais é a característica inadimplência. O brocardo ad impossibilia nemo tenetur nunca pode ser
dominante dos Estados de Direito como o nosso. alçado a uma justificativa ao inadimplemento de dívida pública";45 ''Nada
pode escusar a impontualidade, nem mesmo a ausência de recursos, que,
A lei municipal inconstitucional pode deixar de ser cumprida pelo
admissível como fato verdadeiro, não possui, todavia, o condão de justifi-
prefeito, pois, como chefe do Executivo local, tem o dever de não aplicar
car a inadimplência, antes até mesmo concorrendo para agravá-la, pois de-
nonna contrária à Constituição; mas em tal caso deve justificar sua recusa notaria a imprevisão do administrador, que teve tempo mais que suficiente
para não incidir no crime previsto no art. lº, XIV, do Decreto-lei 201, de para alocar recursos com que executar espontaneamente a obrigação no
27.2.1967. Considerando inconstitucional lei municipal, que enseje inter- tempo, modo e fonna devidos";46 "É obrigatória a inclusão no orçamen-
venção do Estado no Município, o procurador-geral da justiça pode - e to das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de
deve - representar ao Tribunal de Justiça para a declaração dessa incons- seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1Q de
titucionalidade, nos tennos do art. 35, IV, da CF.44 Essa representação do julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamen-
chefe do Ministério Público Estadual pode ser de oficio, ou provocada to até o final do exercício seguinte".47 Note-se que, com a redação dada
pelo prefeito ou por qualquer vereador do Município. pela EC 3012000 ao § 1Q do art. 100, a atualização dos valores deverá ser
O descumprimento de ordem ou decisão judicial enseja a intervenção procedida na data do pagamento, sendo vedada a expedição de precatório
do Estado no Município, desde que reconhecido pelo Tribunal de Justiça. complementar ou suplementar de valor pago, bem como o fracionamento,
Ordem judicial é todo mandado expedido pela Justiça de que se faça, não repartição ou quebra do valor da execução (§ 4 Q do art. 100, redação dada
se faça ou pennita que se faça alguma coisa, revestindo, geralmente, a pela EC 37/2002).
fonna de notificação; decisão judicial é o julgado pelos juízes do Poder Cumpre, ainda, observar que no caso de desobediência a ordem ou
Judiciário, na sua função jurisdicional. O essencial é que tanto a ordem decisão judiciária a legitimação do Ministério Público para a propositura
como a decisão emanem de autoridade judiciária no desempenho de suas da ação não impede a de terceiros interessados (art. 129, IV, e § l Q, da
atribuições judicantes, visto que os atos administrativos praticados pelos
juízes não se enquadram na categoria de ordem ou decisão judicial.
I 45. TJSP, ReprInterventiva 20.050-0, São Paulo, reI. Des. Cuba dos Santos, j.
O descumprimento de ordem judicial relativa ao pagamento de preca-
tórios tem motivado o maior número de representações interventivas ajui-
i 17.8.1994.
46. TJSP, Intervenção Estadual 20.814-0, São Paulo, reI. Des. Cunha Camargo,
zadas perante os Tribunais de Justiça dos Estados. A Corte Paulista tem
I j.14.9.1994.
47. TJSP, Interv~nção Estadual 19.444-0, São Paulo, reI. Des. Bueno Magano, j.
17.8.1994. V., do TJSP: ReprInterventiva 20.240-0, São Paulo, reI. Des. Bueno Ma-
44. Cabe à Constituição Estadual estabelecer o processo e julgamento "de repre-
sentação do;; inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em
face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único I gano, j. 24.8.1994; Intervenção Estadual 19.547-0, São Paulo, reI. Des. Alves Bra-
ga, j. 28.9.1994; Intervenção Estadual 18.048-0, São Paulo, reI. Des. Cunha Bueno,
j. 10.11.1993; Intervenção Estadual 22.027-0, São Paulo, reI. Des. Renan Lotufo, j.

I
órgão" (CF, art. 125, § 2 2 ). Bem a propósito, na Recl383-SP o STF decidiu, por maioria, 14.9.1994; Intervenção Estadual 20.815-0, São Paulo, reI. Des. Bueno Magano, j.
pela admissibilidade da propositura da ação direta de inconstitucionalidade, perante o 23.11.1994; Intervenção Estadual 15.941-0, São Paulo, reI. Des. Nigro Conceição,j.
Tribunal de Justiça local, de lei municipal frente à Constituição Estadual mesmo no caso 9.6.1994; Intervenção Estadual 21.709-0, São Paulo, reI. Des. Ney Almada,j. 8.2.1995;
de reprodução, por esta, de normas constitucionais federais de observância obrigatória Intervenção Estadual 22.688-0, São Paulo, reI. Des. Gentil Leite,j. 15.3.1995; Interven-
pelos Estados, abrindo-se a possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação ção Estadual 23.425-0, São Paulo, reI. Des. Luís de Macedo, j. 8.3.1995; Intervenção
da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal obri- Estadual 20.816-0, São Paulo, reI. Des. Rebouças de Carvalho,j. 23.11.1994; Interven-
gatória, contrariar o sentido e o alcance desta (reI. Min. Moreira Alves, j. 11.6.1992, ção Estadual 22.243-0, São Paulo, reI. Des. DjaIma Lofrano,j. 14.9.1994; Intervenção
DJU 21.5.1993, p. 9.765). Esse posicionamento foi reiterado no AgRg na Recl596-MA Estadual 22.241-0, São Paulo, reI. Des. Bueno Magano, j. 23.11.1994; Intervenção Es-
(TP, reI. Min. Néri da Silveira, j. 30.5.1996, DJU 14.11.1996, p. 44.487) e nos RE taduaI21.980-0, São Paulo, reI. Des. Cuba dos Santos,j. 23.11.1994; Intervenção Es-
182.576-6-SP (reI. Min. Carlos Velloso, DJU 13.6.1997, p. 26.709) e 170.173-SP (reI. tadual 17.500-0, São Paulo, reI. Des. Viseu Júnior, j. 28.9.1994; Intervenção Estadual
Min. lImar Ga1vão, DJU 11.12.1998, p. 10, Ement. 01935-02, p. 238). 18.505-0, São Paulo, reI. Des. Salles Penteado, j. 24.8.1994.
126 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

CF). Nesse sentido pronunciou-se o TJSP, observando que "a titularidade


para o requerimento de intervenção estadual deixou, após o advento da
Constituição da República de 1988, de ser exclusiva do Ministério Público,
estendendo-se a terceiro interessado na obtenção dessa medida para pro-
ver execução de decisão judicial de indenização expropriatória".48
Finalmente, a própria Constituição da República esclarece que nos
casos de intervenção determinada pelo Tribunal de Justiça o decreto do Capítulo IV
governador limitar-se-á a suspender o ato impugnado, se essa medida for
suficiente para restabelecer a normalidade no Município (CF, art. 36, § 3º). O MUNICÍPIO BRASILEIRO:
Recomendação de alta sabedoria e prudência, pois que a intervenção é CONCEITUAÇÃO, GOVERNO,
sempre um trauma na Administração local, e só deve ser utilizada como re- COMPETÊNCIA E RESPONSABILIDADE
curso final para correção de irregularidades, depois de exauridos os meios
menos drásticos contra a conduta ilegítima das autoridades municipais.
1. Conceituação do Município Brasileiro. 2. O Município como pessoa
Concluída a apreciação dos remanescentes quatro casos de interven- jurídica de direito público interno. 3. O Munic:íp~o _como ent~da~e esta-
ção do Estado no Município, lamentamos a supressão dos dois casos de tal. 4. A repartição das competências na Constltulçao da Republzca. ~.!
intervenção previstos na Constituição anterior: a) impontualidade no pa- competência do Município em assuntos de interesse local. 6. ~~mpos/~a?
gamento de empréstimo garantido pelo Estado; b) prática de atos de sub- do governo municipal. 7. Símbolos Municipais. 8. Responsabllzdade CIVil
do Município.
versão e corrupção. No primeiro caso o Estado avalista não pode mais in-
tervir no Município inadimplente para compeli-lo ao pagamento da divida
avalizada. Todavia, pode executar a contragarantia. E que com o advento
1. Conceituação do Município Brasileiro 1
da Lei Complementar 101, de 4.5.2000, a garantia em operações de cré-
dito dada pelo Estado ao Município deverá, sob pena de caracterização de O Município pode ser conceituado sob três aspectos distintos: o so-
crime (art. 359':E do CP, conforme art. 2º da Lei 10.028, de 19.10.2000), ciológico, o político e ojurídico. 2
sempre estar condicionada ao oferecimento de contragarantia, que poderá
consistir na vinculação de receitas tributárias que devam ser transferidas °
1. A Lei federal 3.555, de 6.5.1959, considera parlamentar Aureliano Cândido
ao Município. Assim, o Estado poderá retê-las e empregar o respectivo Tavares Bastos patrono dos Municípios Brasileiros. . ,
valor na liquidação da dívida vencida (art. 40, § 1º, II). No segundo, o Es- 2. Sobre a matéria consultem-se os seguintes autores: Arruda Viana, O MumcI-
tado não pode impedir, de pronto, pela intervenção, os atos de subversão pio e a sua Lei Orgânica, São Paulo, 1950; Macha~o Vila, O. Mu~ico/io no ~~gime
Constitucional Vigente, Porto Alegre, 1952; Martins SIlva, J?irelfo.Publzco u.umc!pal e
e corrupção no Município, o que constitui um estímulo à improbidade dos Administração dos Municípios, Belo Horizonte, 1952; LevI CameI~o, f!rgamzaçao do~
go\'cmantes locais, pois todas as intervenções até então conhecidas do Municípios e do Distrito Federal, Rio de Janeiro, 1953: ~ves de Ol~v~I~a, Curso de J?l-
Estado no Município foram efetivadas por atos de corrupção, coibindo, reito Municipal, Rio de Janeiro, 1958; Machad<;> Paupe~o, O MumclplO e se,u ~eglme
energicamente, os administradores ímprobos. Jurídico no Brasil, Rio de Janeiro, 1959; Angehto A. AIquel, Problemas J-::rzdlcos dos
Municípios, Porto Alegre, 1959; Manoel Ribeiro, O Município na.~edera~ao, Salva~or,
1960; Diogo Lorde10 de Melo, A Moderna Administração Mumclpal, RIO de. JaneIro,
1960; Dalmo de Abreu Dallari? O Município Brasileiro, S~o Paulo, 1961; F~~ISCO Teo-
doro da Silva Do Poder na Orbita Municipal, Belo Honzonte, 1961; Eugemo Franco
Montoro, O Município na Constituição Brasileira, São Paulo, 1975; José Afon~o ~a
Silva, O Prefeito e o Município, São Paulo, CEPAM, 1977; Da~te Martorano, I?/~e/:o
Municipal, Rio de Janeiro, Forense, 1985; Antônio Carlos Otom. Soares, A Instzt~/çc:o
Municipal no Brasil, São Paulo, Ed. RT, 1986; José Afonso da SIlva, Curs? de Direito
Constitucional Positivo, 30ª ed., Mallieiros Editores, 2008, pp. 639 e .ss.; DIO~ar Ackel
Filho, Município e Prática Municípal, São Paulo, Ed. RT, 1992; Regma Mana Macedo
48. Intervenção Estadual 20.814-0, São Paulo, reI. Des. Cunha Camargo, j. Nery Ferrari, Elementos de Direito Municipal, São Paulo, Ed. RT, 1993.
14.9.1994.
128 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 129

Do ponto de vista sociológico, o Município Brasileiro, como qual- O Município, como pessoa jurídica, quando pratica atos de natureza
quer outro, é o agrupamento de pessoas de um mesmo território, com in- civil submete-se às mesmas normas do direito privado, em pé de igualdade
teresses comuns e afetividades recíprocas, que se reúnem em sociedade com as demais entidades ou com os cidadãos com quem contrate. 4
para a satisfação de necessidades individuais e desempenho de atribuições Desta regra só se afasta quando atua com prerrogativas de Poder PÚ-
coletivas de peculiar interesse local. blico, realizando atos e contratos administrativos. 5
Sob o aspecto político, o Município Brasileiro é entidade estatal de Assim, a aquisição e alienação dos bens do Município, quando per-
terceiro grau na ordem federativa, com atribuições próprias e governo au- mitidas administrativamente, ficam sujeitas às mesmas exigências das leis
tônomo, ligado ao Estado-membro por laços constitucionais indestrutíveis civis, quer no que se refere às formalidades do ato ou contrato (art. 108
(CF, arts. 18,29 e 34, VII, "c"). do CC), quer no que tange aos registros públicos (arts. 1.245 e ss. do CC;
Na ordem legal, o Município Brasileiro é pessoa jurídica de direito e Lei federal 6.015, de 31.12.1973). A nosso ver, os bens imóveis patri-
público interno (CC, art. 41, III), e, como tal, dotado de capacidade civil moniais, mesmo os havidos originariamente com a criação do Município,
plena para exercer direitos e contrair obrigações em seu próprio nome, ficam sujeitos a transcrição no cartório imobiliário respectivo, servindo a
respondendo por todos os atos de seus agentes (CF, art. 37, § 6º). lei institucional de título aquisitivo para o competente registro.
Para os objetivos deste trabalho só nos interessa o Município como O Município, ao ser criado, recebe, como é óbvio, todos os bens pú-
pessoa jurídica de direito público interno e como entidade político-admi- blicos e serviços situados em seu território e, correlatamente, assume os
nistrativa (entidade estatal), dadas as suas atribuições de Administração encargos a eles relativos, como também os de ordem fmanceira e admi-
local e as suas relações com terceiros. nistrativa, nos limites de sua área de ação e na proporção de suas rendas
em relação ao de que se desmembrou, se de outro modo não dispuserem a
Constituição Estadual ou as leis ordinárias.
2. O Município como pessoa jurídica de direito público interno
Como pessoa jurídica, o Município tem representante, domicílio e
Organizado o Município e promulgada a lei que o inclui no quadro foro onde pratica e responde por seus atos. 6 Seu representante político - já
territorial e administrativo do Estado, adquire ele personalidade, passando o dissemos - é o prefeito. Nenhum outro órgão ou pessoa detém a repre-
à categoria de "pessoa jurídica de direito público interno", prevista no art. sentação municipal. A própria Câmara de Vereadores não o representa,
41 do cc. Como pessoa jurídica, age através do prefeito, que é seu único nem jurídica, nem politicamente, nas suas relações internas ou externas,
representante e agente executivo da Administração, exercendo direitos e com os munÍcipes ou com as outras entidades públicas ou particulares.
contraindo obrigações de ordem civil. Sendo o Município uma entidade Limitamo-nos, neste passo, a esclarecer sucintamente que só o prefeito
estatul, sua existência decorre da própria lei que o institui, independente- representa e vincula o Município nos seus atos e relações civis, adminis-
mente de qualquer registro, a que só estão sujeitas as pessoas jurídicas de trativas, políticas, e, por norma processual, ativa e passivamente em juízo
direito privado. A lei que o cria é seu título constitutivo e marca o início (CPC, art. 12, lI) - ·ressaltando que nesta última hipótese a representação
de sua existência legal. 3 normalmente é feita por seus procuradores. 7 Ao tratar da Administração
Como toda pessoa jurídica, tem o Município vida própria, distinta da Municipal cuidaremos mais amplamente da posição do prefeito e da Câ-
dos indivíduos que o compõem e dos agentes que o governam. A lei civil mara em relação ao Município e aos munícipes (Capítulos XI e XII).
o define como "pessoa jurídica de direito público interno", para diferençá-
lo das entidades de direito privado (sociedades, associações e fundações), 4. STF, RDA 46/192.
mas confere a umas e outras capacidade para constituir patrimônio próprio, 5. v., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., 2008, Capítulo lI, e
gerir seus bens, administrar seus interesses, adquirir direitos, contrair obri- Licitação e Contrato Administrativo, 14ª ed., 2ª tir., 2007, Capítulo VI.
gações, responder civilmente pelos atos de seus representantes, agir em 6. Cf. Ovídio Bernardi, Do Município em Juízo, São Paulo, Ed. RT, 1964, e tam-
bém O Município e o Novo Código de Processo Civil, São Paulo, Ed. RT, 1976.
juízo ou fora dele, independentemente das pessoas fisicas que as dirigem.
7. A pessoa jurídica é o Município, e não a Prefeitura, que é simples órgão exe-
cutivo. Mas o STF já decidiu que: "Para efeitos de legitimidade ad causam, as expres-
3. Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito, 2ª ed., § 21; Léon Michaud, Théo- sões 'Município' e 'Prefeitura' se equivalem" (RTJ96/759). No mesmo sentido,RTFR
rie de la Personalité Morale, 3ª ed., v. I, p. 336. 139/393 e JTJ 153/204.
130 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
r' IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 131

o domicílio do Município - diz a própria lei - "é o lugar onde D.lll- cidadão e das sociedades ou associações particulares. Mas, sendo também
cione a Administração Municipal" (CC, art. 75, lII). Em sentido vulgar, entidade estatal, está investido do poder público, de imperium, inerente
domicílio é a sede do governo local- a Prefeitura -, mas o conceito de do- aoS atos específicos de sua competência. Tem, assim, o Município dupla
micílio é mais amplo que o de sede, porque abrange todo o Distrito em que atuação que o habilita a agir em dois campos distintos, sob normas dife-
se localiza a Administração Municipal, ou, mais propriamente, os órgãos rentes e com conseqüências diversas - o do direito privado e o do direito
da Prefeitura e da Câmara. Daí a expressão encontradiça nas leis estaduais público -, mantendo sempre sua única personalidade de direito público.
"Distrito-sede", isto é, aquele em que está a Prefeitura Municipal. Dentro Como entidade estatal, o Município Brasileiro desfruta de autonomia
do Distrito-sede pode-se localizar qualquer órgão do Município, sem que político-administrativa no que diz respeito à sua auto-organização, à elei-
se altere seu domicílio. Já o mesmo não se pode dizer da mudança de ção de seus governantes e à condução dos negócios de seu interesse local,
um órgão de um Distrito para outro, porque as leis estaduais é que fixam tais como instituição e arrecadação de seus tributos, aplicação de suas ren-
o quadro territorial e administrativo a vigorar por um quatriênio. Nesse das e organização de seus serviços. No exercício dessas atribuições, carac-
quadro, segundo o sistema vigente em todos os Estados, constam .os Mu- terizadoras de sua autonomia, o Município atua em absoluta igualdade de
nicípios repartidos administrativamente em Distritos, com a desIgnação condições com a União e o Estado, devendo obediência apenas à Consti-
do Distrito-sede. Se é inalterável essa divisão por quatro anos, não se nos tuição da República e à do Estado a que pertence, bem como às leis que,
afigura possível a mudança do domicílio do Município, de um Distrito por determinação constitucional, lhe impõem regras de conduta na gestão
para outro, a não ser no término do quatriênio. de seus negócios. Daí por que os atos municipais, desde que contidos no
A essa altura convém repetir que Distrito é mera divisão administra- âmbito das competências do Município, independem de prévia autoriza-
tiva do Município, sem personalidade jurídica e sem autonomia ou repre- ção ou de posterior ratificação de qualquer outra entidasIe estatal. Tanto
tr isso é verdade que o Estado só pode intervir na administração de seus Mu-
sentação política. Atende apenas a fins de arrecadação e à desconcentração
de serviços públicos, no interesse da Administração e dos munícipes. Pode nicípios a posteriori, na ocorrência dos casos taxativamente enumerados
ser dirigido pelo próprio prefeito do Município, ou por um delegado seu, na Lei Magna (art. 35). Uma vez cessados os motivos que autorizaram a
que é o subprefeito, admitido em alguns Estados. Nos grandes e populo- intervenção o Estado deverá suspendê-la imediatamente, sob pena de, por
sos Municípios, como os das Capitais, a divisão administrativa vai além, sua vez, se sujeitar à intervenção da União, por infringência ao disposto
ou seja, até a Subdistritos, que, por idênticas razões, não desfrutam de no art. 34, VII, "c", da CF.
qualquer liberdade jurídica ou política. São partes do território municipal, Essa posição do Município no sistema federativo brasileiro, verda-
inteiramente subordinadas à Administração unitária do Município. Além deiramente singular, obriga-nos a reconhecer que, tal como a União e os
dessa divisão distrital há, ainda, a repartição territorial em zonas e bairros, Estados, possui os Poderes Executivo e Legislativo, faltando-lhe apenas o
visando apenas à distribuição de serviços locais e ao uso do solo. Judiciário, que a Constituição reservou expressamente àquelas entidades
O foro do Município é o da comarca ou termo judiciário (nos Estad~s estatais superiores. s. Com efeito, se o Município, que conta com gover-
que o adotam) a que pertencer seu território, isso porque nem todo Mum- no próprio, eleito por seus cidadãos, edita a lei de sua organização - Lei
cípio é sede judiciária. A organização judiciária é que estabelece os limites Orgânica -, normas legais, impositivas para seus administrados e para
territoriais da jurisdição dos juízes. Essa área da jurisdição dos juízes pode quantos tratem com ele, organiza os serviços públicos locais e arrecada e
abranger um ou mais Municípios reunidos em uma comarca. Foro (não aplica suas rendas com inteira liberdade política na condução de seus ne-
confundir comfórum, que é o edificio onde osjuízes realizam suas audiên- gócios, respeitados apenas os preceitos constitucionais e legais superiores,
cias) do Município é, pois, o do termo ou comarca a que pertence, segundo
8. Em edições anteriores, influenciados pelos ensinamentos de Duguit (Droit
a organização judiciária do Estado. Constitutionnel, Paris, 1923), combatíamos os que pretendiam a existência de Poderes
municipais equivalentes aos Poderes de Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário -,
expressamente atribuídos pela Constituição à União e aos Estados-membros. Evoluí-
3. O Município como entidade estatal
mos, entretanto, para a posição atual, por ser mais coerente com a nossa já antiga tese
Já vimos que o Município, como pessoa jurídica de direito público de que o Município Brasileiro é entidade estatal, inteiramente desvinculada da tutela
da União e do Estado a que pertence no exercício das atividades que caracterizam sua
interno, atua no campo do direito privado em condições idênticas às do autonomia político-administrativa, assegurada constitucionalmente.
132 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 133

é forçoso concluir que dispõe de, pelo menos, dois dos Poderes políticos território nacional. Como as demais, o Município afirma-se no campo do
admitidos na Constituição da República - o Legislativo e o Executivo -, direito público interno, com personalidade própria e capacidade específica
através dos quais impõe sua vontade, nos limites do seu território e da sua para o exercício da atividade administrativa. Nessa qualidade pratica atos
competência institucional. administrativos de império, atos de autoridade, atos de força, específicos
A Constituição da República arrola o Município como componente do Poder Público, e em relação aos quais nada pode o particular, por se-
da Federação (arts. 1º e 18), reconhecendo-llie, agora expressamente, a na- rem exigidos pelo interesse coletivo - e que, por isso mesmo, se super-
tureza de entidade estatal de terceiro grau, pela outorga de personalidade põem ao interesse privado.
jurídica, governo próprio e competência normativa. Com isso já não se Como bem demonstra Cirne Lima, "as pessoas administrativas, de
pode dizer, contrastando-o com o Estado-membro, que o Município tem natureza política e existência necessária (União, Estados-membros e Mu-
apenas poderes administrativos e atribuições delegadas. Absolutamente, nicípios), nascem em plano superior ao da legislação assim administrativa
não. Tanto um como outro atuam com igual poder político no exercício das como civil, e com finalidades que abrangem, mas superam, as da simples
competências que lhes são conferidas pela Constituição, com total indepen- administração. A sua sede no direito positivo é a Constituição".9
dência entre si e para com a União, visando todos à promoção do bem-estar
da coletividade, local (Município), regional (Estado) e nacional (União).
4. A repartição das competências na Constituição da República
É exatamente essa condição que a Constituição confere aos Municí-
pios, colocando-os em pé de igualdade com os Estados-membros. Apenas Para a exata compreensão e delimitação das atribuições do Município
sua autonomia é menos ampla, uma vez que, dentre outras coisas, não dis- necessário se torna um exame sumário do nosso sistema constitucional no
põem de Poder Judiciário e não possuem representação nas Assembléias que se refere à repartição das competências entre as entidades estatais.
Legislativas. Essas limitações de sua autonomia, entretanto, não descarac-
A Constituição vigente, como as anteriores, desde a proclamação da
terizam sua natureza de entidades estatais, com poderes políticos suficien-
República, adotou o sistema de competências ou poderes reservados ou
tes para elaborar suas leis (Poder Legislativo) e para convertê-las em atos
enumerados para a União e para os Municípios, ficando os remanescentes
individuais e concretos (poder Executivo). com os Estados. Esse sistema está consubstanciado no § 1º do art. 25, que
O Município Brasileiro é, pois, entidade estatal, político-adminis- dispõe: "São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam
trativa, que, através de seus órgãos de governo - Prefeitura e Câmara vedadas por esta Constituição".
de Vereadores -, dirige a si próprio, com a tríplice autonomia política
Poderes reservados são os enuinerados na Constituição como perten-
(auto-organização, composição do seu governo e orientação de sua admi-
centes à União ou aos Municípios, e também os que estão ínsitos naqueles
nistração), administrativa (organização dos serviços locais) e financeira
e nos princípios constitucionais adotados. Daí a existência de poderes ex-
(arrecadação e aplicação de suas rendas).
plícitos e de poderés implícitos, constituindo as denominadas reservas da
Como atividade nitidamente política assinalamos, na Constituição Constituição.
vigente, a elaboração de sua Lei Orgânica, a composição eletiva de seu
governo, sem qualquer interferência da legislatura federal ou estadual, e a
Poderes explícitos são aqueles que estão literalmente expressos no
texto constitucional, como os dos arts. 21 e 22, para a União, e os do
administração própria no que concerne ao seu interesse local (arts. 29-30).
art. 30, para os Municípios. Poderes implícitos são os que resultam como
Vale dizer que, politicamente, o Município atua na vida e nos destinos da
conseqüência lógica e necessária de um poder explícito, ou dos princí-
própria Federação como unidade primária, integrante do sistema eleitoral
pios adotados pela Constituição. Exemplo da primeira hipótese: do poder
vigente; compõe seu governo e dita sua política interna, no sentido de
adoção dos critérios de oportunidade e conveniência de sua administração; explícito de instituir um tributo resulta o poder implícito de arrecadá-lo.
impõe livremente os tributos de sua competência; e edita as leis necessá- Exemplo da segunda hipótese: do princípio federativo resulta para a União
rias à normatividade de sua ação governamental. o poder de dividir o território nacional em Estados autônomos.
O Município, como pessoa administrativa, integra a tríade constitu-
9. Princípios de Direito Administrativo, 7ª ed., São Paulo, Malheiros Editores,
cional União-Estado-Município, em que se repartem as competências no 2007, p. 127.
134 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 135

Como se vê, a teoria dos poderes implícitos está constitucionalmente mos adotar e transcrever, como síntese dos princípios constitucionais que
consagrada no nosso regime, como norma interpretativa de observância asseguram e delimitam a autonomia municipal e o âmbito de sua ação. 11
obrigatória na partilha da competência entre a União, os Estados-mem-

-----.
bros e os Municípios. Haurimos esse princípio na Constituição Norte- Poderes municipais expressos e exclusivos

{
Americana (Emenda X), com a só diferença - bem lembrada por The- afastam

~
lªregra
místocles Brandão Cavalcanti - de que entre nós a vedação é positiva,
Competência federal Competência estadual
desenvolvendo-se a competência a favor da União somente quando já
houver princípio expresso de onde defluam implícita ou explicitamente

------.. t
Poderes federais expressos Poderes estaduais
seus poderes, ao passo que no sistema norte-americano é negativa, no implícitos expressos
sentido de que, não havendo vedação expressa à União ou aos Estados,
~
2ª regra
se entende destes. 10 {
afastam
Entre nós, portanto, remanescem para os Estados-membros todos os
poderes que não estão reservados expressa ou implicitamente à União e
Poderes municipais implícitos
aos Municípios. Por isso se diz - e com inteiro acerto - que a competência afastam
do Estado-membro é residual, por recolher os poderes e atribuições que
restam da reserva da União e dos Municípios.
3ªregra
{ t
Competência estadual remanescente
A Constituição da República instituiu a competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para as matérias Poderes federais concorrentes
enumeradas em seu art. 23. Por competência comum deve-se entender a prevalecem sobre
que cabe, indiferentemente, às quatro entidades estatais para solucionar
matérias que estejam nas suas atribuições institucionais. O exercício dessa 4ª regra
t
Poderes estaduais concorrentes
competência comum visa a manter o equilíbrio do desenvolvimento e do prevalecem sobre
bem-estar em âmbito nacional, segundo normas de cooperação a serem
fixadas por lei complementar federal (CF, art. 23, parágrafo único).
t
Poderes municipais concorrentes
Para a solução de tais casos podemos enumerar algumas regras que,
se não afastam de todo a possibilidade de conflitos e incertezas, facilitam A primeira regra esclarece que a competência municipal expressa e
a distinção das três órbitas de ação governamental. exclusiva - como, por exemplo, a organização dos serviços públicos locais
(CF, art. 30, V) - afasta qualquer outra competência sobre o assunto, seja
Firmado o princípio de que a nossa Constituição Federal estabeleceu
ela federal ou estadual. A manifestação expressa e privativa da competên-
três esferas de competência e não deixou para os Municípios poderes re- cia do Município repele a de qualquer outra entidade estatal, poder, órgão
manescentes, como aos Estados-membros, segue-se que as Comunas só ou autarquia. Qualquer ingerência estranha na competência municipal será
têm poderes enumerados e mais os que defluírem destes, de maneira im- inconstitucional e afastável por via judicial.
plícita, à semelhança do que ocorre com a União.
A segunda regra objetiva a competência implícita do Município, so-
O eminente publicista Víctor Nunes Leal enunciou e esquematizou bre a qual prevalecem a competência estadual expressa e também a com-
quatro regras que muito facilitam o deslinde da matéria, e que nos permiti- petência federal expressa ou implícita.
A terceira regra estabelece, em conexidade com a anterior, que com
10. Themístocles Brandão Cavalcanti, A Constituição Federal Comentada, v. I, relação aos poderes remanescentes do Estado prevalece sempre a com-
Rio de Janeiro, 1948, p. 279. A X Emenda da Constituição dos Estados Unidos está
assim redigida: "Os poderes que não são delegados aos Estados Unidos pela Consti-
tuição, nem por ela negados aos Estados, são reservados ao Estado e respectivamente 11. "Alguns problemas municipais em face da Constituição", in Estudos sobre a
ao povo". Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, 1954, pp. 129-145.
136 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 137

petência implícita e explícita do Município. Isso porque a Constituição Estabelecida essa premissa é que se deve partir em busca dos assuntos
Federal declara, em seu art. 25, § I º, que aos Estados se reservam todas da competência municipal, a fim de selecionar os que são e os que não são
as competências que não lhes sejam vedadas. Ora, os poderes que a Cons- de seu interesse local, isto é, aqueles que predominantemente interessam
tituição confere aos Municípios, de modo implícito ou explícito, estão à atividade local. Seria fastidiosa - e inútil, por incompleta - a apresenta-
vedados ao Estado. Logo, a competência remanescente do Estado cede ção de um elenco casuistico de assuntos de interesse local do Município,
diante da do Município. porque a atividade municipal, embora restrita ao território da Comuna,
A quarta e última regra dirige-se aos poderes concorrentes, em que é multifária nos seus aspectos e variável na sua apresentação, em cada
as três esferas - federal, estadual e municipal- disputam a mesma compe- localidade.
tência. Neste caso, e somente neste, prevalece o princípio da primazia da Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simul-
União sobre os Estados e do Estado sobre o Município, com decorrência taneamente à regulamentação pelas três ordens estatais, dada sua reper-
lógica de que os interesses nacionais devem prevalecer sobre os locais. cussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa
categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União
Ante essas regras evidencia-se que não corresponde à verdade a cren-
(regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde
ça, generaJizada em nosso povo, de que a lei federal prevalece sobre a
Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito,
estadual e esta sobre a municipal. Como vimos, não é assim. Nas áreas
Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamen-
reservadas à competência municipal nada podem a lei federal ou a esta-
to, circulação, sinalização etc.; regulamentos sanitários municipais). Isso
dual; somente quando a área de ação é livre para as três entidades é que há
porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma
prevalência da entidade maior sobre a menor.
das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao
Profligando os exageros do que denominou o "ultrafederalismo" bra- Município a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu inte-
sileiro, Rui Barbosa advertiu que não se deve supor que o Federalismo resse local.
consiste na ampliação desmesurada dos poderes da União e dos Estados e Dentre os assuntos vedados ao Município, por não se enquadrarem no
que, por zelo do Federalismo, se deva preferir sempre a solução favorável conceito de interesse local, é de se assinalar, a título exemplificativo, a ati-
a tal ampliação. vidade jurídica, a segurança nacional, o serviço postal, a energia em geral,
a infonnática, o sistema monetário, a telecomunicação e outros mais, que,
5. A competência do Município em assuntos de interesse local por sua própria natureza e fins, transcendem o âmbito local.
Muitas, entretanto, são atividades que, embora tuteladas ou combati-
O fulcro da competência administrativa do Município é o inciso I do das pela União e pelos Estados-membros, deixam remanescer aspectos da
art. 30 da CF, com a discriminação das matérias enumeradas nos incisos competência local, e sobre os quais o Município não só pode como deve
seguintes (lI-IX). Segundo o mencionado dispositivo, compete aos Mu- intervir, atento a que a ação do Poder Público é sempre um poder-dever.
nicípios "legislar sobre assuntos de interesse local". Essa locução veio Se o Município tem o poder de agir em detenninado setor para amparar,
substituir a de "peculiar interesse", no que ganhou em amplitude e preci- regulamentar ou impedir uma atividade útil ou nociva à coletividade, tem,
são conceitual, pennitindo a evolução e adaptação do regime estabelecido, correlatamente, o dever de agir, como pessoa administrativa que é, arma-
em face da vastidão do território nacional e das particularidades de cada da de autoridade pública e de poderes próprios para a realização de seus
localidade. fins.
Sobre seu entendimento já nos referimos em capítulo anterior (Ca- Examinando-se a atividade municipal no seu tríplice aspecto político,
pítulo IH, item 3), confrontando doutrinas e julgados, para concluinnos financeiro e social, depara-se-nos um vasto campo de ação, onde avultam
que o interesse local se caracteriza pela predominância (e não pela ex- assuntos de interesse local do Município, a começar pela elaboração de
clusividade) do interesse para o Município em relação ao do Estado e da sua Lei Orgânica e escolha de seus governantes (prefeito e vereadores), e a
União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente se desenvolver na busca de recursos para a Administração (tributação), na
de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau, e não de organização dos serviços necessários à comunidade (serviços públicos),
substância. na defesa do conforto e da estética da cidade (urbanismo), na educação e
138 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 139

recreação dos munícipes (ação social), na defesa da saúde, da moral e do não pode administrar - função específica do Poder Executivo. Por outro
bem-estar público (poder de polícia) e na regulamentação estatutária de lado, sendo o Município entidade estatal, com poder político para gerir os
seus servidores. negócios de seu interesse local para a satisfação das necessidades de sua
Sobre esses aspectos da Administração Municipal diremos mais am- coletividade, seu governo não pode sofrer ingerência por parte de outras
plamente em capítulos especiais, dada a importância de seu estudo. O que entidades estatais.
importa fixar, desde já, é que os assuntos de interesse local surgem em Conseqüentemente, a Prefeitura e a Câmara de Vereadores exercem
todos os campos em que o Município atue com competência explícita ou suas atribuições com plena independência entre si e em relação aos Po-
implícita. deres e órgãos da União e dos Estados-membros. Não há subordinação
Para a aferição desse interesse local que legitimará a ação do Mu- ou dependência entre os dois Poderes da Administração local; agem, ou
nicípio o melhor critério é, como já se disse, o da predominância do seu devem agir, com ampla liberdade, dentro da esfera própria de cada um,
interesse em relação ao das outras entidades estatais - União e Estado- no ambiente de harmonia e independência recomendado pela Constituição
membro. Federal aos Poderes da União, extensivo também aos Poderes municipais.
Quanto aos Poderes e órgãos da União e dos Estados-membros ne-
6. Composição do governo municipal nhuma interferência podem ter no governo municipal, desde que o prefeito
e a Câmara se atenham nos limites de suas atribuições e atuem no âmbito
O governo municipal realiza-se através de dois Poderes: a Prefeitura da autonomia local. A interferência indevida de qualquer Poder ou auto-
e a Câmara de Vereadores, com funções específicas e indelegáveis, nos ridade estranha ao governo local não se confunde com a intervenção do
termos dos arts. 2 Q , 29 e 31 da CF.12 Estado no Município nos casos previstos no art. 35 da CF, já estudados
O sistema brasileiro prevê para o governo municipal funções divi- precedentemente (Capítulo In, item 4).
didas, cabendo à Câmara de Vereadores as legislativas e à Prefeitura as Ainda, para desfazer dúvidas mui freqüentes nas Municipalidades do
executivas - o que nem sempre ocorre nos demais Municípios do mundo, Interior, esclarecemos que a Prefeitura e o prefeito, a Câmara e seus ve-
como já vimos (Capítulo I, item 11). Entrosando suas atividades específi- readores não estão subordinados ao governador do Estado ou a quaisquer
cas, a Câmara de Vereadores e a Prefeitura realizam com independência e agentes do Executivo, nem à Assembléia Legislativa ou a seus deputados,
hannonia o governo local, segundo os princípios da Constituição da Re- nem ao Judiciário ou aos juízes da comarca. Podem e devem repelir sem-
pública 13 e da Constituição Estadual e nas condições expressas na Carta pre a interferência de autoridades federais e estaduais que, por um vezo
Própria do Município. dos tempos do "coronelismo", insistem, ainda, em dominar a Administra-
O sistema de divisão de funções impede que o órgão de um Poder ção Municipal.
exerça as atribuições de outro Poder, de modo que a Prefeitura não pode Quanto ao Judiciário, o que não lhe é lícito é a intervenção adminis-
legislar - função específica do Poder Legislativo; como também a Câmara trativa no governo local. Mas daí não se conclua que os atos do prefeito,
da Câmara ou de qualquer de seus órgãos ou agentes escapem ao controle
12. Sobre a matéria, V., de José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional judicial. Absolutamente, não. Nosso regime - já o dissemos em várias
Positivo, 30ª ed., 2008, pp. 644 e ss., e Manual do Vereador, 5ª ed., São Paulo, Ma- decisões confirmadas integralmente pelo TJSp14 - é o do judicial contraI
lheiros Editores, 2004.
13. Consagrando a nossa tese sobre a independência e harmonia dos órgãos da
dos norte-americanos - ou, por outras palavras, o de freios e contrapesos
Administração Municipal, segundo a qual sempre entendemos que o vereador estava ou o das independências limitadas, que visa, na expressão dos modernos
impedido de exercer funções de confiança do Executivo, as EC 6, de, 1976, e 10, de constitucionalistas, a estabelecer "a técnica da liberdade dos Poderes".15
1977, que alteraram o art. 104 da CF de 1969, dispunham que: "§ 5º. E vedado ao ve- Os Estados de Direito, como o nosso, repartiram a atividade constitucio-
reador, no âmbito da Administração Pública direta ou indireta Municipal, ocupar cargo nal em três Poderes, a saber: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
em comissão ou aceitar, salvo concurso público, emprego ou função" (EC 6, de 1976);
"§ 6º. Excetua-se da vedação do parágrafo anterior o cargo de secretário municipal,
Instituíram-nos com funções específicas e limitadas, com o deliberado in-
desde que o vereador se licencie do exercício do mandato" (EC 7, de 1977). Este en-
tendimento está mantido na atual Constituição Federal segundo o inciso IX do art. 29 14. Nossas sentenças in RT 182/250, 185/773 e 218/345.
(conforme a EC 1, de 1992). 15. Mirkine Guetzevich, Les Nouvelles Tendences du Droit Constitutionnel, p. 19.
140 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 141

tento de evitar a supremacia de qualquer deles. Não os criaram soberanos No exercício dessas atribuições, a Câmara de Vereadores, como ór-
e intangíveis, mas sim independentes e harmônicos entre si. São inde- gão legislativo, detém e exerce as funções normativas, e as traduz em lei,
pendentes e harmônicos na esfera de suas atribuições, porque conjugados nO sentido formal e material, com o mesmo caráter impositivo das leis
no seu funcionamento. O Executivo é independente no administrar, desde federais e estaduais, apenas de âmbito local (Capítulo XI); a Prefeitura,
que se contenha nos limites que lhe são traçados; o Legislativo elabora. as como órgão executivo, igualmente detém e exerce as funções executivas
leis com independência, mas há de conformá-las com as normas supeno- locais, concretizando-as em atos administrativos típicos (Capítulo XII).
res a que está adstrito; o Judiciário nem administra, nem legisla: impõe A composição do governo municipal faz-se, como já vimos prece-
o cumprimento das leis aos demais Poderes e a ele próprio, por seus ór- dentemente (Capítulo In, item 3.1.2), por eleição direta do prefeito, do
gãos judicantes, mas só o faz quando solicitado e dentro das normas legais vice-prefeito e dos vereadores, realizada simultaneamente em todo o país,
preestabelecidas. Tal sistema é que estabelece o equilíbrio entre os Pode- de quatro em quatro anos (CF, art. 29, I). Diplomados os eleitos, segue-se
res estatais, de modo a manter cada um deles no campo próprio de suas a posse, que é o ato final de investidura nos respectivos cargos.
atribuições, pois que, exorbitando, esbarrará no Poder convizinho e será
A posse dos vereadores ou é dada pelo juiz de direito da comarca
contido pelo corretivo legal do Judici~rio, chamado a intervir no momen-
to em que se estabelecer o conflito. E o princípio consagrado nas nossas ou é realizada em sessão solene da Câmara, no inÍCio da legislatura, sob
Constituições Republicanas até a atual (art. 2 Q). a presidência do vereador mais votado, dentre os presentes. O prefeito e
o vice-prefeito, tradicionalmente, tomam posse e prestam compromisso
Dúvida não padece de que é neste sinergismo entre os Poderes que perante a Câmara. As formalidades da posse e do compromisso ficam a
residem a liberdade de cada um e o respeito de todos relativamente às atri- critério da legislação municipal e das normas regimentais de cada Câmara
buições que lhes são específicas. Daí decorre que, tendo o Poder Judiciário Municipal.
o monopólio da função judicante, pode exercê-la sobre os demais, sem que-
bra da harmonia e da independência de qualquer deles, como pode o Exe-
cutivo administrar para o Judiciário, e o Legislativo legislar para todos. 7. Símbolos Municipais
Além do mais, é preceito constitucional que "a lei não excluirá da Os Símbolos Municipais, que estavam abolidos desde 10.11.1937, fo-
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (CF, art. 5Q , ram restabelecidos pela Constituição de 1946 (art. 195, parágrafo único)
XXXV). Isso significa que, havendo direitos subjetivos feridos, não pre- e vêm sendo mantidos pelas demais, inclusive pela vigente Constituição
cisa o Judiciário indagar de onde vem a lesão para conhecer do caso con- da República (art. 13, § 2 Q ). Com essa permissão constitucional, podem
creto. Nem terá que se deter diante de qualquer Poder, órgão ou autoridade os Municípios ter sua bandeira, seu escudo, seu brasão ou emblema, seu
responsável pelo agravo ao direito individual ou coletivo. Nesse sentido - selo e seu hino próprios. 16 Tais são os Símbolos admitidos constitucional-
e com essas restrições - é que sustentamos o cabimento da revisão judicial mente.
dos atos dos órgãos municipais, respeitando, no Executivo, os motivos de
Bem andou o constituinte de 1946 ao permitir que as Comunas Bra-
oportunidade e conveniência e, no Legislativo, as questões interna corpo-
sileiras cultuem suas tradições e rememorem seus feitos com os Símbolos
ris, além do ato político, que é insuscetível de apreciação judicial.
locais. O espírito cívico deve ser desenvolvido nos munícipes, fazendo-
O Município não exerce qualquer função judiciária - função, essa, lhes presentes as glórias do passado, a lhes indicar o caminho do futuro.
que foi retirada das Municipalidades Brasileiras desde os tempos impe- Tais feitos e glórias são geralmente cantados nos hinos, impressos nos
riais, pela Lei de 1.10.1828. Tal lei, ao despojar as Câmaras das funções selos, cinzelados nos brasões. Nesses arroubos locais não há qualquer in-
judicantes, declarou-as "corporações meramente administrativas" (art. tenção de menoscabo aos Símbolos Nacionais, como entendeu a Carta de
24), desatendendo a que, embora sem aquelas atribuições, remanesciam 10.11.1937, ao abolir todas as manifestações regionalistas.
ainda as de caráter político, paralelamente às administrativas. Incidiu, por-
O essencial é que os Símbolos locais não substituam os nacionais e
tanto, o diploma imperial em equívoco ao conceituar as Municipalidades,
estaduais, mas com eles completem a exaltação da Pátria.
dali por diante, como entidades "meramente administrativas", porque, na
verdade, continuaram elas com atribuições político-administrativas, de
16. Segundo Otto Gounenwein o nome, o escudo, a bandeira e o selo são os si-
que até hoje estão investidas. nais externos da autonomia municipal (Derecho Municipal Alemán, pp. 123 e ss.).
142 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
r"
~.

1
IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 143

o uso dos Símbolos Municipais é privativo do Município, não nos Bemol para a execução instrumental simples; far-se-á o canto sempre em
parecendo que possa ser cedido ou permitido a particulares para emble- uníssono; nos casos de simples execução instrumental tocar-se-á a música
ma de comércio ou marca de fábrica de produtos locais. Isto porque o integralmente, mas sem repetição; no caso de execução vocal serão sem-
Símbolo é um sinal público dos atos oficiais do Município, integrante de pre cantadas as duas partes do poema; será sempre executado em conti-
seu patrimônio indisponíveL Acresce, ainda, que a cessão viria constituir nência à Bandeira Nacional e ao Presidente da República; ao Parlamento
privilégio para o cessionário, registrável nos termos do Código da Pro- Nacional e ao STF, quando incorporados; e nos demais casos expressa-
priedade Industrial, e tal privilégio criaria uma situação de desigualdade mente determinados pelos regulamentos de continência ou cerimônias de
jurídica para os demais munícipes que se vissem privados do uso do mes- cortesia internacional. Executa-se também o Hino Nacional por ocasião
mo Símbolo. do hasteamento da Bandeira Nacional e nos dias de festa ou de luto na-
Observamos, ainda, que o uso dos Símbolos Municipais deve ser cional, em todas as repartições públicas, nos estabelecimentos de ensino e
harmonizado com os Federais e Estaduais, notadamente na colocação sindicatos (art. 14).
das bandeiras e na execução dos hinos, em que os nacionais e estaduais É vedada a execução do Hino Nacional, em continência, fora dos
têm precedência sobre os locais e forma de apresentação regulada em lei. casos previstos nessa lei.
Quanto aos Símbolos Nacionais, estão regulamentados pela Lei 5.700, A lei vigente liberalizou o uso da Bandeira e do Hino Nacionais em
de 1.9.1971, modificada pelas Leis 5.812, de 13.10.1972 e 8.421, de todas as festas cívicas ou manifestações patrióticas, desde que em forma
11.5.1992. Esses diplomas federais estabelecem que são Símbolos Na- respeitosa a esses Símbolos.
cionais: a Bandeira Nacional, o Hino Nacional, as Armas Nacionais e o
Selo Nacional, indicando-lhes a forma, as condições de uso permitido, o As Armas Nacionais foram instituídas pelo Decreto 4, de 19.11.1889,
respeito devido e as penalidades pela violação das normas estabelecidas para uso privativo do governo federal, e pela Lei 5.700, de 1971, devem
figurar nas Prefeituras e Câmaras Municipais, bem como na frontaria ou
na mesma lei.
no salão principal das escolas públicas (art. 26, VI e IX).
As Prefeituras são obrigadas a ter uma coleção de exemplares-padrão
O Selo Nacional, também instituído pelo Decreto 4, de 19.11.1889,
de todos esses Símbolos para modelos à respectiva feitura (art. 37). A mes-
destina-se a autenticar os atos de guerra, os diplomas e certificados de
ma lei ainda impõe a obrigatoriedade do ensino do desenho e do significa-
estabelecimentos de ensino, oficiais ou reconhecidos (Lei 5.700, de 1971,
do da Bandeira Nacional, bem como do canto e da interpretação da letra do
art. 27).
Hino Nacional, em todos os estabelecimentos de ensino, públicos ou parti-
culares, do 1º e 2º graus (art. 39). Ninguém poderá ser admitido ao serviço Os Municípios só poderão usar em seus atos e papéis oficiais as armas
público sem que demonstre conhecimento do Hino Nacional (art. 40). e o selo que adotarem como símbolos próprios, ressalvadas as permissões
da Lei 5.700, de 1971.
A Bandeira Nacional é a adotada pelo Decreto 4, de 19.11.1889,
com a modificação feita pela Lei 5.443, de 28.5.1968, substituída pela Lei
5.700, de 1971 (alterada pelas Leis 5.812, de 1972 e 8.421, de 11.5.1992), 8. Responsabilidade civil do Município
que indica as normas protocolares para seu uso.
A Constituição da República dispõe expressamente que: "As pessoas
O Hino Nacional é o que se compõe da música de Francisco Manuel jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
da Silva e poema de Joaquim Osório Duque Estrada, aprovados pelo De- públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, cau-
creto 171, de 20.1.1890, modificado pelo Decreto 15.671, de 6.9.1922. A sarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
ele está integrada a marcha batida de Antão Fernandes, com a adaptação nos casos de dolo ou culpa" (art. 37, § 6º). O exame deste dispositivo
de Alberto Nepomuceno, em Fá Maior, para as continências de estilo, pre- revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e
vistas em lei.
particulares prestadoras de serviços públicos a obrigação de indenizar a
A execução do Hino Nacional, consoante a Lei 5.700, de 1971, obe- vítima independentemente de culpa no evento lesivo. Continuou, assim,
dece às seguintes normas: será sempre executado em andamento metro- consagrando a responsabilidade civil objetiva, também denominada res-
nômico de uma semínima igual a 120; é obrigatória a tonalidade de Si ponsabilidade sem culpa, pelos atos danosos do Poder Público. A mesma
144 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
I
" IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 145

disciplina veio a ser expressada pelo Código Civil de 2002 (art. 43).17 Neste ponto convém distinguir a responsabilidade do Município das
O atual texto constitucional estendeu às pessoas jurídicas de direito pri- responsabilidades do prefeito. O Município - pessoa jurídica - responde
vado prestadoras de serviços públicos a responsabilidade objetiva, a que civil e objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros:
se submetia tão-somente o Poder Público, por atos ou fatos lesivos ao reparação civil, que se exaure com a indenização da vítima; o prefeito
particular. Com essa extensão, a responsabilidade sem culpa alcança não - pessoa fisica e chefe do Executivo Municipal - responde individual-
só a Administração direta (órgãos centralizados) como a indireta (entida- mente por seus atos de administração sob o tríplice aspecto civil, criminal
des autárquicas, fundacionais, empresas estatais e entes paraestatais) e, e político-administrativo, independentemente da responsabilidade civil e
ainda, os particulares com delegação para execução de obras ou serviços objetiva do Município. Pela responsabilidade civil e objetiva do Municí-
públicos ou de utilidade pública. A expressão constitucional "prestado- pio os encargos recaem sobre a Fazenda Pública Municipal; pelas res-
ras de serviços públicos", obviamente, abrange também os executores de ponsabilidades pessoais do prefeito as indenizações (por via regressiva),
obras públicas, cuja execução lhes é delegada com as mesmas vantagens e as penas criminais (prisão, reclusão, inabilitação para o exercício de fun-
encargos com que os realizaria o Poder delegante. Ora, se tais obras e ser- ção pública, multa penal) e a sanção político-administrativa (cassação do
viços, executados diretamente, imporiam à Administração a responsabili- mandato) incidem sobre sua pessoa e seu patrimônio. Estas responsabili-
dade objetiva pelos danos que viesse a causar a terceiros, não vemos razão dades pessoais do prefeito serão examinadas no capítulo próprio, ao qual
para eximir o delegado dessa responsabilidade com a só transferência de remetemos o leitor (Capítulo XII, item 4).
sua execução, quando a obra ou o serviço lesivo continuam a ser públicos No âmbito municipal os agentes públicos, em sentido amplo, abran-
ou de utilidade pública, como originariamente o eram. gem desde o prefeito até o mais modesto servidor que, no desempenho de
suas funções ou a pretexto de exercê-las, lesar injustamente o patrimônio
Assim sendo, o Município, suas autarquias, fundações, empresas es-
do particular. 20 O dano injusto causado por qualquer desses agentes muni-
tatais, entidades paraestatais e demais delegados de sua Administração
cipais a terceiros obriga o Município a indenizar. Dissemos dano injusto
respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros. Essa res-
porque nem todo dano é indenizável; só o é o causado com ofensa a direito
ponsabilidade independe de culpa do Município ou de seus agentes ou
da vítima. Atos e fatos administrativos existem que sacrificam o patrimô-
prepostos. Para obter a indenização basta que a vítima demonstre o nexo
nio particular mas não obrigam à indenização, por exigidos pelo interesse
causaF8 entre o ato e a injusta lesão ao seu patrimônio.
público e praticados com autorização legal. Nessa categoria entram as inu-
O abuso no desempenho das funções por parte do agente ou preposto tilizações de gêneros prejudiciais à saúde pública; a destruição de coisas
municipal não exclui a responsabilidade objetiva do Município. Antes, a perigosas à coletividade; a demolição de obra realizada ilegalmente; a in-
agrava, por fazer presumir a má escolha do executor da missão que lhe fora terdição de atividade exercida sem licença e a vedação de outras condutas
cometida pela Administração. 19 Se houve excesso ou culpa do servidor contrárias à lei, à moral e aos bons costumes, desde que a Administração
caberá à Administração responsabilizá-lo regressivamente, nos termos do atue nos limites de 'sua competência legal, sem abuso ou desvio de poder.
art. 37, § 6º, da CF, após a indenização da vítima, para a qual é indiferente O que não se permite sem indenização é o dano injusto ao patrimônio
a conduta do agente causador do dano, e, por isso mesmo, não terá que do indivíduo, ainda que o ato ou fato causador da lesão seja vantajoso para
chamá-lo a juízo, mas tão-somente a entidade a que servia no momento. a comunidade. Nem se admite que a obra ou o serviço público causem

17. Sobre a responsabilidade civil da Administração em geral, V., do Autor, Di- 20. STF, RDA 187/190; TJSP, RJTJSP 124/139 (morte causada pela falta de
reito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo X. tampa em bueiro); TJSP, Ap. cível 127.771-1, de São Paulo, Boletim AASP 1.671, de
18. STF, RTJ55/503, 71/99, 911377, 99/l.l55, 131/417, 141/305 e 143/270, RE 2.1.1990 (vítima atingida por projétil durante tiroteio); TJRJ, RT 730/324 (inunda-
109.615-RJ, DJU 2.8.1996, p. 25.785; TJSP, RT 665/72 e 738/279, JTJ 187/50; 2º ção causada por falta de serviço, culpa anônima da Administração); TJSP, JTJ210/89
TASP, RT 745/278. Sobre incidência da teoria do risco administrativo, v. TJSP, JTJ (danos resultantes de enchente, mau funcionamento do serviço público); TJSP, JTJ
182/76. Quando ocorre ausência de dados que autorizem a conclusão de existência de 200/94 (prejuízo estético e sujeição a inundações causados a imóvel por obras de as-
nexo de causalidade entre o ocorrido e uma ação ou omissão administrativa, a respon- faltamento); TJSP, JTJ 203/101 (dano sofrido por menor em playground de escola
sabilidade objetiva da Administração Pública não se configura (TJSP, JTJ 208/234 e municipal); TJSP, JTJ 197/79 e 182/76 (danos decorrentes de queda de árvore em via
210/86). pública); TJSP, JTJ 198/95 (danos decorrentes de queda em bueiro aberto, escondido
19. TJSP, RJTJSP 135/147, JTJI93/101. por mato).
'·-'·
1
,
146 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IV - O MUNICÍPIO BRASILEIRO 147

f A lei em tese inconstitucional ou ilegal ensejará responsabilidade ci-


prejuízos a terceiros sem a recomposição do dano pela Administração. É l
a aplicação da teoria do risco administrativo, com a repartição dos en- vil para o Município? Em princípio não, pois a norma enquanto regra abs-
cargos públicos, segundo a qual a obrigação de indenizar o membro da trata de conduta não é suscetível de lesar o patrimônio particular. Somente
coletividade lesado pelo Poder Público deriva única e exclusivamente da quando aplicada ou omitida na sua aplicação é que poderá ofender direitos
irifusta lesão, inferida da só ausência de culpa da vítima perante o mes- subjetivos.
mo Poder Público que tem a precípua missão de preservar seus direitos e A reparação do dano compreende o que a vítima efetivamente per-
seu patrimônio. O antigo trinômio civilístico dano/culpa/indenização foi deu, o que deixou de ganhar em conseqüência direta do ato lesivo e o que
substituído, no direito público, pelo binômio dano injusto/indenização. A despendeu para receber a indenização - ou seja, o dano emergente e os
Administração só se libera da indenização se demonstrar culpa total da ví- lucros cessantes. A liquidação desses prejuízos é feita de acordo com os
tima no evento danoso, inexistência de nexo causal ou alguma excludente preceitos da lei civil (CC, arts. 402-407) e na forma processual cabível,
legal da reparação do dan0 21 (v., adiante, Capítulo VII, itens 2.5 e 3.5). se for ajuizada a ação pertinente. Muitas vezes o ato municipal lesivo so-
A lesão ao patrimônio do administrado pode provir de ato adminis- mente desvaloriza a propriedade particular, e, neste caso, a indenização
trativo (decreto, portaria, despacho), ou de fato administrativo (execução deverá cobrir apenas essa desvalia. Tratando-se de lesão ou morte de pes-
de obras ou serviços públicos), ou de contrato descumprido pela Admi- soa a indenização abrangerá o tratamento, o sepultamento, as despesas e
nistração. Até mesmo os atos discricionários, quando injustos e lesivos, honorários profissionais, a cessação da renda da vítima pelo tempo em que
obrigam à indenização, pois em tais casos ultrapassam a faixa da discricio- esteve impedida de trabalhar ou a prestação de uma pensão alimentícia às
nariedade para a da arbitrariedade - e o arbítrio é ilegalidade ensejadora pessoas a quem o falecido a devia, levada em conta a duração provável da
de reparação civil. vida da vítima.
Dentre osfatos administrativos que mais freqüentemente causam da- A reparação do dano deve ser completa, isto é, há de cobrir toda a
nos a serem indenizados pela Administração podemos lembrar o rebai- lesão patrimonial da vítima; e se houver retardamento na liquidação a in-
xamento ou elevação da via pública urbana; os acidentes de veículos da denização deverá ser acrescida de juros e correção monetária, tratando-se
Prefeitura; o rompimento de galerias de águas e esgotos; e outros decor- de dívida de valor.
rentes da execução ou má conservação de obras e serviços públicos locais,
É admissível o pagamento amigável dos danos causados ao particular
ainda que contratados com empreiteiros. Os danos resultantes do fato da
desde que em processo administrativo regular se apure a responsabilidade
obra são sempre de responsabilidade do Poder Público perante as vítimas,
civil do Município e haja dotação própria para a indenização. Não haven-
embora o executor particular possa ser contratualmente solidarizado na
do verba orçamentária adequada, necessária se toma a abertura de crédito
indenização e regressivamente responsabilizado pela Administração que
especial por lei, que servirá também de autorização para o pagamento.
o contratou. 22
Reconhecida a responsabilidade do Município, não há razão alguma para
Os contratos descumpridos pela Administração, quando lesivos ao se obrigar a vítima às vias judiciais, com perda de tempo e aumento de
contratado, geram a obrigação de indenizar, quer reparando o prejuízo despesas para a Municipalidade.
causado, quer recompondo os preços para a execução de seu objeto. Até
A ação regressiva do Município contra o servidor causador do dano
mesmo as contratações irregulares obrigam ao pagamento do que foi feito
está instituída pelo art. 37, § 6º, da atual Carta. Para o êxito dessa ação é
e incorporado ao patrimônio do Município, pelo universal princípio que
necessário que o Município já tenha sido condenado a indenizar a vítima
veda o enriquecimento ilícito de qualquer das partes. 23
e que comprove a culpa do servidor no evento danoso. Enquanto para a
Administração a responsabilidade independe de culpa, para o servidor
21. STF, RE 113.587-5-SP, DJU 3.4.1992, RE 120.224-SP, DJU 27.8.1993;
TJSP, JTJ2081234 e 210/86. a responsabilidade depende de culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e
22. Sobre indenização por dano de obra pública, V., do Autor, Licitação ... , 14ª se apura pelos critérios gerais do Código Civil.
ed., 2ª tir., 2007, Capítulo X, e também Ovídio Bernardi, Do Município em Juízo, São O ato danoso do servidor pode revestir ao mesmo tempo aspecto civil,
Paulo, Ed. RT, 1964.
administrativo e criminal, como é comum nos atropelamentos ocasiona-
23. TJSP, RT 141/686, 185/720, 188/631, 242/184 e 337/175; 1º TASP, RT
272/513. dos por veículos da Administração. Em tais infrações o agente público
148 DIREITO MUNICIPAL BRASll..EIRO
~
ri
responsável pelo desastre sujeita-se à ação penal e à ação civil regressiva I
da Administração para haver a indenização paga à vítima, nos termos - já
analisados - do § 6º do art. 37 da CF, e ao processo interno da Administra-
ção, para fins disciplinares.
Havendo julgamento penal podem ocorrer três hipóteses, a saber: I)
condenação criminal do servidor; 2) absolvição pela negativa da autoria;
3) absolvição por ausência de culpa penal ou por insuficiência de provas
para condenação. Capítulo V
Na primeira hipótese a condenação criminal produz efeito também FINANÇAS MUNICIPAIS
nos processos civil e administrativo, isto é, faz coisa julgada relativamente
à culpa do servidor, sujeitando-o à reparação do dano e às punições admi- 1. Considerações gerais: 1.1 Poder impositivo do Município -1.2 Receita
nistrativas. A culpabilidade reconhecida pela Justiça Criminal não pode pública e rendas municípais -1.3 Tributos epreços: 1.3.1 Impostos -1.3.2
ser negada em qualquer outro juízo. Taxas -1.3.3 Contribuições -1.3.4 Preços. 2. Principais conceitos do di-
reito tributário: 2.1 Lei tributária - 2.2 Obrigação tributária - 2.3 Fato ge-
Na segunda hipótese a sentença criminal também produz efeito no rador - 2.4 Base de cálculo - 2.5 Alíquota - 2.6 Lançamento: 2.6.1 Moda-
Cível e na instância administrativa, para impedir que se responsabilize lidades - 2. 6. 2 Revisão - 2.6.3 Atualização de valores imobiliários - 2.6.4
ou se aplique punição ao servidor apontado como causador do ato danoso Recursos contra lançamentos - 2.7 Crédito tributário: 2.7.1 Exigibilidade
- 2. 7.2 Extinção - 2. 7.3 Pagamento - 2. 7.4 Decadência - 2. 7.5 Prescrição
mas cuja autoria a sentença criminal haja negado. - 2. 7. 6 Demais modalidades de extinção - 2. 7. 7 Exclusão - 2. 7.8 Anistia-
Na terceira hipótese a absolvição criminal não produz efeito algum 2.7.9 Cobrança judicial- 2.8 Imunidade e isenção: 2.8.1 Isenções unilate-
nos processos civil e administrativo. Embora absolvido no processo cri- rais - 2.8.2 Isenções bilaterais - 2.8.3 Isenções subjetivas - 2.8.4 Isenções
objetivas - 2.8.5 Isenções mistas - 2.9 Incidência e não-incidência - 2.10
minal, a Administração pode mover-lhe ação regressiva de indenização Bitributação e "bis in idem" - 2.Il ParaflScalidade, extrafiscalidade-
e perquirir, ainda, sua culpa administrativa, para efeito de punição fun- 2.12 Normas gerais de direito financeiro e de direito tributário. 3. Tributos
cional. E a razão é esta: o ilícito penal é mais que o ilícito civil e o ilícito e outras receitas municipais: 3.1 Tributos privativos: 3.1.1 Imposto predial
administrativo. 24 A sentença criminal que absolve um réu por ausência de e territorial urbano (IPTU) - 3.1.2 Imposto sobre transmissão "inter vi-
vos" de imóveis e de direitos reais (ITBI) - 3.1.3 Imposto sobre serviços
culpa criminal ou por insuficiência de provas apenas declara que não há de qualquer natureza (ISS) - 3.1.4 Contribuição para o custeio do serviço
ilícito penal a punir ou que os elementos probatórios colhidos na instrução de iluminação pública - 3.2 Impostos partilhados: 3.2.1 Imposto de renda
foram deficientes para fundamentar uma condenação. Mas tal declaração - 3.2.2 Imposto territorial rural (ITR) - 3.2.3 Imposto sobre a propriedade
de veículos automotores (IPVA) - 3.2.4 Imposto sobre operações relativas
não afasta a possibilidade da existência de ilícito civil no ato do servidor à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
- o que poderá ser apurado e declarado na ação ordinária de indenização interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) - 3.2.5 Imposto
que lhe for movida. Por igual, essa absolvição penal não impede que a sobre produtos industrializados (IPI) - 3.2.6 Fundo de Participação dos
Administração apure, em processo administrativo, a existência de ilícito Municípios (FPNf) - 3.2.7 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
- 3.2.8 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
administrativo e, em conseqüência, lhe aplique a pena disciplinar corres- de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) - 3.2.9 Fundo
pondente. Desde que o ilicito civil e o administrativo correspondem a um Municipal da Saúde - 3.2. 10 Outros Fundos - 3.3 Tributos comuns: 3.3.1
minus em relação ao ilícito penal, podem existir aqueles sem que exista Taxas diversas - 3.3.2 Contribuição de melhoria - 3.4 Outras receitas:
este, mas não pode existir este (penal) sem que existam aqueles (civil e 3.4.1 Preços - 3.4.2 Empréstimos - 3.4.3 Emissão e venda de títulos da
dívida pública - 3.4.4 Financiamentos - 3.4.5 Auxílios e subvenções. 4.
administrativo).
J Orçamentos municipais: 4.1 Considerações gerais - 4.2 Plano plurianual
- 4.3 Diretrizes orçamentárias - 4.4 Lei do orçamento anual - 4.5 Prin-
cípios orçamentários: 4.5.1 Anualidade - 4.5.2 Universalidade - 4.5.3
Não-vinculação - 4.6 Proposta orçamentária: 4.6.1 Mensagem - 4.6.2
Projeto de lei de orçamento - 4.6.3 Tabelas explicativas - 4.6.4 Especi-
ficação de programas especiais - 4.7 Receita: 4.7.1 Orçamento - 4.7.2
Classificação - 4.8 Renúncia de receita - 4.9 Despesa: 4.9.1 Orçamento
24. STF,RDA 35/148; TFR, RDA 35/146. - 4.9.2 Empenho - 4.9.3 Liquidação - 4.9.4 Pagamento - 4.10 Dotação:
150
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v- FINANÇAS MUNICIPAIS 151
4.10.1 Vinculação a determinado elemento de despesa _ 4 102 P 'b'-
d t . - d . . rOI Iça0
. e ransposlçao e recursos - 4.10.3 Desvio de verba - 4.10.4 Emprego 25% de sua receita resultante de impostos, compreendida a proveniente
Irregular .de rendas - 4.1J ?'ransparência, controle e fiscalização: 4. 1J. 1 de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212,
Controle mterno - 4.12 Cnme e responsabilidade fiscal.
caput) e o porcentual destinado às ações e serviços públicos de saúde (art.
198, § 2º, III).2
1. Considerações gerais Em face do sistema adotado pela Constituição da República, não é
possível ao Estado-membro interferir na autonomia financeira de seus
As .fin~nças municipais revestem-se de tal importância e complexida- Municípios, quer condicionando a instituição dos tributos locais; quer
de que JustIficam um capítulo à parte no estudo da Administração local restringindo sua majoração; quer concedendo isenções de tributos muni-
Dentro d~s. Finanças Públicas desenvolveram-se as técnicas tributária ~ cipais; quer impondo condições para a aplicação das rendas próprias do
orçamentana, em estreita correlação com o planejamento econômico e Município. Nesse sentido é a jurisprudência do STF, que já sumulou: "A
co~ os programas de. i?-vestimentos estatais, exigindo conhecimentos es- Constituição Estadual não pode estabelecer limite para o aumento dos tri-
pecI.ficos sobre sua utIlIzação. Daí por que abrimos este capítulo dedicado butos municipais" (Súmula 69).
parÍlcul~~ente ao estudo dos tributos e dos orçamentos no quadro geral Nem mesmo a lei complementar prevista no art. 146 da CF pode criar
da AdmIlllstração do Município.
outras limitações que não as constitucionais, uma vez que o preceito maior
não o permite, restringindo seu objeto ao estabelecimento de normas ge-
1.1 Poder impositivo do Município rais em matéria de legislação tributária, à disciplina dos conflitos de com-
petência entre as esferas tributárias e à regulamentação das "limitações
O poder impositivo do Município advém de sua autonomia financeira 1
constitucionais ao poder de tributar".3
estabelecid: na Con~tituição da República, que lhe assegura a instituição
e arr:ecadaçao dos tnbutos de sua competência e a aplicação das rendas
l~caI~ (art. 30, lI!) .. Decorre daí a ampla capacidade impositiva das Muni- 1.2 Receita pública e rendas municipais
cI~~lId:des BraSIleIras no que tange aos tributos que lhes são próprios e à
O Município, como as outras entidades estatais, para realizar seus
utt.lIzaçao de tO?OS os recursos financeiros, quer os especiais, constitu~io­
naIS ou os provmdos de seus bens e serviços privativos. fins administrativos - ou seja, para executar obras e serviços públicos -,
necessita de recursos financeiros. Esses recursos ele os obtém usando de
N? ~s.o d~ poder de tributar e da faculdade de aplicar suas rendas seu poder impositivo para a instituição de tributos, ou explorando seus
o MU~lCl?I? na~ en~~ntra outras limitações além daquelas que emanam bens e serviços à semelhança dos particulares, mediante o pagamento fa-
dos pnnClpI?S tnbutáno~ ado.ta~os pelo nosso sistema constitucional para cultativo de preços. Os tributos e os preços constituem as rendas públicas,
todas. as entIdad~s estatais. LImItações genéricas, evidentemente, que não que, somadas aos· demais recursos conseguidos pelo Município fora de
co~stIn:em re~tn7ões à autonomia local, mas tão-somente nonnas consti- suas fontes próprias, formam a receita pública.
tUCIOnaiS d~ ~lrelto fis.cal destinadas às esferas tributárias - federal, esta-
A receita pública é, pois, o conjunto de recursos financeiros que en-
dual e mUlllcIpal -, taiS como a que exige a legalidade dos tributos (art.
tram para os cofres estatais, provindos de quaisquer fontes, a fim de acorrer
150, I);. a que ~eda as limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias
às despesas orçamentárias e adicionais do orçamento. Na receita munici-
por melO de trzbutos interestaduais ou intermunicipais (art. 150, V); a
que to.ma imunes de impostos os bens, rendas e serviços das entidades
esta:.a!~ e se~s desmembrame~tos autárquicos e fundacionais (art. 150, 2. Sobre a intervenção estadual por inobservância dessas disposições, v. o tópico
pertinente no item 4.4 do Capítulo m.
VI, a, e § .2-) e de outras entldades e elementos (art. 150, VI, "b"-"d"),
3. Ainda está em pleno vigor a Lei 5.172, de 25.10.1966 (Código .Tri?utário .N~­
e .outr~s m~Is que o consti~inte reputou convenientes aos interesses na- cional, instituído originariamente como lei ordinária), que, por ser antenor a ConstItuI-
clOna~s. Alem dessas :e~t~Ições, a Constituição contém outras, dirigidas ção Federal de 1988, tem vários dispositivos conflitantes com ela. Pelo At? Co.mp~e­
espeCIalmente ao MUlllCIplO, como a obrigação de aplicar nunca menos de mentar 36 de 13.3.1967 ficou definido que aquela lei, apesar de ser uma leI ordmana,
tinha na :ealidade na~eza de lei complementar, passando a denominar-se "Código
1. V. no Capítulo IH o item 3.3, referente à autonomiafinanceira do Município. Trib~tário Nacion;I". Assim, todas as suas futuras alterações deveriam ser editadas por
leis complementares.
152 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 153

pal- espécie do gênero receita pública - incluem-se as rendas municipais Os tributos são imposições legais e compulsórias da Administração
e demais ingressos que o Município recebe em caráter permanente, como sobre os administrados, para auferir recursos financeiros. 5 Resultam sem-
os provenientes da participação em receitas de impostos federais e esta- pre do poder de império exercido pela entidade tributante sobre o contri-
duais, ou eventual, como os advindos de financiamentos, empréstimos, buinte, a fim de obter um pagamento em moeda, ou equivalente,6 conso-
subvenções, auxílios e doações de outras entidades ou pessoas físicas. ante o Código Tributário Nacional, que conceitua o tributo como "toda
As rendas municipais constituem-se unicamente dos recursos finan- prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
ceiros obtidos através do poder impositivo do Município (tributos) ou da exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, institUída em lei e co-
utilização de seus bens e serviços remunerada pelos usuários (preços). brada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (art. 3º),
Essa distinção entre receita e renda perdeu sua importância, uma vez que esclarecendo que o pagamento será feito em moeda corrente, cheque ou
a Constituição de 1988 não estabelece, nem permite sejam estabelecidas, vale postal e, nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado
restrições na aplicação de suas receitas (art. 160), salvo nos casos de obri- ou por processo mecânico (art. 162).
gatoriedade de aplicação de, no mínimo, 25% da receita resultante de im- Os tributos não podem ter destinação específica, consoante expres-
postos na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212), do percen- sa proibição do art. 167, IV, da CF, na redação que lhe deu a EC 29, de
tual para atender às ações e serviços públicos de saúde (art. 198, § 2º, lII) 13.9.2000, que veda a vinculação do produto da arrecadação de qualquer
e da possibilidade de a União condicionar a entrega derecurso federal a imposto a determinado órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição
Município de que ela seja credora (art. 160, parágrafo único). do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e
A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis- 159 da CF, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de
cal - LRF), destaca que constituem requisitos essenciais da responsabili- saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino - como determina-
dade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos do, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, lII, e 212 da CF - e a prestação
os tributos da competência constitucional do ente da Federação (art. 11). de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas
Cabe ressaltar que, em resguardo da autonomia municipal, deve-se no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º do art. 167, ambos da CF.
considerar que uma norma infraconstitucional não pode impor que o Mu-
nicípio institua todos os tributos que lhe são cabíveis no âmbito de sua 5. Na exata definição de Fonrouge, "o tributo é uma prestação obrigatória, co-
competência tributária, quando a própria Constituição, garantindo aquela mumente em dinheiro, exigida pelo Estado em virtude de seu poder de império, e que
dá lugar a relaçôes de direito público" (Derecho Financiero, v. I, p. 257). Idêntico
autonomia, outorga-lhe afaculdade para a criação dos tributos, deixando-a conceito nos é dado por Blumenstein (Sistema di Diritto delle Imposte, p. 1) e Tesoro
à discrição do legislador municipal- como definido pelo art. 145 da CF. (Principii di Diritto Tributaria, p. 39).
Para um melhor conhecimento sobre a matéria tributária no Brasil, consultem-se:
1.3 Tributos e preços Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 29ª ed., São Paulo, Malheiros
Editores, 2008; Roque· Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário,
Os tributos e os preços4 constituem, como se viu acima, parte da re- 23ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2007; Aliomar Baleeiro, Direito Tributário
Brasileiro, 11 ª ed., atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro, Fo-
ceita municipal. Assim sendo, o Município só poderá obter recursos finan-
rense, 1999; Bernardo Ribeiro de Moraes, Sistema Tributário da Constituição de 1969,
ceiros de fontes próprias, mediante o uso de seu poder impositivo, insti- v. I do Curso de Direito Tributário, São Paulo, Ed. RT, 1973; Fábio Fanucchi, Curso
tuindo tributos, ou através dos preços de seus bens e serviços. de Direito Tributário Brasileiro, v. I, São Paulo, 1974; Bernardo Ribeiro de Moraes,
Compêndio de Direito Tributário, 1ª ed., Rio de Janeiro, 1984; Sacha Calmon Navar-
4. Deve-se a Edwin Seligman a classificação dos componentes da renda pública ro Coêlho, Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 2ª ed., Rio de
em tributos e preços, conforme expôs, pela primeira vez, em 1895, em sua clássica Janeiro, Forense, 1990. E, com referência aos tributos municipais: Joaquim Castro
obra Essays on Taxation. Essa classificação, além da simplicidade, leva sobre as outras Aguiar, Sistema Tributário Municipal, Rio de Janeiro, 1971.
a vantagem de se basear no critério jurídico das relações que se estabelecem entre o 6. Embora já tenhamos tido imposto cobrado in specie - qual seja, o imposto do
Poder Público e o particular nos pagamentos feitos à Administração, motivo pelo qual quinto, que obrigava o minerador a entregar 20% do ouro extraído das minas ao Estado
tem merecido a preferência dos financistas e juristas pátrios (cf. Aliomar Baleeiro, -, presentemente todos os nossos tributos são exigidos em dinheiro. Em alguns países,
Uma Introdução à Ciência das Finanças, v. I, pp. 155 e ss.; Alberto Deodato, Manual porém, subsistem ainda tributos arrecadados in natura, como ocorre no México e na
de Ciência das Finanças, pp. 65 e ss.; Rubens Gomes de Sousa, Compêndio de Legis- Inglaterra (cf. Flores Zavala, Finanças Públicas Mexicanas, 1955, p. 79; Sibs, "Finan-
lação Tributária, pp. 9 e ss.; Haroldo Teixeira Valladão, in RDA 20/351). ce for State duty", in British Tax Review, 1956, p. 270).
··'··
.,
'i
154 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 155

Além disso, os tributos só podem ser cobrados no exercício seguinte r·· de toda a coletividade, visando a atender às necessidades administrativas
àquele em que houver sido sancionada a lei que os instituiu ou aumentou de ordem geral.
- regra constitucional que abrange espécies tributárias consagradas pelo A classificação dos impostos é extensa e variada, segundo os aspectos
nosso sistema, a saber: impostos, taxas e contribuições. A Constituição que se tomem para sua identificação, merecendo destaque seu enquadra-
só excepcionou os impostos que menciona (arts. 150, lII, "b", e § 1º, e mento em diretos e indiretos; reais e pessoais; fixos e proporcionais.
195, § 6º), de modo que - feita essa ressalva - a cobrança de tributo, seja
imposto, taxa ou contribuição, condiciona-se ao princípio da vigência da 1.3.1.1 Imposto direto - É o que recai sobre determinado contribuin-
lei instituidora ou alteradora anterior ao exercício financeiro em que se te, que o suporta definitivamente, isto é, sem poder descontá-lo de outrem,
pretende arrecadá-lo. como ocorre com o imposto de renda.
Com o advento da EC 42, de 19.12.2003, foi incluída no elenco dos
princípios constitucionais tributários mais uma limitação. Ao lado do prin- 1.3.1.2 Imposto indireto - É o que recai sobre um contribuinte de
cípio da anterioridade, acima referido, e que foi mantido, passou a existir t direito mas é transferido a outrem (contribuinte de fato), que o suporta
um novo princípio (que Roque Antonio Carrazza chama de "princípio de ! efetivamente, como, por exemplo, o ICMS, que é acrescido ao preço da
anterioridade especial"?) dando maior garantia ao contribuinte, ao vedar a
t mercadoria ou do serviço tributado e pago pelo consumidor final. Segundo
cobrança do tributo "antes de decorridos noventa dias da data em que haja
sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na
alínea 'b'" (art. 150, m, "c", da CF).
,
~
a doutrina anglo-saxônia, aceita pelos nossos financistas, os impostos di-
retos incidem sobre fatos permanentes ou, pelo menos, duráveis, ao passo
que os impostos indiretos recaem sobre fatos instantâneos, transitórios ou

~
A Constituição não faz qualquer exceção aos tributos municipais, mas intermitentes.
ressalva desta exigência afixação da base de cálculo do imposto previsto Os impostos indiretos, por isso mesmo que repercutem sobre tercei-

!
no art. 156, I (IPTU). ros adquirentes ou consumidores dos produtos tributados, não ensejam
Os preços, diversamente dos tributos,8 são pagamentos que os parti- repetição pelo vendedor, ainda que se reconheça a inconstitucionalidade
culares fazem ao Poder Público quando facultativa e espontaneamente ad- ou ilegalidade de sua exigência pelo Fisco. Desde que o vendedor nada de-
quirem bens, auferem vantagens ou se utilizam de serviços públicos ou de sembolsou, nada pode repetir, pena de se locupletar à custa do contribuinte
utilidade pública, remunerando-os de acordo com a tarifa fixada pela Ad- de fato (STF, RE 50.060-SP,j. 16.8.1962, DJU8.11.1962). Não por outra
ministração (preço público) ou pelo valor disputado em livre concorrência razão o art. 166 do CTN, no caso dos tributos que comportem transferên-
entre os interessados (preço quase-privado), como veremos adiante. cia do encargo financeiro, exige, para a restituição, prova da autorização
de quem fez a repercussão ou da comprovação de que não houve a transfe-
rência, arcando o pagador originário com o ônus do imposto.
1.3.1 Impostos
Imposto, na conceituação do Código Tributário Nacional (Lei 5.172, 1.3.1.3 Imposto real- É o que se institui levando-se em consideração
de 25.10.1966, art. 16), é o tributo "cuja obrigação tem por fato gerador somente a matéria tributável, sem qualquer influência da situação pessoal
uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, rela- do contribuinte, como ocorre, por exemplo, com o IPTU.
tiva ao contribuinte". Vale a pena anotar que há autores que não aceitam a espécie de im-
Assim, o que caracteriza o imposto e o distingue dos demais tributos posto real, entendendo que todos os impostos são pessoais, visto que sem-
(taxas e contribuições) é a inexistência de uma atividade específica da Ad- pre o contribuinte realizará a hipótese legaP
ministração ligada à exigência da prestação pecuniária - vale dizer: o im~
posto, diversamente da taxa e da contribuição, é arrecadado em beneficio 9. Rui Barbosa Nogueira, Curso de Direito Tributário, 3ª ed., São Paulo,
Bushatsky, 1971, p. 125; Aires Fernandino Barreto, "A progressividade nos impostos
sobre a propriedade imobiliária", Revista de Direito Tributário 78/165; Aliomar Bale-
7. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 23ª ed.,
eiro, Uma Introdução à Ciência das Finanças e Política Fiscal, 3ª ed., Rio de Janeiro,
p.185. Forense, 1964, p. 246; Sacha Calmon Navarro Coelho, Imposto sobre a Propriedade
8. v., a propósito, a Súmula 545 do STF. Predial e Territorial Urbana, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 157.
156 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 157

1.3.1.4 Imposto pessoal- É aquele em cuja cobrança se levam em teriza o adicional é o ser da mesma natureza do imposto a que adere, mas
consideração as condições individuais do contribuinte, além da matéria na prática tem sido desvirtuado para a instituição de novos impostos sob
tributável, como é o caso do imposto de renda, em que se ponderam os o título de "adicionais" - o que é, a toda evidência, uma falta de técnica,
encargos de família e outros atributos do devedor. quando não uma inconstitucionalidade. É o caso do imposto previsto na
redação original do art. 155, II, da CF (adicional estadual do imposto de
1.3.1.5 Imposto fixo - É aquele que a lei institui em quantias certas renda), eliminado pela EC 3/1993, a partir de 1.1.1996.
para todo e qualquer contribuinte. Nessa modalidade de tributo o valor da
imposição fiscal já consta da lei, dispensada qualquer operação para seu
1.3.2 Taxas
conhecimento.
O conceito atual de taxa nos é dado pela própria Constituição da
1.3.1.6 Imposto proporcional - É o que se impõe com base numa República, que confere às entidades estatais - o Município, inclusive -
alíquota percentual (3%, 5%, 10% etc.), a incidir sobre o valor do objeto competência para instituir taxas arrecadadas em razão do exercício do po-
tributável. Nestes impostos toma-se necessário conhecer em primeiro lu- der de polícia ou pela utilização efetiva ou potencial de serviços públicos
gar o valór do montante do objeto do tributo para em seguida se proceder específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua dispo-
ao cálculo com a percentagem estabelecida. sição (art. 145, II).IO Essa definição - que constava, em linhas gerais, da
Os impostos proporcionais podem ser, ainda, de proporção fixa e de EC 18, de 1.12.1965, de onde passou para o Código Tributário Nacional
proporção progressiva ou graduada. Nos primeiros a percentagem é cons- e, posteriormente, para a Constituição de 1967 (art. 19, II), em termos
tante e fixa para qualquer quantia em que incida; nos segundos a percen- semelhantes aos da vigente Carta (art. 145, II) -não coincide inteiramente
tagem da incidência varia com o montante da matéria tributável. Conso- com a noção doutrinária clássica de taxa, porque inclui também como fato
ante essa classificação, temos o ICMS como um tributo de proporção fixa gerador dessa espécie de tributo o "exercício do poder de polícia".
(percentagem sobre as "operações relativas à circulação de mercadorias Com efeito, no seu conceito tradicional, taxa seria somente o tributo
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunici- cobrado de contribuintes que estivessem em relação de causa e efeito com
pal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem o respectivo fato gerador - isto é, das pessoas que se utilizassem ou se be-
no exterior"); e o imposto de renda como um tributo de proporção gra- neficiassem, efetiva ou potencialmente, do serviço ou da atividade estatal
duada ou progressiva, porque a percentagem de sua incidência aumenta que o tributo se destinasse a remunerar. 11 Ou, em outras palavras, "taxa é a
na proporção em que cresce a renda tributável. Vale ressaltar que após contraprestação de serviço público, ou de beneficio feito, posto à disposição
a Constituição Federal de 1988 o IPTU também pode ser de proporção ou custeado pelo Estado em favor de quem paga, ou por este provocado"Y
graduada. A EC 29, de l3.9.2000, deu nova redação ao § 1º do art. 156
da CF, estabelecendo que, sem prejuízo da progressividade no tempo a Em face dessa clássica conceituação doutrinária, o Poder Público não
que se refere o art. 182, § 4º, II, o IPTU poderá ser progressivo em razão deveria impor "taxa·s" pelo exercício do seu poder de polícia, porque este
do valor do imóvel e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização - já o dissemos - "é a faculdade de que dispõe a Administração Pública
e o uso do imóvel. Diante dessa nova disciplina constitucional do IPTU, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos
claro está que não mais prevalece a jurisprudência anterior que vedava individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado".13 Nesse
a progressividade desse imposto. Tanto assim que em 9.10.2003 o STF mesmo sentido, nossa legislação evidencia o poder de polícia como con-
promulgou a Súmula 668, com esta dicção: "É inconstitucional a lei mu- duta administrativa genérica destinada à proteção dos interesses gerais da
nicipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional n. 29, de
2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o 10. Sobre taxas, v. Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e Prática das Taxas,
São Paulo, Ed. RT, 1976, e Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional
cumprimento da função social da propriedade". Tributário, 23ª ed., Malheiros Editores, 2007.
11. Rubens Gomes de Sousa, "Revisão do conceito de taxa", RDA 26/363.
1.3.1.7 Imposto adicional- É o que se toma devido unicamente pelo 12. Aliomar Baleeiro, Direito Tributário ... , 11ª ed., p. 540.
fato de ser pago outro imposto, ao qual foi aditado. Em última análise, o 13. Cf., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, Malhei-
adicional nada mais é que uma majoração do imposto-base. O que carac- ros Editores, 2008, p. 131.
158 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 159

comunidade ou da própria Administração, ao considerá-lo "atividade da somente sobre a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos espe-
Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse cificos e divisíveis,prestados ao contribuinte oupostos à sua disposição.
ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do A utilização efetiva ou potencial do serviço é, necessariamente, o fato
interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos cos- gerador da taxa remuneratória, que não pode ter como base de cálculo a
tumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades que tenha servido para a incidência de impostos (CF, art. 145, § 22 ). É irre-
econômicas dependentes de concessão ou autorização de Poder Público, levante que o contribuinte usufrua de fato o benefício público (utilização
à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos indivi- efetiva), bastando que normalmente possa fazê-lo (utilização potencial),
duais ou coletivos" (CTN, art. 78, com a redação dada pelo art. 3 2 do Ato desde que seja de utilização compulsória (os serviços de fruiçãofacultati-
Complementar 31/1967). va são remunerados por tarifa - preço público -, e não por taxa - tributo).
Assim, o exercício do poder de polícia ou, melhor, o policiamento Todavia, é requisito essencial para a instituição da taxa a existência do
administrativo é serviço genérico, e, como tal, deveria ser custeado pelos serviço, não se admitindo sua imposição para o financiamento de futuros
impostos, como vimos precedentemente, não nos parecendo de boa técni- serviços. Esse entendimento é reforçado pelo próprio texto constitucional,
ca que enseje a imposição de taxa, como admite a Constituição da Repú- que se refere a serviços prestados ao contribuinte ou postos à sua dispo-
blica. Mesmo porque a taxa pelo exercício do poder de polícia é exigida sição (art. 145, lI).
de quem se vê obrigado a requerer manifestação do Poder Público para A especificidade e a divisibilidade do serviço constituem também re-
uso de sua propriedade ou prática de determinada atividade, como uma quisitos essenciais para a imposição da taxa remuneratória, nos termos do
licença para construir ou uma autorização para realizar espetáculo públi- art. 145, lI, da CF.
co. Tal manifestação não é, portanto, emitida em seu beneficio - uma vez Serviço público especifico, consoante o Código Tributário Nacional,
que, em regra, constitui restrição a direito seu -, mas no da coletividade, é o que pode ser destacado em unidade autônoma de intervenção, de uti-
por cujo bem-estar, em todos os seus aspectos (segurança, higiene, ordem, lidade ou de necessidade pública (art. 79, lI). Segundo o mesmo Código,
costumes), a Administração deve zelar. Quando muito, o que se deveria divisível é o serviço suscetível de utilização separadamente por parte de
exigir do interessado seriam emolumentos, impropriamente denominados cada um dos seus usuários (art. 79, III).
"taxas de expediente", para cobrir as despesas materiais da Administração Não nos parece que a conceituação legal tenha sido feliz no tocante à
com a expedição e publicação do ato (alvará). especificidade, porque há serviços que podem ser destacados em unidades
Não obstante essa crítica, temos que nos curvar à defeituosa concei- autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade pública e, no
tuação constitucional de taxa, para admitir a validade de sua cobrança entanto, ser genéricos, como os de polícia, iluminação pública e pavimen-
também "em razão do exercício do poder de polícia" (art. 145, lI) - mas tação. Deve-se entender por especificos os serviços destinados a determi-
do poder de polícia originário, e não delegado. nadas categorias de usuários, diversamente dos genéricos, que são presta-
Vale esclarecer, também, que o poder de polícia em si - isto é, a sim- dos, ou postos à disposição, em caráter geral para toda a coletividade.
ples limitação ou disciplina do direito, interesse ou liberdade contida na Quanto à divisibilidade o conceito do Código Tributário está correto,
lei - não é fato gerador da taxa, mas este se caracteriza, no dizer do Código pois caracteriza como divisíveis os serviços uti singuli, isto é, os de uti-
Tributário Nacional (arts. 77 e 78, § 12 ), pelo "exercício regular" daquela lização individual e mensurável, que se contrapõem aos serviços uti uni-
atividade estatal ou pela "utilização, efetiva ou potencial, de serviço público versi, prestados indistintamente a todos os usuários, sem possibilidade de
específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição". individualização e medição, muito embora possam beneficiar mais deter-
minadas categorias que outras. 14 Os serviços uti singuli ou divisíveis são
Tanto a necessidade de ser prestado o serviço (ou, pelo menos, posto
remunerados por tarifa (preço público), quando facultativos, e por taxa
à disposição do contribuinte) como o exercício do poder de polícia têm
(tributo), quando compulsórios.
relação com o sentido ressarcitório das taxas, vez que não havendo tais
atividades não se verificam as correspondentes despesas. A especificidade e a divisibilidade ocorrem, em regra, nos serviços
de caráter domiciliar, como os de energia elétrica, água, esgotos, telefonia
No que concerne à sua natureza remuneratória de serviços (CF, art.
e coleta de lixo, que beneficiam individualmente o usuário e lhe são pres-
145, lI, segunda parte), a taxa é impositiva para todos quantos possam
usufruir tais serviços, ainda que não o desejem. O essencial é que incida 14. Sobre a classificação dos serviços públicos, V., adiante, Capítulo vrr, item 2.1.
160 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 161

tados na medida de suas necessidades, ensejando a proporcionalidade da o rótulo de taxa, ora confundindo taxa com contribuição de melhoria, ora
remuneração. baralhando taxa com tarifa, com fundamental discrepância entre a espécie
Somente a conjugação desses dois requisitos - especificidade e divi- tributária adotada e a maneira de sua imposição e arrecadação. Muitas ve-
sibilidade -, aliada à compulsoriedade do serviço, pode autorizar a impo- zes o Poder Judiciário, levado pelo mesmo desconhecimento, tem endos-
sição de taxa. Destarte, não é cabível a cobrança de taxa pelo calçamento, sado imposições fiscais absolutamente inconstitucionais (como as taxas de
conservação, limpeza, iluminação,15 e vigilância de vias e logradouros iluminação pública e de calçamento), mas não são poucos os casos em que
públicos, que não configuram serviços especíjicos, nem divisíveis, por se- fulminou ilegais pretensões da Administração, através da correta definição
rem prestados uti universi, e não uti singuli; do mesmo modo que seria da espécie tributária cabível ou da distinção entre esta e outra fonte de
ilegal a imposição de taxa relativamente aos transportes urbanos postos à renda pública. Foi o que ocorreu com a Súmula 545 do STF, que diversifi-
disposição dos usuários, por faltar a esse serviço, especíjico e divisível, o cou tarifas e taxas nestes termos: "Preços de serviços públicos e taxas não
requisito da compulsoriedade de utilização. se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e
O fitncionamento do serviço é condição para que a Administração têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em re-
possa exigir o recolhimento da taxa. Com efeito, determinando a Consti- lação à lei que as instituiu". Observamos que a Súmula é anterior à vigente
tuição da República que as taxas são devidas pela utilização dos serviços Constituição da República, que dispensou a prévia autorização orçamen-
prestados ao contribuinte oupostos à sua disposição, não bastam a criação tária, exigindo apenas a vigência da lei anterior ao exercício financeiro em
do serviço e a conseqüente instituição da taxa para obrigar o administrado que a taxa deva ser recolhida e o interstício de noventa dias da data de sua
ao recolhimento do tributo; é preciso que a utilidade esteja em condições publicação (art. 150, III, "b" e "C").16
de ser usufruída por seus destinatários - ou, em outras palavras, que o Mesmo havendo decisão sumulada ainda havia desacordo quanto à
serviço funcione efetivamente. Nesse sentido, aliás, já decidiam nossos utilização da taxa ou da tarifa. O serviço relativo à disponibilização de
Tribunais muito antes da inovação trazida pela EC 18/1965 para o direito água para consumo pelos usuários, por exemplo, era tido pelo STF como
tributário (TJSP, RT 200/339; TASP, RDA 44/140 e 54170, RT 199/539, submetido ao regime jurídico de preço público, enquanto o STJ adotava a
231/593,273/608 e 763/238). natureza de taxa. Mas já não mais existe a divergência diante da modifica-
As taxas, como espécie do gênero tributo, só podem ser criadas e au- ção de orientação do STJ.17
mentadas por lei (CF, art. 150, I) e arrecadadas se a lei que as houver cria-
do ou aumentado estiver em vigor antes do início do exercício financeiro 16. No julgamento do RE 220.316-7-MG, o STF oferece nítida compreensão
em que devam ser recolhidas (CF, art. 150, lIl, "b"); e somente podem ser do regime jurídico da taxa, ao apreciar alegação de ofensa ao art. 145, § 22 , da CF
cobradas noventa dias após a publicação dessa lei (CF, art. 150, III, "c"). no que tange à taxa de fiscalização, localização e foncionamento, verbis: "Exação
fiscal cobrada como contrapartida ao exercício do poder de polícia, sendo calculada
Ainda nesse ponto diferem dos preços públicos (tarifas), que, não estando em razão da área fiscalizada, dado adequadamente utilizado como critério de aferição
sujeitos a essas exigências, são fixados e alterados por decreto do Execu- da intensidade e da extensão do serviço prestado, não podendo ser confundido com
tivo, inclusive dentro do mesmo exercício financeiro. qualquer dos fatores que entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão pela
O desconhecimento do conceito exato de cada tributo (imposto, taxa qual não se pode ter por ofendido o dispositivo constitucional em referência, que veda
a bitributação" (reI. Min. Ilmar Galvão, DJU 29 .6.200 1). Com efeito, a base de cálculo
e contribuição) tem levado as Administrações a lamentáveis equívocos do IPTU é o valor venal do imóvel; e a base de cálculo da taxa é o custo da atividade
no estabelecimento de suas fontes de renda, ora instituindo imposto sob estatal desenvolvida. Para individualizar o quanto a ser pago como imposto aplica-se a
alíquota fixada na lei; e para individualizar o quanto a ser pago como taxa divide-se o
15. No intuito de contornar a impossibilidade de fazê-lo por meio de taxa foi valor representativo do custo por um critério de rateio - no caso, a área. Ficam, assim,
promulgada a EC 39, de 19.12.2002, facultando aos Municípios e ao Distrito Federal a bem estremadas as razões que embasam a distinção. Sobre o tema, v. Régis Fernandes
instituição de "contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública". Confor- de Oliveira, Receitas Não-Tributárias (Tax:as e Preços Públicos), 2ª ed., São Paulo,
me a lição de renomados autores, todavia, essa Emenda Constitucional é de duvidosa Malheiros Editores, 2003, pp. 103 e ss.
constitucionalidade, uma vez que tal serviço, prestado de forma geral, visando e be- 17. V. REsp 668.239-SC, reI. Min. Teori Albino Zavascki, j. 26.2.2008, DOU
neficiando a toda a coletividade, deveria ser custeado pela arrecadação dos impostos. 10.3.2008: "(... ) 2. As Turmas que compõe a Seção de Direito Público do STJ, acom-
Instituir, para seu custeio, "contribuição" que não se ajusta aos princípios gerais do panhado a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, passaram a entender
Sistema Tributário Nacional, nem se afina com as constitucionalmente previstas (arts. que a remuneração pelo serviço de coleta de esgoto sanitário tem natureza jurídica
145-149 da CF), parece-nos resultar em inadmissível conflito conceitual. de preço público ou tarifa, razão pela qual sua exigência não está adstrita à obser-
162 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 163

1.3.3 Contribuições realizada, nem ao acréscimo de valor que da obra decorresse para o imóvel
beneficiado -, mas não reproduzido na Constituição vigente.
As contribuições constituem também espécies do gênero tributo e,
Diante disso, estabeleceu-se uma divergência doutrinária e jurispru-
como tal, ficam sujeitas às mesmas exigências constitucionais já examina- dencial quanto à norma a ser aplicada a este tributo; uns entendem que vi-
das relativamente aos impostos e taxas. goram os arts. 81 e 82 do CTN, e outros adotam as disposições e os critérios
A atual Constituição da República, em seu art. 145, lU, manteve a veiculados pelo Decreto-lei 195, de 24.2.1967, editado dois meses após a
contribuição de melhoria, decorrente ~e obras,públicas, .cor:n~ um ~os vigência do texto codificado. E pesa para dar continuidade a este entendi-
tributos instituíveis pelo Município. Cnou tambem a contnbulçao soczal, mento a simples e resumida redação adotada pela Constituição de 1988.
que poderá ser instituída pelo Poder Público Munic~pal e "cobrada ~e~ se~s Vários países adotaram este tributo (na Inglaterra, betterment tax; nos
servidores, para o custeio, em beneficio des~e~, de sIstemas d~ pr~':,IdencIa Estados Unidos, special assessment; na França, contribution sur les plus
e assistência social" (art. 149, parágrafo umco); e a contnbUlçao pa~a values; na Itália, contributi di miglioria; e na Espanha, contribución de
custeio da iluminação pública, tendo como destinação específica o custeIO mejoras). Por várias razões, porém, não obteve o sucesso que deveria ter,
do serviço de iluminação pública (art. 149-A, ~cre.scentado pel~ EC: 3~, _de por vezes muito próximas das questões que levaram à sua não-aplicação
19.12.200'2, facultando aos Municípios e ao DIstnto Federal a lllstItulÇao, em nosso país. 19
na forma de suas respectivas leis, observado o disposto no art. 150, I e lU, A contribuição de melhoria não se confunde com a taxa, por ser re-
da CF, de mais essa contribuição). cuperatória do custo de obra pública, ao passo que esta última é remune-
A contribuição de melhoria é o tributo que incide sobre os pr.oprie- ratória de serviço público. Além disso, é diverso o fato gerador de cada
tários de imóveis beneficiados por obras públicas que lhes proporCIOnem uma dessas espécies tributárias, pois a contribuição de melhoria incide
especial valorização. 18 O fato gerador desse tribu~o ~, poi,s, a esp~cial va- sobre a valorização do imóvel decorrente da obra pública, e a taxa sobre a
lorização da propriedade particular pela obra publIca .. E um tnbuto r~­ utilização, efetiva ou potencial, do serviço prestado ou posto à disposição
cuperatório do custo do empreendimento estatal, valonzante de determI- do contribuinte. Diferem também quanto à base de cálculo, que é a rela-
nados imóveis. Daí por que é devida somente por aquel~s que aufe~em o ção custo da obra/acréscimo valorativo do imóvel para a contribuição de
beneficio de modo especial. Não é necessário que a propnedade partIc~lar melhoria; e o valor do serviço para a taxa. Por essas razões, a imposição
confronte com a obra pública; o essencial é que a valorização atinja o de um desses tributos não exclui, necessariamente, a do outro, ainda que
imóvel de maneira especial. tenham por objeto um mesmo empreendimento público. É o que ocorre
A abertura de uma estrada, o calçamento de um bairro, a construção com os serviços de água e esgotos, cuja instalação é indenizável pelos pro-
de uma ponte ou a drenagem de uma região pode~ão dete~inar, além de prietários dos imóveis valorizados pela obra (contribuição de melhoria),
beneficios gerais para a comunidade, uma plus-vaha específica par~ c:~os os quais devem, ainda, remunerar a Administração pela utilização, efetiva
imóveis mais sujeitos às vantagens dessas obras públicas. Os p:opnetanos ou potencial, do serViço (taxa).
desses imóveis, beneficiados privilegiadamente pelos empreendImentos a~­ Desde sua institucionalização pela Constituição de 1934, ausente na
ministrativos deverão concorrer, portanto, para o resgate do que a AdmI- Constituição de 1937 e retomando na de 1946, a contribuição de melhoria
nistração inv~stiu na obra valorizante; tal recuperação pe~uniá~a do inves- deve ser utilizada para a recuperação da despesa com obra pública, em
timento público é feita através da contribuição de m.elhorza, cUJO mo~tante, lugar da desapropriação por zona, prevista no art. 4º do Decreto-lei 3.365,
por razões óbvias, não poderá ser superior ao investIdo na obra valonzante. de 21.6.1941, consoante tem decidido o STF, entendendo que, se a Admi-
O texto constitucional de 1946 estabelecia, no parágrafo único do nistração preferiu esta última, não pode se escusar ao pagamento do valor
art. 30, um limite à sua cobrança - que não poderia ser superior à despesa atual do imóvel desapropriado sob a alegação de que houve plus-valia
decorrente da obra. 20
váncia do princípio da estrita legalidade (REsp 866479/MS, 1ª.T., Min. Luiz Fux, D~
de 8.11.2007; REsp 9795001BA, 2ª T., Min. Humberto Martms, DJ de 5.10.2007) 19. Cf., para melhor visão do Direito Comparado, o resumo contido no trabalho
(grifamos). . ,. . de Edgard Neves da Silva, Curso de Direito Tributário, 9ª ed., p. 939.
18. Sobre a matéria, consulte-se Geraldo Atallba, A Natureza Jurzdlca da Contrz- 20. STF, RTJ 41/57,69/222,72/774 e 73/892; 12 TACivSP, 6ª C.,Ap. 581.167-8,
buição de Melhoria, São Paulo, 1964. Rio Claro, reI. Juiz Windor Santos,j. 30.4.1996, v.u.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 165
164

pode-se afirmar que a União e os Estados praticamente não se utili- em livre ~o~coITência ent:~ os interessados na aquisição dos bens públicos
zam deste gravame, diferentemente dos Municípios, que em boa parte o o~ n~ frUlçao de ~ertas uttlIdades administrativas não tabeladas pelo Poder
adotam. Constata-se, porém, que na maior parte dos casos sua aplicação PublIco, que, aSSIm, se sujeitam à lei da oferta e da procura.
vem sendo feita em desacordo com os textos legais maiores, visto que
raramente acolhe a valorização imobiliária como base da cobrança. Ao . 1.~.4.1 Preç~s.públi~os - A tarifa22 é o preço público que a Admi-
invés , é utilizada a testada do imóvel, critério ilegal e inconstitucional. ~lstraçao fixa, 'prev~a e ulll.la.teralmente, por ato do Executivo, para as uti-
~Id~des e servIços mdustnals prestados diretamente por seus órgãos ou
Cremos, entretanto, ser um instrumento tributário altamente eficien-
mdrretamente por seus delegados - concessionários e permissionários -
te e realizador da verdadeira justiça fiscal, por incidir sobre aqueles que
sempre em caráter facultativo para os usuários. Nisto se distingue a tarif~
diretamente auferem os beneficios e a valorização provocada pela obra
da tax.a, P?rque, e~quanto esta é obrigatória para os contribuintes, aquela
pública em seus imóveis. (a tar.If~) e f~cultattva ~ara o~ usuários: a tarifa é um preço tabelado pela
A contribuição para custeio da iluminação pública - COSIP não se A:dmmIstra~ao; a taxa e uma Imposição fiscal, é um tributo. Distingue-se,
confunde com aquelas anteriormente previstas no art. 149 da CF (de in- ~m~a, ,a tanfa (preço público) da taxa (tributo) porque esta só pode ser
tervençãuo no domínio econômico, de interesse de categorias profissio- I~sbtUlda, ~xada e alterada por lei, ao passo que aquela pode ser estabele-
nais ou econômicas e de seguridade social), pois se o fosse não haveria cId~ e mO~lficada por decreto ou por outro ato administrativo, desde que
necessidade de emenda constitucional para sua instituição. A EC 39 foi a ~eI autonze a remuneração da utilidade ou do serviço por preço. Como
proposta em razão da pressão política dos prefeitos municipais, que não trzbuto, a taxa depende da vigência anterior da lei, que a instituiu ou au-
conseguiam cobrar a taxa de iluminação pública juntamente com o IPTU, ~entou, para ser a~ecadada (CF, art. 150, m, "b"); como preço, a tarifa
em razão das reiteradas decisões judiciais, inclusive do STF, contrárias mdep~nde dessa e~lg~nc~a constitucional para sua cobrança. Daí por que a
à constitucionalidade e legalidade dessa taxa. Como as Prefeituras acu- taxa nao pode ser msbtulda ou aumentada em meio do exercício financei-
mularam, ao longo do tempo, enormes dívidas com o não-pagamento das ~o, ao passo que a tarifa pode ser criada, aumentada e cobrada em qualquer
concessionárias de energia e a impossibilidade de cobrança dos usuários, epoca do ano, desde que o usuário utilize efetivamente o serviço ou aufira
pressionou-se o Congresso Nacional, que pretendeu, com a EC 39, sanar concretamente a utilidade pública tarifada - como tem sustentado unifor-
esse problema dos Municípios. A Justiça dirá se essa solução tem respaldo memente, a doutrina pátria,23 com apoio da jurisprudência domi~ante de
constitucional, sendo, até o presente, divergentes suas decisões. Entretan- nossos Tribunais (STF, RDA 37/195 e 54/100; TFR, RDA 25/148,29/273
to, não é só a eventual inconstitucionalidade desta Emenda que está em e 50/88; TJDF, RDPDF 6/543; TJSP, RDA 64/99, RT 260/201 e 314/149;
discussão, mas também outras questões levantadas contra seu sistema, ge- TASP, RDA 53/104, RT2711592, 307/690 e 308/682).
rando ainda maiores divergências.
~resta-se a ta~fa a .remunerar os serviços pró-cidadãos, isto é, aqueles
q.ue VIsam a dar comodIdade aos usuários ou a satisfazê-los em suas neces-
1.3.4 Preços SIdades pessoais (telefone, energia elétrica, transportes etc.); ao passo que
Os preços, como remuneração de utilidades ou de serviços oferecidos
aos usuários pelo Poder Público ou por seus delegados, classificam-se em . ,,22. A palavra "tarifa" parece ter-se originado do pagamento que a cidade de "Ta-
21 nfe , fundada pelos mouros, nas proximidades de Gibraltar, exigia dos mercadores
preços públicos e preços semiprivados ou quase-privados. Os preços
~ue .atravessava?I. c,~m suas embarcações aquele Estreito. Daí a tradicional expressão
públicos são as tarifas e pedágios estabelecidos pela Administração, e os
tanfa alfandegana , conservada para os impostos aduaneiros.
preços semiprivados são aqueles que se apuram sem prévia fixação estatal, 23. Haroldo ~eixeirayanadão, in RDA 20/351; Caio Tácito, in RDA 44/518 e
64/99;_Pontes de M~r~nda, m RT260/42; Mário Masagão, in RT 260/48; Themístocles
21. Os preços, segundo a classificação de Seligman, tripartem-se em públicos; B~an~ao CavalcantI, m RT 260/51; J. H. Meirelles Teixeira, in RT 260/56; Vicente
quase-privados e exclusivamente privados, consoante o grau de intervenção do Poder ~ao, m RT 260/113; Rubens Gomes. de Sousa, C;:ompêndio ... , pp. 10 e 120; Alberto
Público na sua fix.ação e a intensidade do interesse do particular na obtenção do serviço eodato~ ~anua! ... , ,1~54, p. 67; Ahomar BaleeIro, Uma Introdução ... , v. l, 1955, p.
ou da utilidade (pública ou privada) a serem remunerados. Do ponto de vista admi- 316, e DIrezto Tnbutano ... , ~lª.ed., p. 543; Joaquim Castro Aguiar, Sistema Tributário
nistrativo só nos interessam o preço público e o preço quase-privado ou semiprivado, ... ~ pp. 100-108; B.e~ardo ~b~Iro de Moraes, Doutrina e Prática ... , pp. 94-104; José
visto que o preço exclusivamente privado só aparece nos negócios entre particulares. NIlo de Castro, DIreIto Munzclpal Positivo, 4ª ed., pp. 235-240.
166 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 167

a taxa é adequada para o custeio dos serviços pró-comunidade, ou seja, Em qualquer hipótese, porém, a tarifa deve ser fixada e revista pela
aqueles que se destinam a atender a exigências específicas da coletividade Administração com base em dados concretos da situação do serviço, apu-
(água potável, esgoto, segurança pública etc.) e, por isso mesmo, devem rados em exame contábil, e critérios técnicos que conduzam à sua equiva-
ser prestados em caráter compulsório e independentemente de solicitação lência com o custeio da atividade tarifada, o melhoramento e a expansão
dos contribuintes. Todo serviço público ou de utilidade pública não essen- do serviço e a justa remuneração do capital investido.
cial à comunidade, mas de interesse de determinadas pessoas ou de certos A isenção de tarifa só pode ser estabelecida em lei da entidade estatal
grupos, deve ser prestado facultativamente e remunerado por tarifa, para que realiza ou delega o serviço.
que beneficie e onere unicamente aqueles que efetivamente o utilizam.
Por essas considerações se vê que a tarifa e a taxa têm naturezas e 1.3.4.2 Preços sem iprivados - Os preços sem iprivados ou quase-
finalidades diversas, embora ambas se destinem a remunerar atividades ou privados, diversamente do que ocorre com os preços públicos (tarifas),
serviços prestados pelo Poder Público ou por seus delegados. Lamentável não são prévia e unilateralmente fixados pelo Poder Público, mas surgem
é que o legislador e o administrador tão freqüentemente confundam essas de atos negociais do particular com a Administração para aquisição ou
duas mo.dalidades de remuneração, instituindo uma pela outra, ou sinonimi- utilização de bens públicos ou para fruição especial de certas utilidades
zando os termos - taxa e tarifa -, quando expressam conceitos fundamen- administrativas, sempre sujeitas à melhor oferta dos interessados. São
talmente diversos e produzem conseqüências jurídicas bem diferençadas. 24 exemplos dessa modalidade de preços os que se pagam ao Poder Público
Afixação e a alteração da tarifa, como já se disse, competem ao pela compra de seus bens, alienados mediante licitação; a remuneração
Executivo e podem ser efetivadas em qualquer época do ano, para co- pelo uso especial de certos logradouros ou locais públicos (praças, ruas,
brança no mesmo exercício financeiro. Essa dispensa da vigência do ato boxes de mercados etc.) e demais pagamentos resultantes de negócios do
administrativo anterior ao exercício financeiro em que a tarifa é exigível administrado com a Administração em que ambos ajustam a retribuição
só é possível por ser ela um preço público, e não um tributo, como erro- pecuniária devida ao Poder Público, em situação de livre disputa entre os
neamente supõem os menos enfronhados em direito tributário. Não sendo interessados. No preço semiprivado ou quase-privado - como, de resto,
tributo, a tarifa libera-se das exigências constitucionais do art. 150, I e lII, em todo preço - não há imposição do Poder Público, mas sim liberdade
que só abrange os impostos, as taxas e as contribuições, como espécies do particular no seu pagamento, o que o distingue dos tributos, exigidos
tributárias que são. sempre compulsoriamente.
Embora caibam ao Executivo, a fixação ou alteração de tarifas não é 1.3.4.3 Pedágio - A vigente Constituição da República, em seu art.
ato discricionário, mas sim vinculado às normas legais e regulamentares 150, V, ao vedar que a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Muni-
que disciplinam a execução e remuneração do serviço. E, ainda que omis- cípios estabeleçam limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de
sas essas normas, é princípio assentado pela doutrina que a tarifa deve ser tributos interestad~ais ou intermunicipais, ressalva a "cobrança de pedá-
estabelecida de modo a cobrir integralmente o custo do serviço, para que gio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público". Tal ressalva
não seja explorado em regime deficitário, onerando toda a coletividade não nos parece necessária, pois, como afirmamos acima, o pedágio não é
com a utilização dos impostos gerais para cobrir a insuficiência da remu- tributo, e sim preço público - portanto, não incluso nas limitações previs-
neração dos usuários. tas no mesmo art. 150.
Quanto aos serviços concedidos ou permitidos a tarifa há de corres- O pedágio é modalidade de preço público (não confundir com taxa)
ponder à justa retribuição do capital investido, para não desestimular a ini- cobrado pela utilização de obras viárias com características especiais que
ciativa particular na prestação de serviços de utilidade pública e possibili- facilitem o trânsito e o tráfego de veículos ou pedestres. 25
tar seu melhoramento e expansão, sem prejuízo do equilíbrio econômico
e financeiro que deve existir nesses negócios administrativos - princípio 25. O pedágio (do Latimpedacticum - onde se põe o pé), como preço pela uti-
mantido pela atual Constituição da República sob a denominação de "po- lização de estrada, teve sua origem em Roma, passando a ser largamente usado na
lítica tarifária" (art. 175, parágrafo único, III). Inglaterra, até o século XVIII, onde era cobrado de todos os que transitavam com
carruagem por estrada sujeita a conservação pela Coroa, dele estando isentos somente
24. Sobre a antiga divergência de orientação do STF e do STJ quanto a preço e "os doutores e o clero", na curiosa observação de Sidney Webb (The Story of King's
taxa, v. nota 16, acima. Highway, Londres, 1922).
!
168 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 169

o pedágio pode, pois, ser exigido pela utilização de rodovias, pontes, blica, necessária se toma a fixação de alguns conceitos fundamentais do
viadutos, túneis, elevadores e outros equipamentos. viários que apresen- f direito tributário para a perfeita compreensão das finanças municipais
tem vantagens específicas para o usuário - tais como desenvolvimento de I
I e solução dos problemas financeiros que comumente surgem na Admi-
alta velocidade, encurtamento de distâncias, maior segurança -, diversi- nistração local.
ficando-os de obras semelhantes que se ofereçam como alternativas para Em face da importância destes elementos, e à falta de melhor critério,
o utente. Na doutrina corrente dois são os requisitos que legitimam a co- limitamo-nos a epigrafar o conceito básico e a tecer ligeiras considerações
brança desse preço público: a condição especial da obra, mais vantajosa sobre suas decorrências jurídicas de maior interesse prático. Vejamos des-
para o usuário, e a existência de outra, de uso comum, sem remuneração. 26 tacadamente seus contornos conceituais, a começar pela lei tributária.
Sem esses requisitos toma-se indevida a cobrança do pedágio, como já
demonstramos em estudo anterior ("Pedágio - Condições para sua cobran-
ça", parecer in RT 430/33, RDA 104/374 e RDP 16/343). 2.1 Lei tributária
Embora sedimentada a posição adotada pelo Autor, vale a pena lembrar Lei tributária é a norma legislativa que dispõe sobre tributos. É a
que, especialmente após a Constituição de 1988, alguns autores passaram a única fonte do direito tributário positivo. Isto significa que só a lei pro-
classificar o pedágio como taxa, não só pelo regime, mas também pela loca- priamente dita - norma legislativa formal e material- pode criar, suprimir
lização no sistema tributário, no art. 150, V, da CF. Roque Antonio Carrazza, ou alterar tributos.
em seu Curso de Direto Constitucional Tributário, afirma: "É, portanto, o Da lei tributária nasce a obrigação do contribuinte (sujeito passivo)
serviço público de conservação das rodovias que autoriza a instituição do para com o Poder Público (sujeito ativo). O vínculo jurídico que liga o
pedágio, verdadeira taxa de serviço, inobstante seu nomem iuris".27 sujeito passivo (devedor do tributo) ao sujeito ativo (credor do tributo) é
Advirta-se, porém, que segundo Roque Antonio Carrazza, citando a relação tributária, que faz surgir o crédito tributário, desde que ocorra
Celso Ribeiro Bastos, o pedágio não pode ser cobrado pelo Município: "A o fato gerador e se fixe o montante devido pelo contribuinte, através do
diferenciação de regras para as vias intermunicipais e intramunicipais se lançamento.
deve ao fato de que o Município é o centro da vida ativa (ou de atividades) Sua fonte de validade constitucional, em termos gerais, está nos arts.
das pessoas. A rua é a maior expressão que se tem de um bem público, e 5º, II (pelo qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
não se pode privar ou restringir o acesso a ela, sob pena de prejudicar dras- coisa senão em virtude de lei") e 24, I (competência concorrente da União,
ticamente a liberdade e a vida civil dos munícipes. ( ... ). O pedágio, aliás, Estados e Distrito Federal para legislar sobre direito tributário e financei-
como tributo mais antigo, é cobrado desde a Idade Média na travessia de ro), e, em termos específicos, pelo art. 150, I, prevendo ser vedado "exigir
cidades, jamais dentro delas".28 ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".
O CTN, no art. 97, em seus seis incisos, desmembra as situações a se-
2. Principais conceitos do direito tributário rem submetidas à lei, esclarecendo, no § 1º, que "equipara-se à majoração
do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em tomá-lo
Estabelecida a distinção entre tributos e preços e apreciadas as vá- mais oneroso"; mas ressalva que "não constitui majoração de tributo, ( ... )
rias espécies destes dois gêneros de rendas, componentes da receita pú- a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo" (§ 2º).
Pela disposição desse § 2º importa afirmar que a aplicação da correção
26. Wilfred Owen e Charles Dearing, Tol! Roads and Problem of Highway
Modernization, Nova York, 1951; Daniel Boutet, Les Problemes Routiers aux États monetária independe de lei, podendo ser veiculada por decreto do Execu-
Unis, Paris, 1949; M. Rumpler, Situation du Réseau Roufier Français, Paris, 1948; U. tivo' e inclusive não se submete ao princípio da anterioridade. Isso tem
S. Public Roads Administration, Highway Development, Administration and Finance, res;aldo na inte~retação de que a mera atualização monetária, repondo a
1948; Relatório do Congresso Norte-Americano, Tol! Roads and Free Roads, 1938. simples perda de valor da moeda, não aumenta o tributo, mas, tão-somen-
27. Roque A. Carrazza, Curso ... , cit., 23ª ed., 2007, p. 536. te, corrige seu valor.
28. Celso Bastos, "Rua, a maior expressão do bem público", in Folha de S.Paulo
de 9.10.1999, apud Roque A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, Extrai-se do art. 96 do CTN serem "os tratados e as convenções inter-
23ª ed., p. 538. nacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo
r~
170 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 171
t
r
!
ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes" fontes 2.3 Fato gerador
secundárias da "legislação tributária". O arts. 99 e 100 tratam dos decretos
Fato gerador oufato imponível é o elemento, o ato ou a ocorrência
e das normas complementares, respectivamente. i que a lei tributária indica como causa jurídica do tributo. Desde que surja
I o fato definido na lei - e só a lei pode defini-lo (CTN, art. 97, I1I) -, nasce
2.2 Obrigação tributária l, a dívida fiscal.
I Pode-se dizer que o fato gerador é a situação ou o ato-tipo (que os ale-
Aliomar Baleeiro,29 ao comentar o art. 113 do CTN, afirma que a obri- I
gação constitui o núcleo do direito tributário, como direito obrigacional mães designam por tatbestand) descrito pela lei tributária que, aparecen-
t do, toma devido o tributo e fixa as condições de seu pagamento. Assim, o
que é; acrescentando ser ela uma obligatio ex lege: nasce da lei, e só dela. i
A lei é a causa da obrigação fiscal. Dela nasce a relação jurídica tributária. auferimento dos rendimentos indicados na lei é o fato gerador do imposto
Rubens Gomes de Sousa conceitua obrigação como "poder jurídico por de renda; o ser proprietário, detentor do domínio útil ou possuidor de pré-
força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito pas- dio urbano é o fato gerador do IPTU; o alienar um imóvel é o fato gerador
sivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) em virtude do imposto de transmissão de bens imóveis; e assim por diante.
de uma circunstância reconhecida pelo Direito como produzindo aquele Há uma defrnição legal de fato gerador, constante do art. 114 do CTN:
efeito (causa da obrigação)".3o Substituindo os elementos da obrigação em "Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como
geral pelos da tributária, temos, respectivamente: o Fisco (sujeito ativo), o necessária e suficiente à sua ocorrência". Dela se extrai a necessidade de
contribuinte (sujeito passivo), a lei (fato gerador) e o pagamento. lei em que a hipótese esteja definida, e da ocorrência do fato, para o nas-
cimento da obrigação. Pelo art. 115 do CTN, "fato gerador da obrigação
No direito positivo, segundo o art. 113 do CTN, desde logo se verifica
acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe
uma dicotomia representada pela obrigação principal e pela obrigação
a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal".
acessória. Ambas vão se distinguir especialmente pelo seu objeto. Aprin-
cipal terá sempre por objeto um conteúdo econômico - o pagamento -, e a Ainda, como prescrito no art. 4º, será o fato gerador que apontará qual
acessória, prestações que não sejam pagamento, mas obrigações de fazer a natureza jurídica do tributo, ou seja, se se trata de um imposto - e, então,
e não-fazer - portanto, sem aquele conteúdo. Assim, o § 1º do art. 113 qual seria -, se é uma taxa ou uma contribuição.
define a obrigação principal como a que "surge com a ocorrência do fato Em termos legais, a denominação utilizada é fato gerador, represen-
gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária tando, como vimos, tanto a situação abstrata, hipotética, prevista na nor-
e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente". O importante ma, como a situação fática. Daí por que outra denominação é encontrada,
desta definição é deixar expresso fazerem parte do seu objeto o tributo e mormente na doutrina, sem divergir, porém, quanto ao conteúdo: hipótese
a penalidade pecuniária (multa). Por conseqüência, ambos farão parte do de incidência, que .representa o fato gerador constante da lei, e fato impo-
crédito correspondente. O § 2º define a obrigação acessória como a que nível, para significar o fato gerador fático, isto é, a situação ocorrida no
"decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas mundo fenomênico. O grande defensor desta denominação foi o saudoso
ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização Geraldo Ataliba. 32
dos tributoS".31 A identificação do fato gerador é de suma importância no direito tri-
Confirmando a mencionada distinção, o disposto no § 3º determi- butário, a fim de se saber quando surgem a obrigação e o respectivo crédito
na que a inobservância das prestações positivas ou negativas - obrigação tributário, e em que momento passa a ser devido pelo contribuinte. Ocor-
acessória - dará nascimento a uma obrigação principal, cujo objeto será a rendo o fato imponível, a obrigação tributária toma-se inalterável para o
multa aplicada. contribuinte, ainda que lei posterior modifique a incidência ou altere a
alíquota. O fato gerador, ao mesmo tempo em que toma devido o tributo,
29. Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., pp. 409-410. estabiliza seu montante, embora venha a ser arrecadado posteriormente,
30. Rubens Gomes de Sousa, Compêndio de Legislação Tributária, p. 18 .
. 31. S~o exemplos destas prestações de fazer e não-fazer: fazer uma declaração, 32. Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed., 7ª tir., São Paulo,
escnturar lIvros, não cometer rasuras, não criar obstáculos à fiscalização etc. Malheiros Editores, 2005, pp. 58-68.
172 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
, v - FINANÇAS MUNICIPAIS 173
(
após as operações de lançamento (CTN, art. 144). Cada tributo tem seu sob pena de descaracterizar o tributo e invalidar sua cobrança. Assim, por
fato gerador próprio e privativo, razão pela qual é inadmissível a imposi- exemplo, a base de cálculo da taxa de coleta de lixo domiciliar não pode
ção fiscal com base em fato gerador peculiar a tributo diverso, porque, se ser o valor venal do imóvel, porque a confundiria com o imposto predial
isto ocorrer, confundem-se ambos, se pertencentes à mesma entidade es- urbano; poderá ser o metro linear de frente (testada) ou qualquer outro
tatal, ou há invasão da competência tributária, se pertencentes a entidades elemento que guarde estreita relação com o serviço taxado.
tributantes diferentes. Interessante apontar a evolução de nossa Corte Suprema quanto a esta
A Lei Complementar 104, de 10.1.2001, acrescentou um parágrafo questão, distinguindo bem a figura da base de cálculo e do critério de ra-
único ao art. 116 do CTN, permitindo que a Administração desconsidere teio utilizado para as taxas. Em decisão do Pleno (RE 204.827-5-SP, DJU
"atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a 25.4.1997, reI. Min. Ilmar Galvão), o STP decidiu: "Inconstitucionalidade
ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos consti- dos dispositivos sob enfoque. ( ... ) por haverem violado a norma do ar. 145,
tutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem es- § 2º, ao tomarem para base de cálculo das taxas de limpeza e conservação
tabelecidos em lei ordinária". Esse dispositivo levantou grande polêmica de ruas elementos que o STP tem por fator componente da base de cálcu-
entre os estudiosos, pois outorga ao Pisco um poder muito grande, e em lo do IPTU, qual seja, a área do imóvel e a extensão deste no seu limite
especial por comprometer um possível planejamento tributário e o direito com o logradouro público". Assim, ficou entendido que não poderia ser
do contribuinte de adotar a prática do ato ou celebração do negócio jurí- utilizado como critério para a taxa a área ou a testada, tendo em vista que
dico que lhe sejam mais econômicos. Todavia, ainda não se colhe, na ju- estas medidas se inserem na propriedade e um valor por elas multiplicado
risprudência, um posicionamento consolidado sobre a interpretação desta alcançaria o valor venal, que é base de cálculo do IPTU. Ainda, frise-se ser
norma. esta afirmação embasada na disposição constitucional de que as taxas não
podem ter a mesma base de cálculo dos impostos.
2.4 Base de cálculo Quatro anos depois, outro acórdão proferido também pelo Pleno (RE
Base de cálculo ou base imponível - um dos elementos do fato ge- 220.3l6-7-MG, DJU 29.6.2001), trouxe posição diametralmente oposta,
rador - é a unidade de medida estabelecida pela lei tributária para quan- com o seguinte fundamento: "Exação fiscal cobrada com contrapartida ao
tificar o tributo, tal como o valor venal do imóvel, o preço do serviço, o exercício do poder de polícia, sendo calculada em razão da área fiscaliza-
rendimento líquido da pessoa física. Realmente, inútil seria a ocorrência da, dado adequadamente utilizado como critério de aferição da intensidade
do fato gerador se não houvesse um elemento que servisse de confronto e da extensão do serviço prestado, não pode ser confundido com qualquer
para se calcular o montante do tributo, a ser pago pelo contribuinte em dos fatores que entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão
cada caso concreto. pela qual não se pode ter por ofensivo ao dispositivo constitucional em
referência [art. 14), § 2º], que veda a bitributação".
Por isso mesmo, a lei, depois de configurar a hipótese de incidên-
cia, que, com a relação fática, faz nascer a obrigação tributária, indica o Comparando as duas posições, confirma-se uma modificação essen-
elemento aferidor do débito do contribuinte, a ser obtido diretamente ou cial nos fundamentos, demonstrando que o critério de rateio utilizado para
mediante multiplicação da alíquota correspondente. Esse elemento aferi- cálculo das taxas nada tem a ver com o valor venal do imóvel, base de
dor há que ser próprio e privativo de cada espécie tributária, pois a Cons- cálculo do IPTU. São duas figuras juridicamente distintasY
tituição da República (art. 145, § 2º) e o Código Tributário Nacional (art.
77, parágrafo único) vedam que impostos e taxas tenham a mesma base 2.5 Alíquota
de cálculo.
A base de cálculo pode consistir num só elemento aferidor ou na com- Alíquota é a parte da unidade de medida, fixa ou proporcional, que a
binação de vários elementos que conduzam ao quantum debeatur, pela lei determina para a obtenção do montante do tributo devido em cada caso
aplicação da alíquota devida à base de cálculo cabível, como veremos concreto. A alíquota geralmente é um percentual a ser multiplicado pela
adiante. O que convém reter é que a base de cálculo há que estar vinculada
33. Para melhor compreensão da taxa, v. Edgard Neves da Silva, in Curso de
ao fato gerador e deve manter estrita pertinência com a matéria tributável, Direito Tributário (coord. Ives Gandra da Silva Martins), 9ª ed., p. 917.
'"
174 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO í v- FINANÇAS MUNICIPAIS 175

base de cálculo da matéria tributável. Esse percentual pode ser fixo ou gra-
dual, progressivo ou regressivo em relação à base escolhida ou à política
r· tuição estabelece que lei complementar ou resolução do Senado poderão
estabelecer alíquotas máximas e mínimas para certos impostos, ficando,
fiscal adotada. Daí as alíquotas variáveis na proporção direta ou indireta assim, o legislador do tributo a elas submetido. Como exemplo temos os
do crescimento do valor do bem ou da atividade tributada, como ocorre no casos do art. 156, § 3Q , I, em relação ao ISS, e o do art. 155 § 2 Q , IV e V,
imposto de renda e em tributos com incidência ad vaiarem. com relação ao ICMS.
Assim, a alíquota é que determina o montante e as alterações do A alteração no § 3Q do art. 156, acima citado, introduzida pela EC
tributo, razão pela qual só pode ser estabelecida por lei, obedecidos os 37/2002 restringiu mais ainda a liberdade do legislador municipal ao de-
princípios contidos no arts. 150, III, "b" e "c", e § l Q , e 195, § 6Q, da CF. terminar que lei complementar pode estabelecer alíquotas mínima - hoje,
Normalmente o aumento do tributo decorre de uma elevação da alíquota, com base nessa Emenda, de 2% - e máxima - segundo a Lei Complemen-
embora não seja esta a única forma, visto que a base de cálculo também tar 116/2003, de 5%.
pode variar.
Além da garantia do princípio da anterioridade das leis que criem ou 2.6 Lançamento
aumentem tributos, já referida anteriormente, e conferida ao contribuinte
como forma de evitar reflexos negativos abruptos em seu patrimônio, a Lançamento é o ato ou a sucessão de atos realizados pela Adminis-
EC 42/2003 inseriu no sistema constitucional, pela alínea "c" do inciso III tração Pública, na forma determinada em lei, visando à identificação do
do art. 150, a chamada "anterioridade especial", que obsta à cobrança de contribuinte e à fixação quantitativa do tributo, para seu oportuno paga-
tributos antes de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que mento. Ou, no dizer do Código Tributário Nacional, "o procedimento ad-
os instituir ou aumentar, ressalvadas as hipóteses previstas no § 1Q desse ministrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
mesmo artigo, dentre as quais destacamos a fixação da base de cálculo do correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante d.o
IPTU. tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplI-
cação da penalidade cabível" (art. 142) - o qual esclarece que "a atividade
A fixação da alíquota é livre para a entidade tributante, desde que
administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de res-
feita por lei publicada no exercício anterior ao de sua cobrança e com, no
ponsabilidade funcional" (art. 142, parágrafo único).
mínimo, noventa dias de antecedência. Mas a prudência aconselha que
não se aumentem tributos além da carga suportável pelo contribuinte ou Desses conceitos resulta que o lançamento é vinculado - isto é, ads-
de modo a que se tomem impeditivos da atividade ou confiscatórios do trito à lei que o ordena e condiciona sua efetivação - e declarató~io (a:t.
bem tributado. Desejável seria que as majorações de alíquotas não ultra- 144 do CTN) - uma vez que se destina simplesmente a constatar a sltuaçao
passassem anualmente os índices oficiais da correção monetária, acrescida de fato em que se encontra o contribuinte em face da lei tributária, que,
como vimos, é a única fonte da obrigação tributária. Como ato declarató-
de um percentual de desenvolvimento dos serviços públicos necessários à
rio, o lançamento 'não cria, não modifica nem extingue direitos e obriga-
comunidade. Majorações excessivas podem ser julgadas inconstitucionais .
ções preeXIstentes: ven'filca-os e os acerta, t-ao-soment e. 34
quando tipificam confisco ou tributo proibitivo, pela exorbitância da alí-
quota (art. 150, IV, da CF). Por isso mesmo, o lançamento não "constitui" o crédito tributário,
como impropriamente consigna o CTN em vários de seus disposi~iv?s,
Os parâmetros a serem levados em conta para o estabelecimento das
especialmente no art. 142. Com efeito, o crédito tributário, como dIreIto
alíquotas estão contidos em disposições constitucionais representativas de
do Fisco ao recebimento do tributo, decorre da obrigação de pagar, que a
dois outros princípios, além do impedimento ao confisco, acima mencio- lei impõe ao contribuinte, nos seus termos e condições. É a lei, portanto,
nado. O art. 145, § l Q , prevê o princípio da capacidade contributiva ou que constitui o crédito tributário, e não o lançamento.
econômica: impõe que, "sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuin- 34. Gilberto de Ulhôa Canto, Curso de Direito Financeiro, 1958, p. 128; Rui
te"; e o art. 150, lI, consagra o princípio da isonomia ou igualdade, pelo Barbosa Nogueira, "Criação e fonnalização do crédito fiscal", RT273/50; Rubens Go-
qual é vedado "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se en- mes de Sousa, Compêndio ... , p. 67; Rui Barbosa Nogueira, Teoria do Lançamento
contrem em situação equivalente". Entretanto, em alguns casos a Consti- Tributário, São Paulo, 1935; Aliomar Baleeiro, Direito Tributário ... , 11ª ed., p. 481;
Joaquim Castro Aguiar, Sistema Tributário ... , p. 232.
176 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 177

Todavia, o direito da Administração, em face da lei tributária, é ilí- casos de lançamento por declaração e por homologação se houver omis-
quido e incerto, pelo quê precisa ser definido, tomado líquido, para se são, relapsia, erro, falsidade, fraude, simulação ou outro fato que impeça
tomar exigível. Daí o lançamento, que, fazendo líquida e certa a obrigação ou dificulte sua efetivação ou homologação, consoante discriminado nos
do contribuinte, define o crédito da entidade tributante. Assim sendo, o incisos II a IX do art. 149 do CTN. Esta espécie de lançamento, diferente-
lançamento - como tal entendido o resultado final do procedimento admi- mente do lançamento por declaração, não exige a participação do contri-
nistrativo destinado a precisar a obrigação tributária - é ato-condição para buinte ou de terceiro - isto porque o Fisco tem o conhecimento dos fatos
que o Poder Público possa exigir do contribuinte o cumprimento dessa e seus valores e do direito, representado pelos dispositivos da legislação
mesma obrigação, seja pela via administrativa, seja pela judicial (CTN, pertinente, pennitindo-Ihe, assim, constituir o crédito por sua iniciativa -
arts. 160 e 174). daí a denominação de oficio.
Assim, o lançamento materializa o crédito tributário e, com isto, ao
aperfeiçoar a obrigação, dá-lhe a necessária exigibilidade. Pode-se consta- 2.6.1.3 Lançamento por homologação - Verifica-se nos casos em que
tar que dois momentos são exigidos para a complementação da obrigação, a lei tributária impõe ao contribuinte o dever de antecipar o pagamento,
quais sejam: o primeiro, representado pela ocorrência do fato gerador, nas- sem prévio exame da Administração. O pagamento antecipado extingue
cendo assim a obrigação; e o segundo, com o lançamento, a aperfeiçoa; o crédito tributário, sob condição resolutória da posterior homologação,
destarte, fácil se toma detectar a aplicação da teoria dualista da obrigação que, se outro prazo não for fixado em lei, deverá ocorrer nos cinco anos
tributária adotada pelo nosso CTN. seguintes à data do fato gerador. Findo esse prazo sem manifestação da
Fazenda Pública, considerar-se-á homologado o lançamento e definitiva-
2.6.1 Modalidades mente extinto o crédito tributário, salvo fraude, simulação ou dolo devida-
mente comprovados. Nesse interregno, se a autoridade administrativa en-
As modalidades de lançamento previstas no Código Tributário Na- tender exato o pagamento, deverá homologá-lo; caso contrário procederá
cional (arts. 147-150) são: lançamento por declaração do sujeito passivo a lançamento suplementar, para constituir crédito sobre a diferença. Neste
ou de terceiro; lançamento de oficio; lançamento por homologação ou, caso o lançamento seria de oficio.
como é mais conhecido - embora erroneamente -, autolançamentoY

2.6.1.1 Lançamento por declaração - É feito com base nas infor- 2.6.2 Revisão
mações prestadas pelo contribuinte ou por terceiro sobre matéria de fato, A revisão de lançamento, depois de regulannente notificada ao sujei-
na fonna da legislação tributária, sendo facultado à autoridade lançadora to passivo, só é admitida nos casos taxativamente enumerados no Código
retificar os erros contidos na declaração e arbitrar valores e preços que Tributário Nacional (art. 145): pela impugnação do sujeito passivo (art.
influam no cálculo do tributo sempre que omissos ou não mereçam fé as 145, I), através de procedimento administrativo ou de ação judicial, ou
informações, esclarecimentos e documentos fornecidos pelo declarante. operada unilateralmente pela Administração em decorrência de recurso de
Contestado o arbitramento, os valores ou preços impugnados pela Admi- oficio da autoridade administrativa ou por iniciativa própria desta, nos
nistração serão objeto de avaliação contraditória, administrativa ou judi- casos previstos no art. 149 (art. 145, II-III).
cial. Frise-se que, havendo o arbitramento, este estará submetido a um
processo regular (arts. 147 e 148 do CTN). A revisão unilateral do lançamento tem ensejado atitudes extremadas
entre os que a admitem e os que a negam à Administração; mas a doutri-
2.6.1.2 Lançamento de oficio - Feito exclusivamente pelo Fisco, na pátria tomou posição conciliatória, dando-nos os justos limites de sua
ocorre nos casos em que a lei tributária assim o detennine bem como nos admissibilidade. 36

35. É um erro denominar essa modalidade de "autolançamento", porque a ati- 36. Rubens Gomes de Sousa, "Limite dos poderes do Fisco quanto à revisão de
vidade do lançamento compete privativamente à autoridade administrativa (art. 142); lançamento", RDA 14/23; "A revisão de lançamento de impostos", RDA 40/15; Estu-
assim sendo, não há como aceitar que esta atividade possa ser desenvolvida pelo con- dos de Direito Tributário, pp. 229 e ss. e 275 e ss.; Gilberto de Ulhôa Canto, Temas de
tribuinte. Por isto, no Direito Brasileiro não há lugar para se "autolançar" o crédito Direito Tributário, v. I, pp. 168 e ss.; Aliomar Baleeiro, Direito Tributário ... , llª ed.,
tributário. pp.808-815.
i
,
1.· .
178 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Há que distinguir, preliminarmente, a revisão por erro de fato da re-


visão por erro de direito ou de interpretação de lei. O erro de fato admite
sempre correção, ao passo que o erro de direito só admite revisão retroativa
r
i
I
v - FINANÇAS MUNICIPAIS

ou gerado direitos subjetivos inalteráveis. Por isto, o parágrafo único do


art. 149 do CTN só permite a revisão enquanto não extinto o direito da
Fazenda Pública.
179

contra o contribuinte em determinadas circunstâncias (TFR, RDA 42/90;


TJSP, RT 191/733). Assim, se num lançamento se tomar o imóvel tributa- 2.6.3 Atualização de valores imobiliários
do como tendo 1.000m2 quando, na realidade, tem 2.000m2, poderá ser
corrigido esse lançamento incidente em erro de fato; mas se, por equívoca A atualização de valores imobiliários não se confunde com a revisão
interpretação da lei, o Fisco conceder uma redução de 50% do imposto de lançamento. No primeiro caso visa-se a ajustar o valor tomado para
e posteriormente entender que essa redução deve ser somente de 30%, base de cálculo à realidade econômica, através de uma planta genérica de
prevalecerá para o contribuinte o lançamento inicial, por ocorrer simples valores; no segundo objetiva-se corrigir um ato administrativo praticado
erro de direito na interpretação da norma legal; ou, por outras palavras, va- irregularmente.
riação de critério fiscal na aplicação da lei tributária. Esse entendimento, A atualização de valores pode ser feita toda vez que se lançar o tribu-
que já defendemos em edições anteriores deste livro, foi consagrado pelo to, sem que isto importe revisão de lançamento, porque é, na verdade, um
Código Tributário Nacional ao preceituar que "a modificação introduzida, novo lançamento. A atualização de valores imobiliários não se confunde
de oficio ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos também com a majoração de tributos (art. 97, § 2º, do CTN), razão pela
critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do qual se tem admitido essa atualização no decorrer do exercício financeiro
lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito em que se vai arrecadar o imposto, uma vez que não há modificação da
passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução" alíquota fixada na lei tributária. A atualização monetária de valores de ter-
(art. 146). renos e construções é uma necessidade administrativa, para que as imposi-
Ainda com referência ao erro de fato, importa saber até que momento ções fiscais acompanhem o crescimento da riqueza particular e o aumento
pode o Fisco rever seus lançamentos contra o contribuinte. A todo tempo da despesa pública que lhe é correlata.
ou até o recolhimento do tributo? A nosso ver - ressalvados os casos perti-
nentes enumerados no art. 149 do CTN, para os quais se autoriza a revisão 2.6.4 Recursos contra lançamentos
-, enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública (parágrafo único) o
Os recursos contra lançamentos de tributos municipais eram, ante-
lançamento de cada exercício financeiro só pode ser revisto e retificado,
riormente, dirigidos à Câmara de Vereadores, assim erigida em instância
com exigência suplementar de tributo, enquanto não for efetuado o paga-
revisora das decisões do prefeito em matéria tributária. Essa prática, en-
mento da imposição fiscal originária. Daí por diante, em relação ao tributo tretanto, era manifestamente inconstitucional, porque no regime vigente o
lançado e recolhido, ainda que por erro da Administração, o lançamento Executivo e o Legislativo do Município são Poderes harmônicos e inde-
não poderá ser modificado, porque a quitação dada pelo Fisco opera efeito pendentes entre si, dadas a privatividade de suas atribuições e a ausência
libcratório para o contribuinte. Poderão ser retificadas as parcelas ainda de hierarquia entre ambos.
em débito; não, porém, as já pagas em conformidade com o lançamento
inicial, porque quanto a estas a situação é de ato jurídico perfeito, de con- Ora, o recurso de ato do prefeito para a Câmara pressupõe a subor-
seqüências irreversíveis e efeitos vinculantes para as partes, conforme têm dinação daquele a esta, pois não se pode conceber, administrativamente,
entendido nossos Tribunais. 3 ? uma instância revisora sem superioridade hierárquica.
Como ato administrativo, que é, o lançamento pode ser invalidado ou Não se confunda o poder de controle político-administrativo, que o
modificado pela própria Administração ou anulado pelo Judiciário desde Legislativo exerce sobre o Executivo, com o poder de revisão de ato me-
ramente administrativo, como é o de lançamento de tributos. A Câmara,
que surjam motivos ensejadores de sua correção administrativa ou judi-
quando fiscaliza a conduta do prefeito e lhe toma as contas anuais, ou o
cial; mas isso só pode ocorrer enquanto não se tenha tomado definitivo
interpela em Plenário, ou lhe cassa o mandato, desempenha função po-
lítica própria das corporações representativas na vigilância dos atos de
37. STF, AJ 62/254, RF 891134; TJDF, RDA 50/71; TJSP, RT 184/287, RDA
21/65 e 64/99. governo afetos ao Executivo. Mas importa distinguir atos de governo de
180 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 181

atos de administração. Aqueles são manifestações de comando político terminar nesse Conselho ou subir à decisão final do prefeito ou podendo,
do Executivo; estes são aplicações concretas das normas administrativas; ainda, a única instância ser o próprio prefeito, cabendo à lei municipal
aqueles são privativos do chefe do Executivo; estes são extensivos a todos dispor sobre o processo administrativo. Em qualquer caso, porém, o con-
os agentes da Administração, incumbidos de executar as leis. Daí por que tribuinte irresignado terá sempre a possibilidade de pleitear a anulação do
pelos atos políticos só respondem os chefes de governo - e respondem pe- lançamento na Justiça Comum, uma vez que as decisões administrativas
rante a Câmara -, ao passo que pelos atos administrativos respondem to- não são conclusivas para o Judiciário, embora o sejam para a Adminis-
dos aqueles que os praticam, em razão do cargo ou oficio - e respondem tração que as pronuncia em última instância. Cabe ainda esclarecer que a
perante o superior hierárquico ou perante o Judiciário. Constituição da República de 1988 não mais pennite que a lei condicio-
Fixados esses princípios, percebe-se facilmente que a Câmara de Ve- ne o ingresso em juízo ao exaurimento das vias administrativas (art. 5º,
readores, como corporação representativa do Município, tem competência XXXV).
institucional para fiscalizar a atuação político-administrativa do prefeito, No âmbito administrativo os lançamentos são passíveis de reclama-
mas não a tem para rever atos simplesmente administrativos do chefe do ção à repartição lançadora, com recurso para o Conselho ou para o pre-
Executivo ou de seus funcionários subalternos. feito, se assim admitir a legislação tributária local. Para a interposição
O recurso de ato do Executivo para o Legislativo - como o que se e conhecimento do recurso administrativo deverá a lei fixar os prazos e
interpõe contra lançamento de tributos - apresenta-se incompatível com o condições de sua tramitação e julgamento. As decisões em tais recursos,
regime municipal vigente e têm sido consideradas inconstitucionais as leis como já se disse, não trancam a via judicial, mas são vinculativas para a
que o consignam. 38 É resquício de atribuições das Câmaras coloniais, que Administração que as profere em instância final. Daí por diante tornam-se
reuniam e desempenhavam as funções legislativas e executivas, mesmo definitivas e imodificáveis na esfera administrativa. É oportuno haver nos
porque àquela época não existia o cargo de prefeito. Quando o presidente Códigos Tributários Municipais capítulo específico tratando do proces-
da Câmara administrava o Município, cabível era o recurso de seus atos so administrativo tributário, regrando as impugnações e os recursos, bem
para a própria Câmara a que pertencia. Hoje, não. O prefeito não é mem- como o cumprimento das decisões.
bro da Edilidade. É agente político autônomo, investido na chefia do Exe-
cutivo local. Não está hierarquizado à Câmara; e, assim sendo, não pode
2.7 Crédito tributário
ter seus atos administrativos sujeitos à revisão do Legislativo. Somente
sua conduta político-administrativa - repetimos - pode ser revista pela Crédito tributário é O direito que se reconhece ao Fisco de exigir
Câmara, e assim mesmo nos estritos limites de sua atuação governamen- determinada soma de dinheiro decorrente de obrigação tributária a que
tal, inconfundível com a atividade administrativa propriamente dita. se sujeita o contribuinte. Como já vimos, esse direito nasce com a lei que
Lançamento de tributo não é atividade política; é procedimento ti- impõe a obrigação tributária, mas sua satisfação só pode ser exigida após o
picamente administrativo, vinculado a critérios legais preestabelecidos. lançamento, em que se verifica a ocorrência do fato gerador, se determina
Refoge, portanto, da apreciação política da Câmara, restrita aos atos de a matéria tributável, se apura o montante do tributo devido e se identifica
governo do prefeito. o sujeito passivo.
O correto e aconselhável é a instituição de um Conselho de Tributos, Esta dicotomia tem origem na adoção pelo CTN da teoria dualista da
Conselho de Contribuintes ou que nome tenha, para julgamento adminis- obrigação, como conseqüência da disposição contida no seu art. 139: "O
trativo dos recursos sobre lançamentos. Esse órgão poderá ser paritário, crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza
com funcionários da Prefeitura e cidadãos desvinculados da Administra- desta".
ção Municipal,39 consoante a índole democrática, e os recursos poderão

38. STF, RTJ72/186, RDA 100/151 e 112/196; TASP, RT259/478 e 286/699.


2. 7.1 Exigibilidade
39. Advertimos que os vereadores não podem fazer parte de Conselho de Tribu- A exigibilidade do crédito tributário pode ser suspensa por: morató-
tos, porque tais órgãos pertencem ao Executivo e desempenham atribuições nitidamen-
te administrativas - incompatíveis, portanto, com as funções legislativas dos membros
ria, concedida em caráter geral ou individual, nos termos do Código Tri-
da Câmara Municipal. butário (arts. 152-155); depósito do seu montante integral, para fins de im-
182 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

pugnação, reclamação ou recurso administrativo; reclamações e recursos


administrativos; concessão de medida liminar em mandado de segurança;
concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies
T v - FINANÇAS MUNICIPAIS

para o pedido de restituição será contado da data do pagamento antecipa-


do, e não mais da data do perfazimento da condição resolutória.
183

Cabe ressaltar que esta nova disposição contraria posição consolidada


de ação judicial; parcelamento (art. 151 do CTN).
do STJ, que acolhia o prazo de dez anos para a perda do direito de resti-
A Lei Complementar 10412001 introduziu no CTN o art. 155-A, de- tuição, isto é, cinco anos para a homologação e mais cinco para a solicita-
terminando que "o parcelamento será concedido na forma e condições es- ção da repetição do indébito. Provavelmente esta nova dü:;posição ensejará
tabelecidas em lei específica". Em outras palavras, a norma legal que o longa discussão judicial.
veicular somente poderá tratar dessa matéria. Prescreve, ainda, que, salvo
Há, ainda, um outro efeito, segundo o art. 4º da referida lei comple-
disposição expressa da lei em contrário, não haverá a exclusão da inci-
mentar. Expressamente dispõe que a norma do art. 3º é interpretativa - e,
dência de juros e multas (§ 1º) e, se necessário, as disposições relativas à
assim, terá o condão de atingir tanto os atos e fatos futuros como os preté-
moratória serão subsidiariamente aplicadas (§ 2º).
ritos, estribando-se no inciso I do art. 106 do CTN. Oportuno alertar, en-
A Lei Complementar 118, de 9.2.2005, acrescentou ao art. 155-A tretanto, que pelo mesmo inciso I fica excluída a aplicação de penalidade
mais dois parágrafos (§§ 3º e 4Q ), tratando especificamente do processo à infração dos dispositivos interpretados.
de recuperação judicial (Lei 11.10 1, de 9.2.2005), prevendo que lei deve-
rá dispor sobre as condições a serem atendidas na concessão do parcela- O STJ, porém, tem entendido que a mencionada disposição não tem
mento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial; e que, "natureza interpretativa" como expresso no texto do artigo incluído, con-
enquanto não existir tal lei, serão aplicadas as leis gerais de parcelamento forme decisão no REsp 503.844 (j. 28.9.2005, DOU 20.2.2006): "Quanto
do Município, desde que o prazo de parcelamento não seja inferior ao à LC n. 118/2005, a 1ª Seção deste Sodalício, no julgamento dos EREsp
concedido pela lei federal específica. n. 32.7943-DF, finalizado em 27.4.2005, posicionou-se à unanimidade,
contra a nova regra prevista no art. 3º da referida Lei Complementar. De-
cidiu-se que a LC inovou no plano normativo, não se acatando a tese de
2.7.2 Extinção que a mencionada norma teria natureza meramente interpretativa, restan-
A extinção do crédito tributário só se opera nos casos expressamente do limitada a sua incidência às hipótese verificadas após a sua vigência,
consignados nos onze incisos do art. 156 do CTN, merecendo destaque o em obediência ao princípio da anterioridade tributária".
pagamento, a decadência e a prescrição.
Assim, a extinção definitiva do crédito tributário vai ocorrer quando 2.7.3 Pagamento
da homologação expressa - ou tácita, no caso de omissão da Fazenda -,
visto que somente nesse momento se considerará realizada a condição re- O pagamento, por qualquer das modalidades previstas no Código Tri-
solutória de ulterior homologação, exigida pelo § 1º do art. 150 do CTN. butário (art. 162), ·produz efeito liberatório para quem o faz, embora não
signifique quitação geral do Fisco para com o contribuinte, porque poderá
Embora a extinção definitiva do crédito tributário ocorra apenas com
ter havido lançamento suplementar oportuno, ainda não recolhido, ou dé-
a homologação, a Lei Complementar 118, de 9.2.2005, em seu art. 3º, al-
bito anterior em aberto. Essa quitação só se dá mediante certidão negativa
terou essa sistemática no caso de pedido de restituição previsto no inciso I
de débito 40 - prova que a lei poderá sempre exigir, mas será dispensável,
do art. 168 do CTN - nas hipóteses de pagamento indevido ou a maior, ou
independentemente de disposição legal permissiva, quando se tratar de ato
por erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota
destinado a evitar caducidade de direito (CTN,arts. 205-208).
aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferên-
cia de qualquer documento relativo ao pagamento (casos dos incisos I e II Os arts. 157 a 163 do CTN, ao disporem sobre o pagamento, es-
do art. 165) -, determinando que, "para efeito de interpretação do inciso I tabelecem, entre outras regras, que, não havendo prazo fixado, será ele
do art. 168 do Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário obrigatório trinta dias após a notificação do lançamento, permitindo-se
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no mo-
mento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 do Código 40. STF, RF 1931118, RT 300/708; TJDF, RT 299/690. Consulte-se, a propósito,
Laan de Oliveira Barros, "Considerações sobre a certidão negativa de tributos", in Fi-
Tributário Nacional". Desta maneira, o prazo prescricional de cinco anos nanças Públicas Municipais (Revista da Prefeitura Municipal de São Paulo) 3/99.
184 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 185

desconto pela sua antecipação; regulam, também, a forma do pagamento, Decorrido o lapso prescricional, o direito material permanece, mas, por
a ordem em que serão aplicados, no caso de haver vários débitos a serem lhe faltar a ação (direito formal), em nada serve a seu titular: é como se
quitados, e a incidência de juros de mora, que não poderá ser maior que estivesse extinto. Por isso mesmo, só indiretamente se pode dizer que a
1% ao mês. prescrição extingue o crédito tributário, como o fez o CTN no seu art.
O pagamento indevido tem regras especiais, contidas nos arts. 165 156, V.
a 169, que dispõem ser desnecessário o prévio protesto e enumeram os
moti,:os ~ue ensejar~o ~ restituição total ou parcial do tributo. Exigem a 2.7.5 Prescrição
autonzaçao do contnbumte de fato para a restituição dos tributos indiretos
ou a comprovação de não ter havido sua repercussão e, ainda, fixam o A prescrição fulmina o crédito tributário se a ação para sua cobrança
prazo ?~ cinco a~o: para ~l~itear a restituição e de dois anos para a ação não for iniciada nos cinco anos seguintes à data do lançamento definitivo
anulatona da declsao admlll1strativa que denegá-la. (CTN, art. 174).
Ao contrário da decadência, que flui contínua e ininterruptamente, a
2.7.4 Decadência prescrição admite a interrupção de seu prazo nos casos previstos no pará-
grafo único do art. 174 (com a alteração da Lei Complementar 118/2005
A decadência extintiva do crédito tributário decorre, segundo o Códi- quanto ao inciso I): pelo despacho do juiz que ordenar a citação em exe-
go Tribu~á?o, do perecim~n~o. ~o direito da Administração ao lançamento, cução fiscal (e não mais pela citação pessoal do devedor); pelo protesto
ato-condlçao para sua eXIgIbIlIdade, operando-se em cinco anos conta- judicial; por qualquer ato judicial que constitua o devedor em mora; por
dos: aI do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lan~amento qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconheci-
podena ser efetuado; b) da data em que se tomar definitiva a decisão admi- mento do débito pelo devedor (art. 174, parágrafo único). Uma vez inter-
nistrativa ou judicial que houver anulado o lançamento anterior, por vÍCio rompida - o que pode ocorrer por mais de uma vez -, a prescrição volta a
formal: c) da data em que f~r iniciado o procedimento para o lançamento, correr por inteiro a partir da data em que se verificou a interrupção. 41
entendida como tal a da nohficação ao sujeito passivo de qualquer medida A nova redação do inciso I do art. 174 do CTN deu às Fazendas PÚ-
preparatória indispensável à sua efetivação. blicas um extraordinário instrumento na tentativa de receber seus créditos
,A.lém ~ess~s. hipót~ses, previstas no art. 173 e seu parágrafo do CTN, tributários. Basta, agora, o simples despacho do juiz para terem elas mais
o credIto tnbutano extmgue-se também se, nos casos de lançamento por cinco anos para efetuar a cobrança. Interessante notar que esta disposição
hom~logação (o chamado "auto lançamento"), este não for homologado já constava da Lei 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), mas nossas
em C1l1CO anos (ou outro prazo fixado em lei), contados da ocorrência Cortes não aceitavam sua aplicação, uma vez que o Código Tributário,
do fato gerador, salvo se o sujeito passivo agiu comprovadamente com como lei complementar, elencava taxativamente as situações que inter-
dolo, fraud: ou sim~lação (art. 150, § 4º). Ao instituir o lançamento por rompiam a prescrição, e não podia ser alterado por lei ordinária. Agora, a
homolog.açao, o legIslador procurou resguardar o Fisco contra possível modificação é válida, pois a lei que a introduziu é lei complementar.
desonestIdade do contribuinte, antecipando o marco inicial da decadência Também diversamente do que ocorre com a decadência, a prescrição
para ? "~utolançamento" lícito e protraindo seu prazo fatal para o feito pode ser suspensa - isto é, paralisada -, voltando a fluir, pelo tempo res-
com IlICItude. Re.ah~ent,e,. comprovados o dolo, a fraude ou a simulação, tante, uma vez cessados os motivos que determinaram a suspensão, tais
no prazo que. a leI tnbutana estabelecer ou no qüinqüênio, se omissa, nas-
ce para a entIdade tributante o direito ao lançamento de oficio (CTN art. 41. Diversamente do que muitos erroneamente pensam, a prescrição das ações
149, VII), que deverá ser realizado dentro dos prazos previstos no art.' 173 da Fazenda Pública não é abrangida pelas disposições do Decreto (com força de lei)
e seu parágrafo único. 20.910, de 6.1.1932, alterado pelo Decreto-lei 4.597, de 19.8.1943, que cuida da pres-
crição qüinqüenal das ações contra a Fazenda Pública. Destarte, na falta de normas
. Conv~m. lembrar que a decadência difere da prescrição porque ex- específicas, a prescrição das ações da Fazenda Pública continua regida pelas disposi-
tzng.ue o dlr~lt~ (no caso, o crédito tributário), enquanto esta última, sem

.j
ções pertinentes do Código Civil, inclusive quanto à sua interrupção (arts. 172 e ss.
cogItar do dIreIto material, apenas retira do seu titular a possibilidade de do CC de 1916; arts. 202 e ss. do CC de 2002). Sobre a prescrição das ações contra a
recorrer às vias judiciais para sua defesa - vale dizer, extingue a ação. Fazenda Pública, v., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., Capítulo Xl,
subitem 7.6.
r~
186 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

como a moratória e a remissão, previstas nos arts. 155, parágrafo único, e


172, parágrafo único, do CTN.
r
I
I
2.7.7 Exclusão
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 187

A exclusão do crédito tributário é a dispensa legal da obrigação de


pagar o tribut042 ou a penalidade pecuniária, pela ~x~lusão da i~f~ação,
2.7.6 Demais modalidades de extinção
respectivamente pelos institutos da isenção e da anzstza, se~ preJ~IZ? do
Inclui-se dentre as modalidades de extinção do crédito tributário a I cumprimento das obrigações acessórias (CTN, art. 175, paragrafo UlllCO).
consignação em pagamento, constante do inciso VIII do art. 156 do CTN A exclusão afasta a possibilidade de se concretizar o crédito tributário, só
e regrada pelo art. 164, que relaciona os casos de seu cabimento e os efei- atingindo, portanto, o não constituído mediante lançamento, nos termos
tos da decisão que for proferida, j á que a consignação tem natureza de do Código Tributário Nacional. Uma vez formalizado o lançament~, a me-
ação judicial. dida legal que beneficia o contribuinte, liberando-o total ou parCIalmen-
Também a compensação - contemplada no inciso II do art. 156 e te da obrigação de pagar, é a remissão, que extingue o crédito tributário
tratada no art. 170 - extingue o crédito tributário, ao permitir sua compen- (CTN, arts. 156, IV, e 172).
sação com créditos líquidos e certos do contribuinte, quer sejam vencidos A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de
ou vincendos; mas, neste caso, não poderá haver uma redução maior que 4.5.2000 - LRF) veda a renúncia de receita pelos Municípios, estabele-
o juro de 1% ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação cendo que a concessão ou ampliação de incentivo ou beneficio de natureza
e a do vencimento. Exige-se texto legal para esta autorização, não se ad- tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de
mitindo a compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exerc~cio em que ~eva
contestação judicial pelo sujeito passivo antes do trânsito em julgado da iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao dISPOS~O na leI ~e
respectiva decisão judicial. diretrizes orçamentárias (LDO) e a pelo menos uma das segumtes condI-
A transação, prevista no inciso III do art. 156, extingue o crédito ao ções: demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada ~a
criar a possibilidade da celebração de um acordo entre Fisco e contribuinte estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que nao
para pôr fim ao litígio, mediante concessões mútuas, as quais devem estar afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da LDO;
previstas em lei. ou deverá estar acompanhada de medidas de compensação, no período
O inciso IV do art. 156 relaciona a remissão, prevista no art. 172, mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da
como perdão do crédito, mas que só terá cabimento desde que atendidas elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação
uma das cinco situações enumeradas. A remissão poderá ser parcial ou de tributo ou contribuição (LRF, art. 14, I e II).
total, mas obrigatoriamente exige o cumprimento do art. 14 da Lei de Res- O § 1º do art. 14 da LRF esclarece que a renúncia compreende: anis-
ponsabilidade Fiscal (Lei Complementar 10 1, de 4.5.2000 - LRF). tia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em ca-
Com o advento da Lei Complementar 104/2001 mais uma forma de ráter não-geral, alteração de alíquota ou modificação d~ b~s: de cálculo
extinção foi introduzida, consagrando o que já vinha sendo admitido na que implique redução discriminada de tribut.os ou ~ontnbU1çoes, e outros
jurisprudência. É a dação em pagamento de bens imóveis. Caberá à lei beneficios que correspondam a tratamento dIferenCIado.
municipal estabelecer a forma e as condições a serem atendidas. A vedação do art. 14 da LRF não se aplica às alte~ações ~a~ alíquo-
Da mesma maneira que a dação em pagamento de bens imóveis era tas dos impostos de importação, exportação, produto~ mdus~nahzados e
aceita, embora não incluída no rol do art. 156, várias Municipalidades têm sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relatIvas ~ tI~los ou ,,:a-
tentado permitir a extinção do crédito por meio da dação em pagamento lores mobiliários. Também não se aplica a vedação da renunCia de receIta
de bens móveis. Por todos os argumentos utilizados para a validação da ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos
primeira, provavelmente também será acolhida a dação de bens móveis, se
custos da cobrança.
não em texto legal, ao menos em decisões jurisprudenciais.
A isenção, quando não concedida em caráter geral, de?~nd.erá d?
Advirta-se, todavia, que, como a obrigação tributária é ex lege, seu despacho da autoridade administrativa, com natureza declaratona, Junto a
respectivo crédito só poderá ser extinto desde que autorizado por lei do
ente competente, atendidas as condições nela estabelecidas. 42. Fábio Fanucchi, Curso ... , v. I, pp. 367 e ss.
188 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 189

qual o interessado fará a prova do cumprimento das condições e dos requi- Dívida ativa tributária é a proveniente de crédito tributário devida-
sitos previstos, e não gerará direito adquirido, como consta dos arts. 175 e mente inscrito em livro próprio da repartição competente após o esgota-
ss. do CTN. Dada sua semelhança com o instituto da imunidade, a isenção mento do prazo fixado para o pagamento pela lei ou por decisão definitiva,
será melhor examinada em tópico abaixo, juntamente com esta última. administrativa ou judicial (CTN, art. 201 e parágrafo único do art. 202).
A inscrição deverá atender aos requisitos do art. 202 do CTN, sob pena de
2.7.8 Anistia nulidade, sanável até a decisão de primeira instância, mediante substitui-
ção da certidão dela extraída (art. 203).
A anistia é a modalidade de exclusão que abrange unicamente o cré- A certidão da inscrição do débito tributário, que assim se constitui em
dito tributário decorrente de infrações cometidas anteriormente à lei que dívida ativa, é o título que habilita a Administração a promover a execu-
a conceder (CTN, art. 180). A anistia, que pode ser concedida em caráter ção fiscal (CPC, art. 585, VI), devendo, por isso mesmo, conter todos os
geral ou limitadamente, não se aplica às infrações resultantes de atos tipi- dados necessários à inscrição, bem corno a indicação do livro e da folha
ficados como crime ou contravenção ou praticados com dolo, fraude ou si- em que foi lavrado o respectivo termo (CTN, art. 202, parágrafo único).
mulação contra o Fisco, bem como aos oriundos de conluio entre pessoas A inscrição regular do débito tributário faz presumir sua liquidez e
naturais ou jurídicas - salvo, neste último caso, expressa disposição em certeza, só afastáveis por prova plena de sua ilegitimidade. Essa presun-
contrário da lei beneficiadora (art. 180, I e II). Consubstanciando renúncia ção, embora relativa, subsiste enquanto não for invalidada pelo devedor
de direito, a anistia só pode ser concedida por lei da entidade estatal titular ou terceiro a que aproveite (CTN, art. 204 e parágrafo único).
do crédito tributário e deve atender ao disposto do art. 14 da Lei de Res-
O crédito tributário, ainda que inscrito como dívida ativa, pode ser ex-
ponsabilidade Fiscal.
tinto pela remissão, prevista no Código Tributário Nacional (arts. 156, IV,
A anistia, quando não concedida em caráter geral, dependerá de des- e 172), ou por lei que determine o cancelamento da inscrição, geralmente
pacho meramente declaratório da autoridade administrativa, diante de para liquidar as execuções fiscais de créditos de diminuta importância.
prova do atendimento das condições e dos requisitos exigidos. Mas não Ainda sobre o processo de execução fiscal, é conveniente acrescentar
gerará direito adquirido, na forma prevista nos arts. 180 e ss. do CTN. que duas significativas mudanças foram introduzidas em nosso ordena-
mento jurídico. Trata-se do art. 185-A do CTN, introduzido pela Lei Com-
2. 7.9 Cobrança judicial plementar 118, de 9.2.2005, que privilegia o Fisco, permitindo que o juiz
determine a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor tributário
A cobrançajudicial do crédito tributário ou dívida ativa do Municí- regularmente citado caso não sejam encontrados bens para penhora, fazen-
pio e de suas autarquias ainda é regida pela Lei 6.830, de 22.9.1980, com as do a devida comunicação ("preferencialmente por meio eletrônico" - diz
alterações introduzidas pela Lei 11.051, de 29.12.2004, e por disposições a lei) aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de
gerais do Código de Processo Civil, que devem ser aplicadas subsidiaria- bens, para que façam cumprir a ordem judicial, os quais deverão enviar
mente nos executivos fiscais. Essa lei tem, assim, natureza substantiva e ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade
adjetiva, dispondo materialmente sobre o crédito tributário, suas consti- houverem promovido. Se a referida indisponibilidade ultrapassar o valor
tuição e inscrição, e processualmente sobre o procedimento da cobrança total do débito, deverá o juiz determinar o imediato levantamento dos bens
emjuízo. 43 É uma lei altamente favorável ao Fisco, chegando a desigualar ou valores que excederem esse limite. Cremos que esta regra será objeto de
processualmente as partes e contendo disposições que se nos afiguram contestações quanto à sua legalidade e constitucionalidade, especialmente
inconstitucionais, por ofensa a direitos impostergáveis do contribuinte. No por ferir direitos do cidadão, como sua privacidade e sigilo. Sendo recente
que tange à execução fiscal de crédito tributário hão de ser observadas, a adição, aguardemos a orientação das decisões futuras. A outra mudança
ainda, as prescrições pertinentes do Código Tributário Nacional sobre a diz respeito ao acréscimo do § 4º ao art. 40 da Lei das Execuções Fiscais
dívida ativa tributária (arts. 201-204). (Lei 6.830/1980) pela Lei 11.051, de 29.12.2004,44 que, a fim de dirimir

43. A Lei 6.830/1980 deve ser aplicada e interpretada à luz do Código Tributário 44. A decretação ex o./ficio da prescrição intercorrente (que se opera no curso da
Nacional, da Lei 4.320/1964 e da atual Constituição Federal. demanda) na hipótese do art. 40 da Lei 6.830/1980 sempre foi ponto de divergência en-
190 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

as dúvidas exi~t~ntes: dispôs sobre a possibilidade de o juiz, ex officio, de-


cretar a prescnçao, dIante da inércia do Fisco, após cinco anos da decisão
que ~rdenar o arquivamento dos autos pelo fato de o devedor não ter sido
r v- FINANÇAS MUNICIPAIS

Embora a imunidade só possa ser instituída pela Constituição, nada


impede seja regulamentada por lei que esclareça e facilite seu auferimen-
to, desde que não amplie nem restrinja o disposto no texto constitucional.
191

localIzado ou não terem sido encontrados bens penhoráveis. Aliás, com relação a partidos políticos, a entidades sindicais e instituições
. Por fim, co?vé~ al~rt~~ para o c~idado ao se apreciar dispositivos da educacionais ou assistenciais a própria Constituição defere à lei comple-
LeI 6.830, que e leI ordmana e, por Isto, como antes mencionamos não mentar o estabelecimento de requisitos para o gozo da imunidade (arts.
tem o condão de ~lterar disposições do Código Tributário Nacional: que 150, VI, "c" e 146, II ).47-48
tem natur~za d~ leI comple~entar. Pode-se afirmar que a jurisprudência de As imunidades tributárias devem ser interpretadas e aplicadas nos
nossos TnbunaIs acolhe pacIficamente essa impossibilidade jurídica. estritos termos da Constituição, mesmo porque constituem exceção ao
princípio da igualdade fiscal;49 mas levando em conta uma interpretação
2.8 Imunidade e isenção ampliativa, visto que garantem valores próprios da sociedade. Bernardo
Ribeiro de Moraes sustenta50 que as normas imunitárias devem ser inter-
. Ir::unidade e isençã? tributárias são institutos distintos, mas na prá- pretadas através de exegese ampliativa. Não podem ser restritivamente
tlC~ ve~ sendo confundIdos, com graves danos para sua interpretação e interpretadas, uma vez que o legislador menor ou o intérprete não po-
aphcaçao.
dem restringir o alcance da Lei Maior. Exemplo dessa extensão pode ser
Imunidade tributária é a vedação constitucional de tributação de cer- dado com a imunidade dos templos de qualquer culto e das instituições de
tas ?e~soas, bens, serviços ou atividades, como OCorre com as enumeradas educação e assistência social quando exploram determinadas atividades
n? mCISO VI do art. 150 da CF, quais sejam: "a) patrimônio, renda ou ser- comerciais. Ajurisprudência, na atualidade, orienta-se no sentido de que,
VIÇOS, ~s dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio renda se os recursos daquelas atividades forem aplicados na própria finalidade
o." s~rv~ços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das en~idades essencial, merecem o resguardo imunizador. 51
smdlcaIs dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
soc~~l,.sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, 47. Esses requisitos, fixados no Código Tributário Nacional, são: a) proibição
penodIcos e o papel destinado à sua impressão" - com as extensões e res~ de distribuição de lucro ou participação; b) obrigação de aplicação integral no país
trições previstas nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo art. 150.45 de seus recursos para a manutenção de seus objetivos institucionais; c) escrituração
de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem sua
~ ir~1Unidade é a. não-incidência46 da tributação por mandamento exatidão (art. 14).
constltu~lOnal; e, por ISSO mesmo, não pode ser contrariada restringida 48. "( ... ). II - Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, 'c', e 146, lI): 'instituições
ou a:np.lIad~ por lei o~dinária. Sendo um mandamento da Co~stituição da de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da
Rep~~hca, e de atendimento obrigatório por todas as entidades tributantes lei' - Delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei
- Umao, Estados-membros e Municípios -, que jamais poderão desconhe- complementar e da lei ordinária - ( ... ) 1. Conforme precedente no STF (RE n. 93.770,
cê-la ou desaplicá-Ia. Muí'íoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei
ordinária no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre
a consti~içãO e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não
trc a doutrina e nossos Tribunais (cf. REsp 613.685-MG; AgReg no REsp 662 748-BA- o que diga respeito aos lindes da imunidade, o que, quando suscetíveis de discipli-
REsp 661.726-RS; REsp 674.974-PE). . ,
na infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. ( ... )" (ADln 1.802-3, reI.
45: Is.cnções extensivas às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Min. Sepúlveda Pertence, DJU 13.2.2004 e Revista Dialética de Direito Tributário
Pode.r PublIco no 9u.e se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas 103/199). Cf., também, Edgard Neves da Silva, Curso de Direito Tributário, p. 209.
fi~ahdade~ essenCIaIS ou delas decorrentes, exceto as resultantes de atividades econô- 49. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 284.
mIcas regldas_ pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja 50. Bernardo Ribeiro de Moraes, Curso de Direito Tributário - Sistema Tributá-
contraprestaçao o~ pagame~to de preços ou tarifas pelo usuário, e sobre o patrimônio, rio da Constituição, p. 407.
~ re.nd.a : os servIços relaCIOnados com as finalidades essenciais dos templos e das 51. RE 237.718-SP: "Imunidade tributária do patrimônio das instituições de
InstItUlçoes enumeradas na alínea "c" do inciso VI do art. 150 da CF.
assistência social (CF, art. 150, VI, 'c'): sua aplicabilidade de modo a preexcluir a
Sobre. as d!ferenças entre imunidade e isenção tributárias, cf. texto de Edgard incidência do IPTU sobre imóvel de propriedade da entidade imune, ainda quando
Neves da SIlva, In Curso de Direito Tributário, cit., p. 255.
alugado a terceiro, sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades
46. Fábio Fanucchi, Curso ... , v. I, pp. 380-381. institucionais" (reI. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 6.9.2001, p. 21); e RE 235.737-SP:
192 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 193

As imunidades podem ser subjetivas, objetivas ou mistas. A imuni- ato será meramente declaratório do beneficio legal, desde que o contri-
dade será subjetiva se a situação prevista levar em conta qualidades da buinte comprove a satisfação de todos os requisitos exigidos pela norma
pessoa imune; e será objetiva se as qualidades em questão forem do bem. disciplinadora da isenção, conforme o disposto no art. 179 do CTN. Ine-
Mista será aquela que exige as duas qualificações. Exemplifiquemos: a xistindo lei, nula será a isenção dada por decreto ou qualquer outro ato
imunidade relativa aos partidos políticos, às instituições de educação e administrativo,53 escritura pública ou contrato (art. 176 do CTN).
assistência social (art. 150, VI, "c") é subjetiva; a concedida aos livros, aos As isenções, sendo exceções ao princípio da igualdade fiscal, devem
jomais e aos periódicos (art. 150, VI, "d") é objetiva; e aquela que exige ser interpretadas restritamente (art. 111 do CTN), sem extensão a casos
que a propriedade rural tenha determinada área e que o proprietário não não contemplados na lei. 54 Por idêntica razão, só merecem ser concedidas
tenha outro imóvel (art. 153, § 4º, II) é mista. quando atendam a uma finalidade pública ou colimem interesses coletivos
A isenção tributária (CTN, arts. 175, II, e 179), diversamente da imu- relevantes, que justifiquem o particularismo do beneficio fazendário. O
nidade, é dispensa legal do pagamento do tributo devido, como vimos pre- único juiz dessa conveniência é o Legislativo, por iniciativa de qualquer
cedentemente, ao examinar o instituto da exclusão do crédito tributário. É de seus membros ou do Chefe do Executivo.
uma liberalidade fiscal concedida por lei a certas pessoas, bens, serviços A Constituição Federal veda à União a outorga de isenções de tributos
ou atos reputados de interesse público e, por isso mesmo, aliviados do que não sejam de sua competência (art. 151, III).55 Note-se, contudo, que
encargo tributário. A Lei de Responsabilidade Fiscal veda a renúncia de a EC 37, de 12.6.2002, acrescentou o inciso III ao § 3º do art. 156, pre-
receita para a concessão de isenção em caráter não-geral (art. 14). A imu- vendo que com relação ao imposto sobre serviços de qualquer natureza,
nidade afasta a possibilidade da incidência do tributo sobre os bens das de competência municipal, cabe à lei complementar regular a forma e as
pessoas imunes; a isenção reconhece a incidência mas dispensa o paga- condições como isenções, incentivos e beneficios fiscais serão concedi-
mento desde que ocorram as circunstâncias de direito e de fato que legiti- dos e revogados. E no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
mam a liberação do tributo. Por isso se diz que a imunidade é absoluta; a introduziu o art. 88, estabelecendo que, enquanto lei complementar não
isenção é relativa. A imunidade é da alçada constitucional; a isenção é da disciplinar o disposto no inciso III do § 3º do mencionado dispositivo
lei. A imunidade é estabelecida pelo poder constituinte para operar efeitos constitucional, o ISS não será objeto de concessão de isenções, incentivos
em todas as entidades sujeitas à Constituição; a isenção é dada por lei do e beneficios fiscais que resultem, direta ou indiretamente, na redução da
poder tributante. A regra, portanto, em tema de isenção é a de que somente alíquota mínima de 2%, exceto para os serviços a que se referem os itens
pode isentar quem pode tributar. 52 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406/1968 (ADCT,
Assim sendo, as isenções de tributos municipais hão de ser concedi- art. 88, I). A Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o ISS, estabe-
das por lei municipal (CF, art. 150, § 6º) e, conseqüentemente, só por lei leceu a alíquota máxima de 5%, mas nada disse sobre a alíquota mínima,
idêntica podem ser suprimidas ou modificadas. Prática inteiramente ilegal vigorando, portanto, a de 2%, estabelecida no art. 88 do ADCT.
é a concessão de isenções por ato administrativo do prefeito. O chefe do As isenções podem ter caráter unilateral e incondicional ou bilateral e
Executivo só pode deferir as isenções nos termos da lei isentadora. Seu contratual, como, também, podem ser subjetivas ou objetivas e mistas.
"Instituição de educação sem finalidade lucrativa - ITBI - Imunidade. ( ... ). Esta Corte,
por seu Plenário, ao julgar o RE n. 237.718, firmou o entendimento de que a imunidade 2.8.1 Isenções unilaterais
tributária do patrimônio das instituições de assistência social (art. 150, VI, 'c', da CF)
se aplica para afastar a incidência do IPTU sobre imóveis de propriedade dessas insti- Isenções unilaterais ou incondicionadas são aquelas que o Poder PÚ-
tuições, ainda quando alugados a terceiros, desde que os aluguéis sejam aplicados em blico concede sem exigir qualquer contraprestação por parte do benefi-
suas finalidades institucionais. Por identidade de razão, a mesma fundamentação em
que se baseou esse precedente se aplica a instituições de educação, como a presente, 53. STF, RDA 251170, 35/205 e 36/207; TFR, RDA 15/129; TJSP, RT 177/848,
sem fins lucrativos, para ver reconhecida, em seu favor, a imunidade relativamente ao 242/304,251/416 e 288/298; TASP, RT265/727.
ITBI referente à aquisição por ela de imóvel locado a terceiro, destinando-se os alu- 54. STF, RMS 10.254-SP (proc. 37.002/60, do 1Q Oficio da Fazenda Nacional de
guéis a serem aplicados em suas finalidades institucionais" (reI. Min. Moreira Alves, São Paulo). O Código Tributário Nacional veda a aplicação da eqüidade para a dispen-
DJU 17.5.2002, p. 67)
sa de pagamento de tributo (art. 107, § 2Q) e determina a interpretação literal das leis
52. STF, RDA 50/86; TJSP, RT 189/914 e 222/303; TASP, RDA 461136· 1Q TA- que outorguem isenções (art. 111, I1).
CivSP, RT 747/28 1. '
55. Cf. 1Q TACivSP, RT 747/28 1.
194 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 195

ciário e sem estabelecer condições ou prazo para seu auferimento. Tais 2.8.3 Isenções subjetivas
isenções constituem atos típicos de liberalidade fiscal, embora visando a
objetivos de interesse público; e, por isso mesmo, podem ser suprimidas e Isenções subjetivas ou pessoais são as concedidas tendo-se em vista
modificadas a qualquer tempo (CTN, art. 178). Não geram direitos subje- o sujeito passivo do tributo; e, por isso mesmo, só se aplicam à pessoa
tivos individuais à sua continuidade, e quando não concedidas em caráter beneficiada; não se transmitem aos sucessores, nem se transferem a outros
interessados, embora em situação idêntica à do isento. São exemplos dessa
geral- sendo, portanto, individualizadas por condições ou requisitos - de-
modalidade de isenção as que auferem certas pessoas por terem prestado
pendem de requerimento do interessado para sua percepção, não gerando
relevantes serviços à Pátria.
direito adquirido se as condições ou requisitos não foram ou não vierem a
ser cumpridos (CTN, art. 179 e §§).
2.8.4 Isenções objetivas

2.8.2 Isenções bilaterais Isenções objetivas ou reais são as que se endereçam a determinados
atos, bens ou serviços sem se levar em consideração a pessoa que as au-
Isenções bilaterais, condicionadas ou contratuais são aquelas que o fere. Essas isenções alcançam todos aqueles que se encontram na mesma
Poder Público concede exigindo do contribuinte alguma contraprestação situação de fato prevista na lei isentadora e se transmitem aos sucessores,
ou impondo condições ou prazo para a percepção de seus benefícios. Nesta desde que conservem a situação do sucedido. É o que ocorre com as isen-
hipótese a isenção resulta de um ato negociaI entre o particular e a Admi- ções a produtores de determinados gêneros, aos pequenos agricultores, e
nistração, presumindo-se a ocorrência de vantagens e encargos recíprocos, outras mais que objetivam incrementar certas atividades convenientes ou
razão pela qual não pode ser suprimida ou alterada por lei posterior sem necessárias à comunidade.
que se respeitem as situações individuais anteriores, coristituídas na for-
ma da lei precedente. Tais isenções, desde que deferidas por ato jurídico 2.8.5 Isenções mistas
perfeito, geram direitos subjetivos individuais para seus beneficiários, e
sua continuidade pode ser defendida judicialmente, nos termos da lei e do Como nas imunidades, isenções mistas são aquelas em relação às
quais, para sua concessão, se exige o atendimento de certas condições
contrato firmado com o poder tributante. 56
pessoais e objetivas ao mesmo tempo. Portanto, deixando de ser atendida
Essas isenções são dadas, comumente, como estímulos extrafiscais uma delas, não será concedida a isenção.
para a instalação de determinadas indústrias ou para o exercício d.e certas
atividades consideradas úteis ou necessárias à coletividade e, por ISSO, fa-
cilitadas com vantagens fiscais aos que se propõem a realizá-las na forma 2.9 Incidência e não-incidência
estabelecida na lei isentadora. Desde que o interessado satisfaça as exigên- Os conceitos de incidência e de não-incidência são fundamentais
cias legais, adquire o direito ao benefício concedido pelo Fisco, não sendo para a correta aplicação das leis fiscais, o que justifica plenamente seu
lícita, daí por diante, sua supressão ou modificação sumária, por incompa- exame nesta oportunidade.
tível com a estabilidade dos atos jurídicos negociais (CTN, art. 178).57 A Incidência é a queda do tributo sobre a pessoa do contribuinte, pela
lei pode extingui-las para o futuro, desde que respeite as existentes. ocorrência do fato gerador. Por outras palavras, verifica-se a incidência do
tributo quando a lei tributária alcança o contribuinte. Na feliz expressão de
56. STF, RDA 40/246; TJSP, RDA 32/276; TASP, RDA 50/82, RT 259/478. Ob- Dídimo da Veiga, a incidência "é o fenômeno da apreensão do contribuinte
serve-se que o contrato não pode fugir às condições, requisitos e prazos estabelecidos pelo imposto". É, pois, a subsunção à descrição prévia e abstrata de uma
na lei isentadora (CTN, art. 176). situação pela lei, que institui um tributo, associada a um comando, deter-
57. A copiosa jurisprudência que o CTN consagrou no seu art. 178 cristalizou-s.e minando o recolhimento da exação. É dizer: havendo um fato econômico,
na Súmula 544, de 1969, nestes termos: "Isenções tributárias concedidas sob condi-
ções onerosas não podem ser livremente suprimidas". v., a propósito, o voto do ~nt~o
o legislador lhe dá relevância jurídica, colocando-o como hipótese de inci-
Ministro Aliomar Baleeiro proferido no STF nos RMS 19.107/68 e 19.032/68 (DIreIto dência da norma. Ocorrido o fato, haverá a oneração e, conseqüentemente,
Tributário ... , 11 ª ed., pp. 949-950). o dever de pagar o tributo, pois nascida a obrigação tributária.
;,.-
:§:.
196 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 197

Não-incidência é a falta de ocorrência do fato gerador do tributo, especificação constitucional dos impostos de competência da ~niã~, ~st~­
por estar o sujeito passivo fora do alcance da lei tributária. Não se pode dos Distrito Federal e Municípios (CF, arts. 153-156) obstam a eXigenCla
confundir, também, não-incidência com isenção, porque nesta o tributo de dois tributos sobre o mesmo objeto por duas entidades diferentes - o
incide mas o contribuinte é dispensado do seu pagamento, ao passo que que, de resto, consubstanciaria invasão de competência'pe~a entidade que
naquela (não-incidência) não chega a recair sobre o contribuinte. Na isen- exigisse imposto que a Constituição Federal não lhe atnbUlsse.
ção reconhece-se que o tributo é devido mas não precisa ser pago; na Com efeito, tratando-se de impostos a Constituição da República já
não-incidência considera-se o sujeito fora do campo da tributação, por repartiu rigidamente as competências, tomando-as exclusivas. das enti-
não abrangido pela legislação fiscal de determinado tributo. Daí por que dades contempladas, e só à União concedeu a faculdade de cnar outros,
o isento deve ser inscrito e lançado como contribuinte para, depois, ser desde que não atribuídos ao Estado ou Município e não tenham base de
dispensado do pagamento, ao passo que o não-alcançado pela incidência cálculo e fato gerador idênticos aos previstos em seu texto (art. 154, I).
fica livre de qualquer exigência fiscal, por não estar sujeito a qualquer Quanto aos demais tributos (taxas e contribuição de melhoria), al~m de
obrigação tributária. constitucionalmente relacionados a atividades específicas das entIdades
A não-incidência, destarte, seria o inverso ou o reverso da incidência. tributantes, sua instituição e arrecadação deverão ser feitas em conformi-
Na discriminação constitucional de rendas os fatos econômicos são ou- dade com a lei complementar prevista no art. 146 da mesma CF para, entre
torgados à competência de determinado ente tributante - porém, o legis- outras coisas, evitar os conflitos de competência, entre essas entidades, em
lador, ao exercê-la, resolve excluir alguns daqueles fatos, não lhes dando matéria tributária. Também, para as contribuições a Constituição outorgou
relevância jurídica, isto é, não os inserindo na hipótese de incidência ou competências privativas à União e por exceção deferiu aos Estados: Muni-
fato gerador. Por conseguinte, não lhes dando a natureza positiva de ju- cípios e ao Distrito Federal as contribuições criadas em face dos Sistemas
ridicidade, não são transformados em fato gerador, e, assim, mesmo que de previdência social dos respectivos funcionários (art. 149, § 1º) e. aos
venham a ocorrer, não estarão submetidos a qualquer oneração, ficando, Municípios e ao Distrito Federal a contribuição para custeio dos serviços
desse modo, na seara da desoneração. Mas é de sua essência que este efeito de iluminação pública (art. 149-A).
seja apenas momentâneo, po"is a qualquer instante, dependendo da vontade Por outro lado, só a União pode instituir contribuições diversas da
do próprio legislador, aqueles fatos econômicos poderão ser submetidos à contribuição de melhoria, para fins de intervenção no domínio econômico
incidência. ou no interesse da Previdência Social ou de categorias profissionais, bem
como empréstimos compulsórios (arts. 148, 149 e 195, § 6º).
2.10 Bitributação e "bis in idem" É de se esclarecer que podem coexistir, sem eiva de bitributação, o
imposto e a taxa, o imposto e a contribuição ou, ainda, a taxa e a con-
Bitributação e bis in idem são fenômenos tributários semelhantes em tribuição incidentes sobre o mesmo objeto, desde que o fato gerador ~e
seus efeitos econômicos para o contribuinte, mas diversos na sua origem um e de outro seja diverso. Se a mesma entidade tributante remontar tn-
e conceituação. butos da sua competência entende-se que houve, apenas, majoração ou
Bitributação é a dupla imposição de idêntico tributo sobre o mesmo duplicidade de lançamento, cabendo ao contribuinte demonstrar, em tal
objeto por parte de mais de uma entidade competente para sua institui- hipótese, a invalidade do procedimento fiscal, se contrário à legisla?ã~
ção. 58 A bitributação no atual sistema tributário brasileiro é praticamente tributária pertinente. Pode, ainda, uma atividade ou um fato ficar SUJei-
impossível, porque, embora seja da competência concorrente da União, to sucessivamente à imposição tributária da União, do Estado-membro e
Estados e Distrito Federal legislar sobre direito tributário (CF, art. 24, I), do Município, desde que estabelecida por lei federal, regulamentada por
as limitações constitucionais ao poder de tributar (CF, arts. 150-152) e a legislação estadual, mas adstrita à fiscalização municipal, no uso do po-
der de polícia loca1. 59 Assim ocorre com a edificação, que no seu aspecto
58. Bitributação, em sentido amplo, é toda imposição duplicada de tributo; mas técnico-profissional é disciplinada pela União (leis regulamentadoras do
na doutrina brasileira sempre foi entendida como resultado da utilização da competên- exercício da Engenharia e da Arquitetura), quanto à higiene e segurança
cia concorrente da União e do Estado em matéria de impostos, estabelecida no art. 21
da CF de 1946, que, entretanto, a vedava, dando prevalência ao imposto federal (cf.
Bernardo Ribeiro de Moraes, Sistema Tributário ... , v. I do Curso ... , pp. 510-512). 59. TJSP, RDA 60191.
.1
~
198 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

está sujeita à legislação estadual (Código Sanitário) e no que tange aos as-
pectos urbanísticos subordina-se às normas municipais (Código de Obras
e leis complementares).
r
I
v - FINANÇAS MUNICIPAIS

Pelo nosso ordenamento constitucional os tributos só podem ser ins-


tituídos pelas entidades políticas que dispõem do poder de tributar (União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios). A atuação desta com-
199

Bis in idem é a duplicação de tributo sobre o mesmo objeto pela mes- petência (art. 145) deve ser exercida pelo Poder Legislativo, para c~mprir
ma entidade tributante - o que equivale a uma elevação de tributo ou a um o princípio constitucional da legalidade (CF, art. 150, I). Essas entl?ades
imposto repetido, sem qualquer eiva de inconstitucionalidade. 6o Poderá não podem vincular o produto da arrecadação dos impostos a determlI~ado
haver falta de técnica nesse proceder fiscal, mas nada de ilegítimo, porque órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as exceções express~m~nte p~evI~t~s
o poder tributante é competente para qualquer imposição. Enquanto na bi- na Constituição Federal (art. 167, IV). Por outro lado, o COdIgO Tnbutano
tributação uma das imposições se toma indevida, no bis in idem ambas as Nacional só admite a delegação da arrecadação e da fiscalização de tribu-
incidências são legítimas, por oriundas do mesmo poder competente para tos, bem como da execução de leis, serviços, atos e decisões administrati-
tributar ou majorar seus tributos. O imposto repetido, em tal caso, opera vas em matéria tributária, a pessoas de direito público, não considerando
como um adicional do tributo originário. delegação o simples cometimento da atividade arrecadadora a pessoas de
direito privado (art. 7º, § 3º). Por lhe ser anterior, o Código Tributário não
cogitou da delegação prevista no art. 14~ e I?arágr~fo .ún~co da CF, pe!a
2.11 Parafiscalidade, extrafiscalidade qual a União pode deferir a órgãos prOfiSSiOnaiS ou SmdlCaiS a arrecadaçao
de contribuições para o custeio de suas atividades e execução de progra-
Aparafiscalidade e a extrafiscalidade são conceitos tributários novos
e distintos, mas nem sempre bem diferençados na prática. mas de interesse das categorias por eles representadas.
Caso típico da parafiscalidade é o das contribuições,. q.u~, como se
A parafiscalidadé 1 caracteriza-se pela transferência legal do tributo
viu, têm por característica sua arrecadação normalmente. dmgIda a outra
a entidade pública ou privada sem poder impositivo, mas com delegação
entidade, e não específica e diretamente aos entes ~ederativ?s -:- como, en-
estatal para sua arrecadação e aplicação fora do orçamento geral do poder
tre outras, as contribuições para a Seguridade SocIal, aos smdIcatos e aos
tributante. Assim, o que dá a tônica da parafiscalidade é a destinação ex-
sistemas de previdências dos agentes municipais.
pressa e específica da arrecadação, conforme disponha a lei.
A extrafiscalidade é a utilização do tributo como m~io de fOI?ento
A teoria da parafiscalidade - explica Emanuele Morselli - baseia-se ou de desestímulo a atividades reputadas convenientes ou mconvementes
na distinção das necessidades públicas em fimdamentais e complemen-
à comunidade. É ato de política fiscal, isto é, de ação de governo para o
tares. As primeiras correspondem às finalidades do Estado, de natureza
atingimento de fins sociais, através da maior ou menor imposição tributá-
essencialmente política (defesa externa e interna, justiça etc.); as segundas
ria. Pelas diferentes onerações pode-se estimular ou desestimular condutas
correspondem às finalidades sociais e econômicas, as quais, sobretudo re- dos contribuintes, visando sempre ao interesse público.
centemente, assumiram grandes proporções e exigiram novos recursos fi-
nanceiros. Assim, às necessidades fundamentais corresponde umafinança A função dos tributos evoluiu de simples meio de obtenção de recu~­
fundamental (de entes públicos territoriais), ao passo que às necessidades sos financeiros para as despesas públicas ao de consecução de fins poh-
complementares corresponde uma finança parafiscal (de entes institucio- tico-sociais através do emprego extrafiscal das imposições tributárias. 63
nais: autárquicos, estatais e paraestatais).62 Modernam~nte os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder
regulatório do Estado sobre a propriedade particu!ar e a~ atividades ~ri~a­
das que tenham implicações com o bem-est~r s~c~a1. ~te mes:n0 o DIreito
60. Bernardo Ribeiro de Moraes, Sistema Tributário ... , v. I do Curso ... , p. 512. Norte-Americano, tão cioso das liberdades mdlVlduals, admite essa nova
61. A expressão técnica parafiscalidade, embora já adotada em doutrina pelos função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou r~pressã~ da condu;a ~o
que formularam a teoria das finanças complementares, foi utilizada pela primeira vez
em documento financeiro, em 1946, no "Inventário Schuman", para designar uma clas- particular, segundo as exigências do interesse coletivo. Dal a advertencIa
se nova de receita destinada ao custeio de encargos econômicos e sociais. Deve-se,
entretanto, a Emanuele Morselli a primazia nos estudos das imposições parafiscais (cf. 63. Alberto Deodato, As Funções Extrafiscais do Imposto, pp. 96 e ss.; Rube.ns
Le Finanze degli Enti Pubblici Non-Territoriali, Pádua, 1943). Gomes de Sousa, Estudos ... , 1953, p. 83; Aliomar B.ale~iro, Limitações C::0~stituCIO.­
62. "Parafisca1idade e seu controle", in Publicação n. 3 do Instituto Brasileiro de nais ao Poder de Tributar, p. 162; J. H. Meirelles TeIxeIra, Estudos de Dzrelto Admz-
Direito Financeiro, 1954, p. 24. nistrativo, v. I, p. 304.
200 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 201

de Willoughby de que o tributo tanto pode resultar do tax power como do 2.12 Normas gerais de direito financeiro e de direito tributário
police power, conforme sua destinação meramente fiscal ou tipicamente
extrafiscal,64 reafirmando a clássica sustentação de Marshall, na Suprema A Constituição da República reservou à União, aos Estados e ao Dis-
Corte, de que "the power to tax involves the power to destroy".65 trito Federal competência concorrente para legislarem sobre direito finan-
ceiro e direito tributário (art. 24, I), limitando a competência da União
Com efeito, através da agravação do imposto pode-se afastar certas
atividades ou modificar a atitude dos particulares reputadas contrárias ao apenas à edição das normas gerais (cf. seu § 1º) e permitindo aos Estados
interesse público, como pelo abrandamento da tributação pode-se incenti- legislarem de forma suplementar sobre a matéria (art. 24, § 2º). A mesma
var a conduta individual conveniente à comunidade. Em ambos os casos o Constituição determinou, ainda, que na ausência da lei federal sobre nor-
tributo estará sendo usado com caráter extrafiscal, isto é, com função regu- mas gerais os Estados poderão exercer a competência legislativa plena
latória da atividade tributada, ficando em posição secundária sua primitiva para atender a suas peculiaridades (art. 24, § 32 ), até que sobrevenha a
destinação fiscal - ou seja, a receita. norma federal (§ 4º).
Assim, quando o Município majora o imposto territorial urbano dos Direito financeiro, ramo do direito público, é o conjunto harmônico
terrenos não-construídos na zona central da cidade não tem em vista, pre- de normas e princípios jurídicos que regem a atividade estatal no tocante
cipuamente, aumentar a arrecadação, mas sim compelir os proprietários à à realização da receita e à execução da despesa. Nesse sentido, corrente
edificação. Do mesmo modo, quando a Municipalidade concede isenção na doutrina,66 o direito financeiro abrange toda a matéria enunciada no
ou redução de impostos para a implantação de indústrias está fomentando art. 163 da CF - orçamento, despesa e gestão patrimonial e fmanceira de
o desenvolvimento industrial, necessário ao progresso da comunidade e natureza pública - e as que lhe são inerentes ou correlatas, como a conta-
que, de futuro, redundará num aumento da receita pública local, compen- bilidade pública e o controle orçamentário.
satória da liberalidade inicial. A extrafiscalidade, portanto, traduz-se numa Como vimos acima, à União só cabe editar normas gerais de direito
utilização social e política dos tributos para o atingimento de fins previa- financeiro, uniformes para todas as entidades estatais, competindo aos Es-
mente estabelecidos pelo legislador, por reputá-los de interesse público. tados, Distrito Federal e Municípios suplementá-las, nos termos dos arts.
Entretanto, a linha divisória entre afiscalidade (receita) e a extrafis- 24, I, e § 22 , e 30, lI, da CF.
calidade (direcionamento de condutas) é por vezes muito tênue, tomando, Direito tributário, ramo do direito público, é o conjunto harmônico
por isto, difícil caracterizar a natureza extrafiscal. Pode-se até afirmar que de normas e princípios jurídicos que regem particularmente a atividade
a simples tributação já tem um conteúdo extrafiscal, por levar o contri- impositiva estatal, orientando o poder constitucional de tributar e disci-
buinte a se preocupar com os resultados de sua atividade, realizando ou plinando as relações entre a entidade tributante e terceiros sujeitos a esse
não a situação prevista como fato gerador. Mas importa registrar que a poder. Assim, os preceitos do direito tributário interessam diretamente às
extrafiscalidade se submete a todo o regime tributário, ficando sua carac- entidades estatais - para a imposição de seus tributos (impostos, taxas e
terização como tema exclusivo de política fiscal. Antes de um imposto ser contribuições) e constituição da relação jurídica que lhes permita exigir do
extrafiscal, será ele fiscal. sujeito passivo a satisfação do crédito tributário - e aos contribuintes, por
A própria Reforma Agrária, que tem constituído o tema preferido da regularem sua situação perante o Fisco. 67
política desenvolvimentista de nosso país, assenta na utilização extrafiscal Normas gerais são as que traçam as linhas essenciais que servirão de
dos tributos incidentes sobre a terra, para desestimular a manutenção de diretrizes básicas na preceituação sobre determinada matéria. À legislação
áreas improdutivas e incentivar a repartição racional do solo, através da local cabe disciplinar o ajuste de tais diretrizes às peculiaridades e exigên-
preconcebida agravação ou redução tributária. O mesmo ocorre com o
desmatamento e reflorestamento, com a extração de certas riquezas mi- 66. Cf. Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 1971, p. 6; Bernardo Ri-
nerais, com a exploração da fauna aquática e terrestre e demais atividades beiro de Moraes, Sistema Tributário ... , v. I do Curso ... , p. 131. Para Fábio Fanucchi
o direito financeiro "é composto pelo conjunto de normas e princípios que regem a
sujeitas ao controle estatal, em relação às quais o Poder Público pode opor arrecadação, a gestão patrimonial e os dispêndios efetuados pelo Estado no desenvol-
limitações diretas ou indiretas, por meio de tributação extrafiscal. vimento das atividades que lhe são inerentes" (Curso ... , v. I, p. 5).
67. Cf. Aliomar Baleeiro, Direito Tributário ... , 1971, p. 7; Bernardo Ribeiro
64. Willoughby, The Constitutional Law ofthe United States, v. I, p. 669. de Moraes, Sistema Tributário ... , v. I do Curso ... , p. 22; Rubens Gomes de Sousa,
65. Caso "McCulloch versus Maryland", 1891. Compêndio ... , p. 14.
202 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 203

Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento (orgs.), Comentários à Lei


cias inerentes ao interesse municipal. Segundo recente entendimento do de Responsabilidade Fiscal, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 268). NaADln 2.238 o STF
STF, calcado nas lições de Marçal Justen Filho e Alice Gonzales Borges, rejeitou a argüição de inconstitucionalidade formal da Lei de Responsabilidade Fiscal
legislar sobre normas gerais "significa dispor 'com generalidade' (= sem em sua totalidade, seja pela alegada ofensa ao art. 65, parágrafo único, da CF, seja pelo
detalhamento, estabelecendo os grandes parâmetros, a 'moldura', dentro argumento de que o projeto teria que ter disciplinado por inteiro o art. 163 da CF.
dos quais as normas locais, específicas, e com detalhamento, deverão se Relativamente ao exame de argüição de inconstitucionalidade material do art. 20
acomodar), ( ... )". Realmente, acentua o Relator, Min. Carlos Velloso, que da LRF, ao estabelecer repartição dos limites globais de despesas com pessoal entre
os Poderes, nas esferas federal, estadual e municipal, o STF, por maioria, indeferiu
as normas gerais "devem apresentar generalidade maior do que apresen- o pedido de liminar, por não vislumbrar, num primeiro exame, incompatibilidade do
tam, de regra, as leis. Penso que 'norma geral', tal como posta na Consti- dispositivo impugnado com a Constituição Federal; o STF deferiu o pedido de medida
tuição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, cautelar para suspender, até decisão final, a eficácia do § 3º do art. 9º da citada Lei
melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Complementar 10112000 ("§ 32 . No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o
Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, fica o
Estados e Municípios no âmbito de suas competências". Em seguida invo- Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixa-
ca o ensinamento da professora Alice Gonzales Borges, para quem "'nor- dos pela lei de diretrizes orçamentárias").
mas gerais', leis nacionais, 'são necessariamente de caráter mais genérico O STF, à primeira vista, considerou relevante a argüição de inconstitucionalida-
e abstrato do que as normas locais. Constituem normas de leis, Direito de quanto ao § 3º do art. 9º da lei impugnada, dado que tal dispositivo viabiliza uma
sobre Direito, determinam parâmetros, com maior nível de generalidade e interferência do Executivo em domínio constitucionalmente reservado à atuação dos
abstração, estabelecidos para que sejam desenvolvidos pela ação norma- Poderes Legislativo e Judiciário.
O STF indeferiu o pedido de suspensão cautelar de vários dispositivos impugna-
tiva subseqüente das ordens federadas', pelo quê 'não são normas gerais
dos (art. 4º, § 2º, lI, e § 4º; alto 7º, caput e § 1º; art. 9º, § 5º) e não conheceu da ação
as que se ocupem de detalhamentos, pormenores, minúcias, de modo que na parte em que eram impugnados os §§ 22 e 32 do art. 72 da citada lei complementar,
nada deixam à criação própria do legislador a quem se destinam, exaurin- por entender que o ataque seria inepto (alegava-se antinomia com o disposto no art. 4 2
do o assunto de que tratam'. Depois de considerações outras no sentido da Medida Provisória 1980-20); o STF indeferiu o pedido de medida liminar quanto
da caracterização de 'norma geral', conclui: 'são normas gerais as que se ao § 52 do art. 92 da LRF ("No prazo de noventa dias após o encerramento de cada
semestre, o Banco Central do Brasil apresentará, em reunião conjunta das comissões
contenham no mínimo indispensável ao cumprimento dos preceitos fun-
temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos
damentais. Abrindo espaço para que o legislador possa abordar aspectos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial, evidenciando o impacto e o custo
diferentes, diversificados, sem desrespeito a seus comandos genéricos, bá- fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços"). Afastou-se, à
sicos' (Alice Gonzales Borges, 'Normas gerais nas licitações e contratos primeira vista, a alegada inconstitucionalidade por ofensa ao art. 192 da CF - segundo
administrativos', RDP 96/81)".68 a qual o dispositivo impugnado estaria tratando de atribuição do Banco Central fora da
lei complementar específica -, porquanto o Banco Central não está, em tal hipótese,
Até a edição da Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Respon- agindo como órgão central do Sistema Financeiro Nacional, mas sim como executor
sabilidade Fiscal - LRF)69 as normas gerais de direito financeiro estavam da política econômica do Governo. Com os mesmos fundamentos, o STF afastou, à
primeira vista, a alegada inconstitucionalidade formal, por ofensa ao art. 192 da CF, do
68. V. acórdão do STF in RDA 200/193. § 12 do art. 26, que dispensa as instituições financeiras e o Banco Central de autoriza-
69. Vários dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal estão sendo questiona- ção legislativa para destinar recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades
dos perante o STF: ADln 2.250-MG, arts. 35 e 51 (liminar indeferida, j. 2.4.2003, reI. de pessoas fisicas ou déficits de pessoas jurídicas; do § 22 do art. 28, que permite ao
Min, Ilmar Galvão); ADln 2.261, requerida pela Associação dos Membros do Minis- Banco Central conceder às instituições financeiras operações de redesconto e de em-
préstimos de prazo inferior a trezentos e sessenta dias; do § 2º do art. 29, que manda
tério Público, ADln 2.256, pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil, e ADIn 2.241, pela Mesa da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, incluir na dívida pública consolidada da União a emissão de títulos de responsabilida-
de do Banco Central; e do caput do art. 39, que sujeita o Banco Central, nas relações
todas contra o art. 20 da LRF; ADln 2.238, proposta pelo Partido Comunista do Brasil
com ente da Federação, às vedações constantes em seus incisos e no art. 35 da mesma
- PC do B, pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB, pelo Partido dos Trabalhadores
Lei Complementar 10 1; quanto ao parágrafo único do art. 11 - que veda a realização
- PT, pelo Partido Democrático Brasileiro - PDB e pelo Partido Popular Socialista -
de transferências voluntárias para ente que se revelar negligente com a arrecadação de
PPS, questionando o trecho "e evidenciando a consistência delas com as premissas e
seus próprios impostos -, o STF também indeferiu a cautelar pleiteada, por entender
os objetivos da política econômica nacional", inscrito no inciso II do § 2 2 do art. 4 2 ; o
juridicamente irrelevante a alegação de ofensa ao art. 160 da CF, uma vez que a norma
§ 12 do art. 72 ; o § 32 do art. 9º; o art. 17 e seus §§ 12 a 72 ; o § 1º do art. 18; os arts. 209,
70, 71 e 72; o inciso II do art. 21; a expressão "quanto pela redução dos valores a eles atacada cuida de transferências voluntárias que não são incompatíveis com restrições
impostas aos entes beneficiários das mesmas (CF, art. 160: "E vedada a retenção ou
atribuídos", inscrita nos §§ lº e 2º do art. 23; o inciso I do art. 29; o art. 30; o inciso IV
qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta Seção, aos
do § 12 do art. 59; o art. 60; e o art. 68 (apud Misabel Abreu Machado Derzi, in Ives
204 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 205

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acrés- consubstanciadas na Lei 4.320, de 17.3.1964,7° que ainda rege, naquilo
cimos relativos a impostos"). que não foi alterada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a elaboração e
O STF deferiu a suspensão cautelar do § 2Q do art. 12 ("O montante previsto para controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municí-
as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital
pios e do Distrito Federal. 71 Na verdade, a Lei de Responsabilidade Fiscal
constantes do projeto de lei orçamentária"), por aparente violação do art. 167, III, da
CF, que, embora proíba a realização de operações de crédito que excedam o montante realçou, com mais rigor, o planejamento, o controle, a transparência e a
das despesas de capital, ressalva as autorizadas mediante créditos suplementares ou responsabilidade na gestão das receitas, despesas e valores pertencentes
especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria abso- ou confiados à guarda da Fazenda Pública.
luta. Considerou que, ao primeiro exame, a lei complementar não pode editar norma O fundamento de validade das normas gerais de direito tributário está
absoluta, desprezando a ressalva da Constituição Federal.
no art. 146 da CF, com a redação dada pela EC 42/2003, especialmente
O STF indeferiu o pedido de liminar relativamente ao art. 15, que considera ir-
regulares as despesas que não atendam ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Com- no inciso III, que assim dispôs: "Art. 146. Cabe à lei complementar: (... )
plementar 101 - que exigem, para a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação III - estabelecer nonnas gerais em matéria de legislação tributária, espe-
governamental que acarrete aumento da despesa, estimativa do impacto orçamentário- cialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em
financeiro e.a declaração de que o aumento tenha adequação orçamentária e financeira relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos
com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamen-
de diretrizes orçamentárias, além de exigir que seus efeitos sejam compensados pelo
to, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento
aumento pennanente de receita. Considerou-se não haver relevância jurídica na tese
de inconstitucionalidade sustentada pelos autores, segundo a qual o dispositivo estabe-
leceria outros requisitos além dos fixados pela Constituição Federal, o que impediria O STF também indeferiu a medida liminar quanto à alegada inconstitucionalida-
o desenvolvimento das atividades dos entes federados, ao restringir a utilização de de da parte final do art. 24 da Lei Complementar 101, que remete ao art. 17 da mesma
expedientes orçamentários previstos nos §§ 2Q e 3º" do art. 167 da CF. lei complementar ("Nenhum beneficio ou serviço relativo à Seguridade Social poderá
O STF entendeu que as medidas previstas no artigo impugnado objetivam tor- ser criado, majorado ou estendido sem a indicação da fonte de custeio total, nos termos
nar efetivo o cumprimento do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e da lei do § 5Q do art. 195 da Constituição Federal, atendidas ainda as exigências do art. 17"),
orçamentária, tal como previsto no art. 165 da CF, não inibindo a abertura de créditos tendo em conta o indeferimento do pedido quanto ao art. 17.
adicionais previstos no art. 166 da CF. Com referência ao § 1Q do art. 18 da LRF, O STF julgou prejudicado o pedido quanto ao art. 30, I, da Lei Complementar
quc contabiliza como despesas de pessoal os valores dos contratos de terceirização 101 - que fixou o prazo de noventa dias após a publicação da lei complementar para
de mão-de-obra, o STF também indeferiu o pedido de medida liminar, por ausência que o Presidente da República submeta ao Senado Federal proposta de limites globais
de plausibilidade jurídica da tese de ofensa ao art. 37, II e XXI, da CF, segundo a qual para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios -, tendo em
os contratos em questão referir-se-iam a serviços. Salientou-se, ainda, que a norma vista o exaurimento da eficácia do dispositivo, porquanto já passado o prazo de noven-
impugnada evita que se burle o limite previsto de gasto com pessoal, valorizando o ta dias, nele previsto.
servidor público. 70. Ressalte-se que a Lei 4.320/1964 tem dispositivos que contlitam com os da
O STF também indeferiu o pedido de suspensão cautelar do art. 17 e seus §§ - Constituição Federal e alguns da Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, sua
que conceituam a despesa obrigatória de caráter continuado e exigem, para os atos que aplicação deve estender-se apenas às disposições que estiverem em consonância com
a Carta Magna e com a Lei de Responsabilidade Fiscal, editada em razão da previsão
criarem ou aumentarem despesa, a compensação pelo aumento permanente de receita
contida no art. 163, I, da CF. Há um anteprojeto de lei complementar que institui nor-
ou pela redução permanente de despesa. Considerou-se que a circunstância de o au-
mas gerais de direito financeiro para o controle dos orçamentos e balanços da União,
mento de despesa continuada estar condicionado à redução ou ao aumento da despesa
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que revoga os arts. 75 a 82 da Lei
também em caráter continuado é, à primeira vista, proposição lógica, que não ofende o
4.320. Desse anteprojeto destaca-se a institucionalização da parceria entre governo e
princípio da separação de Poderes, nem o disposto nos arts. 51, IV, 52, XIII, 99 e 127,
sociedade, por intermédio do controle social como mecanismo de acompanhamento,
§ lº-, todos da CF.
controle, avaliação e fiscalização da aplicação de recursos públicos. O resultado dessa
O STF deferiu a suspensão cautelar de eficácia da expressão contida no § I º" do parceria subsidiará a elaboração, aprovação e implementação dos planos plurianuais,
art. 23 da mencionada Lei Complementar 101 que permite a redução dos valores atri- diretrizes orçamentárias, orçamentos anuais e a prestação de contas públicas, de modo
buídos a cargos e funções para alcançar o cumprimento do limite estabelecido com a a maximizar a transparência da gestão pública. Além de inovar na filosofia, na for-
despesa com pessoal, por aparente ofensa à garantia da irredutibilidade de vencimentos ma e nos meios para o exercício do controle das ações governamentais, o anteprojeto
dos servidores públicos (CF, art. 37, XV). Pelo mesmo fundamento, o STF também também amplia o alcance das ações do controle externo e dos sistemas de controle
deferiu a medida liminar para suspender integralmente o § 2º" do mesmo art. 23, que interno.
faculta a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos 71. Sobre a matéria, v.: J. Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis, A
à nova carga horária. Lei 4.320 Comentada, 25ª ed., IBAM, 1993.
206 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v- FINANÇAS MUNICIPAIS 207

tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; penalidade pecuniária imposta pela inobservância de obrigação acessória
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempre- torna-se também obrigação principal (art. 113, § 3º). Nesse mesmo título
sas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou cuida o Código do fato gerador, dos sujeitos ativo e passivo da obrigação
simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, lI, das contribui- tributária e da responsabilidade tributária.
ções previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere
o art. 239". O crédito tributário, que decorre da obrigação principal e tem a mes-
ma natureza desta (art. 139), é disciplinado também em título próprio,
Cumprindo a disposição constitucional consubstanciada na letra "d" abrangendo normas sobre sua constituição (lançamento), suspensão, ex-
do art. 145, a Lei Complementar 123/2005, alterada posteriormente pela tinção, exclusão, garantias eprivilégios (Título IlI, arts. 139-193).
Lei Complementar 128/2007, regrou aqueles efeitos pretendidos em be-
neficio das microempresas e empresas de pequeno porte. Como estas leis A administração tributária, finalmente, é objeto do último título do
complementares são recentes, é necessário aguardar para verificar se efe- Livro II do Código Tributário, que contém disposições sobre fiscalização,
tivamente a intenção do legislador constitucional será cumprida, especial- dívida ativa e certidões negativas (arts. 194-208).
mente quapto à unificação dos impostos nas esferas federal, estadual e Essas normas gerais aplicam-se igualmente à União, Estados, Distrito
municipal. Federal e Municípios, com força de lei complementar, em razão do dispos-
Essas normas gerais de direito tributário são as que constam do Livro to no art. 146, III, da CF.
II do Código Tributário Nacional- Lei 5.172, de 25.10.196672 -, que em Todavia, a Lei 5.172/1966, promulgada em conformidade com a EC
quatro títulos (arts. 96-208) cuida da legislação tributária, da obrigação 18, de 1.12.1965, que alterou a Constituição de 1946, para instituir o Sis-
tributária, do crédito tributário e da administração tributária. tema Tributário Nacional, contém outros preceitos que não configuram
Legislação tributária é O conjunto das leis, tratados e convenções normas gerais, mas especificas para as entidades tributantes, relativamen-
internacionais, decretos e normas complementares que versem, no todo ou te aos tributos de sua competência, quando não constituem mera repetição
em parte, tributos e relações jurídicas a eles pertinentes, segundo o Código do texto constitucional vigente (Livro I).
Tributário Nacional (art. 96), que também traça, em linhas gerais, os con- Dentre esses preceitos específicos, entendemos que desde a Consti-
tornos e limites dos diplomas integrantes dessa legislação, advertindo que tuição de 1967 deixaram de ser impositivos para as entidades estatais infe-
somente a lei pode instituir, alterar ou extinguir tributos e fixar suas alí- riores os que não objetivam dirimir conflitos de competência tributária ou
quotas e bases de cálculo; definir o fato gerador da obrigação tributária e regular (apenas regular) as limitações constitucionais ao poder de tributar.
cominar penalidades, bem como prever os casos em que estas poderão ser Com efeito, o art. 19, § 1º, da CF de 1967, em termos quase-idênticos aos
dispensadas ou reduzidas; estabelecer as hipóteses de exclusão, suspensão do art. 146, IlI, da vigente CF, limitou a competência da União, em maté-
e extinção do crédito tributário (art. 97). A essas disposições vestibulares ria tributária, a esses assuntos e às normas gerais de direito tributário.
seguem-se regras sobre vigência, aplicação, interpretação e integração, no
sistema jurídico nacional, da legislação tributária. 3. Tributos e outras receitas municipais
A obrigação tributária é assunto de todo um título do Livro II do
Código Tributário Nacional, que a classifica em principal - a que, sur- A Constituição de 1934 foi a primeira a sentir a conveniência de dar
gindo com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento do autonomia financeira ao Município, para o quê lhe concedeu tributos pró-
tributo ou penalidade pecuniária - e acessória - a decorrente de presta- prios (impostos, taxas e contribuição de melhoria), assegurando-lhe, ain-
ção, positiva ou negativa, prevista na legislação tributária, no interesse da, participação na arrecadação do imposto de indústria e profissões e em
da arrecadação ou fiscalização dos tributos (art. 113), esclarecendo que a quaisquer novos impostos criados pela União ou pelos Estados. Até então
os Municípios viviam de rendas eventuais, doadas pelas Capitanias (fase
72. A denominação Código Tributário Nacional foi dada pelo art. 7º do Ato Com- colonial), pelas Províncias (fase imperial) e pelos Estados-membros (Pri-
plementar 36, de 13.3.1967. Além dessa, a Lei 5.172/1966 sofreu outras alterações, meira República).
operadas pelos Atos Complementares 27, de 8.12.1966; 31, de 28.12.1966; 34, de
30.1.1967; 35, de 28.2.1967; e 36, de 13.3.1967; Decretos-leis 27 e 28, de 14.11.1966, A Carta Outorgada de 1937 suprimiu um dos impostos municipais
e 406, de 31.12.1968; e Lei 5.589, de 3.7.1970. (cedular sobre a renda dos imóveis rurais) e a participação do Município
208 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
,
r v - FINANÇAS MUNICIPAIS 209
~

nos novos impostos, bem como a contribuição de melhoria. Mas a Cons- não só para detectar a ocorrência do fato gerador como o pagamento do
tituição de 1946, além de conservar os impostos anteriores incluiu dois crédito tributário. Outro instmmento que vem sendo utilizado é a nota
o~tro.s impostos na c~mpetência privativa do Município (i~posto de in- fiscal eletrônica, resultando em melhoria na arrecadação dos tributos mu-
dustna e profissões e Imposto sobre atos de economia interna ou assuntos nicipais; verifica-se que a receita oriunda do ISS das Prefeituras que ado-
da competência municipal, chamado "imposto do selo"). taram esse sistema tem crescido significativamente. Vários são os setores
beneficiados pela informatização, inclusive quanto à cobrança da dívida
Coroando intensa campanha municipalista iniciada com a reconsti-
ativa, quer administrativa quer judicialmente.
tu~i~nalização do país em 1946, a EC 5, de 21.11.1961, ampliou a dis-
A discriminação tributária instituída pela EC 18/1965 e regulamenta-
~nmmação de rendas em favor do Município, atribuindo-lhe mais dois
da pelo Código Tributário N acionaI, com as alterações que se lhe seguiram,
I~~,o~tos e~clusivos (territorial mral e de transmissão de propriedade imo-
foi mantida, quase que nos mesmos termos, pela anterior Constituição da
bIhana - sIsa) e dando-lhe participação no imposto de consumo, além de
República. A Carta de 1988 aumentou sensivelmente a receita municipal,
aumentar sua quota-parte na arrecadação do imposto de renda.
com a outorga de mais dois impostos privativos e a majoração dos percen-
. ~ ~xperiê?~ia, todavia, demonstrou que a ampliação da competência tuais dos impostos partilhados. 74 Destarte, após várias alterações no texto
tnbutana mUnIcIpal não produziu o efeito desejado - ou seja, o aumento constitucional original, especialmente pelas EC 3/1993, 39/2002,42/2003
dos recurs?s financeir?s necessários ao atendimento das sempre crescen- e 44/2004, contam os Municípios, atualmente, com tributos privativos,
tes nec:ssI?ades coletIvas. <?onseqüente~ente, viviam os Municípios na tributos partilhados e tributos comuns, além de outras receitas, como vere-
depend~ncIa dos recursos onundos da partIcipação em impostos federais e
mos nos tópicos seguintes.
estadua~s,. b~m co~o dos empréstimos e subvenções. O que ocorria, então,
era a SUjeIçaO do mteresse público aos interesses particulares dos muníci-
pes, resultante de injunções de toda ordem sobre o prefeito e vereadores 3.1 Tributos privativos
aliada a uma precária máquina lançadora e arrecadadora. Tal situação foi Tributos privativos do Município são os que a Constituição da Repú-
em parte sanada pela reforma do Sistema Tributário Nacional, através da blica reservou à exclusiva competência municipal instituir e arrecadar (art.
EC 18, de 1.12.1965, que reduziu os impostos municipais a dois, manteve 156, I-IlI, e art. 149-A, introduzido pela EC 39, de 19.12.2002), a saber: 1)
a competência do Município para instituir taxas, inclusive pelo exercício imposto predial e territorial urbano (IPTU); 2) imposto sobre transmissão
d~ pOde: de polícia, e c?ntribuição de melhoria, ampliando sua participa- "inter vivos" (ITBI), a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis,
çao em Impostos federaIS e estaduais. por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os
. ~ Di.ssemos .q~e ~ situa?ão foi sanada apenas em parte porque as de- de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição; 3) imposto sobre
ficIencI~s mUnICIpaIS relatIvamente à decretação e arrecadação de tribu- serviços de qualquer natureza (ISS), não compreendidos no art. 155, lI,
tos c?_ntmuaram a existir, pois, como observa Almir Accorsi, "enquanto definidos em lei complementar; 4) contribuição para o custeio do serviço
a Ul1lao. e os Estados tiveram incremento nas suas receitas pela reforma de iluminação pública.
e, es?~c~almente, pelo posterior aperfeiçoamento da máquina fiscal, os
MUl1IClplOS permaneceram estagnados nesta parte. Assim, se a União e 3.1.1 Imposto predial e territorial urbano (IPTU)
os Estados procuraram ampliar cada vez mais o número de contribuintes
a fai~a ?e receita, ~ re~u.zir ao mínimo a sonegação, os Municípios, e~
O IPTU, mantido pela vigente Constituição da República (art. 156,
relaçao as rendas tnbutanas próprias, continuaram passivos".73 I), resultou da fusão dos impostos territorial urbano e predial, operada
pela EC 18/1965 (art. 10).75 Trata-se de tributo real e direto, inciden-
Esta situação tem melhorado com a introdução de recursos da infor-
n:,ática. Rotinas inf?~atizadas no ISS, por exemplo, exigindo declara- 74. De acordo com a atual Constituição Federal, a participação do Município, em
çoes ta~to do contnbumte quanto do tomador, facilitam o cumprimento relação à União e aos Estados, é a seguinte: União - 36%; Estado - 42%, Município
das obngações tributárias acessórias e possibilitam melhor fiscalização, _ 22% (fonte: conferência do professor Alcides Jorge Costa no Centro de Estudos da
PGE/SP).
73. Almir Accorsi, "O Sistema Tributário Nacional e os Municípios" RDM 75. Pela Constituição Federal de 1946 competia ao Município, entre outros, o
II/34. ' imposto predial e territorial urbano (art. 29, I), que a EC 5/1961 separou em imposto
210 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 211

te sobre imóveis (construções e terrenos) localizados na zona urbana do 3.1.1.1 Zona urbana - Zona urbana, para os efeitos do lPTU, é a
Município. definida em lei municipal, que pode abranger as áreas urbanizadas, as
urbanizáveis e as de expansão urbana (CTN, art. 32, §§ 1º e 2º).
O fato gerador desse imposto é, nos termos constitucionais, a pro-
priedade predial e territorial urbana - o que o caracteriza como tributo A área urbanizada - ou seja, a que compreende o território das cida-
sobre o patrimônio, consoante classificação adotada pela EC 18/1965 e des e vilas -, ainda que declarada zona urbana por lei municipal, para fins
seguida pelo Código Tributário Nacional, que a regulamentou. Daí por administrativos, só ensejará a incidência do imposto em exame se contar
que o mesmo Código, ao definir seu fato gerador, levou em consideração, com pelo menos dois dos equipamentos enumerados no § 1º do art. 32 do
ainda, o domínio útil e a posse, que, como elementos da propriedade, tam- CTN: 1) meio-fio ou calçamento com canalização de águas pluviais; 2)
bém integram o patrimônio (art. 32). abastecimento de água; 3) sistema de esgotos sanitários; 4) rede de ilu-
Tendo sido constitucionalmente unificado, o imposto em exame não minação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
pode ser repartido em imposto predial e imposto territorial, para abran- 5) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3km do
ger separadamente as construções e os terrenos não-construídos. Todavia, imóvel considerado.
nada impede sua utilização extrafiscaF6 pelas Municipalidades, mediante Todavia, para justificar a pretensão fiscal do Município é necessário
graduação de sua alíquota, a fim de propiciar a implantação de planos que tais equipamentos ou estabelecimentos tenham sido construídos ou
urbanísticos locais ou para atender a outras conveniências coletivas, tendo sejam mantidos pelo Poder Público, consoante expressa exigência do Có-
em vista o princípio que prescreve afunção social da propriedade (CF, art. digo Tributário Nacional (art. 32, § lº). É irrelevante que a Administração
156, I, e § lº). Assim, pode e deve ser agravado o imposto relativamente tenha realizado a obra ou serviço, atribuindo posteriormente sua manuten-
aos terrenos baldios centrais, para compelir os proprietários a edificar, evi- ção a particular, ou que os tenha recebido de particular, passando a mantê-
tando-se o desnecessário espraiamento da cidade, sempre prejudicial aos los: o essencial é que tenha participado ou participe do empreendimento.
serviços públicos; do mesmo modo como pode e deve ser agravado o inci-
A execução e manutenção dessas obras e serviços constituem, nor-
dente sobre edificações além de uma determinada área construída quando
malmente, atividades próprias do Município. Mas nada impede que, me-
o que se deseja é coibir o aumento populacional de zonajá saturada. A esse
diante convênio ou consórcio, se obtenha a cooperação de outra entidade
propósito já decidimos, em sentença confirmada pelo TJSP, constante da
estatal, segundo normas a serem fixadas por lei complementar, nos termos
RPG 5/135, pela constitucionalidade de imposição progressiva do imposto
do parágrafo único do art. 23 da CF. No silêncio do Código Tributário Na-
territorial urbano, da periferia para o centro da cidade.
cional, que se refere genericamente a "Poder Público", entendemos que a
O essencial é que a atividade fiscal do Município não ultrapasse sua atribuição de tais atividades a entidade estatal diversa da competente para
zona urbana, desbordando para a rural, onde a competência impositiva é tributar não descaracteriza a zona urbana para os efeitos do IPTU.
da União (CF, art. 153, VI). Para evitar possíveis conflitos entre essas duas
entidades tributantes, é necessário que se fixe um exato conceito de zona Área urbanizável e área de expansão urbana têm conceitos equiva-
urbana, do qual resultará, por exclusão, o de zona rural. Foi o que fez o lentes, diferindo apenas quanto à localização. Com efeito, ambas são por-
Código Tributário Nacional, nesse ponto em estrita consonância com o ções do território municipal destinadas a urbanização, mas a expressão
disposto no art. 146, I, da CF, como veremos a seguir. "área urbanizável" aplica-se à parte distinta e separada de qualquer núcleo
urbano, ao passo que "área de expansão urbana" é a que se reserva em
sobre a propriedade territorial urbana e rural e imposto predial. Posterionnente, a continuação a área urbanizada, para receber novas construções e serviços
EC 10/1964 retirou da competência municipal o imposto sobre a propriedade terri- públicos, possibilitando o normal crescimento de cidades e vilas. 77
torial rural, atribuindo-o à do Estado-membro, conservando, entretanto, os impostos
territorial urbano e predial, privativos do Município, como tributos distintos, até a
As áreas urbanizáveis e de expansão urbana, declaradas como tais
aglutinação feita pela EC 18/1965. por lei municipal, configuram zonas urbanas, para os efeitos do IPTU,
76. Lembramos que a Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabi- desde que constantes de loteamentos destinados a atividade urbana, apro-
lidade Fiscal - LRF), veda a renúncia de receita sem que haja previsão na LDO e na
LOA do equilíbrio entre receitas e despesas; e que a Lei federal 10.028, de 19.10.2000,
77. Sobre área ou zona de expansão urbana, bem como zona urbana, v. o Capí-
estabelece constituir infração administrativa a proposta de LDO anual que não conte-
nha as metas fiscais na fonna da lei. tulo lI, item 4.3; e sobre zoneamento em geral, o Capítulo IX, item 3.5.
212 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 213

vados pelo Ministério da Agricultura, após exame dos respectivos proje- de 29.1.1999, e 10.932, de 3.8.2004, além de outras de proteção sanitária,
tos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, florestal, ambiental ou de segurança militar. 79
nos termos do art. 32, § 2º, do CTN e do art. 16 do Decreto-lei 57, de ALei de Parcelamento do Solo Urbano dispõe especificamente sobre
18.11.1966. 78 o loteamento e o desmembramento, mas adverte que deverão ser obser-
Alerte-se que estas áreas não estão submetidas àquelas exigências vadas as disposiçõ~s das legislações estaduais e municipais pertinentes
próprias da zona urbana - até porque, se assim o fosse, seriam propria- (art. 2º).
mente zona urbana, e não urbanizáveis (§ 2º do art. 32 do CTN: "A lei O parcelamento de terrenos, nessas condições, legitima, a nosso ver,
municipal pode considerar urbanas ... "). a constihüção de zona urbana, nos termos do art. 32, § 2º, do CTN, desde
Lembramos que essas exigências são de natureza fiscal e têm por que autorizado pela Prefeitura e aprovado pelo Ministério da Agricultura,
escopo tão-somente legitimar a competência impositiva do Município com audiência do INCRA (Decreto-lei 57/1966, art. 16).
(IPTU), em confronto com a da União (ITR). Por isso mesmo, o parcela- Instituída ou alterada por lei municipal a zona urbana, o prefeito de-
mento de terrenos para fins urbanos sujeita-se às normas urbanísticas da verá comunicar o fato ao INCRA, juntando cópia do texto legal, para que
Lei 6. 766, de 19.12.1979, com as alterações introduzidas pelas Leis 9.785, providencie a exclusão do lançamento do ITR a partir do exercício seguin-
te, em que os imóveis por ela abrangidos estarão sujeitos ao IPTU. Se a
78. O art. 16 do Decreto-lei 57/1966 determina que "os loteamentos das áreas
União não concordar - e só poderá fazê-lo por não terem sido atendidos os
situadas fora da zona urbana [área urbanizada], referidos no § 2º do art. 32 da Lei n. requisitos do Código Tributário Nacional e demais normas legais pertinen-
5.172, dc 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), só serão permitidos tes -, deverá recorrer ao Judiciário para ilidir a pretensão do Município.
quando atendido o disposto no art. 61 da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964". Enquanto a Justiça não decidir a seu favor a União estará impedida de
Por seu turno, o art. 61 da Lei 4.504/1964 dispõe: lançar o ITR sobre os imóveis abrangidos pela lei municipal, pois é esta
"Art. 61. Os projetos de colonização particular, quanto à metodologia deverão ser que delimita a zona urbana e a separa da rural, definindo a competência
previamcnte examinados pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, que inscreverá
tributária do Município, nos precisos termos dos arts. 30, III e VIII, e 156,
a entidade e o respectivo projeto em registro próprio. Tais projctos serão aprovados
pelo Ministério da Agricultura, cujo órgão próprio coordenará a respectiva execução. § I, da CF.
I º. Sem prévio registro da entidade colonizadora e do projeto e sem a aprovação deste,
nenhuma parcela poderá ser vendida em programas particulares de colonização. § 2º. 3.1.1.2 Incidência - O IPTU incide sobre os imóveis situados na zona
O proprietário de terras próprias para a lavoura ou pecuária, interessado em loteá-Ias urbana, definida em lei do Município. Essa é a regra geral, constante do
para fins de urbanização ou formação de sítios de recreio, deverá submeter o respec- mio 32 do CTN, que o Decreto-lei 57, de 18.11.1966 -recepcionado, assim
tivo projeto à prévia aprovação e fiscalização do órgão competente do Ministério da
como o Código Tributário Nacional, pela Constituição de 1967 -, excep-
Agricultura ou do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, conforme o caso. § 3º. A
fim de possibilitar o cadastro, o controle e a fiscalização dos loteamentos rurais, os cionou, para incluir na competência tributária municipal, os imóveis situados
CaJiórios de Registro de Imóveis são obrigados a comunicar aos órgãos competentes, na zona rural utilizados exclusivamente como sítios de recreio (art. 14) e
referidos no parágrafo anterior, os registros efetuados nas respectivas circunscrições, dela excluir os imóveis situados em zona urbana utilizados em exploração
nos termos da legislação em vigor, informando o nome do proprietário, a denominação extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15).
do imóvel e sua localização, bem como a área, o número de lotes e a data do registro
nos cit8do5 órgãos. § 4!l. Nenhum projeto de colonização particular será aprovado para Desde então, o critério topográfico adotado pelos arts. 29 e 32 do
gozar das vantagens desta Lei, se não consignar para a empresa colonizadora as se- CTN foi relativizado pelo critério da destinação econômica do imóvel,
guintes obrigações mínimas: a) abertura de estradas de acesso e de penetração à área a ficando, assim, o imóvel localizado na área rural com destinação urbana
ser colonizada; b) divisão dos lotes e respectivos piqueamentos, obedecendo a divisão, sujeito à incidência do imposto municipal.
tanto quanto possível, ao critério de acompanhar as vertentes, partindo a sua orientação
no sentido do espigão para as águas, de modo a todos os lotes possuírem água própria
ou comum; c) manutenção de uma reserva florestal nos vértices dos espigões e das 79. A Lei 6.766/1979 - e alterações posteriores - passou a regular inteiramente
nascentes; d) prestaç~o de assistência médica e técnica aos adquirentes de lotes e suas o parcelamento urbano (loteamentos e desmembramentos), mas tão-somente nos seus
famílias; e) fomento da produção de uma determinada cultura agrícola predominante aspectos urbanísticos e negociais, subsistindo, portanto, as disposições dos Decretos-
na região ou ecologicamente aconselhada pelos técnicos do Instituto Brasileiro de Re- leis 58/1937 e 271/1967, sobre outras matérias, bem como as leis especiais que im-
forma Agrária ou do Ministério da Agricultura; f) entrega de documentação legalizada põem mais requisitos para a aprovação do projeto de loteamento ou de desmembra-
e em ordem aos adquirentes de lotes." mento da gleba.
214 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 215

Posteriormente, o art. 12 da Lei 5.868, de 12.12.1972, revogou os o qual, se inobservado, implicará agressão ao direito de propriedade, cons-
arts. 14 e 15 do referido Decreto-lei 57/1966 e fixou, para fim de inci- titucionalmente garantido e assegurado.
dência do ITR, o conceito de imóvel rural, baseado na sua destinação A partir da EC 29/2000, a nova redação dada ao § lº do art. 156 da
(exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial) e área CF estabeleceu que, sem prejuízo da progressividade no tempo, a que se
(superior a 1 ha), independentemente de sua localização, considerando refere o art. 182, § 4º, II, o IPTU pode ser progressivo em razão do valor
urbanos todos os demais (art. 6º, parágrafo único); mas este último artigo do imóvel e ter alíquotas diferenciadas de acordo com sua localização e
foi julgado inconstitucional pelo STF e seus efeitos suspensos pelo Sena-
seu uso.
do Federal. 8o
Vale como subsídio interpretativo a dicção da Súmula 668 do STF: "É
Por sua vez, o art. 12 da Lei 5.868/1972 foi considerado inconstitucio- inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda
nal no ponto que revogou o art. 15 do Decreto- lei 57, de 18.11.1966, no Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se des-
julgamento do RE 140.773, e teve sua execução suspensa pela Resolução tinada a assegurar o cumprimento da função social da propried~de .urba-
n. 9, de 7.6.2005, do Senado Federa1. 81 Deste modo, o critério topográfico na". Mesmo após a promulgação da mencionada emenda constlt.uclOnal,
adotado pelos arts. 29 e 32 do CTN foi relativizado, em parte, pelo critério as decisões pretorianas ainda são divergentes, aguardando-se, aSSIm, uma
da destinação econômica do imóvel - ficando, assim, o imóvel localizado manifestação direta sobre a questão, do STE Como exemplo, podemos
na área urbana, mas utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, citar o RE 423.768, relator o Min. Marco Aurélio, sem decisão final até o
pecuária ou agroindustrial, excluído da incidência do imposto municipal. presente, discutindo a legislação do Município de São Paulo.
Dessa forma, a revogação inscrita no art. 12 da Lei 5.868/1972, com Essa progressividade no tempo - prevista co~o forma de gar~ntir_ o
referência ao art. 14 do Decreto-lei 57, não poderia produzir efeitos, por- atendimento à função social da propriedade - eXIge para su~ a~lI~açao
que a revogação do Decreto-lei 57/1966, alçado à condição de lei com- a edição de lei municipal que a determine, assim como a ~xlste~c~a de
plementar, não poderia ser feita por lei ordinária. Não obstante a Suprema plano diretor, tudo de acordo com lei federal. Mas, a~tes da Imposl~~O da
Corte ainda não se tenha manifestado expressamente também quanto a progressividade ao proprietário do solo urbano não edlficad~, sub':Í1lIzado
este ponto do art. 12 da Lei 5.868/1972, sua inconstitucionalidade é ma- ou não utilizado, deve-se executar o parcelamento ou a e~lficaçao com-
nifesta, pelas mesmas razões que levaram à declaração de inconstitucio- pulsórios. Com efeito, a Lei 10.257, de 10.7.2001, denommada Estatuto
nalidade (e à suspensão de seus efeitos pelo Senado Federal) dos arts. 6º da Cidade, regulamentando os arts. 182 e 183 d~ CF~ estabelec:~ normas
e 15 (v. nota 82). de ordem pública e interesse social, bem como dlretnz~s de ~o.lItlca urba~
na, para ordenar o uso da propriedade. Dispõe ~~e l~l munICIpal, ~odera
3.1.1.3 Alíquota - As alíquotas do IPTU devem ser fixadas por lei determinar o parcelamento, a edificação ou a utllIzaçao compulsonos do
municipal, que deverá obedecer às limitações impostas pelos arts. 145 e solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as
150 da CF - dentre as quais se destacam o respeito aos princípios da capa- condições e os prazos para implementação da refe~i~a.obrig~çã~ (art. 5º).
cidade contributiva, da isonomia, da anterioridade e da "noventena", este Não cumpridas as condições e os prazos, o MumclplO aplIcara o IPTU
último introduzido pela EC 42/2003, bem como o da vedação ao confisco, progressivo no tempo, mediante a majoração da alíq~ota (~rt: 7º). O ~alor
da alíquota a ser aplicada a cada ano será fixado na lei mum~lpal pertl.nen-
80. STF, pleno, RE 93.850-8,j. 20.5.1982, considerando que lei ordinária - como te e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano antenor, respeltada
é a Lei 5.868, de 12.12.1972 - não poderia se contrapor ao Decreto-lei 57/1966, que
a alíquota máxima de 15%. Decorridos cinco a~os de co?ran..?a do IPTU
foi recebido como lei complementar pela Constituição de 1967, por estabelecer nor-
mas gerais em matéria tributária. A execução desse dispositivo foi suspensa pelo Se- progressivo sem que o proprietário tenha cumpndo a obngaçao de parce-
nado Federal, com a edição da Resolução 313, de 30.6.1983. v., também, STJ, REsp lamento, edificação ou utilização, o M~nicípio P?~erá m~nter a c?brança
472.628-RS, reI. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.8.2004. do IPTU progressivo no tempo pela alI quota maxI~a _ate q~e ~eJa cum-
81. Resolução n. 9, de 2005, do Senado Federal: "Art. 1º. É suspensa ( ... ), em par- prida a referida obrigação, ou proceder à desapropnaçao do lmovel, com
te, a execução do art. 12 da Lei Federal n. 5.868, de 12 de dezembro de 1972, no ponto pagamento em títulos da dívida pública (art. 8º).
em que revogou o art. 15 do Decreto-lei Federal n. 57, de 18 de novembro de 1966,
declaradas inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, nos Ainda relativamente à tributação progressiva, é vedada a concessão
autos do Recurso Extraordinário n. 140.773-5/210-SP". de isenções ou de anistia (art. 7º, § 3º, do Estatuto da Cidade). Além disso,
216 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 217

seu art. 47 estabelece que os tributos incidentes sobre imóveis urbanos dos imóveis, para fms de cálculo do IPTU, com base na planta de valores,
(assim como as tarifas relativas a serviços públicos urbanos) serão dife- ultrapassando a correção monetária autorizada por ato administrativo: RT
renciados em função do interesse social. 742/206; STF, RT752/114.
A lei que venha a majorar a base de cálculo do imposto deve ser
3.1.1.4 Base de cálculo - A base de cálculo do IPTU é, nos termos do publicada no exercício anterior ao da sua aplicação, não se sujeitand?, po-
Código Tributário Nacional, o valor venal do imóvel, deste excluído o dos rém, à exigência do prazo de noventa dias da publicação para ser aphcada,
bens móveis nele mantidos, em caráter permanente ou temporário, para estabelecido na EC 42/2003 (art. 150, § 1º, in fine, da CF).
efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade (art.
33 e parágrafo único). 3.1.1.5 Contribuinte - Contribuinte do IPTU é o proprietário, o ti-
Essa disposição do Código Tributário Nacional- assim como as de- tular do domínio útil ou o possuidor, a qualquer título, do imóvel sujeito
mais que definem o fato gerador e a base de cálculo dos impostos - sem à tributação municipal (CTN, art. 34). Essa enumeração abrange todas as
embargo de não se caracterizar, na essência da natureza jurídica, como pessoas que, por deterem no todo ou em parte os direito~ relativo~ à ~r~­
norma geral de direito tributário, deve, contudo, assim ser considerada, priedade imobiliária, podem ser sujeitos passivos da obngação tnbutana
por força do comando constitucional expresso no art. 146, lU, "a", da CF; em exame, cabendo ao Município especificar a que deverá satisfazê-~a
e, por isto, cumpre reproduzi-la na lei municipal. diretamente,84 para maior facilidade de arrecadação ou para atender a dI-
Sua inclusão na lei complementar justifica-se, em face do art. 146, I, retrizes de sua política fiscal.
da CF, para prevenir possíveis conflitos de competência, em matéria tribu- Muito embora o texto constitucional se refira unicamente à proprie-
tária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, uma dade (art. 156, I), o Código Tributário Nacional já abrangia o domínio útil
vez que à União é lícito instituir, "mediante lei complementar, impostos e a posse, sem, com isso, contrariar a Constituição, pois ambas as figuras
não previstos no artigo anterior, [153] desde que sejam não-cumulativos compõem também a noção de propriedade.
e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados Proprietário é o dominus, o dono do imóvel, ou seja, aquele que de-
nesta Constituição" (CF, art. 154, I). Se fosse permitido aos Municípios tém originariamente o direito de usá-lo, gozá-lo e dele dispor, bem como
escolher livremente a base de cálculo do imposto em exame, adotando o de reavê-lo do poder de quem injustamente o possua (CC, art. 1.228).
a área total, a área constmída, a metragem da testada ou qualquer outro Se o proprietário tem imunidade tributária (CF, art. 150, VI, "a" e ':c", e §
elemento relacionado com o imóvel, a competência tributária residual da 2º), o contribuinte será o eventual titular do domínio útil ou o possU1d~r do
União seria sensivelmente reduzida, na prática. imóvel, pois a imunidade constitucional, sendo de natureza pessoal, nao se
O que não podemos entender é que o legislador, tendo erigido o va- estende a terceiros. 85
lor venal - ou seja, o valor de venda à vista no mercado imobiliári0 82 -, Essa antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial já havia sido
tenha excluído do seu cômputo o valor dos móveis mantidos intencional eliminada desde a Constituição anterior, que impôs ao promitente com-
e permanentemente no imóvel para efeito de seu aformoseamento ou co- prador a obrigação de pagar o imposto que incidisse sobre imóvel de pro~
modidade, contrariando o disposto no 43, m, do CC de 1916 (v. art. 79 priedade de pessoa que gozasse de imunidade tributária Tal orientação fOI
do CC de 2002).83 O STJ, por sua 2ª Turma, decidiu que a majoração da
mantida pela Carta atual, nos termos do art. 150, § 3º (cf. S~mula 583 do
base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, exceto nos casos
STF). Destarte, a imunidade cessa no. momento em qu~ a.entldad~ estata~,
de simples atualização monetária, em atendimento ao princípio da reserva autarquia, fundação instituída e mantIda pelo Poder Pubhco, partIdo .pol~­
legal. E vedado ao Município, por simples decreto, atualizar o valor venal
tico (inclusive suas fundações), entidade sindical dos trab~lhadores, I~Stl­
82. Cf. Aliomar Baleeiro, Direito Tributário ... , 1971, p. 148. No mesmo sentido: tuição de educação e de assistência social, sem fins lucratlvos, formal1zar
Joaquim de Castro Aguiar, Sistema Tributário ... , p. 54.
83. Nesse mesmo dispositivo (art. 43, III) a lei civil de 1916 considerava também 84. Cf. AliomarBaleeiro, DireitoTributário ... ,1971, pp. 143 e 149.
imóvel tudo quanto o proprietário nele mantivesse intencionalmente empregado em sua 85. Nesse sentido, já decidiu o STF que: "A imunidade trib~tá~a con~edida à
exploração industrial. Neste caso a exclusão operada pelo Código Tributário Nacional autarquia não é extensiva à outra parte contratante". E qu~: "Contnbumte d? ~mposto
foi legítima, porque o IPTU deve gravar tão-somente o prédio ou o terreno, sem cogitar predial não é somente o proprietário do imóvel, mas o tItular do seu dommlO, ou o
da atividade nele exercida, que pode ensejar outro imposto (ISS, ICMS ou IPI). possuidor a qualquer título" (RDA 111/87).
218 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 219

promessa de compra e venda de imóvel seu com pessoa que não goze de o Código Tributário Nacional considera contribuinte do IPTU o pos-
idêntico benefício constitucional (CF, art. 150, VI, "a" e "c"). suidor do imóvel a qualquer título (art. 34, infine), abrangendo, assim,
Esse preceito, a nosso ver, reforça a tese da inextensibilidade da imu- também os que exercem apenas temporariamente a posse direta, sem pre-
nidade ao titular do domínio ou possuidor do imóvel. Com efeito, se o juízo da posse indireta daquele de quem a tenham obtido, por força de
mero promitente comprador, ainda que sem posse, está obrigado a reco- obrigação ou direito, como o usufrutuário, o credor pignoratício e o loca-
lher o imposto (territorial rural ou predial e territorial urbano, confonne tário (CC, art. 1.197).
o caso), com muito mais razão deverá fazê-lo aquele que detém sobre o Daí resulta que, em tese, a lei tributária municipal poderia erigir em
imóvel algum dos direitos inerentes à propriedade. contribuinte o locatário, cujo contrato de locação seja regido por lei fede-
Titular do domínio útil é o enfiteuta ou foreiro, nos termos dos arts. ral específica para as locações urbanas (Lei do Inquilinato). Todavia, as
678 e ss. do CC de 1916,86 bem como o concessionário de uso de terreno, leis do inquilinato geralmente atribuem os encargos tributários ao locador,
público ou particular, ou do respectivo espaço aéreo, na forma estabele- e só por consentimento expresso do inquilino admitem sejam deferidos a
cida nos arts. 7º e 8º do Decreto-lei 271/1967. Tanto na enfiteuse - que é este como ocorre com a Lei 8.245, de 18.10.1991 (art. 22, VIII). Qual a
remunerada e perpétua - como na concessão de direito real de uso de terre- no~a que deve prevalecer: a do Código Tributário, que é a lei comple-
no - que, diversamente, pode ser gratuita e por prazo certo - o proprietário mentar, ou a da Lei do Inquilinato, que é ordinária?
do imóvel permanece com o domínio direto, cedendo ao enfiteuta ou ao Entendemos que, no caso, prevalecerá a lei ordinária, pois o próprio
concessionário o domínio útil, como tal compreendida a soma de todos os Código Tributário Nacional declara que "a lei tributária não pode alterar
demais direitos pertinentes à propriedade, inclusive o de alienação. Ambas a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e fo~a~ ?e
caracterizam-se como direitos reais sobre coisas alheias, mas enquanto a direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pe~a Co~st~tulçao
enfiteuse só se extingue nos casos expressamente previstos no art. 692 do da República, pelas Constituições dos Estados,. ou pe~as.lels orgam~as .do
CC de 1916 (deterioração do prédio aforado, comisso e falecimento do Distrito Federal ou dos Municípios, para defimr ou lImItar competenclas
foreiro sem herdeiros), a concessão do direito real de uso é resolúvel (De- tributárias" (art. 110). Ora, a Constituição da República, para definir a
creto-lei 271/1967, art. 7º, § 3º). Quer seja enfiteuta, quer concessionário competência tributária municipal, refere-se. express.amente à p;oprie1ade
de direito real de uso, o titular do domínio útil responderá, dentre outros,. (art. 156, I), cujo conceito nos é dado pelo dlfeIto pnvado, que e tambem o
pelos encargos tributários que venham a incidir sobre o imóvel aforado ou competente para regular as relações entre as pessoas que ~et~nham p~de­
concedido (art. 682 do CC de 1916, que permanece em vigor conforme o res atinentes à propriedade imobiliária e discriminar seus dIreItos e obr~ga­
art. 2.038 do CC de 2002; Decreto-lei 271/1967, art. 7º, § 2º). ções, tais como o locador - possuidor indireto - e o inquilino - pos~Uldor
Já vimos acima que, se o senhorio - no caso de enfiteuse - ou o con- direto. Assim sendo, o disposto no art. 34 do CTN quanto ao possUldor a
cedente - no caso de concessão de uso - gozarem de imunidade tributária qualquer título deve ser entendido em conformidad~ ~om a l~gislaçã~ pri-
(CF, art. 150, VI, "a" e "c", e §§ 2º-3º), essa liberalidade constitucional, de vada específica - isto é, o possuidor poderá ser o sUJ eIto paSSIVO do tnbuto
n3tl.lreZa pessoal, não exonerará o foreiro, nem o concessionário, da obriga- quando a lei civil o permitir ou não o vedar.
ção de pagar o imposto que incidir sobre o imóvel aforado ou concedido. Muito embora o IPTU seja real- incidindo, portanto, sobre o imóvel,
Possuidor é a pessoa que tem, de fato, o exercício, pleno ou não, e não sobre o seu dono ou possuidor -, nada impede que a lei que o insti-
de algum dos poderes inerentes à propriedade, segundo a conceituação tuir leve em consideração determinados atributos pessoais do contribuinte
do Código Civil Brasileiro (art. 1.196). Só é possuidor, entretanto, quem para reduzir sua alíquota. É o que ocorre qu~ndo a lei ~~nicip~l ~uaviza o
mantém a posse em seu próprio nome, sem relação de dependência com encargo para o proprietário que, sem pOSSUlr outro, utIlIza o lmovel para
o proprietário ou possuidor indireto, e não a exerça em cumprimento de sua residência (cf. art. 145, § 1º, da CF).87
ordens ou instruções deste (CC, art. 1.198).
Vale ressaltar que a situação submetida ao lançamento do imposto será
86. O Código Civil de 2002 (Lei 10.406, de 10.1.2002) proibiu a constituição de aquela representada pela situação de fato existente, mesmo que, por vezes,
novas enfiteuses (art. 2.038). Assim, remanescem apenas as existentes, subordinando-
se às disposições do Código Civil anterior e da legislação pertinente até a sua extinção 87. Essa hipótese já foi examinada pelo STF, que considerou constitucionais as
(v. Capítulo IV, item 4.6). leis municipais que a contemplaram (cf. Súmula 539).
220 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 221

possa não corresponder ao título de propriedade. Assim, se um imóvel ti- Código Tributário Nacional (art. 35) incluiu no campo de incidência do
ver uma área, devidamente comprovada, de 1.000m2, esta deverá se sub- !TBI: "I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio
meter à tributação, mesmo que no título a área tenha 1.500m2. É também útil de bens imóveis por natureza ou por acessão fisica, como definidos na
irrelevante estar, ou não, o imóvel cadastrado na Prefeitura. Havendo falha lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imó-
no cadastro imobiliário, tão-só instrumento armazenador de informações veis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de direitos relativos
poderá ser suprida com a atuação de oficio da autoridade administrativa. ' às transmissões referidas nos incisos I e II" - não podendo lei municipal,
portanto, definir como fato gerador do ITBI a transmissão da propriedade
3.1.2 Imposto sobre transmissão "inter vivos" de imóveis imóvel por acessão intelectual.
e de direitos reais (IrBI) Os direitos reais sobre imóveis cuja transmissão está sujeita ao im-
A Constituição de 1988 transferiu para o Município esse imposto (art. posto são os indicados nos arts. 1.378, 1.390, 1.414 e 1.417, respectiva-
156, II), que antes pertencia ao Estado, que repartia sua arrecadação com mente, do CC. O Código Civil também indica os direitos reais de garantia
? ~un.ic~pio, dispondo, textualmente: "Art. 156. Compete aos Municípios (penhor, anticrese, hipoteca) nos arts. 1.419, 1.431, 1.451, 1.506 e 1.473,
InstItuIr Impostos sobre: (... ) II - transmissão inter vivos, a qualquer títu- sobre cuja transmissão o ITBI não incide.
lo, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão fisica, e de Nos termos do art. 156, § 2Q, I, da CF, o !TBI também não incide sobre
direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa ju-
direitos à sua aquisição".88 rídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de capital de pessoa
3. I .2.1 Incidência - O fato gerador desse imposto é a transferência, jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for
inter vivos, da propriedade imóvel, por ato oneroso, seja imóvel por na- a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arren.:.
tureza ou por acessão fisica, bem como dos direitos reais, exceto os de damento mercantil. O Código Tributário Nacional (art. 37, § § 1º-4Q) estabe-
garantia (penhor, anticrese, hipoteca), abrangendo a cessão de direitos lece regras definidoras do alcance da limitação constitucional mencionada.
89
reais. Transmissão inter vivos é diferente de transmissão causa mortis Os arts. 220, 227 e 228 da Lei 6.404, de 15.12.1976 (Lei das Sociedades por
bem como a transmissão onerosa é diversa da transmissão gratuita. É im~ Ações), dão a definição de transformação, incorporação,jitsão e cisão de
portante essa distinção, porque tanto na transmissão causa mortis quanto sociedades, aplicáveis a todas as sociedades mercantis ou civis. 90
nas transmissões gratuitas (heranças e doações) a incidência é do imposto
estadual, e não do municipal. 3.1.2.2 Base de cálculo - A base de cálculo do ITBI é o valor venal
Estu?elece o art. 79 do CC que "são bens imóveis o solo e tudo quan- dos bens ou direitos transmitidos (CTN, art. 38). Não é o preço de venda,
to se lhe ll1corporar natural ou artificialmente", incluindo nessa definição mas o valor venal, ou seja, o valor de mercado. Tratando-se de imposto in-
os imóveis por natureza, por acessão fisica e por acessão intelectual. O cidente sobre a transmissão por ato oneroso, a base de cálculo será estabe-
lecida pelo preço na compra e venda, que funciona como uma declaração
88. No § 6º do art. 34 das "Disposições Constitucionais Transitórias" até
31.12.1989 foi .aberta exceç~o ao princípio da anterioridade, pennitindo-se nesse prazo 90. No Estado de São Paulo a Lei 10.705, de 28.12.2000 (DOESP-Executivo,
a cobrança do Imposto 30 diaS após a publicação da lei que o instituiu ou aumentou. Seção I, 29.12.2000, p. 6), que dispõe sobre o imposto de transmissão causa mortis,
89. "Algu~s Município~ definem a promessa de compra e venda como fato gera- também instituiu o imposto sobre doação de quaisquer bens ou direitos (imóveis ou
dor do JTBI, e diSSO decorre Importante implicação. Feita a promessa, consumado está móveis), cuja sigla, agora, é ITCMD. A partir dessa lei também se sujeita ao ITCMD a
o fato gerador, de sorte que acessões fisicas que venham a OCOrrer no imóvel realizadas transmissão de qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de so-
pelo prom~tente co~prador, serão irrelevantes para a definição do imposto de~ido, ainda ciedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial,
que este ntio tenha Sido pago na época própria. Assim, se alguém faz promessa de venda nacional ou estrangeira, bem como direito societário, debênture, dividendo e crédito de
de um te1!eno, e o promitente comprador realiza uma edificação, não pode o Município qualquer natureza; dinheiro, haver monetário em moeda nacional ou estrangeira e título
c.~b.rar o Imposto sobre o valor desta, a pretexto de que somente com o registro imobi- que o represente, depósito bancário e crédito em conta corrente, depósito em caderneta
har: o da venda. é .que se deu a transmissão do imóvel. Para fins tributários, por opção do de poupança e a prazo fixo, quota ou participação em fundo mútuo de ações, de renda
legislador mU~lCl?al, a transmissão deu-se com a promessa. A edificação foi feita, então, fixa, de curto prazo, e qualquer outra aplicação financeira e de risco, sejam quais forem
e:n ,~erreno propno d? construtor, e, assim, não pode ser tida como objeto da transmis- o prazo e a forma de garantia; bem incorpóreo em geral, inclusive título e crédito que o
sao (cf. Hugo de Bnto Machado, Curso de Direito Tributário, 29ª ed., p. 395). represente, qualquer direito ou ação que tenha que ser exercido e direitos autorais.
222 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 223

d~ valor feita pelo contribuinte mas que pode não ser aceita pelo Fisco. Na mos: "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: ( ... ) III
hIpótese de divergência aplica-se o que dispõe o art. 148 do CTN.91 De - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, defi-
qualquer modo, à lei municipal incumbe fixar a base de cálculo. nidos em lei complementar".
fi
comum constar de leis municipais que a base de cálculo do impos- Verifica-se, dessa norma, que a Constituição da República, ao esta-
to nao pode corres~onder a valor menor que aquele estabelecido para o belecer a competência impositiva do Município, limitou-a aos serviços
IPTU, tomando, aSSIm, aquele valor venal como limite mínimo. de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, 11 (da competência
. Parece nã~ ser esta a melhor maneira de regrar a base imponível do estadual) e definidos em lei complementar. Daí resulta que os Municípios
Imposto, mas sIm estabelecer sua avaliação, feita pela própria Administra- estão impedidos de instituir imposto sobre serviços não definidos em lei
ção, na data da ocorrência do fato gerador. complementar, e esta não pode incluir entre tais serviços os abrangidos
A aquisiçã~ I?or usucapião não é fato gerador deste imposto, pois nes- pela competência tributária de entidade estatal maior, tais como operações
ta fo~a de aqmsIção da propriedade ela se dá originariamente, e não por de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários,
transmIssão inter vivos. e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunica-
ção, e, ainda, operações relativas à circulação de mercadorias, os quais
3.1.2.3 Alíquotas - A alíquota do ITBI é fixada em lei ordinária do sujeitam-se a impostos privativos da União (os primeiros) e do Estado (os
Município co:nl?ete~te, ine~istindo na Constituição Federal, nesse aspec- últimos) (CF, arts. 153, V, e 155, II).
to, qualquer hmltaçao relativa a esse tributo.
Ao se referir a "serviços de qualquer natureza" a atual Constituição
3.1.2.4 Contribuinte - Contribuinte do imposto pode ser tanto o ad- da República - tal como o fizeram a anterior e a EC 18/1965 - foi além
quirente como o transmitente, conforme dispuser a lei tributária municipal dos conceitos correntes no direito privado, para abranger toda atividade,
da situação do bem. material ou imaterial, braçal ou intelectual, acessível a leigos ou privativa
de técnicos, desde que exercida com finalidade econômica (pois só esta
3.1.3 Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS)92 justifica sua tributação) e não sujeita a imposto federal ou estadual. Daí a
exigência de prévia definição - isto é, delimitação, esclarecimento, fixa-
O ISS93 é mo?alidade d.e imposição tributária criada pela EC 18, de ção - das atividades tributáveis pelo Município por meio de lei comple-
l.12.1965, e mantIda pela vIgente Constituição da República, nestes ter- mentar (atualmente, Lei Complementar 116, de 31. 7 .2003 ).94
91. Hugo de Brito Machado observa que não se inclui na base de cálculo do ITBI
? valor dos. imóveis p~r acessão intelectual (CC de 1916, art. 43, I1I). Ainda quanto observa Bemardo Ribeiro de Moraes - que, aliás, prefere a designação imposto muni-
a bas.e de calculo d? ~buto em ~ela, anota, quanto às acessões fisicas colocadas pelo cipal de serviços - IMS (Sistema Tributário ... , v. I do Curso ... , pp. 420-422).
adql~lrente, na c?ndlçao ~e promlt~~t~ comprador, ou mesmo pelo adquirente que ain- 94. A exigência de definição dos serviços tributáveis pelo Município surgiu com
da nao fez o registro do t~tulo aquISItivo no cartório competente: "O fato gerador está a Constituição Federal de 1967 (art. 25, lI), uma vez que a EC 18/1965 apenas atribuía
cOl1sul1:ado pela celebraçao do contrato de compra e venda, independentemente de sua à lei complementar o estabelecimento de critérios de distinção entre as atividades su-
formahz~çã~ nos te~os do direito civil. Por isto mesmo a base de cálculo é o valor jeitas ao ISS e as abrangidas pelo ICM (art. 15, parágrafo único).
venal ~o Imovel efetIvamente vendido. Não daquele existente no momento em que se Assim, ao disciplinar o ISS, através dos seus arts. 71 a 73 (revogados e substituí-
fonnalIza a transmissão da propriedade" (Curso ... , 29ª ed., p. 398). dos pelo posteriormente também revogado Decreto-lei 406, de 31.12.1968, atualmente
~2. Cf J:!ugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 29ª ed., São Paulo, Lei Complementar 116/2003), o Código Tributário Nacional limitou-se a apresentar
~alhelros EdItores, 2008; Roque Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributá- o conceito de serviço para efeitos tributários (fomecimento de trabalho, com ou sem
nr:' 23ª ed., .Sã<:. Paulo, Mal.heiros Editores, 2007; Aires F. Barreto, ISS na Constitui- utilização de máquinas, ferramentas ou veículos, a usuários ou consumidores finais),
çao : na Lei, Sao Paulo, Dialética, 2003; Valdir de Oliveira Rocha (coord.) O ISS e a ele equiparando a locação de bens imóveis (que logo o Ato Complementar 27/1966
a LeI Co,:plementar II6, São Paulo, Dialética, 2003; Sérgio Pinto Martins: Manual corrigiu para bens móveis) e a locação de espaço em bens imóveis, a título de hospeda-
do f~S, 5- ed.,. ~ão Paulo, Atlas, 2003; José Eduardo Soares de Melo, ISS - Aspectos gem ou para a guarda de bens de qualquer natureza (art. 71, § lQ, 1-llI), esclarecendo
Teoncos e PratiCO:, 4ª e.d., São Paulo, Dialética, 2004; Ives Gandra da Silva Martins que tais atividades, quando acompanhadas de fomecimento de mercadorias, se sujeita-
e M~rcelo Magalhaes Peixoto (coords.), ISS na Lei Complementar I I 6/2003 Curitiba riam também ao ICM, salvo se a prestação de serviço constituísse seu objeto principal
Jurua, 2004; Celso Marcelo de Oliveira, Manual do ISS, Campinas, LZN, 2004. ' e contribuísse com mais de 75% da receita média mensal da atividade (art. 71, § 2Q) .
. " 9.3. A C.onsti.ruiçã.o Federal não deu nome ao imposto, indicando apenas sua in- Como seria de esperar, o sistema instituído pela EC 18/1965 e implantado pelo
cldenCla. Dal a dIverSIdade da nomenclatura adotada pelos tributaristas, consoante Código Tributário Nacional não se mostrou satisfatório, suscitando dúvidas e contro-
224 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 225

Nesse sentido, a função definidora da lei complementar vigente ini- cimento de mercadorias (art. 1º, § 2º); b) o fornecimento de mercadorias
cia-se com os dispositivos que configuram o fato gerador e a base de cál- com prestação de serviço não especificado na lista autoriza a imposição
culo do ISS, para se completar, a final, com a enumeração das atividades de ICMS.96
sujeitas ao poder impositivo municipal.
De outra parte, existem itens que excluem a competência municipal,
3.1.3.1 Incidência - O ISS, tendo em vista os elementos empregados substituindo-a pela estadual, na ocorrência de situações que demonstram a
na definição legal de seu fato gerador (a prestação dos serviços constan- prevalência da circulação de mercadoria, sujeita ao ICMS, sobre a presta-
tes da lista anexa à Lei Complementar 116, ainda que não constituam a ção de serviços, objeto do ISS.
atividade preponderante do prestador, cf. art. 1º) e de sua base de cálculo Em qualquer dessas hipóteses justifica-se a interpretação ampla e
(o preço do serviço, cf. art. 7º), somente incide sobre a prestação remu- analógica, admitida pelo STF, para definir a competência tributária, legi-
nerada dos serviços constantes da lista oferecida pela lei complementar. timar o lançamento ou resguardar o contribuinte de imposição indevida. 97
Daí resultam quatro requisitos a que o Município deve atender no exercí- A lista de serviços que acompanha a Lei Complementar 116, con-
cio de sua competência impositiva, a saber: definição legal dos serviços soante decidiu o STF em relação à legislação anterior, é taxativa, mas
tributáveis; efetividade da prestação do serviço; finalidade econômica da compOlia interpretação ampla e analógica. 98 Essa orientação do Judiciário,
atividade exercida pelo prestador; profissionalidade do prestador. que não discrepa da doutrina dominante,99 deve ser entendida em confor-
Desde logo, cabe ponderar que as chamadas atividades-meio - as- midade com o princípio constitucional que erige a tipicidade - ou seja, a
sim. consideradas as atividades imprescindíveis à execução do serviço estrita adequação do fato tributável à lei tributária - em condição essen-
efetIvamente contratado - devem ser tributadas pelo imposto. Com isso, cial para a legitimidade da imposição fiscal. Esse princípio decorre, dentre
o legislador infraconstitucional pretendeu deixar consignado que todos outros, do ari. 150, I (instituição do tributo por lei), e III (fixação legal do
os serviços previstos na lista constituem fato gerador do imposto, ainda
que considerados de menor relevância ou prestados em volume inferior, 96. As exceções referidas devem ser interpretadas em consonância com disposto
no art. 155, § 2º, IX, "b", da CF, que faz incidir o ICMS "sobre o valor total da opera-
se comparados às demais atividades ("ainda que esses não se constituam
ção, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na com-
~omo atividade preponderante do prestador", segundo a dicção do art. 1º). petência tributária dos Municípios". Daí decorre, a contrario sensu, que o valor total
E importante lembrar, ainda, que a noção de serviço deve ser buscada no da operação será base de cálculo do ISS, quando as mercadorias forem fornecidas com
direito civil (CC, arts. 593 e 594), englobando toda a espécie de serviço serviços compreendidos na competência tributária municipal. Esse é o entendimento
ou trabalho lícito, material ou imaterial, contratado mediante retribuição, correto do art. 1º, § 2º, da Lei Complementar 11612003, que, na realidade, dispõe: "§
e que não esteja sujeito às leis trabalhistas ou a leis especiais. 2º. Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados
não ficam sujeitos ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e
A definição legal dos serviços tributáveis pelo Município obedece prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação -
atualmente à técnica da listagem, urna vez que o sistema implantado pelo ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias".
Código Tributário Nacional, em consonância com a EC 18/1965, mostrou- 97. A esse propósito, tivemos oportunidade de emitir parecer em que caracteri-
. 95 D ' zamos a concretagem como serviço de construção civil, sujeita ao ISS e não ao ICM
se lt1operante. aI por que a Lei Complementar 116/2003 fixou como
(RT 453/45). Nosso entendimento foi acolhido pela Justiça Paulista nestes termos: "A
fato gerador do ISS a prestação de serviços especificados em lista anexa concretagem não é mercadoria, é serviço, e serviço típico da construção civil, seja
(art. 1º); e, para dirimir possíveis conflitos entre o Município e o Estado, realizada por administração, por empreitada ou por subempreitada, como consta da
esclareceu que: a) ressalvadas as exceções expressas, os serviços incluídos lista do ISS. Como tal, essa atividade sujeita-se tão-somente ao imposto municipal de
na lista não se sujeitam ao ICMS, ainda que sua prestação envolva forne- serviços" (RT 453/173). Posteriormente o STF veio a consagrar esse entendimento no
RE 82.501 (reI. Min. Moreira Alves, RTJ 77/959), e hoje a Súmula 167 do STJ assim
está redigida: "O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil,
vérsia~ qu~ 0AS A.tos Complemen~ares 27/1996 e 34, 35 e 36/1967 procuraram solucio- preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de
nar, ate a vlgencla do Decreto-Ie1406/1968, que, em conformidade com a Constituição serviço, sujeitando-se apenas à incidência do ISS".
Federal de. 1~67, d.e~ pratic~d~de ao novo sistema, definindo os serviços sujeitos à
98. STF, RDA 118/155.
A

competencla lmposltlva mumclpal. Conforme já anotado, atualmente a matéria é regi-


da pela Lei Complementar 11912003. 99. Aliomar Baleeiro, Direito Tributário ... , 1971, p. 263; Bernardo Ribeiro de
95. V. retro, nota 94. Moraes, Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, p. 108; Rui Barbosa Nogueira,
Direito Financeiro, p. 101.
226 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 227

fato gerador em consonância com as regras constitucionais de incidência); sociedade e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-
e, no que tange especificamente ao ISS, do art. 156, III (definição, em lei delegados; c) o valor intermediado no mercado de títulos e valores mo-
complementar, dos serviços tributáveis), da CF. biliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos
Assim, não é lícito ao Município lançar o ISS sobre serviço não com- moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições fi-
preendido na lista oficial, que é taxativa. Todavia, a lista contém itens nanceiras (art. 2Q ).
que não abrangem todas as atividades pretendidas pelo legislador comple- A efetividade da prestação do serviço é requisito essencial para a
mentar, que, por ser muito grande seu número, ou por não querer subtrair constituição de obrigação tributária relativa ao ISS, pois sendo o fato gera-
à competência municipal futuros serviços relacionados com um mesmo dor a prestação e a base de cálculo o preço (e não o valor) do serviço, fica
campo de atividades, preferiu deixar ao intérprete a tarefa de arrolá-las afastada a possibilidade de lançamento sobre a atividade em potencial,
em certos casos. IOO É o que ocorre, agora com mais ênfase, quando grande ainda que presentes todos os demais requisitos.
parte dos itens ou subitens autorizam a incidência do ISS sobre serviços Em excelente explanação sobre a matéria, Bernardo Ribeiro de Moraes
congêneres - isto é, do mesmo gênero -, ainda que não constem expres- observa que: "No caso do ISS, o legislador, ao escolher, como hipótese de
samente da lista (por exemplo, o item 1 - serviços de informática e con- incidência, a prestação de serviço, teve em mira um pressupo~to de fato de
gêneres; o item 4 - serviços de saúde, assistência médica e congêneres; o conteúdo econômico. Tanto é verdade que foi ver um preço na prestação
item 6 - serviços de cuidados pessoais, estética, atividades fisicas e con- de serviço, escolhendo-o como base de cálculo do ISS. Ora, aprystação de
gêneres; e muitos outros). serviço em potência, sem efetivação, não constitui atividade econômica e,
Para corroborar a afirmação - apesar de que mesmo sem esta dispo- portanto, não tem preço e nem poderia servir de hipótese de incidência de
sição expressa assim se posicionavam anteriormente os aplicadores da lei nenhum imposto" .101
-, o art. 1Q, § 4º, prescreve que para a incidência do giavame é irrelevante Com efeito, o serviço em potencial, latente, tem valor, mas não preço,
a denominação dada ao serviço. Isto vai exigir do aplicador não só a busca que é a expressão monetária desse valor e surge quando se vende sua pres-
de maiores conhecimentos fáticos e técnicos sobre cada serviço, como tação. Serviço em potencial, ainda que conste de uma "lista de preços", é
muita cautela diante da permissão de extensão de aplicação aos serviços como a mercadoria exposta, que só rende ensejo ao ICMS quando vendida
congêneres, a fim de se evitarem abusos. ao consumidor. Tal como ocorre com o ICMS, é a circulação do serviço,
Ademais, incluem-se na incidência do ISS todos os serviços, mes- caracterizada por sua prestação, que propicia o surgimento da obrigação
mo que provenientes do exterior ou que a respectiva prestação tenha se tributária.
iniciado fora do país, ou ainda que sejam prestados mediante a utilização
de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante auto- 3.1.3.2 Local do recolhimento do imposto - O contribuinte - vale
rização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou dizer, o prestador do serviço - pode possuir ou não estabelecimento fixo,
pedágio pelo usuário final do serviço (art. 1Q, § § 1Q e 3Q). pois o imposto, pela lei, será devido: a) no local do estabelecimento pres-
De outro lado, o imposto não incide sobre: a) as exportações de ser- tador; b) não havendo estabelecimento, no local do domicílio do presta-
viços para o exterior do país, cujo resultado se verifique fora do Brasil dor; c) excetuam-se as hipóteses previstas nos incisos do art. 3Q •
(art. 156, § 3º, lI, da CF, e art. 2Q da Lei Complementar 116/2003); b) a Essas disposições legais têm dupla finalidade: dirimir possíveis con-
prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, flitos de competência tributária entre Municípios e resguardar o contri-
dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de buinte de bitributação.
Assim, ao indicar o local do estabelecimento prestador do serviço
100. Desde os primórdios das discussões, a interpretação da taxatividade da lista
foi resultado de elaboração pretoriana e de construção da doutrina, sendo abrandada como primeira regra para a fixação da competência tributária, a lei exclui
quando ela própria dava lugar a uma interpretação mais extensiva, ao adotar defini- os demais, inclusive aquele em que o serviço foi prestado. O Município
ções genéricas, como "semelhantes", "similares", "congêneres", "outros serviços" etc. competente para arrecadar o ISS será, portanto, exclusivamente o do esta-
Mas os serviços que não constem da lista e não estejam sujeitos a imposto federal ou
estadual não são tributáveis (cf Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e Prática do 10 I. Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços,
Imposto sobre Serviços, pp. 177-178). p.114.
228 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 229

belecimento prestador do serviço, ainda que a empresa ou o profissional 48/210).105 Realmente, nesses casos havia a exigência de tributo em terri-
tenha seu estabelecimento principal (matriz) em outra Comuna. Para tan- tório diverso daquele em que se verificara o fato gerador correspondente
to, o Município deverá atender ao disposto em sua lei tributária, de modo - configurando, por conseguinte, invasão de competência.
que se esta não contemplar a espécie o serviço não estará sujeito ao ISS
A Lei Complementar 11612003 definiu a questão em determinados
mesmo que a lei do Município onde o serviço foi prestado, ou onde o pres-
casos, sem, contudo, pôr fim à discussão. Seu art. 3º determina que o im-
tador tenha seu principal estabelecimento, o faça.
posto será devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do
Estabelecimento, para os fins do ISS, é o lugar - como tal compre- estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses
endido o prédio, equipamentos e instalações - onde o contribuinte exerce previstas nos seus incisos I a XXII, "quando o imposto será devido no
suas atividades ou de onde as administra. Se tiver mais de um o ISS será local da prestação do serviço". Somente nestes casos de serviços passíveis
devido ao Município onde se situar o estabelecimento que efetivamente de execução fora dos limites do Município onde está localizado o estabe-
prestou o serviço. 102 lecimento prestador é que o imposto será devido no local de sua efeti~a
O art. 12 do Decreto-lei 406/1968 estabelecia que o local da presta- prestação. Nas exceções estabelecidas nos incisos do art. 3º estão os servI-
ção do serviço seria o do estabelecimento prestador ou, na falta deste, o ços relacionados no subitem 3.04 - "locação, sublocação, arrendamento,
do domicílio do prestador, com exceção dos serviços de construção civil direito de passagem ou permissão de uso compartilhado ou não, de ferro-
e de exploração de rodovias, em que se considerava o local da obra e os via, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza" - e no
territórios da estrada explorada. O problema surgiu quando os Municípios subitem 22.01 - serviços de exploração de rodovia (art. 3º, §§ 1º e 2º)-,
do estabelecimento prestador e da prestação do serviço eram distintos. em que o imposto será devido, proporcionalmente, para cada Município
Quando isso ocorria, passou-se a sustentar, com respaldo do STJ, que o em cujo território haja a extensão dos serviços respectivos.10 6
dispositivo supra deveria ser interpretado com certa largueza, argumen- Mas, de maneira não muito feliz, definiu no art. 4º: "Considera-se es-
tando-se que a lei, ao se utilizar da expressão "estabelecimento prestador", tabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade
pretendia que o ISS fosse devido para o Município em cujo território se de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure
realizara o fato gerador, ou seja, o local da efetiva prestação do serviço
(cf. EDiv no REsp 130.792-CE,103 e REsp 41.867-4-RJ,I04 RDTributário território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o
Município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o
princípio constitucional implícito que atribui àquele (Município) o poder de tributar as
102. Hugo de Brito Machado observa: "O STJ vinha entendendo que competente prestações ocorridas em seu território."
para a cobrança do ISS seria o Município em cujo território ocorre a prestação do
105. Roque Carraza (RDTributário 48/210), comentando aspec~os controve~idos
serviço, sendo irrelevante o local em que se encontra o estabelecimento prestador".
do Decreto-lei 406/1968 - dentre eles, o local da prestação do servIço, para efeito de
E conclui o conceituado tributarista: "Com essa orientação jurisprudencial, a pretexto
incidência do ISS - esclareceu: "A matéria vem disciplinada no art. 12: 'Considera-se
local da prestação ;erv-iço o do estabelecimento prestador ou, na falta, o do domi~ílio
de interpretar o art. 12 do Decreto-lei 406/1968, vinha declarando implicitamente sua
inconstitucionalidade. A Lei Complementar 116/2003 manteve a regra de competência
do prestador. Esse art. 12, creio eu, deve ser considerado com grandes cautelas JUS-
do art. 12 do Decreto-lei 406/1968, embora tenha ampliado as exceções a essa regra.
tamente para que não se vulnere o princípio constitucional implícito que atribui ao
Em seu art. 3 Q estabeleceu que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no
Município competência para tributar as prestações ocorridas em seu território. Se o
local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domi-
serviço é prestado no Município 'A', nele é que deverá ser tributado pelo IS~, ainda
cílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas em seus incisos, que indicam o local
em que será devido o imposto" (Curso ... , 29ª ed., p. 400). que o estabelecimento prestador esteja sediado no Município 'B'. Do cO~tr~I~ esta-
ríamos admitindo que a lei do Município 'B' pode ser dotada de extraterrItonahdade,
103. "Embargos de divergência - ISS - Competência - Local da prestação de ser- de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território do Município onde ela
viço - Precedentes. I - Para fins de incidência do ISS - imposto sobre serviços, importa não pode ter voga. Sempre o ISS é devido no Município em cujo território a prestação
o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do de serviço se deu. Isso a despeito do que dispõe o art. 12 do Decreto-lei 406/1968, que
Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor não se sobrepõe a nenhuma norma constitucional".
do art. 12, alínea 'a', do Decreto-lei n. 406/1968. II - Embargos rejeitados."
, 106. Por conseqüência, haverá repercussão no pertinente à base de cálculo dos
104. "Tributário - ISS - Sua exigência pelo Município em cujo território se ve- serviços indicados, que será proporcional à extensão em que os mesmos se desenvol-
rificou o fato gerador - Interpretação do art. 12 do Decreto-lei n. 406/1968. Embora i verem (art. 7Q , § 1Q). Lembre-se, ainda, que a Lei Complementar 116/2003 revogou
a lei considere local da prestação de serviço o do estabelecimento prestador (art. 12 expressamente a Lei Complementar 100/1999, referente à forma de cobrança do ISS
do Decreto-lei n. 406/1968), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo I nos serviços remunerados por pedágio.

.1
230 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 231

unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo mos do art. 3º da Lei Complementar 116/2003. Esta norma refere-se a do-
as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, micílio sem qualificá-lo, daí se inferindo que o legislador quis mencionar
escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham o domicílio civil, que dispensa o adjetivo, diversamente do que ocorre com
a ser utilizadas". Anteriormente não havia uma definição específica na o domicílio tributário. Além do mais, as disposições do Código Tributário,
legislação tributária - como agora -, com a natureza de norma geral, espe- se aplicáveis à espécie, prejudicariam o principal escopo da referida lei
cialmente por dispor sobre eventual conflito de competência; portanto, de complementar - qual seja, o de fixar competência para o ISS, dirimin-
cumprimento obrigatório. do possíveis conflitos intermunicipais. Com efeito, bastaria ao prestador
Como se pode observar, o conceito de estabelecimento prestador de serviços eleger domicílio diverso daquele em que efetivamente exerce
guarda relação direta com o de unidade econômica ou profissional, basi- suas atividades para burlar a lei, e até mesmo se subtrair à obrigação tribu-
camente o local onde as atividades administrativas e técnicas pertinentes tária (no caso de não ser tributado o serviço no Município de eleição).
ao serviço são, em sua maioria, prestadas; serido correta a assertiva de A terceira regra, finalmente, abrange vários serviços que serão tribu-
que o estabelecimento prestador muitas vezes se confundirá com o local tados pelo Município em que se efetuarem (LC 116/2003, art. 3º, I-XXII),
da prestação dos serviços. Aliás, a parte final da norma afirma que para sem se cogitar do lugar onde o prestador tem estabelecimento ou domi-
caracterizá-lo é irrelevante as denominações de sede, filial, agência, posto cílio. Abrange os serviços provenientes do exterior ou cuja execução se
de atendimento etc. tenha iniciado no exterior; vários serviços de engenharia, arquitetura etc.,
Nesses casos, em que a lei complementar manteve como critério para compreendidos no item 7 da lista; serviços de guarda e estacionamento
recolhimento do imposto o local do estabelecimento prestador, os confli- de veículos terrestres automotores, de aeronaves e de embarcações, de vi-
tos ainda poderão ocorrer, e validade continuariam a ter as razões contidas gilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas e de armazena-
nos arestos do STJ acima referidos. mento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda de bens de qualquer
espécie e serviços portuários, aeroportuários, ferroportuários, de terminais
A segunda regra abrange os casos em que o prestador do serviço não rodoviários, ferroviários e metroviários.
possua estabelecimento, nos quais o ISS será devido ao Município em que
tiver domicílio, com exclusão dos demais. 3.1.3.3 Base de cálculo - A base de cálculo do ISS é, nos estritos
O domicílio das pessoas jurídicas, salvo a possibilidade de eleição de termos do art. 7º da Lei Complementar 116/2003, o preço do serviço, vale
domicílio especial, é o lugar onde funcionam as respectivas diretorias ou dizer, do serviço prestado, pois seu fato gerador é a prestação do serviço.
administrações (CC, art. 75, IV, e § 1º), confundindo-se, pois, com o lugar O preço, como se viu acima, é a quantificação monetária do valor
do estabelecimento. Destarte, toda pessoa jurídica tem estabelecimento, do serviço, e só surge com sua prestação - ou, melhor, com sua venda. E
pelo quê não se lhe aplica a regra do domicílio na fixação da competência irrelevante o nome. que se lhe dê (honorários, comissão, retirada etc.) ou
para o ISS. que o prestador tenha lucrado com a operação (o lucro é objeto do imposto
O domicílio da pessoa fisica é o lugar onde fixar residência com âni- federal sobre a renda). O essencial é que resulte de atividade exercida com
mo definitivo ou qualquer dos lugares onde tiver residências em que viva finalidade econômica.
alternadamente (CC, arts. 70-72). No caso de serviço prestado por pessoa A inexistência de finalidade econômica desautoriza a cobrança do
fisica em Município que não o de seu domicílio, caberá a qualquer Co- ISS, consoante decidiu o STF ao validar julgamento do TJCE que con-
muna em que resida lançar o ISS, com prejuízo das demais. Vale dizer, o siderou um clube recreativo a salvo do tributo porque "não se constitui
imposto será devido ao Município que o lançar em primeiro lugar. em atividade econômica organizada para a produção de bens, trocas ou
O Código Tributário Nacional editou normas específicas para a carac- serviços" .107 Mas o requisito da finalidade econômica, aliado ao da profis-
terização do domicílio tributário, erigindo como regra principal a possibi- sionalidade, legitima a exigência do imposto municipal mesmo em relação
lidade de sua eleição pelo contribuinte; só na falta desta é que se procurará a serviço prestado graciosamente, porque, muito embora seja lícito ao pro-
identificar o domicílio tributário com base nos elementos fomecidos pela fissional, empresa ou autônomo, dispensar determinado consumidor do
lei (art. 127 e §§). Não nos parece, todavia, que tais disposições sejam
válidas para a caracterização do domicílio do prestador do serviço, nos ter- I 107. STF,RDA 121/131.

j
232 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 233

pagamento do preço, é inadmissível que, com isso, venha a lesar o Fisco, neração do próprio trabalho", cabendo à lei municipal estabelecer outros
subtraindo-lhe a parcela a que teria direito se a prestação do serviço fosse parâmetros, fixos ou variáveis, em função de fatores pertinentes ao ser-
remunerada. 108 Nesse caso o preço será o constante da tabela do prestador viço, como sua natureza (art. 9º, §§ 1º e 3º). Na falta de melhor critério,
do serviço; ou, se não houver, o corrente no mercado. a lei tributária poderá adotar, por exemplo, um índice diversificado para
O preço do serviço, para efeito do ISS, será calculado com dedução das cada espécie de serviço, fixo ou variável, segundo a situação do local de
parcelas correspondentes ao valor dos materiais fornecidos por seu presta- trabalho, suas instalações, o número de empregados etc.
dor nos casos dos subi tens 7.02 e 7.05 da lista. Esta hipótese abrange apenas Essa sistemática de tributação fixa do ISS, introduzida pelo art. 9º do
os materiais produzidos pelo prestador de serviços fora do local da presta- Decreto-lei 406/1968, não foi revogada pela legislação posterior. E a Lei
ção dos serviços, consoante ressalva feita nos mencionados subitens. Complementar 116/2003 também não contempla disposição incompatível
Essa liberalidade, entretanto, não atinge outros serviços em que haja com os §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-lei 406/1968 e, mais, expressamen-
fome cimento de material (que também é mercadoria). Em face do dispos- te não revogou aqueles dispositivos que instituíram a tributação fixa (art.
to no § 2º do. art. 1º, esse material é computado no preço do serviço, salvo 10 da Lei Complementar 116/2003).
nos casos em que a lista oficial determina a exclusão do fomecimento A exceção legal aplica-se em primeiro lugar aos serviços prestados
sujeito ao ICMS, como ocorre nos subitens 14.01, 14.03 e 17.11. Neste~ por profissionais autônomos (não necessariamente liberais), os únicos
casos o preço do serviço compreende apenas o trabalho propriamente dito, cujas atividades podem consubstanciar trabalho pessoal. Todavia, nem to-
comumente chamado de mão-de-obra. dos os profissionais autônomos prestam serviços sob a modalidade de tra-
Descontos concedidos pelo prestador do serviço aos seus clientes balho pessoal, que é o executado pelo próprio prestador, sem intervenção
também não serão incluídos na base de cálculo do ISS, dada a ausência profissional congênere de terceiros. Assim, o trabalho do profissional au-
de base econômica imponível para fazer incidir o imposto; exceto se o tônomo não será pessoal se da sua realização participarem outras pessoas
abatimento ficar subordinado a uma condição a cargo do tomador (cf. STJ, empenhadas em atividades integrantes do serviço prestado, como ocorre
REsp 622.807-BA, DJU 23.8.2004). O abatimento incondicionado, que com o do médico que emprega enfermeira para execução de tarefas secun-
implicará redução na base de cálculo do ISS, deve ser devidamente com- dárias, mas pertinentes à sua profissão; ou o do alfaiate que se reserva o
provado, podendo o Fisco cobrar a diferença, com os acréscimos previstos corte e a coordenação do serviço, distribuindo a confecção propriamente
em lei, caso isso não ocorra. dita a outros empregados (calceiros, paletozeiros, passadores etc.).
. O cálculo do ISS com base no preço do serviço é a regra geral, mas a O trabalho pessoal pode ser material (o do alfaiate, da costureira, do
LeI Complementar 116/2003 prevê uma exceção, de tributação fixa, que encademador) ou intelectual (o do advogado, do engenheiro, do tradutor),
abrange: a) a prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do e não se descaracteriza pela contratação de empregados para a execução
próprio contribuinte; b) os serviços prestados por algumas sociedades de de tarefas que não integrem o serviço, tais como recepção, telefonia e
profissionais com assunção de responsabilidade pessoal. datilografia.
Em qualquer dessas hipóteses a base de cálculo não poderá ser o pre- A exceção legal aplica-se também a determinadas sociedades de pro-
ço do serviço, como tal entendida "a importância paga a título de remu- fissionais que prestam serviços especializados com assunção de responsa-
bilidade pessoal. Tais sociedades, desde que legalmente constituídas, pa-
108. O Tribunal de Justiça do então Estado da Guanabara, ao examinar a situação gam o ISS na forma prevista para o trabalho pessoal, calculado em relação
de u_ma emp~es~ de produtos químicos que se encarregou, graciosamente, da adminis- a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou autônomo, que preste
~;açao de_ edlfi~lo alugado por firmas congêneres, liberou-a do ISS por entender que
serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pes-
o ISS nao InCide sobre trabalho gratuito", como consta da ementa do acórdão (RT
449/225). soal, nos termos da legislação pertinente (Decreto-lei 406, art. 9º, § 3º).
. Diver.s~mente, entendemos que o que desautorizava a tributação era a inexistên- São as atuais sociedades simples, como denominadas e tratadas pelo Có-
cia do reqUl~lto_ da profissionalidade, uma vez que, como ficou reconhecido no próprio digo Civil (arts. 966 ess.).
texto do acorda0, a empresa em questão "não era administradora de imóveis". Se o
Para terem direito à tributação diferenciada é essencial, portanto, que
fosse, a gratuid~de do serviço prestado não seria óbice à constituição da obrigação
fiscal, pelos motIvos expostos neste tópico. os profissionais se responsabilizem pessoalmente pelos serviços prestados
I

J
234 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 235

em nome da sociedade, sendo pacífica a jurisprudência do STF no sentido nos casos em que a isenção tenha sido concedida por prazo certo e em
de que o caráter empresarial afasta a aplicação do disposto no § 3º do art. função de determinadas condições - cf. arts. 5º, XXXVI, da CF e 178 do
9º do Decreto-lei 406/1968 (cf. RE 105.273, DJU21.6.1985). CTN).
Por derradeiro, é importante deixar assente que o ISS, nesse caso, é Parece que os instrumentos inseridos com o objetivo de acabar com
devido pela sociedade (pessoa jurídica), e não pelos profissionais habili- a dita "guerra fiscal" não são os melhores e nem irão evitá-la - podendo,
tados que prestam serviços em seu nome, consoante expressa disposição quando muito, reduzi-la. Mais eficaz seria estabelecer que o imposto seria
legal; apenas seu quantum será obtido pela soma do imposto que cada devido no local onde os serviços fossem efetivamente prestados, de modo
um deles deveria pagar se exercesse sua atividade com autonomia e sob a, praticamente, tomar inúteis os vários expedientes atualmente usados,
a forma de trabalho pessoal. 109 Entendemos, todavia, que, em razão da inclusive a redução das alíquotas, que deflagra a "guerra fiscal".
flexibilidade que lhe confere o disposto no art. 9º, § 1º, do Decreto-lei A Lei Complementar 116/2003, posterior àquela EC 37/2002, definiu
406, a lei tributária municipal pode gravar diferentemente o serviço desses a alíquota máxima do ISS em 5%, não fixando, porém, a alíquota mínima,
profissionais, consoante o prestem em nome próprio ou no da sociedade. de forma que prevalece a alíquota de 2% prevista na EC 37.
Durante todo o período anterior à atual lei complementar houve
impugnação judicial deste tratamento diferenciado, mas o próprio STF 3.1.3.5 Sujeito passivo - O sujeito passivo da obrigação principal é a
confirmou sua constitucionalidade, no RE 200.324-7-RJ (reI. Min. Marco pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Pode
Aurélio, j. 4.11.1999, JSTF 260/224). ser o contribuinte, quando existe relação pessoal e direta com a situação
que constitui o respectivo fato gerador; ou o responsável, quando, sem
3.1.3.4 Alíquotas - As alíquotas do ISS deverão sujeitar-se aos má- revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição
ximos e mínimos fixados em lei complementar, nos termos do art. 156, expressa de lei, mas desde que haja uma vinculação indireta com o fato
§ 3º, I, da CF, na redação que lhe deu a EC 37, de 12.6.2002. No que gerador (arts. 121 e 128 do CTN).
tange à alíquota máxima, essa disposição constitucional apenas confere à O contribuinte do ISS é o prestador do serviço, nos termos do art. 5º
União a faculdade de limitar tais alíquotas, de modo que, na sua falta, os da Lei Complementar 116/2003. Logo, estará obrigado ao pagamento do
Municípios podem estabelecê-las livremente. Já o mesmo não ocorre com ISS aquele que prestar os serviços definidos pela lei complementar como
a alíquota mínima, pois o art. 88 do ADCT, na redação da EC 37/2002, fato gerador do imposto, mesmo que estes não constituam a atividade pre-
estabelece que, enquanto lei complementar não fixar a alíquota mínima de ponderante do prestador.
que fala o inciso I do § 3º do art. 156 da CF, o ISS terá alíquota mínima de
Apesar de o prestador do serviço ser o contribuinte do ISS, a lei com-
2%, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da lista
plementar, em seu art. 6º, inovou, permitindo seja atribuída a responsa-
anterior, que correspondem aos subi tens da lista anexa à Lei Complemen-
bilidade pelo recolhimento integral do ISS, inclusive multa e acréscimos
tar 116/2003: 7 .02 (execução, por administração, empreitada ou subem-
legais, ao tomador ou ao intermediário do serviço, independentemente de
preitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras
obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, ter sido efetuada sua retenção na fonte.
drenagem e irrigação, terraplenagem, pavimentação, concretagem e a ins- De acordo com o § 2º desse artigo, são responsáveis pelo recolhi-
talação e montagem de produtos, peças e equipamentos), 7.04 (demolição) mento do tributo: a) o tomador ou intermediário de serviço proveniente
e 7.05 (reparação, conservação e reforma de edificios, estradas, pontes, do exterior dQ país ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; b) a
portos e congêneres). pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos
serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12,
E, mais: pretendendo evitar a indesejável "guerra fiscal" entre os
Municípios, a EC 37/2002 vedou a concessão de isenções, incentivos ou 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista.
beneficios fiscais que resultem, direta ou indiretamente, na redução da A intenção do legislador federal foi assegurar a arrecadação do im-
alíquota mínima de 2% (ficando resguardado, contudo, o direito adquirido posto na maioria das hipóteses excepcionadas pelo art. 3º da Lei Com-
plementar, em que o imposto será devido no local da efetiva prestação do
109. Art. 9º, § 3º, c/c o § 1º, do Decreto-lei 406/1968. serviço. Isso porque o prestador geralmente tem inscrição de contribuinte
236 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 237

apenas no Município em que possui estabelecimento prestador, o que tor- no § 3º do art. 9º do Decreto-lei 406/1968, mantido pela Lei Complemen-
na a fiscalização e arrecadação do imposto extremamente dificeis quando tar 116/2003, como vimos no tópico anterior.
este for devido para outros Municípios, pelo fato de o serviço ter sido
A profissionalidade do prestador do serviço, inferida do art. 4º da
neles prestado, substituindo-se nesses casos o contribuinte pelo tomador
(responsável). Lei Complementar 116/203 ("Considera-se estabelecimento prestador o
local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de
A norma determina a responsabilidade do tomador pelo recolhimento modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou
do imposto nos casos que especifica, ficando, assim, o mesmo obrigado a profissional ..."), é requisito essencial para o lançamento do ISS. Por pro-
satisfazer a referida obrigação ainda que não tenha efetuado a retenção da fissionalidade entendemos a prestação habitual de serviço sujeito ao ISS.
quantia a ela correspondente. A profissionalidade compreende, portanto, não só a finalidade econômica
Anote-se que, não havendo lei que determine a retenção, pode o con- como também a habitualidade isto é, a prática reiterada, mas não neces-
tribuinte não permiti-lo, não tendo o tomador o direito de fazê-lo. Apenas, saria~ente cou'stante, de atos q~e caracterizem prestação de serviço tribu-
pelo direito de regresso, ínsito na responsabilidade, é que poderia exigir do tada. A habitualidade presume a finalidade econômica, mas se inexistente
prestador a r'eposição de seu patrimônio no estado anterior. Caso não haja não autoriza a cobrança do ISS, mesmo que a prestação do serviço tenha
o ressarcimento amigável, será necessário socorrer-se do Poder Judiciário. sido remunerada. É o caso daquele que, não sendo professor, é convidado
Em razão disso, e a fim de evitar maiores controvérsias entre tomador e a ministrar uma aula; da empresa de produtos químicos que concorda em
prestador, muitos Municípios têm estabelecido por lei a retenção na fonte administrar edificio alugado por empresas congêneres.
do ISS para esses casos, com base no próprio art. 6º.
Alerte-se que a figura do responsável como substituto ou responsável 3.1.4 Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública
pela retenção na fonte não é nova; pelo contrário, há autorização para sua
adoção desde a edição do Código Tributário Nacional, pelo disposto no A EC 39, de 19.12.2002, introduzindo o art. 149-A na CF, facultou
seu art. 128. O art. 6º da Lei Complementar 116/2003 tem praticamente a aos Municípios e ao Distrito Federal a instituição de contribuição para o
mesma redação desse art. 128, apenas incluída naquele a responsabilidade custeio do serviço de iluminação pública - contribuição, essa, de duvidosa
pela multa e acréscimos legais. constitucionalidade, como se vê das lições de nossos tributaristas. 111
Aliás, muitas Municipalidades já a adotam, com sucesso. Teve início Nos termos do art. 149-Ada CF, são competentes para instituir a Con-
como a retenção na fonte nos casos das execuções de obras de construção tribuição para o custeio do serviço de iluminação pública os Municípios e
civil, aos poucos foi aumentando o universo de serviços elencados, e com o Distrito Federal, por suas leis 10cais. ll2
a lei complementar passou a ter uma amplitude muito maior. Não há dúvi-
111. Sobre a cOJ?tribuição de que se cuida, v., na doutrina: Roque Antonio Carra-
da de que esta atribuição de responsabilidade é um instrumento importan-
zza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 23ª ed., São Paulo, Malheiros Edito-
tíssimo para a fiscalização e arrecadação do ISS. res, 2007, pp. 616 e ss.; José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo,
Embora tenha havido a exclusão expressa no desenho do fato gerador 30ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 729-730; Hugo de Brito Machado,
dos conceitos de empresa e de profissional autônomo, continuam impor- Curso de Direito Tributário, 29ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 422.
112. O Município de São Paulo promulgou a Lei 13.479, de 30.12.2002, insti-
tantes para o conhecimento da sujeição passiva; e, assim, convém lembrar tuindo a COSIP. Por essa lei, o serviço compreende a iluminação de vias, logradouros
que empresa, para os fins do ISS, é a atividade economicamente organiza- e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede
da para a prestação de um ou mais dos serviços relacionados na lei com- de iluminação pública, além de outras atividades a estas correlatas (art. 12 , parágrafo
plementar, podendo ser individual ou coletiva, empresarial ou simples, de único). Define como contribuinte todo aquele que possua ligação de energia elétrica
direito ou de fato. 110 Em qualquer caso, estará sujeita ao pagamento do ISS regular ao sistema de fornecimento de energia (art. 32 ). Estabelece que o valor da CO-
SIP será incluído no montante total da fatura mensal de energia elétrica emitida pela
com base no preço do serviço, salvo se se tratar de sociedade enquadrada concessionária desse serviço, fixando-o em R$ 3,50 para os consumidores residenciais
e R$ 11,00 para os consumidores não-residenciais. Esse valor será reajustado anual-
. 110. Empresa delato é a organizada com desatendimento das exigências legais mente pelo mesmo índice utilizado para o reajuste da tarifa de energia elétrica (art. 4 2 , I
pertmentes, o que é absolutamente irrelevante para a incidência do ISS, em face do e 11, e parágrafo único). Isenta ao pagamento da COSIP os contribuintes vinculados às
disposto no art. 118, I, do crn. unidades consumidoras classificadas como "tarifa social de baixa renda" pelo critério
238 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 239

Os contribuintes são os beneficiários da iluminação pública, a critério ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos arrecadados, os
do legislador municipal; o parágrafo único do art. 149-A da CF faculta recursos recebidos, os valores de origem tributária entregues e a entregar
a cobrança da contribuição mediante a celebração de convênio com as e a expressão numérica dos critérios de rateio (art. 162). Essa divulgação
concessionárias de energia elétrica, por meio das respectivas faturas de deverá ser feita pelo Diário Oficial da entidade interessada ou, nos Muni-
consumo. cípios que não o tiverem, em jomallocal encarregado de publicar os atos
Como a arrecadação da contribuição objetiva o custeio do serviço de oficiais da Municipalidade ou, ainda, mediante fixação em local público
iluminação pública, a despesa oriunda representará sua base de cálculo. da Prefeitura. 113
Assim, o total do gasto com os serviços de iluminação pública deverá ser
rateado entre os beneficiados utilizando-se o critério de consumo de cada 3.2.1 Imposto de renda
usuário ou a testada do imóvel.
O imposto de renda, privativo da União, incide sobre a renda e pro-
ventos de qualquer natureza (art. 153, IlI).
3.2 Impostos partilhados
Renda é o produto do capital, do trabalho ou da combinação de am-
Impostos partilhados são os de competência federal ou estadual de bos; proventos de qualquer natureza são os acréscimos patrimoniais que
cujo produto participam os Municípios, por expressa determinação cons- não consubstanciam renda (CTN, art. 43).
titucional. A participação é parcial, representada pelas quotas-partes que
A Constituição da República impõe a partilha do produto da arreca-
a Constituição prescreve sejam distribuídas aos Municípios, salvo quanto
ao imposto de renda, em que é plena (art. 158, I). Aparte devida ao Erá- dação do imposto de renda entre a União e as demais entidades estatais,
rio Municipal não poderá sofrer qualquer retenção ou restrição quanto à cabendo aos Municípios auferir parte incondicionalmente (art. 158, I) e
entrega e ao emprego dos recursos a ele atribuídos (CF, art. 160), salvo as parte vinculada ao atendimento das exigências constitucionais e legais re-
exceções previstas para a parcela do ICMS e a da aplicada na manutenção lativas aos Fundos previstos no seu art. 159, I, "b", c/c o art. 161, lI. Neste
e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde tópico trataremos da parte incondicionada, uma vez que os Fundos serão
(CF, arts. 158, parágrafo único, 212 e 198, § 22, na redação da EC 29, de estudados adiante.
13.9.2000, respectivamente). Nos termos do art. 158, I, da CF, pertence aos Municípios "o pro-
Os impostos partilhados, que examinaremos sucintamente nos tópi- duto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de
cos seguintes, são: 1) imposto de renda; 2) ITR; 3) IPVA; 4) ICMS; 5) IPI; qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qual-
6) Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esses impostos serão quer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e
distribuídos na forma estabelecida na Lei Maior e nas normas pertinentes manti verem".
nela fundadas. A norma constitucional não faz qualquer restrição quanto à forma de
Observamos, finalmente, que com relação aos impostos partilhados a distribuição da parcela pertencente aos Mtmicípios, ressalvando apenas
Constituição da República impõe à União, aos Estados, ao Distrito Fede- a hipótese prevista no parágrafo único de seu art. 160. Observamos que
ral e aos Municípios que divulguem, até o último dia do mês subseqüente as regras pertinentes do Código Tributário Nacional (art. 85, §§ 12 e 22)
continuam em vigor no que não colidirem com as disposições da atual
da ANEEL (art. 52). A concessionária de energia elétrica é a responsável pela cobrança Constituição da República.
e arrecadação da COSIP, devendo transferir o montante arrecadado para a conta do
Tesouro Municipal especialmente designada para tal fim, sob pena de responder civil
e criminalmente pelo não-cumprimento dessa exigência legal (art. 62 ). A lei prevê, 113. A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal -
ainda, a celebração de convênio no prazo máximo de noventa dias, entre a Prefeitu- LRF), exige a transparência da gestão fiscal (art. 48), indicando como seus instrumen-
ra Municipal e a concessionária de energia elétrica, para a cobrança e a arrecadação tos os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas
previstas no art. 6 2 , observadas as determinações cabíveis da ANEEL. Prevê, ainda, e o respectivo parecer prévio, o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o
a criação de um Fundo Especial, vinculado exclusivamente ao custeio do serviço de Relatório de Gestão Fiscal e suas respectivas versões simplificadas, determinando que
iluminação pública, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo no a tais instrumentos seja dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de
prazo de noventa dias. acesso público.
240 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 241

Por força do mandamento constitucional, pertence ao Município o Quanto à possibilidade de cobrança do ITR pelos Municípios, escla-
produto do imposto de renda que incidir sobre os rendimentos pagos a reça-se que lhes são outorgadas a fiscalização e a cobrança como facul-
qualquer título pela Administração direta, quando obrigatória sua retenção dade; se houver opção, porém, há de ser na forma prevista em lei federal,
pela fonte pagadora, extensivo às suas autarquias e fundações instituídas restringida qualquer medida que possa implicar redução do imposto ou
e mantidas pelo Município, como está expresso no inciso I do art. 158 da sua renúncia. Havendo essa opção, a totalidade da arrecadação do ITR
Carta de 1988. passa a pertencer ao Município, conforme o previsto no inciso H do ~rt.
158, na redação da EC 42/2003: "Pertencem aos Municípios ( ... ) H - Clll-
3.2.2 Imposto territorial rural (ITR) qüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre
a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados,
ITR é O que, pela Constituição da República, incide sobre a proprie- cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, §
dade territorial rural, competindo à União sua instituição e arrecadação 4 2 , IH".
(art. 153, VI), cuja metade do produto pertence ao Município em que se
Em 27.12.2005 veio a lume a Lei 11.250, regulamentando o disposto
situarem os im,óveis rurais tributados (art. 158, H).
no inc. III do § 4 2 do art. 153 da CF, incluído pela mencionada emenda
A Constituição da República de 1988 não admite qualquer retenção constitucional, sobre os efeitos da eventual opção e determinando a edi-
ou restrição quanto à entrega e ao emprego do produto deste imposto pelo ção de ato da Secretaria da Receita Federal visando à sua aplicação. Foi
Município, ressalvada a hipótese do parágrafo único do seu art. 160. Por então editada a Instrução Normativa SRF 643, de 12.4.2006, alterada pela
essa razão, é inconstitucional o § 3 2 do art. 85 do CTN, que autoriza a lei
Instrução Normativa SRF 679, de 27.9.2006. Como o ato é recente, e sua
federal a reservar à União até 20% do imposto arrecadado, para custeio
aplicação dependerá da celebração de convênios com os Municípios in-
dos serviços de lançamento e arrecadação.
teressados, ainda não surgiram possíveis dúvidas na sua aplicação; mas,
Sobre as questões relacionadas com o ITR (conceitos de zona rural, provavelmente, muitas surgirão, em virtude das complexas disposições
fato gerador, incidência, contribuinte etc.), dada sua semelhança com as
contidas no ato elaborado pela SRF.
atinentes ao IPTU, remetemos o leitor ao tópico em que examinamos esse
tributo municipal, cujas observações - feitas as necessárias adaptações - ALei 9.393, de 10.12.1996, dispôs:
valem também para o imposto federal. 114 Permitimo-nos lembrar, todavia, "Art. 2 2 . Nos termos do art. 153, § 4 2 , in fine, da Constituição, o
que EC 42/2003 introduziu diversas alterações na estrutura deste imposto, imposto não incide sobre pequenas glebas rurais quando as explore, só
previsto no § 4 2 do art. 153, a saber: explicitou melhor o texto do antigo § ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. [redação
4 2 (o imposto "terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manu- anterior à EC 42/2003]
tenção de propriedades improdutivas"), inserindo um inciso I que diz que "Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais
o ITR "será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de fonna a desesti-
são os imóveis com área igualou inferior a:
mular a manutenção de propriedades improdutivas" (grifamos); o inciso
n, também adaptando o texto do antigo § 4 2 , in fine, veda sua incidência "I - 100ha, se localizado em Município compreendido na Amazônia
"sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o pro- Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense;
prietário que não possua outro imóvel"; e o novo inciso lU permite que "lI - 50ha, se localizado em Município compreendido no Polígono
o ITR seja "fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, das Secas ou na Amazônia Oriental;
na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer
"11I- 30ha, se localizado em qualquer outro Município."
outra fonna de renúncia fiscal".
A base de cálculo do ITR é o valor fundiário, ou seja, o valor da terra
114. O ITR está regulado pelas Leis 9.393, de 19.12.1996,4.504, de 30.11.1964 nua (art. 30 do CTN).
(Estatuto da Terra), e 5.868, de 12.12.1972 (Cadastro Rural), e pelo Decreto-lei 57, O fato gerador está definido no art. 29 do CTN como sendo "a pro-
de 18.11.1966 (inclusive arts. 14 e 15, que, por serem normas complementares, a Lei priedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido
5.868/1972 não podia revogar). Essas disposições continuam em vigor no que não
contrariarem as normas constitucionais de 1988. na lei civil, localizado fora da zona urbana do Município".
242 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 243

3.2.3 Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permitiu, a final, que suas disposições quanto ao critério de ~is.tribuição,
prazos de crédito e de pagamento sejam alteradas por convemo entre o
O IPVA é de competência estadual, partilhado com o Município na
Estado e todos os seus Municípios.
proporção de 50% do produto arrecadado "sobre a propriedade de veícu-
los automotores licenciados em seu território" (CF, art. 158, III). O critério de distribuição percentual igualitária do ICMS não é justo
nem correspondente aos interesses nacionais, pois favo~e~e os Mu~:licí­
O IPVA, devido anualmente, tem como fato gerador a propriedade
pios industrializados e prejudica os de preponderante abvldad~ ~g:lcola
de veículo automotor de qualquer espécie. Considera-se ocorrido o fato
ou pecuária. Daí a verdadeira "corrida" que ~e obse:va n6s MUmclI?lOS do
gerador do imposto em 1º de janeiro de cada exercício. Tratando-se de Interior para sua transformação em centro llldustnal, con: ofereCImento
veículo novo o fato gerador considera-se ocorrido na data de sua primeira de incentivos de toda ordem às empresas que venham a se lllstalar em seu
aquisição. O imposto é devido no local onde o veículo deva ser registrado território e desestímulo para os lavradores da região. A fim de corrigir
e licenciado, inscrito ou matriculado, perante as autoridades de trânsito, essa situação, urge se classifiquem os Municípios em industriais e agro-
marinha ou da aeronáutica. Não estando o veículo sujeito a registro ou
pecuários, atribuindo-se a estes maior. pa~i~ipação r;'-0. ICMS, de modo
licenciamento, inscrição ou matrícula, o imposto é devido no local de do- a compensar a menor produtividade tnbutana das atIvldades do campo,
micílio do seu proprietário. tão necessárias ao desenvolvimento do país e à vida da população quanto
A partilha desse tributo ao Município não pode sofrer qualquer reten- a produção das indústrias de alto rendimento fisca~. ,S~ n~o se fi~~r ess.a
ção ou restrição quanto à entrega e ao emprego por parte do Estado (CF, reforma no critério distributivo do ICMS, os MumcIplOs llldustnms am-
art. 160, caput). quilarão os agropecuários, na concorrência desigual do forte com o fraco.
A Lei Complementar 63/1990, que dispõe sobre a transferência da Os Estados não podem deduzir quaisquer parcelas da quota do ICMS
arrecadação dos impostos partilhados, dispôs no seu art. 2º que "cinqüenta devida a seus Municípios, seja a que título for, porque a Constituição da
por cento do produto da arrecadação do imposto sobre a propriedade de República destinou-lhes esses recursos integral e incondici?~alment~,
veículos automotores licenciados no território de cada Município serão como se vê do seu art. 158, IV Nesse sentido, o STF vem decldllldo, rel-
imediatamente creditados a este, através do próprio documento de arreca- teradamente, pela inconstitucionalidade das leis estaduais que reservam
dação, no montante em que esta estiver sendo realizada". parte do ICMS pertencente aos Municípios para ~correr às despesas com a
fiscalização, arrecadação e administração desse lmposto.
3.2.4 Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias Pode o Município vincular os recursos do ICMS para amo~izar ~u. ~a­
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual rantir eventuais empréstimos ou financiamentos? Em que pese as opllllOes
e intermunicipal e de comunicação (ICMS) em contrário, fundadas no art. 167, IV, da CF ou no art. 54 da Lel 4.320,
de 17.3.1964, entendemos que inexiste óbice constitucional ou legal a essa
Como o próprio nome diz, o ICMS incide sobre as operações relativas vinculação. Com efeito, o próprio art. 167, IV, da CF estabelece os casos
à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte de ressalva à vedação de vinculação de receita de impostos, e dentr~ e~es
interestadual e intermunicipal e de comunicação, de competência impo- estão os impostos previstos no art. 158 da mesma CF, que, ~m seu lll~lS?
sitiva privativa dos Estados (CF, art. 155, lI); mas a própria Constituição IV cuida do ICMS. Ressalte-se que a Constituição Federal VISOU a prOlblr
prescreve que 25% do produto de sua arrecadação constituem receita de a ~inculação de receita dos impostos como receita própria da entidade
seus Municípios (art. 158, IV), devendo as parcelas atender aos critérios tributante - o que o ICMS, em relação ao Município, não o é.
previstos no parágrafo único do mesmo art. 158. Quanto ao art. 54 da Lei 4.320/1964, a vedação nele contida abrange
A Lei Complementar 63, de 11.1.1990, estabeleceu critério para o apenas a compensação da obrigação (do credor) de recolher rendas ~u
cálculo das quotas municipais baseado na relação entre o valor adicionado receitas com o direito creditório (do mesmo credor) contra a Fazenda Pu-
(acréscimo de valor sofrido pela mercadoria em cada operação sucessiva) blica - o que é absolutamente diverso da vinculação ~ontratual de r~cursos
das operações no Município e as de todo o Estado (art. 3º, § 3º); fixou pra- municipais para amortização ou garantia de emprésbmos ou fi~anc,l~men­
zos para crédito e entrega das parcelas, bem como sanções para seu desa- tos concedidos ao Município, sem envolvimento da relação trlbutana en-
tendimento; forneceu meios aos Municípios para fiscalizar a arrecadação; tre a Municipalidade e o emprestador ou financiador.
244 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 245

Esse entendimento está de acordo com o do Autor na vigência da participação do Município no ICMS para liquidação de débito. A vincula-
legislação anterior, pois a disciplina legal do Fundo de Participação dos ção vedada pelo texto constitucional está ligada a tributos próprios".
Municípios admite a vinculação de suas quotas para amortização de dívida
com a Previdência Social e com o FGTS, nos termos do Decreto 894, de 3.2.5 Imposto sobre produtos industrializados (IPI)
16.8.1993. ALei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilida-
de Fiscal- LRF), não vedou tais operações de crédito, mas lhes impôs al- O IPI é de competência da União, por ela arrecadado (CF, art. 153,
gumas limitações. Realmente, o art. 38 da LRF estabelece que a operação IV) e distribuído, 10% do produto aos Estados e ao Distrito Federal, pro-
de crédito por antecipação de receita se destina a atender à insuficiência de porcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos indus-
caixa durante o exercício financeiro e deverá cumprir as exigências do art. trializados (CF, art. 159, II), 21,5% ao Fundo de Participação dos Estados
32 do mesmo diploma legal e mais as seguintes: a) realizar-se-á somente e do Distrito Federal e 22,5% ao Fundo de Participação dos Municípios
a partir do décimo dia do início do exercício; b) deverá ser liquidada, com (CF, art. 159, I, "a" e "b").
juros e outros encargos incidentes, até o dia 10 de dezembro de cada ano; Dessa partilha, do montante recebido pelos Estados (10%) eles re-
c) não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de distribuirão, de sua quota-parte, 25% aos seus Municípios, observados
juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II - ou seja,
financeira ou a outra que a substitua. Além disso, tal operação fica proibi- três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações
da enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmen- relativas a esse imposto, realizadas em seu território; e até um quarto,
te resgatada, bem como no último ano de mandato do prefeito municipal. de acordo com o que dispuser lei estadual. A Lei Complementar federal
Determina, ainda, a Lei de Responsabilidade Fiscal que as operações de 61, de 26.12.1989, estabelece normas para a participação dos Estados e
crédito em comento não serão computadas para efeito do que dispõe o in- do Distrito Federal no produto da arrecàdação do IPI relativamente às
ciso III do art. 167 da CF desde que liquidadas até o dia 10 de dezembro de exportações.
cada ano. Estabelece, mais, a Lei de Responsabilidade Fiscal que as ope-
rações de crédito por antecipação da receita realizadas pelos Municípios 3.2.6 Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financei-
ra vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco O FPM, previsto no art. 159, I, "b", da CF, é constituído de 22,5% dos
Central do Brasil, ao qual incumbem manter sistema de acompanhamento 4 7% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de
e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância dos limi- qualquer natureza e sobre produtos industrializados, privativos da União,
tes, a aplicação das sanções cabíveis à instituição credora. descontada a parcela de arrecadação do imposto de renda pertencente aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos dos arts. 157, I,
A situação das quotas do Fundo de Participação dos Municípios nas
finanças municipais é mais favorável a esse tipo de operação que a do e 158, I, da CF.
ICMS, pois estão constitucionalmente vinculadas a planos elaborados em A aplicação dos recursos carreados para o FPM sujeita-se aos ditames
confornüdade com diretrizes e prioridades do Governo Federal (CF, art. da lei federal pertinente (CF, art. 161, lI), cabendo ao TCU o cálculo das
165, § 9l2 , II). Assim, se essas quotas podem servir à amortização, garantia quotas devidas a cada Município (CF, art. 161, parágrafo único).
ou contragarantia de operações de crédito, com mais razão o podem as As normas legais que regem o FPM constam da Constituição Federal,
quotas do ICMS, nos limites da capacidade de endividamento do Municí- do Código Tributário Nacional (arts. 86-94), das Leis Complementares
pio interessado. 62, de 28.12.1989,91, de 22.12.1997, e 106, de 23.3.2001. Com base nos
Em outra ocasião o Autor deixou claro que a vinculação proibida preceitos constitucionais e legais, examinaremos a seguir, sinteticamente,
só atinge os impostos próprios, e não os recursos transferidos, pois estes a constituição e a aplicação do FPM e, quanto às quotas, o cálculo e o
são rendas financeiras e não tributárias (RDA 98/56). Em acórdão profe- critério de distribuição, pagamento e comprovação da aplicação.
rido no RE 184. 116-8-MT (reI. Min. Marco Aurélio, j. 7.11.2000, DOU
16.2.2001), o STF manteve este mesmo posicionamento, ao decidir: "Ine- 3.2.6.1 Instituição e aplicação - Como vimos acima, o FPM é cons-
xiste ofensa ao inciso IV do art. 167 da CF no que utilizado o produto da tituído de 22,5% do produto da arrecadação dos impostos de renda e so-
v- FINANÇAS MUNICIPAIS 247
246 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

bre produtos industrializados, da competência fiscal privativa da União. compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. O parágrafo
Determinando que essa parcela seja distribuída ao Fundo, para posterior único do dispositivo constitucional diz, apenas, que a vedação prevista
redistribuição aos Municípios, a Constituição da República a excluiu da não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos
receita da União, que não poderá dispor desses recursos para satisfação ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias; e ao cum-
de suas próprias necessidades, ainda que não os movimente, segundo sua primento do disposto no art. 198, § 22 , II e III, que determina a aplicação
destinação constitucional. Esses recursos constituem receita municipal la- anual em ações e serviços de saúde dos recursos do FPM.
t~nte que se efetiva no mo~ento em que se propi~ia sua distribuição, pelo
calculo da quota-parte deVIda a cada Município. A União compete apenas 3.2.6.2 Cálculo e critério de distribuição das quotas - O cálculo das
administrar o FPM, regulando sua aplicação, nos limites fixados em lei, e quotas do FPM devidas aos Municípios foi constitucionalmente atribuído
procedendo à distribuição e entrega dos seus recursos, uma vez atendidos à competência do TCU (CF, art. 161, parágrafo único). Disciplinando a
os requisitos constitucionais e legais pertinentes. matéria, o Código Tributário Nacional determinou que o TCU, até o últi-
mo dia útil de cada exercício, forneça ao Banco do Brasil o coeficiente in-
Daí por que o Código Tributário Nacional determina ao Banco do
dividual de participação de cada Município, fixado em conformidade com
Brasil que, à medida que for recebendo as comunicações do recolhimento
o critério de distribuição estabelecido no seu art. 91, para vigorar durante
dos impostos de renda e sobre produtos industrializados, destaque auto-
o exercício subseqüente (art. 92). Recebidos os coeficientes, o Banco do
maticamente a parcela pertencente ao FPM, creditando-a na conta deste (e
Brasil calcula as quotas, em parcelas distintas para o imposto de renda e o
não na conta Receita da União) e cientificando o TCU do total dos crédi-
imposto sobre produtos industrializados, com base nos totais creditados ao
tos efetuados no mês anterior (art. 87 e parágrafo único).
FPM no mês anterior (art. 93).
A aplicação do FPM far-se-á em conformidade com as diretrizes e
O critério de distribuição do Código Tributário Nacional (art. 91)
prioridades dos planos e programas nacionais, especialmente dos Planos
parte de uma primeira repartição dos recursos do Fundo entre as Capitais
Nacionais de Desenvolvimento, respeitadas as condições locais admi-
tindo-se a destinação de recursos a fundos especiais de desenvol~imento (10%) e os demais Municípios (90%) para, em seguida, diversificar os
co~stituídos pelos Municípios, para aplicação através de bancos, compa-
fatores que irão propiciar o cálculo dos coeficientes individuais daquelas
nlllas de desenvolvimento e outras instituições adequadas. Ao Poder Exe- e destes últimos.
cutivo Federal compete estabelecer os setores prioritários para a aplicação Assim, a distribuição do FPM é feita da seguinte forma: a) 10% para
dos recursos do FPM e os mínimos que as Municipalidades deverão desti- os Municípios-Capitais; b) 86,4% para os demais Municípios do Interior;
nar às despesas de capital e a determinadas áreas de maior prioridade, bem c) 3,6% para os Municípios do Interior que fazem parte da reserva, com
como os critérios, normas e instruções para elaboração dos programas de mais de 142.633 habitantes (excluídas as Capitais). Para cada Capitalle-
aplicação, cuja aprovação é essencial para o recebimento das quotas. As vam-se em conta.não só sua população, relativamente à do conjunto de
normas para a aplicação dos recursos do FPM deverão visar à pro!ITessiva Capitais, como o inverso da renda per capita do respectivo Estado; o coe-
implantação do sistema de planos de desenvolvimento e de orç;mentos ficiente individual de participação dos outros Municípios é obtido pela
plurianuais de investimentos, e as exigências para a elaboração dos pro- população absoluta de cada um deles (CTN, art. 91, §§ 12 e 22).115
gramas municipais serão estabelecidas com atenção para o nível de renda Os percentuais do FPM destinados aos Municípios de cada Estado
e as condições específicas da situação administrativo-institucional dos di- foram fixados com base na Lei Complementar 62, de 28.12.1989.
ferentes Municípios.
A reserva foi instituída pelo art. 32 do Decreto-lei 1.881, de 27.8.1981,
A par das normas regulamentares do Executivo Federal, o TCU pas- e corresponde a 4% do valor do FPM destinado aos Municípios do Inte-
sou também a expedir instruções normativas sobre a aplicação do FPM rior. Os recursos da reserva são destinados aos Municípios com população
(Instrução Normativa 31, de 24.11.1999) - o que, a nosso ver, desborda da
sua competência constitucional, restrita ao cálculo das quotas desse Fun- 115. O Código Tributário Nacional enquadra os Municípios não-Capitais em fai-
do. Bem por isso, o art. 160 da CF veda a retenção ou qualquer restrição xas de população (art. 91, § 2Q), cujos limites devem ser reajustados com base em da-
à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos na Seção VI do Capítulo I dos oficiais de população produzidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
do seu Título VI aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles e Estatística - IBGE (art. 91, § 3Q).
248 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 249

superior a 142.633 habitantes, ou seja, aos Municípios enquadrados nos


IBGE publicar no Diário Oficial da União, até o dia 31 de agosto de cada
coeficientes 3,8 e 4,0 da tabela constante do referido decreto-lei. A dis-
ano, a relação das populações dos Estados e Municípios, que será utiliza,da
tribuição dos recursos da reserva baseia-se em coeficientes calculados a
pelo TCU para cálculo das quotas referentes ao FPM. Cumpre tambem
partir da pop~lação de cada Município participante e da renda per capi-
ao IBGE informar a renda per capita apurada para efeito de cálculo dos
ta do respectIvo Estado, as quais são informadas pelo IBGE. A partir do
coeficientes dos Municípios-Capitais e daqueles que integram a reserva.
exercício de 1998 a cada participante foi garantido no mínimo o mesmo
Eventuais reclamações quanto aos dados populacionais divulgados devem
coeficiente atribuído no exercício de 1997. Todavia, os ganhos adicionais,
ser submetidas ao próprio IBGE, no prazo de 20 dias a contar da mencio-
em relação aos coeficientes legalmente indicados, estão sujeitos a redutor
nada publicação. 116 Solucionadas as divergências nos dados, se houver,
financeiro (Lei Complementar 91/1997, art. 3º, § 2º). De acordo com o §
o IBGE encaminhará ao TCU, até o dia 31 de outubro de cada ano, a re-
2º do art. 1º da Lei Complementar 91/1997, na redação que lhe deu a Lei
lação das populações por Estados e Municípios, indicando, quando for o
Complementar 106, de 23.3.2001, ficaram mantidos a partir de 1998 os
caso, as populações cedidas e as remanescentes e as alterações de nomes
coeficientes do FPM atribuídos em 1997 aos Municípios que apresenta- ocorridas no período, que são adotadas como base de cálculo para estabe-
ra~ redução ,de seus coeficientes, inclusive os da reserva e das Capitais, lecer os coeficientes de cada unidade participante do FPM, os quais terão
ap~I~ando-se, no entanto, um redutor financeiro gradativo sobre o ganho vigência no ano seguinte. Assim, para que ocorra a revisão do número de
adICIOnal: a) 70% no exercício de 2005; b) 80% no exercício de 2006; c) habitantes, com subseqüente alteração do coeficiente de participação no
90% no exercício de 2007. A partir de 1.1.2008 os coeficientes individuais FPM, estabelecido por decisão normativa do TCU, é indispensável que o
de participação no FPM serão fixados exclusivamente de acordo com a IBGE informe ao TCU dados que atualizem o resultado do último censo
faixa de habitantes estabelecida pelo Decreto-lei 1.881/1981 (Lei Com- demográfico.
plementar 106/2001, § 2º do art. 1º). Para o exercício de 2002 a Decisão
A revisão dos coeficientes do FPM é feita anualmente, a partir da
Normativa do TCU 044, de 28.12.2001, aprovou os coeficientes a serem
divulgação dos dados populacionais atualizados pelo IBGE, nos termos da
utilizados no cálculo das quotas para a distribuição dos recursos do FPM.
Lei Complementar 59, de 22.12.1988. O Município pode mudar de coefi-
Anteriormente à Lei Complementar 62/1989, quando havia desmem- ciente se o levantamento anual realizado pelo IBGE indicar alteração no
bramento de Municípios o coeficiente do Município-matriz era dividido número de seus habitantes. Havendo alteração populacional, o TCU pro-
com a nova unidade de maneira proporcional à população cedida. Com cederá ao cálculo dos novos coeficientes, os quais produzirão efeitos fi-
a edição da referida lei complementar os coeficientes de novos Municí- nanceiros a partir do ano seguinte. Na criação e instalação de novos Muni-
pios somente repercutem nas unidades municipais do respectivo Estado e cípios o TCU, com apoio nos dados populacionais divulgados pelo IBGE,
a partir da instalação dos novos entes municipais, ou seja, a partir da posse fará a revisão dos coeficientes individuais de participação dos Municípios
dos prefeitos eleitos. Para assegurar recursos do FPM aos novos Muni- do Estado a que pertence a nova comuna, reduzindo proporcionalmente as
cípios são reduzidas, proporcionalmente, as parcelas devidas aos demais parcelas que a estes couberem, de modo a assegurar recursos do FPM ao
Municípios do Estado a que pertencem, não afetando, assim, Municípios Município recém-criado (Lei Complementar 62/1989, art. 5º).
de outro.s ~st.ados. Dessa forma, quando são criados novos Municípios
a quota md!vIdual do FPM dos demais Municípios existentes no Estado 3.2.6.3 Pagamento das quotas - O pagamento das quotas do FPM é
diminui, uma vez que os novos Municípios recebem também coeficientes efetuado pelo Banco do Brasil, que até o último dia de cada mês as cre-
individuais de participação que são somados aos coeficientes já existentes ditará, em parcelas distintas para os impostos de renda e sobre produt~s
para a distribuição do FPM destinado aos Municípios do Estado. Conse- industrializados, na conta especial de cada Município, aberta na agênCIa
qüentemente, como a participação estadual na quota global do FPM per- de sua sede ou, na falta, na agência mais próxima (CTN, art. 93 e § 1º).
manece a mesma e o número de participantes aumenta, a quota individual Os Municípios podem encaminhar ao TCU reclamações quando os
de todos diminui. recursos recebidos não corresponderem aos seus respectivos coeficientes
O TCU efetua o cálculo do coeficiente no FPM de cada Município, e/ou quando houver atraso no repasse dos valores devidos, excetuando os
obedecendo a critérios previamente estabelecidos na legislação pertinente casos de bloqueio das quotas do FPM.
e com base nos dados populacionais fornecidos pelo IBGE. Compete ao
116. Lei 8.443, de 16.7.1992, art. 102.
250 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 251

As parcelas do FPM podem ser bloqueadas ante a inadimplência aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a
dos Municípios junto aos Estados e ao Governo Federal. Esse bloqueio impostos. 118
está previsto no parágrafo único do art. 160 da CF, que faculta à União
e aos Estados condicionar o pagamento de seus créditos à entrega de re- 3.2.6.4 Comprovação da aplicação das quotas - O Código Tributário
cursos q~e lhes sejam devidos (e às suas autarquias) pelos Municípios. Nacional exigiu que a comprovação da aplicação mínima dos recursos do
O ~loq~eIO -=- b~m c?mo o desbloqueio, que ocorre com a regularização FPM em despesas de capital, definidas em lei de normas gerais de direito
da madImplencla - e da competência dos órgãos federais tais como os financeiro,119 fosse feita perante o TCU (art. 94 e § 1º). Essa exigência e
regionais da Secretaria da Receita Federal, quanto aos débi;os relativos ao a atribuição ao TCU de suspender o pagamento das quotas em razão do
PASEP; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, quando se tratar de seu desatendimento ou atendimento irregular não se coadunam com os
déb~tos inscritos na dívida ativa da União; o Instituto Nacional de Seguro preceitos constitucionais que estabelecem a competência do TCU e os re-
SOCIal, com relação aos débitos previdenciários. Para obter a liberação quisitos para a distribuição das quotas do FPM, consoante demonstramos
dos recursos retidos os Municípios devem procurar o órgão responsável acima. E nem a Lei 8.443, de 16.7.1992 (Lei Orgânica do TCU), outorga
pela retenção e efetuar a regularização da eventual situação de mora ou tal competência ao TCU. Diversamente, o art. 1º, VI, diz que lhe compete
inadimplência com os Governos Estadual ou Federal, conforme o caso. apenas e tão-somente "efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo
Fora desses casos as quotas não podem ser validamente suspensas, nem das quotas referentes aos Fundos de Participação a que alude o parágrafo
mesmo por falta de cumprimento ou cumprimento incorreto da exigência único do art. 161 da Constituição Federal, fiscalizando a entrega dos res-
de. apl~c~ção ~ínima em despesas de capital, consoante previu o Código pectivos recursos".
Tnbutano NaCIOnal (art. 94 e § 2º, lI). A suspensão do pagamento nesse
caso, ou com base em outras disposições normativas do TCU (prestação 3.2.7 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
de contas inexistente ou irregular, falhas ou inexistência do sistema de
controle interno estabelecido pelo próprio TCU, improbidade ou desvio O art. 79 do ADCT, na redação da EC 31, de 14.12.2000, instituiu este
de recursos), atenta contra a Constituição Federal, que no tocante aos re- Fundo, para vigorar até o ano de 2010, a ser regulado por lei complemen-
cursos do FPM deixou à lei complementar o estabelecimento de normas tar (Lei Complementar 111, de 6.7.2001), com o objetivo de viabilizar a
sobre a entrega dos mesmos, especialmente sobre os critérios de rateio todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos
dos Fundos, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre os serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação,
Municípios (CF, art. 161, lI). saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse
Apesar da interferência do TCU nessa matéria, com a tácita e muitas social voltados para a melhoria da qualidade de vida. Referido Fundo terá
vezes expressa concordância do Governo Federal, andou bem o consti- Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participa-
tuinte de 1988, que, como já o haviam feito os anteriores, tratou as quotas ção de representantes da sociedade civil. Compõem esse Fundo: a parcela
do FPM como receita do Município. Como tal, sua aplicação sujeita-se às do produto da arrecadação correspondente a um adicional de 0,08% (oito
regras comuns de fiscalização financeira e orçamentária no âmbito muni- centésimos por cento), aplicável de 18.6.2000 a 17.6.2002, na alíquota da
cipal, isto é, de controle externo pela Câmara de Vereadores com o auxílio contribuição social de que trata o art. 75 do ADCT (CPMF); a parcela do
do órgão estadual competente. Desse controle jamais poderá resultar a produto da arrecadação correspondente a um adicional de 5% na alíquota
suspensão de entradas para o Erário Municipal, mas tão-somente a não- do IPI, ou do imposto que vier a substituí-lo, incidente sobre produtos
aprovação de contas ou a correção de atos de gestão financeira e orçamen- supérfluos e aplicável até a extinção do Fundo; o produto da arrecadação
tária do prefeito, com as conseqüentes sanções político-administrativas do imposto de que trata o art. 153, VII, da CF (imposto sobre grandes
penais e civis, de caráter pessoal. 117 Aliás, o art. 160 da CF veda a reten~
ção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos 118. O TJSP decidiu ser inadmissível a retenção pela Fazenda do Estado de per-
centual do FPM (cf. RJTJSP 169/265).
119. A Lei 4.320, de 17.3 .1964, que contém normas gerais de direito financeiro,
. 117. Sobre aprestação de contas do prefeito, v. os Capítulos XI, item 3.7, e XII, não definiu precisamente despesas de capital, mas deixou patente que são as despesas
Item 3.12; e sobre suas responsabilidades, o Capítulo XII, item 4. que criam novos bens, enriquecendo o patrimônio público (art. 12, §§ 4º-6º).
252 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 253

fortunas, a ser definido em lei complementar); dotações orçamentárias; "Bolsa-Escola", para as famílias que têm filhos com idade entre 6 e 15
doações, de qualquer natureza, de pessoas fisicas ou jurídicas do país ou anos, e "Bolsa-Alimentação", àquelas com filhos em idade de O a 6 anos e
do Exterior; outras receitas, a serem definidas na regulamentação do refe- indivíduos que perderam os vínculos familiares (art. 3º, § 1º).
rido Fundo. Os Municípios, de acordo com o que estabelece o art. 82 do O art. 4º da Lei Complementar 111/2001 instituiu o Conselho Con-
ADCT, devem instituir Fundos de Combate à Pobreza com os recursos de sultivo e de Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da
que tratam os dispositivos pertinentes da Constituição Federal e outros Pobreza, cujos membros serão designados pelo Presidente da República,
que vierem a destinar, devendo tais Fundos ser geridos por entidades que com a atribuição de opinar sobre as políticas, diretrizes e prioridades d.o
contem com a participação da sociedade civil. Para o financiamento dos Fundo e acompanhar a aplicação dos seus recursos. O Conselho Consultl-
Fundos Municipais poderá ser criado adicional de até 0,5% na alíquota do vo terá sua composição e funcionamento regulamentados por ato do Poder
ISS, ou do que vier a substituí-lo, sobre serviços supérfluos. Lei federal Executivo, assegurada a representação da sociedade civil (art. 4º e pará-
definirá os serviços supérfluos a que se refere o § 2º do art. 82 do ADCT. grafo único).
A Lei Complementar 111, de 6.7.2001, disciplina o Fundo em exa- Ao órgão gestor do Fundo, que por designação do Presidente da Re-
me, vedando _a utilização de seus recursos para remuneração de pessoal pública é o Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança
e encargos sociais e determinando que o percentual máximo do Fundo a Alimentar e Combate à Fome (Decreto 4.564, de 1º.1.2003), compete:
ser destinado às despesas administrativas será definido anualmente pelo coordenar a formulação das políticas e diretrizes gerais que orientarão as
Poder Executivo (art. 1º, §§ 1º e 2º).
aplicações do Fundo; selecionar programas e ações a serem financiados
Além das já constitucionalmente previstas, a Lei Complementar com recursos do Fundo; coordenar, em articulação com os órgãos respon-
111/2001 indica como receitas do Fundo os rendimentos constituídos pe- sáveis pela execução dos programas e das ações financiados pelo Fundo,
los recursos recebidos pela União em decorrência da desestatização de a elaboração das propostas orçamentárias a serem encaminhadas ao órgão
sociedades de economia mista ou empresas públicas por ela controladas central do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamento, para inclusão
gerados a partir de 18.6.2002 (art. 2º, V). Estabelece, ainda, a Lei Comple- no projeto de lei orçamentária anual (LOA), bem como em suas altera-
mentar 111 que não se aplica aos recursos do Fundo o disposto no art. 159 ções; acompanhar os resultados da execução dos programas e .d~s aç?es
e no inciso IV do art. 167 da CF, nem qualquer desvinculação de recursos financiados com recursos do Fundo; prestar apoio técnico-admmlstratlvo
orçamentários. Também constituiu receita do Fundo a arrecadação decor- para o funcionamento do Conselho Consultivo; e dar publicidade, com
rente do disposto no inciso I do art. 2º, no período compreendido entre periodicidade estabelecida, aos critérios de alocação e uso dos recursos
19.3.2001 e o início da vigência da Lei Complementar 111/200 1 (em vigor (art. 5º, I-VI).
na data de sua publicação: 9.7.2001), integralmente repassada ao Fundo O Regulamento define as ações integradas de acompanhamento ou
entre 19.6 e 31.12.2002, acrescida do percentual de remuneração aplicável controle a serem exercidas pelo Conselho Consultivo, pelo órgão gestor e
aos recursos da Conta Unica do Tesouro Nacional junto ao Banco Central pelos órgãos responsáveis pela execução dos programas e das ações finan-
do Brasil, calculado no período entre o ingresso da receita e seu repasse ciados pelo Fundo, sem prejuízo das competências dos órgãos de controle
ao Fundo.
interno e externo. Os órgãos responsáveis pela execução dos programas
Os recursos do Fundo serão direcionados a ações que tenham como e das ações financiados pelo Fundo deverão apresentar ao órgão gestor
alvo: famílias cuja renda per capita seja inferior à linha de pobreza, assim relatórios periódicos de acompanhamento fisico e financeiro dos recursos
como indivíduos em igual situação de renda; populações de Municípios e aplicados (art. 6º e parágrafo único).
l?calidades urbanas ou rurais, isolados ou integrantes de regiões metropo- Nos termos do art. 2º do Decreto federal 4.564, de 1º.1.2003, que
htanas, que apresentem condições de vida desfavoráveis (art. 3º, I e 11). A revogou o Decreto 3.997, de 1.11.2001, dando nova regulamenta~ão à
linha de pobreza - ou conceito que venha a substituí-la - assim como os Lei Complementar 111, de 6.7.2001, integram o Conselho ConsultIVO e
Municípios que apresentem condições de vida desfavoráveis serão defini- de Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza:
dos e divulgados a cada ano pelo Poder Executivo (art. 3º, § 2º).
I - O Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Com-
O atendimento às famílias e indivíduos referidos será feito, priorita- bate à Fome, ou seu representante, que o presidirá; II - os Secretários-
riamente, por meio de programas de reforço de renda, nas modalidades Executivos dos seguintes Ministérios: a) do Planejamento, Orçamento e
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 255
254 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Gestão; b) da Educação; c) da Saúde; d) do Desenvolvimento Agrário; Sendo o Ensino Fundamental obrigatório e gratuito (art. 208, I, da
e) da Integração Nacional; e f) da Assistência e Promoção Social; lU - o CF) e sendo elevado a prioridade nacional, em 1996 foi promulgada a EC
Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República ou 14 criando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
seu representante; IV - um membro representante da sociedade civil de m;ntal e de Valorização do Magistério - FUNDEF, visando a facilitar sua
cada um dos seguintes Conselhos: a) Nacional de Assistência Social; b) universalização e garantir remuneração condigna aos professores.
Nacional de Saúde; c) Nacional de Educação; d) de Defesa dos Direitos ° FUNDEF foi constituído com recursoS provenientes de algumas
transferências de impostos dos Estados e dos Municípios, distribuídos
da Pessoa Humana; e) Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente;
e f) Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de
Ao Conselho Consultivo cabe opinar sobre as políticas, diretrizes e alunos nas respectivas redes de Ensino Fundamental.
prioridades do Fundo; sugerir áreas de atuação onde devem ser utilizados A porcentagem aplicada era de 15%, descontada direta~ente pelo
os recursos do Fundo; propor o montante total de recursos a serem apli- Banco do Brasil e depositada em conta específica de cada PrefeItura, aten-
cados em cada área de atuação; apresentar proposta de metodologia de dendo à proporção dos alunos matriculados no Ensino Fundamental no
definição da linha de pobreza e área geográfica onde as ações financiadas ano anterior.
pelo Fundo devam ser concentradas; acompanhar, com periodicidade a ser Cabia à União complementar a parte do FUNDEF recebido pelos Es-
definida pelo próprio Conselho, a aplicação dos recursos; e acompanhar, tados e Municípios sempre que os valores médios anuais por aluno ficas-
sem prejuízo das competências dos órgãos de controle interno e externo, sem abaixo do valor mínimo nacional estabelecido por decreto do Presi-
as ações financiadas com recursos do Fundo em cada um dos órgãos res- dente da República.
ponsáveis pela execução. Como um dos objetivos era a valorização dos professores, estabelece-
Aos Municípios cabe disciplinar por lei local específica seus Fundos se a obrigatoriedade de pelo menos 60% do FUNDEF seriam aplicad~s
de Pobreza, com os recursos de que tratam os dispositivos pertinentes da no pagamento dos professores do Ensino Fundame.ntal, ~esde .que efe.b-
Constituição Federal e outros que vierem a destinar, devendo tais Fundos vamente atuando no exercício do Magistério. InclUSIve fOI preVIsta a crIa-
ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade ção de Plano de Carreira e Remuneração do Magistério ..Os restantes 4?%
civil. Para o financiamento dos Fundos Municipais poderá ser criado adi- seriam aplicados no custeio de manutenção e desenvolVImento do EnSlllO
cional de até 0,5% na alíquota do ISS, ou do que vier a substituí-lo, sobre Fundamental Público.
serviços supérfluos. Lei federal definirá os serviços supérfluos a que se Este Fundo, de natureza contábil, não tinha personalidade jurídica,
refere o § 2º do art. 82 do ADCT. Note-se que até hoje este adicional não sendo mero mecanismo financeiro de âmbito estadual, cuja finalidade era
foi criado, como também não foi editada a referida lei federal. redistribuir dinheiro entre seus partícipes.
° FUNDEF foi regulamentado pela Lei 9.424/1996, a qual determi-
nava a existência, em cada Município, de um conselho de acompanhamen-
3.2.8 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
to e controle social do FUNDEF, a ser criado por lei municipal, sem es-
de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB)
trutura administrativa própria e cujos membros não perceberiam qualquer
Ao tratar da Educação, a Constituição de 1988 dispõe, em seu art. espécie de remuneração pela participação no colegiado.
211, que os entes federativos "organizarão em regime de colaboração seus Em 19.12.2006 foi promulgada a EC 53, que alterou a redação do
sistemas de ensino"; e, no § 2º, que "os Municípios atuarão prioritaria- art. 60 do ADCT, prevendo a destinação, até o 14º ano da data da sua
mente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil". C:
promulgação, de parte dos recursos referid~s ?o caput do art. 212 da P à
Instituiu uma vinculação dos recursos, de forma a obrigar a aplicação constituição, de um fundo de natureza contabIl - Fundo de Manutençao e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
anual pela União de 18% dos recursos provenientes de seus impostos e pe-
los Estados, Distrito Federal e Municípios de 25% da receita dos impostos da Educação-FUNDEB.
próprios e das transferências recebidas na manutenção e desenvolvimento Em 28.12.2006, foi editada a Medida Provisória 339, convertida na
do ensino. Lei 11.494, de 20.6.2007, regulamentando o FUNDEB. A entrada em vi-
256 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 257

gor da regulamentação do FUNDEB, fez com que as disposições da Lei 3.2.9 Fundo Municipal da Saúde
9.424, de 24.12.1996, que regiam o FUNDEF, fossem revogadas, com Os Municípios, com a promulgação da Constituição de 1988, passa-
exceção dos arts. 9º a 12 da referida lei, por regularem a transição da sis- ram a ter competência para "prestar, com a cooperação técnica e financeira
temática de repartição e distribuição de seus recursos. da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população" (art.
Desta forma, a manutenção e desenvolvimento da educação básica e 30, VII).
a remuneração condigna dos trabalhadores da educação serão custeadas Em função da importância da matéria, que é imperativo constitucio-
por 20% dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do art. 155; o nal, iniciou-se um processo de municipalização do atendimento à saúde
inciso II do caput do art. 157; os incisos lI, III e IV do caput do art. 158; (Lei 8.080/1990).
e as alíneas "a" e "b" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, da O Fundo Municipal de Saúde, como fundo especial que é, deve aten-
Constituição Federal, e distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, der ao disposto no art. 74 da Lei 4.320/1964, sendo instituído por lei que
proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalida- indicará seus objetivos, serviços a serem afetados, órgão a que se subor-
des da educação básica presencial, matriculados nas respectivas redes, nos dina, o gestor para a movimentação e discriminação de seus recursos fi-
respectivos âmbitos de atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do nanceiros.
art. 211 da CF. O repasse dos recursos financeiros aos Municípios habilitados deverá
O inciso III prevê que lei especifica fixará piso salarial nacional para ser feito pelo Banco do Brasil, única instituição financeira autorizada para
os profissionais do magistério público e da educação básica, destinando- tal e o será na mesma agência onde o Município recebe os recursos do
se 60% dos recursos do FUNDEB ao pagamento desses profissionais em FPM. Duas contas serão abertas, sob titularidade do Fundo Municipal de
efetivo exercício (inc. XII), repetindo o disposto no parágrafo único do art. Saúde, de forma genérica, atualmente com as seguintes denominações:
211 da CF, incluído pela EC 53/2006: "A lei disporá sobre as categorias de designação do Município - MAC-AIH (média e alta complexidade) e de-
trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fi- signação do Município - PAB (piso de atenção básica).
xação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, Os recursos financeiros têm origem em uma parte fixa, calculada por
no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". um valor per capita/ano, e outra variável, dependente da produção. E a
O resultado da composição do fundo deverá ser distribuído entre o Lei 8.142/1990 estabelece que, para receberem os recursos, os Municípios
Distrito Federal e os Estados e entre estes e seus Municípios proporcio- deverão ter uma contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orça-
nalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da edu- mento, que será depositada na conta do Fundo, permitindo que o balanço
cação básica. anual possa refletir todas as aplicações do Governo.
Importante atentar-se para o conceito de padrão mínimo de qualidade, A aplicação dos recursos formadores do Fundo será acompanhada
o qual deverá ser tratado em função da regionalização, com a finalidade de e fiscalizada por Conselho de Saúde - sem prejuízo do disposto no art.
equilibrar as eventuais disparidades. Com isto se ensejará uma equaliza- 74 da CF, que estabelece sistema de controle interno dos entes federados
ção de padrões mais condizentes com as necessidades do país. _, a quem serão prestadas as devidas contas e que tem competência para
apreciá-las e aprová-las. Após, devem ser encaminhadas ao Tribu~~l de
Assim, a aplicação das receitas resultantes das fontes acima men- Contas do Estado ou do Município; e, se for o caso, à Câmara MUlllclpal.
cionadas, tanto as decorrentes dos impostos como as das transferências, As regras pertinentes ao Conselho estão fixadas na Lei Orgânica da Saúde
continuam sendo obrigatórias, devendo a União aplicar 18% (dezoito por (Lei 8.080/1990), na Lei 8.142/1990 e nas definições emanadas do CNS.
cento) e o Distrito Federal, os Estados e os Municípios 25% (vinte e cinco
O § 3º do art. 198 da CF, com a redação da EC 29/2000, prevê que lei
por cento) na manutenção e desenvolvimento do ensino. Mas a parcela da
arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabe-
Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, lecerá os porcentuais de aplicação (§ 2º), os critérios de rateio dos recursos
não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do vinculados, as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas e
governo que a transferir. as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
258 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 259

1 De sua conceituação constitucional resulta, ainda, que - diversamente


Como esta lei não foi editada até 2004, a partir do exercício finan-
ceiro de 2005 aplicar-se-á o disposto no art. 77 do ADCT, com a redação do sustentado por alguns tributaristas e acórdãos, até mesmo do STF -
dada pela EC 2912000. esses tributos não podem ser impostos opcionalmente, de modo que não
é lícito ao Poder Público remunerar serviços mediante contribuição de
3.2.10 Outros Fundos melhoria ou - o que é mais comum - recuperar o custo de obra pública
através de taxa. Pela mesma razão, é vedada a instituição de taxa para a
Outros Fundos existem ao lado dos Fundos examinados, constituídos remuneração de serviços públicos indivisíveis, isto é, prestados ou postos
por recursos de diversas origens, principalmente federais, de que o Muni- à disposição de toda a coletividade, indiscriminadamente;121 como tam-
cípio pode valer-se eventualmente para atendimento de necessidades es- bém o é a imposição de contribuição de melhoria quando da obra pública
pecíficas. Segundo o disposto no art. 36 do ADCT da Constituição Federal não resultou valorização do imóvel tributado. Em matéria de tributos vi-
de 1988, os Fundos existentes na data da promulgação da mencionada Lei
gora o princípio da tipicidade, decorrente, dentre outros, dos arts. 150, I,
Maior, excetuados os resultantes de isenções fiscais que passaram a inte-
e 154, I e II, da CF, segundo o qual a estrita adequação do fato tributável
grar patrimônio privado e os de interesse da defesa nacional, extinguiram- \
Ao
à norma tributária (que não pode divergir da conceituação "Constitucional)
se, salvo aqueles ratificados pelo Congresso Nacional no prazo de dois
é condição inarredável para a legitimidade da imposição fiscal, ou, mais
anos contados de 5.10.1988. A instituição de novos Fundos, qualquer que
seja sua natureza, dependerá de prévia autorização legislativa da entidade propriamente, para a constituição da obrigação tributária.
criadora (CF, art. 167, IX). Esclareça-se, todavia, que um mesmo empreendimento público, des-
de que compreenda obras e prestação de serviços, pode gerar o lançamen-
3.3 Tributos comuns to dos dois tributos em exame. 122 É o que ocorre, por exemplo, com o ser-
viço de água e esgotos, implantado com a realização das obras necessárias,
Tributos comuns são as taxas e a contribuição de melhoria, previstas cujo custo pode ser reembolsado mediante contribuição de melhoria e,
no art. 145, II e III, da CF. Tais tributos dizem-se comuns no sentido de que
posteriormente, prestado aos usuários, que o remuneram pela taxa fixada
podem ser utilizados por qualquer das entidades estatais, para a remunera-
em lei.
ção de seus serviços ou custeio de suas obras.
A taxa e a contribuição de melhoria, como vimos precedentemente Feitas essas considerações, que complementam as constantes do item
neste mesmo capítulo (itens 1.3.2 e 1.3.3), são conceituadas pela própria I deste capítulo, vejamos separadamente as taxas e a contribuição de me-
Constituição da República, que nos fornece os respectivos fatos geradores: lhoria, nos seus aspectos de interesse para o Município.
exercício do poder de polícia ou utilização, efetiva ou potencial, de servi-
ços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à j 3.3.1 Taxas diversas
sua disposição, para as taxas; valorização imobiliária decorrente de obra
pública, para a contribuição de melhoria. Dessa conceituação resultam os As taxas não- estão discriminadas constitucionalmente, podendo, as-
elementos que caracterizam e distinguem as duas espécies tributárias, a sim, o Município criar as que forem necessárias ao policiamento adminis-
saber: a taxa é remuneratória de serviços públicos, inclusive decorrentes trativo originário de sua competência ou à manutenção dos serviços espe-
do policiamento administrativo; a contribuição de melhoria é recupera- cíficos e divisíveis prestados aos munícipes ou postos à sua disposição.
tória do custo de obra pública; a taxa é perene, porque devida enquanto O essencial é que sob o rótulo de taxa não se institua imposto municipal
durar o serviço; a contribuição de melhoria é instantânea, porque, embora indevido, nem se tributem pessoas, atividades ou bens não sujeitos à ação
possa ser parcelada, esgota-se com o recolhimento do seu montante; a taxa impositiva do Município.
é ilimitada, no sentido de que sua fixação é feita com base nos custos do
serviço prestado ao contribuinte e pode ser proporcional à utilização desse lei da entidade tributante que a instituir, pois não podem ficar ao arbítrio do Poder
mesmo serviço; a contribuição de melhoria é limitada ao custo da obra Executivo.
pública e à valorização que esta acarretar ao imóvel tributado. 120 121. O STF já decidiu pela inconstitucionalidade da taxa de policiamento em ge-
ral, por entender que "o beneficio especial objetivo, mensurável, é condição essencial
120. Essas limitações em relação à cobrança da contribuição de melhoria, em- para que o tributo seja conceituado como taxa" (RDA 110/212).
bora não constantes da atual Constituição da República, devem ser estabelecidas por 122. Sobre obras e serviços públicos municipais, v., adiante, o Capítulo VII.
260 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 261

Tratando-se de tributo comum às três esferas estatais, o Município Com efeito, o imposto, no Sistema Tributário Nacional, tem por fato
deve limitar-se exclusivamente às matérias de sua competência constitu- gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal relativa
cional e legal, tanto no que diz respeito ao poder de polícia como no que ao contribuinte; diversamente da taxa, que presume sempre uma relação
conceme à prestação de serviços. Daí a norma disciplinadora de conflitos de causa e efeito entre o contribuinte e a entidade tributante (CTN, arts.
constante do Código Tributário Nacional, dispondo que, "para efeito de 16 e 77); os impostos incidem sobre bens (propriedade rural, proprieda-
instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito de urbana, renda) e sobre atividades (comércio, produção, serviços) do
das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municí- contribuinte, enquanto as taxas são devidas pela utilização, efetiva ou po-
pios aquelas que, segundo a Constituição da República, as Constituições tencial, de serviço da entidade estatal; para os impostos a base de cálculo
dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a guarda estrita consonância com o fato gerador (valor fundiário ou venal
legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de da propriedade; montante real, arbitrado ou presumido da renda; valor da
direito público" (art. 80). Resumindo o preceito legal, pode-se dizer que operação; preço do serviço), sendo específica e privativa de cada um de-
são atribuições do Município as compreendidas no âmbito do seu interesse les; por coerência com o Sistema, a base de cálculo para as taxas, ainda
local, que estu,damos nos Capítulos IV, item 5, e VII, item 1.2. que omisso o Código Tributário Nacional, deve relacionar-se estritamente
Quanto ao poder de polícia,123 seu exercício, para legitimar a imposi- com seu fato gerador - que é, em última análise, a utilização de serviço
ção de taxa, deve ser regular, ou seja, contido nos limites legais de compe- público, mesmo no caso do policiamento administrativo.
tência, finalidade e forma. Na esteira dessa doutrina, o Código Tributário Dessas considerações resulta que a base de cálculo da taxa deverá
Nacional qualifica de regular o policiamento administrativo desempenha- ser sempre o valor do serviço, real, presumido, estimado ou arbitrado,
do por órgão competente, nos limites da lei, com observância do processo não sendo admissível, para a fixação do montante do tributo devido, levar
legal, e, se discricionário, nos termos da legislação pertinente, sem abuso em consideração elementos estranhos ao dimensionamento ou quantifi-
ou desvio de poder (art. 78, parágrafo único). cação da utilização desse mesmo serviço, como o são os pertinentes aos
De outra parte, por expressa determinação constitucional, a taxa não impostos.
pode ter a mesma base de cálculo de imposto (CF, art. 145, § 2º).124 A essa Assim, são inconstitucionais as taxas de localização que tomem como
vedação o Código Tributário Nacional acrescentou o fato gerador e proi- base de cálculo o valor locativo 126 ou a área do piso do estabelecimento, 127
biu, ainda, o cálculo da taxa em função do capital das empresas (art. 77, ou, ainda, a média de aplicações de depósitos bancários,128 bem como
parágrafo único, com a redação dada pelo Ato Complementar 34/1967). as taxas de limpeza pública cobradas sobre o valor locativo dos imóveis
Essas disposições são, a nosso ver, meramente acautelatórias, pois na sis- servidos,129 consoante vem decidindo nossa Justiça, com fundamento, to-
temática tributária instituída pela EC 18/1965, mantida pela vigente Cons- davia, nos preceitos constitucionais e legais acima citados, sem atentar
tituição da República e disciplinada pelo mesmo Código Tributário, é ab- para o significado ontológico da taxa e suas conseqüências.
solutamente impossível atribuir-se à taxa fato gerador ou base de cálculo Atendidos as n"ormas constitucionais e legais e os princípios\30 que as
pertinentes a imposto sem descaracterizá-la como tal, sem transfonná-Ia informam ou delas emanam, os Municípios, nos limites de sua competên-
em imposto adicional 125 ou em imposto indevido. cia institucional, são livres para impor as taxas que julgarem necessárias
ao exercício do seu poder de polícia - como as exigidas para a localiza-
123. No Capítulo VIII cuidamos exaustivamente do poder de polícia do Muni-
cípio, pelo quê nos escusamos de repetir, aqui, seu conceito e os principais setores de
ção de estabelecimentos, para a fiscalização de atividades urbanas, para
sua atuação. a construção, para a realização de espetáculos públicos - e à manutenção
124. Com fundamento nessa disposição da Constituição Federal, a Súmula 595
do STF considera "inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de 126. STF,RTJ60/180.
rodagem cuja base de cálculo seja idêntica à do ITR". Data venia do egrégio STF, a 127. STF, RDA 109/66.
ta'w de conservação de estradas, seja qual for sua base de cálculo, é absolutamente 128. STF, RDA 106/133.
inconstitucional, por incidir sobre serviço genérico e indivisível, consoante demonstra- 129. TACivSP, RT 448/149.
mos no item 1.3.2 deste capítulo.
130. O 12 TACivSP reconheceu a inadmissibilidade de o Município atualizar
125. No mesmo sentido: Bernardo Ribeiro de Moraes, Doutrina e Prática das taxa, mediante decreto, em percentual superior ao índice de correção monetária sem
Taxas, pp. 197 e ss.
lei municipal autorizadora (cf. RT 7521206).
1f
262 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 263

dos serviços, específicos e divisíveis, que prestarem ou colocarem à dispo- Qualquer obra pública, desde que custeada pelos cofres públicos e
sição dos munícipes - como os de abastecimento de água, esgotos sanitá- proporcione valorização imobiliária, pode ensejar contribuição de melho-
rios, coleta domiciliar de lixo, eliminação de insetos e animais daninhos. A ria, pois essas são as únicas condições que a Constituição exige para sua
atividade administrativa não é estática, desenvolvendo-se dinamicamente imposição. Assim, é absolutamente inócua, para Estados e Municípios, a
segundo as necessidades dos administrados, que surgem e desaparecem enumeração das obras públicas que autorizam a instituição do tributo em
constantemente, mas são sempre crescentes no tempo e no espaço. Por exame, constante do Decreto-lei 195, de 24.2.1967 (art. 2Q ), que tem fim-
isso, são inúmeras e variáveis as atividades que podem ensejar a imposi- ção meramente exemplificativa.
ção de taxas - o que desaconselha, neste trabalho teórico, o estudo deta- A valorização imobiliária é requisito inarredável para a exigibilidade
lhado de cada uma delas e até mesmo sua enumeração. O essencial, para da contribuição de melhoria. Se a obra existe e foi custeada pelo Muni-
serem legítimas, é que as taxas se contenham nos limites constitucionais, cípio mas não acarretou qualquer valorização imobiliária, o tributo não
legais e doutrinários acima apontados. poderá ser validamente instituído e arrecadado.
As obras públicas, principalmente as de equipamento urbano, além
3.3.2 Contribuição de melhoria 13 ! dos beneficios específicos, acarretam, em regra, a valorização dos imóveis
A contribuição de melhoria é tributo comum às três entidades esta- situados em sua zona de influência. Nem toda implementação de equi-
tais, que se caracteriza, como vimos, por sua natureza recuperatória de pamento urbano, todavia, constitui obra pública. O recapeamento de via
pública já asfaltada, por exemplo, caracteriza serviço público, e não obra,
despesas públicas com obras que aumentem o valor dos imóveis por elas
beneficiados. sem qualquer valorização do imóvel, não autorizando a cobrança da con-
tribuição de melhoria. Nesse sentido já decidira o 1Q TACivSP.133
A existência de obra pública 132 que beneficie imóveis, urbanos ou ru-
Todavia, obras existem que, ao contrário, provocam a desvaloriza-
rais, é o primeiro requisito para que a Administração Municipal possa ins-
ção dos imóveis situados em suas vizinhanças, muito embora necessárias
tituir a contribuição de melhoria. O beneficio não precisa ser específico,
e úteis à coletividade em geral, como os matadouros, aeroportos e vias
considerando-se como talo próprio acréscimo de valor que decorra direta
elevadas, pelo desconforto que trazem aos confinantes. 134 Noutros casos,
e imediatamente da obra; o essencial é que esta já tenha sido realizada,
como na elevação ou rebaixamento das vias públicas, os imóveis podem
com recursos do Município, na oportunidade da instituição do tributo. desvalorizar-se em razão das despesas necessárias para adequá-los ao
De fato, a contribuição de melhoria não se presta à obtenção de finan- novo nível, o que muitas vezes importa demolição e reconstrução. Nesses
ciamentos e é inexigível se a Administração nada despendeu com a obra, casos, se o proprietário realiza as obras necessárias e, em razão delas, o
como ocorre na pavimentação de via pública por conta dos moradores imóvel revaloriza-se, não será devida a contribuição de melhoria, mesmo
locais - caso em que nem estes nem os proprietários de imóveis even- que seu valor supere:: o original, porque a valorização teria resultado de
tualmente valorizados pelo empreendimento poderão ser tributados. Com obra privada, e não da pública. Vale dizer: não houve nexo casual entre
esta idéia, disseminou-se a criação de "planos comunitários". Por estes a valorização e a obra pública para justificar a exigência do tributo, pois
planos, os interessados contratam diretamente com a empresa que irá rea-
lizar a obra e os não-aderentes seriam substituídos pela própria Prefeitura, 133. Cf. RT 748/270; Boletim AASP 2.183/1.597,j. 30.10.2000.
a qual, posteriormente, cobraria destes, utilizando-se da contribuição de 134. Exemplo típico de desvalorização em decorrência de obra pública verificou-
melhoria. se com a construção do Elevado Costa e Silva, em São Paulo, mais conhecido como
"Minhocão". De grande utilidade para a Capital, pelo desafogo que trouxe ao trânsito,
Por outro lado, se a obra foi realizada em parte com recursos de outra essa obra, todavia, provocou a desvalorização dos imóveis confrontantes, situados na
entidade estatal o Município poderá instituir a contribuição para recuperar até então valorizadíssima Av. São João, porque agravou, em relação a eles, os pro-
sua despesa, ainda que aquela entidade não o faça. blemas de poluição sonora e atmosférica, além de privar da luz diurna muitos ~os
apartamentos situados abaixo do seu nível. Em razão disso já houve decisão da Justlça
Paulista condenando a Prefeitura de São Paulo a ressarcir os danos causados ao pa-
131. V. o artigo "Contribuição de melhoria na Constituição de 1988", de Valdir trimônio dos proprietários que demandaram contra ela (TJSP, RT 469/71; no mesmo
de Oliveira Rocha, in Repertório IDB de Jurisprudência 19/385, 1993. sentido, relativamente a outras obras: TJSP, RT 75/214, 229/130, 233/153, 353/181,
132. Sobre obras públicas municipais, v., adiante, o Capítulo VII. 447/76 e 455/81; RDA 87/221).
264 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
v - FINANÇAS MUNICIPAIS 265

a conseqüência direta e imediata dessa mesma obra foi a desvalorização Andou bem o constituinte, pois critérios, limites e forma de cobrança
do imóvel.
de contribuição de melhoria não podem ser estabelecidos uniformemente
O valor total da contribuição de melhoria não pode superar o que a para todas as entidades estatais e para todas as obras públicas. Somente a
Administração despendeu com a obra, mesmo que a valorização imobiliária lei tributária específica - atendendo às peculiaridades e às disponibilida-
efetiva - isto é, a soma dos acréscimos de valor de cada imóvel benefi- des da Administração, à natureza da obra, à situação dos imóveis na sua
ciado - tenha sido superior à despesa pública. No montante da despesa, área de influência e à situação econômica de seus proprietários - poderá
entretanto, devem ser computados todos os gastos com a obra pública, tais fixar com o máximo de acerto e justiça tributária os elementos pertinentes
como os efetuados com estudos, projetos, desapropriações, execução, fis- à instituição e arrecadação do tributo em exame.
calização, administração e outros, inclusive os relacionados com as opera-
ções de empréstimo ou financiamento para sua realização. O valor da des-
3.4 Outras receitas
pesa poderá ainda ser atualizado à época da instituição da contribuição de
melhoria, de acordo com os coeficientes oficiais de correção monetária. Além dos tributos que acabamos de examinar, como fontes de renda
Sobre o sujeito passivo da contribuição de melhoria - ou seja, o pro- do Município, outros recursos podem ainda ser carreados para o Erário
prietário do imóvel beneficiado - remetemos o leitor às considerações Municipal, como componentes de sua receita, e tais são o produto dos
deste item relativas ao contribuinte do IPTU. Lembramos, todavia, que o bens, serviços e atividades obtido através de preços; de empréstimos in-
Decreto-lei 195/1967 permite aumento de aluguel de imóvel beneficiado ternos e externos; de financiamentos; de auxílios e subvenções de qual-
por obra pública, na base de 10% ao ano da contribuição efetivamente quer natureza. Tais recursos, embora não oriundos de fontes tributárias,
paga, e fu lmina de nulidade a cláusula contratual que atribua ao locatário integram a receita municipal e são contemplados nas normas financeiras
o pagamento do tributo, no todo ou em parte (art. 8º, §§ 2º e 3º). Essas como dotações hábeis para o custeio dos serviços públicos (Lei 4.320, de
disposições, não configurando normas complementares nos termos do art. 17.3.1964, art. 11, §§ 1º, 2º e 4º).
146, In, da CF, não prevalecem contra as das leis de inquilinato promul-
gadas posteriormente àquele decreto-lei e que disciplinem a matéria de 3.4.1 Preços
modo diverso.
O Código Tributário Nacional (art. 82) e o Decreto-lei 195/1967 O produto dos bens, serviços e atividades municipais obtido por meio
contêm preceitos sobre critérios, limites e forma de cobrança da contri- de preços é recurso proveniente de fonte produtora própria da Municipa-
bui~ão de melhoria, os quais dificultavam a, utilização do tributo pelas lidade, pelo quê constitui renda municipal, integrante da receita corrente
entIdades menores e até mesmo pela União. A época de sua edição esses local. Por isso mesmo, deve constar do orçamento, sob a rubrica própria
diplomas legais eram complementares à EC 18/1965, e, como tais, de ob- (receita patrimonial, receita industrial), para sua regular utilização finan-
servância obrigatória pelos Estados e Municípios, nos termos do art. 1º ceira. O produto da alienação de bens móveis e imóveis do Município
dessa Emenda. sujeita-se à mesma exigência, classificando-se entre as receitas de capital
Todavia, a Constituição de 1967 atribuiu à lei tributária própria de (Lei 4.320/1964, art. 11, § 4º).
cada entidade a fixação dos critérios, limites e forma de cobrança da con- Os preços podem ser públicos, quando fixados unilateralmente pela
tribuição (art. 19, § 3º), reservando à lei complementar federal apenas as Administração, e quase-privados, quando seu valor resultar da livre con-
normas gerais de direito tributário, as disposições dirimentes de conflitos corrência entre os interessados. Por não configurarem tributos, os preços
e os preceitos reguladores das limitações constitucionais do poder de tri- independem de lei que os estabeleça, devendo ser fixados e alterados por
butar (art. 19, § 1º). Com isso, desde sua vigência Estados e Municípios decreto, ainda que no mesmo exercício financeiro. Pela mesma razão, não
liberaram-se do atendimento compulsório àquelas disposições do Código se sujeitam às restrições do art. 167, IV, da CF, sendo possível, portanto, a
Tributário e do Decreto-lei 195/1967 - situação que o legislador federal vinculação de seu produto a órgão, fundo ou despesa, na lei orçamentária.
não pode alterar, porque, embora não tendo reproduzido o § 3º do art. 19, Dentre os preços, os mais importantes são os públicos ou tarifas, co-
por redundante, a vigente Constituição da República manteve o conteúdo brados pela utilização de bens ou serviços públicos. As tarifas remunerató-
do § lº do mesmo artigo da CF de 1967 (art. 146, I e III). rias de serviços públicos distinguem-se das taxas porque não são compul-
266 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 267

sórias, mas cobradas somente dos usuários que os utilizam efetivamente, A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis-
se e quando entenderem fazê-lo; ao passo que as taxas são devidas pelo cal- LRF), estabeleceu, em seu art. 30, caber ao Presidente da República
contribuinte desde que o serviço, de utilização obrigatória, esteja à sua submeter ao Senado Federal proposta de limites globais para o montante
disposição (v., retro, item 1.3.2). da dívida consolidada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que
As tarifas remuneratórias de serviços públicos concedidos devem ser estabelece o inciso VI do art. 52 da CF, bem como de limites e condições
relativos aos incisos VII a IX do mesmo artigo,136 tendo o Presidente da
fixadas pela Municipalidade de modo a permitir a justa remuneração do
República encaminhado ao Senado Federal a referida proposta em agos-
capital, o melhoramento e a expansão do serviço, e a assegurar o equilíbrio
to/2000. Essa proposta converteu-se na Resolução 43 do Senado Federal,
econômico e financeiro do contrato, consoante dispõe a Constituição da
de 21.12.2001, cujo texto foi consolidado em 9.4.2002.
República (art. 175, parágrafo único, I-IV).
Dívida consolidada oufitndada, conforme definição da Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal (art. 29, I), é o montante total, apurado sem duplici-
3.4.2 Empréstimos
dade, das obrigações financeiras do Município assumidas em virtude de
Os empréstimos internos e externos são operações financeiras de que leis contratos convênios ou tratados e da realização de operações de cré-
se podem valer os Municípios para prover o custo de obras e serviços de dit;, para am;rtização em prazo superior a 12 meses. Também integram a
grande vulto para os quais sua receita ordinária se evidencie insuficien- dívida pública consolidada as operações de crédito de prazo inferior a 12
te. Tais empréstimos, embora não sejam rendas locais, desde que rece- meses cujas receitas tenham constado do orçamento (LRF, art. 29, § 3º)
bidos pela Municipalidade passam a compor sua receita corrente ou, o e os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em
que é mais comum, de capital, nos termos dos § § 1º e 2º do art. 11 da Lei que forem incluídos (LRF, art. 30, § 7º). O limite global das operações
4.320/1964.
volvimento ou ainda, em caso de necessidade e urgência excepcionais, apresentando
Os empréstimos internos e externos a serem tomados pelo Municí- minuciosa fundamentação técnica - que o Conselho Monetário Nacional encaminha-
pio devem vir precedidos de autorização legal da Câmara, por se tratar va através do Ministro da Fazenda, ao Presidente da República, a fim de ser submetida
de encargos extraordinários da administração financeira. Esses emprés- à deliberação do Senado (art. 32 ). A LRF, todavia, estabeleceu no art. 31 que se ~ dívida
timos ficam também sujeitos ao controle do Senado Federal, pois que os consolidada do Município ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadnmestre
externos dependem de sua prévia autorização, e ambos só poderão ser deverá ser a ele reconduzida até o ténnino dos três subseqüentes, reduzindo o exce-
dente em pelo menos 25% no primeiro. Enquanto perdurar o .exces~o o Municíp~o fi:a
contraídos dentro dos limites globais de endividamento do Município e
proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, mcluslve,P?r antec~~~ç~o
nas condições gerais estabelecidas e aprovadas pelo Senado Federal (CF, de receita ressalvado o refinanciamento do principal atualizado da diVida moblhana;
art. 52, V-VII). 135 obterá re;ultado primário necessário à recondução da dívida ao limite promovendo,
entre outras medidas, limitação de empenho, na fonna do art. 92 . Vencido o prazo para
135. A Resolução 43 do Senado Federal, de 21.12.2001, cujo texto foi consoli- retomo da dívida ao liri:üte, e enquanto perdurar o excesso, o Município ficará também
dado em 9.4.2002, dispôs sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, impedido de receber transferências voluntárias da União ou do Estado (LRF, art. 3,1,.§ §
do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus limites e 12 e 22). Além disso, tais restrições aplicam-se imediatamente se o montante ~a diVida
condições de autorização, e providências correlatas. Quanto às operações de crédito exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandat? do prefeito ..Es.sas
interno e externo a referida resolução estabeleceu que o montante global das opera- restrições também devem ser observadas nos casos de descumpnmento ~~s ~ll:rntes
ções realizadas em um exercício financeiro não poderá ser superior a 16% da receita da dívida mobiliária e das operações de crédito internas e externas. O MIlllsteno da
corrente líquida e, também, que o comprometimento anual com amortizações, juros e Fazenda divulgará mensalmente a relação dos Municípios que tenham ultrapassado os
demais encargos da dívida consolidada, inclusive relativos a valores a desembolsar de limites das dívidas consolidada e mobiliária.
operações de crédito já contratadas e a contratar, não poderá exceder a 11,5% daquela 136. V. a Resolução 40, de 20.12.2001, do Senado Federal, cujo texto foi con-
receita. Quanto à concessão de garantias, estabeleceu que seu saldo global não poderá solidado em 9.4.2002, que dispôs sobre os limites globais para o montante da dívida
exceder a 22% da receita corrente líquida - limite, este, que poderá ser elevado para pública consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e
32%, desde que o garantidor se ajuste às exigências do art. 92 , I a IV. dos Municípios, em atendimento ao disposto no art. 52, VI e IX, da CF, e, e~tabele~eu,
Até a edição da Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilida- no caso dos Municípios, que a dívida consolidada líquida, ao final do declmo-qumto
de Fiscal - LRF), o Município podia requerer a elevação temporária desses limites a exercício financeiro, contado a partir do encerramento do ano de publicação dessa re-
fim de realizar operações de crédito especificamente vinculadas a empreendimentos solução, não poderá exceder a 1,2 vezes (um inteiro e dois décimos) a receita corrente
financeiramente viáveis e compatíveis com os objetivos e planos nacionais de desen- líquida (art. 32 ,11). v., sobre o assunto, o Capítulo XI.
268 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 269

realizadas em um exercício financeiro não poderá ser superior a 16% da a relação custo/beneficio, o interesse econômico e social da operação e o
receita corrente líquida (Resolução 43/2001, art. 7º, I). atendimento das condições estabelecidas no art. 32, § 1º, e seus incisos,
Os limites de que fala a Lei de Responsabilidade Fiscal serão fixados do estatuto legal em tela (Lei de Responsabilidade Fiscal). Por seu lado,
em'percen~al da receita corrente líquida para cada esfera de governo e a instituição financeira que contratar operação de crédito com o Municí-
aphcados Igualmente a todos os entes da Federação, constituindo, para pio, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir
cada um deles, limites máximos. Nada impede, todavia, que lei munici- comprovação de que a operação atende às condições e limites estabeleci-
pal venha a fixar limites inferiores àqueles para as dívidas consolidada e dos, uma vez que a operação realizada com infração do disposto na men-
mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias. Com vistas cionada lei complementar será considerada nula, procedendo-se ao seu
ao cumprimento do limite, a apuração do montante da dívida consolidada cancelamento, mediante a devolução do principal, vedado o pagamento de
será efe~~~a ao final de cada quadrimestre (ao final de cada semestre para juros e demais encargos financeiros. O montante previsto para as receitas
os MUlllClplOS com população inferior a 50 mil habitantes - art. 63, I). de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital
Para a L~i de Responsabilidade Fiscal e também para a Resolução
I
.(
constantes do projeto de lei orçamentária (LRF, art. 12, § 2º).
43/2001 do Senado Federal (art. 4º, II), receita corrente líquida é a soma Ainda relativamente às operações de crédito, a Lei de Responsabili-
das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de servi- dade Fiscal veda, com as exceções expressamente consignadas nos arts.
ços, transferências correntes e outras receitas correntes, deduzidas nos 35, §§ 1º e 2º, e 36, parágrafo único: a) a realização de operação de crédito
Municípios, as contribuições dos servidores para o custeio do seu ~iste­ entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, au-
ma de previdência e assistência social e as receitas provenientes da com- tarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas
pens.ação fin,an~eira paga pela União por conta do tempo de serviço de entidades da Administração indireta, ainda que sob a forma de novação,
servIdores publIcos que contribuíram para o regime geral de previdência. refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; b) a
Serão c?mputados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da
e rec~bIdos em decorrência da Lei Complementar 87, de 13.9.1996 (Lei Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo;
~andIr), e do ~undo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bá- c) a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou
SIca e da Valonzação dos Profissionais da Educação - FUNDEB. contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do
disposto no § 7º do art. 150 da CF; d) o recebimento antecipado de valores
. Dívfda pL~blica mobiliária, ainda de acordo com a Lei de Responsabi-
de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a
lIdade FIscal, e a representada por títulos emitidos pela União, inclusive os
maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos,
do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios (art. 29, II).
na forma da legislação; e) a assunção direta de compromisso, confissão
Operação de crédito é o compromisso financeiro assumido em razão de dívida ou operação assemelhada com fornecedor de bens, mercadorias
d~ mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição finan- ou serviços mediante emissão, aceite ou aval de título de crédito, não se
cIada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda aplicando esta vedação a empresas estatais dependentes; f) a assunção de
a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para paga-
ass~melhadas, inclu~ive com o uso de derivativos financeiros (art. 29, III), mento a posteriori de bens e serviços (arts. 35-37).
eqUIparando-se a taIS. operações a assunção, o reconhecimento ou confis-
As exceções previstas no art. 35, §§ I º e 2º, da LRF dizem respeito
são de dívidas pelo Município ou outro ente da Federação (art. 29, § lº).
às operações entre instituição financeira estatal e outro ente da Federação,
A contratação de operações de crédito pelo Município, inclusive pe- inclusive suas entidades da Administração indireta, que não se destinem a
las e~p.resas por ele controladas, direta ou indiretamente, depende não só financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes ou refinanciar dívi-
de preVIa e expressa autorização no texto da lei orçamentária em créditos das não contraídas junto à própria instituição concedente. A vedação quan-
adicionais ou lei especifica, mas de aprovação do Ministério' da Fazenda to às operações de crédito também não impede os Municípios de comprar
que deverá verificar o cumprimento dos correspondentes limites e con~ títulos da dívida da União como aplicação de suas disponibilidades. Por
dições. Para tanto, o Município interessado formalizará seu pleito funda- outro lado, o parágrafo único do art. 36 não proíbe instituição financeira
mentando-o em parece.. de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender
270 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 271

a investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União dio do Ministério da Fazenda, autorização para o não-cumprimento dos
para aplicação de recursos próprios. limites fixados nos arts. 6º e 7º, exclusivamente para fins de refinancia-
Concessão de garantia é o compromisso de adimplência de obriga- mento de títulos da dívida pública. Isto não se aplica aos títulos da dívida
ção financeira ou contratual assumida pelo Município ou entidade a ele pública emitidos com vistas a atender à liquidação de precatórios judiciais
vinculada (LRF, art. 29, IV). pendentes de pagamento, objeto do parágrafo único do art. 33 do ADCT.
Por outro lado, o art. 28, lU, da Resolução senatorial 43/2001 estabelece
Refinanciamento da dívida mobiliária é a emissão de títulos para pa-
que a emissão de títulos da dívida pública se sujeita a autorização especí-
gamento do principal acrescido da atualização monetária (art. 29, V).
fica do Senado Federal, incumbindo ao Senado devolver ao Ministério da
A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender Fazenda, para as providências cabíveis, o pedido de autorização para con-
à insuficiência de caixa durante o exercício financeiro; também depende tratação de operação de crédito cuja documentação esteja em desacordo
de autorização legislativa e do cumprimento das exigências mencionadas com o disposto na referida resolução (art. 28, parágrafo único).
nos arts. 32 e 38 da Lei Complementar 10112000. Segundo o art. 38, essa
operação não será admitida enquanto existir operação anterior da mesma
natureza não integralmente resgatada ou no último ano de mandato do pre- 3.4.4 Financiamentos
feito municipal. Igualmente não será autorizada se forem cobrados outros o financiamento de obras e serviços públicos com recursos prove-
encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada nientes de fundos e instituições financeiras federais ou estaduais é prática
ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a substituí-la. corrente de que se valem as Administrações Municipais, pelas facilidades
de crédito, módicas taxas de juros e longos prazos de amortização.
3.4.3 Emissão e venda de títulos da dívida pública O financiamento constitui também modalidade de endividamento
A emissão e venda de títulos da dívida pública é outro recurso fi- municipal, pelo quê sua concessão depende da situação da dívida consoli-
nanceiro à disposição do Município para regularizar suas finanças, com dada do Município, em face dos limites fixados pelo Senado Federal.
o resgate a longo prazo das apólices. A emissão e a venda desses títu-
los st~eitam-se também aos limites impostos pelo Senado Federal para 3.4.5 Auxílios e subvenções
a dívida consolidada dos Municípios (CF, art. 52, VI) e deverão atender
às normas gerais da futura lei complementar federal sobre "pennissão e O art. 25 da LRF define transferências voluntárias como sendo "a
resgate de títulos da dívida pública" (CF, art. 163, IV). O art. 11 da Reso- entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a
lução 43, de 21.12.2001, do Senado Federal, cujo texto foi consolidado em título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de
9.4.2002, estabeleceu que até 31.12.2010 os Municípios somente poderão determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de
emitir títulos da dívida pública no montante necessário ao refinanciamento Saúde". A Lei de Responsabilidade Fiscal não define "recursos correntes
do principal devidamente atualizado de suas obrigações representadas por ou de capital", razão pela qual utilizamos os conceitos contidos na Lei
essa espécie de títulos. Para esse efeito foi definido o percentual mínimo 4.320, de 17.3.1964. Os §§ 1º e 2º do art. 11 deste último diploma legal
de 5% para o resgate dos títulos da dívida pública dos Municípios em seu explicitam que: "São Receitas Correntes as receitas tributária, de contri-
vencimento, refinanciando-se no máximo 95% do montante vincendo. O buições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ain-
Município cujo dispêndio anual máximo com as amortizações, juros e de- da, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de
mais encargos de todas as operações de crédito,já contratadas e a contratar direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classifi-
- inclusive a originária de débitos renegociados ou parcelados, acrescido, cáveis em Despesas Correntes"; "São Receitas de Capital as provenientes
ainda, do valor devido, vencido e não pago -, for inferior a 11,5% da recei- da realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas;
ta corrente líquida deve promover resgate adicional aos 5% estabelecidos da conversão, em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de ou-
no inciso I do art. 12, em valor suficiente para que o dispêndio anual atinja tras pessoas de direito público ou privado, destinados a atender despesas
1.1,5% da receita corrente líquida. Em caso excepcional, devidamente jus- classificáveis em Despesas de Capital e, ainda, o superávit do Orçamento
tIficado, os Municípios poderão pleitear ao Senado Federal, por intenné- Corrente" .
272 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 273

Por outro lado, a Lei 4.320, de 17.3.1964, no § 6Q do art. 12, ex- que faz a transferência (incisos I e 111), e outras ao ente dela beneficiá-
plica que "são Transferências de Capital as dotações para investimentos rio (inciso IV). A primeira exigência diz respeito à existência de dotação
ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou priva- específica, conseqüência da vedação contida no art. 167, 11, da CF, que
do devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens proíbe "a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que
ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições, excedam os créditos orçamentários ou adicionais". A segunda exigência,
segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especial an- que constava do inciso 11 (que foi vetado), era a formalização por meio de
terior, bem como as dotações para amortização da dívida pública". Auxí- convênio. O dispositivo foi vetado por razões de interesse público, já que
lios e subvenções. consubstanciam recursos concedidos pela União e pelo a transferência voluntária pode ser feita sem essa formalidade, diretamente
Estado para fins especiais ou em face de ocorrências excepcionais na vida ao ente interessado. O veto, entretanto, não impede que convênios conti-
do Município. Constituem provisão extraordinária que se integra na re- nuem a ser utilizados para a formalização da transferência. O inciso 111 do
ceita municipal para a satisfação dos encargos a que são destinados. A art. 25 da LRF coloca como exigência a observância do disposto no inciso
Constituição Federal e a legislação infraconstitucional financeira vigente X do art. 167 da CF - exigência que consubstancia mera repetição da ve-
disciplinam e~sas transferências de recursos. A concessão de tais auxílios dação constitucional de transferência voluntária de recursos pelos Gover-
é praxe rotineira da Administração, não só aqui como nos Estados Unidos nos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras destinados ao paga-
da América do Norte, onde a conhecem e a utilizam largamente sob a mento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionistas dos Estados,
denominação de grants in aid ("concessão de auxílio"). Entre nós muito do Distrito Federal e dos Municípios. O inciso IV do art. 25 da LRF exige
se tem combatido a liberalidade dos auxílios e subvenções, que visam, na que o beneficiário comprove que se acha em dia quanto ao pagamento de
maioria dos casos, a submeter as Administrações locais a um regime de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem
subserviência ao governo central ou estadual. Não vemos inconveniente como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebi-
no sistema do grants in aid, que se baseia em elementar princípio de soli- dos; deve comprovar, ainda, que está cumprindo os limites constitucionais
dariedade administrativa que deve existir entre as unidades de uma mes- relativos à educação (CF, art. 212) e à saúde (CF, art. 198, § 2 Q). No que
ma Nação. Nada há de vexatório ou de anti-administrativo em tais ajudas tange à saúde a Constituição Federal não previa limite de gasto, a não ser
quando ocorre uma calamidade em determinado Município ou surge fato nos termos do art. 55 do ADCT. Mas a EC 29, de 13.9.2000, introduziu
novo, como a comemoração de uma data histórica para a Comuna, em dois parágrafos ao art. 198 da CF, estabelecendo limites mínimos a serem
que há necessidade de verbas imprevistas e de caráter extraordinário para aplicados, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde. Enquanto
reparar danos ou realizar solenidades cívicas, tão úteis quanto qualquer não promulgada a lei complementar a que se refere o art. 198, § 3Q , es-
outra atividade municipal. O essencial é que tais transferências ou auxílios tabelecendo os percentuais e critérios a serem adotados, prevalecerão, a
atendam a critérios exclusivamente administrativos, ao invés de se erigi- partir do exercício de 2005, os montantes defmidos no art. 77 do ADCT
rem em instrumento político de submissão das Administrações locais aos (art. 77, § 4 Q). O inciso IV do art. 25 da LRF exige, ainda, que o benefi-
governos da União ou do Estado. ciário da transferência voluntária comprove a observância dos limites das
O art. 25 da LRF excluiu do conceito de transferência voluntária os dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por
recursos qUê decorram de determinação constitucional, legal ou os desti- antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total
nados ao Sistema único de Saúde (SUS). Por isso mesmo a transferência é com pessoal.
voluntária, o que não poderia ocorrer se resultasse de imposição constitu- Finalmente, o ente beneficiário da transferência voluntária deve com-
cional ou legal. Estão fora do conceito, portanto, as transferências efetua- provar que existe a previsão orçamentária de contrapartida. Vale dizer,
das com base nas normas constitucionais que disciplinam a repartição das assim como o ente que transfere os recursos deve comprovar a existência
receitas tributárias (arts. 157-162) e os recursos destinados à Seguridade de dotação específica, o beneficiário também deve comprovar a existên-
Social, inclusive os destinados ao SUS. cia de previsão orçamentária para a realização de despesas para as quais
O § 1Q do art. 25 da LRF estabelece as exigências para a realização da depende de transferências da União ou do Estado.
transferência voluntária, além das previstas na lei de diretrizes orçamen- O § 2Q do art. 25 da LRF veda a utilização dos recursos transferidos
tárias (LDO). Dentre elas, algumas dizem respeito ao ente da Federação em finalidade diversa da pactuada; e o § 3Q desse dispositivo excepciona
274 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 275

da sanção de suspensão de transferências voluntárias aquelas relativas a nicipais que detalhem aquelas normas gerais com as especificidades de
ações de educação, saúde e assistência social. Embora O dispositivo em interesse local.
exame não estabeleça sanção específica, deixa claro que a suspensão das
Como já dissemos anteriormente - e ora nos permitimos repetir -,
transferências voluntárias tem caráter sancionatório. ALei de Responsabi-
permanecem em vigor as regras da Lei 4.320/1964, de conteúdo e abran-
lidade Fiscal prevê a aplicação da suspensão das transferências voluntárias
gência não alcançados pelo diploma legal, que com ele não conflitem, nem
em diversos dispositivos, dentre os quais destacamos os arts. 11, parágrafo
com as disposições constitucionais vigentes.
~n~co, 23, § 3º, 31, § 2º, 33, § 3º, 51, § 2º, 52, § 2º, 55, § 3º, e 70, parágrafo
UlllCO. A Lei de Responsabilidade Fiscal fixa limites para despesas com pes-
A sanção só não será aplicada quando se tratar de transferência vo- soal, para a dívida pública, e ainda determina a especificação de metas que
luntária para as áreas de educação, saúde e assistência social. Como bem deverão ser apresentadas e aprovadas pelo Poder Legislativo competente.
acentua a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietra, trata-se de justifi- De acordo com o mencionado diploma legal, nenhum administrador pú-
cativa fácil de entender: "São áreas em que a Constituição prevê como blico poderá criar nova despesa continuada (por mais de dois anos) sem
dever a atuação do Estado, exatamente por abrangerem atividades que indicar sua fonte de receita ou sem reduzir outros gastos já existentes, ob-
atendem a necessidades essenciais da coletividade, além de constituírem jetivando que o governante não comprometa o orçamento ou orçamentos
matérias de competência comum dos três níveis de governo (art. 23, II e futuros.
V, da CF)".137 O Município, segundo o disposto em sua lei orgânica, poderá com-
plementar a legislação federal, exercendo sua competência legislativa no
4. Orçamentos municipais espaço da normatividade específica pertinente ao interesse local.

4.1 Considerações gerais


4.2 Plano plurianual
A Constituição Federal de 1988 institucionalizou um verdadeiro siste-
n:a o~çamentário ao prever a edição de uma lei do plano plurianual, lei de A lei do plano plurianual deve estabelecer, de forma regionalizada, as
diretrizes e metas da Administração Municipal para as despesas de capital
dIretrIZes orçamentárias e lei do orçamento anual, todas atos normativos
que, de forma hierarquizada, se interligam com o objetivo de dotar o setor e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração
público de um processo de planejamento orçamentário que espelhe um continuada. Suas disposições devem alcançar o final do primeiro exe~cício
plano de governo racional a longo, médio e curto prazos (arts. 165 e 166). financeiro do mandato do prefeito (CF, art. 165, § 1º).
O si.ste~a ~rçamentário municipal deve acompanhar esses precei- Como leciona José Afonso da Silva: "É a lei complementar de caráter
tos constItucIOnaIs, bem como as normas gerais previstas em lei comple- financeiro, vista ac~ma, que vai definir vigência, prazos e modo de elabo-
mentar federal que disponha sobre finanças públicas, notadamente sobre ração do plano plurianual, que é um plano de investimentos, com o qual
o exercício financeiro, a vigência, prazos, elaboração e organização do deverão estar em consonância todos os planos e programas nacionais, re-
plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária gionais e setoriais previstos na Constituição (arts. 48, IV, e 165, § 4º)".138
anual, nos termos do art. 24, l e lI, e § 1º, c/c os arts. 163, l, e 165, § 9º, Referida lei complementar está prevista no § 9º do art. 165 da CF e es-
daCE tabelece normas gerais de direito financeiro que servirão de fundamento
Assim, a competência da União sobre direito financeiro e orçamento para a elaboração dos outras instrumentos normativos do sistema orça-
limita-se à edição de normas gerais, cabendo aos Estados, Distrito Federal mentário. A esse diploma legal "cabe dispor sobre o exercício financeiro,
e Municípios a normatização específica sobre a matéria. a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual,
Como normas gerais, as determinações estabelecidas pela Lei de da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual, bem como
Responsabilidade Fiscal deverão ser complementadas por leis locais mu- estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da Administração
direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento
137. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Ives Gandra da Silva Martins e Carlos
Valder do Nascimento (orgs.), Comentários ___ , p_ 174. 138. Curso de Direito Constitucional Positivo, 30ª ed., 2008, pp. 735-736.
276 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 277

de fitndos".139 É uma lei básica permanente, pois as demais, de caráter nonnas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos
temporário, nela devem fundamentar-se. programas financiados com recursos dos orçamentos e demais condições e
Embora o autor acima citado se refira ao plano plurianual federal, exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas
claro está que tais regras valem também para o plano plurianual do Muni- (art. 4º, I, e suas alíneas "a", "b", "e" e "f').
cípio, que deve se harmonizar com aquele - ou seja: o Município no seu Integrará o projeto da LDO o Anexo de Metas Fiscais, em que serão
plano plurianual deve detalhar, pormenorizar, minudenciar, tudo quanto se estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas
refira aos planos e programas de seu interesse local, podendo o legislador a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida
municipal abordar aspectos diversificados, de seu interesse. Bem por isso, pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes (LRF,
a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que a lei de diretrizes orçamen- art. 4º, § 1º). A metodologia de apuração do resultado primário - diferen-
tárias (LDO) seja integrada pelo Anexo de Metas Fiscais, no qual serão ça entre receitas e despesas, exceto juros - deve ser objeto de proposta
estabelecidas metas anuais, nos termos previstos nos § § I º a 4º do art. 4º. do Presidente da República, nos termos do art. 30, § 1º, IV, da LRF. As
Daí por que o veto do Presidente da República ao art. 3º e seus §§ Iº e 2º previsões de receitas e o estabelecimento dessas metas deverão ser feitos
da LRF, suprimindo o Anexo de Política Fiscal, não ocasionará prejuízo com rigor, sendo exigida a apresentação da metodologia e da memória de
algum aos objetivos da lei complementar, pois o art. 4º, acima referido, cálculo (LRF, arts. 12 e 4º, § 2º, lI). O Tribunal de Contas e os sistemas
já prevê a apresentação do mencionado Anexo à LDO. No que tange ao de controle interno da Prefeitura e da Câmara de Vereadores fiscalizarão o
Município a conseqüência mais importante na manutenção do veto é que cumprimento das metas (LRF, art. 59).
os prazos do plano plurianual serão os previstos nas leis orgânicas mu-
nicipais ou, na omissão destas, os fixados no art. 35, § 2º, I, do ADCT, a Para garantir o cumprimento das metas a Lei de Responsabilidade
saber: o envio do projeto ao Legislativo deverá ocorrer até 31 de agosto Fiscal determina que a cada dois meses se verifique se a realização da
do primeiro ano do mandato do Executivo e a Câmara deverá devolver o receita permitirá o alcance daquelas. Se não permitir, deverão ser reali-
autógrafo para sanção até o encerramento da sessão legislativa, no mês de zadas limitações de empenho e movimentação financeira (corte de des-
dezembro. pesas), tanto pela Prefeitura quanto pela Câmara de Vereadores (art. 9º).
A Lei 10.028/2000 considera infração administrativa"deixar de expedir
ato determinando limitação de empenho e movimentação financeira, nos
4.3 Diretrizes orçamentárias casos e condições estabelecidos em lei", punida com multa de 30% dos
A lei de diretrizes orçamentárias (LDO) deve estabelecer as metas e vencimentos anuais do agente que lhe der causa (art. 5º, lII, e §§ 1º e
prioridades da Administração Municipal, incluindo as despesas de capital 2º). Além disso, o prefeito deverá, até o final dos meses de maio, setem-
para o exercício financeiro subseqüente, orientar a elaboração da lei orça- bro e fevereiro, demonstrar e avaliar o cumprimento das metas fiscais de
mentária anual (LOA), dispor sobre as alterações na legislação tributária cada quadrimestre, em audiência pública perante a Câmara de Vereadores
local e ser aprovada até o final do primeiro semestre de cada ano (CF, art. (LRF, art. 9º, § 4º).
165, § 2º). O art. 166, § 4º, da CF prevê a possibilidade de emendas ao O Anexo de Metas Fiscais também deverá conter a avaliação do cum-
projeto de LDO, desde que compatíveis com o plano plurianual. primento das metas relativas ao ano anterior; o demonstrativo das metas
A LRF, no art. 4º, cuida da LDO, que compreenderá as metas e prio- anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem
ridades da Administração Pública Municipal, incluindo as despesas de ca- os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercí-
pital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da cios anteriores e evidenciando a consistência delas com as premissas e os
LOA, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá objetivos da política econômica nacional; a evolução do patrimônio líqui-
a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (CF, do, também nos últimos três exercícios, destacando a origem e a aplicação
art. 165, § 2º). A LDO deverá dispor sobre o equilíbrio entre receitas e dos recursos obtidos com a alienação de ativos.
despesas, critérios e forma de limitação de empenho nas hipóteses legais, Para o adequado preenchimento do Anexo de Metas Fiscais deverão
ser utilizados os conceitos de resultados e dívida constantes da Resolução
139. Cf. José Afonso da Silva, Curso ... , 30ª ed., p. 736. 43, do Senado Federal, de 9.4.2002, os quais passamos a analisar.
278 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 279

o ~esultado fiscal deverá ser calculado tomando por base os dados Anotamos, neste passo, que a Lei federal 10.028, de 19.10.2000, que
de ~eceIta e desl?esa pelo regime de caixa e os juros líquidos nominais definiu os crimes financeiros e as infrações administrativas, diz, no art. 52,
dev,!dos pelo. regIme de ~ompetência. As receitas e despesas também po- lI, que constitui infração administrativa contra as leis de finanças públicas
derao ser obtidas por melO dos balancetes orçamentários mensais sendo a "propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas
despesa computada pelo critério de liquidação. ' fiscais na forma da lei". Essa infração é punida com multa de 30% dos
. . A apuração compreende todos os órgãos da Administração direta e vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo o pagamento da
llldIreta, conforme definido na Lei de Responsabilidade Fiscal. O cálculo multa de sua responsabilidade pessoal, e será processada e julgada pelo
deverá ser acompanhado da listagem dos órgãos da Administração indireta Tribunal de Contas a que competir a fiscalização contábil, financeira e
que componham a abrangência. orçamentária da pessoa jurídica de direito público envolvida (art. 52, §§
Para entender os ~onceitos de resultados nominal e primário é impor- 12 e2 2 ).
t~nte saber que as re~eItas podem ser fiscais - as resultantes das ações pre- A LDO também deverá conter o Anexo de Riscos Fiscais, onde se-
cI~uas do. governo (Impostos: taxas, contribuições, transferências etc.); e rão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar
nao-jisc_alS - aqu~l~s eve~tuaIs e não resultantes da ação típica de governo as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se
(operaçoes de credito, aplIcações financeiras, alienações de bens etc.). concretizem (LRF, art. 4 2 , § 32 ). Este Anexo deverá descrever os poten-
, . As desp::sas também podem ser classificadas em fiscais - aquelas ciais eventos capazes de perturbar o equilíbrio das contas caso ocorram
tipIcas da açao governamental (manutenção, construção de hospitais, es- passivos contingentes e outros riscos, vale dizer, ocorrência de fatos cir-
t:a?as, portos, escolas etc.); e não-jiscais - aquelas não-inerentes à ação cunstanciais que gerem despesas imprevisíveis, redução de receita ou per-
tipIca de governo (como, por exemplo, os juros e amortização da dívida). da de bens patrimoniais.
Resultado nominal é o valor apurado entre todas as receitas arreca- "Passivos contingentes são obrigações incertas porque dependem de
dada~ (fiscais e não-fiscais) e todas as despesas efetuadas (fiscais e não- condição futura.,,140 Segundo De Plácido e Silva: "Contingente, derivado
fi~C~lS). S~ o resultado for positivo o Município terá apresentado um supe- do Latim contingere, possui, segundo o próprio sentido o~iginário, duas
r~v:t nomInal. Estes recursos poderão ser utilizados para amortização da acepções: como adjetivo indica tudo o que possa acontecer ou suceder, é
dIVIda ou como ~uperávit ~nan~ei~o para aplicação no exercício seguinte. o eventual, ocasional; como substantivo significa a parte ou cota, que é
O resultado nommal negativo slgmficará aumento da dívida pública líqui- estabelecida, para evidência de uma contribuição".141
da no período de sua apuração. Como exemplo de passivos contingentes podemos citar o julgamento
Resultado primário é a diferença entre as receitas e despesas fiscais. definitivo de ações judiciais que acarretem desembolsos financeiros. Ou-
Se o, resultado for po~itivo significará que o Município foi capaz de aten- tros exemplos seriam alagamentos, inundações, deslizamentos, incêndios
der as despe.sas fiscaIS com. suas receitas fiscais, gerando superávit para etc., que possam provocar inesperados desembolsos financeiros, perda de
atend~r aos Juro~ e à am~rtIzação da dívida. Se o resultado primário for bens móveis ou imóveis e até a necessidade de conceder remissão (perdão)
negativo as receitas fiSCaiS terão sido insuficientes para atender às des- de créditos tributários. Também a perda ocasional de receita - causada,
pesa.s fisc~is. O ~nanciamento desse déficit será feito com a captação de por exemplo, por uma imprevista crise econômica - pode ocasionar pas-
receItas nao-fiscaIS (operações de crédito, alienações e receitas de aplica- sivo contingente.
ções financeiras). Pois bem, para que os valores estimativos dos passivos contingentes
.Resultado operacional é igual ao resultado primário apurado dele não sejam aleatórios, pois os mesmos deverão constituir uma parcela da
abatido o pagamento dos juros da dívida. Se o resultado operacional for reserva de contingência, na Lei Orçamentária Anual (LOA), os agentes
positivo o Município terá podido, com suas receitas fiscais, atender a todas públicos responsáveis pela avaliação das circunstâncias em exame deve-
as despesas fiscais, pagar os juros da dívida e, ainda, constituir poupança
para amortizar a dívida. 140. Cf. Carlos Maurício C. Figueiredo, in Valdir de Oliveira Rocha (coord.),
Aspectos Relevantes ... , p. 40, nota de rodapé 6.
. . ?ívida cons?lidada líCJ.uida é a dívida consolidada deduzidas as dispo-
141. De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 12ª ed., v. I, p. 544, verbete "Con-
mbIhdades de Caixa, as aplIcações financeiras e demais ativos financeiros.
tingente".
280 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 281

rão efetuar levantamentos e investigações junto aos registros contábeis, de Metas Fiscais, previsto no § 1º do art. 4º; também instruirá o projeto da
buscando encontrar ocorrências semelhantes anteriores. Esses dados e os LOA um demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despe-
conseqüentes desembolsos servirão de base para os valores a serem inse- sas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de
ridos na proposta orçamentária do exercício seguinte. Além disso, devem natureza financeira, tributária e creditícia (CF, § 6º do art. 165), bem como
ser consultadas outras autoridades administrativas - como, por exemplo, das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de des-
o responsável pela frota de veículos e outros bens patrimoniais, a fim de pesas obrigatórias de caráter continuado; conterá, ainda, reserva de contin-
que forneça informações sobre eventuais acidentes que tenham provocado gência - cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita
perdas -, bem como a área jurídica, para que esclareça sobre os valores corrente liquida, serão estabelecidos na LDO -, destinada ao atendimento
potencialmente desembolsáveis decorrentes de ações judiciais em curso. de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.
Feitas essas averiguações, que deverão ser relacionadas em quadros Todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual,
específicos, indicativos das diversas ocorrências, suas causas e os prejuí- e as receitas que as atenderão constarão da LOA; o refinanciamento da
zos correspondentes, já haverá condições de elaboração do Anexo de Ris- dívida pública constará separadamente na lei orçamentária e nas de cré-
cos Fiscais corretamente fundamentado na realidade local. dito adicional. A atualização monetária do principal da dívida mobiliária
refinanciada não poderá superar a variação do índice de preços previsto na
4.4 Lei do orçamento anual LDO ou em legislação específica; é vedado consignar na LOA crédito com
finalidade imprecisa ou com dotação ilimitada (LRF, art. 5º, § 4º).
A lei orçamentária anual (LOA) deve compreender: o orçamento A LOA não consignará dotação para investimento com duração supe-
fiscal referente aos Poderes municipais, aos seus Fundos, órgãos e enti- rior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual
dades da Administração direta e indireta; o orçamento de investimento ou em lei que autorize sua inclusão, sob pena de responsabilidade, confor-
das empresas em que o Poder Público Municipal, direta ou indiretamente, me disposto no § 1º do art. 167 da CF.
detenha a maioria do capital social com direito a voto; o orçamento da
Seguridade Social, incluindo todas as entidades e órgãos a ela vinculados A iniciativa e a elaboração do projeto da LOA cabem privativamente
(CF, art. 165, § 5º). ao Executivo, que deverá enviá-lo, no prazo estabelecido na lei orgânica
do Município, ao Legislativo.
Detennina, ainda, a Constituição Federal que a "lei orçamentária anual
não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da des-
pesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos 4.5 Princípios orçamentários
suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por ante- O Orçamento Brasileiro é regido por princípios constitucionais e le-
cipação de receita, nos termos da lei" (art. 165, § 8º); acrescentando que o gais, além da orieJ:.ltação doutrinária que informa sua elaboração e execu-
projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo do efeito, ção.
sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões,
subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (art. Os princípios constitucionais básicos do nosso orçamento anual são
165, § 6º). os que constam dos arts. 165, lU, e § 5º, e 167, IV, da CF, a saber: anua-
lidade, universalidade e não-vinculação da receita - os quais serão exa-
O art. 166, § 3º, da CF prevê a possibilidade de emendas ao projeto de minados a seguir. Outros princípios foram consignados pelo constituinte
LOA, desde que sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de federal, tais como o da exclusividade (art. 165, § 8º), o da programação
diretrizes orçamentárias (LDO) (cf. inciso I) e atendam às exigências dos (art. 165, § 7º), o da vinculação das despesas de capital ao orçamento
incisos II e lU do mesmo parágrafo.
plurianual (art. 167, § 1º) e os que estabelecem vedações constitucionais
O projeto de LOA deve ser elaborado nos termos das nonnas consti- ao orçamento anual (art. 167, I-UI e V-X, este último acrescentado pela EC
tucionais pertinentes, acima indicadas, de forma compatível com o plano 19/1998). Além desses mandamentos de fonte constitucional, as normas
plurianual, a LDO, a LRF, a Lei 4.320/1964 e a lei orgânica do Município. gerais de direito financeiro e de orçamento, a serem editadas pela União
A LOA conterá, em anexo, um demonstrativo da compatibilidade da pro- (art. 24, § lº), podem estabelecer prescrições complementares de atendi-
gramação dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do Anexo mento obrigatório em todos os orçamentos públicos, como ocorre com as
282 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 283

da Lei 4.320/1964, até que sobrevenha a lei complementar a que se refere e para realização de atividades da administração tributária, como determi-
o já citado § 9º do art. 165. nado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação
Veremos neste tópico os princípios constitucionais básicos, e no de- de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas
senvolver do capítulo respigaremos as demais normas orçamentárias. no art. 165, § 8º". É também permitida a vinculação de receitas próprias
geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156 e dos recursos
de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, "a" e "b", e II, para a prestação de
4.5.1 Anualidade
garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com
A anualidade exige que a previsão orçamentária se renove em cada esta (§ 4º do art. 167). Essas exceções ao princípio da não-vinculação da
ano, para que fique mais próxima da realidade financeira. Se os orçamen- receita não podem ser ampliadas para outros casos não previstos constitu-
tos pudessem prolongar-se por vários anos haveria, por certo, um grande cionalmente, o que representaria uma restrição (inconstitucional) à auto-
desajuste na previsão da receita e na fixação da despesa, dada a instabili- nomia financeira do Município.
dade dos fatores políticos, econômicos e sociais, que se modificam de ano
para ano. No Brasil, como na maioria dos países, o ano financeiro coincide 4.6 Proposta orçamentária
com o ano civil,142 conforme dispõe expressamente a Lei 4.320/1964 (art.
34), só permitindo o empenho da despesa, em cada exercício, até 31 de Proposta orçamentária é o conjunto de documentos relativos aos pla-
dezembro (art. 32, II), data em que termina a vigência do orçamento em nos governamentais, à previsão da receita e à fixação das despesas que o
execução. Executivo deve enviar anualmente ao Legislativo, para sua apreciação e
votaçãO. 144 No plano municipal, enquanto a lei complementar prevista no
4.5.2 Universalidade art. 165, § 9º, da CF não dispuser sobre a questão, compete à lei orgânica
do Município fixar o prazo para o prefeito enviar a proposta orçamentária
A universalidade impõe a inclusão no orçamento anual de todas as à Câmara de Vereadores. Se dentro desse prazo a Câmara não a receber,
receitas e despesas da Administração, consoante determina a Constituição além de o prefeito incorrer em crime de responsabilidade por omissão (cf.
da República (art. 165, § 5º), compreendendo o das entidades da Adminis- art. 1º do Decreto-lei 20111967), o Município ficará sem lei orçamentária
tração direta e indireta, órgãos e fundos. A universalidade exige ainda a e, conseqüentemente, terá que se utilizar do recurso previsto para o caso
inclusão no orçamento das receitas e despesas por seus totais, co~soant~ a de rejeição do projeto de lei orçamentária anual (CF, art. 166, § 8º).145
lição de Giuliani Fonrouge. 143 A proposta orçamentária compor-se-á de: mensagem; projeto de lei
do orçamento; tabelas explicativas; especificação de programas especiais.
4.5.3 Não-vinculação
4.6.1 Mensagem
A não-vinculação da receita veda a sujeição do produto de impostos
a órgão, fundo ou despesa, de modo que possam atender indiscriminada- A mensagem é a expOSlçao circunstanciada com que o Executivo
mente às necessidades da Administração. Esse princípio foi parcialmente encaminha o plano orçamentário ao Legislativo. Nela cabem todas as
acolhido pela atual Constituição da República, cujo art. 167, IV, ressalva considerações que julgar oportuno tecer sobre os problemas econômicos,
dessa vedação "a repartição do produto da arrecadação dos impostos a financeiros, sociais, políticos e administrativos que assoberbam o gover-
que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e no, visando a esclarecer o Legislativo sobre o entrosamento do orçamento
serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino com os demais planos de obras e serviços que existam em elaboração ou

142. Dentre os países em que não há coincidência do ano financeiro com o ci- 144. Neste tópico analisamos sumariamente apenas a proposta orçamentária. Os
vil fig~am ~lemanha, Inglaterra,. Itália e Estados Unidos. Nos dois primeiros o ano problemas relacionados com a elaboração, votação e execução do orçamento, inclusive
financeiro situa-se entre 1Q de abnl e 31 de março; nos dois últimos, entre 1Q de julho abertura de créditos, serão estudados nos Capítulos XI e XII.
e 30 de junho seguinte.
145. v., mais adiante, Capítulo XII, item 3.7, ao cuidarmos da elaboração e exe-
143. Giuliani Fonrouge, Derecho Financiero, v. I, p. 173. cução do orçamento.
284 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 285

em execução, merecendo comentários especiais a receita estimada e as ainda, o projeto de lei de orçamento os seguintes quadros: d~m~ns.trat~vo
despesas programadas. Nesse sentido, a Lei 4.320/1964 fixou o conteúdo da receita e despesa, segundo as categorias econômicas; dlscnmmatlvo
da mensagem, nestes termos: "exposição circunstanciada da situação eco- da receita por fontes e respectiva legislação; das dotações por órgãos do
nômico-financeira, documentada com demonstração da dívida fundada e governo e da Administração; e o acompanham outros quadros demons-
flutuante, saldos de créditos especiais, restos a pagar e outros compromis- trativos, tanto os primeiros quanto estes últimos elaborad~s em con~or­
sos financeiros exigíveis; exposição e justificação da política econômico- midade com os anexos da Lei 4.320/1964 e com os preceltos da Lei de
financeira do governo, justificação da receita e despesa, particularmente Responsabilidade Fiscal.
no tocante ao orçamento de capital" (art. 22, I). Note-se, por fim, que a reestimativa de receita por parte do Poder
Legislativo só será admitida se comprovados erro ou omissão de ordem
4.6.2 Projeto de lei de orçamento técnica ou legal (art. 12, § 1º, da LRF).
O projeto de lei de orçamento, de iniciativa do prefeito, é o documen-
to que, de forma articulada, estima a receita e fixa o montante da despesa, 4.6.3 Tabelas explicativas
podendo, ainda, conter disposições que autorizem a abertura de créditos As tabelas explicativas, segundo o ensinamento de Guilherme ~oo­
suplementares e operações de crédito por antecipação da receita, nos ter- jen, "destinam-se, como a própria designação está exprimindo, a, ex~hcar,
mos do art. 165, § 8º, da CF. O projeto deve atender aos preceitos da Lei a esclarecer o orçamento até os seus últimos pormenores agrup~vels, ?e-
de Responsabilidade Fiscal, a saber: a) conter, em anexo, demonstrativo nominados itens", aduzindo que "a receita é decomposta a partir de tltu-
da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e los mais gerais até as suas últimas especificações, de modo a mostrar sua
metas constantes do Anexo de Metas Fiscais, integrante da lei de dire- proveniência e suas implicações; o mesmo acontece com a despesa, que
trizes orçamentárias (LDO); b) ser acompanhado do documento a que se se desdobra a partir dos grandes títulos relativos às funções do governo
refere o § 6º do art. 165 da CF, bem como das medidas de compensação ou às unidades administrativas até os itens que agrupam, pela natureza,
a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter os próprios instrumentos de que se serve o governo para a exec.uçã? de
continuado; c) conter reserva de contingência, cuja forma de utilização e seus serviços". 146 A Lei 4.320/1964 determina que as tabelas exphcatlvas,
montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabeleci- além das estimativas de receita e despesa, especifiquem, ainda, em colu-
dos na LDO, destinada ao atendimento de passivos contingentes e outros nas distintas e para fms de comparação, receitas e despesas de exercícios
riscos e eventos fiscais imprevistos; d) fazer constar todas as despesas anteriores do exercício em vigor e do exercício por vir, arrecadadas,
relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as realizadas' ou previstas conforme o caso (art. 22, lII), institucionalizando
atendcrão; e) fazer constar, separadamente, o refinanciamento da dívida , ·d 147 .,
antiga praxe que algumas legislações - como a dos Estados Um os - ]a
pública; f) cuidar para que a atualização monetária do principal da dívida
consagraram como peças do próprio orçamento.
mobiliária refinanciada não supere a variação do índice de preços pre-
visto na LDO ou em legislação específica; g) não consignar crédito com
finalidade imprecisa ou com dotação ilimitada; h) não consignar dotação 4.6.4 Especificação de programas especiais
para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não As especificações dos programas especiais de trabalho custeados por
esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, dotações globais, exigidas pela Lei 4.320/1964 (art. 22, IV), configura~
confonne disposto no § 1º do art. 167 da CF. um aspecto da técnica do orçamento-programa, que impõe a programaçao
O conteúdo do projeto não deve discrepar do que as normas gerais ao nível de cada unidade administrativa (arts. 27 e ss.). No que tange aos
de direito financeiro, a LDO e o plano plurianual prescrevem para a lei do programas especiais custeados por dotações globais as especificaçõe~ de-
orçamento, na qual, ao fim do processo legislativo, deverá transformar-se. vem ser elaboradas em termos de metas visadas, decompostas em estlma-
Compõe-se, assim, de poucos artigos, dos quais os mais importantes são:
o que estima a receita efixa a despesa; o que apresenta os sumários gerais 146. Guilhenne Moojen, Orçamento Público, Rio de Janeiro, 1959, p. 106.
da receita, por fontes, e da despesa, por jUnções do governo. Integram, 147. Budget and Accounting Act, 1921, art. 201.
286 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 287

tivas do custo das obras a executar e dos serviços a prestar, acompanhadas 4.7.1 Orçamento
de justificação econômica, financeira, social e administrativa (art. 22).
O orçamento da receita é praticamente inalterável depois de aprova-
4.7 Receita do, porque os tributos, cujo produto representa a maior parte dos recursos
financeiros, só podem ser arrecadados em confonnidade com as leis tribu-
Receita orçamentária é o conjunto dos recursos financeiros que en- tárias promulgadas em exercício anterior àquele em que se deve executar
tram. para os cofres públicos, consoante o previsto na lei de orçamento. A o orçamento (CF, art. 150, I e lII). Todavia, o montante da receita arreca-
re.ceIta compreende, portanto, as rendas (recursos próprios oriundos dos dada pode ser superior ou inferior ao previsto no orçamento, porque neste
tnbut~s e preços privativos da entidade estatal) e todos os demais ingres- a receita é simplesmente estimada (e não fixada, como a despesa), vale
sos, taIS com? os provenientes de tributos partilhados, fundos de qualquer dizer, avaliada por aproximação da realidade, segundo o método adotado
natureza e ongem, empréstimos, financiamentos, subvenções e doações. pelo Fisco (método das médias trienais, método automático, método direto
Como já salientamos precedentemente, a receita pública é o gênero etc.); e, além disso, no curso do orçamento podem ser carreadas para os
de. que as rer:das são espécies. Lamentavelmente, nossa legislação finan- cofres públicos receitas não previstas na lei de meios, mas legitimamente
~eIra.em mmtasyassagens confunde receita com renda, ou, pelo menos, recebidas, como as rendas industriais de serviços criados durante o ano e
IdentIfica os, d?IS conceitos, numa deplorável falta de técnica, que tem remunerados por preços, os empréstimos públicos, os auxílios e as sul;>-
acarretado d~,?das.e perplexidades na prática orçamentária. Quando as venções. Nem por isso essas receitas novas e não cogitadas deixarão de ser
nonnas admInIstratIvas se referem à receita devemos entender o todo· e orçamentárias, uma vez que a Lei 4.320/1964 detennina sejam "classifi-
qu~ndo ~en~ionam rendas .devemos identificar apenas os recursos fin;n- cadas como receita orçamentária, sob as rubricas próprias, todas as recei-
celros propnos de cada entIdade estatal (tributos e preços). Assim na re- tas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda
c~i:a municipal en~rar.n todos os !ecursos financeiros recebidos pel; Muni- que não previstas no orçamento", ressalvadas apenas as mencionadas no
CIplO, de fontes pr~pnas ou alheIas; ao passo que na renda municipal só se parágrafo único do seu art. 3º (art. 57).148
compu~am os haundos de seus tributos (impostos, taxas e contribuição de
melhona) e do produto de seus bens, serviços ou atividades (preços). 4.7.2 Classificação
Nos t.e?TIos do art. 11 da LRF, constituem requisitos essenciais da
responsabIlIdade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arreca- A classificação da receita municipal deve atender ao disposto na Lei
daçã~ d~ todos os tributo~ da competência constitucional do Município.
4.320/1964, que reparte a receita pública em duas categorias econômi-
Isto sIg~llfica que os prefeItos deverão dedicar especial atenção à previsão cas: receitas correntes e receitas de capital (art. 11). As primeiras são
de ::eceItas, pOIS serão cobrados quanto à arrecadação e terão dificuldades as constituídas pelas receitas tributárias, patrimonial, industrial e receitas
malOr~s pa:.a co~ceder inc~ntivos e beneficios fiscais (renúncia de receita).
diversas, bem com~ as provenientes de recursos financeiros recebidos de
Se aSSl,l11 nao ,a~r o prefeIto, o Município estará sujeito à sanção prevista outras pessoas de direito público ou privado e destinadas a atender a des-
no paragrafo UnICO do art. 11 da Lei Complementar 10112000. pesas classificáveis como despesas correntes (§ 1º); as segundas (recei-
tas de capital) são as provenientes da realização de recursos financeiros
Trinta dias após a publicação dos orçamentos as receitas deverão ser
oriundos de constituição de dívidas e da conversão em espécie de bens e
desdobradas em metas bimestrais de arrecadação, medidas de combate
direitos, integrando-as também os recursos recebidos de outras pessoas, de
à sonegação deverão ser especificadas, se cabíveis, e demonstrativos da
direito público ou privado, e destinadas às despesas de capital, bem como
evol~ç.ão d~ dívida ativa e dos créditos tributários que podem ser cobrados
o superávit do orçamento corrente (§ 2º). No esquema para a classificação
admInIstratIvamente deverão ser apresentados (LRF, art. 13).
Na p~estação de _co~tas o 'prefeito deverá relatar o desempenho da 148. Lembramos que nem todas as quantias recebidas pelos cofres públicos são
arrecadaçao em ::ela~ao a prevIsão, apresentar as medidas adotadas para receitas. Como observa José Afonso da Silva, com apoio em Aliomar Baleeiro (Uma
melh~rar a fiscahzaçao e combater a sonegação, analisar e infonnar sobre Introdução ... , v. I, 1972, p. 130), há ingressos que "não passam de movimentos de
as. açoes p~ra recuperação dos créditos tributários e relatar o que mais foi fundo, em nada incrementando o patrimônio público, desde que estão condicionados
feIto para Incrementar a arrecadação (art. 58). a restituição posterior ou representam mera recuperação de valores emprestados ou
cedidos pelo governo" (O Prefeito e o Município, p. 239).
288 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 289

da receita por fontes, as receitas correntes são subdivididas em receita CTN. Só se aplica a infrações cometidas antes da vigência da lei que a
tributária (impostos, taxas, contribuição de melhoria), receita patrimo- concede. Não alcança os atos criminosos, contravencionais ou os pratica-
nial (receitas imobiliárias, receitas de valores mobiliários, participação dos com dolo, fraude ou simulação, nem as infrações resultantes de con-
e dividendos, outras receitas patrimoniais), receita industrial (receita de luio. A anistia de caráter geral é concedida sem quaisquer exigências e
serviços industriais e outras receitas industriais) e transferências correntes decorre da lei. A anistia tem caráter restrito quando é concedida, em cada
(multas, contribuições, cobrança da dívida ativa, outras receitas diversas). caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o
As receitas de capital são classificadas por fontes como receitas diversas, qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cum-
abrangendo operações de crédito, alienação de bens móveis e imóveis, primento dos requisitos previstos em lei para sua concessão.
amortização de empréstimos concedidos, transferências de capital e outras
Remissão é perdão, dispensa. Nos termos do art. 172 do CTN, só
receitas de capital (§ 4º). Essa classificação é minudenciada no Anexo 3
pode ser concedida pela autoridade administrativa para tanto expressa-
da Lei 4.320/1964, que indica também os itens em que as receitas devem
mente autorizada por lei. Pode, ainda, ser concedida diretamente pela lei.
figurar no orçamento, fixando-lhes os códigos gerais, que poderão ser
O Código Tributário Nacional estabelece que a lei pode autorizar a auto-
complementados por códigos locais (art. 8º, § 3º).
ridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão
total ou parcial do crédito tributário, atendendo aos requisitos ftxados nos
4.8 Renúncia de receita incisos I a V do mencionado dispositivo. Não se confunda remissão (com
ss) com remição (com ç). Remissão é perdão. Remição é ato de remir,
A LRF, no art. 14, cuida da renúncia de receita, estabelecendo que a
livrar do poder alheio, adquirir de novo, resgatar.
concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária
das quais decorra renúncia de receita pelo Município deverão estar acom- A remissão não se confunde com a anistia, que é forma de exclusão
panhadas de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício do crédito tributário. A remissão pressupõe tenha havido um lançamento.
em que devam iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao dis- Os demais benefícios tributários favoráveis aos contribuintes (subsí-
posto na lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a pelo menos uma das dio, crédito presumido, isenção em caráter não-geral, alteração de alíquota
seguintes condições: a) demonstração pelo proponente de que a renúncia ou base de cálculo etc.), todos eles, têm como objetivo incentivar o desen-
foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do volvimento de detenninadas regiões ou a intensificação de determinada
art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no ane- atividade, através da diminuição do valor do tributo devido. Tais benefí-
xo próprio da LDO; b) virem acompanhadas de medidas de compensação, cios, nos tennos do art. 156, § 3º, 111, da CF, nos Municípios, só por lei
no período da renúncia, por meio do aumento de receita, proveniente da municipal específica podem ser concedidos. 149
elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação A LRF, no § 3º do art. 14, estabelece que a exigência do caput do
de tributo ou contribuição. Se o ato de concessão ou ampliação do incen- dispositivo não se aplica às alterações de alíquotas dos impostos de impor-
tivo ou benefício de natureza tributária do qual decorra renúncia tributária tação de produtos estrangeiros; de exportação, para o exterior, de produtos
estiver fundado em medidas de compensação (art. 14, 11) o benefício só nacionais ou nacionalizados; sobre produtos industrializados; de opera-
entrará em vigor quando implementadas as medidas compensatórias (au- ções de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobi-
mento de receita por meio de elevação de alíquotas, ampliação da base de liários. Também não é aplicável ao cancelamento de débito cujo montante
cálculo etc.). seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.
A renúncia de receita dá-se por meio de anistia, remissão, subsídio,
crédito presumido, concessão de isenção em caráter não-geral, alteração 4.9 Despesa
de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução dis-
criminada de tributos ou contribuições e outros beneficios que correspon- Despesa pública é todo dispêndio que a Administração faz para o
dam a tratamento diferenciado favorável ao contribuinte. custeio de seus serviços, remuneração dos servidores, aquisição de bens,
Anistia é uma das causas de exclusão do crédito tributário, relativa-
149. Cf. Sacha Calmon Navarro Coêlho, Teoria Geral do Tributo e da Exonera-
mente a penalidades pecuniárias (multas), prevista nos arts. 180-182 do
ção Tributária, São Paulo, Ed. RT, 1992.
290 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 291

execução indireta de obras e serviços e outros empreendimentos necessá- Somente a abertura de créditos extraordinários independe de autori-
rios à consecução de seus fins. Segundo o art. 16 da LRF, a criação, ex- zação legal prévia, porque se destina a atender a despesas imprevisíveis
pansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarretem aumen- (por isso mesmo não dotadas na lei orçamentária) e urgentes, como as
to da despesa (que não seja considerada irrelevante, nos termos em que decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública (CF, art.
dispuser a lei de diretrizes orçamentárias - LDO) serão acompanhados 167, § 32).151 Todavia, a própria Constituição limita a vigência do crédito
de: I - estimativa, acompanhada das premissas e metodologia de cálculo extraordinário ao exercício em que foi autorizado ou, no máximo, se a
utilizadas, do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva autorização ocorreu nos últimos quatro meses do exercício, ao término do
entrar em vigor e nos dois subseqüentes; II - declaração do ordenador da subseqüente (art. 167, § 2 2 ), e a Lei 4.320/1964 determina ao Executivo
despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com que dê conhecimento imediato de sua abertura ao Legislativo (art. 44).
a lei orçamentária anual (LOA) e compatibilidade com o plano plurianual Consoante o art. 19 da LRF, para os fins do disposto no caput do art.
e com aLDO. 169 da CF, nos Municípios, a despesa total com pessoal, em cada período
Essas normas constituem condição prévia para: I - empenho e licita- de apuração, não poderá exceder a 60% da receita corrente líquida.
ção de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras; II - desapro- Excluem-se desse limite as despesas: I - de indenização por demis-
priação de imóveis urbanos a que se refere o § 32 do art. 182 da CF. são de servidores ou empregados; II - relativas a incentivos à demissão
A referida lei complementar define como: I - adequada com a LOA a voluntária; III - derivadas da aplicação do disposto no inciso II do § 62 do
despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida art. 57 da CF; IV - decorrentes de decisão judicial e da oompetência de
por crédito genérico, de forma que, somadas todas as despesas da mesma período anterior ao da apuração a que se refere o § 2 2 do art. 18 (a serem
espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não incluídas no limite do respectivo Poder ou órgão, nos termos do art. 20);
sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício; II - compa- V - com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas
tível com o plano plurianual e a LDO a despesa que se conforme com as por recursos provenientes: a) da arrecadação de contribuições dos segura-
diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e dos; b) da compensação financeira de que trata o § 92 do art. 201 da CF;
não infrinja qualquer de suas disposições. c) das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal
Serão consideradas não-autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimô- finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem
nio público a geração de despesa ou a assunção de obrigação que não como seu superávit financeiro.
atendam a tais dispositivos. A repartição do limite global de 60%, fixado no art. 19, deverá cor-
A despesa pública deve realizar-se em estrita consonância com o responder a 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Mu-
princípio da legalidade, que, nos termos da Constituição da República, nicípio, quando houver, e 54% para o Executivo.
impõe não só a autorização legislativa para a sua efetivação como, tam- Ao fixar percentuais da receita limitativos de gastos com pessoal para
bém, afixação legal do quantum do dispêndio autorizado (art. 165, § 82 ). os Poderes Legislativo e Executivo do Município, a Lei de Responsabili-
Do princípio da legalidade, tal como consagrado no texto constitucional, dade Fiscal particularizou minúcias e detalhes que de forma alguma po-
resultam as vedações abrangendo a realização de despesas que excedam dem ser definidos como normas gerais. É, pois, flagrante, nessa parte, sua
os créditos orçamentários ou adicionais; a transposição de recursos de inconstitucionalidade. 152
uma dotação orçamentária para outra sem prévia autorização legal; a aber-
tura de crédito especial ou suplementar também sem anterior autorização 151. A enumeração do texto constitucional é meramente exemplificativa, de
legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; a concessão de modo que toda despesa que se apresente como imprevisível e urgente autoriza a aber-
créditos ilimitados; a transferência voluntária de recursos e a concessão tura de crédito extraordinário. O essencial é a coexistência dos dois requisitos cons-
titucionais - isto é, a imprevisibilidade e a urgência -, não sendo lícito à lei ordinária
de empréstimos para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e limitar os casos que admitem o crédito excepcional.
pensionista (CF, art. 167).150 152. A inconstitucionalidade do art. 20 da Lei Complementar 101, de 4.5.2000,
foi argüida em diversas ações diretas promovidas perante o STF, dentre as quais as
150. Com a redação dada ao art. 167 pela EC 19/1998. ADIn 2.238-5, 2.365-9 (nas quais foi negada a liminar de suspensão da eficácia do
292 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 293

4.9.1 Orçamento tal, compreendendo investimentos (obras públicas, serviços em regime de


programação especial, equipamentos e instalações, material permanente e
O orçamento da despesa deve compreender todos os gastos do Mu-
participação na constituição ou aumento de capital de empresas ou entida-
nicípio, isto é, da Prefeitura e da Câmara. 153 Com a edição da EC 25, de
des industriais ou agrícolas), inversões financeiras (aquisição de imóveis,
14.2.2000, que entrou em vigor em 1.1.2001, foram introduzidas, através
participação na constituição ou aumento de capital de empresas ou enti-
do art. 29-A, restrições às despesas do Poder Legislativo Municipal, de tal
dades comerciais ou financeiras, aquisição de títulos representativos de
modo que o total da sua despesa, incluídos os subsídios dos vereadores
capital de empresas em funcionamento, constituição de fundos rotativos,
e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar o percentual
da soma da receita tributária e das transferências aludidas nos arts. 153, concessão de empréstimos e inversões financeiras diversas) e transferên-
§ 5º, 158 e 159 da CF, a ser definido de conformidade com a popula- cias de capital (auxílios para equipamentos e instalações, amortização da
ção do Município, a saber: I - 8% para Municípios com população de dívida pública, auxílios para obras públicas, auxílios para inversões finan-
até 100.000 habitantes; II - 7% para Municípios com população entre ceiras e outras contribuições), devem ser contempladas, necessariamente,
100.001 e 300.000 habitantes; III - 6% para Municípios com população no orçamento plurianual de investimentos, sem o quê não poderão ser
entre 300.001 e 500.000 habitantes; IV - 5% para Municípios compopu- realizadas (CF, art. 165, I, e § 1º).
lação acima de 500.000 habitantes. Além disto, o gasto da Câmara Muni- Além de obedecer às normas de contabilidade pública, a escrituração
cipal com folha de pagamento, incluídos os subsídios dos vereadores, não das contas deverá observar as disposições contidas no art. 50 da LRF.
deverá ser superior a 70% de sua receita (art. 29-A, § 1º). Devidamente autorizadas, todas as despesas, para sua efetivação, de-
O orçamento deve observar o disposto nos arts. 12 a 21 e Anexo 4 da vem passar por estágios de fixação e esclarecimento, a saber: empenho,
Lei 4.320/1964, que classifica as despesas, segundo as categorias econô- liquidação e pagamento.
micas, em despesas correntes (despesas de custeio e transferências corren-
tes) e despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e transfe- 4.9.2 Empenho
rências de capital). Todas essas despesas devem figurar no orçamento em
conformidade com a discriminação por elementos constantes do art. 13 da O empenho, segundo a Lei 4.320/1964, "é o ato emanado de autori-
Lei 4.320, especificados e codificados no seu Anexo 4, facultada a adoção dade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente
de códigos complementares locais (art. 8º, § 3º). As despesas de capi- ou não de implemento de condição" (art. 58). A conceituação legallabora
em erro, pois a obrigação de pagamento precede o empenho e resulta da
preceito normativo questionado), 2.261-0, 2.241 e 2.256, todas ainda aguardando jul- lei ou do contrato gerador da despesa. O empenho, que se formaliza na
gamento pelo mérito.
denominada nota de empenho (Lei 4.320, art. 61), não constitui obrigação
V. também, a respeito deste assunto, o Capítulo X, adiante, item 1.2.1, "Limites
e controle de despesa com pessoal". nem compromisso de pagamento, pois é operação financeira de caráter
153. As despesas da Câmara de Vereadores devem ter verbas próprias no orça- contábil, visando à reserva do numerário para o pagamento da despesa
mento municipal, mas sua efetivação, embora feita pela Edilidade, obedece à mesma comprometida, dentro da dotação específica. 154
tramitação das despesas da Prefeitura e fica sujeita a comprovação para a prestação
anual de contas do exercício financeiro. O numerário correspondente às verbas da
Sua finalidade é, portanto, evitar que, pela dedução da parcela le-
Câmara deve ser posto à sua disposição, pelo prefeito, em parcelas mensais correspon- galmente comprometida, a Administração venha a ultrapassar as dotações
dentes ao duodécimo das respectivas dotações. Nada justifica a exigência de certas Câ- orçamentárias. O empenho não cria, pois, a obrigação de pagamento;
maras de que suas verbas sejam entregues de uma só vez, no início do ano financeiro. opera como ato-condição do pagamento. Sua validade está condiciona-
Desde que a Câmara não realiza obras ou serviços externos, limitando-se suas despesas
da ao atendimento dos requisitos estabelecidos nos arts. 59 e 61 da Lei
aos seus serviços internos e remuneração de seus membros, os recursos necessários a
essas despesas devem ser fornecidos na proporção dos gastos, ou seja, em duodécimos 4.320/1964, a qual veda a realização de qualquer despesa sem prévio em-
mensais, para não sobrecarregar os encargos pecuniários do Executivo, principalmente
no início do ano, em que a arrecadação da receita orçada é diminuta e insuficientes são 154. A nota de empenho somente terá natureza obrigacional quando, nos termos
as disponibilidades de caixa. da legislação local, substituir o contrato fonnal ou outro documento hábil nos ajustes
Sobre a matéria, v. o Capítulo Xl, item 2.2.3.6, "Requisição de numerário da administrativos não sujeitos, em tese, a concorrência. No mesmo sentido: José Afonso
Câmara". da Silva, Orçamento-Programa no Brasil, pp. 337 e ss.
294 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 295

penho (art. 60), salvo nos casos especiais previstos na legislação pertinen- cionais) abertos para esse fim. O art. 10 da LRF estabelece que a execução
te (art. 60 e § 1Q ).155 orçamentária e financeira identificará os beneficiários de pagamento de
sentenças judiciais, por meio de sistema de contabilidade e administração
4.9.3 Liquidação financeira, para fins de observância da ordem cronológica determinada no
art. 100 da CF.
A liquidação é o estágio em que se verifica o direito do credor em
O orçamento deverá incluir obrigatoriamente a verba necessária ao
face de seus títulos creditórios. Como bem salienta Alberto Deodato, "a
pagamento dos débitos constantes dos precatórios apresentados até 1Q de
liquidação é a verificação da legitimidade na despesa empenhada, proce-
julho (CF, art. 100, § 1º), pagando-se os demais mediante abertura de cré-
dida à vista de títulos, documentos, dispositivos legais e demais provas, a
ditos adicionais. Tanto as dotações como os créditos serão consignados ao
fim de apurar a origem e objeto daquilo que se deve pagar; e quem deve
Poder Judiciário, cabendo ao presidente do Tribunal que proferir a deci-
embolsar a importância para extinguir a obrigação". 156 É exatamente isso
são exeqüenda 158 determinar o pagamento, segundo as possibilidades do
o que estabelece a Lei 4.320/1964 (art. 63 e §§), condicionando o estágio
depósito, isto é, das importâncias recolhidas à repartição competente, por
seguinte - pagamento - a prévia liquidação regular da despesa (art. 62).
força das mesmas dotações ou dos créditos adicionais. Compete, ainda,
ao presidente do Tribunal, no caso de desatendimento da ordem de apre-
4.9.4 Pagamento sentação dos precatórios e a requerimento do credor preterido, ouvido o
O pagamento é o último estágio da realização da despesa, ou seja, chefe do Ministério Público, autorizar o seqüestro da quantia necessária à
aquele em que se exaure a dívida. Inicia-se com a ordem de pagamento satisfação do débito (CF, art. 100, § 2º).
exarada por autoridade competente, em documento processado pelo servi- Os precatórios judiciais 159 não pagos durante a execução do orçamen-
ço de contabilidade, após verificada a regularidade da liquidação (arts. 62 to em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para
e 64), encerrando-se com a entrega da importância ao credor pela Tesoura- fins de aplicação do limite global de seu montante, fixado pelo Senado
ria ou Pagadoria, por estabelecimento bancário credenciado ou, em casos Federal, nos termos do inciso VI do art. 52 da CF, bem como do art. 30
excepcionais, mediante adiantamento (art. 65).157 daLRF.
Os pagamentos devidos pela Fazenda Municipal em razão de sentença Os pagamentos, em geral, devem ser efetuados até o último dia do
judiciária sujeitam-se ao regime geral previsto no art. 100 da CF, do qual ano financeiro, sob pena de caírem em exercício findo ou exercício en-
não discrepa o art. 67 da Lei 4.320/1964. Esses pagamentos far-se-ão na
ordem cronológica de apresentação dos precatórios (requisições judiciais) 158. Lembramos que o trânsito emjulgado, que é condição de exeqüibilidade
e à conta dos créditos respectivos, vedada a designação de casos ou de pes- das sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública proferidas por juízes de primeira
instância, somente pode ocorrer após sua confirmação pela segunda instância, uma
soas nas dotações orçamentárias e nos créditos extra-orçamentários (adi-
vez que o Código de Processo Civil as sujeita ao duplo grau de jurisdição. Daí por que
a Constituição Federal deferiu aos presidentes de Tribunais as ordens de pagamento
155. Essas prescrições visam a eliminar os abusos cometidos por alguns prefeitos por conta das dotações consignadas ao Poder Judiciário mas, na prática, os juízes da
no final de seus mandatos, decorrendo do errôneo conceito que a lei deu ao empenho, execução desempenham essa função, requisitando diretamente os pagamentos devidos
como vimos no texto. Todavia, embora salutares, não se contêm na competência reser- nos seus processos (CF, art. 100, § 2Q).
vada à União pelo art. 24, § l Q, da CF, pois não configuram normas gerais, no sentido 159. A EC 37, de 12.6.2002, acrescentou o art. 87 ao ADCT, estabelecendo que:
que se infere do texto constitucional, uma vez que se destinam especificamente aos "Para efeito do que dispõem o § 3Q do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 des-
Municípios, e não genericamente às entidades estatais. Assim sendo, essas disposições te Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão considerados de pequeno
não passam de normas de tutela municipal pela União, inadmissível na nossa organiza- valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da
ção político-administrativa, a par de representarem flagrante invasão da competência Federação, observado o § 4Q do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obriga-
municipal. ções consignados em precatório judiciário, que tenham valor igualou inferior a trinta
156. Alberto Deodato, Manual ... , p. 316. salários mínimos perante a Fazenda dos Municípios". E o § ~ do art. 100, também
157. O regime de adiantamento consiste na entrega de numerário a servidor, introduzido pela EC 3712002, preceitua que: "São vedados a expedição de precatório
sempre precedida de empenho na dotação própria, para que este realize despesas que complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou
não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação, só sendo admissível nos quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na for-
casos expressamente definidos em lei (Lei 4.320/1964, art. 68). ma estabelecida no § 3Q deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório".
296 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 297

cerrado; mas as despesas empenhadas e não pagas até 31 de dezembro 4.10.1 Vinculação a determinado elemento de despesa
são classificadas como Restos a Pagar, podendo ser realizadas e quitadas
em qualquer. tempo, enquanto não se verificar a prescrição qüinqüenal em A vinculação a determinado elemento de despesa decorre do disposto
favor da Fazenda Pública. Os Restos a Pagar, obedecidas as disposições no art. 5º da Lei 4.320/1964, que veda a consignação de dotações globais
do art. 42 da LRF, constituem dívida flutuante e devem ser registrados em para atender, indiferentemente, a despesas de pessoal, material, serviços de
conta própria, por exercício e por credor, com distinção entre as despesas terceiros, transferências ou quaisquer outras, em conformidade com o art.
processadas e as não-processadas, consoante estabelece a Lei 4.320/1964 15 da mesma lei, o qual determina a discriminação orçamentária da despe-
(arts. 36 e 91, II, e parágrafo único). ALRF, em seu art. 42, veda ao titular sa no mínimo por elementos, como tal entendido seu desdobramento "com
do poder ou órgão, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, con- pessoal, material, serviços, obras e outros meios de que se serve a Admi-
trair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente den- nistração Pública para a consecução dos seus fins" (§ 1º). A regra legal é,
tro dele ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que portanto, a da dotação especifica por elementos de despesa, salvo quanto
haja suficiente disponibilidade de caixa para esse efeito. Na determinação aos programas especiais de trabalho referidos no art. 2º da Lei 4.320 e às
da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas entidades da Administração indireta, cujas despesas serão custeadas por
compromissados a pagar até o final do exercício. O disposto no art. 42, dotações globais, isto é, sem discriminação na lei orçamentária.
todavia, não pode ser analisado isoladamente. Há que se considerar o que Os elementos de despesa relacionados no Anexo 4 da Lei 4.320/1964
estabelecem os arts. 35, I e II, 48,58,59,60,62 e 63 da Lei 4.320/1964. constituem os itens de discriminação da despesa (art. 8º, § 1º). Nem todos
As contas de exercícios findos são pagas, normalmente, mediante abertu- esses elementos (ou itens) de despesa devem figurar no orçamento muni-
ra de crédito especial, mas a lei admite dotação orçamentária específica, cipal, porque o Município não realiza, necessariamente, todas as despesas
discriminada por elementos e obedecida, sempre que possível, a ordem classificadas no Anexo 4, algumas das quais por não se conterem no âmbi-
cronológica para a satisfação desses débitos (Lei 4.320, art. 37). to de sua competência constitucional (pessoal militar, instituições federais
ou estaduais etc.). Por outro lado, esses elementos (ou itens), estabelecidos
4.10 Dotação genericamente para todas as entidades estatais, podem ser desdobrados
Dotação, em sentido amplo, é o recurso fixado no orçamento para em outros, tantos quantos sejam necessários ao melhor atendimento das
atender às necessidades de determinado órgão, fundo ou despesa. Na nos- conveniências da Administração Municipal na execução de seu orçamen-
sa vigente sistemática financeira, dotação ou verba 160 é a parcela do crédi- to. Todavia, sempre que a lei orçamentária consignar recursos para um
to orçamentário fixado para a execução de um programa governamental, elemento, para subelemento ou para uma das possíveis subdivisões deste,
vinculada a determinado elemento de despesa, em conformidade com a configura-se uma dotação.
classificação legal. Os pagamentos só podem ser feitos à conta das respectivas dotações,
Como ensina José Afonso da Silva, os créditos orçamentários são decorrendo daí a proibição de transposição de recursos e os problemas
estabelecidos em favor das unidades orçamentárias, que são as unida- de desvio de verba e de emprego irregular de rendas, que comentaremos
des administrativas (em geral, no nível departamental) responsáveis pela a seguir.
execução dos programas. As dotações significam parcelas desse crédito
destinadas a alguma despesa ou a despesa de algum serviço, projeto ou
4.10.2 Proibição de transposição de recursos
atividade, e até para algum órgão. 161
A proibição de transposição, remanejamento ou transferência de
160. A antiga distinção entre dotação e verba tende a desaparecer, uma vez que
seus conceitos se equivalem no moderno vocabulário financeiro-orçamentário, em que
recursos de uma dotação orçamentária (categoria de programação) para
o termo "verba" está em desuso, absorvido por "dotação", como observa José Afonso outra ou de um órgão para outro sem prévia autorização legislativa é pre-
da Silva (Orçamento-Programa ... , p. 313). Aliás, a Lei 4.320/1964 já não emprega ceito constitucional (art. 167, VI) decorrente do princípio da legalidade da
"verba", muito embora a Constituição Federal ainda o faça, mas com o mesmo sentido despesa, que estudamos precedentemente.
de dotação orçamentária (cf. art. 100, § 1!!).
16l. José Afonso da Silva, Orçamento-Programa ... , p. 313, e também Curso ... ,
A transposição de recursos é uma contingência de toda Administra-
30ª ed., Terceira Parte, Título V, "Bases Constitucionais das Instituições Financeiras". ção diante da variabilidade dos fatos e da modificação das condições que
298 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 299

atuaram na elaboração do orçamento; e, por isso mesmo, é admitida dentro Realmente, o prefeito que praticar o desvio de verba incidirá no cri-
de certos critérios técnicos e legais. Havendo necessidade de transposição, me de responsabilidade previsto no art. 1Q, UI, do Decreto-lei 201, de
total ou parcial, de dotação de um elemento para outro, dentro ou fora da 27.2.1967, punido com pena mais severa que a prescrita para seus subal-
mesma unidade orçamentária, será indispensável que, por lei especial, se temos - detenção de três meses a um ano (art. l Q , § l Q ), aplicável ao chefe
anule a verba inútil ou sua parte excedente e se transfira o crédito resul- de Executivo Municipal que desviar ou aplicar indevidamente verba pú-
tante dessa anulação para a dotação insuficiente. Essa exigência constitu- blica. Embora punidos com a mesma pena, o desvio e a aplicação indevida
cional, todavia, não se aplica aos casos em que se admite dotação global de verbas públicas são crimes distintos, cuja tipificação está intimamente
(programas especiais de trabalho, entidades da Administração indireta), relacionada com a interpretação das normas constitucionais e legais per-
nos quais a discriminação das parcelas se faz por decreto do Executivo ou tinentes às finanças públicas, em geral, e à execução orçamentária, em
por ato do dirigente da entidade, na forma estatutária, conforme o caso, particular.
com possibilidade de alteração por ato da mesma natureza.
Assim, o desvio de verba propriamente dito é a transposição de recur-
Por outro lado, a Lei 4.320/1964 faculta "a redistribuição de parcelas sos de determinada dotação para outra sem prévia autorização legal, com
das dotações çle pessoal, de uma para outra unidade orçamentária, quando infração ao disposto no art. 167, VI, da CF; ao passo que a aplicação inde-
considerada indispensável à movimentação de pessoal, dentro das tabelas vida de verba se caracteriza com a simples utilização de dotação em des-
ou quadros comuns às unidades interessadas, e se realize em obediência à conformidade com o preceituado na lei orçamentária. Em qualquer hipóte-
legislação específica" (art. 66, parágrafo único). Essa autorização genéri- se, porém, se o prefeito se apropriar das dotações, desviá-las ou utilizá-las
ca é, a nosso ver, inconstitucional, pois entendemos, com José Afonso da indevidamente, em proveito próprio ou alheio, sua conduta tipificará um
Silva,162 que a prévia autorização legal a que se refere o inciso VI do art. dos crimes previstos nos incisos I e U do art. l Q do Decreto-lei 201/1967,
167 da CF há de ser pedida e concedida em cada caso em que se mostre que são punidos muito mais severamente que o simples desvio de verba
necessária a transposição de recursos. (reclusão de dois a doze anos).
Lembramos, finalmente, que a transposição de recursos não é o único
meio de que dispõe o prefeito para suprir as deficiências do orçamento em
4.10.4 Emprego irregular de rendas
face de fatos novos ocorrentes durante sua execução, porquanto pode va-
I cr-se também dos créditos adicionais, previstos e disciplinados nos arts. O emprego irregular de renda pública é outro crime contra a Ad-
40 a 46 da Lei 4.320/1964, para reforço de dotação (créditos suplementa- ministração relacionado com a execução do orçamento. Está definido,
res), para despesas comuns sem dotação específica (créditos especiais) e juntamente com o crime de desvio de verba, no mesmo art. 315 do CP,
para despesas urgentes e imprevistas (créditos extraordinários). 163 mas constitui figura delituosa autônoma e inconfundível com a de desvio
ou uso indevido de dotação orçamentária, que comentamos precedente-
4.10.3 Desvio de verba mente. No desvio de verba há um recurso orçamentário que é utilizado
em desconformidade com o orçamento; no emprego irregular de renda
o desvio de verba consiste no emprego de dotação orçamentária em - como tal entendido qualquer recurso financeiro diverso do previsto no
despesa diversa daquela a que foi legalmente destinada. Tal conduta, sobre orçamento para determinada despesa - há numerário disponível que é uti-
ser uma irregularidade administrativa, constitui crime contra a Adminis- lizado sem autorização legal. Ocorre o emprego irregular de renda, por
tração Pública, definido na primeira parte do art. 315 do CP,164 do qual exemplo, quando o prefeito, valendo-se do produto de uma alienação de
pode ser sujeito ativo qualquer agente público que tenha a faculdade de bem municipal (não prevista no orçamento), aplica-o na construção de
disposição das verbas orçamentárias e não tenha sido contemplado em lei uma ponte para a qual não há dotação orçamentária (despesa não fixada
específica, como ocorre com o prefeito municipal. no orçamento, portanto).
162. Orçamento-Programa ... , p. 315. O emprego irregular de renda pública constitui, também, crime de
163. Sobre a abertura desses créditos, V., adiante, o Capítulo XII, item 3.8. responsabilidade do prefeito, definido no inciso lU do art. 1Q do Decreto-
164. O art. 315 do CP dispõe: "Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diver- lei 201/1967, valendo quanto a ele as mesmas observações expendidas
sa da estabelecida em lei: Pena - detenção de um a três meses, ou multa". acima sobre o desvio de verba, inclusive no que tange ao agravamento da
300 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v - FINANÇAS MUNICIPAIS 301

pena quando o emprego irregular de renda é feito em proveito próprio ou do Executivo Municipal (LRF, art. 59), na forma da lei (CF, art. 31 e §§).
alheio. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal possibilita ao cidadão que
Consectários dos crimes que examinamos acima são os previstos nos denuncie qualquer irregularidade ou ilegalidade, responsabilizando corre-
incisos IV (emprego de subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos tamente quem efetuar denúncia infundada ou inverídica (Lei 10.028, de
de qualquer natureza em desacordo com os planos ou programas a que se 19.10.2000, art. 1º). Neste tópico examinaremos o controle interno, uma
destinam), V (despesas não autorizadas por lei ou realizadas em desacordo vez que o externo será visto no Capítulo XI, na parte em que cuidaremos
com as normas financeiras pertinentes), IX (concessão de empréstimos, das atribuições da Câmara Municipal (item 3).
auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara ou em desacordo com As normas gerais sobre fiscalização financeira e orçamentária cons-
a lei que os autorizou) e XI (contratação administrativa sem prévia con- tam dos arts. 75 a 81 da Lei 4.320/1964, sob o título controle da execução
corrência ou tomada de preços) do art. 1º do Decreto-lei 20111967. Com orçamentária, bipartido em controle interno e controle externo, em con-
efeito, o que essas disposições contemplam especificamente são atos que formidade com a Constituição Federal (arts. 31,70 e 71). Também a LRF,
se enquadram na tipificação geral do desvio de verba ou do emprego irre- no art. 59, prevê o exercício do controle externo e interno, enum~rando
gular de renda pública, conforme o caso. 165
nos incisos e parágrafos os principais pontos que devem ser analIsados
nesse mister, como veremos a seguir.
4.11 Transparência, controle e fiscalização
A transparência é assegurada na LRF, arts. 48-49, através dos planos, 4.11.1 Controle interno
orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; das prestações de contas e
A fiscalização financeira e orçamentária atribuída ao Executivo (con-
respectivo parecer prévio; do Relatório Resumido da Execução Orçamen-
trole interno) compreende os controles da legalidade, da fidelidade e ~a
tária e do Relatório de Gestão Fiscal, bem como das versões simplificadas
execução. O controle interno da legalidade é exercido sobre os atos pertl-
desses documentos, aos quais deverá ser dada ampla divulgação, inclusive
nentes à arrecadação da receita e à realização das despesas, bem como so-
por meios eletrônicos de acesso público. A Lei de Responsabilidade Fiscal
bre os que acarretem ou possam acarretar nascimento ou extinção de direi-
também assegura a transparência mediante o incentivo à participação po-
tos e obrigações; o controle interno dafidelidade visa à conduta funcional
pular e a realização de audiências públicas durante os processos de elabo-
ração e discussão dos planos, da LDO e dos orçamentos. Esses instrumen- dos agentes responsáveis por bens e valores públicos; o controle interno
tos deverão ser colocados à disposição do contribuinte a fim de que exerça da execução tem por objetivo o cumprimento do programa de trabalho do
seus direitos de cidadão no controle e na fiscalização das contas públicas. governo, considerado em seus aspectos financeiros, de realização de obras
Prevê, ainda, o art. 49 da LRF que as contas apresentadas pelo prefeito e prestação de serviços (Lei 4.320/1964, arts. 75 e 76).
municipal ficarão disponíveis durante todo o exercício, na respectiva Câ- A LRF, estabelece, no art. 59, que o Poder Legislativo, diretamente
mara de Vereadores e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle in-
para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade. terno de cada Poder e do Ministério Público fiscalizarão o cumprimento
O controle é a função pela qual a Administração e o cidadão-contri- das suas nonnas, com ênfase para os seguintes pontos: a) atingimento das
buinte verificam se os planos, objetivos, metas, recursos ou insumos a eles metas estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias (LDO); b) limites e
destinados foram alcançados e utilizados com eficiência. condições para realização de operações de crédito e inscrição em Restos
Afiscalização financeira e orçamentária no âmbito municipal reali- a Pagar; c) medidas adotadas para o retomo da despesa total com pessoal
za-se mediante controle externo da Câmara de Vereadores, com o auxílio ao respectivo limite, nos termos dos arts. 22 e 23; d) providências toma-
do Tribunal de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos das, conforme o disposto no art. 31, para recondução dos montantes das
ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver, e controle interno dívidas consolidada e mobiliária aos respectivos limites; e) destinação de
recursos obtidos com a alienação de ativos, tendo em vista as restrições
165. Sobre a responsabilidade penal do prefeito, v., adiante, o Capítulo XII, item constitucionais e as da Lei de Responsabilidade Fiscal; f) cumprimento do
4.1. limite de gastos totais dos Legisl~tivos Municipais, quando houver.
302 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 303

Além disso, o referido diploma legal prevê que os Tribunais de Con- orçamentária (arrecadação da receita e realização das despesas), cabendo
tas alertarão os Poderes ou órgãos mencionados no art. 20 (Ministério aos serviços competentes a verificação da exata observância dos limites
Público, Congresso Nacional, Senado Federal, Assembléias Legislativas das quotas mensais atribuídas a cada unidade orçamentária na programa-
Estaduais, Tribunais de Contas Estaduais, do Distrito Federal e dos Mu- ção de desembolso.
nicípios, quando houver, os Tribunais referidos no art. 92 da CF, os Tri-
4.11.1.2 Fidelidade - O controle interno da fidelidade funcional far-
bunais de Justiça e as demais Cortes Estaduais) quando constatarem: a) a
se-á por meio de levantamentos, prestações ou tomadas de contas de todos
possibilidade de ocorrência das situações previstas no inciso II do art. 4º e
os responsáveis por bens ou valores públicos. A lei municipal que instituir
no art. 9º; b) que o montante da despesa total com pessoal ultrapassou 90%
o sistema de controle interno poderá prescrever prestação ou tomada de
do limite; c) que os montantes das dívidas consolidada e mobiliária, das
contas anual, mas sem prejuízo da que deva ser feita em final de gestão,
operações de crédito e da concessão de garantia se encontram acima de
bem como da. faculdade de o responsável pela fiscalização da fidelidade
90% dos respectivos limites; d) que os gastos com inativos e pensionistas
funcional exigi-la ou determinar o levantamento das contas a qualquer
se encontram acima do limite definido em lei; e) fatos que comprometam
tempo.
os custos ou os resultados dos programas ou indícios de irregularidades na
gestão orçamentária. 4.11.1.3 Execução - O controle interno da execução deve efetivar-se,
Compete, ainda, aos Tribunais de Contas verificar os cálculos dos sempre que possível, em termos de unidades de medida previamente esta-
limites da despesa total com pessoal de cada Poder e órgão referidos no belecidas para cada atividade no programa de trabalho do governo.
art. 20 da LRF. Essas normas gerais de fiscalização financeira e orçamentária po-
O art. 63 da LRF faculta aos Municípios com população inferior a dem ser suplementadas pelos Estados (CF, art. 24, § 2º) e minudenciadas
cinqüenta mil habitantes optar por fazer a verificação do cumprimento nas leis municipais que instituírem os sistemas locais de controle interno.
dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 ao final do semestre, bem como Dentre outras coisas, essas leis deverão indicar os órgãos responsáveis
divulgar semestralmente o Relatório de Gestão Fiscal e os demonstrati- pela fiscalização do cumprimento do programa governamental de traba-
vos indicados no art. 53. Ainda é facultado àqueles Municípios elaborar lho (em regra, o encarregado da elaboração da proposta orçamentária) e
o Anexo de Metas Fiscais e o Anexo de Riscos Fiscais da LDO e o anexo da liberação das quotas trimestrais (de preferência, o competente para os
de que trata o inciso I do art. 5º a partir do quinto exercício seguinte ao serviços de contabilidade), fixando-lhes as atribuições, limites de atuação
da publicação da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade e responsabilidades. No mais, os encargos do controle interno são do pre-
Fiscal). feito municipal, como se depreende do art. 76 da Lei 4.320/1964.
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece, ainda, que a União
prestará assistência técnica e cooperação financeira aos Municípios para 4.12 Crime e responsabilidade fiscal
a modernização das respectivas Administrações tributária, financeira, pa-
A Lei federal 10.028, de 19.10.2000, alterou o Código Penal (Decre-
trimonial e previdenciária, com vistas ao cumprimento das suas normas
to-lei 2.848/1940),166 nos arts. 1º e 2º (crimes comuns); a Lei 1.079/1950
(art. 64).
e o Decreto-lei 20111967, nos arts. 3º e 4º (crimes de responsabilidade);
A assistência técnica consistirá no treinamento e desenvolvimento de e no art. 5º estabeleceu infrações dos dispositivos das leis de finanças pú-
recursos humanos e na transferência de tecnologia, bem como no apoio à blicas. Referida lei deu tratamento penal para o descumprimento das dis-
divulgação dos instmmentos de que trata o art. 48 em meio eletrônico de posições da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu normas de
amplo acesso público. finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal. Ilícitos
A cooperação financeira compreenderá a doação de bens e valores, administrativos praticados no exercício da função pública, no que tange
o financiamento por intermédio das instituições financeiras federais e o ao controle, aplicação e disponibilidade do Erário, são, agora, considera-
repasse de recursos oriundos de operações externas.
166. Sobre a Lei 10.028, de 19.10.2000, cf.: Damásio E. de Jesus, "Adendo espe-
4.11.1.1 Legalidade - O controle interno da legalidade deverá ser cial", in Ives Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento (orgs.), Comen-
exercido prévia, concomitante e subseqüentemente aos atos de execução tários ... , pp. 603 e ss.; Luiz Celso de Barros, Responsabilidade ... , pp. 209 e ss.
304 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO v- FINANÇAS MUNICIPAIS 305

dos crimes, atingindo os maus gestores do dinheiro público. O legislador Vereadores, que serão examinados mais adiante, no Capítulo XII, item
preocupou-se também com as falsas denunciações visando à instauração 4.1.1. A condenação definitiva em qualquer desses crimes acarreta a perda
de investigações administrativas, inquéritos civis e ações de improbidade de cargo e a inabilitação, peio prazo de cinco anos, para o exercício de
administrativa contra agentes públicos, que a jurisprudência vinha enten- cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da repara-
dendo não constituírem o delito do art. 339 do CP. Na redação anterior ção civil do dano causado ao patrimônio público ou particular. Os crimes
esse dispositivo só se referia a investigação policial e processo judicial. são de ação pública, punidos os dos incisos I e II com a pena de reclusão,
Agora refere-se também à instauração de investigação administrativa, in- de dois a doze anos, e os demais com a pena de detenção, de três meses a
quérito civil ou ação de improbidade administrativa. 167 três anos.
As penas privativas de liberdade são a reclusão e a detenção, variando Lembramos, ainda, que a Lei 8.429, de 2.6.1992, dispõe sobre as san-
a pena conforme a gravidade da transgressão fiscal. A pena de reclusão ções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito
deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto; a de de- no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pú-
tenção, em regime semi-aberto ou aberto. Dentre as penas de interdição blica.
temporária de direitos tem-se a proibição do exercício de cargo, função ou A Lei 10.028/2000 prevê, ainda, nos incisos I a IV do art. 5Q , infrações
atividade pública, bem como de mandato eletivo. A pena de multa consiste administrativas, as quais deverão ser processadas e julgadas pelo Tribunal
no pagamento ao Fundo Penitenciário da quantia fixada na sentença e cal- de Contas a que competir a fiscalização contábil, financeira e orçamen-
culada em dias-multa. Será no mínimo de dez e no máximo de trezentos e tária da pessoa jurídica de direito público envolvida (art. 5Q , § 2Q ) . Essas
sessenta dias-multa. São também efeitos da condenação a perda de cargo, infrações administrativas são punidas com multa de 30% dos vencimentos
função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de anuais do agente que lhes der causa, sendo o pagamento da multa de sua
liberdade por tempo igualou superior a um ano, nos crimes praticados responsabilidade pessoal (art. 5Q , § l Q ).
com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Públi-
ca; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior
a quatro anos, nos demais casos.
No art. 3Q a Lei 10.028/2000 alterou a Lei federal 1.079, de 10.4.1950,
que define os crimes de responsabilidade das autoridades da União e dos
Estados e regula o respectivo processo e julgamento. Este diploma legal
não alcança diretamente as Administrações Municipais.
No art. 4 Q a Lei 10.028 dá nova redação a incisos do art. l Q do De-
creto-lei 201, de 27.2.1967. O art. l Q do Decreto-lei 201 define os crimes
de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do
Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de

167. A Lei 10.028/2000 acrescentou um novo capítulo ao Código Penal, com os


arts. 359-A a 359-H, que cuida dos crimes contra as finanças públicas. No dizer de Ma-
ximilianus Cláudio A. Führer e Maximiliano Roberto E. Führer, trata-se de "face penal
da Lei de Responsabilidade Fiscal" (Resumo de Direito Penal- Parte Especial, 8ª ed.,
Malheiros Editores, 2008, p. 250 e Código Penal Comentado, 2ª ed., 2008).
Os artigos assim introduzidos são: Art. 359-A. Contratação de operação de
crédito; Art. 359-B. Inscrição de despesas não empenhadas em Restos a Pagar;
Art. 359-C. Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura; Art.
359-D. Ordenação de despesa não autorizada; Art. 359-E. Prestação de garantia
graciosa; Art. 359-F. Não-cancelamento de Restos a Pagar; Art. 359-G. Aumento
de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura; Art. 359-H.
Oferta pública ou colocação de títulos no mercado.
VI - BENS MUNICIPAIS 307

ou incorpóreas: imóveis, móveis e semoventes; créditos, débitos, direitos


e ações que pertençam, a qualquer título, ao Município.
Conceituando os bens em geral, o Código Civil reparte-os inicial-
mente em públicos e particulares, esclarecendo que são públicos os do
domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público in-
terno, e particulares todos os outros, seja qual for a pessoa a quem per-
tencerem (art. 98 do CC). O conceito adotado não deixa dúvidas quanto
Capítulo VI ao fato de que também são bens públicos os pertencentes às autarquias! e
BENS MUNICIPAIS fundações públicas. 2
Quanto aos bens das empresas estatais (empresas públicas e socieda-
1. Conceito e classificação dos bens públicos: 1.1 Conceito - 1.2 Classi- des de economia mista), fundações com personalidade jurídica de direito
ficação: 1.2.1 Bens de uso comum do povo ou do domínio público - 1.2.2 privado instituídas ou subvencionadas pelo Poder Público, serviços sociais
Bens de uso especial ou do património administrativo - 1.2.3 Bens dom i-
niais ou do património disponível. 2. Administração dos bens municipais. autônomos e organizações sociais, entendemos que são bens públicos com
3. Uso dos bens municipais: 3.1 Uso comum do povo - 3.2 Uso especial: destinação especial e administração particular das instituições a que fo-
3.2.1 Autorização de uso - 3.2.2 Permissão de uso - 3.2.3 Concessão de ram transferidos para consecução dos fins estatutários. A origem e a natu-
uso - 3.2.4 Concessão de direito real de uso e direito de superfície - 3.2.5
Concessão especial de uso - 3.2.6 Cessão de uso. 4. Alienação de bens reza total ou predominante desses bens continuam públicas; sua destinação
municipais: 4.1 Venda - 4.2 Doação - 4.3 Dação em pagamento - 4.4 é de interesse público; apenas sua administração é confiada a uma entidade
Permuta - 4.5 Investidura - 4.6 Enfiteuse - 4.7 Concessão de domínio de personalidade privada, que os utilizará na forma da lei instituidora e do
- 4.8 Legitimação de posse. 5. Imprescritibilidade, impenhorabilidade e
não-oneração dos bens municipais. 6. Aquisição de bens pelo Município: estatuto regedor da instituição. A destinação especial destes bens sujeita-
6.1 Forma e requisitos. os aos preceitos da lei que autorizou a transferência do patrimônio estatal
ao da empresa estatal,fundação ou ente paraestatal, a fim de atender aos
objetivos visados pelo Poder Público criador ou qualificador da entidade.
1. Conceito e classificação dos bens públicos Esse patrimônio, embora incorporado a uma instituição de personalidade
privada, continua vinculado ao serviço público, apenas prestado de forma
O Município, como entidade estatal e pessoa jurídica, desde sua for-
descentralizada ou indireta por uma empresa estatal, fundação ou ente pa-
mação recebe coisas corpóreas e incorpóreas; adquire direitos e contrai
raestatal, de estrutura comercial, civil ou, mesmo, especial. Mas, lato sen-
obrigações. Todo esse complexo de bens constitui o patrimônio público
su, é patrimônio público, tanto assim que na extinção da entidade reverte
municipal, sujeito à Administração local, que regulará seu uso e lhe dará a
ao ente público que.a criou, e qualquer ato que o lese poderá ser invalidado
destinação adequada e, excepcionalmente, fará a alienação conveniente.
por ação popular (Lei federal 4.717, de 1965, art. 1º).
O patrimônio público municipal é, assim, formado por bens de toda
A despeito de serem bens públicos, dadas sua destinação especial a or-
natureza e espécie que tenham interesse para a Administração e para os ad-
ganizações de personalidade privada e sua administração em moldes parti-
ministrados. Esses bens recebem conceituação, classificação e destinação
culares, os bens das empresas estatais prestam-se a oneração como garan-
legal para sua correta utilização e alienação, como veremos no decorrer
tia real e se sujeitam a penhora por execução de dívidas da entidade, como
deste capítulo, em cujo final trataremos da aquisição de bens pelo Municí-
também podem ser alienados na forma estatutária, independentemente de
pio, uma vez que tais bens passarão a integrar seu patrimônio.
lei autorizativa, se móveis. Os bens imóveis dependem de lei para sua alie-
nação (Lei 8.666, de 1993, art. 17, I). No mais regem-se pelas normas do
1.1 Conceito direito público, inclusive quanto à imprescritibilidade por usucapião, uma
O conceito de bem é amplo, abrangendo tudo aquilo que tenha valor
econômico ou moral e seja suscetível de proteção jurídica. No âmbito lo- 1. Ruy Cime Lima, Princípios de Direito Administrativo, 7ª ed., p. 178.
cal consideram-se bens ou próprios municipais todas as coisas corpóreas 2. Sobre bens públicos em geral, V., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro,
34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Capítulo VIII.
308 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 309

vez que, se desviados dos fins especiais a que foram destinados, retomam curso (CC, art. 1.252; Código de Águas, arts. 26 e 27); na incorporação
à sua condição originária do patrimônio de que se destacaram. da propriedade privada ao patrimônio administrativo no caso de abandono
Não há outro raciocínio a seguir, porque, se tais bens pertenciam ao de imóvel urbano (CC, art. 1.276); e na passagem à categoria de bens pú-
Estado e foram transferidos com destinação especial a uma empresa do blicos das vias de comunicação e dos espaços livres constantes do memo-
Estado, desde o momento em que esta os abandona, ao ponto de serem rial e planta de loteamento de terrenos, como decorrência do registro (Lei
apossados por terceiros, tais bens, que já permaneciam na órbita estatal, 6.766, de 19.12.1979, art. 22). Esses bens, por isso mesmo que vinculados
apenas utilizados pela Administração descentralizada, reincorporam-se no a um fim administrativo, sofrem restrições à sua alienação, oneração e
patrimônio da entidade centralizada que os cedera tão-somente para o fim utilização.
estabelecido na lei autorizadora da instituição estatal.
1.2.1 Bens de uso comum do povo ou do domínio público
1.2 Classificação
Como exemplifica a própria lei, são os mares, praias,4 rios, estradas,
Todos os· bens públicos são bens nacionais, eis que integrantes do ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem
patrimônio da Nação, na sua unicidade estatal; mas, embora politicamente esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo.
componham o acervo nacional, civil e administrativamente pertencem a "Sob esse aspecto - acentua Cirne Lima - pode o domínio público definir-
cada uma das entidades públicas que os adquiriram. se como a forma mais completa da participação de um bem na atividade de
Segundo a destinação, o Código Civil reparte os bens públicos em três administração pública. São os bens de uso comum, ou do domínio público,
categorias: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, o serviço mesmo prestado ao público pela Administração, assim como as
ruas e praças; II - os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos estradas, ruas e praças".5 Esses bens integram-se no domínio público pela
destinados a serviço ou estabelecimento federal, estadual, territorial ou só destinação ao uso indiscriminado do povo, e independem de qualquer
municipal, inclusive os de suas autarquias; In - os dominicais, que cons- registro imobiliário. 6
tituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto
de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades (art. 99). Quanto
a estes, estipula que, não dispondo a lei em contrário, consideram-se do- 1.2.2 Bens de uso especial ou do patrimônio administrativo
minicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que São os que se destinam especialmente à execução dos serviços públi-
se tenha dado estrutura de direito privado (art. 99, parágrafo único). cos e, por isso mesmo, são considerados como instrumentos desses servi-
Todos os bens vinculados ao Município por relações de domínio ou de ços; não integram propriamente a Administração, mas constituem o apare-
serviço ficam sujeitos à sua administração. Daí o dizer-se que uns são bens lhamento administrativo, tais como os edifícios das repartições públicas,
do domínio público, e outros, bens do patrimônio administrativo. Com os terrenos aplicados aos serviços públicos, os veículos da Administração,
mais rigor técnico, tais bens são reclassificados, para efeitos administrati- os matadouros, os mercados e outras serventias que o Município põe à
vos, cm bens do domínio público (os da primeira categoria: de uso comum
do povo), bens patrimoniais indisponíveis (os da segunda categoria: de uso e ordinariamente enxuto". O álveo será público de uso comum ou dominical, conforme
especial) c bens patrimoniais disponíveis (os da terceira e última categoria: a propriedade das respectivas águas (art. 10). Os arts. 26 e 27 dispõem sobre a proprie-
dominiais), segundo se lê no Regulamento da Contabilidade Pública. dade quando ocorre mudança do álveo. O STJ entendeu que o Município de São Paulo
Convém se assinale que a enumeração dos bens públicos feita no art. tem direito à propriedade de leito abandonado do rio Tietê, "pois sem a alteração do
curso do leito, feita pelo município, ele nem sequer seria visível" (REsp 330.046-SP,
99 do CC não é exaustiva, e nem poderia ter esse caráter, dada a crescente reI. Min. Franciulli Netto, j. 9.11.2004, cf. Tribuna do Direito, fevereiro/2005, p. 6).
ampliação das atividades públicas, que a todo momento exigem outros 4. As praias foram incluídas como bens de uso comum do povo pela Lei 7.661,
bens para o patrimônio administrativo. E não rareiam exemplos nesse sen- de 16.5.1988, que proibiu qualquer forma de urbanização ou de utilização do solo que
tido, como se depara na incorporação do álve0 3 de rio público mudado de impeça o livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido (cf. seu
art. 10 e §§).
3. O Código de Águas (Decreto federal 24.643, de 19.7.1934), em seu art. 99 , 5. Ruy Cime Lima, Princípios ... , 7ª ed., p. 189.
define: "Álveo é a superficie que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural 6. TJSP, RT 364/94.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 311
310

disposição do público, mas com destinação especial. Tais bens, como têm 601, de 18.9.1850, repetido no vigente Decreto-lei 9.760, de 5.9.1946, que
uma finalidade pública permanente, são também chamados bens patrimo- dispõe sobre os bens imóveis da União (art. 5º). As terras devolutas per-
niais indisponíveis.? tenciam à União, que, pela Constituição de 1891, as transferiu aos Estados
(art. 64), e alguns as concederam parcialmente aos seus Municípios. ll O
processo de discriminação das terras devolutas rege-se pela Lei 6.383, de
1.2.3 Bens dominiais ou do patrimônio disponível 7.12.1976, com as adaptações das leis de organização judiciária de cada
São os que, embora integrando o domínio público como os demais, Estado quando se tratar de terras públicas estaduais ou municipais (CF,
deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em art. 26, IV).12
qualquer fim ou, mesmo, alienados e consumidos nos serviços da própria A legitimação de posse é forma excepcional de transferência do
Administração. Daí receberem também a denominação de bens patrimo- domínio de terra devoluta ou de área municipal não utilizada pela Ad-
niais disponíveis, 8 ou de bens do patrimônio fiscal. 9 Tais bens integram o ministração, ocupada por longo tempo por particular que nela se instala,
patrimônio do Município como objeto de direito pessoal ou real, isto é, so- cultivando-a ou levantando edificação para seu uso. A legitimação de pos-
bre eles o Município exerce "poderes de proprietário, segundo os preceitos se faz-se na forma administrativa estabelecida pelo Município e o título
de direito constitucional e administrativo" - na autorizada expressão de expedido é registrado no cartório imobiliário competente para a traslação
Clóvis Beviláqua. 1o Não têm eles uma destinação pública determinada, da propriedade ao legitimado.
nem um fim administrativo específico. Os bens patrimoniais disponíveis Terrenos de marinha merecem, aqui, uma referência, para esclarecer
do Município não são destinados ao povo em geral, nem empregados no que mesmo os localizados no perímetro urbano ou nas áreas do Município
serviço público, mas permanecem à disposição da Administração para não se incorporam ao seu patrimônio, mas sim ao da União. Por definição
qualquer uso ou alienação, na forma que a lei autorizar. dada pelo Aviso Imperial 373, de 12.7.1833, "são terrenos de marinha to-
dos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em sua
Nessa categoria, a título exemplificativo, citamos os materiais que foz, vão até a distância de 33m para a parte das terras, contadas desde o
o Município adquire, utiliza e consome na sua atividade pública; as suas ponto em que chega o preamar médio".
terras devolutas (Lei 640, de 1852, art. 3º); as terras dos extintos aldea-
mentos de índios em que estejam fundadas vilas ou povoações (Lei 2.672, 11. O Estado de São Paulo, pela sua primeira Lei de Organização Municipal
de 1875, art. 8º, n. 3); o usufruto (foros) das terras dos extintos aldeamen- (Lei 16, de 13 .11.1891), concedeu às Municipalidades, para a formação de cidades,
tos de índios que não foram remidos (Lei 3.348, de 1887, art. 8º, n. 3); vilas e povoados, "as terras devolutas adjacentes às povoações de mais de 1.000 al-
as matas, águas e acessões dos terrenos de seu patrimônio não aforado e mas em raio de círculo de 6km, a partir da praça central" (art. 38, § 12 ). Este raio foi
posteriormente aumentado para 12km no Município da Capital e 8km nos demais (Lei
as servidões de água, caminho vicinal e abertura de estradas (Lei 601, de 14.916, de 6.8.1945), e assim permaneceu até a edição da Lei Orgânica dos Municípios
1850, art. 16, §§ 1º-3º; Lei 2.672, de 1875, art. lº, § 2º); os bens que tiver (Decreto-lei 9, de 3.12.1969), que passou para o Município da Capital todas as terras
adquirido por qualquer título legítimo (Decreto 2.800, de 1898, arts. 12, devolutas localizadas em seu território (art. 60).
n. 9, e 51, ns. 1-2). Atualmente, com a edição da Lei Orgânica do Município de São Paulo as terras
devolutas localizadas dentro dos limites de seu território são patrimônio municipal (cf.
Terras devolutas são todas aquelas que, embora pertencentes ao do- art. 11 O, § 1º).
mínio público de uma das entidades estatais (União, Estado ou Municí- 12. As terras rurais de qualquer das entidades estatais ficam sujeitas, para transfe-
pio), não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins rência de domínio ou de uso a particulares, às limitações constitucionais (art. 188); às
administrativos específicos. São bens públicos patrimoniais ainda não restrições de faixa de fronteira (Lei 6.634, de 2.5.1979); às de aquisição por estrangeiro
(Lei 5.709, de 7.10.1971); às do Estatuto da Terra e Reforma Agrária (Lei 4.504, de
utilizados pelas referidas entidades. É o conceito dado pela Lei Imperial 30.11.64; Dec.-Iei 582, de 15.5.69; Dec.-lei 1.110, de 9.7.70; Lei 5.868, de 12.12.72,
regulamentada pelo Decreto 72.106, de 18.4.73).
7. Código da Contabilidade Pública, arts. 804 e 811. Em princípio,· as normas federais sobre administração, uso e alienação de bens
8. Ruy Cime Lima, Princípios ... , 7ª ed., p. 179. públicos da União não se aplicam aos Estados e Municípios, que podem legislar sobre
9. Veiga Filho, Manual de Ciências das Finanças, Rio de Janeiro, 1923, pp. 162 a matéria; mas as disposições sobre terras devolutas, faixa de fronteira, terrenos de
e ss. marinha e reforma agrária são impositivas para todas as entidades estatais, conforme
10. Código Civil Comentado, v. I, p. 294. consta da atual Constituição Federal (cf. arts. 20, I1I, e 26, IV).
312 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 313

A utilização dos terrenos de marinha, inclusive para edificações, de- admitimos sua incidência sobre bens públicos, salvo quando incorporados
pende de autorização federal; 13 mas, tratando-se de áreas urbanas ou urba- a empresa estatal.
nizáveis, as construções e atividades civis nelas realizadas ficam sujeitas O Município administra seus bens segundo as regras do direito pú-
a regulamentação e a tributação municipais, como as demais realizações blico e as normas administrativas que editar, aplicando-se-lhes supletiva-
particulares. A reserva dominial da União visa, unicamente, a fins de defe- mente os preceitos do direito privado. Observe-se, desde logo, que a trans-
sa nacional, sem restringir a competência estadual e municipal no ordena- ferência de propriedade dos bens imóveis se opera normalmente segundo
mento territorial e urbanístico dos terrenos de marinha, quando utilizados as disposições e instrumentos civis (escritura e registros imobiliários co-
por particulares para fms civis. muns), sendo os atos e procedimentos administrativos que a antecedem
meras formalidades internas que não afetam a substância negociaI do con-
2. Administração dos bens municipais trato civil realizado entre a Administração e o particular. Por esta razão é
que, uma vez feito o registro, ou simplesmente assinada a escritura pelas
Ao Município incumbe a administração de seus bens, no uso regular partes, tomam-se irretratáveis os atos ou procedimentos administrativos
da autonomia constitucional que lhe é assegurada para cuidar de tudo que
é de seu interesse local (art. 30, I). ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social, destinados à população de bai-
No conceito de administração de bens compreende-se normalmente o xa renda e cuja situação esteja consolidada; b) equipamentos públicos implantados
poder de utilização e conservação das coisas administradas, diversamente com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da
aprovação do loteamento. § lº. As exceções contempladas nas alíneas 'a' e 'b' do
da idéia de propriedade, que contém, além desses, o poder de oneração e inciso VII deste artigo serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regu-
de disponibilidade e a faculdade de aquisição. Daí por que os atos triviais larização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de com-
de administração - ou seja, de utilização e conservação do patrimônio do pensação, que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham
Município - independem de autorização especial, ao passo que os de alie- equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compen-
nação, oneração e aquisição de bens exigem, em regra, lei autorizadora e sação. § 2º. A compensação de que trata o parágrafo anterior poderá ser dispensada, por
ato fundamentado da autoridade competente, desde que nas proximidades já existam
licitação para o contrato respectivo. 14 outras áreas com as mesmas finalidades que atendam as necessidades da população
Em sentido estrito a administração dos bens municipais compreen- local" (art. 180, VII, e §§ 1º e 2º, com a redação dada pela Emenda Constitucional
de unicamente sua utilização e conservação segundo a destinação natural n. 23, de 31 de janeiro de 2007). O TJSP tem reiteradamente proclamado a inconsti-
ou legal de cada coisa, e em sentido amplo abrange também a alienação tucionalidade de leis municipais que, afrontando o preceito do art. 180, VII, da Carta
Paulista, desafetam e autorizam a alienação de áreas verdes e institucionais definidas
dos bens que se revelarem inúteis ou inconvenientes ao domínio público em projeto de loteamento.
como, ainda, a aquisição de novos bens necessários ao serviço público A Corte Paulista tem afinnado a importância das áreas verdes na preservação da
local. O administrador do Município - o prefeito - tem, portanto, o poder qualidade de vida urbana e considerado inadmissível a alteração do fim e objetivos
de utilização e o dever de conservação dos bens municipais. Daí por que, previamente estabelecidos, que desfigura o conjunto urbanístico definido no parce-
para utilizá-los e conservá-los segundo sua normal destinação, não precisa lamento do solo, caracterizando desvio de finalidade e dano ambiental, uma vez que
a nOffila constitucional estadual oferece proteção justificada das condições de habi-
de autorização especial da Câmara, mas para mudar a destinação, aliená-
talidade e conforto. Além disto, acentua que a competência legislativa municipal em
los ou destruí-los dependerá de lei autorizativa. 15 Quanto à oneração, não matéria de direito urbanístico é suplementar, não podendo a diretriz constitucional
estadual ser por aquela contrariada (Órgão Esp., ADIn 18.468-0, São Paulo, reI. Des.
13. Sobre terrenos de marinha v. as seguintes nonnas: Dec.-lei 2.490, de Dirceu de Mello, j. 9.11.1994, v.u.; Órgão Esp., ADIn 19.847-0, São Paulo, reI. Des.
16.8.1940; Dec.-lei 3.438, de 17.7.1941; Dec.-lei 5.666, de 15.7.1943; e Dec.-lei Rebouças de Carvalho, j. 15.2.1995, v.u.; Órgão Esp., ADIn 20.597-0, São Paulo, reI.
9.760, de 5.9.1946. . Des. Cunha Bueno, j. 26.10.1994, v.u.; 1ª c., Ap. cível 215.797-1, Marília, reI. Des.
14. Sobre alienação de bens públicos consulte-se, do Autor, Licitação e Contrato Roque Mesquita, j. 20.12.1994, v.u.; ADIn 17.067-0, São Paulo, reI. Des. Bueno Ma-
Administrativo, 14ª ed., 2ª tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2007, Capítulo 11, item 5. gano, j. 26.5.1993, v.u.; 1ª C. de Direito Público, Ap. cível 270.573-1, Dracena, reI.
15. A Constituição do Estado de São Paulo, de 5.10.1989, ao cuidar do desenvol- Des. Ruy Coppola,j. 5.3.1996, v.u.; JTJ 150/270,152/273,161/270,162/92 e 168113;
vimento urbano, dispôs que "as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas 1ª C. de Direito Público, Ap. cível 23.955-5, Barueri, reI. Des. Demóstenes Braga,
verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originais alte- j. 3.11.1998, m.v.; Órgão Esp., ADIn 36.358-0, São Paulo, reI. Des. Dante Busana,
rados, exceto quando a alteração da destinação tiver como fmalidade a regularização j. 19.8.1998, v.u.; Órgão Esp., ADIn 59.747-0, reI. Des. Dante Busana, j. 10.5.2000,
de: a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente m.v.; JTJ 150/270, 152/273, 154/266, 161/270, 173/288, 198/275 e 204/99).
314 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 315

precedentes, e a transferência do domínio só poderá ser modificada ou rios especiais, a fim de assegurar a conservação dos bens e possibilitar sua
invalidada por via judicial ou por acordo entre as partes. normal utilização, tanto pela coletividade quanto pelos indivíduos como,
Todo bem público municipal fica sujeito ao regime administrativo ainda, pelas repartições administrativas que também usam dos próprios
pertinente ao seu uso, conservação ou alienação. Embora utilizados coleti- municipais para a execução dos serviços públicos.
vamente pelo povo ou individualmente por alguns usuários, cabem sempre No decorrer deste tópico veremos as duas modalidades de uso dos
ao Município a administração e a proteção de seus bens, podendo valer-se bens municipais e os instrumentos hábeis ao deferimento de usos espe-
dos meios judicia}s comuns e especiais para a garantia da propriedade e ciais, assim como o relacionamento dos usuários com a Administração e
defesa da posse. E admissível até mesmo o mandado de segurança para a com terceiros.
proteção de direito líquido e certo concernente ao domínio público, desde
que a ofensa provenha de ato de outra autoridade pública.
3.1 Uso comum do povo
Observamos que a utilização indevida de bens públicos municipais
por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode - e deve - ser Uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à coletividade
repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem
pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é auto- especial para sua fruição. É o uso que o povo faz das ruas e logradouros pú-
executável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que blicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. Esse uso comum
exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem se pode
necessário. cobrar ingresso ou limitar a freqüência, pois isto importaria um atentado
Cabe ao prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum
competência do presidente da Câmara quanto aos utilizados nos serviços do povo sem qualquer limitação individual. Para esse uso só se admitem
da Edilidade; mas mesmo no que toca a estes bens somente os atos de uso regulamentações gerais, de ordem pública, preservadoras da segurança,
e conservação é que competem ao presidente, visto que os de alienação da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem particularizações
e aquisição devem ser realizados pelo Executivo, como representante do de pessoas ou categorias sociais. Qualquer restrição ao direito subjetivo
Município. Só se justifica a aquisição pela Câmara de bens de consumo de livre fruição - como a cobrança de pedágio nas rodovias - acarreta a
específico, para os quais tenha dotação orçamentária própria, para salva- especialização do uso e, quando se tratar de bem realmente necessário à
guarda de sua independência funcional em relação ao Executivo. coletividade, só pode ser feita em caráter excepcional.
Outro preceito de obrigatória observância na administração dos bens A propósito, o publicista argentino Miguel S. Marienhoff, em sua obra
municipais é o cadastramento, assim entendidos o registro e a identifi- Domínio Público (Buenos Aires, 1955, p. 45), indaga e responde: "Que
cação de seus móveis e imóveis, bem como as anotações de estoque dos se entiende por usos comunes deI dominio público? Son los que pueden
matcriais e coisas fungíveis utilizados em suas repartições e serviços. realizar todos los hombres por su sola condición de tales, sin más requisito
A alienação e a aquisição de bens do ou para o Município subor- que la observancia de las disposiciones reglamentarias de carácter general
dinam-se a exigências administrativas e financeiras estabelecidas na Lei dictadas por la autoridad".
8.666, de 1993, na lei orgânica municipal, na Lei federal 4.320, de 1964, e No uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e
em normas específicas de licitação que veremos adiante, em tópicos pró- os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade - uti univer-
prios deste mesmo capítulo. si -, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios
na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade
3. Uso dos bens municipais com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes.
Pode-se dizer que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo.
Os bens municipais ou se destinam ao uso comum do povo ou a uso Mas, por relações de vizinhança e outras situações especiais, o indivíduo
especial. Em qualquer desses usos o Município interfere como poder ad- pode adquirir determinados direitos de utilização desses bens e se sujeitar
ministrador, disciplinando e policiando a conduta do público ou dos usuá- a encargos específicos.
316 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 317

É O que ocorre, por exemplo, com os moradores de duas ruas diversas teral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou
da mesma cidade. O morador da rua "A" está em situação diferente do simplesmente consentida pela autoridade competente. Assim sendo, o uso
morador da rua "B", embora ambos tenham a mesma possibilidade de especial do bem público será sempre uma utilização individual - uti sin-
trânsito por essas vias públicas. Assim sendo, se a Prefeitura interdita a rua guli - a ser exercida privativamente pelo adquirente desse direito. O que
"A", seu morador pode ter direitos a reclamar contra a Municipalidade, ao tipifica o uso especial é a privatividade da utilização de um bem público,
passo que o morador da rua "B" não os terá, ainda que seja de seu inte- ou de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastan-
resse o trânsito por aquela via pública. É que o morador da rua interditada do a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder
tem um direito subjetivo público ao seu uso, enquanto que o morador da Público. 17 Esse uso pode ser consentido gratuita ou remuneradamente, por
outra rua poderá ter apenas simples interesse nesse uso. Por este exemplo tempo certo ou indeterminado, consoante o ato ou contrato administrativo
percebe-se que a diversidade de situação fática das pessoas em relação aos que o autorizar, permitir ou conceder.
bens públicos de uso comum do povo pode acarretar-lhes direitos e encar- Uma vez titulado regularmente para o uso especial, o particular passa
gos diversos, embora em princípio todos tenham indiscriminadamente a a ter um direito subjetivo público ao seu exercício, oponível a terceiros e
mesma faculçlade de utilização. I 6 à própria Administração nas condições estabelecidas ou convencionadas.
O que convém fixar é que os bens municipais de uso comum do A estabilidade ou precariedade desse uso assim como a retomada do bem
povo, não obstante estejam à disposição da coletividade, permanecem sob público, com ou sem indenização ao particular, dependerão do título atri-
a administração e vigilância da Prefeitura, que tem o dever de mantê-los butivo que o legitimar.
em normais condições de utilização pelo público em geral. Todo dano ao O uso especial de bem público por particular é mui freqüente para a
usuário imputável a falta de conservação ou a obras e serviços públicos instalação de bancas de jornais, vendas de frutas, estacionamentos fecha-
nesses bens é de responsabilidade do Município, desde que o evento dano- dos de automóveis, locais em mercados, exploração de restaurante e hotéis
so não seja atribuível à culpa exclusiva da vítima. de propriedade pública e tantas outras utilizações privadas do domínio
municipal. Nos Municípios do Estado de São Paulo consentia-se até na
3.2 Uso especial cessão remunerada de máquinas e operadores da Prefeitura para serviços
transitórios de particulares desde que não houvesse prejuízo para os tra-
Uso especial é todo aquele que, por um título individual, a Adminis- balhos públicos e o interessado se responsabilizasse pela conservação e
tração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com ex- devolução dos bens recebidos. A inovação, por nós introduzida quando
clusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aque- redigimos o projeto da Lei Orgânica Paulista de 1969 - revogada após a
le a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento, edição das Constituições Municipais -, justificava-se porque nem sempre
bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços o munícipe está em condições de adquirir e manter custosos equipamentos
públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados para pequenos e eventuais serviços em sua propriedade rural, podendo,
por suas repartições; mas aqui só nos interessa a utilização do domínio com as cautelas legais, utilizar-se dos bens municipais de uso especial,
público por particulares, comprivatividade. numa recíproca cooperação da Administração com o administrado. Atual-
Todos os bens públicos, qualquer que seja sua natureza, são passíveis mente essa forma de uso especial de bem público depende de previsão
de uso especial por particulares desde que a utilização consentida pela expressa nas Constituições Municipais.
Administração não os leve à inutilização ou destruição, caso em que se As formas administrativas para o uso especial de bem público por
converteria em alienação. particulares variam desde as simples e unilaterais autorização de uso e
Ninguém tem direito natural a uso especial de bem público, mas qual- permissão de uso até os formais contratos de concessão de uso e de con-
quer indivíduo ou empresa pode obtê-lo mediante contrato ou ato unila- cessão de uso como direito real resolúvel, além da imprópria e obsoleta

16. O TJRJ decidiu que o Município tem obrigação de desobstruir via públi- 17. Diogo Freitas do Amaral, A Utilização do Domínio Público pelos Particula-
ca ocupada por favelados, impedindo o acesso de proprietários aos seus imóveis (RT res, Lisboa, 1956, pp. 206 e ss.; Louis Trotabas, De l'Utilisation du Domaine Public
744/336). par les Particulieres, Paris, 1924, pp. 79 e ss.
318 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 319

adoção dos institutos civis do comodato, da locação e da enfiteuse, como teresse público O exigir, dados sua natureza precária e o poder discricioná-
veremos a seguir. 18 rio do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público. 2o
A revogação faz-se, em geral, sem indenização, salvo se em contrário se
3.2.1 Autorização de uso dispuser, pois a regra é a revogabilidade sem ônus para a Administração.
O ato da revogação deve ser idêntico ao do deferimento da permissão e
Autorização de uso é o ato negociaI, unilateral, discricionário e precá- atender às condições nele previstas.
rio pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade
A permissão, enquanto vigente, assegura ao permissionário o uso es-
individual incidente sobre um bem público. Não tem forma nem requisitos
pecial e individual do bem público conforme fixado pela Administração e
especiais para sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e
gera direitos subjetivos defensáveis pelas vias judiciais,21 inclusive ações
iITelevantes para o Poder Público, bastando que se consubstancie num ato
possessórias para proteger a utilização na forma permitida. Via de regra, a
escrito do prefeito, revogável sumariamente a todo tempo e sem qualquer
permissão não confere exclusividade de uso, que é apanágio da concessão,
ônus para o Município. Essas autorizações são comuns para ocupação de mas excepcionalmente pode ser outorgada com privatividade sobre outros
terrenos baldios, para retirada de água em fontes não abertas ao uso comum interessados, desde que tal privilégio conste de cláusula expressa e encon-
do povo e para outras utilizações de interesse de certos particulares, desde
tre justificativa legal.
que não prejudiquem a comunidade nem embaracem o serviço público.
Qualquer bem municipal admite permissão de uso especial a particu-
Tais autorizações não geram privilégios contra a Administração ainda que
lar, desde que a utilização seja também de interesse da coletividade que
remuneradas e fruídas por muito tempo, e, por isso mesmo, dispensam lei
irá fruir de certas vantagens desse uso, que se assemelha a um serviço de
autorizativa e licitação para seu deferimento.
utilidade pública, tal como OCOITe com as bancas de jornais em praças,
Em complementação ao Estatuto da Cidade, a MP 2.220, de 4.9.2001, os vestiários em praias e outras instalações particulares convenientes em
introduziu em nossa legislação uma autorização de uso especial (art. 9º), logradouros públicos. Se não houver interesse para a comunidade, mas
destinada ao ocupante que até 30.6.2001 possuiu como seu, sem inter- tão-somente para o particular, o uso especial não deve ser permitido nem
rupção e oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de it;nóvel concedido, mas simplesmente autorizado em caráter precaríssimo. Vê-se,
público situado em área urbana, utilizando-o para fins comerciais. E uma portanto, que a permissão de uso é um meio-termo entre a informal auto-
figura jurídica paralela à concessão especial de uso, criada pela mesma rização e a contratual concessão, pois é menos precária que aquela, sem
nonna para o possuidor de imóvel nas mesmas condições que o utiliza atingir a estabilidade desta. A diferença é de grau na atribuição do uso
para fins de moradia. Mas, enquanto esta é um direito do possuidor, a especial e na vinculação do usuário com a Administração.
autorização mencionada é apenas umafaculdade do Poder Público. A au- A pelmissão de uso especial de bem público, como ato unilateral e
torização será gratuita e conferida mediante termo administrativo. precário de administração, normalmente é deferida pelo prefeito indepen-
dentemente de lei .autorizativa, mas sempre precedida de licitação (Lei
3.2.2 Permissão de uso 8.666, de 1993, art. 2º), podendo a lei orgânica do Município impor re-
quisitos e condições para sua formalização e revogação, caso em que o
Permissão de uso é o ato negociaI, unilateral, discricionário e pre-
Executivo deverá atender às normas pertinentes.
cário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização
indi vidual de deternlÍnado bem público. Como ato negocial,19 a permissão
3.2.3 Concessão de uso
pode ser com ou sem condições, gratuita ou remunerada, por tempo certo
ou indeterminado, conforme o estabelecido no termo próprio, mas sempre Concessão de uso de bem público é o contrato administrativo pelo
l110dificável e revogável unilateralmente pela Administração quando o in- qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de bem de seu domínio

18. O TJSP decidiu que não incorre em ilegalidade a lei orgânica que autoriza a 20. STJ, RT 729/144.
prestação de serviço com máquinas e operadores da Prefeitura, em benefício do par- 21. Observe-se que em permissão onerosa de uso, consistente em exploração de
ticular, mediante a devida remuneração, cuja tarifa é estabelecida em decreto (cf. RT banca de revistas, o TJSP julgou inadmissível o aumento do valor do preço público
742/248). pelo permitente, em desconformidade com as condições legais vigentes à data do ne-
19. TJSP, RJTJSP 124/202. gócio (RT707/46).
320 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 321

a um particular, para que o explore por sua conta e risco, segundo sua es- fundir a concessão gratuita de uso com o comodato,23 pois são institutos
pecífica destinação. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos diferentes e sujeitos a normas diversas. A locação e o comodato são con-
institutos assemelhados - autorização e permissão de uso - é o caráter tratos de direito privado, impróprios e inadequados para a atribuição de
contratual e estável da utilização do bem público, para que o particular uso especial de bem público a particular; em seu lugar deve ser sempre
concessionário o explore consoante sua destinação legal e nas condições adotada a concessão de uso, remunerada ou gratuita, conforme o caso. Há,
convencionadas com a Administração concedente. ainda, à disposição da Administração a concesstío de direito real de uso,
que veremos a seguir.
A concessão pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou
indeterminado, mas deverá ser sempre precedida de autorização legal e,
nonnalmente, de licitação para o contrato. Sua outorga não é nem discri- 3.2.4 Concessão de direito real de uso e direito de superficie 24
cionária nem precária, pois obedece a normas legais e regulamentares e A concessão de direito real de uso é o contrato pelo qual a Adminis-
tem a estabilidade relativa dos contratos administrativos, gerando direitos tração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particu-
individuais e subjetivos para as partes contratantes. Tal contrato confere lar, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específi-
ao concessionário um direito pessoal de uso especial do bem público con-
cedido, privativo e intransferível sem prévio consentimento da Adminis- instituto civil não é o bastante para implantá-lo em nosso direito público. Aliás, o mes-
tração, pois é realizado intuitu personae, embora admita fins lucrativos. É mo diploma federal desvirtua o que ele denomina de "locação dos próprios nacionais",
quando declara que ela "se fará mediante contrato, não ficando sujeita a disposições de
o que ocorre com a concessão de uso remunerado de um hotel municipal,
outras leis concernentes à locação" (art. 87). Como se poderá entender uma locação que
de áreas de mercado ou de locais para bares e restaurantes em edifícios ou não se subordina às normas da locação? Além dessa contradictio in terminis, o mesmo
logradouros públicos. decreto-lei ainda ressalva que essa "locação" poderá ser rescindida "quando o imóvel
Na concessão de uso - como, de resto, em todo contrato adminis- ~o~ necessário ao serviço público" (alt. 88, 1Il). Locação por tempo certo, rescindível a
JUIZO de uma das partes, aberra dos mais elementares princípios desse instituto.
trativo - prevalece o interesse público sobre o particular, razão pela qual
O que a lei federal denominou impropriamente de locação nada mais é que con-
é admitida a alteração de cláusulas regulamentares do ajuste, e até mes- cessão remunerada de uso dos bens do domínio público patrimonial - instituto, este,
mo sua rescisão antecipada, mediante composição dos prejuízos, quando perfeitamente conhecido e praticado pela Administração Pública dos povos cultos e
houver motivo relevante para tanto. Essas características o distinguem do regido por normas próprias do direito administrativo.
contrato de locação, regido pelo direito privado, uma vez que a concessão COllces~ão de liSO, onerosa ou gratuita, será sempre um contrato administrativo,

de uso é um ajuste administrativo típico, sujeito unicamente às normas que traz em SI mesmo a possibilidade ínsita de a Administração desfazê-lo a qualquer
tempo, desde que ocorram motivos de interesse público. Sustentar-se que o Poder PÚ-
do direito público. Erroneamente as Administrações têm feito concessões blico realiza locação de seus bens aos particulares seria tão aberrante dos modernos
renumeradas de uso de seus bens sob a imprópria denominação de loca- princípios do direito administrativo como afirmar que o funcionário público faz com a
çtío, pretendendo submetê-las ao Código Civil ou às leis do inquilinato Administração um contrato de locação de serviços, quando hoje ninguém desconhece
e até mesmo à lei de locações para fins comerciais, o que é inadmissível a natureza estatutária das relações que se estabelecem entre as entidades estatais e seus
tratando-se de uso especial de bem público. 22 Também não se deve con- servidores.
Nesse sentido: STJ, RT752/132.
A atual Lei das Locações insiste no erro, dizendo que as locações de imóveis de
22. Embora o Decreto-lei federal 9.760, de 5.9.1946, se refira a locação de imó- p~oI?ried~de da União, dos Estados e dos Municípios continuam reguladas pelo Código
veis da União, não nos parece que os bens públicos possam ser alugados nos moldes ClVII (LeI 8.245, de 18.10.1991, art. 1º, parágrafo único, I; cf. art. 2.036 do CC).
do direito privado.
23. Comodato ou empréstimo é também instituto típico do direito privado, concei-
A locação é contrato típico de direito privado, onde as partes devem manter equi-
tuado nos arts. 579 e ss. do CC 2002, como a entrega de coisas não-fungíveis para uso
valência de situações nos direitos e obrigações que reciprocamente assumirem. Por
gratuito. No direito administrativo esse instituto encontra seu sucedâneo na concessão
isso, conceitua-se a locação como um contrato bilateral perfeito, oneroso, comutativo e
de liSO não remunerada, regida pelo direito público e com as características próprias
consensual. Apresenta-se com estas características no Código Civil (arts. 565 e ss. CC
dos contratos administrativos. Por isso a Administração Pública não deve utilizar-se do
2002). Ora, no direito administrativo jamais se poderá traspassar o uso e o gozo do bem
comodato quando dispõe, para o mesmo fim, da concessão gratuita de uso.
público com as características da locação civil, porque implicaria renúncia de poderes
irrenunciáveis da Administração, para que ela viesse a se colocar em igualdade com o 24. Sobre a matéria, v.: Caio Tácito, "Concessão real de uso de terras públicas",
particular, como é da essência desse contrato no campo do direito privado. O só fato RDA 150/209; Ricardo Pereira Lira, "Concessão do direito real de uso" RDA 16311·
de uma lei administrativa, primando pela falta de técnica, se referir erroneamente a um Eros Roberto Grau, "Concessão de direito real de uso", RDP 5 / 9 4 . ' ,

I
322 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VI - BENS MUNICIPAIS 323

cos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra pois importa alienação de parcela do domínio público, razão pela qual a
exploração de interesse social. É o conceito que se extrai do art. 7Q do lei federal impõe seu registro em livro especial no cartório imobiliário
Decreto-lei federal 271, de 28.2.1967, que criou o instituto entre nós. competente, tanto para sua constituição quanto para seu cancelamento.
A concessão de uso, como direito real, adere ao bem e o acompa- Desde a inscrição da concessão o concessionário fmirá plenamente do
nha em todas as suas mutações, sendo transferível por ato inter vivos ou terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os
por sucessão legítima ou testamentária. Admite hipoteca e qualquer ou- encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sobre o
tro gravame, como os demais direitos reais, com a só diferença de que o imóvel e suas rendas. Resolve-se a concessão antes de seu termo se o con-
imóvel reverterá à Administração concedente se o concessionário, seus cessionário der ao terreno destinação diversa da estabelecida no contrato
adquirentes ou sucessores não lhe derem o uso prometido ou o desviarem ou descumprir cláusula resolutória do ajuste, perdendo as benfeitorias que
de sua finalidade contratual (art. 7Q , § 4 Q ). Desse modo o Poder Público houver feito no imóvel (art. 7Q , §§ P-3 Q ).
garante-se quanto à fiel execução do contrato, assegurando o uso a que o
Ressalte-se que a licitação está dispensada quando a concessão de
terreno é destinado e evitando prejudiciais especulações imobiliárias dos
direito real de uso do bem público se destinar a outro órgão ou entidade da
que adquirem imóveis públicos para aguardar valorização vegetativa, em
Administração Pública (Lei 8.666, de 1993, art. 17, § 2Q ).
detrimento da coletividade. Mas se o adquirente do uso lhe der a fruição
contratual terá o bem integrado no seu patrimônio como os demais direitos ALei 10.257, de 10.7.2001, prevê que nos casos de programas e pro-
reais. Assim, a concessão de direito real de uso vinha sendo, entre nós, o jetos habitacionais de interesse social desenvolvidos por órgãos ou en-
sucedâneo do direito de supeljicie dos ingleses e escandinavos. tidades da Administração Pública com atuação específica nessa área os
contratos de concessão de direito real de uso de imóveis públicos terão,
Com o advento da Lei 10.257, de 10.7.2001, denominada Estatuto
para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, excepcionando
da Cidade, o direito de superficie veio a ser instituído como um direito
a regra geral estipulada no art. 108 do atual CC. Além disso, constituirão
real, que se destaca do direito de propriedade sobre o solo, podendo ser
atribuído a quem não seja o proprietário do terreno. O superficiário é con- título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos
siderado o proprietário dos edificios, plantações, canais e de outras obras habitacionais (art. 48).
feitas à sua custa na superficie cedida pelo proprietário do terreno, seja a Permite, ainda, o Decreto-lei 271, de 1967, a concessão de uso do
título precário ou a qualquer outro título. A referida lei relacionou entre espaço aéreo sobre a superficie de telTenos públicos ou particulares, toma-
os institutos jurídicos e políticos que servem de instmmento da política da em projeção vertical, nos termos e para os fins referidos no art. 7 Q e na
urbana o direito de supeljicie, definindo-o como consistente na utilização fonna que for regulamentada (art. 8º). Como acima visto, a utilização do
do solo, subsolo ou espaço aéreo relativo ao terreno na forma estabelecida espaço aéreo relativo ao terreno, na forma contratualmente estabelecida e
no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística. obedecida a legislação urbanística, integra o direito de superficie, instituí-
A concessão de direito real de uso substitui vantajosamente a maioria do pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10.7.2001).
das alienações de telTenos públicos, mormente quando feitas por venda ou Verifica-se que ainda há resistência ao instituto da concessão de di-
doação incondicionada. Não se confunde com a enfiteuse25 ou aforamen- reito real de uso até mesmo por parte dos Registros Imobiliários, que o
to, que é instituição civil bem diversa e menos adequada ao uso especial de desconhecem e, por isso, hesitam na sua inscrição, embora determinada
bem público por particulares. A concessão do direito real de uso depende pelo Decreto-lei 271, de 1967 (o registro pode ser feito por subsunção
de lei autorizativa e de concorrência (Lei 8.666, de 1993, art. 23, § 3Q) - analógica ao disposto no art. 167, I, n. 7, da Lei 6.015, de 1973), mas
os Municípios devem utilizá-lo sempre que se mostrar mais adequado à
25. Enfiteuse ou aforamento é o instituto civil que permite ao proprietário atribuir consecução dos fins administrativos visados com a entrega de terrenos
a outrem o domínio útil de imóvel, mediante a remuneração de um foro anual certo e públicos a particulares.
invariável, em caráter perpétuo. O Código Civil de 2002 proibiu, no art. 2.038, a cons-
tituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, determinando que as existentes fiquem
subordinadas à legislação anterior (CC de 1916, arts. 678 a 694, e leis subseqüentes), 3.2.5 Concessão especial de uso
até sua extinção. A concessão remunerada de uso e a concessão de direito real de uso
são instrumentos próprios do direito administrativo, cujos ajustes têm as características A concessão especial de uso é a nova figura jurídica criada pela MP
e a flexibilidade dos contratos públicos, e melhor preservam o interesse coletivo. ~
2.220, de 4.9.2001, para regularizar a ocupação ilegal de terrenos públicos
j
I
324 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 325

pela população de baixa renda sem moradia. A Constituição Federal havia segundo sua normal destinação, por tempo certo ou indeterminado. É ato
instituído o usucapião especial urbano, ao determinar que: "Aquele que de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bem
possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros qu~dra­ desnecessário aos seus serviços cede o uso a outra que o está precisando,
dos, inintenuptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou nas condições estabelecidas no respectivo termo de cessão.
de sua família, adquirir-Ihe-á o domínio, desde que não seja proprietário de
Como já ponderou, corretamente, Caio Tácito, esta cessão se inclui
outro imóvel urbano ou rural" (art. 183). O preceito só resolvia em parte
entre as modalidades de utilização de bens públicos não aplicados ao ser-
o problema, porque alcançava apenas os imóveis de propriedade privada,
viço direto do cedente e não se confunde com qualquer das formas de
visto que o § 3 Q do citado art. 183 proibia o usucapião dos imóveis públi-
cos. Para contornar a dificuldade criou-se a concessão especial de uso, que alienação. 26 Trata-se, apenas, de transferência de posse, do cedente para o
era referida no Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10.7.2001) de forma cessionário, mas ficando sempre a Administração-proprietária com o do-
mais ampla, mas cujos dispositivos foram vetados pelo Poder Executivo. mínio do bem cedido, para retomá-lo a qualquer momento ou ao término
do prazo da cessão. Assemelha-se ao comodato do direito privado, mas
Na medida provisória a concessão especial de uso é outorgada a todo
é instituto próprio do direito administrativo, já previsto e conceituado na
aquele que até 30.6.2001 possuir como seu, por cinco anos consecutivos e
legislação federal concernente aos bens imóveis da União. 27
sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel públi-
co situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, Também não se confunde com qualquer das modalidades pelas quais
desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano se outorga ao particular o uso especial de bem público, vistas anteriormen-
ou rural (art. 1Q). Com esta limitação da posse ao tempo já decorrido preten- te (autorização de uso,permissão de uso, concessão de uso, concessão de
de-se coibir novas ocupações irregulares de vias e logradouros públicos. direito real de uso), nem tampouco se identifica com a velha concessão de
Esta concessão especial de uso aproxima-se da concessão do direi- domínio dos tempos coloniais, que é espécie obsoleta de alienação. Real-
to real de liSO, que veremos a seguir, mas dela se distingue porque se mente, a cessão de uso é uma categoria específica e própria para o traspas-
restrino-e à finalidade de moradia do possuidor. Demais, não se trata de se da posse de um bem público para outra entidade ou órgão público da
b •
uma faculdade do Poder Público concedente, mas sim de um direito do mesma entidade, que dele tenha necessidade e se proponha a empregá-lo
possuidor, desde que provadas as condições previstas na lei. Assemelha- nas condições convencionadas com a Administração cedente. Entretanto,
se ao usucapião mas inexiste a transferência do domínio. Trata-se de um a cessão de uso vem sendo desvirtuada para a transferência de bens públi-
direito real sob;e coisa alheia, mas direito real resolúvel. É transferível cos a entes não-administrativos e até para particulares.
por ato inter vivos ou causa mortis, mas se extingue se o concessionário A cessão de uso entre órgãos da mesma entidade - como, por exem-
der ao imóvel destinação diversa de moradia ou adquirir a propriedade de plo, entre Secretarias do mesmo Município -não exige autorização legis-
outro imóvel urbano ou rural. Ela será outorgada por termo administrativo lativa e se faz por si~nples termo e anotação cadastral, pois é ato ordinário
ou, em caso de recusa da Administração, por sentença judicial, valendo o de administração através do qual o Executivo distribui seus bens entre
respectivo título para inscrição no cartório de registro de imóveis.
suas repartições para o melhor atendimento do serviço. Quando, porém,
Nos imóveis onde não for possível identificar os terrenos ocupados a cessão é para outra entidade necessário se toma lei autorizativa da Câ-
pelos possuidores (favelas e assemelhados) a concessão especial de uso mara para legitimar essa transferência de posse (não de domínio) do bem
será conferida de forma coletiva, sendo atribuída a cada morador igual municipal e estabelecer as condições em que o prefeito pode fazê-la. Em
fração ideal de telTeno, independentemente da área por ele ocupada, salvo qualquer hipótese, a cessão de uso é ato administrativo interno, que não
acordo escrito entre os mesmos (para maiores detalhes, v. do Autor, Direi- opera a transferência da propriedade, e por isso mesmo dispensa registros
to de Construir, 9ª ed., Malheiros Editores, 2005). externos.

3.2.6 Cessão de uso 26. "Bens públicos - Cessão de uso", RDA 32/482.
27. Decreto-lei 9.760, de 5.9.1946, arts. 64, § 3º, 125 e 126; e Lei 9.636, de
Cessão de uso é a transferência gratuita da posse de bem público de 15.5.1998, arts. 18-21. Essa legislação não se aplica aos Estados e Municípios, que
uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize podem legislar a respeito mas devem se restringir às finalidades próprias da cessão.
VI - BENS MUNICIPAIS 327
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
326
A alienação de bens imóveis do patrimônio municipal exige autori-
4. Alienação de bens municipais
zação por lei,29 avaliação prévia e concorrência, sendo inexigível esta
A administração dos bens municipais compreende normalmente a uti- última formalidade nos casos de doação, dação em pagamento, permu-
lização e conservação do patrimônio local, mas excepcionalmente pode ta, legitimação de posse e investidura, por incompatíveis com a própria
o Município ter necessidade ou interesse na alienação de alguns de seus natureza do contrato, que tem objeto determinado e destinatário certo
bens, caso em que o prefeito dependerá de lei autorizadora e do atendi- (Lei 8.666, de 1993, art. 17, I). Cumpridas as exigências legais e admi-
mento de exigências especiais impostas por normas superiores. É o que nistrativas, a alienação de imóvel público a particular formaliza-se pelos
veremos a seguir. instrumentos e com os requisitos da legislação civil (escritura pública e
Alienação é toda transferência de propriedade, remunerada ou gratui- transcrição no Registro Imobiliário), e desde que assinada a escritura pelas
ta, sob a fonna de venda, doação, dação em pagamento, permuta, inves- partes aA~ministração não poderá mais modificar ou invalidar a alienação
tidura, legitimação de posse ou concessão de domínio. Qualquer dessas por ato umlateral, o que só poderá ser feito por acordo ou por via judicial.
formas de alienação pode ser usada pelo Município, desde que satisfaça as Ilegal é a anulação ou revogação unilateral dos atos administrativos que
precederam a alienação, com pretensos efeitos modificativos ou invalida-
exigências.administrativas para o contrato alienador e atenda aos requisi-
tórios do contrato de transferência do domínio imobiliário, que é contrato
tos específicos do instituto utilizado. Em princípio toda alienação de bem
civil em que, apenas, uma das partes é a Administração. 3D
público depende de lei autorizadora, de licitação (Lei 8.666, de 1993, art.
17, I-lI) e de avaliação da coisa a ser alienada; mas casos há de inexigibi- Quanto à transferência de bens imóveis do Município para outra enti-
lidade dessas formalidades, por incompatíveis com a própria natureza do dade estatal ou autarquia, pode ser feita diretamente por lei, por forma civil
contrato. Há, ainda, uma forma excepcional de alienação de bem público, ou por termo administrativo: no primeiro caso independe de registro; nos
restrita a tenas devolutas, que é a denominada legitimação de posse, que dois últimos será necessário registrar o instrumento traslativo do domínio.
Não se confunda, porém, a alienação da propriedade com a simples ces-
conceituaremos adiante.
são de uso do imóvel para outra entidade pública ou privada ou para órgão
A defeituosa redação do art. 67, do Código Civil de 1916, criticada
da mesma Administração, o que é feito por mero termo administrativo e
pelo Autor, veio a ser superada pelo advento da nova codificação que, anotação no respectivo cadastro, mas sem qualquer registro no Registro
em seus arts. 100 e 101, estabelece que os bens públicos de uso comum Imobiliário, uma vez que esse traspasse de uso não constitui transferência
do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a de domínio, mas apenas entrega da posse do bem a outra entidade ou ór-
sua qualificação, na fonna que a lei determinar, enquanto que os bens gão, para sua utilização institucional.
públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da
. A alienação de bens móveis e semoventes (animais) depende, em prin-
lei. Na realidade isso não ocone. Assim, os bens públicos, quaisquer que
cípIO, de avaliação prévia e licitação, dispensada esta nos casos expressa-
sejam, podem ser alienados, desde que a Administração satisfaça certas
mente previstos na Lei 8.666, de 1993 (cf. art. 17, lI, e alíneas "a"-"f').
condições prévias para sua transferência ao domínio privado ou a outra
Como se verifica da Lei 8.666, não se exige autorização legal para a aliena-
entidade pública. O que a lei civil explícita é que os bens públicos são
ção de bens móveis, mas entendemos que essa autorização se faz necessá-
inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou afins admi-
ria, podendo ser genérica, dependendo do bem móvel a ser alienado. 31 As
nistrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja,
destinação pública especíjica. Exemplificando: uma praça pública ou um . . .2? Os bens imóveis da Administração Pública adquiridos por procedimentos
edificio público não podem ser alienados enquanto tiverem essa destina- JudICiaIS ou por dação em pagamento poderão ser alienados por ato da autoridade com-
ção, mas qualquer deles poderá ser vendido, doado ou permutado desde o petente, mediante comprovação da necessidade ou utilidade da alienação, observados
momento em que seja, por lei, desafetad0 28 da destinação originária que o procedimento licitatório e a avaliação prévia (cf. art. 19 da Lei 8.666, de 1993).
tinha e traspassado para a categoria de bem dominial, isto é, do patrimônio 30. STF, RTJ 32/352, RDA 46/192; Amaldo de Valles, in Trattato, de Orlando, v.
y'l, Parte I, p. 614; Rafael Bie1sa, Derecho Administrativo, v. I, p. 80; André de Lauba-
disponível do Município. dere, Contrats Administratifs, v. I, p. 263; Luís Antônio de Andrade, in RDA 49/470·
Carlos Medeiros Silva, in RDA 79/465. '
28. Sobre desafetação de bem público, v. RDA 7/476,1996. Sobre a inadmissibi- 31. Sobre a matéria, v.: Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e
lidade de desafetação e alienação de áreas definidas em projeto de loteamento como Contratos Administrativos, 6ª ed., p. 163.
áreas verdes ou institucionais, v. nota 15 deste capítulo.
328 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VI - BENS MUNICIPAIS 329
vendas são geralmente realizadas em leilão administrativo, sem maiores
formalidades, entregando-se no ato a coisa ao licitante que oferecer o me- autorize a alienação. A avaliação deverá ser feita por perito habilitado ou
lhor preço acima da avaliação, em lance verbal, para pagamento à vista. órgão competente da Municipalidade. A licitação obedecerá às normas ge-
rais da Lei federal 8.666, de 1993 (art. 17, I), no que couber, e às especiais
Assim sendo, a alienação de bens móveis e semoventes não tem nor- do Município, se as tiver, aplicáveis à espécie. 33
mas rígidas para sua realização, salvo obediência ao dispositivo mencio-
nado (art. 17, II), podendo o Município dispor a respeito como melhor lhe Quanto à venda de bens móveis e semoventes exigem-se também, em
princípio, avaliação e licitação prévias (Lei 8.666, de 1993, art. 17, II),
convier. O que convém é que o Município regule antecipadamente essas
adotando-se qualquer modalidade licitatória, inclusive o leilão adminis-
alienações, onerosas ou gratuitas, para evitar abusos e favoritismos na sua
trativo, que é mais simples e recomendável para alienações de pequeno
realização.
valor. Casos há, porém, de venda de equipamentos e produtos com desti-
A receita de capital obtida com a alienação de bens patrimoniais mó- nação especial, para os quais não se exige licitação. É o que ocorre, por
veis e imóveis não pode ser utilizada para cobrir despesas correntes (art. exemplo, com a venda de sementes, adubos, inseticidas e reprodutores aos
44 da Lei Complementar 101, de 4.5.2000, Lei de Responsabilidade Fiscal agricultores e criadores que o Município tenha interesse em fomentar em
- LRF). A única exceção ocorre quanto às despesas relativas aos regimes seu território. Para essas alienações basta que a lei autorize sua efetivação
de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos, sendo ne- e estabeleça as condições de venda ou revenda aos interessados que satis-
cessário, neste caso, expressa previsão legal. façam as exigências legais. É uma atividade de incentivo ao desenvolvi-
Tal restrição imposta por lei ao poder de administração dos bens tem mento local, perfeitamente cabível na competência do Município.
claramente o objetivo de coibir os riscos de esbanjamento e dissipação do
patrimônio público. 4.2 Doação
Feitas essas considerações de ordem geral, vejamos as várias formas
Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, o doador, por liberalidade,
de alienação.
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, o donatá-
rio, (CC, arts. 538 e ss.). É contrato civil, e não administrativo, fundado
4.1 Venda em liberalidade do doador, embora possa ser com encargos para o donatá-
rio. A doação só se aperfeiçoa com a aceitação do donatário, quer seja ela
Venda ou, mais propriamente, venda e compra é o contrato civil ou pura ou com encargo.
comercial pelo qual uma das partes (vendedor) transfere a propriedade de
um bem à outra (comprador), mediante um preço certo em dinheiro (CC, O Município pode fazer doações de bens móveis ou imóveis desafe-
art. 481). Toda venda, ainda que de bem público, é contrato de direito pri- tados do uso público, e comumente o faz para incentivar construções e ati-
vado. Não há venda administrativa; há, tão-somente, venda e compra civil vidades particulares de interesse local e convenientes à comunidade. Essas
ou comercial em que o vendedor é a Administração - no caso, o Muni~ípio doações podem ser'com ou sem encargos, e em qualquer caso dependem
-, mas isto não transforma o ajuste em contrato administrativo. 32 E - e de lei autorizadora, que estabeleça as condições para sua efetivação, de
será sempre - contrato de direito privado, apenas realizado pelo Município prévia avaliação do bem a ser doado e de licitação (arts. 17, I, "b",34 e II,
com fOlmalidades administrativas prévias, exigidas para a regularidade da "a", da Lei 8.666, de 1993).
alienação do bem público.
33. Cf., do Autor, Licitação e Contrato Administrativo, 14~ ed., 2~ tir., 2007, Ca-
Asformalidades administrativas para a venda de. bem municipal imó- pítulo III.
vel são a autorização legislativa, a avaliação prévia e a licitação, nos 34. A eficácia da alínea "b" do inciso I do art. 17 da Lei 8.666, de 1993, que
termos da legislação pertinente. restringe a possibilidade de doação de bens imóveis da Administração Pública "exclu-
sivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera
Tratando-se de bem de uso comum do povo ou de uso especial haverá de governo", está suspensa pelo STF até julgamento final daADln 927-3-RS, por força
necessidade de desafetação por lei municipal, que poderá ser a mesma que de decisão liminar de 3.11.1993, publicada no DJU 10.11.1993. No mesmo julgamento
o STF suspendeu a eficácia do § 1Q do referido art. 17 da Lei 8.666, de 1993, que de-
32. Rui Cirne Lima, in RDA 32/16. termina a reversão do bem imóvel doado ao patrimônio da entidade doadora uma vez
cessadas as razões que justificaram a doação.
VI - BENS MUNICIPAIS 331
330 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Para as doações com encargos poder-se-á realizar licitação a fim de tituição ou competição licitatória em qualquer de suas modalidades (Lei
escolher o donatário que proponha cumpri-los em melhores condições 8.666, de 1993, art. 17, I, "C").35
para a Administração ou para a comunidade. O certame é dispensado no Qualquer bem municipal, desde que desafetado do uso comum do
caso de interesse público devidamente justificado; e, de qualquer forma, povo ou de destinação pública especial, pode ser permutado com outro
o instrumento contratual deverá conter, obrigatoriamente, os encargos, o bem público ou particular, da mesma espécie ou de outra. O essencial é
prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do que a lei autorizadora da permuta identifique os bens a serem permutados
ato (art. 17, § 4º). e a avaliação prévia lhes atribua corretamente os valores para a efetivação
da troca sem lesão ao patrimônio público.
Modernamente, a doação de terrenos públicos vem sendo substituída
- e com vantagens - pela concessão de direito real de uso, que examina- Aplicam-se àpermuta as disposições da compra e venda civil (CC,
mos precedentemente, neste mesmo capítulo. art. 533); e, tratando-se de troca de imóveis, fica sujeita às formas e regis-
tros competentes para a transferência do domínio.

4.3 Dação em pagamento


4.5 Investidura
Dação em pagamento é a entrega ao credor, consentida por este, de
Investidura36 é a incorporação de uma área pública isoladamente in-
prestação diversa da que lhe é devida (CC, art. 356).
construível ao terreno particular confinante que ficou afastado do novo
O Município pode utilizar-se da dação em pagamento, com prévia alinhamento em razão de alteração do traçado urbano. Isto ocorre freqüen-
alltorização legislativa e avaliação do bem a ser empregado no resgate da temente quando a Prefeitura executa retificações nas vias e logradouros
dívida (Lei 8.666, de 1993, art. 17, I, "a"). Fixado o valor da coisa dada em públicos, corrigindo as tortuosidades do primitivo alinhamento ou abrindo
pagamento, as relações entre as partes reger-se-ão pelas normas da compra novas ruas e praças. Em tais casos, quando a Municipalidade adentra pro-
e venda, e se aquela for título de crédito a transferência importará cessão, priedades particulares é obrigada a indenizar o que delas retirou; quando
sujeitando-se, então, aos preceitos deste instituto (CC, arts. 286 e ss.). sobram nesgas de terrenos públicos confinantes com essas propriedades é
A dação em pagamento, embora consubstancie uma alienação de bem obrigada a transferi-las aos particulares lindeiros, mediante o recebimento
público, não exige licitação, por se tratar de contrato com destinatário cer- de seu justo valor. 37
to, que é o credor que consente no pagamento por essa forma. É instituto típico do direito municipal, pois que resulta do conceito ur-
banístico de alinhamento como limite entre o domínio público urbano e a
4.4 Permuta 35. A Lei 8.666, de 1993, havia estabelecido, no art. 17, I, "c", que a permuta
Permuta, troca ou escambo é o contrato pelo qual as partes transfe- de imóvel com dispensa de licitação só poderia ocorrer por outro imóvel destinado ao
serviço público e cujas necessidades de instalação e localização condicionassem sua
rem e recebem um bem uma da outra - bens, esses, que se substituem re- escolha. A mesma lei só permitia a permuta de bens móveis "exclusivamente entre
ciprocamente no patrimônio dos permutantes. Há sempre na permuta uma órgãos ou cntidades da Administração Pública" (art. 17, 11, "b"). Medida cautelar do
alienação e uma aquisição de coisas, da mesma espécie ou não. A permuta STF, porém, suspendeu integralmente a eficácia do primeiro dispositivo e da expressão
pressupõe igualdade de valor entre os bens permutáveis, mas é admissível entre aspas do segundo preceito, até o julgamento definitivo da ação (ADln 927-3-RS,
julgamento da liminar em 3.11.1893, DJU 10.11.1993).
a troca de coisas de valores desiguais, com reposição ou torna em dinheiro
36. A Lei 8.666, de 1993, no § 3º do art. 17, define investidura como "a aliena-
do faltante. Essa complementação em pecúnia, para se igualarem os va- ção aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra
lores das coisas trocadas, não desnatura a permuta, desde que a intenção pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior
precípua de cada parte é obter o bem da outra. ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do valor
constante da alínea 'a' do inciso 11 do art. 23 desta Lei".
A permuta de bem público municipal, como as demais alienações, 37. Sobre investidura, consultem-se os excelentes pareceres dos Procuradores
exige autorização legislativa e avaliação prévia das coisas a serem tro- do antigo Estado da Guanabara José de Miranda Valverde, in RDPG 1/33; Gustavo
cadas, mas não exige licitação, pela impossibilidade mesma de sua reali- Philadelpho Azevedo, in RDPG 3/476; Luiz de Macedo Soares Machado Guimarães
zação, uma vez que a determinação dos objetos da troca não admite subs- in RDPGRJ 14/232; e Rocha Lagoa, inRDPGRJ 14/238. '

I
332 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO V1- BENS MUNICIPAIS 333

propriedade particular. Daí por que quando o alinhamento recua a proprie- Entretanto, do mesmo modo que pode o proprietário lindeiro compe-
dade particular avança; quando o alinhamento avança a propriedade recua. lir a Prefeitura a incorporar ao seu terreno, por investidura, a área pública
Esse clássico conceito doutrinário merece, atualmente, ampliação, no inaproveitável isoladamente, pagando o justo valor, pode também a Muni-
sentido de abranger qualquer área inaproveitável isoladamente, remanes- cipalidade desapropriar o imóvel confinante cujo proprietário se recusar a
cente ou resultante de obra pública (art. 17, § 3Q , da Lei 8.666, de 1993), investir, para, após a incorporação, vender o todo a terceiro. 40 É a solução
do Direito Francês,41 perfeitamente aplicável ao nosso, uma vez que o ins-
uma vez que esta pode afetar também os terrenos rurais. Assim sendo,
tituto da investidura tanto lá como aqui tem as mesmas finalidades urba-
área inaproveitável isoladamente "é aquela que não se enquadra nos mó-
nísticas, ou seja, uniformizar o alinhamento e permitir a normal utilização
dulos estabelecidos por lei para edificação urbana ou aproveitamento para
dos exíguos terrenos públicos isoladamente inaproveitáveis segundo as
fins agropecuários" - consoante lição de Antônio Marcello da Silva, o
qual conclui que "a inaproveitabilidade da área, isoladamente, é justifi- exigências legais.
cativa suficiente para a alienação e também para a dispensa de licitação, A Lei 9.648, de 27.5.1998, que introduziu várias modificações na Lei
pois não poderia ser usada por outrem que não o proprietário do imóvel 8,666, de 1993, acrescentou novo inciso ao § 3Q do art. 17, para considerar
lindeiro".38, investidura também "a alienação aos legítimos possuidores diretos ou, na
Realmente, essa situação cria para o proprietário confinante o direito falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fms residenciais construí-
de adquirir por investidura a área pública remanescente e inaproveitável dos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que conside-
segundo sua destinação natural, visto que só ele pode incorporá-la ao seu rados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a
lote e utilizá-la com o todo a que ficou integrada. Por isso mesmo, a inves- categoria de bens reversíveis ao final da concessão". Esta hipótese foge
tidura, embora seja uma forma de alienação e aquisição de imóvel público, completamente ao conceito tradicional de investidura. A área é remanes-
exigindo autorização legislativa, por sua natureza e fins especiais dispensa cente de obra pública mas pode ser aproveitada isoladamente, motivo pelo
a licitação (Lei 8.666, de 1993, art. 17, I, "d"), uma vez que a transferência qual se tornou necessário explicitá-la, a fim de que pudesse ser conside-
de propriedade só se pode fazer ao particular lindeiro e pelo preço apurado rada como um caso de investidura. Este dispositivo destina-se, sem dú-
em avaliação prévia, segundo os valores correntes no local. Esse caráter de vida, a solucionar problemas concretos defrontados pela Administração:
incorporação compulsória permite aos beneficiários da investidura a plena empresas governamentais que depois da construção de usina não mais
utilização e edificação da área a ser investida, desde o momento da retra- necessitavam das casas edificadas para os operários, convindo repassá-las
ção do alinhamento ou da conclusão das obras de que resultaram sobras para seus ocupantes diretos, assim como para o Poder Público, nos casos
inaproveitáveis de terrenos públicos na divisa ou no meio das proprieda- de áreas de uso comum (ruas e praças) ou de uso público (escolas, postos
des particulares. Se assim não fosse poderia ocorrer o encravamento do de saúde, etc.).
prédio particular até a fonnalização da investidura, quando, por exemplo, A formalização da investidura faz-se por escritura pública ou termo
pela alteração do alinhamento primitivo surgisse uma área intransitável e administrativo, sempre sujeitos a transcrição no Registro Imobiliário com-
inaproveitável interceptando o acesso à via pública e impedindo a normal petente.
fruição da propriedade privada.
No expressivo dizer do Min. Oscar Saraiva, quando Procurador-Geral 4.6 Enfiteuse
da Prefeitura do antigo Distrito Federal: "A investidura, como forma ju-
rídica de aquisição de propriedade, consagrada no direito municipal, se- O novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.1.2002) proibiu a constitui-
gue, de perto, o instituto civil da acessão, subordinando-se, pois, à regra ção de enfiteuse (art. 2.038). Mas, como irão subsistir os regimes enfi-
geral de que accessio cedit principal. Na investidura, como na acessão, a têuticos existentes, subordinando-se às disposições do CC anterior e da
área inaproveitável pelas suas dimensões acede a outra, considerada como legislação pertinente até a sua extinção, iremos, a seguir, apreciá-lo.
principal".39
40, STF, RTJlOO/694.
38. Contratações Administrativas, São Paulo, 1971, p. 47. 41. Duez e Debeyre, Traité de Droit Administratif, p. 787; Berthélemy, Droit
39. In RDPG 3/478, apud Gustavo Philadelpho Azevedo. Administratif, p. 539; Morin, De I'Alignement, pp. 68 e ss.
334 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VI - BENS MUNICIPAIS 335

Enfiteuse ou aforamento é o instituto civil que permite ao proprie- o Código Civil de 1916 minudeia as condições de fruição do afora-
tário atribuir a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa que o mento, os direitos e obrigações entre as partes (arts. 679-691) e as causas
adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto u~a pens~o ou de sua extinção e resgate (arts. 692-693) - o que dispensa maiores conside-
foro anual, certo e invariável (CC de 1916, art. 678). ConsIste, pOIS, na rações sobre o instituto relativamente à sua parte legal. É de se acrescentar,
transferência do domínio útil do imóvel público para a posse, uso e gozo ainda, que leis administrativas existem, principalmente no plano federal,
perpétuos da pessoa que irá utilizá-lo daí por diante. visando a lhe acentuar mais nitidamente os contornos e dar mais segurança
Em linguagem técnica, aforamento ou enfiteuse é o direito real de às relações entre o enfiteuta e o senhorio direto, sabido que os aforamentos
posse, uso e gozo pleno da coisa alheia que o titular (foreiro.ou enfiteuta) constituem fonte inesgotável de divergências e demandas. 44
pode alienar e transmitir hereditariamente, porém com a obngação de pa-
. d·Ireto. 42 A extinção do aforamento pode-se dar, segundo a lei civil, pelo pe-
gar perpetuamente uma pensão anual (foro) ao senh ono
recimento de seu objeto, pelo comisso e pelo falecimento do enfiteuta, se
Característico do aforamento ou enfiteuse é, pois, o exercício simul- não tiver herdeiros, e ressalvado o direito dos credores (art. 692 do CC
tâneo de direitos dominiais sobre o mesmo imóvel por duas pessoas: uma de 1916), podendo, ainda, as leis administrativas e o contrato estabelecer
sobre o domínio direto - o Município; outra sobre o domínio útil- o par- outras modalidades extintivas da enfiteuse, desde que não desnaturem o
ticular, foreiro , no caso de bens públicos municipais. 43 instituto.
Conceituemos os termos desse instituto eliminado, a partir da vigên-
Comisso é, portanto, uma pena legal, prevista como forma extintiva
cia do novo Código Civil, da nossa legislação, substituído por outros ins- do aforamento, para o caso de o foreiro deixar de pagar o foro ou pensão
trumentos mais simples e eficazes postos à disposição da Administração por três anos consecutivos, caso em que o senhorio direto reaverá o domí-
Pública para a consecução de seus fins. nio útil, pagando ao enfiteuta o valor das benfeitorias necessárias (CC de
Domínio útil consiste no direito de usufruir o imóvel do modo mais 1916, art. 692, II). Essa cominação da lei civil, a nosso ver, não impede
completo possível e de o transmitir a outrem por ato entre vivos ou de seja modificado o período de mora necessário para se considerar o foreiro
última vontade (testamento). em comisso, podendo ser alargado ou restringido pelas leis administrativas
Domínio direto, também chamado domínio eminente, é o direito à ou por cláusula contratual. A fixação do Código Civil de 1916 afigura-
substância mesma do imóvel, sem suas utilidades. se-nos supletiva da vontade das partes ou das leis especiais a propósito,
Foro, cânon ou pensão é a contribuição anual e fixa que o foreiro ou respeitando-se sempre, é claro, os direitos adquiridos, o ato jurídico per-
enfiteuta paga ao senhorio direto, em caráter perpétuo, para o exercício de feito e a coisa julgada que se tenha estabelecido relativamente a enfiteuses
seus direitos sobre o domínio útil do imóvel. anteriores (CF, art. 5º, XXXVI).
Laudêmio é a importância que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio Sempre acentuamos a inutilidade do regime enfitêutico e sua incon-
direto quando ele, foreiro, aliena o domínio útil a outrem e o senhorio veniência na prática administrativa. Muitos Estados já o haviam excluído
direto renuncia ao seu direito de reaver esse domínio útil, nas mesmas desde as antigas leis orgânicas editadas sob a égide da ordem constitucional
condições em que o terceiro o adquire. Sempre que ho~ver pret~n~en~e pretérita à atual, que instituiu as Cartas Municipais. Nunca se encontram
à aquisição do domínio útil o foreiro é obrigado a comumcar a e~Iste.ncta ,."
desse pretendente e as condições da alienação, para que o senhono dI~eto 44. Acerca de enfiteuse, v.: Decreto 4.956, de 9.9.1943, sobre desapropriação de
terras aforadas; Decreto 22.785, de 31.5.1933, que veda o resgate de terrenos perten-
- no caso, o Município - exerça seu direito de opção, dentro de 30 dias, centes ao domínio da União; Decreto-lei 3.437, de 17.7.1941, que dispõe sobre terre-
ou renuncie a ele, concordando com a transferência a outrem, caso em que nos de fortificações; Decreto-lei 5.666, de 15.7.1943, que dispõe sobre concorrência
terá direito ao laudêmio (CC de 1916, art. 683) na base legal ou contratual para aforamento; Decreto-lei 9.760, de 5.9.1946, alterado pelo Decreto-lei 1.561, de
(CC de 1916, art. 686). 1977, pela Lei 7.450, de 23.12.1981, que dispõe sobre bens imóveis da União e autori-
zação dos Municípios para o aforamento de terrenos situados em zona que esteja sendo
urbanizada (art. 99, "d"), e posteriormente pelo Decreto-lei 2.398, de 21.12.1987, que,
42. Clóvis Bevi1áqua, Código Civil ... , v. m, p. 237.
entre outras providências, proíbe os Registros de Imóveis de registrar escrituras sem
43. Desde que não atinja o domínio direto do bem, é admissível o usucapião o prévio pagamento do laudêmio (art. 3º, § 2º); Decreto-lei 1.876, de 14.7.1981, que
exercido contra o particular enfitêutico para aquisição do domínio útil de bem público dispensa do pagamento de foro e laudêmio os titulares dos bens imóveis da União nos
(TRF-5ª R., RT727/315 e 741/450). casos de interesse social.
336 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 337

razões ponderáveis para sua subsistência quando o Município dispõe de e avaliação das glebas a serem concedidas a título oneroso ou gratuito,
tantos outros meios de tomar produtivo seu patrimônio e de ajudar os des- além da aprovação do Congresso Nacional quando excedentes de 2.500ha.
favorecidos que desejam cultivar suas terras. Se o intuito é obter rendas, as Quando feita por uma entidade estatal a outra a concessão de domínio for-
Municipalidades têm à mão o sistema das concessões remuneradas de uso; maliza-se por lei e independe de registro; quando feita a particulares exige
se desejam propiciar a modestos agricultores ou industriais a obtenção de termo administrativo ou escritura pública e o título deve ser registrado no
terrenos para o desenvolvimento de suas atividades, poderão concedê-los Registro Imobiliário competente, para a transferência do domínio.
com os encargos que julgarem convenientes à sua exploração. A concessão de domínio de terras públicas não deve ser confundi-
O aforamento teve sua justificativa nos tempos coloniais, quando, da com a concessão administrativa de uso de bem público, nem com a
pelo Alvará de 5.10.1795, as Municipalidades receberam terras com o fim concessão de direito real de uso de terrenos públicos, que já estudamos
precípuo de as administrar e cultivar por si ou por seus foreiros. Destas precedentemente, porque importa alienação do imóvel, enquanto estas -
terras, parte as Câmaras e Conselhos de então aforaram e parte atribuí- concessões de uso como direito pessoal ou real - possibilitam apenas a
ram às Fábricas das Igrejas locais, ficando em alguns casos as Municipa- utilização do bem concedido, sem a transferência de sua propriedade.
lidades com'o encargo do recebimento do foro para entregar aos párocos.
Com a reorganização municipal operada com o advento da República, e 4.8 Legitimação de posse
subseqüente fortalecimento das rendas locais, com a discriminação atual,
nenhum interesse subsiste para os Municípios, hoje, em auferir quantias Legitimação de posse é o modo excepcional de transferência de do-
ilTisórias de seus terrenos foreiros. Por outro lado, a separação entre a mínio de terra devoluta ou área pública sem utilização ocupada por lon-
Igreja e o Estado cortou as relações administrativas entre o Município e a go tempo por particular que nela se instala, cultivando-a ou levantando
Paróquia, ficando cada qual com seus bens próprios, sem qualquer interes- edificação para seu uso. A legitimação da posse há que ser feita na forma
se das Prefeituras na arrecadação de foros para a Igreja. da legislação pertinente, sendo que para as terras da União o Estatuto da
Terra (Lei 4.504, de 1964) já disciplina seu procedimento e a expedição
Inexistindo, assim, as primitivas razões que justificavam os infindá-
do título (arts. 11 e 97-102), para o devido registro do imóvel em nome
veis aforamentos que emperravam a Administração local com obsoletas
do legitimado. Quanto às terras estaduais e municipais, são igualmente
limitações ao domínio pleno dos bens municipais, bem andou o novo Có- passíveis de legitimação de posse para transferência do domínio público
digo Civil ao proibir a constituição de enfiteuse (art. 2.038), fazendo a ao particular ocupante, na forma administrativa estabelecida na legislação
velharia desaparecer de nossa legislação. pertinente.
Observe-se, finalmente, que sobre os bens aforados a particulares in-
Expedido o título de legitimação de posse - que, na verdade, é título
cidem os impostos e as taxas pertinentes da União, do Estado ou do Muni-
de transferência de .domínio -, seu destinatário, ou sucessor, deverá levá-lo
cípio, como se a propriedade plena pertencesse ao foreiro ou enfiteuta. 45
a registro. No Registro de Imóveis podem apresentar-se quatro situações
distintas: a) o imóvel não estar registrado; b) o imóvel estar registrado
4.7 Concessão de domínio em nome do próprio legitimado; c) o imóvel estar registrado em nome do
Concessão de domínio é forma de alienação de terras públicas que antecessor do legitimado; d) o imóvel estar registrado em nome de terceiro
teve sua origem nas concessões de sesmarias da Coroa e foi largamen- estranho ao legitimado. No primeiro caso ("a") registra-se normalmente o
te usada nas concessões de datas das Municipalid~des da Colônia e do título de legitimação; no segundo e no terceiro casos ("b" e "c") o regis-
Império. Atualmente só é utilizada nas concessões de terras devolutas tro do título de legitimação de posse substituirá os registros anteriores;
da União, dos Estados e dos Municípios,46 consoante prevê a Constitui- no quarto caso ("d") registra-se o título de legitimação de posse, ficando
ção da República (art. 188, § 1º). Tais concessões não passam de vendas sem efeito o registro existente. Em qualquer dos casos prevalecerão as
ou doações dessas terras públicas, sempre precedidas de lei autorizadora metragens e a descrição do imóvel constantes do título de legitimação de
posse, pois a finalidade precípua deste ato é a regularização da proprieda-
45. STF, RDA 30/210. de pública e das aquisições particulares por essa forma anômala, mas de
46. V. nota 12, acima. alto sentido social.
VI - BENS MUNICIPAIS 339
338 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

de seus bens. Admite, entretanto, o seqüestro da quantia necessária à satis-


Não há usucapião de bem público como direito do posseiro, mas,
fação do débito, desde que ocorram certas condições processuais.
sim, reconhecimento do Poder Público da conveniência de legitimar de-
terminadas ocupações, convertendo-as em propriedade em favor dos ocu- Advirta-se, entretanto, desde logo, que o Código de Processo Civil
pantes que atendam às condições estabelecidas na legislação da entidade (Lei 5.869, de 11.1.1973, retificada pela Lei 5.925, de 1.10.1973) contém
legitimante. Essa providência harmoniza-se com o preceito constitucional seção especial para a execução contra a Fazenda Pública (arts. 730-731),
da função social da propriedade (art. 170, IH) e resolve as tão freqüentes estabelecendo as regras para o pagamento das requisições judiciais, na
tensões resultantes da indefinição da ocupação, por particulares, de terras ordem de apresentação dos precatórios e à conta do respectivo crédito.
devolutas e de áreas públicas não utilizadas pela Administração. Isto significa que caberá ao Executivo Municipal providenciar os recur-
sos necessários à execução, que se realiza sem penhora de qualquer bem
público. 48
5. Imprescritibilidade, impenhorabilidade
e não-oneração dos bens municipais
5.3 Não-oneração
Os bens públicos - e, portanto, os bens municipais - são, em regra,
A impossibilidade de oneração dos bens públicos de qualquer espécie
imprescritíveis, impenhoráveis e não sujeitos a oneração. Vejamos a ra-
(das entidades estatais, autárquicas e fundacionais) parece-nos questão in-
zão de ser desses atributos, que têm fundamentos constitucionais e legais,
discutível diante do disposto no art. 100 da CF, que lhes veda a penhora.
além de encontrarem plena justificação na prática administrativa.
Penhor, anticrese e hipoteca são, por definição legal, direitos reais
de garantia sobre coisa alheia (CC, art. 1.419). Como tais, caracterizam-
5.1 Imprescritibilidade se pelo poder de seqüela, isto é, de acompanhar a coisa em todas as suas
A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como conseqüência mutações, mantendo-a como garantia da execução. No dizer de Clóvis,
lógica da sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: "o que caracteriza esta classe de direitos reais é a íntima conexão em que
se os bens públicos são originariamente inalienáveis, segue-se que nin- se acham com as obrigações, cujo cumprimento asseguram. É por vin-
guém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Daí não ser cularem a coisa, diretamente, à ação do credor, para a satisfação de seu
possível a invocação de usucapião sobre eles. É princípio jurídico de acei- crédito, que lhes cabe, adequadamente, a denominação de direitos reais
tação universal que não há direito contra Direito, ou, por outras palavras, de garantia".49
não se adquire direito em desconfonnidade com a lei vigente. O mesmo diz a lei civil: "Nas dívidas garantidas por penhor, anti-
A despeito disso, por longo tempo lavrou fundo a divergência juris- crese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real,
pmdencial, até que os Decretos federais 19.924,22.785 e 710, respectiva- ao cumprimento da obrigação" (CC, art. 1.419). E no artigo seguinte a
mente de 27.4.1931, 31.5.1933 e 17.9.1938, cortaram a dúvida, reiterando lei esclarece: "Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou
a imprescritibilidade dos bens públicos, "seja qual for a sua natureza" (art. dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em
2 Q do Decreto 22.785). Hoje é remansos a a jurispmdência nesse sentido, penhor, anticrese ou hipoteca" (CC, art. 1.420).
quer do STF (Súmula 340), quer das Cortes estaduais.47
48. A emenda da Reforma Previdenciária (EC 20, de 15.12.1998, com a redação
alterada pela EC 30, de 13.9.2000) eliminou a necessidade de expedição de precatórios
5.2 Impenhorabilidade contra a Fazenda Pública para pagamentos de obrigações definidas em lei como de
pequeno valor devidas em virtude de sentença judicial transitada em julgado. O art. 87
A impenhorabilidade dos bens públicos decorre de preceito constitu- do ADCT, acrescido pela EC 37, de 12.6.2002, dispõe que, para efeito do que dispõem
cional (CF, art. 100), que dispõe sobre a forma pela qual serão executadas o § 3º do art. 100 da CF e o art. 78 do ADCT, serão considerados de pequeno valor, até
as sentenças judiciárias contra a Fazenda Pública, sem permitir a penhora que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação,
observado o disposto no § 4º do art. 100 da CF, os débitos ou obrigações consignados
em precatório judiciário que tenham valor igualou inferior a trinta salários mínimos,
47. STF, RDA 1/159,4/203 e 28/222, RF 109/104,113/392, 131/415 e 132/120; perante a Fazenda dos Municípios.
TJSP, RT 120/222 e 121/684. v., também, o artigo de Jônatas Milhomens, "Da intangi- 49. Código Civil ... , v. m, p. 327.
bilidade dos bens públicos", RDPG 2/7l.
340 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VI - BENS MUNICIPAIS 341

Por essa conceituação legal ficam afastados, desde logo, os bens de para lhes regularizar as finanças no caso de deixarem de pagar, por dois anos
uso comum e os de uso especial, que são por natureza inalienáveis. consecutivos, sua dívida fundada (CF, art. 35, I). Com tais recursos, de or-
Restam, portanto, os dominiais e as rendas públicas. Mas quanto a dem administrativa e constitucional, o Município poderá fazer face às suas
estes há o obstáculo constitucional da impenhorabilidade em execução ju- necessidades econômico-financeiras sem comprometer seu patrimônio.
dicial. Se tais bens, embora alienáveis, são impenhoráveis por lei, não se Exige o interesse público - e por isso mesmo a Constituição da Repú-
prestam a execução direta, que é consectário lógico do vínculo real que blica o resguardou - que o patrimônio das pessoas públicas fique a salvo
se estabelece entre a coisa e a ação do credor hipotecário, pignoratício ou de apreensões judiciais por créditos de particulares. Para a execução de
anticrético. sentenças condenatórias da Fazenda Pública a Lei Magna e o Código de
Desde que a Constituição Federal retirou a possibilidade de penhora Processo Civil instituíram modalidade menos drástica que a penhora, po-
de bens da Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal, retirou também rém não menos eficaz que esta - ou seja, a da requisição de pagamentos, à
a possibilidade de oneração de tais bens, uma vez que a execução de toda conta dos créditos respectivos, e o subseqüente pedido de intervenção, se
garantia real principia pela penhora, na ação executiva correspondente, desatendida a requisição. Ressalvaram-se, assim, os interesses da Admi-
para a subseqüente satisfação da dívida, mediante praceamento ou adjudi- nistração, sem se descuidar dos direitos de seus credores.
cação do bem dado em garantia. Uma garantia real que não contasse com Advirta-se, porém, que esse privilégio só ampara o patrimônio das
a execução direta da coisa onerada deixaria de satisfazer seus fins, desga- entidades públicas (estatais, autárquicas e fundacionais), sem alcançar
rantindo o direito do credor. Não seria, de modo algum, garantia real. o das empresas estatais, de personalidade privada (empresa pública, so-
Neste ponto lamentamos divergir do eminente publicista Christiano ciedade de economia mista, serviços sociais autônomos etc.), cujos bens
Martins da Silva, que, em seus magníficos comentários à Lei Orgânica podem ser objeto de garantia real e se sujeitam às apreensões executivas,
Mineira, sustentou a possibilidade de servirem os bens patrimoniais e as como já o demonstramos no início deste capítulo (item 1).
rendas municipais como garantia real, principalmente para a obtenção de
empréstimos externos ou internos. 5o Com a devida vênia, dissentimos 6. Aquisição de bens pelo Município
de tão douta opinião. A nosso ver a proibição constitucional abrange todo
e qualquer bem da Fazenda Pública, móveis, imóveis, rendas e direitos O Município, no desempenho normal de sua administração, adquire
creditórios, isentando-os de penhora. Não imp0l1a, por igual, o fim a que bens de toda espécie e os incorpora ao patrimônio público para a reali-
se destine a garantia real. Desde que os bens públicos de qualquer ca- zação de seus fins. Essas aquisições ou são feitas contratualmente, pelos
tegoria são insuscetíveis de penhora, e a penhora é consectário legal da instrumentos comuns do direito privado, sob a forma de compra, permu-
execução para a satisfação do crédito objeto da garantia real, ressalta a ta, doação, dação em pagamento, ou se realizam compulsoriamente por
impossibilidade de se constituir penhor ou hipoteca sobre bens e rendas desapropriação ou adjudicação em execução de sentença, ou, ainda, se
efetivam por força·de lei na destinação de áreas públicas nos loteamentos,
públicas de qualquer natureza ou procedência.
na forma do art. 22 da Lei 6.766, de 1979, e na concessão de domínio
Para a garantia de empréstimos há o recurso à emissão de títulos e ou- de terras devolutas. Todas essas modalidades de aquisição e alienação já
tros mais postos à disposição das Administrações pelo direito financeiro, foram vistas nos tópicos anteriores, aos quais remetemos o leitor, para
sem necessidade de o Município recorrer a institutos de direito civil que evitar repetição da matéria. O que resta advertir é que cada modalidade de
impliquem execução direta sobre os bens vinculados à dívida. aquisição tem forma e requisitos específicos para sua efetivação segundo
Aliás, até do ponto de vista político seria desaconselhável - por ve- se trate de imóvel, móvel ou semovente e conforme o valor do bem a ser
xatório e embaraçoso para a Administração - a execução pignoratícia ou adquirido.
hipotecária de bens do seu patrimônio. O Código Civil de 2002, ao regular a perda da propriedade particular,
Como medidas de defesa da situação financeira dos Municípios a dispõe que o imóvel abandonado, que não se encontra na posse de nin-
Constituição Federal prevê outros meios, inclusive a intervenção do Estado guém, poderá ser arrecadado como bem vago e incorporado ao patrimônio
público depois de três anos. Se for imóvel urbano, passará à propriedade
50. Direito Público Municipal e Administração dos Municípios, ns. 3-4, p. 355. do Município, ou do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circuns-
342 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VI - BENS MUNICIPAIS 343

crições. Se for rural, passará à propriedade da União, onde quer que se


edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público Mu-
encontre. Presume-se de modo absoluto a intenção de abandono quando,
nicipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe como pagamento
cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fis-
unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.
cais (art. 1.276 e parágrafos). A arrecadação far-se-á por procedimento
judicial ordinário, com publicação de editais convocando o proprietário
e demais interessados. A sentença final será o título a ser registrado no 6.1 Forma e requisitos
Registro de Imóveis. A novidade introduzida pelo Código de 2002 é a
De um modo geral, toda aquisição onerosa de imóvel para o Municí-
presunção de abandono estabelecida pela falta de pagamento dos tributos pio depende de lei autorizativa e de avaliação prévia, podendo dispensar
devidos e relativos ao imóvel. concorrência se o bem escolhido for o único que convenha à Administra-
Entendemos também possível a aquisição de bens por usucapião em ção; quanto aos móveis e semoventes (animais) destinados ao consumo ou
favor do Município, segundo os preceitos civis desse instituto e o pro- a? serviç.~ público, s:1a aquisição dispensa autorização legislativa espe-
cesso especial de seu reconhecimento. Será este o meio adequado para a Cial, por Ja subentendida na lei orçamentária ao conceder dotação própria,
Administraç-ão obter o título de propriedade de imóvel que ela ocupa, com mas dependerá de licitação, na modalidade adequada ao valor do contrato
ânimo de domínio, por tempo bastante para usucapir. A sentença de usu- (concorrência, tomada de preços ou convite), salvo se estiver na reduzida
capião passará a ser o título aquisitivo registrável no cartório imobiliário faixa de inexigibilidade ou dispensa legal desse requisito S3 (Lei 8.666, de
competente. SI 1993, arts. 14-16).
Cumpre, finalmente, considerar o direito de preempção previsto pelo Toda aquisição de bens pelo Município deverá constar de processo
Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001), que na terminologia jurídica regular no qual se especifiquem as coisas a serem adquiridas e sua des-
significa a preferência na aquisição de determinada coisa, de conformi- tinação, a forma e condições da aquisição e as dotações próprias para a
dade com cláusula anteriormente ajustada ou em virtude de detenninação despesa, a ser feita com prévio empenho (Lei 4.320, de 1964, art. 60),
legal. A referida lei, em seu art. 25, estabelece que o direito de preempção nos termos do contrato aquisitivo precedido de licitação, quando for o
confere ao Poder Público Municipal preferência para aquisição de imóvel caso (Lei 4.320, art. 70; Lei 8.666, de 1993, e legislação local pertinente,
urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. E tal direito será se houver). O desatendimento das exigências legais na aquisição de bens
exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para: I - regula- para o Município poderá dar causa à invalidação do contrato, até mesmo
rização fundiária; II - execução de programas e projetos habitacionais de ! por ação popular (Lei 4.717, de 1965, arts. 1º e 4º, V), e à responsabiliza-
interesse social; III - constituição de reserva fundiária; IV - ordenamento f ção do prefeito por crime de desvio de verba ou de efetivação de despesa
c direcionamento da expansão urbana; V - implantação de equipamentos não autorizada por lei (Decreto-lei 201, de 1967, art. 1º, I e I1I), além do
urbanos e comunitários; VI - criação de espaços públicos de lazer e áreas ressarcimento de dano, se houver lesão aos cofres municipais.
verdes; VII - criação de unidades de conservação ou proteção de outras Outra conseqÜência do descumprimento das normas legais e regula-
áreas de interesse ambiental; VIII - proteção de áreas de interesse históri- mentares na aquisição de bens para o Município e na efetivação da despe-
co, cultural ou paisagístico (art. 26, I_IX).s2 sa é a rejeição das contas do prefeito pelo parecer do Tribunal de Contas
Outra forma de aquisição prevista no Estatuto da Cidade diz respeito competente e julgamento da Câmara de Vereadores, nos termos constitu-
aos casos de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo cionais (CF, art. 31).
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizad9, em que o Poder Pú- Os bens imóveis de uso especial e os dominiais adquiridos por qual-
blico poderá facultar ao proprietário de área atingida, a requerimento dele, quer forma pelo Município ficam sujeitos a registro na circunscrição imo-
o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização biliária competente; os bens de uso comum do povo (vias e logradouros
financeira do aproveitamento do imóvel. Para tanto a lei considera con- públicos) estão dispensados de registro enquanto mantiverem essa desti-
sórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou
\ nação.

51. TJSP, RT 726/244.


53. Sobre esta matéria, V., do Autor, Licitação e Contrato Administrativo 14ª ed.
52. v., adiante, no Capítulo IX, item 104.2, "Estatuto da Cidade". 2ª tir., 2007, São Paulo, Malheiros Editores, 2002. ' ,

J
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 345

do Município para prestá-los, estabelecendo os critérios distintivos entre


serviços privativos e serviços comuns às três entidades estatais, indicando
as atividades que competem ao governo local para, ao depois, analisarmos
as formas e meios de sua execução e, a final, considerarmos os principais
serviços e obras municipais.
Preliminarmente, esclarecemos que a expressão constitucional ser-
viços públicos de interesse local (art. 30, V) abrange não só os serviços
públicos propriamente ditos, como também as obras públicas e demais
Capítulo VII
atividades do Município necessárias ou úteis aos munícipes. Feita essa
SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS observação, vejamos como se repartem as competências na matéria.

1. Competência do Município para serviços e obras públicas: 1.1 Repar- 1.1 Repartição das competências
tição das competências - 1.2 Critério do interesse local - 1.3 Ativida-
de jurídica e social. 2. Serviços públicos: 2.1 Conceito e classificação: A repartição das competências para a prestação de serviço público ou
2.1.1 Serviços públicos propriamente ditos - 2.1.2 Serviços de utilidade de utilidade pública pelas entidades estatais - União, Estado, Distrito Fe-
pública - 2.1.3 Outras classificações - 2.2 Regulamentação e contro- deral, Município - opera-se segundo critérios técnicos e jurídicos, tendo-
le - 2.3 Remuneração - 2.4 Requisitos do serviço e direitos do usuário:
2.4.1 Greve nos serviços essenciais - 2.5 Responsabilidades. 3. Obras pú- se em vista sempre os interesses próprios de cada esfera administrativa, a
blicas: 3.1 Conceito - 3.2 Classificação - 3.3 Contratação - 3.4 Execução natureza e extensão dos serviços, bem como a capacidade para executá-los
- 3.5 Responsabilidades. 4. Formas de execução: 4.1 Serviços centraliza- vantajosamente para a Administração e para os administrados.
dos, descentralizados e desconcentrados: 4.1.1 Execução direta e indireta
- 4.2 Instrumentos de descentralização: 4.2.1 Autarquias - 4.2.2 Autar- A Constituição de 1988 manteve a mesma linha básica de repartição
quias de regime especial - 4.2.3 Agências - 4.2.4 Agência executiva - de competências advinda das Constituições anteriores: poderes reserva-
4.2.5 Agências reguladoras - 4.2.6 Fundações - 4.2.7 Empresas estatais dos ou enumerados da União (arts. 21-22), poderes remanescentes para
Oll governamentais - 4.2.8 Entes de cooperação - 4.2.9 Serviços delega-
os Estados (art. 25, § 1º) e poderes indicativos para o Município (art. 30).
dus a particulares - 4.2.10 Contratação de serviços e obras com terceiros
- 4.3 Convênios e cunsórcio: 4.3.1 Convênios - 4.3.2 Consórcios. 5. Meios Não obstante, procurou distinguir a competência executiva da competên-
de illtervenção na propriedade: 5.1 Desapropriação - 5.2 Servidão admi- cia legislativa. A primeira é a competência material para a execução dos
Ilistrativa - 5.3 Requisição - 5.4 Ocupação temporária. - 5.5 Limitação serviços, que pode ser privativa (art. 21) ou comum (art. 23). A segunda
administrativa. 6. Principais serviços e obras municipais: 6.1 Arruamen-
tu alinhamento e nivelamento: 6.1.1 Arruamento - 6.1.2 Alinhamento -
refere-se à capacidade de editar leis e pode ser privativa (art. 22), concor-
6.1.3 Nivelamento - 6.2 Águas e esgotos sanitários: 6.2.1 Águas (potável rente (art. 24) e suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II).
e industrial) - 6.2.2 Esgotos sanitários - 6.3 Galerias de águas pluviais No âmbito da 'competência legislativa concorrente a mesma Consti-
- 6.4 Pavimentação e calçamento - 6.5 Iluminação pública - 6.6 Trânsito
e tráfego - 6. 7 Transporte coletivo - 6.8 Estradas vicinais - 6.9 Mercados,
tuição reservou-a apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art.
feiras e matadouros: 6.9.1 Mercados - 6.9.2 Feira-livres - 6.9.3 Matadou- 24), determinando (em seu § 1º) que à União cabe apenas editar normas
ros - 6.10 Serviço funerário - 6.11 Segurança urbana - 6.12 Educação e gerais; aos Estados permanece a competência suplementar (§ 2º) e, mais,
ensino - 6.13 Saúde, higiene e assistência social: 6.13.1 Saúde pública - na ausência de norma geral editada pela União esses ficam com a compe-
6.13.2 Higiene pública - 6.13.3 Assistência social- 6.14 Limpeza de vias
e logradouros públicos e coleta de lixo - 6.15 Esporte, lazer e recreação
tência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (§ 3º), mas a
- 6.16 Saneamento básico e a Lei Jl.445, de 5.1.2007. superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da
lei estadual,no que lhe for contrário (§ 4º).
A competência legislativa suplementar foi deferida aos Estados (art.
1. Competência do Município para serviços e obras públicas \ 24, § 2º) mas estendida também aos Municípios, aos quais compete "su-
i
\ plementar a legislação federal e estadual no que couber" (art. 30, II).
Em capítulo precedente apreciamos a organização dos serviços públi- t A competência do Município para organizar e manter serviços públi-
cos locais como um dos princípios constitucionais asseguradores da auto-
cos locais está reconhecida constitucionalmente como um dos princípios
nomia municipal (Capítulo III, item 3). Neste cuidaremos da competência
j
346 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 347

asseguradores de sua autonomia administrativa (CF, art. 30, V). A única e contramão, velocidade no perímetro urbano, pontos de carros de praça,
restrição é a de que tais serviços sejam de seu interesse local. O interesse permissões e concessões de linhas urbanas etc.). A indicação expressa de
local - já o definimos - não é o interesse exclusivo do Município, por- tais serviços pelo texto constitucional toma-os prioritários em relação aos
que não há interesse municipal que o não seja, reflexamente, do Estado- demais, constituindo sua falta uma grave omissão dos governantes muni-
membro e da União. O que caracteriza esse interesse municipal é a sua cipais (prefeito e vereadores).
predominância para o Município em relação ao eventual interesse estadual A Constituição outorga, ainda, ao Município a competência expressa
ou federal acerca do mesmo assunto. Integra essa competência municipal para "criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação esta-
a elaboração de lei local disciplinando as concessões e permissões de ser- dual" (art. 30, IV). Este poder, que antes era conferido ao Estado, reforça
viço público, atendidas as normas gerais estabelecidas nas Leis 8.987 e a autonomia do Município e diz mais com a forma de prestação dos servi-
9.074, de 1995, com as alterações subseqüentes. ços, permitindo a desconcentração de atividades para melhor atendimento
da população.
1.2 Critério do interesse local
O crité;io do interesse local é sempre relativo ao das demais enti- 1.3 Atividade jurídica e social
dades estatais. Se sobre determinada matéria predomina o interesse do Os assuntos sujeitos à ação do Município não são suscetíveis de enu-
Município em relação ao do Estado-membro e ao da União tal matéria meração taxativa, pela razão evidente de que a atividade humana é multi-
é da competência do Município; se seu interesse é secundário compara- fária e o progresso põe, dia a dia, novos recursos à disposição do Homem
ti vamente com o das' demais pessoas político-administrativas a matéria e da Sociedade para a satisfação de suas necessidades e de seu conforto.
refoo-e da sua competência privativa, passando para a que tiver interesse Mas uma distinção genérica entre as matérias que cabem à União e aos
predominante a respeito do assunto. A aferição, port~nto, da competência Estados-membros prover e as que ficam ao alcance dos Municípios é pos-
municipal sobre serviços públicos locais há de ser feIta em cada caso con- sível estabelecer desde já, recordando-se que há duas ordens fundamentais
creto tomando-se como elemento aferidor o critério da predominância do de atividade a reclamar a ação governamental: a atividade jurídica e a
inter;sse, e não o da exclusividade, em face das circunstâncias de lugar, atividade social.
natureza e finalidades do serviço. A atividade jurídica é a que entende com a defesa externa, a manu-
A propósito, a Constituição de 1988 inovou em alguns aspectos ao tenção da ordem interna, a instituição e proteção dos direitos fundamentais
eleger detenninados serviços públicos de interesse local em dever expres- do Homem e do Estado.
so do Município. É o que ocorre com o transporte coletivo, l dando-lhe, A atividade social é a que visa a assegurar e a fomentar as condições
inclusive caráter de essencialidade (art. 30, V); com os programas de edu- de desenvolvimento da Sociedade e de bem-estar dos indivíduos, pela sa-
cação pré-escolar e de ensino fundamental (art. 30, VI); com ~ se~iço de tisfação oportuna de suas necessidades físicas, econômicas e espirituais.
atendimento à saúde da população; com o ordenamento terrItonal, me- A atividade jurídica cabe, por índole, às esferas governamentais mais
diante planejamento e controle do uso, parcela~en~o .e o~u~a?ão do solo altas (União e Estados-membros), pela razão muito simples de que contém
urbano (art. 30, VIII); e com a proteção do patnmolllo hlstonco-cultural interesses nacionais e gerais relevantíssimos, a que só elas estão em condi-
local (art. 30, IX). Outros, ainda, oferecem faces sujeit~s. concomita~te­ ções de atender eficazmente.
mente à tríplice regulamentação federal, estadual e mUlllclpal, em carater A atividade social, ao contrário da jurídica, está ao alcance de to-
supletivo ou concorrente, como é exemplo típico o tr~nsito, e~ .que as das as esferas administrativas, porque visa a prover interesses restritos
normas gerais estão afetas à União (Código de TrânsIto Brasllel~o), .as a indivíduos, comunidades reduzidas, grupos ou situações peculiares de
normas secundárias são da competência estadual (regulamentos regIOnaIs) determinadas regiões. As matérias que se enquadram na atividade social
e a regulamentação urbana compete ao Município (estacionamentos, mão são sempre da competência municipal, privativa ou comum, conforme o
caso ocorrente ..
1. Nessa competência estão incluídas as questões relativas a circ';1lação, estacio-
namento, pontos de parada, horário, itinerário e a delegação do servIço (STF, RDA
191/177).
\ Por exclusão, podemos identificar como atividade social - e, por-
tanto, sujeita à competência municipal em tese - toda matéria que não se

I
348 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 349

enquadrar na atividade jurídica, ou seja, no âmbito da defesa nacional, da Aprestação de serviços pelo Poder Público é a atribuição primordial
ordem interna geral, da instituição e proteção de direitos fundamentais do governo e, até certo ponto, sua própria razão de ser. O Estado na sua
do Homem e do Estado. Assim, não cabe ao Município legislar sobre as acepção ampla - União, Estado-membro e Município - não se justifica
Forças Armadas, mas cabe-lhe instituir sua guarda própria para dar maior senão como entidade prestadora de serviços públicos aos indivíduos que
segurança aos seus munícipes; não cabe ao Município prover sobre saú- o compõem. 2
de pública em geral, mas compete-lhe prestar, com a cooperação técnica A função governamental - e particularmente a administrativa - visa a
e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da assegurar a coexistência dos governados em Sociedade, mantendo a paz ex-
população local (CF, art. 30, VII); não cabe ao Município legislar sobre terna e a concórdia interna, garantindo e fomentando a iniciativa particular,
direito comercial, mas pode fixar o horário do comércio, visando à melhor regulando a ordem econômica, promovendo a educação e o ensino, preser-
ordenação da vida urbana. E assim é porque os primeiros casos implicam vando a saúde pública, propiciando, enfim, o bem-estar social, através de
atividade jurídica, e os últimos atividade social, de interesse local. obras e serviços necessários à coletividade (serviços públicos propriamente
Toda atividade social pode ser traduzida em obras e serviços públicos ditos) ou convenientes aos indivíduos (serviços de utilidade pública).
ou de utilidade pública da competência do Município desde que se conte-
nha nos restritos limites do bem-estar dos munícipes, sem invadir a esfera 2.1 Conceito e classificação
dos interesses gerais da União ou regionais do Estado-membro.
Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por
Concluindo, podemos afirmar que obras e serviços da competência seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessi-
municipal são todos aqueles que se enquadrem na atividade social reco- dades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências
nhecida ao Município segundo o critério da predominância de seu interes- do Estado.
se em relação às outras entidades estatais. Inútil será qualquer tentativa de Os serviços públicos e os serviços de utilidade pública, embora tenham
enumeração exaustiva dos serviços e obras públicas locais, uma vez que a em comum sua destinação ao público, conceitualmente não se confundem.
constante ampliação das funções municipais exige a cada dia novas reali-
zações. Tudo dependerá da maior ou menor capacidade do Município para 2.1.1 Serviços públicos propriamente ditos
oferecer aos munÍcipes as utilidades de seu interesse, traduzidas em obras,
atividades e serviços públicos ou de utilidade pública. Serviços públicos, propriamente ditos, são os que a Administração
É o que veremos a seguir, iniciando pelos serviços públicos. presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e ne-
cessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Por
isso mesmo, tais serviços são considerados privativos do Poder Público,
2. Serviços públicos no sentido de que só a Administração deve prestá-los, sem delegação a
A Constituição Federal dispõe expressamente que incumbe ao Poder terceiros, mesmo porque geralmente exigem atos de império e medidas
Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos. Dessa forma, compulsórias em relação aos administrados. Exemplos desses serviços são
a lei disporá sobre o regime de delegação, os direitos dos usuários, a po- os de defesa nacional, os de polícia, os de justiça e os de preservação da
lítica tarifária, a obrigação de manter serviço adequado e as reclamações saúde pública.
relativas à prestação (arts. 175, parágrafo único, e 37, § 3º). A Constituição
insere, ainda, o conceito de serviço relevante, como o de saúde (art. 197). 2.1.2 Serviços de utilidade pública
Atendendo a essa orientação, o Código de Defesa do Consumidor (Lei Serviços de utilidade pública são os que o Poder Público, reconhe-
8.078/1990) considera como direito básico do usuário a adequada e eficaz cendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os in-
prestação dos serviços públicos em geral (art. (2) e, em complemento,
obriga o Poder Público ou seus delegados a fornecer serviços adequados, 2. Léon Duguit, Droit Constitutionnel, p. 71. v., no Direito Pátrio: Celso Antônio
eficientes, seguros e contínuos, dispondo sobre os meios para o cumpri- Bandeira de Mello, Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta, 2ª ed.,
mento daquelas obrigações e a reparação dos danos (art. 22 e parágrafo 2ª tir., São Paulo, Ed. RT, 1983, e, também Curso de Direito Administrativo, 25ª ed.,
único). 2008, pp. 658 e ss.; Carlos Roberto Martins Rodrigues, "A crise e a evolução do con-
ceito de serviço público",RDP 57-58/130.
~
f
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 351
350 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Serviços próprios do Estado: são aqueles que se relacionam intima-


divíduos componentes da sociedade, presta-os diretamente ou delega sua mente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e
prestação a terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), saúde públicas etc.) e para a execução dos quais a Administração usa da
mediante condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e sua supremacia sobre os administrados. Por esta razão, só de~em ser pres-
risco dos prestadores, a serem remunerados pelos usuários. São exemplos tados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a partIculares.
característicos dessa modalidade os serviços de transporte coletivo, os de
fornecimento de energia elétrica, água, gás, telefone e outros mais. Tais serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos ou de
baixa remuneração, para que fiquem ao alcance de todos 'os membros da
No primeiro caso (serviço público) o serviço visa a satisfazer neces-
coletividade.
sidades gerais e essenciais da coletividade, para que ela possa subsistir e
desenvolver-se como tal; na segunda hipótese (serviço de utilidade públi- Serviços impróprios do Estado: são os que não afetam substancial-
ca) o serviço visa a facilitar a vida do indivíduo na sociedade, pondo à sua mente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns
disposição utilidades que lhe proporcionarão mais comodidade, conforto de seus membros, e, por isso, a Administração os presta remuneradamen-
e bem-estar. Daí alguns autores denominarem os primeiros serviços pró- te, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, em~resas
comunidaçle, e os segundos serviços pró-cidadão, fundados na considera- públicas, sociedades de econo~ia, ~ista, fu~da?õe~ ~overname~taIs),. ou
ção de que aqueles se dirigem ao bem comum, ou seja, ao interesse geral delega sua prestação a conceSSlOnanos, permIsslOnanos ou ~utonzatanos.
da comunidade, e estes, embora reflexamente interessem a toda a coleti- Esses serviços normalmente são rentáveis e podem ser realIzados com ou
vidade, atendem precipuamente ao interesse e conveniência do indivíduo, sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre sob regula-
como particular. 3 mentação e controle do Poder Público competente. 5
No exato conceito de Coehen, do American Utilities Bureau, "public
utilities are deemed to be industries where on the public welfare is so de-
2.1.3 Outras classificações
pendent that there is created a special public interest in the organization,
conduct, operation and rates of the industry" - ou, tirando em vernáculo: Outras classificações merecem ainda ser lembradas, tais como as que
"serviços de utilidade pública são aquelas indústrias das quais o bem-estar repartem os serviços públicos ou de utilidade pública em: administrativos,
público depende de tal forma que gera um interesse especial na sua orga- gerais, especificas, divisíveis e indivisíveis, compulsórios e facultativos.
nização, direção, operação e tarifas".
Os serviços de utilidade pública expressam-se, comumente, em ativi- 2.1.3.1 Serviços administrativos - São os que o Poder Público exe-
dades industriais, e por isso se tornam impróprios do Estado. cuta para atender a suas necessidades internas ou prepar~~ outros servi?os
que serão prestados ao público, tais como os de contabIlIdade, os da Im-
Serviços industriais 4 são os que produzem renda para quem os presta, prensa oficial, das estações experimentais etc.
mediante a remuneração da utilidade usada ou consumida - remunera-
ção, esta, que, tecnicamente, se denomina tarifa ou preço público, por ser 2.1.3.2 Serviços gerais ou "uti universi" - São os que atendem a toda
sempre fixada pelo Poder Público, quer quando o serviço é prestado por a coletividade sem usuários determinados, como os de polícia, ilumina-
seus órgãos ou entidades, quer quando por concessionários, permissioná- ção pública,6 ~alçamento e outros dessa espécie. Esses se~~ços desti?-a~­
rios ou autorizatários. Os serviços industriais são impróprios do Estado, se indiscriminadamente a toda a população, sem que se enJam em dIreIto
por consubstanciarem atividade econômica que só poderá ser explorada subjetivo individual de qualquer administrado à su~ fruiç~o part~cula~, 0.u
diretamente pelo Poder Público quando "necessária aos imperativos da privativa de seu domicílio, de sua rua ou de seu bairro. Sao servIços mdI-
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos
em lei" (CF, art. 173, caput). 5. O TJSP julgou legítima a prestação de serviços com máquinas e o?era~ore~
da Prefeitura em beneficio de particular diante da devida remuneração, cUJa tanfa e
3. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "Do serviço público", RDA 21/1. estabelecida em decreto (RT742/248).
4. Sobre serviços industriais, v. J. CretelIa Júnior, "Serviços comerciais e indus- 6. O TJSP, Pleno, decidiu que a iluminação pública, não sendo serviço específico
triais do Estado", RDM 28/13; Toshio Mukai, "Distinção entre serviços públicos in- e divisível, não pode ser cobrada mediante taxa, e sim custeada por imposto (TJSP, RT
dustriais ou comerciais e atividades econômicas", Revista do Advogado 17/28; Maria 6421102). No mesmo sentido: JSTJ78/110.
Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., pp. 103-104.
352 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 353

visíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que tais servi- 2.1.3.4 Serviços divisíveis - São os suscetíveis de utilização mensu-
ços devem ser mantidos por impostos (tributo geral), e não por taxa? ou rável, separadamente, para cada um de seus usuários, como o telefone, o
tarifa, que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do gás, a energia elétrica e a água domiciliares.
serviço.
2.1.3.5 Serviços indivisíveis - São os que, uma vez instalados, aten-
2.1.3.3 Serviços individuais ou "uti singuli" - São os prestados ou dem a toda a coletividade indistintamente, sem admitir utilização parti-
postos à disposição de usuários determinados, que os fruirão individual- cular e especial de qualquer indivíduo ou empresa, como o calçamento, a
o
mente, mediante remuneração, tais como telefone, a coleta de lixo, a iluminação pública, a rede de águas pluviais etc.
energia elétrica, gás e a água domiciliares. Esses serviços, desde que im-
plantados, geram direito subjetivo à sua obtenção por todos aqueles que 2.1.3.6 Serviços compulsórios - são todos aqueles que o Poder Públi-
se encontram na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as co, reconhecendo sua essencialidade e necessidade em prol da segurança,
exigências regulamentares. São serviços de utilização individual e mensu- da saúde e da higiene da comunidade, impõe seu uso pelos administrados
nas condições estabelecidas em lei. Tais serviços geralmente são gratuitos,
rável, e geralmente facultativos, pelo quê devem ser remunerados por taxa
ou remunerados por taxas módicas, ao alcance de todos os usuários, mas
(tributo) ou tarifa (preço público), e não por imposto.
nunca por tarifa.
O atraso no pagamento desses serviços tem suscitado hesitações por
palie da jurisprudência sobre a legitimidade da suspensão de seu forneci- 2.1.3.7 Serviços facultativos - São os que a Administração ou seus
mento ao usuário em mora. Há que distinguir entre o serviço compulsório delegados põem à disposição dos interessados, sem os compelir ao uso, e
e ofacultativo: naquele a suspensão do fornecimento é ilegal, pois se aAd- fixam a remuneração por tarifa, nunca por taxa, pois esta é incompatível
ministração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário com a facultatividade de sua utilização.
(como é a ligação domiciliar às redes de esgoto sanitário e de água potável Esses atributos podem conjugar-se tanto nos serviços públicos quanto
e a limpeza urbana), não pode suprimi-lo por atraso no pagamento; neste nos serviços de utilidade pública, para lhes determinar o modo de opera-
é legítima a supressão, porque, sendo livre sua fruição, entende-se não- ção e de remuneração, bem como os encargos de quem os executa e os
essencial, e, portanto, suprimível quando o usuário deixar de remunerá-lo, direitos e deveres de seus usuários. 10
sendo, entretanto, indispensável aviso-prévio. 8 Ocorre ainda que, se o ser-
viço é compulsório, sua remuneração é por taxa (tributo), e não por tarifa 2.2 Regulamentação e controle
(preço), e a falta de pagamento de tributo não autoriza outras sanções além
de sua cobrança executiva com os gravames legais (correção monetária, A regulamentação e o controle do serviço público e de utilidade
multa, juros, despesas judiciais).9 pública caberão sempre e sempre ao Poder Público, qualquer que seja a
modalidade de sua-prestação aos usuários. O fato de tais serviços serem
7. Flávio Bauer Novelli, "Apontamentos sobre o conceito jurídico de taxa", RDA delegados a terceiros, estranhos à Administração Pública, não lhe retira
18911. o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los, exigindo sempre
8. O STF entende que o serviço de água e esgoto é remunerado por tarifa (REs sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das con-
54.194,77.162,207.609; Ag. 225.143). No RE 96.055-4-PR(rel. Min. Moreira Alves), dições impostas para seu fornecimento ao público. Qualquer deficiência
entendeu a Suprema Corte que "o abastecimento de água é serviço indispensável à
coletividade e não pode estar sujeito a cortes por falta de pagamento" (j. 19.2.1982).
10. Para maiores esclarecimentos sobre serviços públicos, v., do Autor, Direito
V. também STJ, REsp 49.902-0 (DJU22.8.1994), REsp 279.502 (DJU 27. 11.2002) e
Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Capítulo VI,
REsp 450.130 (DJU 11.11.2002). Todavia, ultimamente, o STJ tem admitido o corte
e também a excelente monografia de Celso Antônio Bandeira de Mello, Prestação de
(REsp 123.444, DJU 14.2.2005, e REsp 363.943-MG, DJU 1.3.2004, 1-ª Seção; e REsp
Serviços Públicos ___ , 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, Ed. RT, 1983. V. também: do mesmo
337.965-MG, DJU 8.11.2004, 2ª Seção). Quanto à energia elétrica, o STJ passou a
autor, Curso de Direito Administrativo, 25ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008,
admitir a suspensão em caso de inadimplência (REsp 628.833-RS, REsp 460.271-SP,
Capítulos XI e XII; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed.,
e REsp 715.074-RS). Mas, se houver irregularidade na medição do consumo, não cabe
pp. 94 e ss., e Parcerias na Administração Pública, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1999;
o corte (REsp 721.108, DJU 17.6.2005).
Dora Maria de Oliveira Ramos, Terceirização na Administração Pública, São Paulo,
9. Tratando-se de serviço concedido, v. art. 6º, § 3º, da Lei 8.987, de 1995. LTr,2001.
354 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 355

da serviço., que revela inaptidão. de quem a pr~st~ a~ descum~ri~ent~ de 20.4.1999 (DOESP, Seção. I, 21.4.1999, p. 2), que dispõe sabre prateçãa e
abrigações impastas pela Administração., ensejara a mtervençaa Imedmta defesa da usuária da serviço. pública da Estada e dá autras pravidências.
da Pader Pública delegante para regularizar seu funcianamenta au lhe re-
tirar a prestação.. 2.3 Remuneração
Em tadas as atas au cantratas administrativas, cama são. as que came- A remuneração do serviço público e de utilidade pública pade ser
tem a explaraçãa de serviças públicas a particulares, está sempre presente feita por taxa au par tarifa. Será remunerada par taxa tado serviço. que far
a passibilidade da madificaçãa unilateral das cláusulas regulamentares de compulsório para a usuária, cama a utilização. da rede damiciliar de água e
sua prestação., pela Pader Pública, au da revagaçãa da delegação., desde de esgota sanitário, a de caleta de lixa e qualquer autra cansiderada essen-
q ue a interesse caletiva
.
assim a exija. Esse pader regulamentadar da Ad-
. 11 .. d~· 12 cial à camunidade; será remunerada par tarifa a serviço. facultativa, pasto
ministração. é haje panta pacífica na dautrma e na junspru enCla. à dispasiçãa da usuária para que dele se utilize quando o desejar, tal cama
O Município. deve ter sempre em vista que as serviços púb:ico~ .au a de transparte caletiva, energia elétrica damiciliar, gás encanada, telefane,
de utilidade pública são. serviças para o público, e que as canceSSlOnanas as quais são. de utilidade pública mas não essenciais à vida camunitária.
au quaisquer autras prestadares de tais serviças~ãa, na feliz,expressãa de Tanta a taxa cama a tarifa hão. de retribuir satisfatariamente a pres-
Brandeis, public servants, isto. é, criados, servidores do publzco: O fim tação. da serviço., para que seu investimento., manutenção., aperaçãa e
precípua da serviço público, au de utilidade pública, cama? própna name ampliação. sejam custeadas pelas usuárias e, quando. se tratar de serviço.
está a indicar, é servir ao. pública, e, paralelamente, praduzlr renda a quem industrial explarada par cancessianária au permissianária,praduza lucra
a expIara. Daí decarre a dever indeclinável de a canceden:e re~lamentar, razaável para a investidar. É a que dispõe a Canstituiçãa da República na
fiscalizar e intervir na serviço. cancedida sempre que naa estlver senda que cancerne à cancessãa au permissão. de serviço. pública, ao. determinar
prestada a cantenta da pública a que é destinada. Bem par isso., a EC.19, que a lei pertinente dispará sabre "palítica tarifária" (art. 175, parágrafo.
de 4.6.1998, deu nava redação. ao. § 3º da art. 37 da CF, para determ~nar única, IlI), entendenda-se que a lei deva assegurar a equilíbrio ecanômi-
que a lei disciplinará "as reclamações relativas à pre~taçãa das s~rvlças ca-financeira na prestação. da serviço..
públicas em geral, asseguradas a manutenção. ~a serviço. de ate.ndlmenta Embara caibam ao. Executiva a fixação. e alteração. de tarifas, em qual-
ao. usuária e a avaliação. periódica, externa e mterna, da quahdade das quer época da ano., tal ata não. é discricianária, mas vinculada às narmas
serviças" (incisa I); "a acesso. das usuárias a registras administrativ?s ~ a legais e regulamentares e, sabretuda, às cláusulas cantratuais da cances-
infannações sabre atas de gaverna", ressalvando. expres~amente a mvlO- são. au às candições da autarga da permissão., que disciplinam a prestação.
labilidade da intimidade, da vida privada, da hanra e da Imagem das pes- e a remuneração. de serviço. cancedida au permitida.
saas asseaurada a direita à indenização. pela dana material au maral de- Se as tarifas fixadas pela Município. infringirem preceitas pratetares
ca~·~nte d: sua vialaçãa, bem cama as registros e infarmações cuja sigilo. da domínio econômico au canstituírem abuso de poder a interessada pade-
seja imprescindível à segurança da saciedade e da .Estada (incisa lI); "a rá invalidar a fixaçãó ilegal e respansabilizar as infratares par via judicial.
representação. cantra a exercício. negligente au abUSiva de_carga, em~rega Quanta às taxas remuneratórias de serviças, deverão. ser fixadas au
au função. na Administração. Pública" (incisa III). E~ razaa d~ssas dlspa- majaradas par lei anteriar ao. exercício. financeira em que vão. ser cabradas
sições canstitucianais, a Estada de São. Paula fez editar a Lei 10.294, de (CF, art. 150, I e III).
11. Bilac Pinto, Regulamentação Efetiva dos Serviços de Utilida~e. Públic~, O Estatuto da Cidade (Lei federal 10.257, de 10.7.2001) estabelece
1941; Luiz de Anhaia Mello, O Problema Econômico dos Serviços :!e Utlhda~e Pu- que as tarifas relativas a serviças públicos urbanas serão. diferenciadas em
blica 1940· Plínio A. Branco, Diretrizes Modernas para a Concessao de ServIços de função. da interesse sacial (art. 47).
Utilidade Pública, 1949; J. H. Meirelles Teixeira, A Competência Municipal na Regu-
lamentação dos Serviços Públicos Concedidos, 1948; Góes de, Andra~e, "Re.gulamen-
tação dos serviços de utilidade pública", RDPG U370. V. tambem Mana SylvIa Zan~lla
2.4 Requisitos do serviço e direitos do usuário
Di Pietro, Parcerias ... , 3ª ed., p. 74; Marçal Justen Fil~lO,. Concessões de ~e:Vlç~s Os requisitos da serviço. pública au de utilidade pública são. sintetiza-
Públicos, São Paulo, Dialética, 1997; Dora Maria de OlIveIra Ramos, Tercemzaçao
dos, madernamente, em cinco. princípias que a Município. deve ter sempre
... , São Paulo, LTr, 2001.
12. STF, RDA 37/307,22/222 e 30/289.
presentes, para exigi-las de quem as preste: a princípio. da permanência
356 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 357

impõe continuidade no serviço; o da generalidade impõe serviço igual A esse propósito, já acentuamos alhures que seriam inanes todos os
para todos; o da eficiência exige atualização do serviço; o da modicidade direitos do usuário à obtenção do serviço se não dispusesse o interessado
exige tarifas razoáveis; e o da cortesia se traduz em bom tratamento para o de ação judicial para os fazer valer quando relegados. Recusar-se a via
público. Faltando qualquer desses requisitos em um serviço público ou de judicial para o particular demandar o relapso prestador de serviço público
utilidade pública é dever da Administração intervir para restabelecer seu ou de utilidade pública seria a negação do preceito constitucional que as-
regular funcionamento ou retomar sua prestação. 13 segura a qualquer pessoa o acesso ao Poder Judiciário por lesão ou ameaça
Os direitos do usuário são hoje reconhecidos em qualquer serviço pú- a direito (CF, art. 5º, XXXV) e da regra legal do art. 189 do CC, que esta-
blico ou de utilidade pública como fundamento para a exigibilidade de sua belece que "violado o direito, nasce para o titular a pretensão".
prestação nas condições regulamentares e em igualdade com os demais
A via adequada para o usuário exigir o serviço que lhe for negado
utentes. São direitos cívicos, de conteúdo positivo, consistente no poder
pelo Poder Público ou por seus delegados, sob qualquer modalidade, é a
de exigir da Administração ou de seu delegado o serviço que um ou outro
cominatória com base no art. 287 do CPC. O essencial é que a prestação
se obrigou a prestar individualmente aos usuários. 14 São direitos públicos
objetivada se consubstancie num direito de fruição individual do servi-
subjetivos de exercício pessoal quando se tratar de serviço uti singuli e o
ço pelo autor, ainda que extensivo a toda uma categoria de beneficiários.
usuário estiver na área de sua prestação. Tais direitos rendem ensejo às
ações correspondentes, inclusive mandado de segurança coletivo, confor- Assim, um serviço de interesse geral e de utilização coletiva uti universi,
me a prestação a exigir ou a lesão a reparar judicialmente. 15 como a pavimentação e a iluminação das vias públicas, não é suscetível
de ser exigido por via cominatória,18 mas os serviços domiciliares, como
Quando se tratar de serviço uti universi os interesses coletivos ou di-
água encanada, telefone, eletricidade e demais utilidades de prestação uti
fusos serão defendidos pelo Ministério Público ou por entidades, públicas
singuli, podem ser exigidos judicialmente pelo interessado que esteja na
ou privadas, voltadas à proteção ao consumidor, na forma do respectivo
área de sua prestação e atenda às exigências regulamentares para a sua
Código (arts. 81 e 82).
obtenção. 19
Antes pairavam dúvidas sobre a viabilidade da ação do particular para
obter em juízo o serviço concedido que lhe fosse recusado ou retardado Mas não só a obtenção do serviço, como também sua regular presta-
pelo concessionário. Imaginava-se, erroneamente, que só o poder conce- ção, constitui direito do usuário. Desde que instalado o equipamento ne-
dente era titular da ação contra o concessionário, incumbindo, portanto, cessário, responde o prestador pela normalidade do serviço e se sujeita às
unicamente à Administração Pública, como fiadora da regularidade do indenizações de danos ocasionados ao usuário pela suspensão da presta-
serviço delegado, regulamentar, fiscalizar e impor sua prestação aos usuá- ção devida ou pelo mau funcionamento. 2o
rios. Devemos ao Conselho de Estado Francês a modificação de tal ponto Além da via cominatória, o Código de Defesa do Consumidor (Lei
de \'ista, ao decidir que o usuário pode exigir diretamente do delegado a 8.078, de 11.9.1990) prevê, em título próprio, outros instrumentos para a
prestação que lhe é devida individualmente, em razão da delegação rece- tutela dos interessesindividuais, coletivos ou difusos em juízo, dispondo,
bida do delegante. 16 Fiel a essa orientação, e com base na melhor doutri- inclusive, sobre a legitimação ordinária e extraordinária para a propositura
na, decidimos pioneiramente que o usuário, como legítimo destinatário do da ação (arts. 81-104).
serviço concedido, dispõe da via cominatória contra o concessionário para
Ampliando ainda mais os direitos dos usuários, a EC 19, de 1998, deu
lhe exigir a prestação pessoal a que se comprometeu perante a Administra-
nova redação ao § 3º do art. 37 da CF para determinar que a lei - lei, essa,
ção Pública - e essa tese vem merecendo o apoio de nossos Tribunais. 17
de cada entidade estatal, pois se trata de matéria de organização administra-
13. Magalhães Colaço, Concessões de Serviços Públicos, pp. 61 e ss. tiva - discipline as formas de participação do usuário na Administração PÚ-
14. Gabino Fraga, Derecho Administrativo, 1948, p. 543. blica direta e indireta, regulando especialmente as reclamações relativas à
15. Nesse sentido julgou o STJ, concedendo em mandado de segurança "legiti-
midade ao usuário para atacar ato de prefeito municipal que altera linha de ônibus de 18. TASP, RT235/492.
transporte intermunicipal na zona urbana da cidade" (RT 739/207). 19. TJDF, RDA 29/248 e 55/144, RT 304/764; TJSP, RT 232/196; TASP, RT
16. Pierre Souty, Recuei! de Jurisprudence en Matiere Administrative, p. 118. 290/425 e 302/506.
17. Nossas sentenças in RDA 25/263 e RT 232/196; e, no mesmo sentido: TJDF, 20. O STJ reconheceu a legitimidade ativa do usuário para impugnar ato do pre-
RDA 55/144, RT304/764; TASP, RT290/425 e 302/506. feito que alterou itinerário de linha de ônibus (RT739/207).
358 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 359

prestação dos serviços públicos em geral, o acesso a informações sobre atos Quanto aos que realizam serviços por delegação do Poder Público
de governo e a disciplina da representação contra a negligência ou abuso no incumbem-lhes também as mesmas obrigações de prestação regular aos
exercício de cargo, emprego ou função na Administração Pública. 21 usuários e, conseqüentemente, os mesmos encargos indenizatórios que te-
ria o Município se os prestasse diretamente, inclusive a responsabilidade
2.4.1 Greve nos serviços essenciais objetiva pelos danos causados a terceiros (CF, art. 37, § 6º). Essa respon-
sabilidade é sempre da entidade (autárquica, fundacional, empresarial ou
A Constituição Federal, ao assegurar o direito de greve, estabeleceu paraestatal), da empresa ou da pessoa física que recebeu a delegação para
que a lei definirá os serviços essenciais e disporá sobre o atendimento das executar o serviço (concessionário, permissionário ou autorizatário), sem
necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º). A Lei federal 7.783, de alcançar o Município, que transfere a execução com todos os seus ônus e
28.6.1989, define como serviços essenciais: o de água, de energia elétrica, vantagens. No entanto, pode o Poder Público responder subsidiariamente
gás e combustíveis; o de saúde; o de distribuição e comercialização de pelos danos resultantes da má prestação do serviço delegado, em si mesmo
medicamentos e alimentos; o funerário; o de transporte coletivo; o de cap- considerado. 23
tação e tratamento de esgoto e lixo; o de telecomunicações; o relacionado As demais responsabilidades decorrentes do serviço público ou de
com substâncias radioativas; o de tráfego aéreo; o de compensação bancá- utilidade pública regem-se, entre a Administração e seus delegados ou
ria e o de processamento de dados ligados a esses serviços (art. 10). contratantes, pelas cláusulas da delegação ou do contrato entre os execu-
Os sindicatos, os empregados e os trabalhadores ficam obrigados, de tores do serviço e seus usuários ou terceiros, pelo respectivo regulamento
comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação desses serviços e normas pertinentes do direito privado, no que concerne à composição de
desde que a greve coloque em perigo iminente a sobrevivência, a saúde danos. 24
ou a segurança da população (art. 11 e parágrafo único). Caso a greve seja
declarada ilegal o sindicato poderá ser condenado a indenizar o prejuízo 3. Obras públicas
causado à população. 22
Quanto ao direito de greve dos servidores da Administração Pública A realização de obras públicas de interesse local é da competência
direta e indireta, "será exercido nos termos e nos limites definidos em lei do Município, constituindo uma das atribuições mais relevantes do gover-
específica" (cf. art. 37, VII, na redação dada pela EC 19, de 1998). no comunal. O conceito de obra, entretanto, pede algumas considerações
precedentes ao estudo da obra pública, para o correto entendimento de seu
significado e de suas implicações na prática administrativa.
2.5 Responsabilidades
Nos serviços públicos ou de utilidade pública prestados diretamente 3.1 Conceito
pela Administração centralizada responde a entidade pública prestadora
pelos danos causados ao usuário ou a terceiros, independentemente da Obra, em acepção ampla, é toda realização material do homem visan-
do a adaptar a Natureza às suas conveniências. Em sentido administrativo
prova de culpa de seus agentes ou operadores, visto que a Constituição
obra é somente construção, reforma ou ampliação em imóvel. Constru-
da República estabelece a responsabilidade objetiva do Poder Público,
ção é a obra originária. É a conjugação de materiais e de atividades empre-
ficando-lhe ressalvada apenas a ação regressiva contra os causadores do
gados na execução de um projeto de engenharia. Reforma é melhoramento
dano quando tiverem agido culposamente (art. 37, § 6º).
na construção, sem aumento de área ou capacidade. Ampliação é alteração
21. Cf. Álvaro Lazzarini, "Consumidor de serviços públicos - Dever de indenizá-
lo enquanto cidadão", RT 774/126. No âmbito da Administração Federal o Decreto 23. É o que ocorre, por exemplo, num serviço delegado de travessia: se a embar-
3.507, de 13.6.2000, dispôs sobre o estabelecimento de padrões de qualidade do aten- cação afundar em decorrência de falha do serviço a responsabilidade do Poder Público
dimento prestado aos cidadãos pelos seus órgãos e entidades, definindo as diretrizes pelos danos aos usuários será subsidiária (não solidária); mas se a embarcação abalroar
normativas para o estabelecimento de tais padrões, e instituiu o Sistema Nacional de outra particular os prejuízos desta serão suportados apenas pelo delegado.
Avaliação da Satisfação do Usuário dos Serviços Públicos. 24. Sobre responsabilidade civil da Administração Pública, v., do Autor, Direito
22. TJSP, Ap. cíveI188.695-l,j. 17.8.1994. Administrativo ... , 34ª ed., 2008, Capítulo X.
360 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 361

da construção, com aumento de área ou capacidade. Essas realizações em preendimentos de utilidade pública, abarcando as construções de serventia
imóveis são consideradas obras, e não serviços. O que caracteriza a obra geral da coletividade urbana e rural (estradas, ferrovias, pontes, portos,
e a distingue do serviço é a predominância do material sobre o trabalho aeroportos, canais, represas, usinas hidrelétricas e atômicas, obras de sa-
(mão-de-obra), pois em toda obra entram serviços, mas estes são supera- neamento, drenagem, irrigação etc.); edificios públicos, para os serviços
dos pelos materiais empregados na estrutura em formação ou modifica- administrativos ou uso do povo (sedes de governo, fóruns, repartições
ção. Essa distinção entre obra e serviço é feita pela Administração Pública públicas em geral etc.). Nessas quatro categorias enquadram-se todas as
tanto para a determinação dos tributos que podem incidir sobre aquela e obras públicas, embora nem todas sejam da competência do Município,
este como para se saber qual a modalidade de licitação a que fica sujeito o pois só lhe estão afetas as de peculiar interesse local.
contrato da obra ou do serviço.25
Obra pública é toda construção, reforma ou ampliação em imóvel 3.3 Contratação
destinada a fins públicos, realizada diretamente pela Administração ou in-
diretamente por seus delegados ou contratantes. O que caracteriza a obra A contratação das obras públicas em geral fica sujeita a licitação
pública é sua destinação ao público ou ao serviço público, sendo indife- pública, observadas as normas gerais da Lei 8.666, de 1993, e as especiais
rentes o modo de sua execução, a pessoa que a executa e o local de sua da legislação municipal pertinente. A obrigatoriedade de procedimento li-
realização. A obra pública é a realização material que a Administração co- citatório consta, agora, da própria Constituição Federal (art. 37, XXI); a
mumente executa sobre um bem público como equipamento ou estrutura dispensa, a inexigibilidade e a vedação de licitação só podem ocorrer nos
para um serviço público a ser oferecido à comunidade; em outros casos é a casos expressos na legislação federal acima citada (Lei 8.666, arts. 24-25,
própria obra que serve diretamente ao público. Pode, ainda, a obra ser im- com a redação dada pela Lei 8.883, de 1994), não sendo permitido às
plantada em terreno particular mas com finalidade pública. Em todas essas normas estaduais ou municipais ampliar os casos de dispensa, inexigibili-
hipóteses será obra pública, desde que destinada ao público ou ao serviço dade e vedação, nem os limites máximos de valor fixados para as diversas
público, variando apenas seu modo de utilização, que pode ser comum do modalidades de licitação, nem reduzir os prazos dos instrumentos convo-
povo ou especial de um serviço destinado ao público, ou mesmo de um catórios e os de interposição e decisão de recurso.
serviço técnico ou administrativo reservado a seus servidores e usuários
específicos. 26
3.4 Execução
3.2 Classificação A execução das obras públicas tanto pode ser feita diretamente pela
Administração centralizada e suas autarquias, como indiretamente por
A classificação das obras públicas, segundo sua destinação, as dis-
seus delegados e contratados particulares. No primeiro caso o Poder PÚ-
tribui em quatro grupos, a saber: equipamento urbano, abrangendo as vias
blico assume as responsabilidades integrais do empreendimento; no se-
e logradouros públicos bem como os demais melhoramentos próprios da
gundo mantém as responsabilidades próprias da Administração e transfe-
cidade (ruas, praças, monumentos, cemitérios, calçamento e canalizações,
re os encargos específicos da execução. Em qualquer hipótese, porém, a
redes de energia elétrica e comunicações, aterros sanitários, estádios, li-
execução da obra pública deve ser precedida de projeto e especificações
nhas de Metrô etc.); equipamentos administrativos, compreendendo as
dentro das normas técnicas adequadas, que são as da Associação Brasileira
instalações e aparelhamentos que servem como meios para execução do
de Normas Técnicas (ABNT), segundo dispõe a Lei 4.150, de 21.11.1962.
serviço administrativo em geral (oficinas, laboratórios, garagens etc.); em-
Além disso, o projeto e sua execução, constituindo trabalhos de engenha-
ria, arquitetura ou agronomia, requerem profissionais habilitados na for-
25. Em outras acepções, obra significa produção intelectual, artística, literária,
jurídica ou científica, indicando também a atividade construtiva em si mesma ou ainda ma da legislação federal pertinente. 27 As obras integrantes das categorias
a construção em andamento. Mas o sentido que nos interessa aqui é o administrativo,
de realização material em imóvel, que, quando destinado a fins públicos, tipifica a 27. O exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrônomo está regulado
obra pública. pela Lei 5.194, de 24.12.1966, e disciplinado por resoluções normativas do Conse-
26. Para maiores esclarecimentos sobre obras públicas, v., do Autor, Licitação e lho Federal de Engenharia e Arquitetura (CONFEA) e atos dos Conselhos Regionais
Contrato Administrativo, 14ª ed., 2ª tir., 2007, Capítulo X, item 1. (CREAs). Os direitos e deveres dos autores de projetos estão abrangidos pela Lei
362 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 363

edificio público e equipamento administrativo ficam sujeitas às normas tar do contrato e exigem estudo mais aprofundado, só cabível em trabalho
gerais da edificação particular, dada sua destinação - finalidades huma- especializado. 29
nas (trabalho, estudo, habitação, recreação etc.) -, razão pela qual devem Ao executar a obra pública ou ao determinar que um construtor a
respeitar o direito dos vizinhos, as normas sanitárias federais e estaduais, execute o Município assume a posição de dono da obra e se coloca na
bem como os regulamentos municipais e as restrições de zoneamento, uso situação de vizinho perante os particulares sujeitos aos seus efeitos, razão
e ocupação do solo urbano, pois não seria compreensível que o Município pela qual responde direta e objetivamente pelos danos que vier a causar
editasse as regras de ordenação da cidade e ele próprio as descumprisse aos vizinhos e terceiros. Ao delegar a execução da obra pública a outra en-
nas suas construções. Aliás, para os edificios públicos federais a sujeição tidade ou a concessionário o Poder Público transfere as responsabilidades
à legislação estadual e municipal está expressamente determinada pela Lei da execução com as mesmas características com que a executaria direta-
125, de 3.12.1935, num magnífico exemplo de respeito da União à auto- mente, pois em qualquer caso a obra continua sendo pública ou de interes-
nomia das entidades menores. Quanto aos equipamentos urbanos e aos se público, permanecendo inalterada a relação civil dano/indenizaç~o para
empreendimentos de utilidade pública, por suas destinações específicas com qualquer membro da comunidade lesado pelo sófato da obra. E o que
e peculiaridades técnicas, não se subordinam aos preceitos do Código de veremos a seguir, analisando primeiramente a responsabilidade originária
Obras ou de Edificações Particulares e normas complementares, sendo
da Administração e, ao depois, a responsabilidade delegada a entidades
executados segundo as exigências do interesse coletivo e de acordo com
estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações
projetos especiais, desvinculados da legislação comum.
públicas), paraestatais e a concessionários que passam a executar obras
Para as obras e serviços públicos em geral a Lei Paulista de Licitação públicas ou de utilidade pública em bens do domínio público, e até mesmo
e Contratos28 indica os seguintes requisitos que podem ser observados nos na propriedade particular.
projetos: segurança; funcionalidade e adequação ao interesse público;
A responsabilidade civil pelos danos da obra pública surge do só fato
economia na execução, conservação e operação; possibilidade de empre-
de sua realização, bastando que a vítima demonstre o nexo causal entre a
go de mão-de-obra, materiais e matérias-primas existentes no local para
execução, conservação e operação;facilidade na execução, conservação obra e os prejuízos suportados. 3o A Administração só se libera dessa res-
e operação, sem prejuízo da durabilidade da obra ou do serviço; ado- ponsabilidade comprovando a culpa exclusiva da vítima ou a ausência de
çcio das normas técnicas adequadas. Essas indicações condensam os mais relação entre a obra e o dano. É a regra do art. 37, § 6º, da CF, que con-
modernos preceitos administrativos para a boa concepção e execução das sagrou a responsabilidade objetiva do Poder Público e de seus delegados
obras públicas, aos quais a mesma lei adita o princípio da padronização pelos atos lesivos aos particulares. No caso de obra pública tal responsa-
para as construções rotineiras, "que não justificam diversificações inúteis bilidade deriva diretamente da construção, que é umfato administrativo,
e onerosas ao Erário", como ponderamos na Exposição de Motivos que razão pela qual a Administração não a descarta nem mesmo quando con-
deu origem à referida lei. trata a execução com um construtor particular. O que pode haver é reforço
da responsabilidade legal objetiva (sem culpa) com a responsabilidade
contratual subjetiva (com culpa) do construtor e do autor do projeto, fi-
3.5 Responsabilidades cando todos solidários na indenização do dano perante a Adminish·ação-
As responsabilidades decorrentes da execução da obra pública po- contratante, se assim for estabelecido no contrato.
dem ser contratuais e extracontratuais. Contratuais são todas aquelas que Essa responsabilidade sem culpa transfere-se às empresas estatais
resultam do ajuste entre a Administração, o autor do projeto, o fiscal ou (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas),
consultor, o construtor, seus empregados e fornecedores de materiais; ex- paraestatais e aos concessionários, aos quais o Poder Público delega a
tracontratuais são as que decorrem de danos a vizinhos e terceiros. Só execução de obras e serviços. Realizando tais obras e serviços em nome
destas cuidaremos neste tópico, pois que as outras dependem do que cons-
29. Sobre todas as responsabilidades decorrentes da obra pública, V., do Autor,
9.610, de 19.2.1998. Ressalte-se que o art. 83 da Lei 5.194, de 1966, foi expressamente Licitação ... , 14ª ed., 2ª tir., Capítulo X.
revogado pela Lei 8.666, de 1993. 30. TFR, RTFR 32/121 e 126; TJSP, RT 189/714, 194/680, 199/310,276/367,
28. Cf. Lei Paulista 6.544, de 22.11.1989, art. 10. 3011246,302/232 e 442/133.
364 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 365

do Poder Público delegante, que só lhes transferiu a execução, e não a titu- ministrativo, e, como tal, sujeito precipuamente às disposições do direito
laridade da construção, esses empreendimentos continuam a ser públicos público e supletivamente aos princípios do direito privado.
ou de utilidade pública não obstante executados por entidades de perso- Feitas essas considerações gerais, passemos a examinar asformas de
nalidade privada. Mas, como a responsabilidade civil perante as vítimas execução dos serviços e obras municipais.
resulta dos danos causados diretamente pela obra ou pelo serviço, é lógico
e justo que sua reparação se faça pelas mesmas regras da responsabilidade
objetiva do Poder Público delegante. Tanto isto é exato que a jurispru- 4. Formas de execução
dência vem admitindo mandado de segurança contra atos de sociedade O Município, como as outras entidades estatais, para executar os ser-
de economia mista e de empresa pública concernentes a obras e serviços viços e obras públicas que lhe competem necessita não só de recursos
delegados, como o admitira de há muito contra ato de concessionário, financeiros e pessoal especializado, como também de meios técnicos e
exatamente porque tais obras e serviços continuam sendo públicos ou de equipamento apropriado. Nem sempre todos os elementos se encontram
utilidade pública, como originariamente o eram. na Prefeitura, razão pela qual em muitos casos terá que confiar a execução
Outra equiparação daquelas entidades privadas aos entes públicos da obra ou do serviço a autarquias ou empresas estatais; a concessionários,
está na admissibilidade legal da ação popular para a invalidação de atos e permissionários ou autorizatários; ou contratá-la com empresas particula-
contratos lesivos ao seu patrimônio (Lei 4.717, de 1965, rui. 1º, ampliado res. Daí as diversificadas modalidades de realização de obras e serviços
em sua abrangência pelo art. 5º, LXXIII, da CF de 1988). Assim, se essas públicos, que podem ser executados por forma centralizada, descentrali-
obras e serviços equiparam seus executores-delegados ao Poder Público- zada ou desconcentrada, como veremos a seguir.
delegante para fins de mandado de segurança e ação popular, deverão
equipará-los também nas ações indenizatórias de danos ocasionados por 4.1 Serviços centralizados, descentralizados e desconcentrados
essas mesmas obras e serviços. Em tais casos a responsabilidade civil é ob- Serviços centralizados são os que o Município detém e realiza por
jetiva (independente de culpa) e não se desnatura pela delegação do Poder seus próprios órgãos, em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsa-
Público, pois este transfere a execução da obra com as mesmas caracterís- bilidade. Nessa modalidade ele é ao mesmo tempo o titular e o executor do
ticas, vaatagens e encargos originários com que a realizaria diretamente. serviço, que permanece integrado na estrutura da Administração centrali-
Se assim não fosse ficaria burlado o princípio constitucional da responsa- zada, agora denominada Administração direta (Decreto-lei 200, de 1967,
bilidade objetiva do Poder Público pelos danos de suas obras e serviços art. 4º, 1).31
aos cidadãos com a só transferência da execução a seus delegados. Serviços descentralizados são todos aqueles que a Administração
Finalmente, de se observar que a obra pública nociva à vizinhança ou Pública transfere sua titularidade ou sua execução, por outorga ou dele-
em construção na propriedade particular não desapropriada regularmen- gação, a autarquias,> fundações, empresas estatais, entes paraestatais, em-
te autoriza a defesa dos prejudicados por via possessória, nunciatória,
cominatória ou demolitória, bem como a ação de indenização se já con- 31. Administração centralizada é a constituída por órgãos da estrutura estatal,
sumados os trabalhos e, havendo ofensa a direito líquido e certo, terá ca- diversamente da Administração descentralizada, que é fonnada por entidades autár-
bimento e procedência até mesmo o mandado de segurança. Se a obra for quicas, estatais e paraestatais que recebem, por outorga ou delegação, a incumbência
de realizar determinados serviços, obras ou atividades públicas ou de interesse públi-
lesiva ao patrimônio público ou o contrato houver sido feito sem licitação, co. Qualquer dessas Administrações pode executar seus serviços, obras e atividades
quando exigível, ou com licitação fraudada, enseja.rá sua invalidação por diretamente por seus órgãos, ou indiretamente por contrato com terceiros. Daí a dis-
ação popular, com a responsabilização dos culpados pelo ajuste lesivo ao tinção entre Administração centralizada e descentralizada e execução direta e indireta.
patrimônio público (Lei 4.717, de 1965, arts. 1º e 4º, III, "a"-"c"). Entretanto, a Constituição da República e o Decreto-lei 200, de 1967, substituíram a
correta denominação de Administração centralizada e descentralizada pela equívoca
Quanto às demais responsabilidades decorrentes da execução da obra designação de Administração direta e indireta, confundindo-as com a execução direta
pública entre a Administração e seus contratantes, empregados e fornece- e indireta de serviços, obras e atividades de ambas as Administrações, pois que tanto a
dores, regem-se pelas cláusulas contratuais e normas legais pertinentes, Administração direta pode prestar seus serViços indiretamente, como a Administração
indireta pode prestá-los diretamente, bastando que o façam, respectivamente, por ter-
tendo-se sempre em vista que todo contrato de obra pública é contrato ad- ceiros (prestação indireta) ou por seus próprios meios (prestação direta).
366 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 367

presas privadas ou particulares individualmente e, agora, aos consórcios ao usuário. Impõe-se, portanto, distinguir prestação centralizada, descen-
públicos (Lei 11.107, de 6.4.2005). Há outorga quando a Administração tralizada ou desconcentrada do serviço, de execução direta ou indireta
cria uma entidade e a ela transfere, por lei, determinado serviço público ou desse mesmo serviço.
de utilidade pública; há delegação quando a Administração transfere, por
contrato (concessão ou consórcio público) ou ato unilateral (permissão 4.1.1 Execução direta e indireta
ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado
o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições Execução direta do serviço é a realizada pelos próprios meios da pes-
regulamentares e sob controle estatal. soa responsável pela sua prestação ao público, seja esta pessoa estatal,
A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado é fundamen- autárquica, fundacional, empresarial, paraestatal, empresa privada ou par-
tal, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou ticular. Considera-se o serviço em execução direta sempre que o encarre-
modificado, e este tem apenas sua execução traspassada a terceiro, por gado de seu oferecimento ao público o realiza pessoalmente, ou por seus
ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo quê pode ser revogado, órgãos, ou por seus prepostos (não por terceiros contratantes). Para essa
modificado e anulado como o são os atos dessa natureza. A delegação é execução não há normas especiais, senão aquelas mesmas constantes da
menos que outorga, porque esta traz uma presunção de definitividade, e lei instituidora do serviço, ou consubstanciadora da outorga, ou autoriza-
aquela, de transitoriedade, razão pela qual os serviços outorgados o são, dora da delegação a quem vai prestá-lo aos usuários.
nonualmente, por tempo indeterminado, e os delegados, por prazo certo, Execução indireta do serviço é a que o responsável pela sua prestação
para que ao seu término retornem ao delegante. Mas em ambas as hipó- aos usuários comete a terceiros para realizá-lo nas condições regulamen-
teses o serviço continua sendo público ou de utilidade pública, apenas tares. Serviço próprio ou delegado, feito por outrem, é execução indireta.
descentralizado, contudo sempre sujeito aos requisitos originários, e sob Portanto, quer a Administração direta, quer a Administração indireta (au-
regulamentação e controle do Poder Público que o descentralizou. tarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista),
A descentralização pode ser territorial ou geográfica (v.g., da União como também os entes de cooperação (serviços sociais autônomos, organi-
aos Estados-membros, e destes aos Municípios) ou institucional, que é zações sociais etc.) ou as empresas privadas e particulares que receberem
a que se opera com a transferência do serviço ou simplesmente de sua serviços públicos ou de utilidade pública para prestar aos destinatários,
execução da entidade estatal para suas autarquias,fundações, empresas podem, em certos casos, executar indiretamente o serviço, contratando-o
estatais, entes paraestatais e delegados particulares. (não delegando) com terceiros.
Serviços desconcentrados são aqueles que a Administração executa A possibilidade da execução indireta depende, entretanto, da natureza
centralizadamente mas distribui entre vários órgãos da mesma entidade, do serviço, pois alguns existem que não admitem substituição do executor
para facilitar sua realização e obtenção pelos usuários. A desconcentra- - como, por exemplo, os de polícia - e para outros a própria outorga ou
ção é uma técnica administrativa de simplificação e aceleração do ser- delegação proíbe o traspasse da execução. Mas o que se deseja acentuar é
viço dentro da mesma entidade, diversamente da descentralização, que é ri
que a execução indireta é meio de realização do serviço, que tanto pode
uma técnica de especialização consistente na retirada do serviço de uma ser empregado pelo Estado como por aqueles a quem ele transferiu o ser-
entidade e transferência a outra para que o execute com mais perfeição e viço ou sua prestação aos usuários, observando-se, ainda, que execução
autonomia. Não obstante essa nítida distinção conceitual, nossa legisla- indireta não se confunde com prestação descentralizada, desconcentrada
ção confunde freqüentemente desconcentração com descentralização, a e centralizada de serviço, que se referem à forma de prestação desse mes-
exemplo do Decreto-lei 200, de 1967, que, tendo erigido a descentraliza- mo serviço, e não ao meio de sua execução. 32
ção num dos princípios fundamentais da Reforma Administrativa Federal
(art. 6º, lU), indica providências que caracterizam desconcentração, e não 32. Para maiores esclarecimentos sobre serviços públicos, v. o Capítulo VI do
descentralização (art. 10, § 1º, "a", e outros). Direito Administrativo ... , 34ª ed., do Autor, e também a excelente monografia de Cel-
Os serviços centralizados, descentralizados ou desconcentrados ad- so Antônio Bandeira de Mello, Prestação de Serviços Públicos ... , 2ª ed., 2ª tir., São
Paulo, Ed. RT, 1983. v., também: do mesmo autor, Curso ... , 25ª ed., 2008, Capítulos
mitem execução direta ou indireta, porque isto diz respeito à sua implan- XI e XII; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., pp. 94 e ss.,
tação e operação, e não a quem tem a responsabilidade pela sua prestação e Parcerias ... , 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1999.
368 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 369

4.2 Instrumentos de descentralização A autarquia é forma de descentralização administrativa, através da


personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Por
Feitas essas considerações de ordem geral, vejamos agora asformas essa razão, à autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não
descentralizadas de prestação de serviços públicos e de utilidade pública atividades industriais ou econômicas, ainda que de interesse coletivo. Para
que se outorgam às autarquias,jimdações, empresas estatais e entidades estas a solução correta é a outorga às empresas governamentais criadas
paraestatais, ou se delegam aos consórcios públicos previstos pela Lei para esse fim, ou delegação a empresas privadas, mediante concessão ou
11.107, de 2005, aos concessionários, permissionários e autorizatários, permissão. Serviços de interesse coletivo mas não exclusivos do Estado,
ou se executam por acordos sob a modalidade de convênios e consórcios principalmente nas áreas de saúde, ensino, cultura, meio ambiente e pes-
administrativos. quisa científica e tecnológica, podem ser delegados a entidades particu-
lares, para esse fim qualificadas como organizações sociais (Lei federal
4.2.1 Autarquias 9.637, de 15.5.1998).
4.2.1.1. Conceito - Autarquias 33 são entes administrativos autônomos, Autarquia é pessoa jurídica de direito público, com função pública
criados por lei específica, com personalidade jurídica de direito público própria e típica, outorgada pelo Estado, não se confundindo com as fun-
interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. São entes dações de direito privado, nem com as empresas governamentais, e menos
autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com au- ainda com os entes de cooperação (serviços sociais autônomos e organiza-
tarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo as ções sociais). Todas estas entidades são pessoas jurídicas de direito priva-
leis editadas pela entidade que a criou. do, como veremos adiante, motivo pelo qual os privilégios administrativos
O conceito de autarquia é meramente administrativo; o de autonomia (não os políticos) do Estado se transmitem natural e institucionalmente
às autarquias, sem beneficiar aqueloutras entidades, senão quando lhes
é precipuamente politico. Daí estarem as autarquias sujeitas ao controle
são atribuídos por lei especial. E, por fim, assinale-se esta diferença: a
da entidade estatal a que pertencem, enquanto as autonomias permanecem
personalidade da autarquia, por ser de direito público, nasce com a lei que
livres desse controle e só adstritas à atuação política das entidades maiores
a institui, independentemente de registro; a personalidade das fundações,
a que se vinculam, como ocorre com os Municípios Brasileiros (autono-
empresas governamentais e dos entes de cooperação, por ser de direito
mias) em relação aos Estados-membros e à União. 34
privado, nasce com o registro de seu estatuto, elaborado segundo a lei que
autoriza sua criação.
33. Sobre autarquias no Direito Brasileiro, consultem-se: Tito Prates da Fonseca,
Autarquias Administrativas, São Paulo, 1935; Celso Antônio Bandeira de Mello, Natu- A doutrina moderna é concorde no assinalar as características das
reza e Regime Jurídico das Autarquias, São Paulo, 1968, e Curso ... , 25ª ed., 2008, pp. entidades autárquicas, ou seja: sua criação por lei especifica com per-
160 e ss.; Caio Tácito, "Conceito de autarquia", RDP 4/24; José Martins Rodrigues, sonalidade de direito público, patrimônio próprio, capacidade de auto-
"Autarquia", RDA 33/500; Antão de Moraes, "Autarquia", RDA 59/497; Manoel de
Oliveira Franco Sobrinho, "Noção jurídica de autarquia", RT 131/3; Odete Medauar,
administração sob controle estatal e desempenho de atribuições públicas
Confrole Administrativo das Autarquias, São Paulo, 1976; Maria Sylvia Zanella Di típicas. Sem a conjunção desses elementos não há autarquia.
Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., pp. 358 e ss. A autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com
34. Advertimos que as denominadas autarquias territoriais do Direito Italiano autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei
contemporâneo diferem fundamentalmente das nossas autarquias administrativas ou que a criou. 35 Como pessoa jurídica de direito público interno a autarquia
institucionais, de que cuidamos neste estudo. As chamadas autarquias territoriais
equivalem às nossas autonomias políticas, pois nelas se enquadram as Regiões, as traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal
Províncias e as Comunas Italianas, sem símile perfeito no direito público brasileiro, que lhe deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hie-
porque o Brasil é uma República Federativa e a Itália é uma República Regional. v., a rárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque
propósito, a excelente monografia de Alberto Ronchey, Le Autonomie Regionali e la i
I
Costituzione, pp. 53 e ss. 35. Francesco D' Alessio, Istituzioni di Diritto Amministrativo, v. I, p. 199; Guido
Advertimos, ainda, que mesmo as autarquias administrativas estrangeiras não Zanobini, Corso di Diritto Amministrativo, v. I, p. 139; Tito Prates da Fonseca, Autar-
coincidem com as nossas, pelo quê a doutrina alienígena nessa matéria só pode ser quias Administrativas, 1935, p. 79; Celso Antônio Bandeira de Mello, Natureza ... , pp.
invocada com reservas e adaptações ao sistema administrativo brasileiro. 276 e ss., e Curso ... , 25ª ed., 2008, p. 161.

J
370 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 371

se isto ocorresse anularia seu caráter autárquico. 36 Há mera vinculação à 4.2.1.2 Caracteres - A autarquia, sendo um prolongamento do Poder
entidade-matriz, que, por isso, passa a exercer um controle legal, expresso Público, uma longa manus do Estado, deve executar serviços próprios do
no poder de correção finalística do serviço autárquico. Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilégios
"A autarquia - explica Arturo Lentini - não é outra coisa senão uma da Administração-matriz, e passíveis dos mesmos controles dos atos ad-
forma específica de capacidade de direito público, própria daqueles su- ministrativos. O que diversifica a autarquia do Estado são os métodos
jeitos auxiliares do Estado, que exercem função pública por um interesse operacionais de seus serviços, mais especializados e mais flexíveis que os
da Administração centralizada.
próprio que seja igualmente público, e não daqueles que exercem funções
públicas na qualidade de privados (entes paraestatais), com ou sem inte- Embora identificada com o Estado, a autarquia não é entidade esta-
resse próprio".37 tal; é simples desmembramento administrativo do Poder Público. E, assim
sendo, pode diversificar-se das repartições públicas para se adaptar às exi-
Aproximando-se da boa doutrina, mas com defeitos de redação e gências específicas dos serviços que lhe são cometidos. Para tanto, assume
omitindo a personalidade de direito público, que é essencial, o Decreto-lei as mais variadas formas e se rege por estatutos peculiares à sua destinação.
200, de 1967, assim conceitua: "Autarquia - o serviço autônomo, cria- Essa necessidade de adaptação dos meios aos fins é que justifica a criação
do por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para de autarquias, com estrutura adequada à prestação de determinados servi-
executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para ços públicos especializados.
seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentra- Como se vê, as autarquias prestam-se à realização de quaisquer ser-
lizada" (art. 5Q , I). viços públicos típicos, próprios do Estado, mas são indicadas especifi-
Essa conceituação legal, só cogente para a Administração Federal, camente para aqueles que requeiram maior especialização ou imposição
tem o mérito de impedir que a União outorgue às suas autarquias serviços estatal, e que, conseqüentemente, exijam organização adequada, autono-
impróprios do Poder Público, ou seja, atividades econômicas específicas mia de gestão e pessoal especializado, liberto da burocracia comum das
da iniciativa privada, que só podem ser exploradas, suplementaffi1ente, repartições centralizadas.
por empresas públicas e sociedades de economia mista, na forma estabele- A instituição das autarquias - ou seja, sua criação - faz-se por lei
cida pela Constituição Federal (art. 173 e §§). Com essa limitação obviam- específica (CF, art. 37, XIX), mas a organização se opera por decreto,
se, no âmbito federal, as freqüentes distorções que se vinham observando que aprova o regulamento ou estatuto da entidade, e, daí por diante, sua
no sentido de se atribuir atividades empresariais a autarquias, e serviços implantação se completa por atos da Diretoria, na forma regulamentar ou
públicos a empresas estatais, gerando insolúveis problemas jurídicos, ad- estatutária, independentemente de quaisquer registros públicos.
ministrativos e tributários na sua organização e operação. O patrimônio inicial das autarquias é formado com a transferência de
Resta-nos esclarecer que, sendo a autarquia um instrumento de des- bens móveis e imóv.eis da entidade-matriz, os quais se incorporam ao ativo
centralização de serviço público, pode ser criada por qualquer entidade da nova pessoa jurídica. A transferência de imóveis ou é feita diretamente
estatal- União, Estado-membro, Município -, desde que atenda aos requi- pela lei instituidora - caso em que dispensa o registro -, ou a lei apenas
sitos fOffi1ais e materiais de sua instituição, organização e funcionamento. autoriza a incorporação, a qual se efetivará por termo administrativo ou
Na autonomia político-administrativa das entidades estatais para prover os por escritura pública, para a necessária transcrição no Registro Imobiliá-
serviços públicos de sua competência está implícito o poder de descentra- rio competente. O que não se admite é a transferência de domínio de bens
lizá-los em autarquias, para que sejam realizados com maior eficiência e imóveis por decreto ou qualquer outro ato administrativo unilateral.
adequação ao interesse coletivo. 38 Os bens e rendas das autarquias são considerados patrimônio públi-
co, mas com destinação especial e administração própria da entidade a que
foram incorporados, para realização dos objetivos legais e estatutários.
36. Umberto Fragola, Diritto Amministrativo, p. 109; Miguel Reale, "Da recorri-
bilidade dos atos administradores das autarquias", RDA 23/4.
Daí por que podem ser utilizados, onerados e alienados, para os fins da
37. Istituzioni di Diritto Amministrativo, Milão, 1939, p. 77.
instituição, na forma regulamentar ou estatutária, independentemente de
38. O STF entende que a autarquia interestadual é inviável (RTJ 141/273, Infor- autorização legislativa especial, salvo para os bens imóveis (Lei 8.666, de
mativo STF 247, ACOr 503-RS, reI. Min. Moreira Alves, j. 25.10.2001). 1993, art. 17, I), porque essa autorização está implícita na lei que a criou e
372 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 373

lhe outorgou os serviços com os conseqüentes poderes para bem executá- 37, XXI, da CF, sendo nulos quando não a realizarem ou fraudarem o pro-
los. Por essa razão, os atos lesivos ao patrimônio autárquico são passíveis cedimento licitatório (Lei 4.717, de 1965, arts. 1º e 4º, III, IV-V).
de anulação por ação popular (Lei 4.717, de 1965, art. 1º). Por idêntico O pessoal de cada autarquia está sujeito ao regime jurídico previsto
motivo, extinguindo-se a autarquia, todo o seu patrimônio reincorpora-se pela lei da entidade-matriz. Assim, após a ECI19, que suprimiu a obrigato-
no da entidade estatal que a criou. 39 riedade de um regime jurídico único, a lei local, no âmbito do Município,
A jurisprudência dominante tem sustentado que as autarquias, dis- poderá estabelecer o mesmo regime dos servidores da Administração di-
pondo de patrimônio próprio, respondem individualmente por suas obri- reta ou regime próprio, para todas ou para determinada autarquia. As proi-
gações e se sujeitam aos pagamentos a que forem condenadas, sem res- bições de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções atingem
ponsabilidade das entidades estatais a que pertencem;40 mas o rigor dessa também os servidores das autarquias, nos expressos termos dos incisos
orientação nos parece excessivo, pois, exaurindo-se os recursos autárqui- XVI-XVII do art. 37 da CF. Por outro lado, para efeitos criminais (CP, art.
cos - que são também patrimônio público -, não vemos como possa a 327) os servidores e dirigentes de autarquias igualam-se a "funcionários
Fazenda Pública eximir-se da responsabilidade subsidiária para o resgate públicos", na terminologia dessa norma, que ainda se refere a "funcio-
dos débitos restantes. 41 nários públicos", quando, hoje, são todos "servidores públicos". Para as
O orçamento das autarquias é formalmente idêntico ao das entidades sanções decorrentes de atos de improbidade administrativa são agentes
estatais, com as peculiaridades indicadas nos arts. 107-110 da Lei 4.320, públicos (Lei 8.429, de 1992, art. 21).
de 1964, e adequação ao disposto no art. 165, § 5º, da CF. Se, não obstante, a autarquia se dedicar à exploração de atividade eco-
Os dirigentes das autarquias são investidos nos respectivos cargos na nômica impõe-se-lhe, por força do art. 173, § 1º, da CF, nas relações de
forma que a lei ou seu estatuto estabelecer. Tendo em vista o modelo fe- trabalho com seus empregados, o mesmo regime das empresas privadas. 43
deral (art. 52, III, "f', da CF), o STP tem decidido pela validade de norma
legal, estadual ou municipal, que prevê a participação legislativa na sua 4.2.1.3 Privilégios - as autarquias brasileiras nascem com os privi-
nomeação. 42 légios administrativos (não políticos) da entidade estatal que as institui,
auferindo também as vantagens tributárias e as prerrogativas processuais
Os atos dos dirigentes das autarquias equiparam-se aos atos admi-
da Fazenda Pública, além dos que lhes forem outorgados por lei especial,
nistrativos, e, por isso, devem observar os mesmos requisitos para sua
como necessários ao bom desempenho das atribuições da instituição. 44
expedição, com atendimento específico das normas regulamentares e es-
tatutárias da instituição, sujeitando-se aos controles internos e ao exame Presentemente, salvo omissão de nossa parte, os privilégios das au-
de legalidade pelo Judiciário, pelas vias comuns (ações ordinárias) ou es- tarquias, em geral, são os seguintes: imunidade de impostos sobre seu
peciais (mandado de segurança e ação popular). patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou
delas decorrentes (CF, art. 150, § 2º); prescrição qüinqüenal de suas dí-
Os contratos das autarquias estão sujeitos a licitação por expressa
vidas passivas (Decreto-lei 4.597, de 19.8.1942); execução fiscal de seus
determinação do art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666, de 1993, e do art.
créditos inscritos (CPC, art. 578); ação regressiva contra seus servido-
res culpados por danos a terceiros (CF, art. 37, § 6º); impenhorabilida-
39. v., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., 2008, Capítulo VIII, item l.
de de seus bens e rendas (CF, art. 100 e §§); impossibilidade de usucapião
40. STF, RF 194/163, RT 153/301, RDA 59/333. Contra: STF, RT 141/779.
de seus bens imóveis (Decreto-lei 9.760, de 5.9.1946, art. 200); recurso
4l. Nesse sentido, v.: Tito Prates da Fonseca, Autarquias ... , 1938, pp. 111 e ss.;
Celso Antônio Bandeira de Mello, Natureza ... , pp. 465 e ss. de ofício nas sentenças que julgarem improcedente a execução de seus
42. O STF entendeu que, "à vista da cláusula final de abertura do art. 52, 1Il, 'f', créditos fiscais (CPC, art. 475, III; STF, Súmula 620); prazo em quádru-
da CF de 1988, é válida a norma legal, federal, estadual ou municipal, que subordi- plo para contestar e em dobro para recorrer (CPC, art. 188, e Decreto-lei
na a nomeação de dirigentes de autarquias ou fundações públicas a prévia aprovação 7.659, de 21.6.1945); pagamento de custas só a final, quando vencidas
do Legislativo" (ADln-MC 1.949-0, DJU 25.11.2005, v.u.). "Nomeação de dirigentes (CPC, art. 27); juízo privativo da entidade estatal a que pertencem (CF,
de autarquias e fundações públicas pelo Governador do Estado, após aprovação das
indicações pela Assembléia Legislativa. Observância ao modelo federal, que prevê a
participação legislativa na nomeação de dirigentes de autarquias ou fundações públicas 43. STF, Pleno, ADln 83-7-DF, DJU 18.10.1992.
(CF, artigo 52, I1I, 'f'). Vício de inconstitucionalidade. Inexistência" (ADln 1.281-PA, 44. O art. 8º da Lei federal 8.620, de 5.l.1993, assegura ao INSS as mesmas
DJU23.4.2004). prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública.
374 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 375

art. 109, I); ampliação do prazo para desocupação de prédio locado para suas autarquias. Mas esse controle não é pleno, nem ilimitado. É restrito
seus serviços, quando decretado o despejo (Lei 8.245, de 18.10.1991, art. aos atos da administração superior e limitado aos termos da lei que o esta-
63, § 3º); não sujeição a concurso de credores ou a habilitação de crédito belece, para não suprimir a autonomia administrativa dessas entidades. 46
em falência, concordata ou inventário para cobrança de seus créditos; re- Observamos, todavia, que os desmandos administrativos e o excesso de
tomada dos bens havidos ilicitamente por seus servidores (Lei 8.429, de despesas das autarquias levaram o governo, na esfera federal, a estabele-
1992); impedimento de acumulação de cargos, empregos e funções para cer rígidos controles financeiros.
seus servidores (CF, art. 37, XVI-XVII); dispensa de exibição de instru- Sendo as autarquias serviços públicos descentralizados, personaliza-
mento de mandato em juízo, pelos procuradores de seu quadro, para os dos e autônomos, não se acham integradas na estrutura orgânica do Exe-
atos ad judicia. O art. 962 do CC não mais prevê preferências entre as três cutivo, nem hierarquizadas a qualquer chefia, mas tão-somente vinculadas
Fazendas Públicas. à Administração direta, compondo, separadamente, a Administração indi-
Além desses privilégios, expressos ou implícitos nas leis vigentes, reta do Estado com outras entidades autônomas (fundações, empresas pú-
reputamos extensíveis às autarquias municipais quaisquer outros de cará- blicas e sociedades de economia mista). Por esse motivo não se sujeitam
ter administrativo (não político) que sejam concedidos genericamente ao ao controle hierárquico do prefeito, mas sim a um controle diverso, finalís-
Município, tendo em vista facilitar o desempenho dos serviços públicos. tico, atenuado, normalmente de legalidade e excepcionalmente de mérito,
Advertimos, entretanto, que os privilégios específicos de determinadas en- visando unicamente a mantê-las dentro de suas finalidades institucionais,
tidades ou órgãos estatais centralizados (v.g., justiça, polícia, serviços sa- enquadradas no plano global da Administração a que se vinculam e fiéis
nitários etc.) não se estendem às autarquias, como a elas não se transferem às suas nonnas regulamentares. É um controle de orientação e correção
as prerrogativas políticas e o poder normativo das autonomias territoriais: superiores, só apreciando os atos internos e a conduta funcional de seus
Estados-membros, Municípios e Distrito Federal. Daí por que as autar- dirigentes em condições especialíssimas, autorizadas por lei. 47
quias não se igualam às entidades estatais, nem se sobrepõem a qualquer Daí a oportuna advertência de Maspétiol e Laroque: "Não há, por-
delas em direitos ou poderes públicos, ainda que pertençam a uma entida- tanto, poderes gerais de tutela; há medidas particulares de tutela, que a
de político-administrativa de grau superior. lei concede a certas autoridades com o escopo de salvaguardar o inte-
Entre as autarquias deve ser observada a mesma precedência fede- resse geral contra os interesses particulares das coletividades descentra-
ral, estadual ou municipal caso concorram seus interesses sobre o mes- lizadas e de assegurar a unidade de conduta de todas as pessoas morais
l
mo objeto, mas entre autarquias e entidades estatais hão de prevalecer I administrativas".48 Tal doutrina está sumulada nesta máxima do Direito
sempre as prerrogativas destas sobre as daquelas, por superior na ordem I Francês: Pas de tutelle sans texte; pas de tutelle au delà des textes.
~.
constitucional a posição das entidades político-administrativas (União, O inegável é que a autonomia administrativa da autarquia é um direi-
Estados-membros e Municípios) em relação à das entidades meramente to subjetivo públicC!, oponível ao próprio Estado quando o infrinja. Diante
administrativas (autarquias). Essa realidade jurídica impede que qualquer rt disto, o controle autárquico só é admissível nos estritos limites e para os
autarquia dispute preferência com as entidades estatais, ou a elas se sobre- r fins que a lei o estabelecer. 49
~
ponha em direitos e vantagens, ainda que o ente autárquico pertença a uma
esfera estatal de grau superior. 46. v., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo XI, item 3, sobre

I
controle administrativo.
47. A. Nogueira de Sá, Do Controle Administrativo sobre as Autarquias, pp. 83
4.2.1.4 Controle autárquic0 45 - É a vigilância, orientação e correção e ss.; Afonso Almiro, Controle Financeiro das Autarquias, pp. II e ss.; Tito Prates da
que a entidade estatal exerce sobre os atos e a conduta dos dirigentes de Fonseca, Autarquias Administrativas, 1935, pp. 93 e ss.; Celso Antônio Bandeira de
Mello, Natureza ... , pp. 426 e ss.; Odete Medauar, Controle Administrativo das Autar-
45. Alguns autores ainda usam as expressões tutela administrativa ou tutela quias, São Paulo, 1976, pp. 65 e ss.
48. Maspétiol e Laroque, La Tutelle Administrative, p. 276. No mesmo sentido:
autárquica, mas o correto é dizer-se controle administrativo ou controle autárquico,
como acentuam os modernos administrativistas (cf. Marcel Walline, Traité de Droit \ Horacio Heredía, ContraI Administrativo sobre los Entes Autárquicos, pp. 26 e ss.;
Administratif, p. 424; Georges VedeI, Droit Administratif, v. lI, p. 418; Duez e De- Léon Michoud, Théorie de la Personnalité Morale, v. 11, pp. 297 e ss.

l
beyre, Traité de Droit Administratif, p. 69; Jean Rivero, Droit Administratif, pp. 272 e 49. Cino Vitta, Diritto Amministrativo, v. I, p. 140. No mesmo sentido: Celso
ss.; André de Laubadere, Traité de Droit Administratif, v. 11, p. 90). Antônio Bandeira de Mello, Natureza ... , p. 436.
376 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 377

No âmbito municipal o controle das autarquias realiza-se na tríplice porém, nessa lei orgânica da Administração Pública Federal, ou em qual-
linha política, administrativa e financeira, mas adstritos todos esses con- quer outra, diferenciação entre autarquias comuns e autarquias de regime
troles aos termos da lei que os instituir. O controle político normalmente especial" .50
se faz pela aprovação do nome de seus dirigentes pela Câmara e nomeação O que posiciona a autarquia como de regime especial são as regalias
pelo Executivo; o controle administrativo se exerce através da supervisão que a lei criadora lhe confere para o pleno desempenho de suas finalidades
executiva do prefeito, bem como por meio de recursos administrativos específicas, observadas as restrições constitucionais. 51
internos e externos, na forma regulamentar; o controle financeiro se opera Recentemente vêm sendo criadas agências executivas e reguladoras,
nos moldes da Administração direta, inclusive prestação de contas ao Tri- sob forma de autarquias de regime especial. De outra parte, a Lei 11.107,
bunal competente, por expressa determinação constitucional (arts. 70-71, de 6.4.2005, criou as associações públicas ou pessoas jurídicas de direi-
lI). Neste ponto é oportuno relembrar que o orçamento das autarquias é to privado resultantes de consórcios públicos entre os entes federativos,
aprovado por decreto do Executivo, salvo se lei especial determinar que o como veremos adiante.
seja pelo Legislativo (Lei 4.320, de 1964, art. 107).
O afastamento dos dirigentes de autarquia é admissível nos casos re- 4.2.3 Agências
gulamentares ou, na omissão, quando sua conduta configurar infração pe- As agências, cujo modelo foi retirado do direito administrativo norte-
naI, ilícito administrativo previsto para os servidores públicos em geral ou americano, são órgãos com funções reguladoras, controladoras e fiscaliza-
desmandos na Administração; mas, ainda aqui, a intervenção estatal deve doras, ou qualificados para implementar uma estratégia de reestruturação
ser acompanhada de processo adequado à apuração das responsabilidades e desenvolvimento institucional, por via de contrato de gestão celebrado
funcionais. A destituição sumária dos administradores autárquicos, quando com o Ministério incumbido de sua supervisão.
investidos por prazo determinado ou representantes de determinada clas- O pretexto de sua adoção, na órbita da Administração Pública, tem
se, se nos antolha injurídica e ofensiva da autonomia administrativa de tais sido a sua maior liberdade de atuação e independência frente ao Poder
entidades, como também lesiva de direito subjetivo de seus dirigentes. O Executivo e, com isso, a possibilidade de melhor desempenho do papel
poder de intervenção não é discricionário, mas vinculado aos pressupostos regulatório. 52
finalísticos do serviço autárquico. Daí por que não se pode admitir o con-
trole substitutivo ao talante da entidade estatal a que pertence a autarquia, 50. Ensino Superior Oficial, parecer dado ao Conselho Federal de Educação em
sem que o ato interventivo se conforme com as normas institucionais ou 3.6.1981 e publicado pela UFRJ, p. 6. V. também: Eurípedes Carvalho Pimenta, "Au-
regulamentares do serviço descentralizado. tarquias de regime especial - Limites de tutela", RDPG 16/475, e Ana Cândida da
Cunha Fen·az, "O regime especial das autarquias educacionais", RDPG 17/201.
Pelas Leis 8.429, de 2.6.1992, e 8.730, de 10.11.1993, a posse e o 51. São considerados autarquias de regime especial o Banco Central do Brasil
exercício de agente público autárquico, de fundação pública e de empre- (Lei 4.595, de 1964), a.Comissão Nacional de Energia Nuclear (Lei 4.118, de 1962), a
sas governamentais ficam condicionados à apresentação de declaração de Universidade de São Paulo (Decreto-lei 13.855, de 1944, e Decretos 52.326, de 1969,
I'
bens, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal competente (art. 13). I e 52.906, de 1972), bem como as entidades encarregadas, por lei, dos serviços de fis-
~
i calização de profissões regulamentadas (OAB, CONFEA e congêneres), dentre outras
! que ostentam características próprias na sua organização, direção, operacionalidade e
4.2.2 Autarquias de regime especial r gestão de seus bens e serviços. De fato, a Lei 9.649, de 27.5.1998, no art. 58, estabelece
f que os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em ca-
Algumas leis referem-se a autarquias de regime especial, sem definir f ráter privado, por delegação do Poder Público, mediante autorização legislativa, além
seu conteúdo. Diante dessa imprecisão conceitual, é de se dizer que au- de dispor sobre sua organização em geral, inclusive sobre a competência da Justiça
tarquia de regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir
f
,
! Federal para apreciação das controvérsias sobre o exercício daqueles serviços. Não
obstante, o STJ (CComp 23 .570-RJ, DJU9.11.1998) vem entendendo que as entidades
privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com criadas anteriormente por leis específicas que lhes outorgaram personalidade de direito
as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinen- público mantêm essa característica, uma vez que somente por outra lei específica (para
tes a essas entidades de personalidade pública. \ cada uma daquelas entidades) é que tais diplomas poderiam ser revogados (lei especial
somente por lei especial pode ser revogada).
Bem por isso, Caio Tácito, referindo-se ao conceito de autarquia dado \ 52. Cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., pp.
pelo art. 5º do Decreto-lei 200, de 1967, advertiu que: "Não se qualificou, 391-393. V. também Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso ... , 25ª ed., p. 170.

1
fi
"

378 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 379

Anotando tratar-se de um modismo introduzido no direito brasileiro Brasileiro. A maior novidade talvez venha sendo a instituição das agências
e difundido pelo mundo em decorrência do movimento da globalização, reguladoras que vêm assumindo o papel que o Poder Público desempenha
Maria Sylvia Zanella Di Pietro salienta: "Enquanto no sistema europeu- nas concessões e pennissões de serviços públicos e na concessão para ex-
continental, em que se inspirou o Direito Brasileiro, a Administração ploração e produção de petróleo. É o caso daANATEL (Agência Nacional
Pública tem uma organização complexa, que compreende uma série de de Telecomunicações), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e
órgãos que integram a Administração direta e entidades que compõem a ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Administração indireta, nos Estados Unidos toda a organização adminis- Vejamos, separadamente, as agências executivas e as agências regu-
trativa se resume em agências (vocábulo sinônimo de ente administrativo, ladoras.
em nosso Direito), a tal ponto que se afinna que 'o direito administrati-
vo norte-americano é o direito das agências' (cf. EloÍsa Carbonell et a!.,
4.2.4 Agências executivas
1996:22)".53
Observa a renomada autora que, nos Estados Unidos existem vários A lei que dispõe sobre a organização administrativa federal - Lei
tipos de agências, dentre os quais as reguladoras e as não-reguladoras, 9.649, de 27.5.1998 (art. 51) - estabelece que o Poder Executivo poderá
confonne tenham ou não poderes nonnativos, delegados pelo Congresso, qualificar como agência executiva autarquia ou fundação que tenha em
para baixar nonnas que afetem direitos, liberdades ou atividades econômi- andamento umplano estratégico de reestruturação e desenvolvimento ins-
cas dos cidadãos. Outra distinção lá existente é entre agências executivas titucional e celebre com o Ministério supervisor um contrato de gestão. O
e agências independentes, sendo os dirigentes das primeiras livremente referido plano estratégico definirá as diretrizes, políticas e medidas vol-
destituídos pelo presidente da República, e os das segundas protegidos tadas para o fortalecimento institucional da entidade e ampliação de sua
por maior estabilidade, porque só podem perder seus cargos por razões autonomia, cujos aspectos básicos deverão constar do contrato de gestão,
previstas em lei. Outra característica das agências norte-americanas é a de que terá o prazo mínimo de um ano.
que exercemfitnções quase-legislativas, porque editam nonnas, efitnções Como se vê, a agência executiva não é uma entidade nova, instituída
quase-judiciais, porque resolvem detenninados conflitos de interesses, com essa denominação, mas deriva de W' ':':alificação dada a uma au-
detenninando o Direito aplicável para solucioná-los. E é justamente a de- tarquia ou fundação preexistente cOl1: c,ic{.:;rauél «pta a implementar uma es-
legação do poder legislativo que vem ocasionando o desinteresse jurídico tratégia de reestruturação e desen~(llvil11f"nt0 institucional, por via de con-
pelas agências naquele país, em face da indelegabilidade desse poder, de- i
I trato de gestão, celebrado com o MinÍ:,;tei ,'..umbido de sua supervisão.
corrente do princípio da separação de Poderes, bastante rígido no Direito O objetivo do preceito legal é aumentar a eficiência da autarquia
Norte-Americano. tf. ou fundação, mediante a ampliação de sua autonomia, paralelamente à
·r
A rigor, no nosso direito administrativo, a novidade é mais de fonna responsabilidade de seus administradores. O controle far-se-á através do
do q uc de conteúdo, posto que já existem entidades no Brasil, especialmen- contrato de gestão; que deverá prever a fixação de metas de desempenho
te autárquicas, com maior independência em relação ao Poder Executivo, para a entidade, estabelecendo os prazos de sua realização ..' os critérios de
como ocorre com as Universidades Públicas, a Ordem dos Advogados do avaliação de desempenho, confonne previsto no art. 37, ~ , . da CF.
Brasil (OAB) e outras entidades em que os dirigentes dispõem de man- A qualificação da autarquia ou fundação como agência executiva, efe-
dato fixo, não podendo ser livremente exonerados pelo Poder Executivo, tuada por ato específico do Chefe do Executivo, pennitirá que ela ingresse
como também existem inúmeras entidades que exercem função regulado- em um regime especial, usufruindo de detenninadas vantagens previstas
ra, ainda que de constitucionalidade bastante duvidosa; é o caso do Conse- em leis ou decretos, entre as quais a da Lei 9.648, de 27.5.1998, que alterou
lho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), do Banco Central, do a lei de licitações, consistente na elevação em dobro do valor para dispensa
Conselho Monetário Nacional, do Conselho de Seguros Privados, dentre de licitação, para as compras, obras e serviços contratados por autarquias e
tantas outras. Algumas agências que estão sendo criadas nada mais são do fundações qualificadas como agências executivas. Por sua vez, a desquali-
que autarquias de regime especial, de há muito já existentes no Direito ficação ocorrerá no caso de descumprimento do plano estratégico.
53. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., pp. 392-393; AAdministração Pública deve atender ao princípio da legalidade. As-
Parcerias ... , 3ª ed., Capítulo 6. sim, a ampliação da autonomia e outras vantagens a serem concedidas às
380 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 381

agências executivas devem estar previstas em lei, não bastando constar do ção, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a
contrato de gestão. assistência suplementar à saúde. Cabe a esta autarquia, entre outras atri-
Os Municípios poderão adotar o mesmo modelo da organização ad- buições, a de zelar pelo cumprimento dos contratos das operadoras dos
ministrativa federal, para qualificar como agências executivas suas autar- planos privados de assistência à saúde, que tantos problemas têm causado
quias e fundações. Nesse caso, porém, deverão editar suas próprias nor- à população brasileira.
mas, de acordo com o que estabelece o art. 37, § 8º, da CF. Vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, foi instituída a Agência
Nacional de Águas (ANA - Lei 9.984, de 17.7.2000), com competência
4.2.5 Agências reguladoras 54 para supervisionar, controlar e avaliar as atividades decorrentes do apro-
veitamento dos recursos hídricos bem como outorgar, mediante autoriza-
Com a nova política governamental de transferir para o setor privado ção, o direito de uso da água em rios de domínio da União. 56
a execução de serviços públicos, reservando ao Estado a regulamentação,
o controle e a fiscalização desses serviços, houve a necessidade de criar, A Lei 10.233, de 5.6.2001, criou o Conselho Nacional de Integração
na Administração, agências especiais destinadas a esse fim, no interesse de Políticas de Transportes e instituiu duas agências reguladoras: a Agên-
dos usuários e da sociedade. Tais agências têm sido denominadas de agên- cia Nacional de Transportes Terrestres e a Agência Nacional de Trans-
cias reguladoras e foram instituídas como autarquias sob regime especial, portes Aquaviários, cujos objetivos estão implícitos nos próprios nomes:
com o propósito de assegurar sua autoridade e autonomia administrativa. regular e supervisionar, em suas respectivas áreas, as atividades de pres-
Com essa finalidade, a Lei 9.427, de 26.12.1996, instituiu a Agência Na- tação de serviços e exploração da infra-estrutura exercidas por terceiros.
cional de Energia Elétrica (ANEEL), para regular e fiscalizar o setor de Tal diploma já foi modificado pela MP 2.217-3, de 4.9.2001, que nele in-
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica; e a Lei 9.472, de troduziu diversas alterações, como tem sido costume do Poder Executivo
16.7.1997, criou a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Federal- felizmente limitado, agora, pela EC 32, de 12.9.2001.
com o mesmo objetivo em relação ao setor de telecomunicações, porque A Lei 11.182, de 27.9.2005, criou a Agência Nacional de Aviação
ambas as áreas estão sendo privatizadas. Civil (ANAC), vinculada ao Ministério da Defesa, para regular e fiscalizar
Paralelamente, com a quebra do monopólio da Petrobrás entendeu-se as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeropor-
conveniente criar a Agência Nacional do Petróleo (ANP - Lei 9.478, de tuária.
8.8.1997), para regular e fiscalizar as atividades econômicas antes reali- Como se disse, todas essas agências foram criadas como autarquias
zadas por aquela companhia e agora podendo ser exercidas também por de regime especial, considerando-se o regime especial como o conjunto de
outras empresas, mediante concessão ou autorização. 55 privilégios específicos que a lei outorga à entidade para a consecução de
No âmbito do Ministério da Saúde, com a instituição do Sistema Na- seus fins. No caso das agências reguladoras até agora criadas no âmbito
cional de Vigilância Sanitária, criou-se também a Agência Nacional de Vi- da Administração ·Federal esses privilégios caracterizam-se basicamente
gilância Sanitária (ANVISA-Lei 9.782, de 26.1.1999), que atuará como pela independência administrativa, fundamentada na estabilidade de seus
entidade administrativa independente com a finalidade de proteger a saúde dirigentes (mandato fixo), autonomia financeira (renda própria e liberda-
da população, por intermédio do controle sanitário da produção e comer- de de sua aplicação) e poder normativo (regulamentação das matérias de
cialização de produtos e serviços submetidos a vigilância sanitária (medi- sua competência). Entendeu-se indispensável a outorga de amplos poderes
camentos, alimentos, cosméticos, laboratórios, planos de saúde etc.). a essas autarquias, tendo em vista a enorme relevância dos serviços por
Um ano depois foi também criada a Agência Nacional de Saúde Su- elas regulados e fiscalizados como, também, o envolvimento de poderosos
plementar-ANS (Lei 9.961, de 28.1.2000), como órgão de regulamenta- grupos econômicos (nacionais e estrangeiros) nessas atividades.
ALei 9.986, de 18.7.2000, dispõe sobre a gestão de recursos huma-
54. Eurico de Andrade Azevedo, "Agências reguladoras", RDA 213/141; Mau- nos das agências reguladoras, estabelecendo que elas terão relações de
ro Roberto Gomes de Mattos, "Agências reguladoras e suas características", RDA trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e legisla-
218/71; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., pp. 394-398;
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso ... , 25ª ed., pp. 169 e ss.
55. v., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo VIII, item "Petróleo". 56. v., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo VIII, item 3.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 383
382

ção trabalhista correlata, em regime de emprego público. E para resguar- uma normatividade essencialmente técnica, com um mínimo de influência
dar sua independência proíbe aos empregados, requisitados, ocupantes de política. 57
cargos comissionados e dirigentes o exercício de qualquer outra atividade Pelas razões precedentemente expostas, os Municípios também po-
profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político- dem criar suas agências reguladoras, obviamente no âmbito do interesse
partidária, excetuados os casos admitidos em lei. local.
Com relação a compras e contratação de serviços, estende a todas as
agências reguladoras o regime especial de licitação, antes somente con- 4.2.6 Fundações 58
cedido à ANATEL, possibilitando que elas se utilizem das modalidades
de consulta e pregão, nos termos de regulamento próprio. Excetuam-se As fundações, como "universalidade de bens personalizada, em aten-
apenas as contratações referentes a obras e serviços de engenharia, que ção ao fim, que lhe dá unidade", ou como "um patrimônio transfigurado
ficam subordinadas às normas gerais de licitação e contratação da Admi- pela idéia, que põe ao serviço de um fim determinado",59 sempre estive-
nistração Pública. ram nos domínios do direito civil, sendo consideradas pessoas jurídicas de
direito privado (Decreto-lei 200, de 1967, art. 5º, IV, acrescentado pela Lei
Essas agências reguladoras possuem aspectos comuns e alguns es-
federal 7.596, de 1987).
pecíficos, em face da natureza dos serviços por elas controlados, podendo
ser destacados os seguintes: a) os administradores possuem mandato, só Ultimamente, porém, pelo fato de o Poder Público vir instituindo fun-
podendo ser destituídos por condenação judicial transitada em julgado, dações para prossecução de objetivos de interesse coletivo - educação,
improbidade administrativa ou descumprimento injustificado das políticas ensino, pesquisa, assistência social etc. -, com a personificação de bens
estabelecidas para o setor ou pelo contrato de gestão; b) nomeação dos públicos e, em alguns casos, fornecendo subsídios orçamentários para sua
dirigentes pelo presidente da República, com prévia aprovação dos nomes manutenção, passou-se a atribuir personalidade pública a essas entidades,
pelo Senado Federal, nos termos do art. 52, m, "f', da CF; c) edição de a ponto de a própria Constituição da República de 1988, encampando a
normas sobre matérias de sua competência; d) vedação ao ex-dirigente, até doutrina existente,60 ter instituído as denominadas fundações públicas, ora
um ano depois de deixar o cargo, de representar qualquer interesse peran- chamando-as de "fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público",
te a agência, ou de prestar serviços a empresas sob sua regulamentação; ora de "fundação pública", ora de "fundações mantidas pelo Poder Públi-
e) recursos próprios oriundos de taxa de fiscalização ou de autorizações co", ora simplesmente "fundação".61
específicas relativas às suas atividades; f) declaração de utilidade pública, Com esse tratamento, a Carta da República transformou essas fun-
para fins de desapropriação ou servidão administrativa, das áreas necessá- dações em entidades de direito público, integrantes da Administração
rias aos concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica
(ANEEL). 57. Cf. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "Agências reguladoras - Natureza
jurídica, competência normativa, limites de atuação", RDA 215/71; Pedro Dutra, "O
Como está dito no capítulo próprio, a autarquia, sendo um prolonga- poder regulamentar dos órgãos reguladores", RDA 221/239. V. também Eduardo Krau-
mento do Poder Público, uma longa manus do Estado, executa serviços se, Agências de Regulação, Porto AlegrelRS, Mercado Aberto, 2001 - em que o autor,
próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos além da parte doutrinária, reúne a legislação de todas as agências reguladoras nacio-
privilégios da Administração-matriz e passível dos mesmos controles dos nais, bem como de diversas estaduais.
58. Diante das alterações introduzidas em alguns dispositivos pela EC 19, de
atos constitucionais. 1~9.8, entendemos eliminar o termo "públicas", em consonância com a denominação
O que diversifica a autarquia do Estado são os métodos operacionais, utIlrzada pela Constituição Federal e defendida pelo próprio Autor.
que permitem maior flexibilidade de atuação, com possibilidade de deci- 59. Clóvis Beviláqua, Código Civil Comentado, v. l, p. 233.
sões rápidas e ações imediatas. 60. Miguel Reale, Direito Administrativo, p. 17; Celso Antônio Bandeira de
Mello, "Personalidade de direito público", RDP 1/115, e Curso ... , 25ª ed., 2008, pp.
Tem-se contestado o poder normativo conferido às agências, mas esse 1?1 e ss.; Geraldo Ataliba, "Fundação pública", RT 478/43; Maria Sylvia Zanella Di
poder normativo há de se cingir aos termos de suas leis instituidoras e Pletro, "Fundações públicas", RDA 11/674.
aos preceitos dos decretos regulamentadores expedidos pelo Executivo. O 61. Respectivamente: - arts. 22, XXVII; 71, II-IV; 150, § 2º; 169, parágrafo úni-
poder outorgado às agências, neste campo, visa a atender à necessidade de co; - arts. 37, XIX, e 19 do ADCT; - art. 37, XVII; - art. 163, II.
384 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 385

indireta,62 ao lado das autarquias e das empresas governamentais. 63 Nesse Tinha razão, portanto, o autor ao profligar aquela inovação constitu-
sentido, já decidiu o STF, embora na vigência da Constituição anterior, cional, com a mudança da personalidade jurídica da fundação. Não obs-
que "tais fundações são espécie do gênero autarquia".64 tante, como já existem fundações instituídas por lei com personalidade
Não entendemos como uma entidade (fundação) possa ser espécie de jurídica de direito público, hão de coexistir as duas espécies até que venha
outra (autarquia), sem se confundirem nos seus conceitos. Todavia, a pre- a norma regulamentadora da matéria, ou até que aquelas sejam extintas.
valecer essa orientação jurisprudencial, aplicam-se às fundações de direito
público todas as normas, direitos e restrições pertinentes às autarquias. A 4.2.6.1 Caracteres - As fundações prestam-se, principalmente, à rea-
EC 19/1998, deu nova redação ao inciso XIX do art. 37 da CF, deixando lização de atividades não-lucrativas e atípicas do Poder Público, mas de
transparecer ter voltado ao entendimento anterior no sentido de que a fun- interesse coletivo, como educação, cultura, pesquisa, sempre merecedoras
do amparo estatal.
dação é entidade com personalidade jurídica de direito privado: "somente
por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de Sua instituição depende de autorização de lei especifica (CF, art. 37,
empresa pública, sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à XIX), da entidade-matriz, cabendo ao Executivo providenciar os demais
lei complementar, neste último caso, definir as áreas de atuação". atos necessários à sua formação, visto que só terão existência legal após
sua inscrição no Registro competente.
Afundação foi colocada ao lado das empresas governamentais (en-
tidades de direito privado): a lei não a cria, apenas autoriza sua criação, Os contratos celebrados pelas fundações de direito público ou de
devendo o Executivo tomar as providências necessárias para o registro direito privado devem ser precedidos de licitação, nos termos do art. 37,
XXI, da CF. 66
detenninante do nascimento da pessoa jurídica de direito privado. E mais:
lei complementar deverá definir as áreas em que poderá atuar afundação, As fundações, assim como as empresas estatais, podem editar regu-
não podendo essa figura jurídica servir de panacéia para qualquer ativida- lamentos próprios, devidamente publicados, desde que não conflitem com
de que a Administração pretenda efetuar com relativa autonomia. 65 as disposições da norma federal (Lei 8.666, de 1993, art. 119).
O orçamento das fundações é formalmente idêntico ao das entidades
62. O Decreto-lei 2.299, de 21.11.1986, alterando dispositivos do Decreto-lei estatais (Lei 4.320, de 1964), devendo-se atender ao disposto no art. 165,
200, de 1967, reintegrou as fundações na Administração indireta. § 5Q , da CF.
63. As fundações públicas diferem das empresas estatais quanto à personalidade Os dirigentes das fitndações, de direito público ou de direito priva-
jurídica: as primeiras são entes de direito público; as segundas, de direito privado. do, são investidos nos respectivos cargos na forma que a lei ou o estatuto
64. STF,RDA 160/85, 161/50 e 1711124. estabelecer e seu pessoal está sujeito ao regime jurídico estatutário ou ce-
65. Na verdade, o Autor sempre entendeu que a fundação, mesmo quando criada
e mantida pelo Poder Público, não perdia a sua personalidade de direito privado, nem letista, bem como aos planos de carreira instituídos pela entidade-matriz
se transformava em entidade pública, ficando, simultaneamente, sujeita à tutela do (CF, art. 39).
Ministério Público, à supervisão administrativa da entidade estatal que a instituiu e Pela Lei 8.429, de 2.6.1992, a posse e o exercício de agente públi-
ao dever de prestar contas ao Tribunal de Contas. Esse seu entendimento foi mantido
até o advento da CF 1988, quando modificou a redação para o texto atual, que agora é co autárquico, de fundação e de empresas estatais ficam condicionados à
alterado com a EC 19, de 1998. apresentação de declaração de bens, a fim de ser arquivada no Serviço de
A doutrina mais recente parece voltar ao magistério antigo do Autor, entendendo Pessoal competente (art. 13).
que o Pod.::r Público pode criar, por lei, fundação com personalidade de direito público
As proibições de acumulação remunerada de cargo, emprego oufun-
- fil11dação pública -, e, neste caso, ela é uma espécie de autarquia; mas pode também
determinar a criação da fundação com personalidade de direito privado - fundação ção atingem os servidores das fundações, nos expressos termos dos inci-
privada. No primeiro caso a lei cria a fundação; no segundo a lei autoriza o Poder sos XVI -XVII do art. 37 da CF.
Executivo a instituí-la.
É evidente que o Poder Público pode aplicar às fundações de direito privado, por de Flávio Giron, como Subprocurador-Geral da República, no RE 219.900, adotado
ele instituídas, regras especiais, exorbitantes do Código Civil, desde que assim entenda como razão de decidir (DJU28.9.2001).

I
conveniente (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 2001, pp. 366 66. Marçal Justen Filho, nos seus Comentários à Lei de Licitações e Contratos
e ss.; Adílson Abreu Dallari, "Fundação privada", RDP 98/81; Eros Roberto Grau, Administrativos (6ª ed., p. 31), diz que há três requisitos cumulativos para a fundação
"Fundações privadas", RDP 98/75; Carlos Ari Sundfeld, "Fundações governamen- se~ disciplinada pela Lei 8.666, de 1993. São eles: a) manutenção mediante recursos pú-
tais", RDP 97/86). v., a respeito, e no sentido indicado pelos atualizadores, o parecer blIcos; b) controle estatal; c) desenvolvimento de atividade administrativa do Estado.

J
1
1
386 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 387

Também para fins criminais, de mandado de segurança e ação popu- Neste gênero incluímos os serviços sociais autônomos e as novas or-
lar são eles considerados, respectivamente, "funcionários públicos" (CP, ganizações sociais, figura jurídica criada para a prestação de serviços de
art. 327), e seus dirigentes "autoridades", no que concerne ao desempenho interesse público, mas não exclusivos do Estado.
das funções delegadas (Lei 1.533, de 1951, art. 1º, § 1º, e Lei 4.717, de
.Alertamos o ~eitor, contudo, para o fato de que muitas leis em vigor
1965, art. lº).
contmuam a refenr-se a entidades paraestatais com o conceito dado nas
Para as sanções decorrentes de atos de improbidade administrativa edições anteriores à 11 ª, abrangendo, portanto, as empresas públicas e as
são agentes públicos (Lei 8.429, de 1992, art. 2º). sociedades de economia mista. .
N a denominação genérica de empresas estatais ou governamentais
4.2.7 Empresas estatais ou governamentais incluem-se as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as
4.2.7.1 Explicação preliminar - Neste tópico, até a 10ª edição desta empresas que, não tendo as características destas, estão submetidas ao
obra, o Autor tratava das entidades paraestatais, pessoas jurídicas de di- c?~trole d? governo. Estas últimas, na verdade, surgiram no mundo ju-
reito priv&do, cuja criação era autorizada por lei, com patrimônio público ndIco naclOnal em momento expansionista do Estado Brasileiro, em que
ou misto, para realização de atividades, obras ou serviços de interesse co- empresas estatais foram adquirindo outras, cujos objetos sociais eram de-
letivo, sob normas e controle do Município. Em seguida, como espécies pois ad~ptados aos interesses do Poder Executivo. Surgiram, assim, no-
de entidades paraestatais, cuidava especificamente das empresas públicas, vas SOCIedades sem que tivesse havido qualquer autorizaçí101egal, motivo
sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos. Nas primei- p~lo qual não poderiam ser reconhecidas como empresas públicas ou so-
ras edições de sua obra também inseria as fundações instituídas pelo Poder CIedades de economia mista. A elas a Constituição se refere ao estabelecer
Público mas com personalidade de direito privado. a ~r~ibição de acumular cargos, empregos e funções (art. 37, XVII) e ao
eXIgIr prestação de contas (art. 71, II), e agora também no § 1º do art. 173,
Em meados da década de 60, quando o Autor lançou a 1ª edição desta
com a redação dada pela EC 19, de 1998.
obra, justificava-se essa sistematização, já que - como ele próprio afir-
mava - a doutrina e a legislação brasileira confundiam com freqüência o . ~s ;mpre~as estatais são pessoas jurídicas de direito privado cuja
ente autárquico com o paraestatal. Ao longo de todos esses anos, contudo, cnaçao e autonzada por lei específica (salvo a exceção mencionada aci-
houve acentuada evolução da matéria, embora ainda persistam muitas in- ma), com patrimônio público ou misto, para a prestação de serviço público
congruências nos textos legislativos. Ainda que se tenha difundido a ex- ou para a execução da atividade econômica de natureza privada. Serviço
pressão entidade paraestatal com o conceito que lhe dera o Autor,67 está públi~o, no caso, entendido no seu sentido genérico, abrangendo também
hoje assentado, inclusive em decorrência de normas constitucionais, que a realIzação de obras (estradas, edifícios, casas populares etc.).
as fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista fazem Na verdade, as empresas estatais são instrumentos do Estado para
parte da Administração indireta do Estado. Ora, se fazem parte da Admi- a consecução de seus fins, seja para atendimento das necessidades mais
nistração indireta do Estado, não podem estar ao lado deste, como entes imediatas da população (serviços públicos), seja por motivos de segurança
paraestatais. nacio?al ou por relevante interesse coletivo (atividade econômica). A per-
Assim, julgamos conveniente substituir este tópico, para cuidar dire- sonalIdade jurídica de direito privado é apenas a forma adotada para lhes
tamente das empresas estatais, mesmo porque, em face da EC 19, de 1998, as~e~urar melhores condições de eficiência, mas em tudo e por tudo ficam
passaram a ter tratamento diferençado, conforme seu objeto de atuação. E s~]eItas ~os princípios ~ásicos da Administração Pública. Bem por isso,
no tópico seguinte versaremos sobre os entes de cooperação - estes, sim, sao conSIderadas como mtegrantes da Administração indireta do Estado.
pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços de interesse co- . É importante distinguir as empresas estatais conforme o tipo de ati-
letivo, utilizando-se de recursos públicos, mas que não integram a Admi- vldad.e .que exerçam, ou seja, prestação de serviço público ou execução
nistração, permanecendo ao lado do Estado, como verdadeiras entidades de aflvzdade econômica. Essa distinção já vinha sendo apontada por boa
paraestatais. ~ar;e. da doutrina, por determinar diferenciação significativa no seu regime
]Undlco. A EC 19, de 1998, porém, deu nova redação ao § 1º do art. 173
67. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 10ª ed., p. 306. da CF, ao dispor que "a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa
388 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 389

pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explo- exploração de atividade econômica pelo Estado é suplementar à iniciativa
rem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de privada, só podendo ocorrer quando for indispensável à segurança nacio-
prestação de serviços" - estatuto, esse, que deve prever: a) a função social nal ou a relevante interesse público, como defmidos em lei, a esfera de
da empresa e as formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; b) su- competência do Município fica muito limitada, mas não impossível, já
jeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto que sua atuação nessa área é muito restrita. Entretanto, para a prestação de
aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; c) li- serviços públicos de interesse local a competência do Município é ampla
citação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados para criar sua empresa.
os princípios da Administração Pública; d) constituição e funcionamento A criação de empresa pública ou sociedade de economia mista depen-
dos Conselhos de Administração e Fiscal, com a participação de acionis- de de lei específica autorizadora. Diferentemente da autarquia, que é cria-
tas minoritários; e) mandato, avaliação de desempenho e responsabilidade da diretamente pela lei, no caso das empresas estatais e suas subsidiárias
dos administradores. a autorização é dada por lei, cabendo ao Executivo tomar as providências
Um dos fundamentos da ordem econômica brasileira é a livre con- necessárias para a instituição. A redação dada pela EC 19, de 1998, ao
corrência, motivo pelo qual o exercício de qualquer atividade econômi- inciso XIX e a manutenção do inciso XX do art. 37 deixam isso muito cla-
ca independe de autorização do Poder Público, salvo os casos previstos ro. Conseqüentemente, as sociedades em que o Estado tenha participação
em lei (CF, art. 170, parágrafo único). A exploração direta de atividade acionária mas cuja instituição não tenha sido autorizada por lei não cons-
econômica pelo Estado, ressalvadas as hipóteses consignadas na própria tituem sociedades de economia mista e a elas não se aplicam as normas
Constituição, só é admitida em caráter suplementar, quando necessária aos constitucionais e legais referentes a estas, salvo quando expressamente
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (CF, assim consignado.
art. 173). Isto significa que, mesmo quando instituída para a execução de O patrimônio dessas empresas é constituído com recursos públicos
uma atividade econômica, a empresa governamental deverá atender a um (na empresa pública) ou públicos e particulares (no caso da sociedade de
interesse público, pois caso contrário há vedação constitucional expressa a economia mista). Tais empreendimentos, ainda quando voltados à presta-
essa interferência na esfera que é reservada ao setor privado. ção de serviço público, admitem lucro, e devem mesmo produzi-lo, para
No que diz respeito às empresas estatais prestadoras de serviço pú- seu desenvolvimento e atrativo do capital privado. O lucro, porém, não é
blico não existe entre elas e a entidade estatal a que pertencem a relação o objetivo principal da empresa, nem mesmo quando explore atividade
jurídica de concessão de serviço público. A lei que autoriza a instituição econômica, pois a atuação do Estado nesta área só se justifica quando haja
da empresa pública já estabelece suas finalidades, sendo impertinente a relevante interesse coletivo ou seja imprescindível à segurança nacional
existência de contrato entre a entidade estatal criadora e sua empresa. A (CF, art. 173).
respeito, tem razão Celso Antônio Bandeira de Mello ao dizer que "não Quanto aos bens públicos recebidos para formação de seu patrimônio
faria sentido considerar presente, na relação entre a criatura e seu sujeito e os adquiridos no ·desempenho de suas atividades, passam a formar uma
criador (que pode até mesmo extingui-la, a seu talante), o específico ple- outra categoria de bens públicos, com destinação especial, sob adminis-
xo de direitos oponíveis pelo concessionário ao concedente" (Curso ... , tração particular da empresa a que foram incorporados, para a conse-
25ª ed., p. 199). Só há concessão quando a empresa governamental presta cução de seus fins estatutários. Com essa qualificação, tais bens podem
serviço público de competência de outra entidade estatal que não aquela ser utilizados, onerados ou alienados, sempre na forma estatutária e inde-
a que pertence. É o caso, v.g., das empresas estaduais de energia elétrica, pendentemente de autorização legislativa especial, porque tal autorização
serviço público de competência da União; ou de empresa de saneamento está implícita na lei que autorizou a criação da empresa e lhe outorgou
do Estado-membro, concessionária dos serviços públicos de água e esgoto os poderes necessários para realizar as atividades, obras ou serviços que
de Municípios. Quando a empresa governamental presta serviço público constituem os objetivos da organização. Daí decorre que todo o seu pa-
de competência da própria entidade que a criou não há concessão, há sim- trimônio - bens e rendas - serve para garantir empréstimos e obrigações
plesmente outorga legaL resultantes de suas atividades, sujeitando-se a execução pelos débitos da
No plano jurídico, tanto a União como Estados-membros e Muni- empresa, no mesmo plano dos negócios da iniciativa privada, pois sem
cípios têm competência para instituir empresas estatais. Como, porém, a essa igualdade obrigacional e executiva seus contratos e títulos de crédito
390 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 391

não teriam aceitação e liquidez na área empresaria1. 68 As empresas pres- empresas públicas, quer sociedades de economia mista, ficam sujeitas a
tadoras de serviços públicos, contudo, apresentam situação diferente, pois falência, pois é preceito constitucional sua submissão ao regime jurídico
os bens vinculados ao serviço não podem ser onerados, nem penhorados, próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
nem alienados (salvo autorização de lei específica), em face do princípio civis e comerciais (CF, art. 173, § 1º, 11). De igual modo, não responde
da continuidade do serviço. a entidade criadora, nem mesmo subsidiariamente, pelas obrigações da
A transferência inicial de bens públicos imóveis, para formação do sociedade falida. A elas, portanto, não se aplica a exceção do art. 2º, I, da
patrimônio da empresa e subseqüentes aumentos de seu capital, tem sido Lei 11.101, de 9.2.2005, que regula a falência da sociedade empresária,
feita por decreto, com avaliação prévia e posterior recebimento pela Di- nem se aplicava o antigo preceito do art. 242 da Lei das Sociedades Anô-
retoria, a título de integralização, transcrevendo-se, após, a respectiva ata nimas (revogado pela Lei 10.303, de 31.10.2001), que vedava a falência
no Registro Imobiliário competente. 69 Parece-nos, entretanto, que mais das sociedades de economia mista, mas sujeitava seus bens à penhora e
adequada é a transferência desses bens por ato bilateral - termo adminis- execução e determinava que a entidade pública que as instituiu respondia
trativo ou escritura pública -, após a autorização legislativa especial ou subsidiariamente por suas obrigações. Não fosse assim, a empresa estatal
geral da lei instituidora da empresa e respectiva avaliação dos imóveis a exploradora de atividade econômica apresentar-se-ia ao mercado em gran-
serem incorporados ao patrimônio da empresa pública, transcrevendo-se de vantagem sobre a empresa privada, o que o dispositivo constitucional
oportunamente o título translativo da propriedade. pretendeu coibir.
Na extinção seu patrimônio - deduzida a parte dos particulares nas Com relação às empresas prestadoras de serviço público a situação é
empresas de capital misto - reincorpora-se à entidade estatal-matriz, como diferente. Estão excluídas do alcance da Lei 11.101, de 9.2.2005, que re-
conseqüência natural da dominialidade pública de tais bens. Por essa mes- gula a falência da sociedade empresária, pois seu art. 2º, I, estabelece que
ma razão, os atos lesivos do patrimônio da empresa estatal sujeitam-se a ela não se aplica às empresas públicas e sociedades de economia mista.
anulação por ação popular (Lei 4.717, de 1965, art. 1º), nos termos do art. Ressalte-se que os bens vinculados ao serviço não podem sofrer penho-
5º, LXXIII, da CF. ra, em virtude do princípio da continuidade do serviço público. Os bens
aplicados ao serviço público são intangíveis. Ajurisprudência, porém, tem
A rigor, sendo a criação de empresa governamental expressamente admitido a penhora de suas rendas para pagamento de seus débitos. 70 O
autorizada por lei, somente outra lei poderia autorizar sua extinção, o que STF firmou entendimento no sentido de que se a empresa estatal presta
de fato tem ocorrido com a implantação do Programa Nacional de De- serviço público, a execução deve ser feita via precatório. 71 O que ficou
sestatização. Coloca-se, porém, a indagação: possuindo forma mercantil, afastada foi a responsabilidade subsidiária da entidade pública criadora da
pode a empresa estatal desaparecer em virtude de falência? empresa. Mas, tratando-se de serviço público indispensável, certamente a
Hão de ser distinguidas, aqui, as empresas exploradoras de ativida- entidade estatal intervirá para manter o serviço funcionando.
de econômica das que prestam serviço público. As primeiras, quer sejam Quanto à contratação de obras, serviços e compras, assim como à
alienação de seus bens, as empresas estatais prestadoras de serviços pú-
68. "A prescrição qüinqüenal do Dec. 20.910/1932 não se aplica às empresas pú- blicos ficam sujeitas a licitação, nos termos da Lei 8.666, de 1993, poden-
blicas e sociedades de economia mista, incidindo o art. 177 do Código Civil" [o artigo
referido é do CC de 1916, prescrição vintenária; v. art. 205 do novo CC, prescrição
do ter regulamentos próprios, aprovados pela autoridade superior e pu-
decenária] (STJ, REsp 325.730-SP, com diversos precedentes). blicados, que estabeleçam um procedimento licitatório adequado às suas
69. Assim têm sido feitas as transferências de imóveis do Município da Capital finalidades, com observância dos preceitos básicos da lei (art. 119). De
de São Paulo para a Empresa Municipal de Urbanizaçãq - EMURB, que é empresa igual forma, os contratos por elas celebrados são contratos administra-
pública, cuja criação foi autorizada pela Lei municipal 7.670, de 24.11.1971, para tivos, em tudo semelhantes aos efetuados pelos órgãos da Administração
"execução de programas de obras de desenvolvimento de áreas urbanas", e que está direta. Com relação às empresas que exploram atividade econômica a li-
constituída "sob a forma de sociedade civil de fins econômicos", como consta do art.
1º de seu Estatuto, aprovado pelo Decreto 9.836, de 7.2.1972.
No âmbito federal as transferências de bens públicos têm sido feitas confusa- 70. lº TACivSP, RT 695/107, BAASP 1.965; STJ, REsp 36.535-0-SP. A respeito,
mente por leis e decretos, sendo que as transcrições de bens imóveis incorporados às v., também, Athos Gusmão Carneiro, "Sociedade de economia mista, prestadora de
sociedades por ações da Administração indireta da União são reguladas pelo Decreto- serviços públicos. Penhorabilidade de seus bens", RT 749/141.
lei 807, de 4.9.1969. 71. STF, RE 220.906, RE 229.696 e RE 230.072; STJ, REsp 36.535-0-SP.
392 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 393

citação e a contratação ficarão sujeitas aos princípios da Administração apenas supervisionadas pela Pasta do Executivo a que estiver~~ vincr:-
Pública, nos termos de seu futuro estatuto jurídico (CF, art. 173, § 1º, III, ladas (não subordinadas), mas os desmandos e abusos na admlmstraçao
com a redação da EC 19, de 1998), que, evidentemente, não deve impor dessas entidades criaram tal endividamento, e tantos gastos supérfluos,
as mesmas restrições previstas para as suas congêneres prestadoras de ser- que a União viu-se forçada a instituir rigorosos controles administrativos
viços públicos, sob pena de contrariar o preceito constitucional de que o e financeiros, através de normas legais ou regulamentares, em comple-
regime jurídico de tais entidades deve ser assemelhado ao das empresas mentação às disposições do Decreto-lei 200, de 1967. A EC 19, de 1998,
privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, tra- ampliou o rigor no controle das despesas com pessoal, determinando a
balhistas e tributários (CF, art. 173, § 1º, lI). aplicação do teto salarial a essas empresas, desde que recebam recursos do
A administração de tais empresas varia segundo o tipo e modalidade Poder Público (CF, art. 37, XI, e § 9º). Por outro lado, estimulou a cele-
que a lei determinar, sendo admissíveis desde a direção unipessoal até a bração de contratos de gestão com seus administradores, de forma a poder
gerência colegiada, com elementos do Estado, representantes da sociedade estabelecer critérios de remuneração do pessoal e também o controle de
e dos acionistas minoritários, se for o caso. Igualmente variável é a forma desempenho de seus dirigentes (CF, art. 37, § 8º).
de controle que a entidade-matriz se reserva para exercer sobre a empresa, Duas são as espécies de empresas estatais: a sociedade de economia
podendo' ser utilizado, inclusive, o contrato de gestão. Mas o controle será mista e a empresa pública. A forma de organização jurídica varia de acor-
sempre necessário. do com a espécie. A sociedade de economia mista deve ser estruturada sob
Os dirigentes das empresas estatais são investidos em seus cargos a forma de sociedade anônima, porque fica sujeita aos preceitos da Lei
na forma que a lei ou seus estatutos estabelecerem. Eles ficam sujeitos ao 6.404, de 15.12.1976. A empresa pública pode ser instituída sob qualquer
mandado de segurança quando exerçam funções delegadas do Poder PÚ- das formas admitidas em Direito, como veremos adiante.
blico (CF, art. 5º, LXIX), à ação popular por lesão ao patrimônio público ALei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis-
(CF, art. 5º, LXXIII), à ação por improbidade administrativa (Lei 8.429, cal- LRF), deu nova definição a empresa estatal dependente, estabelecen-
de 1992, arts. 1º-2º) e à ação penal por crimes praticados contra a Admi- do que é a controlada pelo Município que tenha recebido do controlador
nistração Pública (CP, art. 327, parágrafo único). no último exercício, e para a qual haja previsão orçamentária no exercício
O regime de pessoal das empresas estatais é o previsto na legislação corrente, recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal e
trabalhista e nas normas acidentárias. Os dissídios decorrentes da relação custeio, excluídos aqueles recursos provenientes de aumento de partici-
de trabalho são julgados pela Justiça do Trabalho (art. 114 da CF). Os pação acionária. Observe-se que uma empresa, mesmo estatal, que presta
empregados das empresas prestadoras de serviço público ficam sujeitos serviço ao Município - e, pOlianto, recebe recursos contra a prestação des-
a concurso público, salvo para os cargos ou funções de confiança (art. ses serviços - não é considerada dependente. A condição de dependência
37, lI). A admissão dos empregados das empresas que explorem atividade só ocorre pela transferência a título de subvenção ou subsídio.
econômica, as quais devem ter regime jurídico similar ao das empresas A LRF não fixa critérios que determinam quando uma empresa esta-
privadas, dependerá do estatuto a ser aprovado, na forma da nova redação tal dependente pode deixar de ser assim considerada. Esta lacuna deverá
do § 1º do art. 173 da CF. De qualquer maneira, porém, deverá ser asse- ser preenchida por resolução do Senado Federal com a fixação dos limites
gurado o amplo acesso dos cidadãos ao emprego público, qualificados de endividamento.
por algum tipo de processo seletivo adequado. Os salários serão sempre Da definição transcrita acima se deduz que para ser considerada de-
fixados e alterados pela Diretoria da entidade, na forma do contrato de tra- pendente a empresa estatal deve receber recursos do seu ente controlador

',:
balho e das normas salariais comuns, embora condicionados às restrições por dois exercícios consecutivos; e deixará de ser considerada dependente
orçamentárias e financeiras impostas pela nova redação dada ao art. 169, quando no orçamento não houver autorização para novas transferências.
§ I º, da CF. Quanto à proibição constitucional de acumulação de cargos, As transferências para aumento de capital social não caracterizam uma

I
,
funções ou empregos, atinge também os dirigentes e empregados das em- , empresa estatal como dependente, porque os aportes se colocam como um
presas públicas e sociedades de economia mista (art. 37, XVII). investimento na expectativa de retorno sob a forma de dividendos.
Em princípio, as empresas estatais (sociedades de economia mista Outro destaque quanto às empresas estatais dependentes é o de que
e empresas públicas) têm autonomia administrativa e financeira, sendo elas continuarão sendo regidas pela Lei 6.404, de 1976, apesar de suas

J
394 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 395

receitas integrarem a base de cálculo da receita corrente líquida dos entes o que caracteriza a empresa pública é seu capital exclusivamente pú-
que as financiarem. Considerando que as transferências para pagamento blico, de uma só ou de várias entidades, mas sempre capital público. Sua
de pessoal destas empresas entrarão nos limites de pessoal do Executivo, personalidade é ~e direito privado e suas atividades se regem pelos precei-
nada mais justo que suas receitas componham a base de cálculo da receita tos comerciais. E uma empresa, mas uma empresa estatal por excelência,
corrente líquida. constituída, organizada e controlada pelo Poder Público.
Cumpre anotar, ainda, que qualquer entidade que figure no orçamen- Diante dessa realidade, os alemães a consideram como o Estado na
to como destinatária de recursos deverá observar todos os procedimen- qualidade de empresário: Der Staat Unternehmer. Difere da autarquia e da
tos expedidos para a Administração direta, mesmo estando sujeita à Lei fundação pública por ser de personalidade privada e não ostentar qualquer
6.404, de 1976. Assim sendo, a entidade deverá obedecer às duas legisla- parcela de poder público; distingue-se da sociedade de economia mista
ções (Leis 4.320, de 1964, e 6.404, de 1976). A escrituração contábil será por não admitir a participação do capital particular. É de natureza ambiva-
única, mas as demonstrações poderão ser diferentes. lente, como assinala Francesco Vito, porque "pertence ao mesmo tempo
ao domínio público e ao domínio privado, sem se identificar completa-
4.2.7.2 Empresas públicas - Empresas públicas são pessoas jurídicas mente com um ou com outro". 74
de direito privado, instituídas pelo Poder Público mediante autorização O relatório da Conferência promovida pela Associação Internacional
de lei específica, com capital exclusivamente público, para a prestação de Ciências Jurídicas, realizada em Praga em outubro de 1958, para estudo
de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante da empresa pública consubstanciou, na conclusão XXIV, os seguintes da-
interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir dos: "A empresa pública autônoma é uma criação do Estado. Submete-se,
qualquer forma e organização empresarial. portanto, a estatuto definido pelo Estado. Sua existência depende do Es-
As empresas públicas são geralmente destinadas à prestação de servi- tado, que a instituiu. Precisamente, porém, em virtude dessa instituição, o
ços públicos industriais ou atividades econômicas em que o Estado tenha Estado introduz no setor de economia pública uma estrutura descentraliza-
interesse próprio ou considere convenientes à coletividade. Começaram a da. A conservação dessa descentralização supõe o respeito à autonomia da
ser adotadas entre nós com os contornos imprecisos dos institutos novos, i'o
empresa pública. Exige que não seja colocada sob a autoridade hierárquica
mas já estavam bem desenvolvidas nos Estados Unidos, Inglaterra e Ca- de órgãos ou agentes do Estado (Ministros, por exemplo). Dentro dos li-
nadá (public corporation ou government corporation), na Itália (imprese mites de sua carta constitutiva a empresa age livremente. A autonomia da
pubbliche, società commerciale pubbliche ou enti pubblichi economici), empresa subsiste se o Estado definir as obrigações das unidades do setor
na França (établissements nationaux ou sociétés nationales) e na Alema- econômico sob a forma de planos gerais. Não é incompatível com uma
nha (oifentliche Anstalt), como informam as publicações estrangeiras72 e, participação do Estado, limitada e fixada pelo estatuto da empresa, na ges-
já agora, os estudos nacionais. 73 tão. Atrai a si diferentes formas de controle pelo Estado, administrativo,
financeiro, jurisdicional, parlamentar. Esses controles têm como finalida-
72. John MacDiarmid, Government Corporation and Federal Funds, Nova York, de verificar se a empresa está sendo gerida convenientemente. Permitem
1938; A. H. Hanson, Public Enterprise and Economic Development, Londres, 1954;
corrigir uma administração infeliz ou irregular".75
Jean Rivero, "O regime das empresas nacionalizadas e a evolução do direito adminis-
-trativo", RDA 49/44; Roger Pinto, "A empresa pública autônoma de caráter econô- Ante as características apontadas, a empresa pública situa-se na zona
mico, em direito comparado", RDA 47/483; Raul Bernardo Garrido Valenzuela, Las de transição entre os instrumentos de ação administrativa do Poder PÚ-
Empresas Estatales, Chile, 1966; Agustín A. Gordillo, Empresas deI Estado, Buenos
Aires, 1966; Juan José Perulles Bassas, La Empresa Pública y su Normativa, Bar-
celona, 1970; Serge Passeron, L'Autonomie de Géstion des Etablissements Publics no Brasil", RDA 84/432, e "Regime jurídico das empresas estatais", RDA 195/1; The-
Nationaux, Paris, 1968. místoc1es Brandão Cavalcanti, "A empresa pública no Direito Brasileiro", RDA 91/1;
73. Bilac Pinto, "O declínio das sociedades de economia mista e o advento das José Cretella Júnior, "Regime jurídico das empresas públicas", RDA 106/62; José Na-
modernas empresas públicas", RDA 32/1; Alfredo de Almeida Piva, "As sociedades de bantino Ramos, "Empresas públicas", RDA 107/14; Lucia Valle Figueiredo, Empresas
economia mista e as empresas públicas", RDA 60/1; Manoel de Oliveira Franco Sobri- Públicas e Sociedades de Economia Mista, São Paulo, 1978; Toshio Mukai, Direito
nho, "Organização administrativa das empresas públicas", RDP 15/24; Oscar Barreto Administrativo e Empresas do Estado, Rio de Janeiro, Forense, 1984.
Filho, "A forma jurídica das empresas públicas do Estado e do Município", Revista 74. "Controle da empresa pública", RDA 60/14.
da Procuradoria do Estado de São Paulo 2/193; Caio Tácito, "As empresas públicas 75. RDA 57/492.
396 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 397

blico e as entidades privadas de fins industriais. Sujeita-se ao controle do A razão desse poder de criação de tais empresas pelas entidades polí-
Estado, na dupla linha administrativa e política, já que seu patrimônio, sua ticas menores está em que sua instituição é ato de direito administrativo,
direção e seus fins são estatais. Vale-se tão-somente dos meios da iniciati- e não de direito privado. De fato, desde que a Constituição da República
va privada para atingir seus fins de interesse público. outorga competência aos Estados-membros e Municípios para organizar
As empresas que explorem atividade econômica deverão ter, agora, seus próprios serviços (arts. 25, § 2º, e 30, V), confere-lhes, conseqüente-
seu estatuto jurídico, do qual deverão constar: a) sua função social e as mente, o poder administrativo de criar os instrumentos necessários à sua
formas de sua fiscalização pelo Estado e pela sociedade; b) submissão execução, por meios centralizados e descentralizados ~ estatais, autár-
ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos quicos, fundacionais ou empresariais -, desde que respeitem as normas
e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; c) sujeição aos e princípios pertinentes da mesma Constituição. Inexistindo limitações,
princípios da administração pública para a licitação e contratação de obras, no setor dos serviços públicos, todas as entidades estatais igualam-se em
serviços e compras; d) existência de Conselhos de Administração e Fiscal; poderes e atribuições para o exercício de sua competência constitucional.
e) mandatos, avaliação de desempenho e responsabilidade dos administra- Podem, assim, as entidades políticas menores usar dos mesmos instrumen-
dores (CF, art. 173, § 1º).
tos administrativos de que se utiliza a União para realizar obras, serviços
Essa regra constitucional, dirigida a todas as entidades estatais _ e atividades de sua competência constitucional.
União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal-, deixa claro que
Bem por isso, Nabantino Ramos, em aprofundado estudo, refutou van-
qualquer delas pode criar estabelecimentos empresariais de personalida-
tajosamente o entender daqueles que, além de negar aos Estados-membros
de privada para exploração de atividade econômica, desde que o faça em
e Municípios o poder de instituir empresas públicas, pretendem confiná-
caráter supletivo da iniciativa particular, se nivele às empresas privadas
las aos tipos societários existentes, o que de modo algum se compadece
congêneres, em direitos e obrigações, e se sujeite ao regime trabalhista e
aos tributos devidos em suas operações. com a origem e finalidade governamental dessas empresas. 76
Diante da permissão constitucional, a União legislou para suas em- Concluímos, assim, que qualquer das entidades políticas pode criar
presas públicas no Decreto-lei 200, de 1967, incluindo-as na sua Adminis- empresa pública, desde que o faça mediante autorização de lei específica
tração indireta com esta conceituação: "Empresa pública - a entidade do- (CF, art. 37, XIX); que a empresa pública pode ter forma societária eco-
tada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio nômica convencional ou especial; que tanto é apta para realizar atividade
e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica como qualquer outra da competência da entidade estatal insti-
econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência tuidora; que, quando explorar atividade econômica, deverá operar sob as
ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das normas aplicáveis às empresas privadas, sem privilégios estatais; que, em
formas admitidas em Direito" (art. 5º, lI). Subseqüentemente, o Decreto- qualquer hipótese, o regime de seu pessoal é o da legislação do trabalho.
lei 900, de 1969, excepcionou a exigência da exclusividade do capital da É de se lembrar, ainda, que as empresas públicas não possuem, por
União, para permitir a participação de outras pessoas jurídicas de direito natureza, qualquer privilégio administrativo, tributário ou processual, só
público interno, bem como de entidades da Administração indireta da pró- auferindo aqueles que a lei autorizadora ou norma especial expressamente
pria União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, lhes conceder. Todavia, a Constituição da República já indicou a Justiça
desde que a maioria do capital votante permaneça com a União (art. 5º). Federal como competente para as causas em que as empresas públicas
Tal conceituação é, evidentemente, de caráter administrativo e só da União forem interessadas (art. 109, I), e a Justiça do Trabalho para os
impositiva para a União, sabido que provém de diplomas norteadores da litígios trabalhistas (art. 114).
Administração Federal. Livres, pois, continuam os Estados-membros e
Municípios para criar, organizar e operar suas empresas públicas desvin- 4.2.7.3 Sociedades de economia mista -As sociedades de economia
culadas dessas disposições federais, de alcance restrito aos serviços da mista são pessoas jurídicas de direito privado, com participação do Po-
União. E tanto é assim que estas empresas vêm sendo instituídas a cada dia der Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para
pelos Estados-membros e Municípios, sem que se tenha levantado dúvida
aceitável de inconstitucionalidade.
76. "Empresas públicas", RDA 107/14 e RDP 17/99.
398 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
l VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 399

a realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo A expressão economia mista tem sido entendida, restritamente, no
Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro e se sentido de conjugação de capitais públicos e privados para a consecução
regem pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impos- de fins de interesse coletivo, mas se nos afigura possível a constituição
tas pelas leis que autorizarem sua criação e funcionamento. São entida- desse tipo de sociedade com participação estatal e particular de outra natu-
des que integram a Administração indireta do Estado, como instrumentos reza que não a financeira. O essencial parece-nos ser a associação dos ele-
de descentralização de seus serviços (em sentido amplo: serviços, obras, mentos do Estado com os do indivíduo - elementos, estes, que se podem
atividades).77 traduzir tanto em participação pecuniária como técnica, administrativa,
Como pessoa jurídica privada, a sociedade de economia mista deve científica ou cultural.
realizar, em seu nome, por sua conta e risco, serviços públicos de natu- Sociedade de economia mista será toda aquela que contar com a par-
reza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização ticipação ativa do Estado e do particular no seu capital ou na sua direção,
de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, que o Município reputa vale dizer, na sua economia interna, na mais ampla acepção do vocábulo.
de relevante interesse coletivo. O objetivo dessa descentralização admi- Nem sempre é o capital o elemento propulsor das atividades societárias. O
nistrativaé o de utilizar o modelo empresarial privado, seja para melhor fomento estatal através de incentivos oficiais ou ajuda técnica poderá ser
atendimento aos usuários do serviço público ou para maior rendimento na tão eficiente e decisivo para o sucesso de determinadas empresas como a
exploração da atividade econômica. Além disso, a sociedade de economia ajuda financeira na constituição de seu capital.
mista permite a captação de capitais privados, assim como a colaboração Não se infira, porém, que toda participação estatal converte o empre-
desse setor na direção da empresa. endimento particular em sociedade de economia mista. Absolutamente,
Conciliam-se, deste modo, a estrutura das empresas privadas com os não. Pode o Estado subscrever parte do capital de uma sociedade sem lhe
objetivos de interesse público. Vivem, portanto, em simbiose o empreen- atribuir o caráter de empresa governamental. O que define a sociedade de
economia mista é a participação ativa do Poder Público na vida e realiza-
dimento particular com o amparo estatal. Esse amálgama da Administra-
ção da empresa. Não importa seja o Estado sócio majoritário ou minoritá-
ção com o administrado levou Raymond Racine a proclamar que, embora
rio; o que importa é que se lhe reserve, por lei ou convenção, o poder de
reguladas pelo direito privado, as sociedades de economia mista adentram
atuar nos negócios sociais.
também o domínio do direito público. 78 Esta interpretação, entretanto, não
as confunde com as entidades estatais, nem com os entes autárquicos ou O Decreto-lei 200, de 1967, ao estabelecer os princípios da Reforma
fundacionais, visto que cada uma destas instituições tem características Administrativa Federal, colocou-a na Administração indireta (art. 4º, lI,
próprias, privilégios distintos e objetivos diversos, como já salientamos "c") e assim a conceituou: "Sociedade de economia mista - a entidade
em itens precedentes. dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a
exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima,
Embora pertencendo à Administração indireta, a sociedade de econo- cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a
mia mista ostenta estrutura e funcionamento da empresa particular, porque entidade da Administração indireta" (art. 5º, lIl, com a redação dada pelo
isto constitui, precisamente, sua própria razão de ser. Nem se compre- Decreto-lei 900, de 1969).
enderia que se burocratizasse tal sociedade a ponto de lhe emperrar os
Com esse conceito, restritivo e incorreto, a União auto limitou-se ao
movimentos e a flexibilidade mercantil, com os métodos estatais. O que
lhe impor a forma de sociedade anônima, quando poderia revestir forma
se visa com essa organização mista é, no dizer abalizado de Ascarelli, a
de outra sociedade; ao confinar seu objeto no campo da atividade econô-
"utilizar-se da agilidade dos instrumentos de técnica jurídica elaborados
mica, quando poderia realizar outras atividades ou serviços de interesse
pelo direito privado".19 público; ao obrigar que o capital público votante seja majoritário, quando
seria admissível fosse minoritário, desde que o governo viesse a conduzir,
77. v., a respeito, a doutrina nacional e estrangeira citada no Direito Administra- por outros meios, a atuação estatutária da sociedade. A Constituição de
tivo ... , do Autor, 34ª ed., 2008.
1988 só permite a criação dessa sociedade mediante autorização por lei
78. Raymond Racine, Au Service des Nationalisations - L 'Enterprise Privée,
p.23. específica, o mesmo ocorrendo com suas subsidiárias e sua participação
79. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, p. 155. em outras companhias (art. 37, XIX-XX).
400 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 401

ALei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404, de 15.12.1976) estabele- em dispositivos especiais pertinentes, conforme a doutrina exposta prece-
ce que as sociedades de economia mista ficam sujeitas aos seus preceitos, dentemente e a firme orientação da jurisprudência. 80
sem prejuízo de disposições especiais de lei federal (art. 235). Conseqüen-
temente, Estados e Municípios também deverão obedecer a essa forma de 4.2.8 Entes de cooperação
organização, já que não têm competência para legislar sobre direito civil e
comercial. Mais ainda: tais sociedades deverão submeter-se às disposições 4.2.8.1 Entidades paraestatais, conceito e espécies - Pode-se dizer,
que forem expedidas no âmbito federal. Para as empresas que explorem hoje, que os entes de cooperação são as verdadeiras entidades paraesta-
atividade econômica a EC 19, de 1998,já previu a edição do respectivo es- tais, como o Autor as conceituava: pessoas jurídicas de direito privado
tatuto jurídico, com as condicionantes previstas no art. 173, § 1º, da CF. dispostas paralelamente ao Estado, ao lado do Estado, para executar co-
Mas nem por isso fica a entidade estatal instituidora impedida de esta- metimentos de interesse do Estado, mas não privativos do Estado.
belecer normas administrativas para a consecução dos objetivos estatutários Entre as espécies de entes de cooperação - que podem ser compre-
e para o controle finalístico da sociedade, que é empresa estatal, integrante endidas na expressão entidade paraestatal- estão os serviços sociais au-
da Administração indireta ou descentralizada do Município. Esses preceitos tônomos, já existentes há muito tempo, e as organizações sociais, figura
administrativos devem ser estabelecidos na lei que autoriza a criação da so- jurídica criada pela Lei federal 9.637, de 15.5.1998.
ciedade, para sua reprodução no estatuto, a ser aprovado nos moldes socie-
tários próprios e arquivado no Registro competente. Só após esse registro é 4.2.8.2 Serviços sociais autônomos - Serviços sociais autônomos são
que a sociedade de economia mista adquire personalidade, como as demais todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de direito privado,
pessoas jurídicas de direito privado (CC, arts. 44, lI, e 45). para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos
Como instrumento de descentralização de atividades ou serviços pú- profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamen-
tárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de coope-
blicos ou de interesse coletivo, a sociedade de economia mista tanto pode
ração com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios,
ser instituída pela União como pelos Estados-membros e Municípios, o
revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações,
que realmente vem acontecendo em todos os níveis governamentais.
sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas
O objeto da sociedade de economia mista tanto pode ser um serviço incumbências estatutárias. São exemplos desses entes os diversos serviços
público como uma atividade econômica empresarial. Quando for serviço sociais da indústria e do comércio (SENAI, SENAC, SESC, SESI), com
público sua liberdade operacional é ampla e irrestrita; quando for ativida- estrutura e organização especiais, genuinamente brasileiras. Por não exis-
de econômica fica limitada aos preceitos constitucionais da subsidiarie- tirem como instituições municipais, para maiores esclarecimentos remete-
dade e da não-competitividade com a iniciativa privada, sujeitando-se às mos o leitor ao nosso Direito Administrativo Brasileiro (34ª ed.), Capítulo
nOlmas aplicáveis às empresas congêneres particulares e ao regime tribu- VI, item 7.1.1.
tário comum, pois é dever do Estado dar preferência, estímulo e apoio à
iniciativa privada para o desempenho da atividade econômica (CF, art. 173 4.2.8.3 Organizações sociais -ALei federal 9.637, de 18.5.1998, au-
e §§). Entretanto, a realidade vem demonstrando que as empresas estatais torizou o Poder Executivo a qualificar como organizações sociais pessoas
vêm sendo criadas com desrespeito aos mandamentos constitucionais, in- jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades estatutá-
vadindo a área reservada ao empresariado particular e fazendo-lhe aberta rias sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
concorrência. Com o início do Programa Nacional de Desestatização foi tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à
posto um paradeiro a essa situação, devolvendo-se à iniciativa privada saúde, atendidos os requisitos previstos naquele diploma.
várias empresas que vinham explorando atividades econômicas.
A organização social, portanto, não é um novo ente administrativo, é
Ao concluir, permitimo-nos relembrar que as sociedades de economia uma qualificação, um título, que a Administração outorga a uma entidade
mista, como as empresas públicas, não têm, por natureza, qualquer privi-
légio estatal, só auferindo as prerrogativas administrativas, tributárias e
80. STF, RTJ 6/357, RDA 47/165, 51/298, 53/195 e 56/255; TFR, RDA 40/335;
processuais que lhes forem concedidas especificamente na lei criadora ou TJGB, RDA 51/301; TJSP, RDA 37/208 e 55/219.
402 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

privada, sem fins lucrativos, para que ela possa receber determinados be-
neficios do Poder Público (dotações orçamentárias, isenções fiscais etc.)
f VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS

representantes da comunidade e do Poder Público devem constituir maio-


ria absoluta, controlando os atos da Diretoria Executiva, cujos membros
403

para a realização de atividades necessariamente de interesse coletivo. serão pelo Conselho designados e dispensados.
O objetivo declarado pelos autores da Reforma Administrativa81 com De certa forma, o Poder Público assenhoreia-se do controle da entida-
a criação da figura das organizações sociais foi encontrar instrumento que de privada - com a colaboração da comunidade -, para que ela possa vir a
permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo exercer as atividades sociais desejadas, utilizando-se de recursos oficiais.
Poder Público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessida-
A qualificação da entidade privada como organização social é ato
de de concessão ou permissão. Trata-se de nova forma de parceria, com
administrativo discricionário do Poder Público. No âmbito federal o exa-
a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse
me da conveniência e oportunidade da medida cabe ao ministro ou titular
público mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades
governamentais. Além dessa, existe outra intenção subjacente, que é a de do órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao
exercer maior controle sobre as entidades privadas que recebem verbas objeto social da entidade pretendente, assim como ao ministro da Admi-
orçament;írias para a consecução de fins assistenciais, mas que não ficam nistração. O mesmo se pode dizer em relação às outras esferas de governo
submetidas a qualquer controle de resultados. - estadual e municipal-, que deverão editar lei disciplinando essas organi-
zações. Mas, evidentemente, a Administração há de justificar devidamente
Essas pessoas jurídicas de direito privado são aquelas previstas no
o porquê da outorga, ou não, do título jurídico de organização social à
Código Civil (art. 44, I e II). Podem já existir ou ser criadas para o fim
entidade que o pleiteia. Todo e qualquer ato administrativo deve ser mo-
específico de receber o título de organizações sociais e prestar os serviços
desejados pelo Poder Público. O que importa é que se ajustem aos requi- tivado, principalmente aqueles resultantes do poder discricionário, pois
sitos da lei. São eles: a) não podem ter finalidade lucrativa e os eventuais estes precisamente é que devem estar embasados na clara demonstração
excedentes financeiros devem ser reaplicados em suas atividades; b) fim do interesse público que os fundamenta.
social de interesse coletivo, em qualquer das áreas previstas na lei: ensino, O Poder Executivo também poderá desqualificar a entidade privada,
saúde, cultura etc.; c) possuir órgãos diretivos colegiados, com a participa- retirando-lhe o título de organização social, mas esta providência há de
ção de representantes do Poder Público e da comunidade; d) publicidade estar baseada no descumprimento das disposições contidas no contrato de
de seus atos; e) submissão ao controle do Tribunal de Contas dos recursos gestão e devidamente apurada em processo administrativo, assegurado o
oficiais recebidos (o que já existe); f) celebração de um contrato de gestão direito de defesa aos dirigentes da organização.
com o Poder Público, para a formação da parceria e a fixação das metas a
O contrato de gestão, portanto, é o instrumento jurídico básico dessa
serem atingidas e o controle dos resultados.
forma de parceria entre o setor público e o privado. Embora a lei denomine
Submetendo-se a essas exigências e obtendo a qualificação de organi- este instrumento de contrato, na verdade trata-se de um acordo operacio-
zação social, a entidade poderá contar com os recursos orçamentários e os nal entre a Administração e a entidade privadaP
bens públicos (móveis e imóveis) necessários ao cumprimento do contrato
de gestão. Os bens ser-Ihe-ão transferidos mediante permissão de uso e os Estados e Municípios - repetimos -, se quiserem se utilizar dessa
recursos serão liberados de acordo com o cronograma de desembolso esta- forma de parceria na sua administração, deverão aprovar suas próprias
belecido no contrato de gestão. O Dec. 5.504, de 5.8.2005, obriga as organi- leis. Trata-se de matéria de prestação de serviços, e, por conseguinte, de
zações sociais a se utilizarem da modalidade licitatória do pregão, de prefe- competência da respectiva entidade estatal. A Lei federal 9.637, de 1998,
rência na sua forma eletrônica, na aquisição de bens ou serviços de interesse não é uma lei nacional, cujas normas gerais seriam aplicáveis aos Estados
comum, adquiridos em decorrência de recursos repassados pela União. e Municípios. Ela poder servir de modelo, devendo ser adaptada às pe-
Convém alertar que o Conselho de Administração da entidade deverá culiaridades regionais ou locais, de acordo com os setores considerados
exercer papel fundamental na sua administração. Em sua composição os prioritários pela entidade: cultura, meio ambiente, saúde, ensino, desen-
volvimento tecnológico, pesquisa científica etc.
81. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, Brasília, Ministério da
Administração e Reforma do Estado - MARE, 1995. 82. v., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., 2008, Capítulo V.
404 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 405

4.2.9 Serviços delegados a particulares missão e autorização, resultando daí os serviços concedidos,permitidos e
autorizados, que veremos a seguir.
Já vimos que o Município pode realizar centralizadamente seus pró-
prios serviços, por meio dos órgãos da Administração direta, ou prestá- 4.2.9.1 Serviços concedidos - São todos aqueles que o particular exe-
los descentralizadamente, através das entidades autárquicas e empresas cuta em seu nome, por sua conta e risco, remunerados por tarifa, na forma
estatais que integram a Administração indireta (autarquias, empresas pú- regulamentar, mediante delegação contratual ou legal do Poder Público
blicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas pelo Poder concedente. Serviço concedido é serviço do Poder Público, apenas execu-
Público), ou, ainda, por meio de entes paraestatais de cooperação que não tado por particular em razão da concessão.
compõem a Administração direta nem a indireta (serviços sociais autôno-
Concessão é a delegação contratual da execução do serviço, na for-
mos, organizações sociais e outros), e, finalmente, por empresas privadas
ma autorizada por lei e regulamentada pelo Executivo. 85 O contrato de
e particulares individualmente (concessionários, permissionários e autori-
concessão é ajuste de direito administrativo, bilateral, oneroso, comuta-
zatários; CF, arts. 21, XII, e 175).83
tivo e realizado intuitu personae. 86 Com isto se afirma que é um acordo
Quando o Município executa seus próprios serviços o faz como ti- administrativo (e não um ato unilateral da Administração), com vantagens
tular dos mesmos; quando os comete a outrem pode transferir-lhes a titu- e encargos recíprocos, no qual se fixam as condições de prestação do ser-
laridade ou simplesmente a execução. A transferência da titularidade do viço, levando-se em consideração o interesse coletivo na sua obtenção
serviço é outorgada por lei e só por lei pode ser retirada ou modificada; e as condições pessoais de quem se propõe executá-lo por delegação do
a transferência da prestação do serviço é delegada por ato administrativo poder concedente. Sendo um contrato administrativo, como é, fica sujei-
(bilateral ou unilateral) e pela mesma forma pode ser retirada ou altera- to a todas as imposições da Administração necessárias à formalização do
da, exigindo apenas, em certos casos, autorização legislativa. Entre nós, ajuste, dentre as quais a autorização governamental, a regulamentação e
a outorga de serviço público ou de utilidade pública é feita às autarquias, a licitação. 87
fundações e às empresas estatais, pois que a lei, quando as cria, já lhes A lei apenas autoriza a concessão e delimita a amplitude do contrato
transfere a titularidade dos respectivos serviços, e a delegação é utilizada a ser firmado; o regulamento estabelece as condições de execução do ser-
para o traspasse da execução de serviços a particulares, mediante regula- viço; o contrato consubstancia a transferência da execução do serviço, por
mentação e controle do Poder Público. delegação, ao concessionário, vencedor da concorrência. O contrato há
A delegação é essencial para a legalidade da prestação do serviço que observar os termos da lei, do regulamento e do edital da licitação, sob
por parte do particular, sob pena de se tomar "clandestina", isto é, sem a pena de se expor a nulidade.
indispensável regulamentação e controle público. De certa forma, algumas Pela concessão o poder concedente não transfere propriedade algu-
Administrações têm tolerado o serviço de transporte coletivo sem delega- ma ao concessionário, nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa
ção fonnal e, assim, sem regulamentação e controle - especialmente por pública. Delega, apenas, a execução do serviço, nos limites e condições
meio das chamadas "lotações" -, em regra alegando-se o direito da livre legais e contratuais, sempre sujeita a regulamentação e fiscalização do
iniciativa. Todavia, como bem decidiu o STF, em boa hora, "não pode ser concedente.
dispensada, a título de proteção da livre iniciativa, a regular autorização,
concessão ou permissão" do serviço público. 84 85. Mário Masagão, Natureza Jurídica da Concessão de Serviço Público, p. 101.
Pela Constituição vigente os prestadores de serviços públicos respon- 86. A Lei 8.987, de 1995, conceitua a concessão de serviço público como sua
dem diretamente pelos danos que vierem a causar "a terceiros (CF, art. 37, delegação a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para
§ 6Q ). A delegação pode ser feita sob as modalidades de concessão, per- seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. Sua formalização
far-se-á mediante contrato administrativo, precedido de licitação, na modalidade de
concorrência. Destarte, a pessoa física não mais poderá obter concessão de serviço
83. A propósito, v. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Do Direito Privado na Admi- público; somente permissão, que terá sempre caráter precário e será formalizada me-
nistração Pública, São Paulo, Atlas, 1989. diante contrato de adesão.
84. STF, RE 214.382-1, sobre transporte interestadual de passageiros (Boletim 87. A Constituição Federal obriga à licitação (art. 175), assim como a Lei 8.666,
Informativo 171/3). de 1993 (art. 2Q), e a Lei 8.987, de 1995 (art. 14).
406 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
I VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 407
I!
Como o serviço, apesar de concedido, continua sendo público, o po- sempre feita no interesse da coletividade, e, assim sendo, o concessionário
der concedente - União, Estado-membro, Município - nunca se despoja fica no dever de prestar o serviço em condições adequadas para o públi-
do direito de explorá-lo direta ou indiretamente, por seus órgãos, suas au- co. Não o prestando eficientemente, pode e deve a Administração Públi-
tarquias e empresas estatais, desde que o interesse coletivo assim o exija. ca retomá-lo, por insatisfatório. Nessa conformidade, entende-se sempre
Nessas condições, permanece com o poder concedente a faculdade de, a preservado ao concedente o poder de regulamentar e controlar a atuação
qualquer tempo, no curso da concessão, retomar o serviço concedido, me- do concessionário, desde a organização da empresa até sua situação eco-
diante indenização, ao concessionário, dos lucros cessantes e danos emer- nômica e financeira, seus lucros, o modo e a técnica da execução dos ser-
gentes resultantes da encampação. As indenizações, em tal hipótese, serão viços, bem como fixar as tarifas em limites razoáveis e eqüitativos para a
as previstas no contrato ou, se omitidas, as que forem apuradas amigável empresa e para os usuários.
ou judicialmente.
Diante dessa realidade, nossas Constituições, desde a de 1934, con-
A concessão, em regra, deve ser conferida sem exclusividade, para signaram o dever de regulamentação das concessões por lei, e a vigente
que seja possível sempre a competição entre os interessados, favorecendo, repete a determinação, nestes termos:
assim, os usuários com serviços melhores e tarifas mais baratas. Apenas
"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente
quando houver inviabilidade técnica ou econômica de concorrência na
ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação do serviço, devidamente justificada, admite-se a concessão com
prestação de serviços públicos.
exclusividade (Lei 8.987, de 1995, art. 16). A atividade do concessionário
é atividade privada, e assim será exercida, quer no tocante à prestação do "Parágrafo único. A lei disporá sobre:
serviço, quer no que entende com seu pessoal (TJRS, RDA 16/94). Somen- "I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de ser-
te para os fins expressamente consignados em lei, ou no contrato, é que se viços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,
equiparam os concessionários a autoridades públicas, sujeitando-se seus bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da conces-
atos a mandado de segurança (Lei 1.533, de 1951, art. 1º, § 1º) e demais são ou permissão;
ações cabíveis. "II - os direitos dos usuários;
Nas relações com o público o concessionário fica adstrito à observân- "IlI - política tarifária;
cia do regulamento e do contrato, que devem estabelecer direitos e deveres
"IV - a obrigação de manter serviço adequado."
também para os usuários, além dos já estabelecidos em leis, para defesa dos
quais o particular dispõe de todos os meios judiciais comuns, notadamente Pela Constituição de 1988 cabe à entidade concedente editar a lei
a via cominatória, para exigir a prestação do serviço nas condições em que regulamentar de suas concessões, o que não impede sobrevenha norma fe-
o concessionário se comprometeu a prestá-lo aos interessados em gera1. 88 deral-nacional com preceitos gerais para todas as concessões (CF, art. 22,
Findo o prazo da concessão devem reverter ao poder concedente os XXVII) - o que ocorreu com a Lei 8.987, de 13.2.1995, que estabeleceu as
direitos e bens vinculados à prestação do serviço, nas condições estabele-
cidas no contrato. 89 ros Editores, 1998; Benedicto Porto Neto, Concessão de Serviço Público no Regime
da Lei n. 8.987/95 - Conceitos e Princípios, São Paulo, Malheiros Editores, 1998;
A regulamentação dos serviços concedidos compete inegavelmente Toshio Mukai, Concessões e Permissões de Serviços Públicos, São Paulo, 1996; Mar-
ao Poder Público, por determinação constitucional (art. 175, parágrafo çal Justen Filho, Concessões ... , São Paulo, Dialética, 1997; Antônio Carlos Cintra do
único) e legal (Lei 8.987, de 1995, art. 29,1).90 Isto porque a concessão é Amaral, Licitação para Concessão de Serviço Público, São Paulo, Malheiros Editores,
1995, e Concessão de Serviço Público, São Paulo, Malheiros Editores, 1996; Amoldo
Wald, Luíza Rangel de Moraes e Alexandre Wald, O Direito de Parceria e a Nova Lei
88. Sentença do Autor in RDA 25/263 e, no mesmo sentido, TJDF, RDA 39/248.
de Concessões, São Paulo, 1996; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Parcerias ... , 3ª ed.,
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990) reconheceu expressamente
São Paulo, Atlas, 1999; antes da Lei 8.987, de 1995, v.: Bilac Pinto, Regulamentação
os direitos dos usuários dos serviços públicos (arts. 62 , X, e 22), estabelecendo os
Efetiva ... , pp. 36 e ss.; Odilon C. de Andrade, Serviços Públicos e de Utilidade Públi-
meios processuais indispensáveis de defesa (arts. 81-104).
ca, pp. 102 e ss.; Luiz de Anhaia Mello, O Problema Econômico ... , pp. 47 e ss.; Plínio
89. Cf. parecer do Autor in RDA 102/462. A. Branco, Diretrizes Modernas ... , pp. 43 e ss.; John Bauer, Eifective Regulation of
90. Sobre a matéria, após a Lei 8.987, de 1995: Eurico de Andrade Azevedo e the Public Utilities, pp. 74 e 8S., e Transforming Public Utility Regulation, pp. 4 e ss.;
Maria Lúcia Mazzei de Alencar, Concessão de Serviços Públicos, São Paulo, Malhei- Jones e Bigham, Princíples ofPublic Utilities, pp. 649 e S8.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 409
408

normas gerais sobre o regime de concessão e permissão de serviços públi- ou, quando couber, a permissão de determinados serviços e obras públi-
cos. Esta lei procurou sistematizar a matéria, cuidando dos vários aspectos cas de competência da União, listados no art. 1º (vias federais, barragens,
básicos do instituto em capítulos próprios, estabelecendo as definições, eclusas, estações aduaneiras etc.). Isto quer dizer que o ato do Executivo
conceituando o serviço adequado, explicitando os direitos e obrigações previsto no art. 5º da Lei 8.987, de 1995, não substitui a lei autorizadora da
dos usuários, fixando as regras da política tarifária, da licitação e do con- concessão; tal ato será sempre necessário, para complementação da norma
trato, relacionando os encargos do poder concedente e do concessionário, legal, justificando o traspasse do serviço ou da obra ao concessionário.
arrolando os casos de intervenção no serviço e de extinção da concessão. Toda concessão, portanto, fica submetida a duas categorias de nor-
Posteriormente, nova lei federal alterou alguns dispositivos da primeira e mas: as de natureza regulamentar e as de ordem contratual. As primeiras
regulou a concessão dos serviços de energia elétrica, de competência fe- disciplinam o modo e forma de prestação do serviço; as segundas fixam
deral (Lei 9.074, de 7.7.1995). Novas alterações foram introduzidas pelas as condições de remuneração do concessionário; por isso, aquelas são de-
Leis 9.648, de 27.5.1998, e 9.791, de 24.3.1999. nominadas leis dos serviço, e estas, cláusulas econômicas oufinanceiras.
Os Municípios, contudo, devem aprovar suas próprias leis sobre con- Como as leis, aquelas são alteráveis unilateralmente pelo Poder Público
cessões e pemússões para atender ao disposto no art. 175 da CF, respei- segundo as exigências da comunidade; como cláusulas contratuais, estas
tando os preceitos que constituem normas gerais, contidos na Lei 8.987, são fixas, só podendo ser modificadas por acordo entre as partes.
de 1995. 91 Se preferirem, podem adotar a lei federal em todos os seus ter- Consideram-se normas regulamentares ou de serviço todas aquelas
mos, mas hão de fazê-lo mediante lei. Caso contrário haverá necessidade estabelecidas em lei, regulamento ou no próprio contrato visando à presta-
de uma lei específica para cada concessão, estabelecendo suas diretrizes, ção de serviço adequado; consideram-se cláusulas econômicas oufinan-
como sempre se entendeu anteriormente. ceiras as que entendem com a retribuição pecuniária do serviço e demais
A Lei federal 9.074, de 7.7.1995, resultante de conversão da MP 890, vantagens ou encargos patrimoniais do concessionário e que mantêm o
editada no mesmo dia da Lei 8.979, de 13.12.1995, veda à União, aos "equilíbrio econômico e financeiro do contrato", na boa expressão de Caio
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços Tácito. 93
públicos por meio de concessão ou permissão sem lei que os autorize e A esse propósito, o TJDF deixou julgado que "as cláusulas regula-
fixe os respectivos termos. 92 Ao mesmo tempo, já autoriza a concessão mentares, consideradas como lei de serviço, são alteráveis unilateralmente
pela Administração, porque não se compreende haja lei ou regra social
9l. Sobre o conceito de normas gerais, v. acórdão do STF inRDA 200/193. imutável. As leis são feitas para atender às necessidades sociais, de modo
92. O Estado de São Paulo editou a Lei 7.835, de 8.5.1992, e o Estado do Rio a que, sendo estas variáveis, aquelas também o devem ser. Eis por que o
Lei 1.481, de 21.6.1989, fixando as regras das concessões de serviços e obras públicas
estaduais. A propósito do tema, convém observar que a Lei federal 9.074, de 7.7.1995,
Poder Público pode mudar à vontade as cláusulas regulamentares, sem
ao aprovar medida provisória que regulava a concessão dos serviços de energia elétri- audiência do concessionário".94
ca, inseriu dispositivo vedando "à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni- Essa é a orientação pacífica de nossos Tribunais, capitaneada pelo Su-
cípios executar obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço
público, sem lei que lhes autorize e lhes fixe os termos, dispensada a lei autorizativa
premo, desde 1908, em memorável acórdão que resumiu toda a doutrina
nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição dominante no assunto, com inexcedível clareza e precisão conceituaP5
Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Muni-
cípios, observados, em qualquer caso, os termos da Lei 8.987, de 1995". 93. O Equilíbrio Financeiro na Concessão de Serviço Público (tese), p. 6.
Este dispositivo não tem conteúdo de norma geral, e, por conseguinte, não se apli- 94. TJDF, atual RJ, RDA 38/332.
ca aos Estados e Municípios. Segundo o eminente Min. Carlos Velloso, "legislar sobre 95. Eis a ementa do referido acórdão, publicado na antiga Revista de Direito
normas gerais significa dispor 'com generalidade' (= sem detalhamento, estabelecendo 10170 e reproduzido na RDA 9/30:
os grandes parâmetros, a 'moldura', dentro dos quais as normas locais, específicas, e
"Na concessão de uma obra ou serviço público, o governo não transfere proprie-
com detalhamento, deverão se acomodar), o que, à evidência, supondo a existência
de normas não-gerais, específicas, até mesmo briga com a idéia de simplesmente ... dade alguma ao concessionário; este obtém, apenas, o uso ou gozo da coisa durante o
vedar" (do voto do Relator na decisão liminar naADln 927-3-RS, RDA 200/197). Não prazo da exploração concedida.
cabe à lei federal, portanto, definir os serviços estaduais e municipais que dependem "Os direitos do Poder Público de que o concessionário é investido, como de desa-
de lei para ser objeto de concessão ou permissão. Isto é matéria de norma do poder propriar ou arrecadar tarifas do público, não os exerce jure proprio, mas como mero dele-
concedente, que melhor disporá sobre as conveniências de sua administração. gado ou mandatário do poder concedente, e nos precisos limites da delegação recebida.
410 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 411

o poder de regulamentar as concessões é inerente e indespojável do minar a fiscalização de sua execução, pela forma conveniente. A fixação e
concedente. Cabe ao Executivo aprovar o regulamento do serviço e deter- a alteração de tarifas são também atos administrativos, do âmbito regula-
mentar do Executivo, não dependendo de lei para sua expedição.
"Quaisquer que sejam os favores e direitos reconhecidos ao concessionário, to-
dos eles são outorgados em vista do bem público; conseqüentemente, se entendem Convém se advirta que a regulamentação a que estamos nos referindo
sempre regulados e fiscalizados pelo poder concedente. é apenas a da execução do serviço, e não a normativa das concessões em
"O concessionário, mesmo quando a concessão assenta em um verdadeiro con- geral, a ser feita por lei, como já vimos precedentemente.
trato, nada pode pretender que não se ache expressamente concedido nas cláusulas do Nos poderes de regulamentação e controle se compreende a facul-
instrumento; nada pode obrigar ao poder concedente, que não se ache aceito expres-
samente pelo dito poder nas cláusulas referidas; tudo que não estiver expressamente dade de o Poder Público modificar a qualquer tempo o funcionamento
concedido, se entende negado e subsistente no poder concedente, porque todo direito do serviço concedido, visando à sua melhoria e aperfeiçoamento técnico,
do concessionário nasce da concessão e com a concessão, ao contrário do poder con- assim como a de aplicar penalidades corretivas ao concessionário (mul-
cedente, que se entende sempre na posse e gozo de toda faculdade, sobre a qual não se tas, intervenção no serviço) e afastá-lo definitivamente da execução (cas-
tenha livremente coarctado.
sação da concessão e rescisão do contrato), uma vez comprovada sua
"O poder concedente nada pode fazer que afete ou diminua os favores e direitos
concedidos quanto à substância dos mesmos; mas a não ser nos casos nomeadamente
incapacidade moral, financeira ou técnica para executá-lo em condições
declarados no contrato, tudo pode ordenar quanto ao regulamento dos modos de exe- satisfatórias. 96
cução da obra ou serviço, que é seu, e assim continua, como também em relação à mais A licitação para a outorga de concessão será efetuada sempre na mo-
completa fiscalização, em bem do público. dalidade de concorrência, aplicando-se, no que couber, a legislação espe-
"Embora reduzida a contrato, uma concessão para exploração de serviço público,
cífica da matéria (Lei 8.666, de 1993, com as modificações determinadas
propriamente dito, e na qual se delega ao concessionário direito desse Poder Público,
isto é, o exercício de poder sobre uma parte da administração ou do domínio público, pela Lei 8.987, de 1995, alterada pela Lei 9.648, de 27.5.1998). O julga-
não pode ser somente regida pelos preceitos do direito civil ou privado; esse direito mento será feito segundo um dos seguintes critérios: a) menor valor da
seria incapaz de criar uma concessão da espécie e ditar-lhe o seu objeto e fim. tarifa do serviço a ser prestado; b) maior oferta pela outorga da concessão;
"Toda concessão desta natureza é, antes de tudo, ato de direito administrativo, e, c) melhor proposta técnica com preço fixado no edital; d) combinação de
como tal, explorada pelo concessionário, sempre sob as vistas imediatas do governo proposta técnica com o valor da tarifa; e) combinação de proposta técnica
concedente.
"A existência do concessionário, os seus direitos e o exercício destes não foram e
com o preço da concessão; f) melhor preço da concessão, após aprovação
não são atos seus exclusivos, mas atos derivados e dependentes do poder que os outor- da proposta técnica; g) menor valor da tarifa, após aprovação da proposta
gou ou delegou, e ao qual, por isso mesmo, tem o concessionário de prestar contas. técnica. Procurou-se, destarte, combinar a avaliação da proposta técnica
"Qualquer que seja a forma posteriormente tomada pelo concessionário, isto é, com o pagamento a ser efetuado pela outorga da concessão, devendo o
de empresa ou associação, aos olhos do poder concedente, ele é e continua sempre edital conter todos os parâmetros e exigências para a formulação das pro-
simples concessionário, qualidade única, em que foi reconhecido por esse poder, e
postas técnicas. Quando fala em preço a lei está a se referir tanto ao valor
daí a comunhão de interesses e direitos, já relativamente à exploração ou gestão dos
serviços, já resultante do uso que o concessionário faz dos direitos que exerce por mera da tarifa como ao valor a ser pago pela concessão.
delegação do poder concedente: ele não pode invocar outra qualidade para opor-se à O procedimento normal para a outorga da concessão é a concorrên-
ação do governo, nem declarar-se um estranho ao governo, ou ao interesse público, cia, como foi dito acima. Não obstante, no plano federal, a legislação que
representado por este.
aprovou o Programa Nacional de Desestatização (Lei 9.491, de 9.9.1997)
"O concessionário, como qualquer outro agente ou delegado do Poder Público,
desde que arrecada tarifas, se constitui no dever de mostrar ao poder, em cujo nome admite também a modalidade leilão. A referida lei considera também de-
age, e quando o mesmo exigir, que não saiu da esfera dos poderes recebidos, no modo, sestatização "a transferência, para a iniciativa privada, de serviços públi-
na aplicação e na importância das tarifas arrecadadas: trata-se do exercício de um po- cos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controla-
der soberano, que não é lícito transferir a ninguém mediante contrato e apenas susce- das, bem como daqueles de sua responsabilidade" (art. 2º, § 2º, "b"). Esta
tível de delegação dentro de limites e condições postos, os quais cumpre ao delegante, desestatização poderá ser efetuada segundo várias modalidades operacio-
sem exceção, fiscalizar e verificar em nome do bem público, razão e fundamento único
de semelhante delegação ao indivíduo ou empresa privada. nais, entre as quais se incluem a concessão, a permissão e a autorização
"As dúvidas do contrato devem ser decididas contra o concessionário e em favor de serviços públicos, admitindo-se, nestes casos, que a licitação seja pro-
do público ou do interesse público, tal é a regra universalmente ensinada em matéria
de concessão, que alguém explora, sobre coisa ou serviço público." 96. STF, RDA 331209 e 37/307; TJDF, RDA 38/332.
412 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
, VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 413
f
cedida mediante leilão (art. 4º, VI, e § 3º), como tem ocorrido em vários I lação, fonna de atendimento dos pedidos etc.); que indiquem o foro e o
casos concretos. Para esse fim, contudo, é necessário que a concessão seja ! modo amigável de solução das divergências contratuais; que esclareçam o
aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização, ao qual caberá a in- modo e fonna de aplicação das penalidades contratuais e administrativas e
dicação da modalidade operacional a ser aplicada (art. 6º, lII, "a"). a autoridade competente para impô-las.
O contrato de concessão é o documento escrito que encerra a dele- As cláusulas lembradas acima estão relacionadas no art. 23 da Lei
gação do poder concedente, define o objeto da concessão, delimita a área, 8.987, de 1995, e não oferecem, na sua maioria, dificuldade de entendi-
fonna e tempo da exploração, estabelece os direitos e deveres das partes e mento e redação, por se referirem a conceitos e precauções de rotina dos
dos usuários do serviço. contratos administrativos. 97
Documento da maior relevância, o contrato de concessão não tem O contrato de concessão, como os demais contratos administrativos,
merecido dos Poderes Públicos a necessária atenção na sua feitura, ficando pode ser alterado unilateralmente pela Administração. Mas essa altera-
quase sempre entregue sua redação aos próprios pretendentes à concessão, ção restringe-se às cláusulas regulamentares ou de serviço, sempre para
que, assim, a amoldam às suas conveniências, sem atender ao interesse pú- melhor atendimento do público. Além disso, toda vez que, ao modificar a
blico e aos direitos dos usuários. As concessões vigentes são, em geral- e prestação do serviço, o concedente alterar o equilíbrio econômico e finan-
paradoxalmente -, instrumentos em que o Poder Público e os usuários é ceiro do contrato terá que reajustar as cláusulas remuneratórias da conces-
que se submetem à vontade despótica das empresas, tais são as cláusulas a são, adequando as tarifas aos novos encargos acarretados ao concessioná-
seu favor e a nenhuma reserva de direitos para o particular a que o serviço rio (Lei 8.987, de 1995, art. 9º, § 4º).
se destina. Já é tempo de os concedentes reagirem contra esta inversão de
Essa orientação tomou-se pacífica entre nós desde a tese pioneira de
poderes, defendendo melhor o público e exigindo dos seus concessioná-
Caio Tácito, que concluiu afinnando: "Ao Estado é lícito alterar as con-
rios, na feitura dos contratos novos ou na fiscalização dos já existentes, a
dições objetivas do serviço, mas não poderá deslocar a relação entre os
prestação eficiente e regular dos serviços que lhes são concedidos.
tennos da equação econômica e financeira, nem agravar os encargos ou as
As cláusulas principais a serem insertas no contrato de concessão, obrigações do concessionário, sem reajustar a remuneração estipulada".98
além de outras peculiares ao caso, são as que indiquem e delimitem o
E assim é porque a remuneração do serviço nas bases inicialmen-
objeto, modo e forma da prestação do serviço; que assegurem o serviço
te ajustadas constitui direito fundamental e adquirido do concessionário,
adequado; que disponham sobre a fiscalização, reversão e encampação,
imutável ao nuto da outra parte; direito adquirido, reconhecido tanto pela
fixando os critérios de indenização; que estabeleçam o início, tenno ou
doutrina como pena nossa jurisprudência e atualmente pela Constituição
condições de prorrogação do contrato; que delimitem as áreas de presta-
Federal (art. 37, XXI).
ção do serviço, os poderes e regalias para sua execução; que estabeleçam o
valor do investimento e o modo de integralização do capital; que forneçam Inegável é, portanto, que o contrato de concessão cria direitos e obri-
os critérios para a detenninação do custo do serviço e conseqüente fixação gações individuais para as partes. Dentre os direitos encontra-se o de o
e revisão das tarifas, na base de uma justa e razoável retribuição do capital; concessionário auferir as vantagens de ordem pecuniária que o contrato
que determinem a constituição de reservas para eventuais depreciações e lhe garantiu. Satisfeitas as condições contratuais pelo concessionário, a
fundo de renovação; que assegurem a expansão do serviço pela justa fixa- rentabilidade assegurada à empresa erige-se em direito adquirido, exigí-
ção de tarifas; que prevejam a fonna de fiscalização da contabilidade e dos vel do concedente na fonna avençada. Qualquer modificação unilateral,
métodos e práticas da execução do serviço; que precisem a responsabili- posterior, da nonna legal ou regulamentar ou de cláusula contratual per-
dade do concessionário pela inexecução ou deficiente execução do serviço tinente ao serviço não invalida as vantagens contratuais asseguradas ao
e estabeleçam as sanções respectivas (advertências, multas, intervenção concessionário, porque tais modificações não podem ter efeito retroativo
etc.); que estabeleçam os casos de cassação da concessão e conseqüente
rescisão do contrato; que fixem o critério de indenização para o caso de 97. Todos esses aspectos do contrato de concessão acham-se bem analisados por
encampação; que disponham sobre os direitos e deveres dos usuários para Plínio A. Branco em sua monografia Diretrizes Modernas ... , editada pela Prefeitura
da Capital de São Paulo, em 1949, a propósito dos serviços de transporte coletivo do
a obtenção e remuneração do serviço (prazo para a prestação dos serviços
Município.
domiciliares, modo de pagamento da tarifa e adiantamentos para a insta- 98. O Equilíbrio Financeiro ... , p. 78.
414 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 415

prejudicial ao direito adquirido, preservado por disposição constitucional O princípio ou requisito da generalidade significa serviço para todos
(art. 5º, XXXVI). os usuários, indiscriminadamente; o da permanência ou continuidade im-
A alteração unilateral é admissível sempre, mas unicamente no to- põe serviço constante, na área e período de sua prestação; o da eficiência
cante aos requisitos do serviço e com correlata revisão das cláusulas eco- quer dizer serviço satisfatório, qualitativa e quantitativamente; o da mo-
nômicas e financeiras afetadas pela alteração, para se manter o equilíbrio dicidade indica preços razoáveis, ao alcance de seus destinatários; o da
econômico e financeiro inicial. cortesia significa bom tratamento ao público.
Afiscalização do serviço concedido cabe ao Poder Público conceden- Esse conjunto de requisitos ou princípios é, modernamente, sintetiza-
te, que é o fiador de sua regularidade e boa execução perante os usuários. do na expressão serviço adequado, que a nossa Constituição adotou, com
Serviços públicos e serviços de utilidade pública são sempre serviços para propriedade técnica, ao estabelecê-lo como uma das diretrizes para a lei
o público. Assim sendo, é dever do concedente exigir sua prestação em normativa das concessões (art. 175, parágrafo único, IV), que o defmiu no
caráter geral, permanente, regular, eficiente e com tarifas módicas (Lei art. 6º (Lei 8.987, de 1995).
8.987, de 1995, art. 6º, § 1º). Para assegurar esses requisitos, indispensá- Desatendendo a qualquer desses requisitos o concessionário expõe-
veis em todo serviço concedido, reconhece-se à Administração Pública o se às sanções regulamentares ou contratuais da concessão, por execução
direito de fiscalizar as empresas, com amplos poderes de verificação de inadequada do serviço.
sua administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e finan- O serviço concedido deve ser remunerado por tarifa (preço público),
ceiros, principalmente para conhecer a rentabilidade do serviço, fixar as e não por taxa (tributo). E a tarifa deve permitir a justa remuneração do
tarifas justas e punir as infrações regulamentares e contratuais. capital, o melhoramento e a expansão do serviço, assegurando o equilíbrio
A fiscalização será feita por órgão técnico da Administração conce- econômico e financeiro do contrato. Daí por que impõe-se a revisão perió-
dente ou por entidade com ela conveniada. Paralelamente, o regulamento dica das tarifas, de modo a adequá-las ao custo operacional e ao preço dos
do serviço deverá prever a constituição de comissão integrada por repre- equipamentos necessários à manutenção e expansão do serviço, a fim de
sentantes do poder concedente, do concessionário e dos usuários, a fim de propiciar a justa remuneração do concessionário, na forma contratada (Lei
que colabore na fiscalização (Lei 8.987, de 1995, art. 30, parágrafo único) 8.987, de 1995, art. 23, IV).
(v. o tópico anterior sobre Agências reguladoras).
A revisão das tarifas é ato privativo do poder concedente, em nego-
No poder de fiscalização está implícito o de intervenção para regula- ciação com o concessionário, que deverá demonstrar a renda da empresa,
rizar o serviço quando estiver sendo prestado deficientemente aos usuários as despesas do serviço e a remuneração do capital investido ou a ser inves-
ou ocorrer sua indevida paralisação. 99 O ato interventivo, expedido pre- tido nas ampliações necessárias.
viamente pelo concedente, deverá indicar os motivos da medida e o prazo
Os direitos do usuário devem ser claramente assegurados no contrato
de sua duração, e no início e no fim da intervenção lavrar-se-á o termo
de concessão, por ser ele o destinatário do serviço concedido. A ausência
respectivo com todas as indicações necessárias à sua regularidade. A in-
de cláusulas em favor do público tem ensejado o maior descaso das em-
tervenção há que ser provisória, pois se definitiva importaria encampação
presas concessionárias pelos direitos do usuário, o que não aconteceria se
do serviço ou rescisão do contrato (arts. 29, 111, e 32-34).
o próprio interessado no serviço dispusesse de reconhecimento expresso
A prestação do serviço concedido deve atender fielmente ao res- em seu favor para exigir a prestação que lhe é mui comumente denegada
pectivo regulamento e às cláusulas contratuais específicas, para plena ou retardada, sem qualquer providência punitiva do Poder Público. A atual
satisfação dos usuários, que são seus legítimos destinatários. Mas, inde- Constituição consagrou expressamente a proteção desses direitos em seu
pendentemente das normas pertinentes, há cinco princípios regedores de art. 175, parágrafo único, 11, os quais foram contemplados no art. 7º da Lei
todo serviço público ou de utilidade pública de presença obrigatória na sua 8.987, de 1995. Mais recentemente, a Lei 9.791, de 24.3.1999, passou a
prestação: generalidade, permanência, eficiência, modicidade e cortesia. obrigar os concessionários a oferecer ao consumidor ou usuário o mínimo
de seis datas opcionais para o vencimento de seus débitos.
99. O TJSP admitiu a intervenção preventiva diante de uma situação de perigo
iminente para o serviço de transporte coletivo urbano, na cidade de São Paulo (MS É certo e inegável que o princípio da generalidade, que informa todo
45.953-1, São Paulo, reI. Des. Freitas Camargo). serviço público, por si só permitiria a qualquer particular utilizar-se da
416 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIl- SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 417

prestação prometida pelo concessionário ao público em geral; mas se o niente à concessão muitas vezes exige a encampação ou resgate do ser-
contrato não estipula prazo para o atendimento do pedido, se não prevê viço; a conveniência recíproca das partes ou a inadimplência do conces-
sanções pelo não-atendimento, se não dispõe sobre a maneira de o inte- sionário pode conduzir à rescisão do contrato; ou, ainda, a ilegalidade da
ressado fazer valer seus direitos, todo fundamento doutrinário será inútil e concessão ou do contrato pode impor sua anulação. Em cada uma dessas
sem conseqüências práticas para a obtenção do serviço. hipóteses, a extinção da concessão ou a retomada do serviço ocorrem por
Sendo princípio incontroverso que os serviços públicos e de utilidade circunstâncias e atos diferentes e produzem conseqüências distintas entre
pública não admitem discriminações ou privilégios entre os pretendentes as partes, como veremos a seguir.
à sua utilização, por se tratar de um "direito cívico", como o denomina O advento do termo contratual, ou reversão, como a própria palavra
apropriadamente Gabino Fraga,IOO chegamos à exata conclusão de que indica, é o retomo do serviço ao concedente ao término do prazo contra-
qualquer interessado terá ação contra o concessionário que o desatender. tual da concessão. Segundo a doutrina dominante, acolhida pelos nossos
Além disso, injustas discriminações têm sido observadas na execução Tribunais, a reversão só abrange os bens, de qualquer natureza, vinculados
dos serviços concedidos, por favoritismo ou interesses escusos, sem que os à prestação do serviço. Os demais, não utilizados no objeto da concessão,
preteridos tenham meios de coagir o concessionário à estrita observância constituem patrimônio privado do concessionário, que deles pode dispor
contratual e regulamentar. Assim, a presença de cláusulas asseguradoras livremente e, ao final do contrato, não está obrigado a entregá-los, sem
dos direitos do usuário e das obrigações correlatas do concessionário, com pagamento, ao concedente. Assim é porque a reversão só atinge o serviço
as sanções respectivas, ensejará o chamamento do faltoso a juízo no mo- concedido e os bens que asseguram sua adequada prestação.
mento em que descumprir o estipulado. A esse propósito já tivemos opor- Se o concessionário, durante a vigência do contrato, formou um acer-
tunidade de decidir que o usuário, desatendido na obtenção de qualquer vo à parte, embora provindo da empresa, mas desvinculado do serviço e
serviço concedido, tem pedido cominatório (CPC, art. 287) para haver sem emprego na sua execução, tais bens não lhe são acessórios e, por isso,
judicialmente a prestação que lhe é assegurada, com todos os consectários não o seguem, necessariamente, na reversão. 103
da condenação. Naquela oportunidade sustentamos, com base na doutrina As cláusulas de reversão é que devem prever e tomar certo quais os
e na jurisprudência estrangeira - porquanto até então não se admitia entre bens que, ao término do contrato, serão transferidos ao concedente e em
nós a ação do usuário contra o concessionário -, que "o usuário de servi- que condições. A reversão gratuita é a regra, por se presumir que, durante a
ço público concedido tem ação para fazer valer os seus direitos quando exploração do serviço concedido, o concessionário retira não só a renda do
relegados".101 Em ação subseqüente reiteramos esse ponto de vista, confir- capital como, também, o próprio capital investido no empreendimento.
mado pelo TACivSP e posteriormente seguido pelo TJGB e STF, com os
Embora seja cláusula essencial do contrato (Lei 8.987, de 1995, art.
mesmos argumentos de nossas decisões anteriores. 102 Firmada está, hoje,
23, X), se nada for estipulado a respeito, entende-se que o concedente terá
a jurisprudência no sentido de que o pretendente à utilização de serviço
o direito de receber de volta o serviço com todo o acervo aplicado na sua
concedido pode demandar diretamente o concessionário para constrangê-
prestação, sem quaiquer pagamento. Mas casos há de concessão de curto
lo a prestar o serviço, sob pena de lhe pagar perdas e danos ou a multa cor-
prazo, ou de investimentos especiais e de alto custo, que justificam se
respondente, cominada na sentença (v. Código de Defesa do Consumidor,
convencione a indenização total ou parcial dos bens da empresa quando
Lei 8.078, de 1990, arts. 6º, X, 22 e 81-104). da reversão do serviço.
A extinção da concessão ou a retomada do serviço concedido podem
A Lei 8.987, de 1995, determina que o poder concedente indenize o
OCOlTer por diversos motivos e formas. O término do prazo da concessão concessionário de todas as parcelas de investimentos vinculados aos bens
impõe a reversão do serviço ao concedente; o interesse público superve-
103. Castro Nunes, parecer in RDA 42/444; Antão de Moraes, parecer in RDA
100. Derecho Administrativo, México, 1947, p. 543.
42/458; Carlos Medeiros Silva, parecer in RDA 43/454; Alcino Pinto Falcão, "A cláu-
101. Nossa sentença in RT 202/408 e RDA 25/263, refonnada pelo TJSP, RT sula de reversão na concessão de serviço público", RDP 15/127; Themístocles Bran-
202/408. dão Cavalcanti, parecer in RDA 102/453; parecer do Autor in RDA 102/462 - estes dois
102. Nossa sentença, confInnada pelo 1º TACivSP, in RT 232/196, e, no mesmo últimos pareceres anexados à Ap. 63.405, da Guanabara, por Caio Tácito, que obteve
sentido: TJGB, RDA 39/248 e 55/144; 1º TACivSP, RT302/506 e 347/405; STF, RTJ acolhimento da tese, por unanimidade, pelo TJGB, RDP 15/227. No mesmo sentido:
63/128. TJGB, RDA 45/218, confInnado pelo STF no RE 32.865.
418 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 1 VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 419

reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido r~a­ no qual elas convencionam o modo e forma de devolução do serviço e
lizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço eventuais pagamentos devidos.
(art. 36). Pretende-se evitar, com essa detenninação, que a ~restação do A rescisão por inadimplência do concessionário é, entre nós, também
serviço se deteriore nos últimos anos do prazo da concessao, por f~lta denominada caducidade, que corresponde à decadenza do Direito Italiano
de investimentos do concessionário. Ao garantir, legalmente, a mde.ru.za- e à déchéance da doutrina francesa. A Lei 8.987, de 1995, dispõe que o
ção desses investimentos torna-se mais fácil ~o poder concedente ,exigir o poder concedente poderá declarar a caducidade da concessão quando: a) o
cumprimento do dever de atualidade do serviço, corresp~nde~t: a I?anu- serviço estiver sendo prestado de fonna inadequada; b) o concessionário
tenção e melhoria dos equipamentos, instalações e demaIs eXlgenClaS do descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares;
serviço. ALei 11.445, de 5.1.2007, modificou alguns parágrafos do art. 42 c) o concessionário paralisar o serviço; d) perder as condições econômi-
da Lei 8.987/1995, regulando o término da concessão e o pagamento de cas, técnicas ou operacionais; e) não cumprir as penalidades impostas por
eventual indenização. infrações anteriores; f) não atender à intimação para regularizar a pres-
Encampação ou resgate é a retomada coativa do serv.iço, pelo P?d~r tação do serviço; g) for condenado, em sentença transitada em julgado,
concedente, durante o prazo da concessão, por motivo de l~teresse pu~h­ por sonegação de tributos, inclusive contribuições sociais. A caducidade
co. Não pode o concessionário, em caso ~lgum, opor-se .a encampaçao. será declarada por decreto do poder concedente, depois de comprovada a
Seu direito limita-se à indenização dos prejuízos que, efetIvamente, o ato inadimplência do concessionário em processo administrativo, observado
de império do Poder Público lhe acarretar, ca1cula~a na ~onna do art. 3~ da o princípio do contraditório. A indenização será apurada no decurso do
Lei 8.987, de 1995. A encampação depende de lei autonzador~ e~peclfic~ processo, dela devendo ser descontado o valor das multas contratuais e
e pagaInento prévio da indenização apura~a (~r:t. 37). Sem ~uvlda, a lei dos danos causados ao poder concedente (art. 38 e §§).
pretendeu dar maiores garantias ao conceSSlOnano ao tran~fenr para o ~e­ Anulação é a invalidação do contrato por ilegalidade na concessão ou
gislativo a decisão de encampar, uma vez que o reconhe~l~ento d~ eXIs- na fonnalização do ajuste. A anulação não se confunde com a rescisão,
tência de interesse público passa a depender de uma declsao colegiada, e porque esta supõe um contrato válido, mas mal-executado (inadimplência)
não individual do chefe do Executivo. Justifica-se que assim seja, uma vez ou cuja execução pelo concessionário se tenha tornado inconveniente ao
que a retomada do serviço pode importar indenização vultosa, dependente, interesse público, ao passo que aquela ( anulação) pressupõe um contrato
,o-
tal vez, de dotação específica. i ilegal, embora esteja sendo regularmente executado. Daí por que a anula-
I
Não se deve confundir encampação com rescisão, nem com anula-
ção, ou com reversão, visto serem institutos diversos, embora todos façam \ ção não impõe indenização alguma e produz efeitos ex tunc, retro agindo
às origens da concessão; e a rescisão nonnalmente obriga o concedente a
~ indenizar e só atua dali para diante, ex nunc. É oportuno observar que a Lei
volver o serviço ao concedente.
Rescisão é o desfazimento do contrato durante o prazo de sua execu-
ção. Rescisão é termo genérico, que comporta várias espécies, m~s a Lei
1ij de Ação Popular considera nulo, dentre outros contratos, o de concessão
de serviço público' quando celebrado sem concorrência não dispensada
8.987, de 1995, reservou-o para a extinção da concessão p~omovl~a pelo por lei ou com concorrência fraudada (Lei 4.717, de 1965, art. 4º, III,
concessionário junto ao Poder Judiciário (art. 39). A rescisão umlateral "a" -"c").
imposta pelo poder concedente foi denominada de en~ampação, quando A Lei 8.987, de 1995, prevê, ainda, que a concessão se extingue pela
motivada por interesse público (art. ~7)" ~u de ca~u:ld~de: ~ua~do de- falência ou extinção da empresa concessionária, ou pelo falecimento ou
corrente de inadimplência do conceSSlOnano. A reSClsao judlcwl e a~ue~a incapacidade do titular, no caso de empresa individual (art. 15, VI). Esta
determinada pelo Poder Judiciário, mediante provocação do conceSSlOna- última hipótese só se aplica às permissões, uma vez que somente pessoa
rio em face de descumprimento do contrato pelo poder concedente. Para jurídica pode ser concessionária (art. 2º, II), e jurídicas são apenas aquelas
obtê-la o concessionário deve: a) promover ação específica para esse fim; enumeradas no art. 44 do CC, as associações, as sociedades e as funda-
b) comprovar o descumprimento de cl.áusulas contr~tuais pel~ p~der con: ções, sem contar as pessoas jurídicas de direito público. Empresa indivi-
cedente; c) manter a prestação do serviço sem soluça~ de contll?-Uldade at? dual, oujirma individual, não é pessoa jurídica, mas sim o nome adotado
a decisão judicial transitar em julgado. Embora a leI não o dIga, havera pela pessoa fisica para uso em seu comércio. Opõe-se àjirma social ou
sempre lugar para a rescisão amigável, que decorre de acordo das partes razão social, própria aos nomes comerciais das sociedades mercantis.
420 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO 421

o patrimônio do concessionário, por vinculado a um serviço de uti- inserção do setor privado em serviços até agora pouco atrativos, como a
lidade pública, não pode sofrer paralisação ou retardamento na sua pres- construção de presídios, hospitais, escolas e outros setores.
tação, está protegido pelo Código Penal (Decreto-lei 2.848, de 1940), que A celebração do contrato de parceria público-privada é vedada quan-
considera crime de dano qualificado (art. 163, III, com a redação dada do seu valor seja inferior a vinte milhões de reais, ou quando o período de
pela Lei 5.346, de 1967) qualquer lesão aos bens da empresa. sua prestação seja inferior a cinco anos, ou, ainda, quando tenha como ob-
jeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e a instalação
4.2.9.2 Parcerias público-privadas l04 - É uma nova forma de partici- de equipamentos ou a execução de obra pública. A estipulação de valor
pação do setor privado na implantação, melhoria e gestão da infra-estru- mínimo tão elevado, sem dúvida, .reduz a possibilidade de os pequenos
tura pública, principalmente nos setores de rodovias, ferrovias, hidrovias, municípios celebrarem essas parcerias. As cláusulas do contrato devem
portos, energia etc., como alternativa à falta de recursos estatais para in- obedecer ao disposto no art. 23 de Lei 8.987/1995 e, também, às condições
vestimentos nessas áreas. constantes do art. 5º da nova lei.
A Lei 11.079, de 30.12.2004, define a parceria público-privada como Deve ser constituída uma sociedade de propósito específico para im-
contrato administrativo de concessão - mas uma concessão especial, di- plantar e gerir o objeto da parceria, sendo vedado à Administração ser
versa da que estudamos anteriormente, porque o particular presta o serviço titular da maioria do seu capital votante.
em seu nome, mas não assume todo o risco do empreendimento, uma vez
A contratação da parceria público-privada deve ser precedida de li-
que o Poder Público contribui financeiramente para sua realização e ma-
citação, na modalidade de concorrência, com características especiais,
nutenção.
conforme previsto na Lei 11.079/2004, que, também, determina que as
Duas são as modalidades de parceria público-privada instituídas pela despesas com os contratos não podem exceder a 1% da receita corrente
referida lei: concessão patrocinada - quando a concessão de serviços ou de líquida de cada exercício.
obras públicas envolver uma contraprestação do Poder Público adicional- Note-se que, antes do advento da Lei 11.079/2004, o Estatuto da
mente à tarifa cobrada dos usuários; e concessão administrativa - quando Cidade (Lei 10.257/2001) já previa hipóteses de parcerias entre o Poder
a remuneração do serviço é feita integralmente pela Administração, ainda Público e o setor privado, das quais se destacam as operações urbanas
que ele envolva execução de obra ou fornecimento de bens. consorciadas, que analisamos no capítulo IX, item 1.4.2.10.
Na verdade, são duas formas de concessão que refogem ao conceito
tradicional desse contrato administrativo, porque envolvem contrapresta- 4.2.9.3 Serviços permitidos - Além dos serviços concedidos, que
ção pecuniária do Poder Público. Não obstante, a elas se aplicam os prin- vimos precedentemente, há, ainda, os serviços permitidos, que veremos
cípios básicos da concessão comum, com as alterações especificadas pela agora, e os serviços autorizados, que serão vistos ao depois. Todos são
nova lei. Passamos, assim, a contar com três tipos de concessão de servi- modalidades de serviços delegados ao particular, apenas por formas e com
ços: a comum, que continua regulada pela Lei 8.987/1995; apatrocinada garantias diferente's: a concessão é delegação contratual e, modernamente,
e a administrativa, que se regem pela nova lei, com aplicação subsidiária legal; a permissão e a autorização constituem delegações por ato unilateral
da lei de 1995. da Administração; aquela, com maior formalidade e estabilidade para o
Com relação a esta última, é preciso não confundi-la com a concessão serviço; esta, com mais simplicidade e precariedade na execução.
de uso de bem público, também chamada de concessão administrativa de Serviços permitidos são todos aqueles para os quais a Administração
uso, para diferençá-Ia da concessão do direito real de uso, por nós men- estabelece os requisitos para sua prestação ao público e, por ato unilateral
cionadas no capítulo VI. Esta concessão administrativa é um contrato de (termo de permissão), comete a execução aos particulares que demonstra-
prestação de serviços de que a Administração é a usuária direta ou indi- rem capacidade para seu desempenho. lOS
reta, conforme a define a lei. Daí por que a remuneração é paga integral- A permissão é, em princípio, discricionária e precária, mas admite
mente pela própria Administração. Destina-se, ao que parece, a permitir a condições e prazos para exploração do serviço, a fim de garantir rentabili-

104. v., também, sobre a matéria, do Autor, Direito Administrativo Brasileiro, 105. Sobre o conceito de permissão e suas modalidades, V., do Autor, Direito
34ª ed., 2008, Capítulo VI, item 7.2. Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo Iv, item 4.3, "Atos negociais".
422 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
r
!
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 423

dade e assegurar a recuperação do investimento do permissionário, visan- ou de utilidade pública, pela Constituição de 1988, exige licitação, nos
do a atrair a iniciativa privada. O que se afirma é que a unilateralidade, a termos do seu art. 175, do art. 2º da Lei 8.666, de 1993, e dos arts. 2º, IV,
discricionariedade e a precariedade são atributos da permissão, embora e 40 da Lei 8.987, de 1995. Observe-se, ainda, que não se estendem auto-
possam ser excepcionados em certos casos, diante do interesse administra- maticamente aos permissionários as prerrogativas dos concessionários de
tivo ocorrente. Esses condicionamentos e adequações do instituto para de- serviços públicos, só se beneficiando das que lhes forem expressamente
legação de serviços de utilidade pública ao particular - empresa ou pessoa atribuídas.
física - não invalidam a faculdade de o Poder Público, unilateralmente e Embora ato unilateral e precário, a permissão é deferida intuitu per-
a qualquer momento, modificar as condições iniciais do termo, ou mesmo sonae, e como tal não admite a substituição do permissionário, nem pos-
de revogar a permissão sem possibilidade de oposição do permissionário, sibilita o traspasse do serviço ou do uso permitido a terceiros sem prévio
salvo se ocorrer abuso de poder ou desvio de finalidade da Administração, assentimento do permitente. 108
caso em que as condições e prazos devem ser respeitados pela Administra- Quanto aos atos dos permissionários, praticados em decorrência da
ção que os instituiu (TJSP, RJTJSP 125/196). permissão, podem revestir-se de certa autoridade pela delegação recebida
Enquanto, porém, o Poder Público não modificar as condições ou do Poder Público; e, nessas condições, tomam-se passíveis de mandado
cassar a permissão prevalece o estabelecido e poderá o permissionário de- de segurança, desde que lesivos de direito líquido e certo (Lei 1.533, de
fender seus direitos perante a Administração ou terceiros. Cessará - repe- 1951, art. 1º, § 1º).
timos - qualquer direito anteriormente reconhecido desde o momento em Outra observação que se impõe é a de que os atos dos permissioná-
que o permitente, unilateral e discricionariamente, cassar a permissão ou rios são de sua exclusiva responsabilidade, sem afetar a Administração
impuser novas condições ao permissionário. E assim é porque, como bem permitente. Embora praticados por delegação do Poder Público e sob sua
esclarece Basavilbaso, "toda permissão traz implícita a condição de ser, fiscalização, por eles respondem os próprios permissionários, mas, sub-
em todo momento, compatível com o interesse público, e, por conseguin- seqüentemente, poderá ser responsabilizada a Administração permitente,
te, revogável ou modificável pela Administração, sem recurso algum por por culpa na escolha ou na fiscalização do executor do serviço.
parte do permissionário". 106 Apermissão vem sendo a modalidade preferida pelas Administrações
O serviço permitido é executado em nome do permissionário, por sua Federal, Estaduais e Municipais para delegação de serviços de transporte
conta e risco, mas sempre nas condições e com os requisitos preestabeleci- coletivo a empresas de ônibus nas respectivas áreas de sua competência,
dos pela Administração permitente, que o controla em toda sua execução, muito embora o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23.9.1997)
podendo nele intervir quando prestado inadequadamente aos usuários. O admita também a concessão e a autorização (art. 107).
início e o fim da intervenção devem ser precedidos dos respectivos termos Caberá ao Município, em cada caso e diante das circunstâncias locais
circunstanciados. ocorrentes, verificar qual a modalidade de delegação conveniente ao servi-
A permissão, por sua natureza precária, presta-se à execução de ser- ço e aos interesses da comunidade, para optar entre a concessão, a permis-
viços ou atividades transitórias, ou mesmo permanentes, mas que exijam são ou a autorização. Somente quando lei geral ou especial indica a moda-
freqüentes modificações para acompanhar a evolução da técnica ou as lidade toma-se ela obrigatória para a transferência da execução do serviço;
variações do interesse público, tais como o transporte coletivo, o abaste- na sua omissão, compete ao prefeito escolher a que mais convier.
cimento da população e demais atividades cometidas a particulares mas Observe-se, finalmente, que serviço permitido é serviço de utilidade
dependentes do controle estatal. pública, e, como tal, sempre sujeito às normas do direito público. Não
se pode, assim, realizar permissão ou traspassar a prestação de serviço
Em geral, a permissão não gera privilégio nem assegura exclusivida- permitido em forma de avença privada, em que predomina o interesse par-
de ao permissionário, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica ticular. Nem sempre as normas do direito privado servirão para regular
justificada (art. 16).107 A permissão para a prestação de serviço público satisfatoriamente o funcionamento do serviço de interesse público.
106. Derecho Administrativo, Buenos Aires, 1952, v. IV, p. 218.
107. STF,RDA 54/114; TJSP,RDA 411225,RT2581142; lºTACivSP,RT236/496 108. Otto Mayer, Derecho Administrativo AZemán, v. III, Buenos Aires, trad. De-
(anteriores à Lei 8.987, de 1995). palma, 1951, p. 238, 4.
424 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 425

A Lei 8.987, de 1995, conceitua permissão de serviço público: a de guarda particular de estabelecimentos ou residências - os quais, embo-
delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços ra não sendo uma atividade pública típica, convém que o Poder Público
públicos, feita pelo poder concedente, a pessoa física ou jurídica que de- conheça e credencie seus executores e sobre eles exerça o necessário con-
monstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco (art. 2º~ trole no seu relacionamento com o público e com os órgãos administrati-
IV). Ao contrário do que recomenda o Autor, contudo, o art. 40 da LeI vos a que se vinculam para o trabalho.
8.987 determina que a permissão seja formalizada mediante contrato de
adesão, ajuste de direito privado, que tem características próprias e que Os serviços autorizados não se beneficiam das prerrogativas das ati-
não deveria ser utilizado para fins de prestação de serviço público. Basta vidades públicas, só auferindo as vantagens que lhes forem expressamente
considerar que, embora formalizada mediante contrato, a permissão não deferidas no ato da autorização, e sempre sujeitas a modificação ou su-
perde seu caráter de precariedade e de revogabilidade por ato unilateral do pressão sumária, dada a precariedade ínsita desse ato. Seus executores não
poder permitente - idéias incompatíveis com a noção de contrato privado. são agentes públicos, nem praticam atos administrativos; prestam, apenas,
Acresce, ainda, que a mesma lei estabelece sejam aplicados às permissões um serviço de interesse da comunidade, por isso mesmo controlado pela
os preceitos referentes às concessões (art. 40, parágrafo único). Claro está Administração e sujeito à sua autorização. A contratação desses serviços
que esta aplicação far-se-á apenas no que couber, visto que são figuras com o usuário é sempre uma relação de direito privado, sem participação
administrativas assemelhadas mas distintas, não podendo ser totalmente ou responsabilidade do Poder Público. Qualquer irregularidade deve ser
equiparadas, como deixou bem claro o Autor. comunicada à Administração autorizante, mas unicamente para que ela
conheça a falta do autorizatário e, se for o caso, lhe aplique a sanção cabí-
4.2.9.4 Serviços autorizados - Serviços autorizados são aqueles que vel, inclusive a cassação da autorização.
o Poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na O Município é competente para expedir autorizações referentes à
sua execução por particular para atender a interesses coletivos instáveis execução precária de seus serviços, à utilização transitória de seus bens
ou emergência transitória. Fora destes casos, para não fraudar o princípio e à realização de atividades de emergência sujeitas ao seu controle. Tais
constitucional da licitação, a delegação deve ser feita mediante permissão autorizações terão sempre caráter precário e poderão ser alteradas ou su-
ou concessão. 109 São serviços delegados e controlados pela Administração primidas sumariamente.
autorizante, normalmente sem regulamentação específica, e sujeitos, por
índole a constantes modificações no modo de sua prestação ao público e a 4.2.10 Contratação de serviços e obras com terceiros
, . 110
supressão a qualquer momento, o que agrava sua precarIedade.
A remuneração de tais serviços é tarifada pela Administração, como A contratação de serviços e obras do Município com terceiros depen-
os demais de prestação ao público, dentro da mensurabilidade dos serviços de, normalmente, de três requisitos, a saber: definição do objeto, recurso
oferecidos aos usuários. A execução deve ser pessoal e intransferível a ter- financeiro e licitar;ão, sem os quais o ajuste é passível de nulidade.
ceiros. Sendo uma modalidade de delegação discricionária, em princípio
4.2.10.1 Definição do objeto - Definição do objeto é a caracteriza-
não exige licitação, mas poderá ser adotado, para escolha do melhor au-
ção do que o Município pretende obter da parte com quem vai contratar.
torizatário, qualquer tipo de seleção, caso em que a Administração ficará
Quer se trate de obra ou de serviço, necessário é que seja defrnida a pre-
vinculada aos termos do instrumento convocatório.
tensão da Administração contratante perante a empresa que irá realizá-lo
A modalidade de serviços autorizados é adequada para todos aqueles nas condições desejadas pelo Poder Público. Para os objetos simples ou
que não exigem execução pela própria Administração, nem pedem espe- padronizados basta sua descrição ou identificação nominal comum, mas
cialização na sua prestação ao público, como ocorre com os serviços de para os complexos, notadamente as obras e serviços de engenharia, exige-
táxi, de despachantes, de pavimentação de ruas por conta dos moradores, se projeto básico,lll com as especificações bastantes para o entendimento
do que se pretende executar.
109. Neste sentido, v. Decreto 952, de 1993, art. 3Q, I1I-IV.
110. V. Cid Tomanik Pompeu, Autorização Administrativa (tese), São Paulo, Ed. 111. Sobre projeto básico, atenção para os arts. 6Q, IX, e 7Q da Lei 8.666, de 1993.
RT, 1979, e "Natureza jurídica da autorização", RDA 142/11; e José Cretella Jr., "De- V., ainda, Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações ... , 6ª ed., p. 102.
finição da autorização legislativa", RT 813/753. Ainda sobre projeto básico, lembramos que seu conceito há de se adequar ao objeto
426 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 427

A definição do objeto não requer o projeto completo, com todos os invalida o contrato, mas impede o pagamento de suas despesas enquanto
elementos e detalhes da obra ou do serviço, o que poderá ser completado não se fizerem as programações legais.
no projeto executivo, apresentado no devido tempo, precedendo sempre A Constituição Federal de 1988 instituiu um sistema de planejamento
as etapas da execução. O essencial é a definição preliminar do que a Ad- orçamentário a longo, médio e curto prazos, através da edição da lei do
ministração pretende realizar, dentro das normas técnicas adequadas, de plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei do orçamen-
modo a possibilitar sua perfeita compreensão e quantificação das propos- to anual (art. 165). Necessário é, pois, que o Município programe seus
tas para a contratação almejada. empreendimentos e ao definir o objeto para o contrato faça também a es-
Para a definição do objeto abre-se um processo interno com a deter- timativa do custo global, prevendo os recursos financeiros, ainda que a
minação do prefeito ou com a proposta do órgão competente da Prefeitura, execução seja por etapas e se prolongue por vários exercícios, caso em
aprovada pelo chefe do Executivo, para a execução da obra ou do serviço que a dotação específica será consignada em cada orçamento anual até a
desejado; e, após as manifestações técnicas e frnanceiras pertinentes, com conclusão da obra ou do serviço.
apresentação do anteprojeto ou projeto básico e indicação dos recursos A despesa estimada deverá correr pela dotação própria, a ser indicada
próprios; expede-se o edital ou convite para a modalidade cabível de li- pelo respectivo código, no contrato, para o correspondente empenho pré-
citação. Irregular é a contratação de serviços e obras de engenharia sem vio no devido tempo e o subseqüente pagamento nas épocas e condições
projeto assinado por profissional legalmente habilitado, nos termos da Lei ajustadas. Ilegal é a celebração de contrato sem indicação da dotação pró-
5.194, de 1966, como nulo é o contrato que o Município firmar com pes- pria e existente no orçamento, pois em muitos casos a Administração omi-
soa física ou jurídica não habilitada a executá-lo (art. 15). te essa indicação ou indica dotação inexistente, por já consumida àquela
época por outros contratos em execução, o que constitui burla invalidado-
4.2.10.2 Recursos financeiros - Recursos financeiros são dotações ra do ajuste, por fraude orçamentária.
próprias para a efetivação da despesa pública. Qualquer despesa da Ad- Se a obra ou o serviço é necessário ao Município e inexiste verba
ministração deve ter recursos financeiros para seu atendimento, ou seja, para sua realização o correto é a solicitação prévia, do prefeito à Câmara,
dotação orçamentária ou crédito adicional (especial, suplementar ou ex- da abertura de crédito especial ou suplementar correspondente à despesa
traordinário) aprovado regularmente. Assim, as obras e serviços públicos, estimada, para, após sua aprovação, assinar o respectivo contrato, nele
antes de sua contratação, devem ter os recursos financeiros adequados à indicando a dotação própria. Nada impede, todavia, que se realize con-
realização da despesa que o contrato irá acarretar no exercício de sua exe- dicionalmente a licitação, antes ou durante a aprovação do crédito, para
cução. Se a execução do contrato se prolongar por mais de um exercício ganhar tempo no procedimento licitatório; mas o contrato não poderá ser
financeiro em cada orçamento anual há de ser incluída a dotação neces- celebrado senão depois da aprovação da verba necessária.
sária, segundo a previsão da lei de diretrizes orçamentárias e do plano
plurianual. 4.2.10.3 Licitação - Licitação é o procedimento administrativo me-
Esta exigência é de ordem genérica para toda despesa e específica diante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantaj osa
para os investimentos, que, nos termos da Lei 4.320, de 1964, "serão dis- para o contrato de seu interesse. Realiza-se através de uma sucessão or-
criminados na lei de orçamento segundo os projetos de obras e de outras denada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, sem
aplicações" (art. 20). Isto significa que, antes da assinatura de qualquer a observância dos quais são nulos o procedimento licitatório e o contrato
ajuste que acarrete despesa para o Município, o empreendimento deve es- subseqüente.
tar programado dentre as realizações do exercício· financeiro e, além disso, A licitação admite as seguintes modalidades: concorrência, tomada
liberadas as quotas trimestrais da despesa para a unidade orçamentária de preços, convite, concurso, leilão e pregão.
que vai efetivá-Ia. ll2 A falta de cumprimento dessa exigência, todavia, não Concorrência é a modalidade de licitação própria para contratos de
grande valor, em que se admite a participação de quaisquer interessados,
da licitação, especialmente quando se tenha em vista a elaboração do próprio projeto cadastrados ou não, que satisfaçam as condições do edital, convocados
básico, através dos denominados contratos de gerenciamento.
com a antecedência mínima prevista na lei, com ampla publicidade pelo
112. Cf. José Afonso da Silva, Orçamento-Programa no Brasil, São Paulo, 1973,
pp. 324 e ss. órgão oficial e pela imprensa particular.
428 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 429

Tomada de preços é a licitação realizada entre interessados previa- Diferentemente das outras espécies de licitação, em que a modalidade
mente registrados, observada a necessária habilitação, convocados com a é estabelecida em função do valor do objeto licitado, o pregão destina-se
antecedência mínima prevista na lei, por aviso publicado na imprensa ofi- à aquisição de bens e serviços comuns. Nos termos da lei, consideram-se
cial e em jornal particular, contendo as informações essenciais da licitação bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade
e o local onde pode ser obtido o edital. A Lei 8.666, de 1993, aproximou possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especifica-
a tomada de preços da concorrência, exigindo a publicação do aviso e ções usuais no mercado (art. lº, parágrafo único). O conceito legal é insu-
permitindo o cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebi- ficiente, visto que, a rigor, todos os bens licitados devem ser objetivamente
mento das propostas (arts. 21-22, § 2º). A tomada de preços é admissível definidos, em descrição sucinta e clara (Lei 8.666/1993, art. 40, I). O que
nas contratações de obras, serviços e compras dentro dos limites de valor caracteriza os bens e serviços comuns é sua padronização, ou seja, a pos-
estabelecidos na lei e corrigidos por ato administrativo competente. sibilidade de substituição de uns por outros com o mesmo padrão de qua-
Convite é a modalidade de licitação mais simples, destinada às con- lidade e eficiência. Isto afasta desde logo os serviços de engenharia, bem
tratações de pequeno valor, consistindo na solicitação escrita a pelo menos como todos aqueles que devam ser objeto de licitação nas modalidades de
três interessados do ramo, registrados ou não, para que apresentem suas melhor técnica ou de técnica e preço. No pregão o fator técnico não é leva-
propostas no prazo mínimo de cinco dias úteis (Lei 8.666, de 1993, art. 21, do em consideração, mas apenas o fator preço. O essencial é que o objeto
§ 2º, IV). O convite não exige publicação porque é feito diretamente aos licitado possa ser definido por meio de especificações usuais no mercado,
escolhidos pela Administração através de carta-convite. A lei determina, o que não impede a exigência de requisitos mínimos de qualidade, como
porém, que cópia do instrumento convocatório seja afixada em local apro- acontece, por exemplo, com o denominado material de escritório.
priado, estendendo-se automaticamente aos demais cadastrados na mesma Por outro lado, não está a Administração obrigada a realizar o pregão
categoria, desde que manifestem seu interesse até 24 horas antes da apre- toda vez que desejar obter um bem ou serviço comum. Poderá optar por
sentação das propostas (art. 22, § 3º). Por outro lado, a cada novo convite, qualquer outra das modalidades de licitação, se assim for de interesse pú-
realizado para objeto idêntico ou assemelhado, deverá ser convidado pelo blico. O pregão é apenas mais uma opção que a lei lhe concede, ao dizer
menos outro fornecedor que não participou da licitação imediatamente an- que tal modalidade "poderá" ser adotada (art. I º). 114
terior, enquanto existirem cadastrados não convidados (art. 22, § 6º). O pregão eletrônico é aquele efetuado por meio da utilização de re-
Concurso é a modalidade de licitação destinada à escolha de trabalho cursos de informática, ou seja, por meio de comunicação pela internet.
técnico ou artístico, predominantemente de criação intelectual. Normal- Está previsto no § 1º do art. 2º da Lei 10.520/2002. No âmbito da União,
mente há atribuição de prêmio aos classificados, mas a lei admite também seu regulamento foi aprovado pelo Decreto 5.450, de 31.5.2005, cujo art.
a oferta de remuneração (Lei 8.666, de 1993, art. 22, § 4º). 4º dispõe que o pregão é a modalidade obrigatória para a aquisição de
Leilão é espécie de licitação utilizável na venda de bens móveis e bens e serviços comuns, sendo preferencial a forma eletrônica. Seu proce-
semoventes (Lei 8.666, de 1993, arts. 22, § 5º, e 53), e em casos especiais dimento segue as regras básicas do pregão comum, mas, como é evidente,
também de imóveis (art. 19, IH). deixa de ocorrer a presença fisica do pregoeiro e dos participantes, já que
Pregão l13 é uma nova modalidade de licitação instituída pela MP todas as comunicações são feitas por via eletrônica.
2.182-18, de 23.8.2001, convertida na Lei 10.520, de 17.7.2002. Sua O Dec. 5.504, de 5.8.2005, determinou que o mesmo procedimento
ementa diz o seguinte: "Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito deve ser séguido por entes públicos e privados, quando tais contratações
Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição forem realizadas com recursos da União, decorrentes de convênios ou ins-
Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de trumentos congêneres, ou ainda consórcios públicos. Esta determinação
bens e serviços comuns". Trata-se de norma geral, que estabelece nova alcança também as Organizações Sociais (Lei 9.637/1998) e as entidades
modalidade de licitação, aplicável para todas as entidades da Federação. qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

113. No âmbito federal o pregão está regulamentado pelos Decretos 3.555, de °


114. Sobre pregão, v., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São
8.8.2000, e 3.693, de 20.12.2000. Sobre o pregão v.: Marçal Justen Filho, Pregão, São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Capítulo V, item 7, e Licitação e Contrato Adminis-
Paulo, Dialética, 2001; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 13ª ed., trativo, 14ª ed., 2ª tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2007, Capítulo m, item 7, pp.
pp. 321 e ss. 95 e ss, onde a matéria é examinada com mais amplitude.
430 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
1
! VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 431

(Lei 9.790/1999). Tais entidades poderão utilizar sistemas de pregão ele- dimento ordinário, sumário ou especial de que dispõe o titular do direito
trônico próprios ou de terceiros e a sua inviabilidade deverá ser devida- lesado ou ameaçado de lesão para obter a anulação do ato ilegal, em ação
mente justificada pelo dirigente ou autoridade competente. Novos recursos contra a Administração Pública. Essa regra está excepcionada pela ação
da União relativos ao mesmo ajuste ficam condicionados à comprovação popular e pela ação civil pública, em que o autor não defende direito pró-
dos preceitos desse decreto. prio, mas, sim, interesses da coletividade ou interesses difusos.
O procedimento da licitação, em qualquer de suas modalidades, é
formal e há que atender à legislação pertinente, principalmente nas fases 4.3 Convênios e consórcios
características da concorrência - edital, documentação e proposta, habili-
A ampliação das funções estatais, a complexidade e o custo das obras
tação, julgamento e adjudicação -, até a celebração do contrato, sob pena
públicas vêm abalando, dia a dia, os fundamentos da administração clás-
de invalidação daquele e nulidade deste (para maiores esclarecimentos so-
sica, exigindo novas formas e meios de prestação de serviços afetos ao
bre licitação e contrato, v., do Autor, Licitação ... , cit., 14ª ed., 2ª tir., onde
Município.
a matéria está amplamente estudada).
Evoluímos, cronologicamente, dos serviços públicos centralizados
Os càntratos de obras e de serviços públicos podem revestir as mais para os serviços delegados a particulares, destes passamos aos serviços
diversas modalidades, sendo correntes os de empreitada, administração outorgados a autarquias; daqui defletimos para os serviços traspassados
contratada, tarefa e concessão. Os de empreitada atendem às disposições afundaçães e empresas estatais, e finalmente chegamos aos serviços de
da Lei 8.666/1993, art. 6º, VIII, "a", "b" e "c", e arts. 610 a 626, do Có- interesse recíproco de entidades públicas e organizações particulares rea-
digo Civil, com aplicação dos princípios que regem os contratos adminis- lizados em mútua cooperação, sob as formas de convênios e consórcios
trativos; os demais têm regência própria das leis administrativas de cada administrativos. E assim se faz porque em muitos casos já não basta a
entidade estatal - no caso, o Município -, desde que atendam às normas só modificação instrumental da prestação do serviço na área de respon-
gerais superiores aplicáveis à espécie. sabilidade de uma Administração. Necessárias se tomam sua ampliação
O contrato de gerenciamento é aquele em que o contratante, no caso o territorial e a conjugação de recursos técnicos e financeiros de outros in-
Poder Público, comete ao gerenciador a condução de um empreendimen- teressados na sua realização. Desse modo se conseguem serviços de alto
to, reservando para si a competência decisória final e responsabilizando-se custo que jamais estariam ao alcance de uma Administração menos abas-
pelos encargos financeiros da execução das obras e serviços projetados, tada. Daí o surgimento dos convênios e consórcios administrativos como
com os respectivos equipamentos para sua implantação e operação. 1l5 solução para tais situações.
N essa moderna modalidade contratual todas as atividades necessárias
à implantação do empreendimento são transferidas ao gerenciador (em- 4.3.1 Convênios
presa ou profissional habilitado) pela entidade ou órgão interessado, que
Convênios administrativos são acordos firmados por entidades públi-
apenas retém o poder de decisão sobre os trabalhos e propostas apresenta- cas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para
dos, e, uma vez aprovados, passa a responsabilizar-se pelo seu custo, nas realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. 1l6
condições ajustadas com seus elaboradores e executores.
Convênio é acordo, mas não é contrato. 1l7 No contrato as partes têm
As contratações municipais, como qualquer outro ajuste da Adminis- interesses diversos e opostos; no convênio os partícipes têm interesses
tração Pública, ficam sujeitas ao controle judicial de legalidade, assim en- comuns e coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas
tendido não só o exame formal de seu texto como,.também, o atendimento partes (podendo ter mais de dois signatários), uma que pretende o objeto
dos requisitos extrínsecos e intrínsecos do negócio que o contrato encerra.
Esse controle judicial pode ser feito através das vias processuais de proce- 116. Sobre convênios, v.: Fernando Santana, in RPGE 4/83; Aran Hatchikian
Neto, in RDP 49-50/198; Ada Pellegrini Grinover, in RDP 6/19; Fábio Fanucchi, in
115. Sobre contrato de gerenciamento, v., do Autor, Direito Administrativo Bra- RDA 120/507; parecer do Autor in Estudos e Pareceres de Direito Público, v. IX, p.
sileiro, 34ª ed., capo V, item 5.5, e também, o artigo "Contrato de gerenciamento - 101; Leon Frejda Szklarowsky, "Convênios administrativos", RT669/393; Maria Syl-
Novo sistema para realização de obras públicas", RDA 135/1, RT 533/11, e Estudos e via Zanella Di Pietro, Parcerias ... , 3ª ed., pp. 177 e ss.
Pareceres de Direito Público, 1II/1. 117. STF, RTJ141/619.
432 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 433

do ajuste Ca obra, o serviço etc.), outra que pretende a contraprestação cor- atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da
respondente Co preço, ou qualquer outra vantagem); diversamente do que incolumidade das pessoas e do patrimônio.
ocorre no convênio, em que não há partes mas unicamente partícipes com A organização dos convênios não tem fonna própria, mas sempre se
as mesmas pretensões. Por essa razão, no convênio a posição jurídica dos fez com autorização legislativa e recursos financeiros para atendimento
signatários é uma só e idêntica para todos, podendo haver, apenas, diver- dos encargos assumidos no tenno de cooperação. Entretanto, o STF vem
sificação na cooperação de cada um, segundo suas possibilidades, para a decidindo que é inconstitucional a nonna que exige autorização legislati-
consecução do objetivo comum, desejado por todos. va, por ferir a independência dos Poderes. 1l9 Data venia, não nos parece
Diante dessa igualdade jurídica de todos os signatários do convênio que ocorra essa inconstitucionalidade, porque o convênio e o consórcio
e da ausência de vinculação contratual entre eles, qualquer partícipe pode são sempre atos gravosos que extravasam dos poderes nonnais do admi-
denunciá-lo e retirar sua cooperação quando o desejar, só ficando respon- nistrador público, e, por isso, dependem da aquiescência do Legislativo.
s~vel pelas ob~gações e auferindo as vantagens do tempo em que parti- A execução dos convênios tem ficado, comumente, a cargo de uma
CIpOU voluntanamente do acordo. A liberdade de ingresso e retirada dos das entidades participantes ou de comissão diretora. De qualquer fonna,
partícipes do convênio é traço característico dessa cooperação associativa o convênio pennanece despersonalizado e sem órgão diretivo adequado.
e, por isso mesmo, não admite cláusula obrigatória da pennanência ou Diante desses inconvenientes, recomenda-se a organização de uma enti-
sancionadora dos denunciantes. 118 Nossas Administrações, entretanto, têm dade civil ou comercial com a fmalidade específica de dar execução aos
confundido, em muitos casos, o convênio com o contrato administrativo tennos do convênio, a qual receberá e aplicará seus recursos nos fins es-
realizando este em lugar e com a denominação daquele - o que dificult~ tatutários, realizando diretamente as obras e serviços desejados pelos par-
sua interpretação e execução. tícipes ou contratando-os com terceiros. Assim, o convênio manter-se-á
Os convênios, entre nós, não adquirem personalidade jurídica, per- como simples pacto de cooperação, mas disporá de uma pessoa jurídica
manecendo como simples aquiescência dos partícipes para a prossecução que lhe dará execução, exercendo direitos e contraindo obrigações em
de objetivos comuns, o que nos leva a considerá-los, tão-somente, uma nome próprio e oferecendo as garantias peculiares de uma empresa.
cooperação associativa, livre de vínculos contratuais. Essa instabilidade A Lei 8.666, de 1993, considera contrato, para seus fins, "todo e qual-
institucional, aliada à precariedade de sua administração, vem criando di- quer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particu-
ficuldades insuperáveis para sua operatividade, principalmente no campo lares, em que haja um acordo de vontades para a fonnação de vínculo e a
empresarial, que exige pessoas e órgãos responsáveis para as contratações estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utiliza-
de grande vulto. da" (art. 2º, parágrafo único). No art. 116 detennina a incidência de seus
dispositivos, no que couber, a todos os convênios, acordos, ajustes e ou-
A Constituição Federal de 1988 não se refere nominadamente aos tros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Admi-
convênios, mas não impede sua fonnação, como instrumento de coopera-
nistração. Nos seus parágrafos estabelece uma série de fonnalidades que
ção associativa, quer entre os entes federados, quer entre estes e entidades
devem ser cumpridas quando da celebração de convênio, principalmente
~rivadas que disponham de meios para realizar os objetivos comuns, de
quando houver repasse de recursos da entidade pública à organização pri-
mteresse recíproco dos partícipes. A EC 19, de 4.6.1998, deu nova redação vada interessada. 120
ao art. 241 da CF, ao dispor que "a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os
convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão
4.3.2 Consórcios
a~sociada de serviços. públicos, bem como a transferência total ou par- Consórcios públicos são pessoas de direito público, quando associa-
CIal de encargos, servIços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos i ção pública, ou de direito privado, decorrentes de contratos finnados entre
serviços transferidos". Os consórcios públicos foram regulados pela Lei I
!
11.105, de 6.4.2005. E aLei 11.473, de 10.5.2007, estabelece que a União 1I9.RTJ94/995 e 115/597,RDA 140/63 e 1611169,RT599/22.
poderá finnar convênio com os Estados e o Distrito Federal para executar 120. Esses dispositivos foram inseridos na lei em decorrência de abusos prati-

118. Nesse sentido já decidiu o TJSP, in RJTJSP 95/61.


I cados no âmbito do governo federal, com repasse de recursos para muitas entidades
privadas pretensamente assistenciais. Não são aplicáveis aos convênios em que não
haja entidade ou órgão repassador.
1;.1-

i
...
434 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 435

entes federados, após autorização legislativa de cada um, para a gestão o Chefe do Poder Executivo de um dos entes da Federação consor-
associada de serviços públicos e de objetivos de interesse comum dos con- ciados será, obrigatoriamente, o representante legal do consórcio público.
sorciados, através de delegação e sem fins econômicos. Trata-se de gestão E, a assembléia geral, a sua instância máxima. O número de votos que
associada ou cooperação associativa de entes federativos, para a reunião cada consorciado possuirá na assembléia geral deverá ser previsto no pro-
de recursos financeiros, técnicos e administrativos - que cada um deles, tocolo de intenções, assegurando-se ao menos um voto a cada um.
isoladamente, não teria -, para executar o empreendimento desejado e de Os entes consorciados celebrarão um contrato de rateio, que será for-
utilidade geral para todos. malizado em cada exercício financeiro, e seu prazo de vigência não poderá
ser superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos
A Lei 11.107, de 6.4.2005, dispôs sobre nonuas gerais para os entes
relativos a projetos de programas e ações previstos em plano plurianual
da Federação, a saber, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Muni-
ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros
cípios, constituírem consórcios públicos para a realização de objetivos de
preços públicos. Somente mediante o contrato de rateio é que os consor-
interesse comum, a serem por eles detenuinados, conferindo-lhes, inova-
ciados poderão repassar recursos ao consórcio público.
dorament~, personalidade jurídica, seja pela fonua de associação pública
- agora relacionada no art. 41, IV, do Código Civil, como pessoa jurídica Além de estar sujeito ao atendimento dos dispositivos da Lei de Res-
de direito público interno, hipótese em que o consórcio passa a integrar ponsabilidade Fiscal (Lei Complementar 10112000), obrigando-se ao for-
necimento das infonuações pertinentes às contas dos entes consorciados,
a administração descentralizada de todos os entes da Federação consor-
o consórcio público está, também, sujeito à fiscalização contábil, opera-
ciados -, seja como pessoa jurídica de direito privado, previsão essa que
cional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as
deverá constar do protocolo de intenções que antecederá o contrato de sua
contas do Chefe do Poder Executivo que figure como seu representante
constituição (arts. 1º, 3º e 6º).
legal.
No caso de assumir personalidade jurídica de direito privado, o con- Como está expresso na lei, os participantes do consórcio público são
sórcio deverá observar as nonuas de direito público no que concerne a li- apenas os entes da Federação, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Fe-
citações, contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, esta regida deral e os Municípios, que, entre si, celebram o acordo.
pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 6º, § 2º).
O consórcio público distingue-se do convênio uma vez que deste não
A celebração de contrato de consórcio público dependerá de prévia resulta a criação de pessoa jurídica. 121
lei, que disciplinará a participação do ente consorciado ou ratificará o pro-
tocolo de intenções, caso este já tenha sido subscrito (art. 5º e seu § 4º).
5. Meios de intervenção na propriedade
É usual, entre nós, o consórcio de Municípios para realização de
obras, serviços e atividades de competência local, mas de interesse co- Entende-se por intervenção na propriedade privada todo ato do Poder
mum de toda uma região. Com essa cooperação associativa as Municipa- Público que compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais pri-
lidades reúnem recursos financeiros, técnicos e administrativos que uma vados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse
público.
só Prefeitura não teria para executar o empreendimento desejado e de uti-
lidade geral para todos. Com a edição da Lei 11.107, de 6.4.2005, passa a O Município, para realizar suas obras e serviços, utiliza-se de diver-
ser por ela regido. sificados meios de intervenção na propriedade privada, a fim de obter os
bens e recursos de toda ordem de que precisa para implantar seus planos,
Para cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá ser concretizar seus projetos, concluir seus empreendimentos de necessidade
contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação
consorciados, dispensada a licitação, bem como poderá finuar convênios, 121. Os consórcios públicos, sendo personalizados, assemelham-se aos consorzi
contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e intercomunali italianos, personalizados pela Lei 383, de 3.3.1934 (Legge Comunale e
subvenções de outras entidades e órgãos do governo, outorgar concessão, Provinciale), com as modificações subseqüentes (cf. Giuseppe Stancanelli, I Consorci
.,~.. nel Diritto Amministrativo, pp. 70 e ss.). Também é necessário distinguir os consórcios
penuissão ou autorização de obras ou serviços públicos, mediante autori- administrativos, que estamos apreciando, dos consórcios de empresas para participa-
zação expressa contida no contrato de sua instituição (art. 2º). ção em licitação e dos consórcios comerciais para a venda de bens.

I
436 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 437

ou utilidade pública, notadamente os equipamentos urbanos. Dentre esses e sucessivas" (art. 182 e §§). Diversamente das demais modalidades de
meios ou instrumentos de intervenção na propriedade merecem destaque: desapropriação, trata-se, aqui, de uma desapropriação-sanção, pelo não-
a) a desapropriação; b) a servidão administrativa; c) a requisição; d) a atendimento da política urbana estabelecida pelo Município. 123
ocupação temporária; e) a limitação administrativa (para mais amplos A Lei 10.257, de 10.7.2001, denominada Estatuto da Cidade, regu-
detalhes sobre os meios de intervenção na propriedade, v. o Capítulo IX, lamentando os arts. 182 e 183 da CF, estabelece normas de ordem pública
item 2, do Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., 2008, do Autor). e interesse social, bem como diretrizes de política urbana, para ordenar o
uso da propriedade. Dispõe que lei municipal poderá determinar o par-
5.1 Desapropriação celamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os
Neste tópico não iremos discorrer sobre o instituto da desapropria- prazos para implementação da referida obrigação (art. 5º). Não cumpridas
ção, matéria típica do direito administrativo, mas apenas conceituá-la e as condições e os prazos, o Município aplicará o IPTU progressivo no
indicar o modo de sua utilização pelo Município, como instrumento de tempo, mediante a majoração da alíquota (art. 7º). Decorridos cinco anos
urbanização. 122
de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido
Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá
propriedade particular (ou pública, de entidade de grau inferior para supe- proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida
rior) para o Poder Público ou seus delegados, por necessidade ou utilidade pública (art. 8º).
pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em
A desapropriação deve ser decretada pelo prefeito, embora possa ser
dinheiro, e, ainda, por desatendimento a normas do Plano Diretor (desa-
por lei da Câmara, mas sempre promovida pelo Executivo ou pela enti-
propriação-sanção - art. 182, § 4º, III, da CF), neste caso com pagamento
dade a quem se atribuir o bem expropriado. A declaração expropriatória
em títulos da dívida pública municipal.
não retira o bem da posse ou do domínio do proprietário enquanto o ex-
Para a execução de obras e serviços públicos o Município pode desa- propriante não for imitido na posse e subseqüentemente a Justiça fizer a
propriar quaisquer bens particulares, principalmente imóveis necessários necessária adjudicação, com a justa e prévia indenização.
à implantação dos equipamentos urbanos e dos edificios públicos, desde
A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis-
que atenda aos requisitos constitucionais do instituto (art. 5º, XXIV) e
cal - LRF), estabelece em seu art. 46 que é nulo de pleno direito ato de de-
observe as normas básicas do seu procedimento, expressas no Decreto-lei
sapropriação de imóvel urbano expedido sem o atendimento do disposto no
3.365, de 21.6.1941 - que dispõe sobre a desapropriação por utilidade ou
necessidade pública, e respectivo processo -, ou se atenha aos preceitos § 3º do art. 182 da CF ou prévio depósito judicial do valor da indenização.
da Lei 4.132, de 10.9.1962, que regula a expropriação por interesse social, Os bens havidos por expropriação devem ser empregados no fim in-
ou, ainda, atenda ao que estabelece o Decreto-lei 1.075, de 22.1.1970, que dicado no decreto expropriatório ou excepcionalmente ser aplicados em
disciplina a desapropriação de prédios residenciais urbanos. De acordo outra destinação pública, nos casos devidamente justificados, sob pena
com a atual Constituição Federal o Município pode, para atendimento à de desvio de finalidade e retrocessão. A Prefeitura e seus delegados não
política urbana, efetivar desapropriação de imóvel incluído no Plano Di- podem transferir o bem desapropriado a qualquer particular, salvo no caso
retor, "não edificado, subutilizado ou não utilizado", com pagamento em de constituição de núcleo industrial com plano antecipadamente aprovado
títulos da dívida pública, "de emissão previamente aprovada pelo Senado por lei municipal que indique as condições de sua implantação e os requi-
Federal, com prazo de resgate de até 10 anos, em parcelas anuais, iguais sitos para alienação de lotes aos pretendentes que os satisfizerem, como
dispõe a Lei 6.602, de 7.12.1978. 124
122. Para maiores esclarecimentos sobre a matéria, V., do Autor, Direito Admi-
nistrativo ... , 34ª ed., 2008, Capítulo IX, item 2.1, "Desapropriação". Consultem-se, 123. Deixamos de tecer qualquer consideração sobre a desapropriação para Re-
também: o artigo do Autor "Desapropriação para urbanização", RDA 11611; Seabra forma Agrária, por não ter o Município competência para tal medida, que é privativa
Fagundes, Da Desapropriação no Direito Brasileiro, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, da União (CF, art. 184).
1949; José Carlos de Moraes Salles, A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Juris- 124. O STF decidiu pela nulidade de decreto municipal expropriatório mediante
prudência, São Paulo, Ed. RT, 1980; José Cretella Júnior, Tratado Geral das Desapro- comprovação de que o bem foi desapropriado para uso de empresa particular, desvir-
priações, Rio de Janeiro, Forense, 1980. tuada, assim, a utilidade pública mencionada no referido decreto (RT 161/582).
438 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 439

A ação de desapropriação é promovida perante o juízo da comarca a devida, ou mesmo dispensando-a, se as obras não prejudicarem em nada a
que pertencer o Município e segue o procedimento indicado no Decreto- utilidade econômica do bem passível da servidão.
lei 3.365, de 1941, com a avaliação dos bens por perito nomeado pelo juiz
Servidão administrativa ou pública é ônus real de uso imposto pela
e assistentes das partes, para a fixação dajusta indenização, que abrange
Administração à propriedade particular para assegurar a realização e con-
o valor real do imóvel e de suas utilidades, juros, correção monetária (se
servação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante
o pagamento ocorrer depois de um ano da avaliação), despesas judiciais,
indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário.
salários de peritos e assistentes e honorários de advogado. Fixada a inde-
Na precisa definição de Bielsa, a servidão administrativa é "un de-
nização e transitada a sentença em julgado, o pagamento é requisitado ao
recho público real, constitui do por una entidad pública sobre un bien pri-
expropriante, que deverá atendê-la na ordem rigorosa dos precatórios, sob
vado, con el objeto de que éste sirva aI uso público, como una extensión
pena de seqüestro da quantia devida e responsabilização do prefeito ou de
o dependencia deI dominio público".125 Quase com as mesmas palavras,
quem descumpriu a ordem judicial. Se não houver dotação orçamentária
Basavilbaso conceitua "la servidumhre administrativa o servidumbre de
para o pagamento deverá o prefeito enviar à Câmara projeto de lei para
derecho público como un derecho real, constitui do sobre un inmueble pri-
abertura d9 crédito necessário (CF, art. 100, §§ 12 -22 ).
vado, con el objeto de servir aI uso público". 126 O próprio autor grifa as
O expropriado, por sua vez, deve provar a propriedade do bem imó- três características da servidão administrativa, ou seja, ônus real, incidente
vel para levantar a quantia depositada. Via de regra, essa comprovação é sobre bem particular, com a finalidade de permitir utilização pública. Es-
feita mediante apresentação da escritura pública, devidamente registrada tas características são, exatamente, as das servidões administrativas admi-
no cartório competente. Excepcionalmente, diante da inexistência desse tidas pelo nosso direito público. 127
título de propriedade, entendemos que o expropriado pode se utilizar das
As servidões administrativas ou públicas não se confundem com as
provas cabíveis nas ações de usucapião, sabido que através do usucapião
servidões civis de direito privado, nem com as limitações administrativas
também se adquire o domínio do imóvel (arts. 1.238-1.244 do CC).
de direito público, nem com as desapropriações. Vejamos os caracteres
É admissível a desistência da desapropriação, a qualquer tempo antes distintivos desses institutos. A servidão civil é direito real de um prédio
da adjudicação, desde que seja revogado o ato expropriatório por não mais particular sobre outro, com finalidade de serventia privada uti singuli; a
subsistirem os motivos de sua expedição, ficando o Município sujeito à servidão administrativa é ônus real do Poder Público sobre a propriedade
indenização de prejuízos eventualmente acarretados ao proprietário. particular, com finalidade de serventia pública - publicae utilitatis. A li-
A desapropriação promovida ilegalmente, com irregularidade formal mitação administrativa é uma restrição pessoal, geral e gratuita, imposta
ou com abuso ou desvio de poder, é anulável por ação direta do expro- genericamente pelo Poder Público ao exercício de direitos individuais, em
priado (inclusive mandado de segurança) ou por ação popular, se lesiva ao benefício da coletividade; a servidão administrativa é um ônus real de
patrimônio público. uso, imposto espeçificamente pela Administração a determinados imóveis
particulares, para possibilitar a realização de obras e serviços públicos.
5.2 Servidão administrativa Assim, a restrição à edificação além de certa altura é uma limitação ad-
ministrativa ao direito de construir, ao passo que a obrigação de suportar
Outra instituição do direito público de que se pode valer o Município a passagem de fios de energia elétrica sobre determinadas propriedades
para propiciar a execução de obras e serviços locais é a servidão adminis- privadas, como serviço público, é uma servidão administrativa, porque
trativa. Como instrumento de urbanização, destina-se a assegurar a utili- onera diretamente os imóveis particulares com uma serventia pública. A
zação de determinado imóvel particular para obras e serviços públicos, limitação administrativa impõe uma obrigação de não fazer; enquanto que
geralmente subterrâneos (aquedutos, redes de esgotos, galerias pluviais)
ou aéreos (cabos condutores de energia elétrica, fios telefônicos), que não 125. Restricciones y Servidumbres Administrativas, p. 108.
inutilizem o bem para sua normal destinação, possibilitando, assim, a im- 126. Derecho Administrativo, v. VI, p. 178.
plantação do equipamento urbano sem exigir desapropriação. Com isso, 127. Evaristo Silveira Júnior, "Servidões administrativas", RT293/26; José Mar-
mantêm-se o domínio do imóvel com o particular e a serventia para o ser- tins Rodrigues, in RDA 31/23; WaIter T. Álvares, Direito da Energia, v. I1I, pp. 701 e
i
I ss.; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Servidão Administrativa, São Paulo, 1978; Adílson
viço público com o Município, reduzindo-se enormemente a indenização
~\!
.>
de Abreu Dallari, "Servidões administrativas", RDP 59-60/88 .

m
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 441
440 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

a servidão administrativa impõe um ônus de suportar que se faça. Aquela particular poderá indicar se haverá ou não prejuízos a compor na servidão
incide sobre o proprietário (obrigação pessoal); esta incide sobre a pro- administrativa que vier a ser instituída.
priedade (ônus real). Divergimos de Walter T. Álvares 129 quando sustenta que as servidões
administrativas independem de inscrição no Registro Imobiliário, sob o
Também não se confunde a servidão administrativa com a desa- fundamento de que sua eficácia resulta diretamente dos atos de instituição.
propriação, porque esta retira a propriedade do particular, ao passo que Absolutamente, não. Como todo ônus real, a servidão administrativa só
aquela conserva a propriedade com o particular, mas lhe impõe o ônus de se efetiva com a inscrição no Registro competente, para conhecimento e
suportar um uso público. Na desapropriação despoja-se o proprietário do validade erga omnes - o que é confinnado pelo art. 168, I, "f', da Lei de
domínio e, por isso mesmo, se indeniza a propriedade; enquanto que na Registros Públicos (Lei 6.015, de 1973), que impõe inscrição para as "ser-
servidão administrativa mantém-se a propriedade com o particular, mas se vidões em geral", abrangendo, obviamente, as civis e as administrativas,
onera essa propriedade com um uso público, e por esta razão se indeniza aparentes ou não.
o prejuízo (não a propriedade) que este uso, pelo Poder Público, venha a Para as servidões administrativas de aqueduto, bem como para a rea-
causar ao titular do domínio privado. Se este uso público acarretar dano à lização de obras hidráulicas, transporte e distribuição de energia elétrica,
propriedade serviente, indeniza-se este dano; se não acarretar, nada há que o Código de Águas (Decreto 24.643, de 19.7.1934) disciplina o respectivo
indenizar. Vê-se, portanto, que na desapropriação indeniza-se sempre; na processo, criando uma ação especialíssima (arts. 117-138 e 151-154), e o
servidão administrativa, nem sempre. 128 Decreto 35.851, de 16.6.1954, ditou nonnas para sua instituição.
A desapropriação impõe-se quando há necessidade de retirar a pro- Para a exploração das riquezas minerais em geral, e para o petróleo
priedade do particular para uma obra ou serviço público, ou para uma des- em especial, o Código de Mineração (Decreto-lei 227, de 28.2.1967, al-
tinação de interesse social; a servidão justifica-se quando essas mesmas terado pela Lei 8.901, de 30.6.1994) e a Lei 9.478, de 6.8.1997 (art. 8º,
obras ou serviços públicos, ou essa atividade de interesse social, puderem VIII), alterada pela Lei 10.202, de 20.2.2001, admitem expressa ou impli-
ser feitos sem se retirar a propriedade do particular. Assim, por exemplo, citamente a servidão administrativa, paralelamente à desapropriação.
para se instalar uma estação de tratamento de água em terreno particular Outras servidões administrativas podem ser instituídas em beneficio
há necessidade de desapropriação da área a ser ocupada com esse equipa- de quaisquer obras ou serviços públicos federais, estaduais ou municipais,
mento público, mas para a passagem do aqueduto subterrâneo pela mesma bem como de suas autarquias, empresas estatais e concessionárias de ser-
propriedade pode não haver necessidade de desapropriação, bastando a viços de utilidade pública, visto que a destinação desse instituto é, exata-
simples instituição da servidão administrativa, com a só indenização dos mente, propiciar a utilização da propriedade particular para uma serventia
danos que a construção do aqueduto causar momentaneamente à mesma pública sem desintegrar o domínio privado. 13o
propriedade. A indenização da servidão faz-se em correspondência com o prejuí-
A instituição da servidão administrativa ou pública faz-se por acordo zo causado ao imóvel. Não há fundamento algum para o estabelecimento
administrativo ou por sentença judicial, precedida sempre de ato declara- de um percentual fixo sobre o valor do bem serviente, como pretendem
tório da servidão, à semelhança do decreto de utilidade pública para desa- alguns julgados. A indenização há que corresponder ao efetivo prejuízo
propriação. A própria Lei geral da Desapropriação - Decreto-lei 3.365, de causado ao imóvel, segundo sua nonnal destinação. Se a servidão não
1941 - admite a constituição de servidões "mediante indenização na for- prejudica a utilização do bem nada há que indenizar; se a prejudica, o pa-
ma desta Lei" (art. 40). Claro está que só se aplica o processo expropria- gamento deverá corresponder ao efetivo prejuízo, chegando, mesmo, a se
tório no que couber à servidão administrativa. A indenização não será da transfonnar em desapropriação indireta com indenização total da proprie-
propriedade, mas sim dos danos ou prejuízos que o uso dessa propriedade dade se a inutilizou para sua exploração econômica nonnal. 131
pelo Poder Público efetivamente causar ao imóvel serviente. Se desse uso
129. Direito da Energia, v. I1I, pp. 719-721.
público não resultar prejuízo ou dano à propriedade particular a Admi- 130. Súmula 56 do STJ: "Na desapropriação para instituir servidão administra-
nistração nada terá que indenizar. Só o exame específico de cada caso tiva, são devidos juros compensatórios pela limitação do uso da propriedade". Sobre
I servidão administrativa aérea, v. trabalho de Luiz Rodrigues Wambier in RT 665/47.
I 131. STJ, REsp 5.741-RS, j. 8.5.1991; TJSP, RJTJSP 130/44.

~
128. TASP, RDA 43/264 e 345/385, RT 297/548.
442 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 443

5.3 Requisição Essa prerrogativa estatal pode ser transferida a concessionários e


Requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo empreiteiros, desde que autorizados pela Administração a ocupar terre-
Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requi- nos baldios ou propriedades inexploradas nas proximidades das obras ou
sitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas serviços públicos a realizar. A ocupação temporária não admite demoli-
urgentes e transitórias. O fundamento do instituto da requisição encontra- ções ou alterações prejudiciais à propriedade particular utilizada; permite
se no art. 5º, :XXV, da CF, que autoriza o uso da propriedade particular, apenas seu uso momentâneo e inofensivo, compatível com a natureza e
na iminência de perigo público, pelas autoridades competentes (civis ou destinação do bem ocupado.
militares). Se houver dano à propriedade por ele responde o ocupante tempo-
A requisição pode abranger bens móveis, imóveis e serviços, e não rário, não por ato ilícito, mas por decorrência natural do próprio poder
depende de intervenção prévia do Poder Judiciário para a sua execução, i de ocu~ação: Não ocorrendo dano nem prejuízo na utilização temporária,
porque, como ato de urgência, não se compatibiliza com o controle judi- nada ha que mdenizar.
\,
cial a priori. É sempre um ato de império do Poder Público, discricionário Entre nós, ocupação temporária e coativa de terrenos não edifica-
quanto ao objeto e oportunidade da medida, mas condicionado à existên- dos está prevista, mediante remuneração, no art. 36 do Decreto-lei 3.365,
cia de perigo público iminente (CF, arts. 5º, :XXV, e 22, IlI) e vinculado de 1941. Trata-se de um "arrendamento forçado", como dizia o Decreto
à lei quanto à competência da autoridade requisitante, à finalidade do ato
e, quando for o caso, ao procedimento adequado. Esses quatro últimos
I 4.956, de 1903 (art. 42), ao regulamentar a Lei 1.021, do mesmo ano,
que disciplinou originariamente o instituto. Para essa ocupação deverá o
aspectos são passíveis de apreciação judicial, notadamente para a fixação I
,l.
Município interessado expedir a competente ordem, fixando, desde logo,
do justo valor da indenização. a justa indenização devida ao proprietário do terreno ocupado (STF, RTJ

5.4 Ocupação temporária


I
r
91/512).
A Lei 8.666, de 1993, alterada pelas Leis 8.883, de 1994, e 9.648, de
1998, por sua vez, ao cuidar da rescisão do contrato de obra pública, ad-
O Município, para a execução de suas obras e serviços, precisa muitas ft, mite e regula a ocupação temporária do local, instalações, equipamentos,
vezes de área livre nas proximidades do empreendimento para a instalação material e pessoal do construtor inadimplente (art. 80, lI).

I
do canteiro de obras, guarda de materiais e outras utilizações transitórias,
que podem ser feitas por ocupação temporária.
5.5 Limitação administrativa
Ocupação temporária ou provisória é a utilização transitória, remu-
nerada ou gratuita, de bens particulares pelo Poder Público para a execu-
~
Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral
ção de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público (CF, e de ordem pública'condicionadora do exercício de direitos ou de ativida-
~
art. 5º, :XXV).
O fundamento da ocupação temporária é, normalmente, a necessi-
dade de local para depósito de equipamentos e materiais necessários à
; des particulares às exigências do bem-estar social.
As limitações administrativas são preceitos de ordem pública. Deri-
vam, comumente, do poder de polícia inerente e indissociável da Admi-

I
realização de. obras e serviços públicos nas vizinhanças da propriedade nistração e se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas, sob
particular. a tríplice modalidade: positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva
"O direito de ocupação temporária - sustenta Laubadere - é uma (deixar fazer). No primeiro caso, o particular fica obrigado a realizar o
prerrogativa do executor de serviços públicos, que lhe permite utilizar I que a Administração lhe impõe; no segundo, deve abster-se do que lhe é
transitoriamente um terreno pertencente ao particular, seja para deposi- vedado; no terceiro, deve permitir algo em sua propriedade.
tar os instrumentos de trabalho, seja para extrair materiais necessários ao Em qualquer hipótese, porém, as limitações administrativas hão de
serviço" .132 corresponder às justas exigências do interesse público que as motiva sem
produzir um total aniquilamento da propriedade ou das atividades regula-
132. Traité de Droit Administratif, 1957, p. 804. das. Essas limitações não são absolutas, nem arbitrárias. Encontram seus
444 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 445

lindes nos direitos individuais assegurados pela Constituição e devem de novos núcleos urbanos (loteamentos) ou observados nas edificações e
expressar-se em forma legal. Só são legítimas quando representam razoá- na renovação de bairros envelhecidos, como legítimas imposições urba-
veis medidas de condicionamento do uso da propriedade, em benefício do nísticas. A conexidade destes três serviços aconselha seu estudo conjunto,
bem-estar social (CF, art. 170, IH), e não impedem a utilização da coisa como faremos neste tópico.
segundo sua destinação natural.
Além disso, para que sejam admissíveis as limitações administrativas 6.1.1 Arruamento
sem indenização, como é de sua índole, hão de ser gerais, isto é, dirigidas Arruamento é o conjunto de vias de circulação, logradouros públi-
a propriedades indeterminadas, mas determináveis no momento de sua cos e espaços livres aprovado pela Prefeitura para uma determinada área
aplicação. urbana ou urbanizável em zona rural. As prescrições para o arruamento -
largura, declividade, pavimentação das vias etc. - são da privativa compe-
tência do Município e se justificam pela necessidade de harmonização do
6. Principais serviços e obras municipais
sistema viário da cidade com os demais equipamentos urbanos exigidos
Na impossibilidade de apreciar todas as obras e serviços municipais, para a circulação e ordenação das atividades locais. Todo arruamento de-
limitamo-nos a comentar os mais comuns, aqueles que, por sua constância pende de prévia aprovação da Prefeitura, embora se venha generalizando
nos grandes e pequenos Municípios, estão a suscitar problemas diários a errônea prática de abrir ruas e praças, entregando-as ao público, antes de
e a pedir urgentes soluções técnicas, administrativas e jurídicas para sua sua oficialização pelo Município.
correta e eficiente realização. I33 O arruamento aprovado pela Prefeitura e constante de plano de lotea-
Certo é que a administração local abrange todo o território do Mu- mento devidamente registrado produz, desde o registro, a integração no
nicípio - zona urbana e rural -, mas a cidade, por sua concentração domínio do Município das ruas e praças, bem como das áreas reservadas
para edifícios públicos e equipamentos urbanos, conforme dispõe o art. 22
populacional, exige maiores cuidados da Prefeitura, que nela executa a
da Lei 6.766, de 19.12.1979. Agora não padece mais dúvida de que o ar-
quase-totalidade de suas obras e serviços, a começar pelo arruamento, ali-
ruamento registrado tem efeito translativo da propriedade de todas as áreas
nhamento e nivelamento, atividades caracteristicamente municipais, que
a ele destinadas, independentemente de escritura de doação dessas áreas
marcam o início de toda urbanização.
para a Municipalidade. Entretanto, se houver necessidade de ampliação ou
retificação do arruamento originariamente aprovado, a Prefeitura só pode-
6.1 Arruamento, alinhamento e nivelamento 134 rá obter as áreas necessárias por aquisição contratual ou desapropriação.
Nem todo arruamento é de domínio público, só o sendo o aprovado
o arruamento, o alinhamento e o nivelamento constituem atribuições em loteamento ou o oficializado por ato inequívoco da Prefeitura, pois que
próprias do Município, porque deles dependem o traçado, a funcionalida- existem as vias particulares em propriedade privada ou em loteamento
de e a estética da cidade. Traduzem-se em obras e serviços diretamente fechado, omitido pela legislação mas admitido na prática quando não con-
executados pela Prefeihlra ou simplesmente aprovados por seus órgãos traria as normas urbanísticas locais. Em tais casos as vias de circulação, as
técnicos para serem realizados pelos particulares interessados na formação áreas livres e os espaços reservados para certas edificações de interesse do
loteamento fechado continuam sendo particulares, porque aprovados pela
133. Dois serviços locais que eram tradicionalmente da competência do Muni- Prefeitura com essa característica; passam a constituir apenas uma servi-
cípio passaram, por mandamento constitucional, para a alçada da União: o de energia
elétrica e o de telefones. Por esse motivo deixamos de comentá-los, retirando-os da dão dos moradores daquele loteamento, à semelhança das áreas livres dos
relação dos serviços municipais. modernos edifícios de apartamentos. O que torna público o arruamento
134. A Lei 10.098, de 19.12.2000, estabeleceu normas gerais e critérios bási- no seu sentido amplo (ruas, praças, locais de estacionamento de veículos,
cos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com áreas livres em geral) é a oficialização pela Prefeitura por ato formal ou
mobilidade reduzida, definindo requisitos mínimos de acessibilidade a vias públicas, pela notória destinação ao uso comum do povo. 135
parques, espaços livres, estacionamentos, e também quanto a construções, ampliações
e reformas de edificios de uso público ou privado. Assim, os Municípios deverão ade-
quar seus códigos de obras e edificações aos dispositivos da mencionada lei. 135. TJSP, RT 137/520,148/214 e 244/268; TASP, RT309/458 e 327/577.
446 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 447

Por outro lado, é admissível a alienação de área de ruas, praças e Não se confunda alinhamento com recuo obrigatório de construção.
espaços livres 136 quando isso for de interesse local e haja desafetação do Ambos constituem imposições edilícias de natureza urbanística, mas com
uso público por lei que traspasse o bem para o domínio disponível do Mu- finalidades e efeitos jurídicos diversos. O alinhamento é a divisa entre o
nicípio e autorize o negócio pela forma adequada (venda, permuta, doação domínio público e a propriedade privada, impedindo a utilização particu-
etc.). Pode, ainda, um novo arruamento passar rente a terrenos particula- lar de qualquer área que ultrapasse a linha fixada pela Prefeitura; o recuo
res, deixando faixas inconstruíveis entre a rua e o lote, o que autoriza a é mera limitação urbanística ao direito de construir. Estabelecido o ali-
transferência da área inaproveitável ao proprietário lindeiro, por investidu- nhamento, cessarão a posse e o uso do particular sobre a área que o ultra-
ra, como veremos ao tratar do alinhamento, que cria mais freqüentemente passar, devendo o Município indenizar a parte da propriedade abrangida
essa situação.
pelo domínio público; fixado o recuo, o proprietário particular continua
com seu domínio e posse sobre a faixa atingida, sobre a qual apenas não
6.1.2 Alinhamento poderá edificar. O alinhamento produz um despojamento do domínio; o
recuo impõe unicamente uma limitação de uso. Por isso, aquele obriga a
Alinh,ame,!to é o limite entre a propriedade privada e o domínio pú- indenização, e este é gratuito.
blico urbano. E ato unilateral da Prefeitura que importa uma imposição
urbanística à propriedade particular, em benefício do traçado viário da ci-
137
dade. Uma vez fixado, o alinhamento obriga a todos os confrontantes da 6.1.3 Nivelamento
via pública, independentemente de indenização, salvo quando, modificado Nivelamento é a fixação da cota correspondente aos diversos pontos
posteriormente, acarretar prejuízo aos prédios fronteiriços. Da modifica- característicos da via urbana, a ser observada por todas as construções
ção do alinhamento primitivo podem resultar aumento ou redução de área nos seus limites com o domínio público (alinhamento). Como imposição
do domínio público: no primeiro caso o Município terá que indenizar a urbanística, é obrigatória para os que constroem, independentemente de
faixa das propriedades particulares atingidas pelo novo alinhamento; no indenização pelas obras e serviços que tiverem que realizar para a concor-
segundo terão os particulares o direito de incorporar aos seus lotes, por dância do terreno com o nível da rua. Mas, se a Prefeitura alterar poste-
investidura, a faixa lindeira remanescente do domínio público até atingir riormente o nivelamento, com elevação ou rebaixamento da via pública,
o novo alinhamento. A investidura mais comum é afrontal, resultante do causando prejuízo às construções que atenderam ao primitivo nível da rua,
recuo do alinhamento, mas pode ser lateral ou mesmo de fundo quando se o Município deverá indenizar o dano causado aos particulares. 138
abre ou se altera via pública contígua a essas faces do lote.
Por outro lado, se a construção desatender ao nivelamento estabele-
Na investidura o particular pagará o justo valor da área acrescida ao cido poderá a Prefeitura exigir sua observância e até mesmo a demolição,
seu terreno, a qual lhe será transferida independentemente de licitação, para que não fique prejudicado o perfil da via pública.
porque na realidade não se trata de compra e venda comum, mas de uma
alienação especial a adquirente exclusivo, que é o proprietário lindeiro, Ao aprovar o projeto de qualquer construção urbana a Prefeitura de-
titular do direito à incorporação da área inconstruível isoladamente. Além verá fornecer o nivelamento a ser observado, com as indicações necessá-
disso, a investidura dessa faixa inconstruível isoladamente é de interesse rias à perfeita locação da obra em rdação à cota da via pública.
público, para o acertamento dos limites entre o domínio da Municipalida- Problema conexo com o nivelamento é a construção das modernas
de e a propriedade particular obstruída pelo novo alinhamento. Tratando- vias expressas elevadas, que, embora não alterem a superfície das ruas,
se de recuo de alinhamento o proprietário do lote lindeiro pode utilizar-se trazem para os proprietários lindeiros inegáveis prejuízos com a obstrução
da faixa remanescente desde o momento em que houve o afastamento da da vista, emissão de fumaça e aumento de ruídos decorrentes da inten-
rua, pois se assim não fosse ficaria com sua propriedade obstruída até a sificação do trânsito de veículos em alta velocidade. Esses "elevados",
formalização da investidura (v. Capítulo VI, item 4.5). prejudicando as propriedades fronteiriças, obrigam o Município a compor
o dano, como nas demais obras públicas lesivas à vizinhança.
136. V. nota 15 do Capítulo VI.
137. Louis Jacquignon, Le Droit de l'Urbanisme, pp. 44 e ss. 138. TJSP, RT 146/189 e 629,151/650, 156/688 e 233/153.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 449
448

6.2 Águas e esgotos sanitários1 39 autônomas executassem tais serviços sob a orientação e fiscalização dos
órgãos responsáveis pelo Plano de Saneamento Básico do país. A produ-
As obras e serviços para fornecimento de água potável e elimina- ção industrial da água e o destino final dos esgotos sanitários, sim, pode-
ção de detritos sanitários domiciliares, incluindo a captação, condução, riam ficar com o Estado, mas a distribuição domiciliar da água e a coleta
tratamento e despejo adequado, são atribuições precípuas do Município, de esgotos são serviços do peculiar interesse do Município, intransferíveis
como medidas de interesse da saúde pública em geral e dos usuários em à União ou ao Estado.
particular. Por sua correlação, merecem estudo conjunto, como faremos
A remuneração dos serviços de água e esgotos normalmente é feita
a seguir. por taxa, em face da obrigatoriedade da ligação domiciliar à rede pública.
Tem-se insistido na remuneração por tarifa, com a colocação de medidor
6.2.1 Aguas (potável e industrial) (hidrômetro), mas isto só será possível se se cobrar separadamente a taxa
O abastecimento de água potável e industrial é serviço público neces- de esgoto e a tarifa de água, aquela compulsória e esta facultativa, segun-
sário a toda cidade ou núcleo urbano, e, como tal, incumbe ao Município do o consumo do usuário. O só fato de se estabelecer uma taxa medida não
prestá-lo nas melhores condições técnicas e econômicas para os usuários. a descaracteriza como tributo, transformando-a em preço, pois persistirão
Pode ser realizado diretamente pela Prefeitura ou por terceiros, uma vez ainda a compulsoriedade da ligação e o consumo mínimo tipificando a
que entra na categoria dos serviços industriais, cuja prestação se permite taxa. Comumente a tarifa da água industrial é menor que a da água potá-
a particulares, com atribuições delegadas pela Administração. O essencial vel, porque esta exige um tratamento maior para tomá-la consumível do-
é que seja posto à disposição de todos os habitantes da área urbana, com miciliarmente, e aquela é fornecida em grande quantidade para utilização
abundância e em adequadas condições de utilização. pelos estabelecimentos industriais.
Com a aprovação do Plano Nacional de Saneamento Básico 140 (PLA- Dificilmente se poderá cobrar o serviço de água mediante tarifa, por-
NASA), o governo federal firmou convênio com os Estados-membros para que sua ligação domiciliar é de interesse sanitário e por isso deve ser com-
que estes executem, diretamente ou através de uma entidade delegada, os pulsória para todos os moradores da cidade. Ora, como uma das caracterís-
serviços de água e esgotos sanitários dos Municípios, mediante concessão ticas da tarifa (preço público) é a facultatividade na utilização do serviço,
das Municipalidades à empresa organizada pelo Estado. Essa transferên- torna-se incompatível a liberdade de seu pagamento com a obrigatorieda-
cia do serviço local ao Estado nem sempre é conveniente para os Municí- de da sua utilização. Somente nas cidades em que seja facultativa a ligação
pios, uma vez que desloca sua prestação para uma organização estranha domiciliar de água à rede urbana - o que não é aconselhável- poder-se-á
aos interesses da localidade, distanciada do usuário e sem condições para adotar a remuneração por tarifa.
atender prontamente às necessidades dos munícipes e harmonizar estes Muito se tem discutido sobre se a falta de pagamento do usuário au-
serviços com as demais realizações da Prefeitura. Além disso, a centraliza-
toriza a suspensão do fornecimento de água. A doutrina e a jurisprudência
ção do serviço, a padronização das tarifas e o desconhecimento das pecu-
hesitam a respeito, encontrando-se opiniões e julgados nos dois sentidos.
liaridades locais constituirão empecilhos ao normal fornecimento de água
A nosso ver, só será lícito e possível o corte de água ou o fechamento
domiciliar e à necessária ampliação das redes, segundo o desenvolvimento
de esgotos domiciliares se tais serviços não forem compulsórios, nem
de cada cidade e bairro. Tudo isso desaconselha a política centralizadora
remunerados por taxa, mas sim por tarifa. Se o Município os considera
da União com referência a esses serviços caracteristicamente municipais.
O desejável seria a unificação técnica dos projetos e o financiamento fe- essenciais à higiene e saúde pública, obrigando seu uso pelos moradores
deral e estadual aos Municípios, para que as Prefeituras e suas entidades urbanos e cobrando a respectiva taxa, não pode suprimir tais serviços pelo
atraso no pagamento, pois isto seria contrariar a essencialidade e compul-
139. Sobre abastecimento de água, v.: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "Po- soriedade com que foram instituídos. Nesses casos só resta à Prefeitura
der concedente para o abastecimento de água", RDA 213/23; Alice Gonzales Borges, cobrar executivamente o débito do usuário. Se, porém, for facultativa a
"Reflexões sobre a gestão de recursos hídricos no Estado da Bahia", RDA 213/89. ligação de água e de esgoto domiciliares, remunerados por tarifa, então,
140. V. Caio Tácito, "Saneamento básico - Região Metropolitana - Competência sim, poderão ser suprimidos quando o usuário deixar de remunerá-los,
estadual", RDA 213/323; Alaôr Caffé Alves, Saneamento Básico, São Paulo, EDIPRO, entendendo-se que renunciou à sua utilização.
1998.
450 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 451

6.2.2 Esgotos sanitários


livrá-los das enchentes como para impedir a proliferação de mosquitos e
A rede de esgotos sanitários é obra pública indispensável em toda outros insetos que se reproduzam nas águas paradas, molestando a popula-
cidade abastecida de água, mas a realização desse serviço exige aprimo- ção e transmitindo doenças. Todos esses inconvenientes ocasionados pelas
rada técnica, para que não gere maiores problemas com o lançamento de águas pluviais impõem sua captação e condução ao escoadouro natural em
dejetos in natura, provocando a poluição dos mananciais de que se servem condições técnicas adequadas.
as populações ribeirinhas. As obras e serviços de águas pluviais não admitem remuneração por
Nestas condições, o projeto de esgotos deve ser precedido de certas taxa ou tarifa, por serem equipamentos urbanos de utilidade geral e sem
cautelas, tais como o levantamento da planta cadastral da cidade e zona usuários determinados que deles aufiram vantagem individual, específica
circunvizinha, em escala e com curvas de nível; coleta de elementos es- e divisível. Por isso, seu custo e manutenção devem correr à conta dos
tatísticos demográficos; estudo econômico-social da aglomeração; coleta impostos gerais, e não a cargo de contribuintes especiais.
de dados geológicos e hidrológicos; composição provável dos esgotos; Somente quando tais obras e serviços acarretarem valorização ex-
natureza e condições dos esgotos industriais da cidade; grau de poluição traordinária às propriedades confinantes ou adjacentes poderá a Prefei-
das águas a jusante e montante; estudo da futura utilização ou aproveita- tura cobrar-lhes a contribuição de melhoria, que terá como limite total a
mento das águas servidas - além de outros dados que as peculiaridades despesa realizada, e como limite individual o acréscimo de valor que da
locais indicarem. obra resultar para cada imóvel beneficiado, embora a atual Constituição
A forma de remuneração desse serviço pode ser idêntica à da água Federal não o diga (art. 145, III). Para a arrecadação dessa contribuição,
potável ou industrial, sob a modalidade de taxa ou de tarifa, proporcional que é um tributo especial, toma-se necessária a promulgação de uma lei
à provável utilização, para arrecadação conjunta da retribuição devida à municipal que estabeleça as condições de sua imposição entre os benefi-
ciários da obra.
Municipalidade.
Se as galerias de águas pluviais tiverem que atravessar terrenos parti-
culares o Município poderá desapropriar a faixa necessária ou impor ser-
6.3 Galerias de águas pluviais
vidão administrativa, mediante as indenizações devidas, totais ou parciais,
As galerias de águas pluviais são obras públicas necessárias em qual- conforme o caso ocorrente.
quer cidade para evitar o alagamento das ruas e conduzir as águas das
chuvas ao seu escoadouro natural, que normalmente é o rio ou o mar mais 6.4 Pavimentação e calçamento
próximo.
A pavimentação do leito carroçável das vias públicas e o calçamento
Nem sempre a Prefeitura tem dado a devida atenção a essas obras dos passeios para pedestres se impõem a toda cidade, como requisito para
urbanas, ensejando freqüentes inundações nos bairros mais baixos da ci- eficiência do tráfego e fator de higiene, conforto e estética urbana.
dade, com prejuízos materiais a comerciantes e moradores, que com justas
Variam e se diversificam os tipos de pavimentação segundo as condi-
razões acionam o Município e obtêm indenizações devidas pela incúria da
ções peculiares de cada cidade e suas disponibilidades financeiras para a
Administração e mau funcionamento do serviço público nesse setor. 141
realização desse serviço, cujo processo mais rudimentar é o dos pavimen-
As redes pluviais devem abranger não só o escoamento das águas tos sílico-argilosos, ou de solos estabilizados naturalmente, até a utilização
domiciliares como o das vias públicas, conjugadas com as obras conexas dos paralelepípedos de pedra ou do concreto de cimento e, modemamente,
de retificação, alargamento e proteção das margens dos rios e córregos dos revestimentos superficiais asfálticos. A escolha da pavimentação não
que banhem ou atravessem a cidade, com transbordamentos danosos a deve ficar exclusivamente ao gosto do prefeito, mas, sim, ao juízo dos téc-
seus habitantes. Por idêntica razão, os lagos e lagoas situados na zona nicos, porque sua durabilidade e conservação dependem da utilização da
urbana ou nos seus arredores merecem o mesmo tratamento, não só para via pública, da intensidade do tráfego, das condições do terreno e demais
fatores que atuam sobre o material adotado.
141. STF, RDA 1221169; TJSP, RT 346/235, 4491104 e 4531102. Contra: TJSP, Quanto ao revestimento dos passeios é de toda conveniência que as
RT749/260.
Prefeituras estudem e adotem um tipo uniforme de calçamento, para evitar
452 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 453

o afeamento da cidade e a dificuldade de conservação, pela multiplicidade Unicamente para as instalações de equipamentos e condutores elétri-
de materiais utilizados em cada quarteirão, como ocorre freqüentemente cos que interfiram com outros serviços urbanos no Município, ou exijam
em nossas urbes. obras na via pública, é que seus executores - União ou seus concessioná-
O alto custo da pavimentação e do calçamento tem levado as Munici- rios, permissionários ou autorizatários - dependerão de prévia aquiescên-
palidades a partilhar com os particulares interessados o preço desses servi- cia da Prefeitura e acordo no modo de execução e restauração do que for
ços, ou mesmo a lhes permitir que os realizem a suas expensas. Quando se destruído ou prejudicado pela obra.
facultar a execução do calçamento e da pavimentação por conta dos parti- Ainda subsistem as antigas concessões municipais para fornecimento
culares necessária se toma a prévia autorização da Prefeitura, por se tratar de energia elétrica em determinados Municípios, mas estas não poderão
de obras a serem realizadas em bens públicos. Para isso os interessados ser prorrogadas nem renovadas pela Municipalidade (nem pelo Estado)
deverão indicar minuciosamente as condições em que pretendem realizar no seu término, passando o serviço automaticamente ao governo federal,
a pavimentação e o calçamento, dadas as implicações técnicas e jurídicas que é seu exclusivo titular. O acervo da concessão extinta, porém, con-
que o contrato dos particulares com a empresa construtora apresenta para tinua de propriedade do concessionário e deverá reverter ao concedente
sua legitimação administrativa perante a Municipalidade. originário nos termos do contrato, pois o que a Constituição transferiu
Mas, sendo a pavimentação e o calçamento empreendimentos pró- à União foi a titularidade do serviço para sua subseqüente exploração, e
prios do Município, ele os pode realizar diretamente ou contratar sua exe- não a dominialidade dos bens do concessionário anterior a essa inovação
cução com terceiros. No passado o custeio e manutenção desses melhora- constitucional.
mentos urbanos foram feitos por taxa, validada pela Súmula 129 do STF, A EC 39, de 19.12.2002, introduziu o art. 149-A na Constituição
aaora
C>
em conflito com o novo conceito constitucional desse tributo, só Federal, facultando aos Municípios e ao Distrito Federal a instituição de
admissível para "serviços públicos específicos e divisíveis" em relação ao contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de
usuário-contribuinte (art. 145, lI). O correto, atualmente, é a recuperação iluminação pública, observado o disposto no artigo 150, I (exigir ou au-
do custo da pavimentação e do calçamento por meio de contribuição de mentar tributo sem lei que o estabeleça) e III (princípio da anterioridade,
melhoria, uma vez que sua realização traz especial valorização para os proibição de cobrança no mesmo exercício financeiro em que haja sido
imóveis lindeiros. Quanto à conservação, é de ser custeada por impostos, publicada a lei que instituiu ou aumentou o tributo etc.). Até a promulga-
uma vez que a via pública é de utilização geral, uti universi, e não apenas ção dessa EC os Municípios cobravam "taxa" de iluminação pública. Mas
de uso de moradores da rua (v. Capítulo VI, item 3). a reiterada jurisprudência de nossos Tribunais repudiava essa taxa,142 por
entender que o serviço de iluminação pública não é específico nem divisí-
6.5 Iluminação pública vel e, portanto, não poderia ser o seu custo remunerado por meio de taxa.
O fornecimento de energia elétrica domiciliar, que antes fora serviço
da alçad:1 do Município, passou agora para a privativa jurisdição da União, 6.6 Trânsito e tráfego
a quem compete, por reserva constitucional, explorar, diretamente ou me- Os serviços de trânsito e tráfego têm ensejado sérios conflitos de
diante autorização, permissão ou concessão, os serviços e instalações de atribuições entre o Município e o Estado-membro, o que nos leva a tecer
energia elétrica (art. 21, XII, "b"). considerações mais extensas sobre o assunto.
Resta, assim, às Municipalidades apenas prover a cidade de ilumina- De início, convém distinguir essas duas atividades: trânsito é o
ção pública, obtendo a energia elétrica da União ou da empresa que deti- deslocamento de pessoas ou coisas (veículos ou animais) pelas vias de
ver a concessão, permissão ou autorização para seu fornecimento naquela circulação; tráfego é o deslocamento de pessoas ou coisas pelas vias de
área. Quanto aos usuários particulares, obterão as ligações diretamente circulação em missão de transporte. Assim, um caminhão vazio quando
da fornecedora de energia, sem qualquer interferência ou aquiescência se desloca por uma rodovia está em trânsito; quando se desloca transpor-
da Prefeitura, que passou a ser estranha a esse serviço de utilidade públi- tando mercadoria está em tráfego. Daí a distinção entre normas de trânsito
ca, embora realizado no território do Município e mesmo no perímetro
urbano.
142. TJSP, RT 6421103 e 736/363.
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 455
454 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

elaborar estudos sobre os acidentes ~e trânsit~ e suas :au~as; esta?ele~er,


e normas de tráfego: aquelas dizem respeito às condições de circulação; coniunto com os órgãos de políCia ostensIva de translto, as dlretnzes
estas cuidam das condições de transporte nas vias de circulação. Como a em :J fi l' - d t ~
para o policiamento ostensi~o de trâ~si~o; e~ecutar ~ l~ca lza.çao :, ran-
circulação e o transporte são atividades conexas, as regras de trânsito e
sito, autuar e aplicar as medIdas admmIst~atlVas ca~l~els por mfra~o~s de
tráfego geralmente são editadas conjuntamente, embora distintas quanto
circulação, estacionamento e parada prevIstas no CO?lgO, no exerclc~o r~­
aos seus objeto e finalidades. guIar do poder de polícia de trânsito; a1?licar a~ penah~ades de advertencla
O trânsito e o tréifego são daquelas matérias que admitem a tríplice por escrito e multa por infrações de cIrculaçao, estaclOnamento e parada
regulamentação - federal, estadual e municipal -, conforme a natureza e previstas no Código, notifican~o os infrator~s e arrecada~do as m~lt~s qu.e
âmbito do assunto a prover. A dificuldade está em se fixar, com precisão, aplicar; fiscalizar, autuar e aplIcar as penalIdades e medl~as ad~.mmstratl­
os limites da competência das três entidades estatais que concorrem na vas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dlmensoes e ~ota­
sua ordenação. Os meios de circulação e transporte interessam a todo o ção dos veículos, bem como notificar e arre~a~ar as ~ul:as que, aP:lcar;
país, e por isso mesmo a Constituição da República reservou para a União fiscalizar o cumprimento da exigência de prevIa permlssao do orgao ou
a atribuição privativa de legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI), entidade de trânsito competente para a execução de obra ou evento que
permitinçlo que os Estados-membros legislem supletivamente a respeito possa perturbar ou interromper a livre .circulação de v.eículos e pedestres
da matéria, nos termos da lei complementar pertinente. ou colocar em risco sua segurança, aplIcando as penahdades e arre~adan­
Ao editar o vigente Código de Trânsito Brasileiro (CTB - Lei 9.503, do as multas previstas no Código; implantar, manter e operar o sl~tema
de 23.9.1997), a União estabeleceu no art. 5º que o Sistema Nacional de de estacionamento rotativo pago nas vias; arrecadar valores provementes
Trânsito "é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do de estada e remoção de veículos e objetos e escolta de veículos de cargas
Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das superdimensionadas ou perigosas; credenci~r os serviço~ de escolta, f~s­
atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, regis- calizar e adotar medidas de segurança relatlvas aos servIços de remoça0
tro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de de veículos escolta e transporte de carga indivisível; integrar-se a outros
condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policia- órgãos e en~idades do Sistema Nacional de Trânsito para fins d: a~ecada­
mento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de ção e compensação de multas imposta~ n~ áre~ de s~a cO,mpete~cIa, com
penalidades". São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito: a) vistas à unificação do licenciamento, a slmphficaçao e a celendade das
estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segu- transferências de veículos e de prontuários dos condut~r.es de u~a para
rança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trân- outra unidade da Federação; implantar medidas da PolIÍlca Na~l~nal de
sito, e fiscalizar seu cumprimento; b) fixar, mediante normas e procedi- Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito; promover e partICIpar de
mentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos projetos e programas de educação e segurança de ~âns~to, de acordo ~om
para a execução das atividades de trânsito; c) estabelecer a sistemática de as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN; planejar e Implantar medIdas
fluxos permanentes de informações entre seus diversos órgãos e entidades, para redução da circulação de veículos e reorientação d? tráfeg~, co~ o
a fim de facilitar o processo decisório e a integração do Sistema (art. 6º). objetivo de diminuir a emissão global de poluentes; r:,glstrar e lIc:ncIar,
De um modo geral, pode-se dizer que cabe à União legislar sobre os na forma da legislação, ciclomotores, veículos de tr~çao e propu~sao hu-
assuntos nacionais de trânsito e transporte, ao Estado-membro compete mana e detração animal, fiscalizando, autuando, aphcando penahdades e
regular e prover os aspectos regionais e a circulação intermunicipal em seu arrecadando multas decorrentes de infrações, dentre outras.
território, e ao Município cabe a ordenação do trânsito urbano, que é de A circulação urbana e o tráfego local, abrangendo o ~ransporte ~ol~­
seu interesse local (CF, art. 30, I e V). O art. 24 do CTB elenca as várias tivo em todo o território municipal, são atividades da estnta competencla
competências municipais nos incisos I-XXI: cumprir e fazer cumprir a do Município, para atendimento das necessidades específicas de sua po-
legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições; planejar, pulação, entre outras. ~ .
projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de O tráfego sujeita-se aos mesmos princípios enunc~ados par~ o tr:nslto
animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de no que conceme à competência para sua regulamentaçao: cabe a Umao le-
ciclistas; implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispo- gislar sobre o tráfego interestadual; cabe ao Estado-membro prover sobre
sitivos e os equipamentos de controle viário; coletar dados estatísticos e
456 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 457

o tráfego regional; e compete ao Município dispor sobre o tráfego local,


especialmente o urbano. estrutura urbana. A reforma das vias de tráfego deve ter como objetivo
primeiro a hierarquia dessas vias". 145
E assim é na generalidade das nações civilizadas, que reconhecem às
comunidades locais o direito-dever de zelar pela circulação e pelo trans- O transporte coletivo é outro assunto de capital importância para o
porte em seu território, preservando seu sistema viário - urbano e rural Município, e que se relaciona com as matérias de trânsito e tráfego; mas,
- contra o congestionamento do trânsito e os excessos do tráfego. Todas dada sua autonomia como serviço local, é tratado separadamente no tópico
as medidas de ordenamento da circulação e dos transportes no território seguinte, ao qual remetemos o leitor.
municipal são da competência do Município, porque visam - no dizer au-
torizado de Hodges - ao controle do tráfego na via pública: the traffic 6.7 Transporte coletivo
control in the public street. 143
O transporte coletivo urbano e rural, desde que se contenha nos limi-
Assim sendo, compete ao Município regulamentar o uso das vias sob
tes territoriais do Município, é de sua exclusiva competência, como servi-
sua jurisdição; conceder, autorizar ou permitir exploração de serviço de
transporte coletivo para as linhas municipais; regulamentar o serviço de ço público de interesse local, com caráter essencial (CF, art. 30, V).
automóvel de aluguel (táxi); determinar o uso de taxímetro nos automóveis Esse serviço tanto pode ser executado diretamente pela Prefeitura
de aluguel; limitar o número de automóveis de aluguel. Essa enumeração como por autarquia municipal, por empresa estatal do Município ou por
é meramente exemplificativa, pois pode ser acrescida de outros assuntos empresas particulares, mediante concessão ou permissão 146 - formas, es-
não enumerados mas que se enquadrem no interesse local do Município, tas, expressamente previstas na Constituição Federal (art. 30, V) - ou,
que é o atributo constitucional indicativo de sua competência. Na compe- ainda, por autorização.
tência do Município insere-se, portanto, a fixação de mão e contramão nas A modalidade recomendável para a delegação do transporte coletivo
vias urbanas, limites de velocidade e veículos admitidos em determinadas municipal a terceiros é a concessão, mediante lei autorizativa, regulamen-
áreas e horários, locais de estacionamento, estações rodoviárias, e tudo o tação do serviço por decreto e concorrência para a seleção do melhor pro-
mais que afetar a vida da cidade. ponente, que firmará o contrato com o Município por tempo determinado,
Ocorre, entretanto, que nem todos os Municípios estão aparelhados com ou sem privilégio de área, como indicado no edital. A vantagem da
para executar eficientemente os serviços de trânsito e tráfego de sua com- concessão é a estabilidade contratual que oferece para ambas as partes,
petência, e por isso podem delegar essas atribuições ao Estado ou Territó- garantindo ao Município concedente a obtenção de um serviço adequa-
rio a que pertençam mediante convênio. do, e ao particular concessionário a rentabilidade de seu investimento nas
Os problemas de trânsito e tráfego urbanos têm desafiado as Adminis- condições previstas.
trações locais, que comumente procuram resolvê-los com medidas restri- Quanto à petmissão, é ato unilateral e precário, que desestimula o
tivas de circulação e transporte. Entretanto, adverte Alker Tripp, ex-chefe permissionário a grandes investimentos, e por isso só se presta para a dele-
do trânsito de Londres: "Nessa matéria, nada que se possa fazer através gação de pequenas linhas que a qualquer momento devam ser modificadas
de medidas construtivas deve ser feito mediante restrições legais. Este é o ou suprimidas. Para obviar o inconveniente dessa instabilidade negociaI
axioma da ciência do trânsito e do tráfego".144 têm-se feito permissões condicionadas, nas quais o próprio permitente
Comentando judiciosamente essa afinnativa, ajuntou o professor Be- fixa o prazo de sua validade e estabelece as condições de prestação e de
zerra BaItar: "Em planejamento urbano deve-se, pois, pensar a sério em remuneração do serviço; mas mesmo assim o ato continua a ser precário e
reformar o sistema de vias de circulação, e com esse sistema reformar a unilateralmente cancelável a qualquer tempo, apenas sujeitando a Admi-
nistração a indenização se antecipar seu término.
143. Henry Hodges, City Management - Theory and Practice of Municipal Ad-
ministration, p. 467. Sobre o poder de polícia municipal, v. julgado do STF reco-
nhecendo a legitimidade de lei local proibindo o estacionamento de veículos sobre 145. Introdução ao Planejamento Urbano, Recife, 1957, p. 107.
calçadas, meios-fios, passeios etc. (RT 761/177). 146. V. aLei federa18.987, de 13.2.1995, que dispõe sobre o regime de concessão
144. Town Planning and Road Traffic, p. 127. e pennissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da CF, e dá outras
providências.
458 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 459

Embora a Constituição Federal não se tenha referido à autorização 6.8 Estradas vicinais
para transporte coletivo, entendemos que em casos excepcionais e de As estradas vicinais, assim entendidas as vias de comunicação da
pequena duração esse regime de prestação de serviço público pode ser cidade e vilas com a zona rural, são da alçada exclusiva do Município. A
utilizado, como o fez a Lei Orgânica do Município de São Paulo ao ad- abertura e conservação dessas estradas constitui um dos serviços mais cus-
mitir, além da concessão e da permissão, "outras formas de contratação" tosos para a Municipalidade, quer pelos problemas técnicos que apresenta,
(art. 172). quer pela mecanização que exige, quer pelas despesas que acarreta para o
Tal ocorre quando fatos eventuais aumentam extraordinariamente a Erário Municipal.
demanda de transporte em determinado local- como, por exemplo, a inau- Diante dessa realidade, é aconselhável o consórcio entre Municípios
guração de uma feira industrial ou de uma exposição agrícola -, caso em para aquisição do equipamento necessário e sua utilização na abertura e
que a Prefeitura autoriza uma ou várias empresas a realizar esse serviço conservação das estradas internas que interligam seus territórios, tornando-
enquanto durar o certame, fixando desde logo, no alvará, o itinerário, os se de interesse comum da região, para o escoamento da produção agrícola
horários, a tarifa e demais condições convenientes. e pecuária dos munícipes, pelo quê podem ser partilhados os encargos pú-
O que convém reiterar é que todo transporte coletivo local é da com- blicos desse serviço entre as Municipalidades limítrofes. Dificilmente as
petência do Município, que o poderá executar diretamente por seus órgãos, pequenas Prefeituras terão condições de, sozinhas, arcar com as enormes
ou indiretamente por entidades municipais ou por delegatários particula- despesas de conservação dessas vias públicas rurais de pouco trânsito mas
res, mediante concessão ou permissão. indispensáveis aos que delas dependem para a exploração de suas terras.
Daí seu generalizado abandono por parte do Município, que as deixa aos
Em qualquer hipótese, porém, esse serviço local ficará sujeito a regu- efeitos da erosão até se tomarem intransitáveis, para serem recuperadas
lamentação e controle do Município, quer na sua implantação e operação, com maiores despesas que a de sua normal manutenção.
quer na sua remuneração, cujas tarifas são fixadas por ato do prefeito. 147
Por todos esses motivos toma-se conveniente a conjugação de meios
Sobre os serviços de transporte coletivo incidem os respectivos im- técnicos e recursos financeiros para esse serviço de abertura e conservação
postos, pois que "configuram fato econômico suscetível de variada tribu- de estradas municipais, seja através de consórcios entre os Municípios
tação", como bem observou Pereira Gomes, em percuciente análise do interessados, seja pela criação de uma autarquia ou empresa estatal (so-
vigente regime fiscal nesse setor. 148 ciedade de economia mista ou empresa pública), com a participação das
O Sistema Nacional de Transportes não retirou a competência do Municipalidades da região, a quem se atribua o encargo que atualmente
Município para o transporte coletivo local, apenas o integrou no Plano pesa sobre cada uma das Prefeituras.
Nacional de Viação, ao lado do intermunicipal, que é da jurisdição do Para atender às despesas desse serviço os Municípios geralmente
Estado-membro, e dos interestadual e internacional, sujeitos à compe- criam a taxa de co,?servação de estradas municipais, devida pelos proprie-
tência da União. Essa política visa à integração dos transportes coletivos tários de terras rurais com base de cálculo na área do imóvel, o que tem
terrestres numa só rede, o que já vem sendo posto em prática na área ensejado repetidas demandas sob o fundamento de que se confunde com o
t:rbana da Capital de São Paulo com a integração metrô-ônibus, em que o imposto territorial rural. Realmente, esse regime de lançamento é de du-
mesmo bilhete de passagem vale para os dois meios de transporte nas li- vidosa legalidade; mas vamos além, pois, diante do novo sistema tributá-
nhas integradas, facilitando enormemente a circulação dos usuários (STJ, rio consagrado na vigente Constituição da República, só se pode arrecadar
RT 739/207). taxas "em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efeti-
va ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao
147. Por ter o Município autonomia para legislar sobre transporte coletivo mu- contribuinte ou postos à sua disposição" (art. 145, lI). Ora, no caso não há
nicipal, decidiu o STF ser inconstitucional dispositivo municipal que vincula o au- qualquer manifestação do poder de polícia do Município na conservação
mento de tarifa desse serviço concedido a valor praticado em outro Município (RE de uma estrada vicinal; como também tal serviço, embora posto à dispo-
191.532-SP, j. 27.5.1997, DJU 29.8.1997). v., ainda, sobre clandestinidade de trans- sição dos usuários, não é específico nem divisível entre os contribuintes,
porte coletivo de passageiros e legitimidade do Município para retenção do veículo, como exige a Constituição, pois que da estrada pública todos se utilizam
TJSP, RT 754/256.
indiscriminadamente, sejam proprietários rurais ou não. Daí entendermos
148. "Os serviços de transporte e sua tributação", RDP 28/289.
460 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 461

que não se pode lançar taxa alguma para conservação de via pública, de a autorização de uso, remuneradas através de preço que cubra as despesas
uso comum do povo. O que o Município pode cobrar é a contribuição de de conservação e manutenção desse serviço de interesse da comunidade.
melhoria dos proprietários de imóveis valorizados por obras públicas (CF, Quer como contrato (concessão), quer como ato unilateral do Poder Públi-
art. 145, lU), inclusive estrada municipal. Mas essa contribuição é tributo co (permissão ou autorização), a entrega do mercado a particulares con-
recuperatório do custo das novas estradas, e não remuneratório da con- substancia sempre uma delegação de serviço público, a título revogável
servação das já existentes, as quais só podem ser mantidas por impostos, ou precário, suscetível de adaptação às exigências do interesse coletivo,
a menos que tenham requisitos especiais de utilização que justifiquem a quer pela fixação de novas condições regulamentares de sua execução,
cobrança de pedágio (tarifa). 149 quer pela retomada do próprio municipal, para sua exploração direta ou
mesmo para entrega a outros particulares que ofereçam maior vantagem
6.9 Mercados, feiras e matadouros à coletividade.
No mesmo regime administrativo dos mercados públicos ficam os
A atual Constituição Federal dispõe, em seu art. 23, VIII, que a orga- centros de abastecimento, entrepostos ou tendais que o Município queira
nização do abastecimento alimentar é de competência comum da União, construir e manter para facilitar a venda de produtos de consumo geral da
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; todavia, a administra- população; mas isto não impede que o Estado-membro ou a própria União
ção e o controle direto do abastecimento da população constituem matéria também implantem e operem esses serviços na área urbana, visando a am-
de interesse local, privativa do Município. pliar o fornecimento aos revendedores e propiciar maior estocagem de
gêneros nos grandes centros consumidores. Nesse caso o controle sanitá-
6.9.1 Mercados rio dos produtos e a administração do estabelecimento caberão à entidade
estatal responsável pela sua implantação e operação.
Os mercados públicos constituem equipamento urbano a cargo da Mu-
Os mercados em condomínio com o Município são instituições novas
nicipalidade, que os deve localizar e construir de modo a facilitar a aquisi-
que estão surgindo para atender às exigências das cidades modernas. Nada
ção de gêneros de primeira necessidade pela população. O funcionamento
há a objetar à sua adoção, pois representam a adequação do equipamento
dos mercados merece cuidadosa regulamentação municipal, para que sua
urbano aos reclamos e conveniências da comunidade. Requerem, apenas,
utilização não se converta em simples fonte de renda para os especuladores
regulamentação edilícia específica e apta a obviar certos males da priva-
e atravessadores do comércio, sem qualquer vantagem para o consumidor.
tização dos serviços públicos. São modalidade híbrida do direito civil e
Em geral, as áreas, bancas ou boxes dos mercados municipais são do direito municipal, uma vez que o condomínio é instituição privada e o
entregues a particulares, de preferência produtores, para a exposição e mercado é equipamento urbano.
venda de seus produtos diretamente ao público. Essa utilização pode re-
Basta essa consideração para evidenciar que se o condomínio do mer-
vestir a forma de concessão, permissão ou autorização de uso de bem
cado for estabelecido exclusivamente segundo os cânones civis colocará
público;150 nunca, porém, a de locação civip51 Desde que o mercado faz
o Município em igualdade de condições com os condôminos particulares,
parte do domínio público, como bem de uso especial do Município, sua
retirando-lhe a supremacia de Poder Público, necessária à fiscalização do
utilização por particulares fica sujeita às normas do direito administrativo;
prédio e das atividades de seus co-proprietários realizadas no condomínio.
e, assim sendo, a ocupação de suas áreas é de ser feita por aqueles que
melhores condições ofereçam em procedimento licitatório, nos casos de Impõe-se, portanto, uma regulamentação prévia desse tipo de con-
concessão e permissão (art. 2º, da Lei 8.666/1993), ou as apresentem para domínio público-privado, pela qual se estabeleçam os direitos e deveres
dos condôminos particulares e os poderes reservados à Prefeitura na ad-
ministração do mercado e até mesmo no controle do uso da propriedade

j.:~
149. Sobre pedágio, v. parecer do Autor in RDP 16/343 e RT 430/33. condominial, para que não contrarie o interesse coletivo e a destinação
150. Sobre concessão, permissão e autorização de uso de bem público, v. o Ca- desse equipamento urbano. Será de toda conveniência que na instituição
pítulo VI, item 3.
.. .•
do condomínio do mercado já se estabeleça uma co-propriedade reso-
151. TFR, RDPG 4/299; TJRJ, RDA 38/344 e 43/248; TJSP, RDA 38/262 e
45/233, RT 185/827, 307/327 e 318/172; TASP, RDA 45/226, RT 240/408 e 261/606;
;/
.. lúvel ou revogável para os casos de violação das cláusulas contratuais
ou desvirtuamento dos fins públicos do empreendimento. Não basta, a

I
TRF-4ª R., RT746/419; STJ, RT752/132.
462 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 463

nosso ver, o regulamento interno, que se tem feito depois de constituído 6.9.2 Feiras-livres
o condomínio e concluído o mercado. Necessário se torna lei municipal
prévia que estabeleça as condições da instituição do condomínio do mer- As feiras-livres são típicas e tradicionais instituições municipais.
cado e indique as cláusulas essenciais que devem constar da escritura, Realizam-se na forma do regulamento de cada Municipalidade nos locais,
para que operem efeito geral em relação aos condôminos e terceiros. Só nos dias e nas condições estabelecidas pela Prefeitura, e ficam sujeitas
assim ficará o Município a salvo de surpresas na conduta dos particulares inteiramente à sua fiscalização.
que se comprometerem a comerciar os artigos próprios de mercado nas A participação nas feiras-livres depende de permissão ou autorização
condições convenientes à população e desejadas pela Municipalidade. Se (nunca de concessão) para exposição e venda de produtos de consumo
os condôminos desatenderem às condições impostas poderá o Município doméstico, nos locais indicados, nas vias e logradouros públicos, pelos
afastá-los do condomínio, reavendo as respectivas partes, para transferi- feirantes que obtiverem o respectivo alvará, atendidas as condições regu-
las a outros, capazes de atender aos fins institucionais do mercado, que é, lamentares e paga a remuneração cabível.
por definição, equipamento público destinado ao abastecimento urbano de
artigos vitais para a população. Essa aquiescência da Prefeitura é unilateral e precária, revogável e
modificável a qualquer tempo, porque as exigências de utilização da via
Os supermercados ou hipermercados são os mais modernos estabele-
pública impõem freqüentes mudanças de locais das feiras-livres e até mes-
cimentos de venda a varejo de gêneros e produtos de consumo doméstico,
mo a supressão em determinadas áreas ou bairros. Por isso não pode haver
caracterizados pelo auto-serviço e pagamento à vista na apresentação da
um licenciamento contratual e definitivo, que gere direitos de permanên-
mercadoria retirada pelo próprio consumidor. São estabelecimentos co-
cia dos feirantes em qualquer área pública da cidade. Nulo seria o contrato
merciais particulares, mas sujeitos a regulamentação e controle especí-
que lhes desse tal estabilidade ou assegurasse a exposição e venda de seus
ficos do Município, pelas profundas implicações com a vida da cidade.
produtos permanentemente num ponto certo da via pública, porque tal
Daí a necessidade da ordenação de seu funcionamento de acordo com os
ajuste seria contrário à destinação dos bens de uso comum do povo.
interesses e as peculiaridades locais. Obviamente, o Município não irá re-
gular a atividade econômica desses centros de venda, mas, sim, sua ope- Mas, havendo feira-livre, cabe ao Município regulamentá-la e fisca-
racionalidade no que se relaciona com a segurança do público, a higiene lizá-la em todos os seus aspectos, principalmente no tocante à higiene na
na exposição dos produtos, os dias e horários de abertura e fechamento, 152 exposição dos gêneros alimentícios e no que concerne ao estado dos pro-
sujeitando-os a licenciamento prévio e especial e a permanente fiscaliza- dutos deterioráveis, tendo-se em vista que geralmente são mantidos ao
ção da Prefeitura. 153 relento e sem proteção contra as impurezas do meio ambiente.
As feiras-livres em algumas cidades constituem verdadeira tradição e
152. O STJ assentou que o ato do Município que proíbe o funcionamento dos devem ser mantidas como ponto de exposição e venda do artesanato local,
supcnnercados nos domingos e feriados invade a competência normativa da União visto que como formas de abastecimento da população já estão superadas
Federal, cuja predominância para legislar sobre as atividades comerciais varejistas no
território nacional, acha-se presente na hipótese versada, em decorrência das exigên- pelos entrepostos permanentes, pelos mercados públicos e pelos modernos
cias sociais e econômicas contemporâneas. Acrescentou que o interesse coletivo com supermercados particulares.
alcance nacional prevalece sobre o peculiar interesse do Município, cuja competência Presentemente estão proliferando os denominados sacolões, que são
para legislar sobre o assunto é supletiva. Destacou que o Decreto 27.048/1949, que
regulamentou a Lei 605/1949, pennite que o comércio de gêneros de primeira neces- feiras-livres realizadas em áreas públicas municipais onde a venda dos
sidade funcione nos dias de repouso. E os atuais supennercados, gênero mais moderno produtos comestíveis é realizada por peso, quaisquer que sejam as merca-
dos mercados de outrora, beneficiam-se de tal orientação, não tendo, por isso, aplica- I dorias adquiridas. O preço é único por quilo de produto comprado.
ção a Súmula 419, do STF, que proclama que "os municípios têm competência para
regular o horário de comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou fede-
I
I tos, proibindo, inclusive, a abertura aos domingos e feriados. Contra essa proibição
rais válidas" (REsp 297.358-PR, 1ª Tunna, reI. Min. José Delgado,j. 15.3.2001, DJU i insurgiram-se dezenas desses estabelecimentos, mas tiveram sua pretensão repelida,
30.4.2001, p. 127; REsp 506.876-SP, 2ª Tunna, reI. Min. João Otávio de Noronha, j. j
naquela ocasião, em todos os mandados de segurança, por todas as Câmaras do TJSP,
27.2.2007, DJU 15.3.2007, p. 294). i que afinnaram a competência do prefeito para essa detenninação, consoante sustentou
153. O Município da Capital de São Paulo conceituou os supennercados pela i o impetrado nas infonnações por nós elaboradas (cf., do Autor, Estudos e Pareceres
Lei 7.208, de 13.11.1968, e regulamentou seu funcionamento por sucessivos decre- ... , v. lI, p. 545, e acórdão in RJTJSP 38/186).

I
464 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 465

6.9.3 Matadouros No poder de ordenamento dos serviços de interesse do Município


enquadra-se, necessariamente, o de fiscalização e controle do abate de ani-
Os matadouros constituem equipamento necessário ao abastecimento mais em matadouros municipais, bem como a verificação do estado sani-
da população urbana, mas devem ser localizados fora e distantes da cida- tário da carne verde oferecida ao consumo local; mesmo porque nenhuma
de, pelos óbvios inconvenientes que apresentam no seu funcionamento, fiscalização é exercida efetivamente pelos órgãos federais e estaduais nas
quer quanto à condução dos animais para o abate, quer quanto ao mau pequenas cidades, razão pela qual se impõe a atuação da Prefeitura nesse
cheiro que exalam. setor, estabelecendo a obrigatoriedade da inspeção do produto no tendal
A fiscalização desse serviço de interesse público é primordialmente municipal antes de ser exposto à venda (CF, art. 23, VIII).
da competência do Município, dadas as suas implicações com o interesse Como bem advertiu o TJSP: "É absurdo, porém, confundir a proi-
local, mas nem por isso os matadouros e frigoríficos ficam dispensados do bição de duplicidade de fiscalização no mesmo estabelecimento ou local
atendimento das normas federais e estaduais de higiene e saúde pública com a fiscalização sucessiva da mercadoria, especialmente a carne e ou-
que lhes são pertinentes. A questão tem suscitado viva controvérsia nos tros gêneros deterioráveis".155 Se a União ou o Estado mantiverem inspe-
Tribunais, dividindo-se a jurisprudência entre os que afastam a competên- ção sanitária permanente no matadouro municipal torna-se desnecessária
cia municipal, por reputá-la originariamente da União e supletivamente a da Prefeitura; mas se isto não ocorrer - e geralmente não ocorre nos pe-
do Estado-membro, e os que a admitem, por considerá-la incidente sobre quenos matadouros -legítima é a inspeção do Município, com a cobrança
matéria de interesse do Município. da respectiva taxa de fiscalização. 156
De nossa parte, entendemos que a razão está com os que sustentam a
competência comunal para dispor sobre matadouros municipais e inspe- 6.10 Serviço funerário
cionar as carnes que deles saem para o consumo local. Mas - note-se bem
- o poder do Município nesse assunto não vai ao ponto de regulamentar O serviço fUnerário é da competência municipal, por dizer respeito a
o comércio de carnes em geral, senão apenas o fornecimento de carne atividades de precípuo interesse local- quais sejam: a confecção de cai-
verde à população local. Não se nega a competência constitucional da xões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração
União para legislar sobre normas gerais de defesa e proteção da saúde, de cemitérios. As três primeiras podem ser delegadas pela Municipalidade,
como também sobre produção e consumo (art. 24, § 2º), nem se recusa a com ou sem exclusividade, a particulares que se proponham a executá-las
competência supletiva do Estado-membro nessa legislação (art. 24, V e mediante concessão ou permissão, como pode o Município realizá-las por
suas repartições, autarquias, fundações ou empresas estatais. 157
XII, e § I º); mas daí não se pode inferir a supressão do poder de polícia
do Município para fiscalizar os gêneros alimentícios destinados aos seus Quando delegados esses serviços a particulares, serão executados sob
munícipes, dentre os quais se incluem a carne fresca, o leite, os ovos e de- fiscalização e controle da Prefeitura, para que se assegurem o bom atendi-
mais produtos que passam pelos entrepostos locais para consumo diário da mento do público e a modicidade das tarifas. Este poder de regulamenta-
população urbana. Certamente não poderá o Município arrogar-se compe- ção é irrenunciável e deverá ser exercido ainda que omitido na delegação,
tência para regulamentar a atividade de matadouros-frigoríficos situados porque a polícia mortuária e a fiscalização dos serviços concedidos são
em seu território mas que não abastecem o mercado local, destinando seus atributos dp Município, como entidade delegante.
produtos industrializados ao comércio em geral. Tais estabelecimentos, Os terrenos dos cemitérios municipais são bens do domínio público
por não executarem o abate de animais para abastecimento local, refogem de uso especial, razão pela qual não podem ser alienados, mas simples-
da alçada regulamentar do Município, para só se sujeitarem às normas mente concedidos aos particulares para as sepulturas, na forma do res-
federais de industrialização e comércio da carne. 154 pectivo regulamento local. Daí a exata afirmativa de Trotabas de que "a

1 155. TJSP, RT3271168, confirmada em embargos, RT3531120.


154. A fiscalização sanitária dos produtos de origem animal está disciplinada
~.1
j.
pela Lei 7.889, de 23.11.1989, que revogou a Lei 5.760, de 3.12.1971, que era regula- 156. TJSP, RT299/345; TASP, RT203/535, 266/641 e 288/732.
mentada pelo Decreto 73.116, de 8.11.1973. A Lei 6.437, de 20.8.1977, configura as 157. TJSP, RDA 45/110 e 56/236, RT 164/630, 275/544, 280/448 e 309/244;
infrações sanitárias. ,
-
TASP, RT303/479, 310/408 e 3111484.
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 467
466 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

concessão de uso dos terrenos de cemitérios é um modo de utilização pri- . . A guarda municipal - ou que nome tenha - é apenas um corpo de
vlgllantes adestrados e armados 160 para a proteção do patrimônio público
vativa do domínio público, segundo a sua destinação específica" .158 Essa
e maior segurança dos munícipes, sem qualquer incumbência de manuten-
concessão de uso é revogável desde que ocorram motivos de interesse
ção de ordem pública (atribuição da polícia militar) ou de polícia judiciária
público ou seu titular descumpra as normas de utilização, consoante têm
(atribuição da polícia civil). 161 O fato de se confiar uma arma a seus com-
entendido uniformemente os Tribunais. ponentes não "militariza" essa guarda nem a descaracteriza como serviço
Convém advertir que a competência municipal não adentra a parte de civil do Município, pois até os vigilantes particulares são autorizados a
saúde pública e de normas para autópsia, exumação de cadáveres, prazo portar arma para o desempenho de sua missão, e assim também o devem
para sepultamento e outros aspectos de atribuição estadual e até mesmo ser os guardas municipais. Aliás, nas oportunidades em que a questão foi
federal. Cabem ao Município a parte administrativa dos cemitérios e os levada à Justiça os Tribunais decidiram pela constitucionalidade das guar-
serviços funerários propriamente ditos, para a prestação dos quais a Pre- das municipais armadas, uma vez que o policiamento preventivo e a pro-
feitura pode cobrar a respectiva remuneração. teção a pessoas e bens é atribuição comum a todas as entidades estatais
A construção e exploração de cemitério particular por sociedade co- nos limites de sua competência institucional. 162 A Constituição de 1988
mercial depende de licença por parte da Administração e não pode ser faculta aos Municípios a constituição de guardas municipais destinadas à
dissociada da exploração dos serviços funerários, sendo vedado ao Muni- proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei (art.
cípio conceder ou permitir a prestação de tais serviços sem prévias autori- 144, § 8º).
zação legislativa e licitação. 159 O serviço de prevenção contra incêndios, principalmente no seu as-
pecto preventivo, é da competência do Município. As providências cau-
telares devem ser exigidas desde a aprovação dos projetos de construção,
6.11 Segurança urbana p.ara os quais o Código de Obras e as normas especiais estabelecem requi-
Os serviços de segurança urbana comumente desempenhados pelos sItos de segurança contra fogo e impõem dispositivos de salvamento nos
nossos Municípios têm-se restringido à guarda de seus edificios, à preven- edificios de utilização coletiva, casas de diversão, recintos de espetáculos
ção contra incêndios e à extinção de animais nocivos; mas nada impede e demais estabelecimentos ou locais sujeitos a incêndios.
- e tudo aconselha - se estendam a outros setores em que se fazem neces- Pode ainda o Município organizar corpo de bombeiros voluntários
sárias a proteção dos munícipes e a preservação do patrimônio público e para auxiliar o corpo militar de bombeiros (este, sim, privativo do Estado,
particular. nos termos do art. 144, § 6º, da CF) nas emergências que os incêndios pro-
vocam nos centros urbanos, e mesmo nas queimadas de florestas, tão fre-
Para tanto impõe-se a criação de guarda municipal como serviço per-
qüentes na zona rural nas épocas de seca. Nessas eventualidades sempre se
manente de segurança urbana, ao lado dos outros serviços locais que pro- verifica a insuficiência de homens e de equipamento do serviço estadual,
piciam conforto e bem-estar aos munícipes - como, aliás, está previsto na que bem pode ser complementado pela organização local.
Constituição do Estado de São Paulo (art. 147).
A guarda municipal destina-se ao policiamento administrativo da ci- 160. A Lei 10.826, de 22.12.2003, estabeleceu que podem portar arma de fooo
dade, especialmente dos parques e jardins, dos edificios públicos e mu- os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios co~
seus, onde a ação dos depredadores do patrimônio público se mostra mais mais de .quinh~ntos mil h~bitan~es e, somente quando em serviço, os dos Municípios
com maIS de cmqüenta mll habItantes (art. 6º, lU e IV, com a redação dada pela Lei
danosa. Tal serviço enquadra-se perfeitamente na competência municipal, 10.867/2004).
mas nem sempre vinha sendo aceito pelo Estado-membro como atribuição . 161. Algumas de tais atribuições poderão vir a ser estendidas às guardas munici-
local sob o especioso argumento de que constitucionalmente só as unida- paIS caso venha a ser aprovada a PEC 514/1997, que altera o art. 144, dispondo em seu
des federadas podem ter "polícias militares". § 6º que "os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção
de seus bens, serviços e instalações, podendo, ainda, exercer funções de segurança
pública da competência dos Estados, na forma fixada em lei estadual assim como
158. De /'Utilisation du Domaine Public par les Particulieres, p. 142.
serviços de bombeiro". '
159. STJ, REsp 622.101-RJ, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado,j. 20.4.2004, DJU
162. TJSE, RDA 33/233; TASP, RT254/432.
17.5.2004,p.160.
468 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 469

Outro aspecto a ser provido pelo Município é o da promoção de cam- concorrer para a educação e para o ensino na medida de sua capacidade e
panhas educativas da população sobre a prevenção e combate ao fogo, de seus recursos.
bem como a formação de corpos de voluntários que se disponham a coo- Os princípios constitucionais sobre a educação e o ensino estão con-
perar com as autoridades competentes nos momentos de necessidade ge- densados no art. 206 da CF, nos seguintes termos: "I - igualdade de con-
rados pelos grandes incêndios, urbanos e rurais. Tal iniciativa tem sido dições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender,
posta em prática em muitas cidades paulistas, com resultados plenamente ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - plura-
satisfatórios. lismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de institui-
O serviço de combate aos animais nocivos é da competência precípua ções públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público
das Prefeituras, principalmente a extinção de formigas, ratos e mosquitos. em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino,
Realmente, os animais nocivos - insetos, pássaros, roedores etc. - mere- garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público,
cem o decidido combate por parte dos Poderes Públicos e dos particulares, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso pú-
em face dos males que causam à vida humana e à economia nacional. blico de provas e títulos; (redação dada pela EC 19, de 1998) VI - gestão
Diante dos produtos químicos modernos já não há temer as pragas democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão
bíblicas, que talavam os trigais e flagelavam os povos, sem que o homem de qualidade.
pudesse extingui-las. Em nossos dias só a incúria dos governos e a inércia Pela Constituição anterior não cabia ao Município organizar seu sis-
dos fundiários respondem pela proliferação dos animais daninhos. A partir tema de ensino; pela atual compete à União, aos Estados, ao Distrito Fe-
da Constituição de 1988 a proteção ao meio ambiente e o combate à polui- deral e aos Municípios organizar seus sistemas de ensino, em regime de
ção, em qualquer de suas formas, passaram a ser de competência comum colaboração (art. 211).
das quatro entidades estatais (art. 23, VI), de acordo com as normas de Quanto à legislação, a União tem competência privativa para editar
cooperação a serem expedidas por lei complementar federaL normas de diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIv, da CF),
Todos os meios e modos de extinção dessas pragas podem ser uti- enquanto que a União juntamente com os Estados e o Distrito Federal pos-
lizados, segundo as peculiaridades locais, quer através de medidas pre- suem competência concorrente para matéria de educação, cultura, ensino
ventivas, quer no combate direto aos seus redutos; e, para tanto, deve o e desporto (art. 24, IX).
Município instituir e manter os serviços adequados, desenvolvendo pa- Ao Município, portanto, só compete criar e manter escolas ou cursos,
ralelamente campanha educativa para secundar a ação oficial e ensinar de qualquer espécie ou grau, de acordo com seu sistema de ensino. Mas é
aos particulares como usar os inseticidas, raticidas, herbicidas - que, mal- recomendável que se dedique prioritariamente ao ensino fundamental e à
empregados, podem ser prejudiciais ao homem, às suas culturas e animais educação infantil (art. 211, § 2Q, da CF).
domésticos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de
20.12.199('1, com as alterações introduzidas pela Lei 11.274, de 6.2.2006,
6.12 Educação e ensino deternlina que o poder público deve recensear os educandos no ensino hm-
A educação e o ensino 163 adquiriram tal importância na vida das na- damental, com especial atenção para o grupo de seis a quatorze e de quinze
ções civilizadas que passaram a figurar nas Constituições como dever do a dezesseis anos de idade e o Distrito Federal, cada Estado e Município e,
Estado e direito dos indivíduos. supletivamente, a União devem matricular todos os educandos a partir dos
Entre nós o problema educacional a todos sobreleva, porque dele seis anos de idade no ensino fundamental (art. 87, §§ 2Q e 3Q, I).
decorre a maioria - se não a totalidade - dos males que afligem a vida É caso de intervenção do Estado no Município a não-aplicação do
nacional. Essa verdade, embora cediça, merece repetida a cada momento, percentual mínimo de sua receita de impostos (25%) na manutenção e
para que se grave na consciência de todo brasileiro o dever inescusável de desenvolvimento do ensino (art. 35, UI, CF).164

163. Sobre a matéria, v. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional 164. V. Laís de Almeida Mourão, "Inconstitucionalidade de Lei Orgânica do Mu-
Positivo, 30ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Quarta Parte, Título lI, Capítu- nicípio que fixa a maior o percentual mínimo exigido pela CF para o Município desti-
lo III, "Da Ordem Constitucional da Cultura". nar à manutenção e desenvolvimento do ensino", BDM 6/324, 1996.
470 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 471

A Emenda Constitucional 53, de 19.12.2006, introduziu nova altera- Compatível com a posição do Município é, ainda, a implantação de
ção no art. 60, do ADCT, para estabelecer que até o décimo quarto ano a
cursos profissionalizantes, de grau elementar ou médio, para atender às
partir da sua promulgação, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
necessidades da indústria, do comércio e da agricultura da região. O que
destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Cons-
não se justifica é a criação desordenada de escolas superiores municipais,
tituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e
sem recursos materiais e financeiros para sua manutenção e sem corpo
à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as
docente capacitado para o ensino desejado.
disposições contidas em seus incisos e parágrafos. Assegura a distribuição
dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e
seus Municípios mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distri- 6.13 Saúde, higiene e assistência social 166
to Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação-FUNDEB, de na- Os serviços de saúde pública, higiene e assistência social incluem-
tureza contábil, e estatui que eles serão constituídos por 20% dos recursos se na categoria das atividades comuns às três entidades estatais, que, por
a que se referem os incisos I, 11 e 111 do art. 155; o inciso 11 do caput do art. isso, podem provê-los em caráter comum, concorrente ou supletivo (CF,
157; os incisos 11, 111 e IV do caput do art. 158; e as alíneas "a" e "b" do art. 23, 11 e IX).
inciso I e o inciso 11 do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, Tais matérias, como facilmente se percebe, interessam tanto à União
distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao como aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios em ge-
número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica ral. Por isso, não se pode determinar, a priori, a competência a que ficam
presencial, matriculados nas respectivas redes, nos respectivos âmbitos de sujeitas. As circunstâncias de cada caso e os objetivos visados pelo serviço
atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 211 da CF. é que determinarão a entidade competente.
A Lei 11.494, de 20.6.2007, regulamentou o FUNDEB dispondo so- No setor da saúde um exemplo esclarecerá a questão: o serviço con-
bre as fontes de receita, a complementação da União, a distribuição (atra-
tra a malária é federal e está disseminado por todo o país, onde grassa
vés de intrincados cálculos e fórmulas), a transferência, a gestão e a uti-
a moléstia em caráter endêmico; os Estados-membros também realizam
lizacão dos recursos. Instituiu, no âmbito do Ministério da Educação, a
serviços de saneamento com o fito de debelar o mesmo mal; entretanto,
COI~issão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica
podem os Municípios mais diretamente interessados no combate a essa
de Qualidade, composta por um representante daquele Ministério, um re-
presentante dos secretários estaduais e um dos secretários municipais d~ enfermidade criar e manter serviços especiais de saneamento, visando a
educação de cada uma das cinco regiões político-administrativas do. BrasIl conservar desbastadas as margens das águas municipais ou drenados os
(art. 12), com as atribuições relacionadas no ~rt. 13, d~~tre as qU~IS .a d,e charcos onde prolifera o inseto transmissor, caso os serviços federais e
fixar anualmente a parcela da complementaçao da Umao a ser dIstnbm- estaduais não objetivem essas providências.
da para os Fundos por meio de programas direcionados para a melhoria O mesmo se pode dizer da higiene pública e da assistência social,
da qualidade da educação básica, devendo exercer suas competências em em relação às quais o governo federal tem procurado prover com leis de
observância às garantias estabelecidas nos incisos I, 11, 111 e IV do caput caráter nacional, e os Estados-membros com regulamentos especiais para
do art. 208, da CF e às metas de universalização da educação básica es- sua região. Entretanto, há sempre lugar para o Município completar a ação
tabelecidas no Piano Nacional de Educação. Estabeleceu que os Estados, federal e estadual quando as necessidades locais se ressentirem de falhas
o Distrito Federal e os Municípios deverão implantar planos de carreira e ou ineficiência das providências superiores.
remuneração dos profissionais da educação básica, de modo a assegurar: Tratando-se de competências concorrentes e supletivas, sempre que
I - a remuneração condigna dos profissionais na educação básica da rede a esfera mais alta passar a prover o mesmo assunto de modo diverso do
pública; 11 - integração entre o trabalho individual e a proposta pe~agógi­
provimento inferior fica afastada a regulamentação da entidade menor; se
ca da escola; 111 - a melhoria da qualidade do ensino e da aprend1zagem
(art. 40).165 não houver conflitos vigem, paralelamente, ambas as competências.

166. Para maiores esclarecimentos, V., do Autor, o Direito Administrativo ... ,


165. Sobre o FUNDEB, v. Capítulo V, item 3.2.8. 34ª ed., o tópico "Polícia sanitária", Capítulo m, item 8.
VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 473
472 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

hábitos e conhecimentos com que possam proteger a própria saúde e a dos


6.13.1 Saúde pública outros.
A saúde pública tem merecido de todos os povos civilizados especial A esse respeito observou o professor Almeida Júnior, com muita pro-
atenção, através de medidas preventivas e processos curativos das enfer- priedade, que de nada vale a teoria higiênica sem os hábitos higiênicos.
midades que acometem o homem, em caráter epidêmico ou endêmico, Estes é que são fundamentais para todo povo, na preservação de sua saú-
agudo ou crônico, hereditário ou adquiridas no meio ambiente. de. 169
A saúde pública está intimamente relacionada não só com as condi- O campo da higiene pública 170 pode-se dizer que é co-extensivo ao
ções ambientais em que vivem os indivíduos, como - e principalmente de toda a Nação e até mesmo ao de todo o orbe terrestre, como bem o de-
- com os alimentos de que se nutrem. Daí a preocupação constante das monstra a existência desse órgão internacional que é a Organização Mun-
nações modernas de atuar no duplo sentido da higienização das cidades dial de Saúde (OMS). Mas, para o propósito deste trabalho, só diremos da
e regiões habitáveis e de controlar e orientar a alimentação do povo, para higiene pública local, como serviço da competência do Município.
obter o maior número de cidadãos prestantes e o máximo de rendimento
Mesmo no âmbito da Comuna a higiene coletiva se desdobra em ati-
das atividades humanas.
vidades e serviços de alta complexidade e importância, como são o do
Ao Município sobram poderes para editar normas de preservação da controle sanitário propriamente dito, o da profilaxia, o da educação sanitá-
saúde pública nos limites de seu território, uma vez que, como entidade ria, os serviços de clínica médica e odontológica e laboratórios de análises,
estatal que é, está investido de suficiente poder de polícia inerente a to~a os socorros públicos de urgência, a assistência hospitalar, a assistência à
a Administração Pública para a defesa da saúde e bem-estar dos munícl-
maternidade e à infância e os serviços de registro e estatística.
peso Claro é que o Município não pode legislar e agir contra as normas
gerais estabelecidas pela União l67 e pelo Estado-membro ou além delas, O controle sanitário abrange a limpeza das vias e logradouros públi-
mas pode supri-las na sua ausência, ou complementá-las em suas lacunas, cos, a remoção e o destino final do lixo coletado em seu território, a rede
em tudo que disser respeito à saúde pública local (CF, arts. 24, XII, e 30, de água e esgotos, a inspeção de gêneros alimentícios, o tratamento da
1,11 e VII).168
Aliás, já dissemos - e convém seja repetido -, em matéria de saúde 169. A Constituição Federal estabelece que os Municípios têm competência para
"prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de aten-
pública predomina sempre o interesse nacional, porque em nossos dias dimento à saúde da população" (art. 30, VII) e deverão aplicar, anualmente, em ações
não há doença ou moléstia que se circunscreva unicamente a determinado e serviços públicos de saúde, recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
Município ou região, em face dos rápidos meios de transporte, que, se con- calculados sobre o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e
duzem com presteza os homens, agem também como fator contaminante dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea "b" e § 3!! (art. 198, § 2!!,
IH, incluído pela EC 29/2000). Esses percentuais deverão ser fixados por Lei Comple-
de todo o país. mentar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos (art. 198, § 3º, incluído pela
Convergindo os interesses das três esferas estatais, hão de convergir EC 2912000). Corno esta lei não foi editada até 2004, a partir do exercício frnanceiro
também seus esforços para a preservação da saúde do povo. de 2005, aplica-se o disposto no art. 77, dos Atos das Disposições Transitórias, com
a nova redação dada pela EC 2912000. Esse papel do Município é destacado nas Leis
8.080, de 19.9.1990, e 8.142, de 28.12.1990. A primeira estabelece expressamente a
6.13.2 Higiene pública "conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assis-
A higiene pública é o meio utilizado pelo Poder Público para a pre- tência à saúde da população" (art. 7º, XI) e a segunda prevê os repasses de recursos
servação da saúde da coletividade. Realiza-se pela imposição de medidas do Fundo Nacional de Saúde para cobertura das ações e serviços de saúde a serem im-
coercitivas e instrução constante dos indivíduos, visando a lhes incutir plementados pelos Municípios, desde que estes, dentre outros requisitos, contem com
um Fundo de Saúde, fiscalizado por um Conselho de Saúde (art. 42) (sobre o Fundo
Municipal de Saúde, v. Capítulo V, item 3.2.9).
167. Sobre as normas gerais, v. tópico Polícia Sanitária, no capítulo seguinte
170. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.9.1990), provendo
(item 2.1). O STJ reconheceu que o Município pode fiscalizar hospital mantido por
normas sobre a higiene pública, proíbe a colocação no mercado ou o fornecimento de
entidade privada para analisar o modo corno são empregadas as verbas repassadas pelo
produto que possa colocar em risco a saúde ou a segurança do consumidor, estabele-
SUS (RT751/209). cendo as respectivas sanções.
168. A. Almeida Júnior, "Higiene e ambiente", in Jornadas de Educação, p. 13.
474 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO V1I - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 475

água potável, a fiscalização dos recintos franqueados ao público, as edifi- ou prescrito a adoção da medida; necessário é que o serviço instituído já
cações urbanas, os veículos de transporte coletivo, o estado dos quintais esteja funcionando para afastar a ação do Município sobre o mesmo as-
das residências particulares, e tudo mais que possa constituir veículo ou sunto. Enquanto os órgãos federais ou estaduais não estiverem agindo no
foco de moléstias e doenças ou desfavorecer a saúde da população urbana território municipal permanecerá a ação do Município.
ou rural.
A ação do Município no setor da saúde pública deve entrosar-se, 6.13.3 Assistência social
sempre que possível, com a da União e do Estado-membro, não só pelo
interesse comum das três entidades estatais, como pelo alto custo dos pro- Ao Estado moderno se reconhece o dever de prestar assistência aos
cessos preventivos e curativos a empregar. Além disso, as medidas higiê- necessitados, no mais amplo significado dessa palavra, isto é, em todos os
nicas e profiláticas, para terem eficácia, hão de se estender a grandes áreas, setores em que o indivíduo, por seus próprios esforços, não puder obter
que, na maioria das vezes, transcendem os limites territoriais do Municí- os recursos mínimos para manter a si e sua família, bem como defender
pio, para atingir as Prefeituras vizinhas e, não raro, toda uma região. Inútil seus direitos em juízo. Na Constituição Federal de 1988 esse dever vem
será um Mupicípio higienizar seu território se o Município limítrofe não expresso como competência comum a todas as entidades estatais (art. 23,
tomar idêntica medida sanitária. Com efeito, de nada valeria drenar-se a II, parte final).
margem esquerda de um rio maleitoso e a direita, pertencente a outra Pre- Dessa conceituação sobressai que a assistência social (não confundir
feitura, permanecer com as águas estagnadas, propícias à proliferação de com previdência social) compreende o amparo material, moral e jurídico
pernilongos transmissores da malária. do necessitado e de sua família. Material, provendo-os de recursos neces-
Tais considerações aconselham a formação de consórcios intermuni- sários à sobrevivência na sociedade; moral, amparando-os com conselhos
cipais para a realização de empreendimentos sanitários destinados à solu- e o calor da solidariedade humana;jurídico, assegurando-lhes a movimen-
ção dos problemas comuns da região. Desse modo, os Municípios interes- tação gratuita dos meios judiciários de que necessitarem para a defesa de
sados na preservação da saúde pública repartirão os encargos e colherão seus direitos.
juntos os frutos da cooperação. O conceito de assistência social evoluiu de caridade pública ao de
Além da cooperação entre as três esferas estatais e as Prefeituras vizi- proteção legal do indivíduo pelo Estado. Primitivamente o Poder Público
nhas, impõe-se ainda a coordenação dos próprios serviços locais de saúde assistia aos necessitados baseado na idéia de beneficência; modernamente
e higiene públicas, para que se não desperdicem esforços e verbas num assiste-lhes por um dever de solidariedade humana, da Sociedade para
só setor, deixando outros ao abandono. Coordenar é dispor os órgãos e com todos os membros que a compõem. Perante o Estado - e nessa acep-
atividades do mesmo serviço de tal forma que, concorrendo para o mesmo ção se entende a União, o Estado-membro e o Município - todo ser hu-
fim, não se choquem, não se absorvam, nem se repitam inutilmente. A mano se apresenta como merecedor de amparo, quer como elemento útil à
observação não é carente de razão, porque Municípios há em que dois ou economia da comunidade, quer como elemento improdutivo por deficiên-
mais órgãos desempenham a mesma função san.itária e nos quais doentes cia fisica, mental ou educacional. Aos indivíduos capazes o Poder Público
crônicos são alojados no pronto-socorro e o hospital é que fica atendendo, deve proteção no sentido de amparar e fomentar sua produtividade; aos
morosamente, os casos urgentes ... incapazes, no sentido de lhes restituir a capacidade ou de supri-la com os
Afiscalização e execução das medidas sanitárias, o Município as recursos necessários, quando inexeqüíveis a reintegração ou o aproveita-
realiza nos limites de sua competência, usando do poder de polícia que lhe mento do indivíduo no seio da comunidade social.
é inerente (CF, art. 30, I). Insistimos, porém, que a ação do Município em No nosso sistema constitucional, desde a proclamação da República,
matéria de saúde pública é sempre conjunta com a da União e do Estado- o Estado é laico, isto é, separado da Igreja. Mas nem por isso se desviou
membro (CF, art. 23, II). A Municipalidade age onde não agem as enti- dos preceitos cristãos de igualdade e solidariedade entre os homens e de
dades superiores, mesmo porque seria inútil e economicamente contra- respeito à dignidade e à vida humana.
indicada a pluralidade de serviços para a consecução do mesmo fim. Mas
A assistência social aos necessitados, com os serviços de prevenção
as exigências da saúde pública são sempre urgentes e inadiáveis. Por isso,
e recuperação dos desajustados da coletividade local, afigura-se-nos per-
não basta que a União e o Estado-membro tenham criado em lei o serviço
feitamente cabível na competência municipal- o que não impede, é claro,
476 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VII - SERVIÇOS E OBRAS MUNICIPAIS 477

seja empreendida e realizada em cooperação ou com o auxílio da União lixo nesses locais tem sido a grande causa de enchentes em dias de chuvas,
e do Estado-membro. O que negamos, porém, é a possibilidade constitu- com o entupimento de bueiros responsáveis pelo escoamento das águas.
cional de a União e o Estado-membro legislarem para o Município sobre Hoje em dia o Município tem recorrido à contratação de empresas
assistência social, impondo-lhe encargos de qualquer ordem. O Município especializadas nesses serviços, selecionadas mediante procedimento lici-
tem o dever de assistir aos necessitados, às famílias de prole numerosa, à tatório, eliminando, com isso, os grandes problemas com encargos traba-
maternidade, à infância e à juventude; mas o modo, forma e limites dessa lhistas e previdenciários.
assistência são de sua exclusiva escolha. Necessário é que se reaja contra Idêntico sistema tem sido utilizado para a coleta de lixo, em que a
o vez o da intromissão federal e estadual em assuntos de economia domés- seleção de empresas especializadas vem proporcionando economia nos
tica do Município, e principalmente no campo social.
gastos públicos e - por que não dizer? - maior eficiência na consecução
A ação do Município nesse campo é muito adequada, porque, como do serviço.
observa Alcides Greca, "o governo municipal, que se encontra em cons- Cabe, ainda, ao Município a decisão sobre o destino final a ser dado
tante e íntima relação com o núcleo da população urbana, está em condi- aos detritos coletados em seu território (lixo, refugo, entulho e outros re-
ções de conhecer com exatidão suas necessidades, e, por isso mesmo, é
síduos sólidos imprestáveis), à vista das peculiaridades locais e em con-
chamado a remediá-las com eficácia".17l
formidade com os procedimentos técnicos adequados ao controle sanitário
Aspectos existem, porém, de âmbito regional ou nacional, que só po- ambiental.
dem ser enfrentados eficientemente pelo governo federal, estadual, ou, Dessa forma, além do espalhamento a céu aberto (técnica precária e
mais propriamente, pela ação conjunta de todas as esferas estatais, e nesta pouco indicada para os grandes aglomerados urbanos, dados a vasta exten-
situação se alinham as questões relacionadas com a família, com o desem- são de terra requerida e os riscos de poluição ambiental), da incineração
prego, com o abandono de menores e outras mais, que saltam as divisas
(de custo elevado, mormente no que concerne aos equipamentos exigidos
do Município, e por isso ficam sob a responsabilidade dos poderes de ação para se evitar a poluição atmosférica) e do aproveitamento industrial (nem
mais ampla.
sempre exeqüível), o Município pode utilizar o sistema de aterro sanitário,
O Município pode prestar assistência social direta, através de órgãos ou que se apresenta como uma solução bastante satisfatória para o problema
instituições públicas próprios, ou indireta, fomentando e subvencionando da destinação final dos detritos sólidos, aliada à vantagem de permitir o
instituições ou estabelecimentos particulares que se dedicam a este mister. aproveitamento de terrenos muito baixos ou de acentuados desníveis.
Não hesitamos em sustentar e aconselhar, mesmo, que as Municipali-
dades decidam sempre pela assistência social indireta, isto é, pela ajuda a 6.15 Esporte, lazer e recreação
instituições particulares. Isso porque a missão de amparo social é, sobre-
tudo, missão sentimental, que exige dedicação, espírito de fraternidade e o Esporte, lazer e recreação são necessidades biológicas do ser huma-
calor humano dos que a realizam. no, só agora difundidas entre nossa sociedade. Aos poucos, sentimos que
estão se popularizando entre nós a prática de esporte, a dedicação aos mo-
Para a execução de serviços sociais de interesse regional é de toda
mentos de lazer e recreação.
conveniência a formação de consórcios intermunicipais que, com mais
amplitude de ação e maiores recursos financeiros e administrativos, pos- Também o Município vem-se preocupando em oferecer esses servi-
sam enfrentar e solucionar os problemas gerais da região e particulares de ços à sua comunidade, através de liberação de espaços livres - as deno-
cada Município. minadas ruas de lazer -, novos parques, apresentação de shows em locais
públicos, apresentação de orquestras sinfônicas e incentivo às competi-
ções esportivas.
6.14 Limpeza de vias e logradouros públicos e coleta de lixo
A limpeza de vias e logradouros públicos é, igualmente, serviço de 6.16 Saneamento básico e a Lei 11.445, de 5.1.2007
interesse local, de suma importância para a coletividade, pois o acúmulo de
A Lei 11.445, de 5.1.2007, estabelece as diretrizes nacionais para o
171. Derecho y Ciencia de la Administración Municipal, v. lI, p. 231. saneamento básico e os princípios fundamentais que devem nortear a pres-
478 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

tação desse serviço público (arts. 1º e 2º).Considera como saneamento bá-


sico: a) o abastecimento de água potável, desde a sua captação e tratamen-
to até as ligações prediais; b) a coleta, transporte, tratamento e disposição
final dos esgotos sanitários; c) a limpeza urbana de manejo dos resíduos
sólidos, com tratamento e destino final do lixo; e d) a drenagem e manejo
das águas pluviais urbanas.
Assim considerado o saneamento básico, a competência para sua
execução seria, naturalmente, do Município. Ocorre que nas Regiões Capítulo VIII
Metropolitanas isto não seria possível, dada a interligação das redes de PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO
água e esgoto de várias cidades. Semelhante dificuldade ocorre com os
Municípios situados na mesma bacia hidrográfica. Ainda mais quando a
1. Considerações gerais: 1.1 Origens e evolução -1.2 Conceito -1.3 Ra-
própria lei determina que a utilização de recursos hídricos na prestação zão e fundamento - 1.4 Objeto e finalidade - 1.5 Extensão e limites -
de serviços públicos de saneamento básico, inclusive para disposição ou 1.6 Atributos: 1.6.1 Discricionariedade - 1.6.2 Auto-executoriedade -
diluição de esgotos e outros resíduos líquidos, está sujeita a outorga de 1.6.3 Coercibilidade - 1.7 Meios de atuação -1.8 Sanções -1.9 Condi-
ções de validade. 2. Principais setores de atuação do poder de polícia do
direito de uso, nos termos da Lei 9.433, de 8.1.1997, de seus regulamentos Município: 2.1 Polícia sanitária - 2.2 Polícia das construções - 2.3 Po-
e das legislações estaduais. Por isso mesmo a lei determina que "os planos lícia das águas - 2.4 Polícia da atmosfera - 2.5 Polícia das plantas e
de saneamento básico deverão ser compatíveis com os planos das bacias animais nocivos - 2.6 Polícia dos logradouros públicos: 2.6.1 Segurança
- 2.6.2 Higiene e moral- 2.6.3 Conforto e estética - 2.6.4 Publicidade
hidrográficas em que estiverem inseridos" (art. 19, § 3º). urbana - 2.7 Polícia de costumes: 2.7.1 Conduta pública - 2.7.2 Jogos
Tendo em vista essa realidade, a Lei 11.445/2007 abriu um capítulo e sorteios - 2.7.3 Espetáculos - 2.7.4 Telecomunicação - 2.8 Polícia de
pesos e medidas - 2.9 Polícia das atividades urbanas em geral. 3. Poder
para regular a prestação regionalizada dos serviços de saneamento básico de propulsão: 3.1 Conceito e objetivos.
(arts. 14 e ss.), que pode ser feita por órgãos ou entidades de ente da Fede-
ração ou por consórcio público, nos termos do art. 241 da CF.
Por outro lado, a lei não cuidou dos recursos necessários ao financia- 1. Considerações gerais
mento do serviço, tendo o Poder Executivo vetado todos os dispositivos
que tratavam da matéria. De início é de se esclarecer que o poder de polícia não é um po-
der político, privativo dos órgãos constitucionais do Estado, mas sim um
poder administrativo difundido entre toda a Administração Pública, na
medida das necessidades de suas funções. Enquanto os poderes políticos
identificam-se com·os Poderes de Estado e só são exercidos pelos res-
pectivos órgãos constitucionais do Governo, os poderes administrativos
difundem-se por toda a Administração e se apresentam como meios de sua
atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes são
contingentes e instrumentais da Administração.
Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o
poder de polícia administrativa, que a Administração Pública exerce sobre
todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade.

1.1 Origens e evolução


As origens do poder de polícia remontam às cidades gregas da An-
tigüidade (poUs), onde a vigilância pública fora tão necessária como o é,
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 481
480

presentemente, nas modernas metrópoles. Da polis grega esse poder de Desde já convém distinguir a polícia administrativa, que nos interes-
vigilância se trasladou para a urbe romana, sob a designação latina politia, sa neste estudo, da políciajudiciária e da polícia de manutenção da ordem
que nos deu o vocábulo português polícia. pública,2 estranhas às nossas cogitações. Advirta-se, porém, que a polícia
administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que
Substancialmente, esse poder de vigilância não se modificou, ga-
as outras atuam sobre as pessoas, individual ou coletivamente. Apolícia
nhando apenas maior extensão, com o correr dos tempos .e a ~rescen:e
administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública,
ampliação das funções do Estado Moderno, cada vez ~aIs atIVO, maIS
enquanto as demais são privativas de determinados órgãos (polícias civis)
constrangedor das liberdades públicas, mais intervenciomsta, no bom sen- ou corporações (polícias militares).
tido da expressão. Modernamente se tem distinguido a polícia administrativa geral da
A evolução do poder de polícia acompanhou não só o desenvolvi- polícia administrativa especial,3 sendo aquela a que cuida genericamente
mento das cidades, como também a multiplicação das atividades huma- da segurança, da salubridade e da moralidade públicas, e esta de setores
nas, a expansão dos direitos individuais e as exigências do interesse so- específicos da atividade humana que afetem bens de interesse coletivo,
cial. Daí a extensão do poder de polícia a toda conduta do homem que tais como a construção, a indústria de alimentos, o comércio de medica-
afete ou possa afetar a coletividade. Com es~a a.trangência, o Es:a~o.' em mentos, o uso das águas, a exploração das florestas e das minas, e tantos
sentido amplo - União, Estado-membro, DIstnto Federal, MumcIplO -, outros que exigem restrições próprias e regime jurídico peculiar.
pode exercer esse pode~ a~ministrativo d: c~n:rol~ so~re todas as pessoa~, Deve-se, ainda, distinguir o poder de polícia originário do poder de
bens e atividades, nos lImites da competencla mstttuclOnal de cada.Adml- polícia delegado, pois aquele nasce com a entidade que o exerce, e este
nistração, visando sempre à preservação dos interesses da comumdade e provém de outra, através de transferência legal. O poder de polícia origi-
do próprio Estado. nário é pleno no seu exercício e consectários, ao passo que o delegado é
No âmbito municipal o poder de polícia incide sobre todos os as- limitado aos termos da delegação e se caracteriza por atos de execução.
suntos de interesse local, especialmente sobre as atividades urbanas que Por isso mesmo, no poder de polícia delegado não se compreende a im-
afetem a vida da cidade e o bem-estar de seus habitantes. posição de taxas, porque o poder de tributar é intransferível da entidade
estatal que o recebeu constitucionalmente. Só esta pode taxar e traspassar
os recursos para o delegado realizar o policiamento que lhe foi atribuído.
1.2 Conceito Mas no poder de polícia delegado está implícita a faculdade de aplicar
Poder de polícia é a faculdade de que dispõe aAd~i~istração p~b~ica sanções aos infratores, na forma regulamentar, pois que isto é atributo de
para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atIvIdades e dIreitos seu exercício.
l
individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado. No dizer de Cooley: "O poder de polícia (police power), em seu sen-
Em linguagem menos técnica podemos dizer que o poder de polícia tido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo
é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para qual o Estado busca não só preservar a ordem pública senão também esta-
conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte belecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta
de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de di-
revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desen-
2. A propósito, v.: Direito Administrativo da Ordem Pública, diversos autores,
volvimento e à segurança nacional. p.147.
3. Georges VedeI, Droit Administratif, p. 595; Jean Rivero, Droit Administratif,
1. Sobre poder de polícia, v. Caio Tácito, "O poder de polícia e seus lir!ütes", p. 413; F. P. Bénoit, Le Droit AdministratifFrançais, p. 764. V. também: nossas con-
RDA 27/1 e "Administração e poder de polícia", RDA 39/258; Hely Lopes Melrelles, ferências pronunciadas na Escola Superior de Guerra, "Poder de polícia e segurança
"Poder de' polícia no Município", RDPGRJ 4/55, e "Poder de polícia e segurança na- nacional", RT 445/287, e "Poder de polícia, desenvolvimento e segurança nacional",
cional" RT 445/287' Celso Antônio Bandeira de Mello, "Apontamentos sobre o poder RDA 125/1; José Afonso da Silva, "Poder de polícia - Atribuição a entidade paraes-
de polí~ia" RDP 9/55, e Curso ... , 25ª ed., 2008, pp. 805 e ss.; Clóvis Beznos, Poder tatal", RDA 132/241; Cid Tomani,k Pompeu, "O exercício do poder de polícia pelas
de Policia: São Paulo, 1979; Álvaro Lazzarini, "Limites do poder de polícia", Justitia empresas públicas", RF 258/438; Alvaro Lazzarini, Estudos de Direito Administrativo
170/73, e "Poder de polícia x abuso de poder", RT721/339. São Paulo, 1995. '
482 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
l VIII - PODER DE POLíCIA DO MUNICÍPIO 483

rei tos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito,
regular de um direito reconhecido", proibindo o abuso (arts. 186-188 do
até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais".4
CC 2002), e, no que concerne ao direito de construir, além de sua nor-
Entre nós, Caio Tácito explica que "o poder de polícia é, em suma, malidade, condiciona-o ao respeito às normas administrativas e ao direito
o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e dos vizinhos (arts. 1.277 e 1.299 do CC). Leis outras - como a Lei dos
restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades Recursos Hídricos, o ~ódigo de Mineração, o Código Florestal, o Código
individuais". 5 de Caça e Pesca, a LeI do Meio Ambiente, o Código de Defesa do Con-
6
O que a doutrina assinala uniformemente é a faculdade que tem a sumidor - cominam idênticas restrições, visando sempre à proteção dos
Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito interesses gerais da comunidade contra os abusos do direito individual.
individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do A cada restrição de direito individual - expressa ou implícita em
próprio Estado. Esse poder é inerente a toda Administração e se reparte norma legal - corresponde equivalente poder de polícia administrativa à
entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados, do Distrito Administração Pública, para tomá-la efetiva e fazê-la obedecida. Isto por
Federal e dos Municípios. que esse poder se embasa, como já vimos, no interesse superior da coleti-
Essa conceituação doutrinária já passou para nossa legislação, valen- vidade em relação ao direito do indivíduo que a compõe.
do citar o Código Tributário Nacional, que, em texto amplo e explicativo, O regime de liberdades públicas em que vivemos assegura o uso
dispõe: "Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da Administra- normal dos direitos individuais, mas não autoriza o abuso nem permite o
ção Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, exer~íc!o anti-social de~s~s direitos. As liberdades admitem limitações e
regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público os dIreItos pedem condICIOnamento ao bem-estar social. Essas restrições
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da fica,~ a c_argo da polícia. administrativa. Mas sob a invocação do poder de
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependen- P?lz~lQ nao pode a autondade anular as liberdades públicas ou aniquilar os
tes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública dIreIto~ fun~amentais d~ indivíduo, assegurados na Constituição, dentre
ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos". os qUaIS se mserem o dIreito de propriedade e o exercício de profissão
regulamentada ou de atividade lícita.
1.3 Razão e fundamento
1.4 Objeto e finalidade
A razão do poder de polícia é a necessidade de proteção do interesse
social, e seu fundamento está na supremacia geral que a Administração O objeto do poder de polícia administrativa é todo bem direito ou
Pública exerce, em seu território, sobre todas as pessoas, bens e ativida- atividade i?dividua~ ':lue possa afetar a coletividade ou pôr ~m risco a
des - supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas defesa naCIOnal, eXIgmdo, por isso mesmo, regulamentação, controle e
n01111as de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e cont~nfão pelo Poder Público. Com esse propósito a Administração pode
restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo cond~c~onar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução
ao Poder Público seu policiamento administrativo. de atIVIdades, como pode restringir o uso de bens que afetem a coletivida-
Sem muito pesquisar, deparamos na vigente Constituição da Repúbli- de em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou se oponham
aos objetivos permanentes da Nação.
ca claras limitações às liberdades pessoais (art. 5º, VI e VIII); ao direito de
propriedade (art. 5º, XXIV e XXXIII); ao exercício das profissões (art. 5º, . D~s.d~ q~e a con~uta do indivíduo ou da empresa tenha repercussões
XIII); ao direito de reunião (art. 5º, XVI); aos direitos políticos (art. 15); à preJudI~IaIs a comun~dade ou ao Estado, sujeita-se ao poder de polícia
liberdade de comércio (arts. 170 e 173). Por igual, o Código Civil condi- preventtvo ou repressIvo, pois ninguém adquire direito contra o interesse
público.?
ciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal, ao "exercício

4. Cooley, Constitutional Limitation, Nova York, 1903, p. 829. .6. ?s !'1unicípios, a !eor do disposto no art. 105 do CDC, "não estão impedidos
de cnar orgaos com a finalIdade de defender o consumidor" (cf Eduardo Gabriel Saad
5. Caio Tácito, "O poder de polícia e seus limites", RDA 27/1. V. também Clóvis Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3ª ed., p. 657). '
Beznos, Poder de Polícia, São Paulo, 1979. 7. TJSP, RJTJSP 128/391.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 485
484

Afinalidade do poder de polícia, como já assinalamos precedente- homem soberano na sociedade, o seu direito é, por conseqüência, sim-
mente, é a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo. ~~s­ plesmente relativo". 8
se interesse superior da comunidade entram não só os valores matenal~, Essa sujeição do direito individual aos interesses coletivos ficou bem
como também o patrimônio moral e espiritual do povo, expresso na tradI- marcada na Constituição de 1946, que condicionava o uso do direito de
ção, nas instituições ou nas aspirações nacionais da maioria que sustenta o propriedade ao bem-estar social (art. 147), e cujo princípio foi reproduzi-
regime político adotado e consagrado na Constituição e na ordem jurídica do na vigente Constituição da República, ao estabelecer que a ordem eco-
vigente. Desde que ocorra um interesse público relevante justifica-s~ ? nômica, "fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
exercício do poder de polícia da Administração para a contenção de atIvI- tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
dades particulares anti-sociais. justiça social, observados os seguintes princípios": propriedade privada
e função social da propriedade (art. 170, H-IH) - que é o acolhimento da
afmnativa de Duguit de que "a propriedade não é mais o direito subjetivo
1.5 Extensão e limites do proprietário; é a função social do detentor da riqueza".9
A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo des- Através de restrições impostas às atividades do indivíduo que afetem
de a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde públi- a coletividade, cada cidadão cede parcelas mínimas de seu direito à co-
ca, a censura de espetáculos públicos, a segurança das construções e dos munidade, e o Estado lhe retribui em segurança, ordem, higiene, sossego,
transportes, até a segurança nacional em particular. Daí encontrarmos nos moralidade e outros beneficios públicos, propiciadores do conforto indi-
Estados Modernos a polícia de costumes, a polícia sanitária, a polícia das vidual e do bem-estar geral. Para efetivar essas restrições individuais em
construções, a polícia das águas, a polícia da atmosfera, a polícia florestal, favor da coletividade o Estado se utiliza desse poder discricionário, que é
a polícia de trânsito, a polícia dos meios de comunicação e divulgação, o poder de polícia administrativa. Tratando-se de um poder discricionário,
a polícia das profissões, a polícia ambiental, a polícia da economia po- a norma legal que o confere não minudeia o modo e as condições da práti-
pular, e tantas outras que atuam sobre atividades particulares que afetam ca do ato de polícia. Esses aspectos são confiados ao prudente critério do
ou podem afetar os superiores interesses da comunidade, que incu~?e ao administrador público. Mas se a autoridade ultrapassar o permitido em lei
Estado velar e proteger. Onde houver interesse relevante da coletividade incidirá em abuso de poder, corrigível por via judicial. O ato de polícia,
ou do próprio Estado haverá, correlatamente~ igual poder de polí~ia admi- como ato administrativo que é, fica sempre sujeito a invalidação, pelo Po-
nistrativa para a proteção desses interesses. E a regra, sem exceçao. der Judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder. 10
Com a ampliação do campo de incidência do poder de polícia, que
se iniciou com a necessidade de proteger os habitantes das cidades, che- 1.6 Atributos
gamos hoje a utilizar esse poder até para a preservação da segurança n~­
O poder de polícia tem atributos específicos e peculiares ao seu exercí-
cional, que é, em última análise, a situação de tranqüilidade e garantIa
cio, e tais são a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.
que o Estado oferece ao indivíduo e à coletividade, para a consecução dos
objetivos do cidadão e da Nação em geral (v. nota 2, retro).
1.6.1 Discricionariedade
Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo
interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indiví- A disericionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração,
duo, assegurados na Constituição Federal (art. 5Q). Do absolutis~o. in- da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como
dividual evoluímos para o relativismo social. Os Estados DemocratIcos
como o nosso inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de 8. Georges Ripert, O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno, São Paulo,
solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição Saraiva, 1937, p. 233.
9. Léon Duguit, Las Transformaciones Generales del Derecho Privado, Posada,
dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem Madri, 1931, p. 37.
comum. Em nossos dias predomina a idéia da relatividade dos direitos, 10. STF, RDA 36/78, RTJ 161/672; TJSP, RDA 39/258 e 47/263, RT 249/283,
porque, como bem adverte Ripert, "o direito do indivíduo não pode ser 263/592,268/471 e 284/401; 1º TACivSP, RDA 45/239 e 65/158, RT263/492, 298/601
absoluto, visto que absolutismo é sinônimo de soberania. Não sendo o e 303/556. Sobre o assunto v. Álvaro Lazzarini, "Poder de polícia ... ", RT721/339.
VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICípIO 487
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
486
a~toriz~ é .a prática do ato de polícia administrativa pela própria Admi-
de aplicar as sanções legais e empregar os meios conducentes a atingir o
lllstraçao, mde.t:endentemente de mandado judicial. Assim, por exemplo,
fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Nesse particu-
~uan?o a P:e~eltura encontra uma edificação irregular ou oferecendo pe-
lar _ e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites
r~g,? a coletIVIdade ela embarga diretamente a obra e promove sua demo-
legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída - a
~IÇ~o: se for o caso, por determinação própria, sem necessidade de ordem
discricionariedade é legítima. JudICIal para esta interdição e demolição.
No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na
Nesse sentid~ j~ dec~diu o STF, concluindo que, no exercício regular
graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricio-
da auto tutela admIlllstratIva, pode a Administração executar diretamente
nariedade do poder de polícia, mas mesmo assim a sanção deve guardar
o;; ~tos emanados de seu poder de polícia, sem se utilizar da via comina-
correspondência e proporcionalidade com a infração. tona, que é posta à sua disposição em caráter facultativo. 13 Nem se opõe a
Observe-se que o ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas ess~ conclu~ão ~ ~isposto n?s arts. 287, 934 e 936 do CPC, uma vez que o
passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo pedIdo comma~on? .conc~d~do ao Poder Público é simples faculdade para
e a forma de sua realização. Neste caso a autoridade só poderá praticá-lo o acertamento JudICIal prevlO dos atos resistidos pelo particular se assim
validamente atendendo a todas as exigências da lei ou do regulamento o desejar a Administração. 14 '
pertinente. , ~a me~ma linha doutrinária, deixou julgado o TJSP que: "Exigir-se
Ao conceituarmos o poder de polícia como faculdade discricionária prevIa,a~tonza.ç~o do .r0der !udiciário equivale a negar-se o próprio poder
não estamos reconhecendo à Administração qualquer poder arbitrário. Dis- de polICIa adml111stratIva, cUJO ato tem de ser direto e imediato, sem as de- I
cricionariedade não se confunde com arbitrariedade. Discricionariedade longas e co.mpli~aç~es de um processo judiciário prévio"Y Ao particular
é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é ação fora
11
que se sentIr pr~j~,d~cado pelo ato de polícia da Administração é que cabe
ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O ato discricionário, re:orrer ao JudlCIanO, uma vez que não pode fazer justiça pelas próprias 1t
quando se atém aos critérios legais, é legítimo e válido; o ato arbitrário é maos.
sempre ilegítimo e inválido: nulo, portanto. Daí ajusta observação de Otto
Mayer de que: "La regIa de Derecho no puede ser violada por disposición
. Cons?ante esse entendimento, que se assenta em sólidas razões de di- II
i1
i1
r~tto e de mteresse público, é atribuição das Prefeituras, no âmbito muni- .,
de policía; ésta no puede autorizar 10 que dicha regIa prohibe ni prohibir CIpal, expedir, fiscalizar e cassar as licenças e autorizações concedidas no ;í
10 que ella permite" .11 uso do poder de p.olícia administrativa do Município, bem como ordenar
e fazer executar dIretamente as medidas restritivas de direito individual e
1.6.2 Auto-executoriedade as san?ões correspondentes, autorizadas em lei ou regulamento. Esses atos
e m~dIdas de P?l!~i~ ~dministrativa devem ser realizados pelos próprios
A auto-executoriedade, ou seja, a faculdade de a Administração de-
servIdores m':lllcIpaIs mcumbidos do serviço; e, se houver resistência por
cidir e executar diretamente sua decisão, por seus próprios meios, sem
parte ~o partIcular, o prefeito requisitará a força policial necessária para
intervenção do Judiciário, é outro atributo do poder de polícia. Com efei- garantrr sua execução.
to, no uso desse poder a Administração impõe diretamente as medidas
ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção de atividade Mas. n~o se c?~funda a auto-executoriedade das sanções de polícia
co~ punzça~ sumam:: e sem defesa. A Administração Municipal só pode
anti-social que ela visa a obstar. Nem seria possível condicionar os atos
aplI~a: sança~ ~umanamente e sem defesa (principalmente no caso de in-
de polícia à aprovação prévia de qualquer outro órgão ou poder estranho
à Administração. Se o particular sentir-se agravado em seus direitos, sim, terdlçao de atIVIdade, apreensão ou destruição de coisas) nos casos urgen-
poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário, que intervirá oportuna-
mente para a correção de eventual ilegalidade administrativa ou fixação da 13. STF, RF 124/438. No mesmo sentido: STJ REsp 50407-4-SP D TU
31.8.1994. ' . , J
indenização que for cabível. I2 O que o princípio da auto-executoriedade
14. TJSP, R'.lTJSP 1191105.
11. Derecho Administrativo Alemán, Buenos Aires, Depa1ma, 1950, v. lI, p. 59. 15. TJSP, RT 183/823. No mesmo sentido: STF, RDA 1131175 e 118/329· TJSP
RDA 931188, RT204/283, 227/137, 386/54 e 391/187. ' ,
12. STF, RDA 36/78; TJSP, RDA 111/297 e 117/233, RT397/184.
488 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNIcíPIO 489

tes, que ponham em risco a segurança ou a saúde pública, ou quando se bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecen-
tratar de infração instantânea surpreendida na sua flagrância - aquela ou do as denominadas limitações administrativas. 18 Para tanto, o Poder PÚ-
esta comprovadas pelo respectivo auto de infração, lavrado regularmente; blico edita leis e os órgãos executivos expedem regulamentos e instruções
nos demais casos exige-se o processo administrativo correspondente, com fixando as condições e requisitos para o uso da propriedade e o exercício
plenitude de defesa ao acusado, para validade da sanção imposta. das atividades que devam ser policiadas; e, após as verificações necessá-
Observamos que a auto-executoriedade do poder de polícia é restrita rias, é outorgado o respectivo alvará de licença ou de autorização, ao qual
aos atos de proteção à coletividade, não servindo de meio de coação para se segue a fiscalização competente.
cobrança de créditos fiscais. Por isso, têm os Tribunais decidido reitera- O alvará é o instrumento da licença ou da autorização para a práti-
damente ser ilegal o fechamento de estabelecimento ou a interdição de ca de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de
atividade por falta de pagamento de impostos ou taxas, os quais só podem policiamento administrativo. O alvará expressa o consentimento formal
sujeitar o devedor à via judicial executiva. 16 Também as multas, ainda que da Administração à pretensão do administrado, requerida em termos. O
decorrentes do poder de polícia, excluem-se da auto-executoriedade, só alvará pode ser definitivo ou precário: será definitivo e vinculante para a
podendo ser executadas por via judicial. I? Administração quando expedido diante de um direito subjetivo do reque-
rente - como o de construir, desde que o proprietário do terreno satisfaça
1.6.3 Coercibilidade todas as exigências das normas edilícias; será precário e discricionário
quando a Administração o concede a seu juízo ou por liberalidade, desde
A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas que não haja impedimento legal para sua expedição - como é o alvará
pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Real- para instalar uma banca de jornais em praça pública, ou para um baile
mente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), aberto ao público. O alvará definitivo consubstancia uma licença; o alvará
admitindo o emprego da força pública para seu cumprimento, quando re- precário expressa uma autorização. Ambos são meios de atuação do poder
sistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o parti- de polícia, mas com efeitos fundamentalmente diversos, porque o alvará
cular, pois todos eles admitem a coerção estatal para tomá-l<;ls efetivos, de autorização pode ser negado ou revogado sumariamente a qualquer
e essa coerção também independe de autorização judicial. E a própria tempo, sem indenização alguma; ao passo que o alvará de licença tem
Administração que determina e faz executar as medidas de força que se que ser expedido desde que o requerente atenda aos requisitos legais para
tomarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade sua obtenção 19 e não pode ser invalidado discricionariamente, só admitin-
administrativa resultante do exercício do poder de polícia. do revogação por interesse público superveniente e justificado, mediante
O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da indenização;2o cassação por descumprimento das normas legais na sua
força fisica quando houver oposição do infrator mas não legaliza a violên- execução;21 ou an.ulação por ilegalidade na sua expedição. Em todas essas
cia desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso pode hipóteses haverá necessidade de processo administrativo para comprova-
caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade, nulificadores do ção da causa da invalidação, com oportunidade de defesa do interessado.
ato praticado e ensejadores das ações civis e criminais para reparação do Observe-se, ainda, que o alvará de licença22 é um bem patrimonial de
dano e punição dos culpados. seu titular, alienável e transferível a terceiros juntamente com a coisa ou

1.7 Meios de atuação 18. Sobre limitações administrativas, v., do Autor, Direito Administrativo Brasi-
leiro, 34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008.
Atuando a polícia administrativa de maneira preferentemente preven- 19. Não atendendo, será denegado: TJSC, RT7411393.
tiva, ela age através de ordens e proibições mas, e sobretudo, por meio de 20. TJMT, RT 739/363.
normas limitadoras e condicionadoras da conduta daqueles que utilizam 21. TJSP, RT732/230.
22. A licença de construir só gera direito adquirido depois de iniciada a obra.
Nesse sentido: parecer do Autor in Estudos e Pareceres de Direito Público, v. X, p.
16. STF, Súmula 70; TJSP, RT284/401; TASP, RT348/514 e 387/168.
297; STF, RDA 162/215; Ag. 135.464-0-RJ, DJU 22.5.1992, in RT 564/236 e RTJ
17. STF, RDA 94/61. 142/944; TJSP, RT 670/72.
490 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 491

atividade licenciada, pois vincula-se a esta e a acompanha em suas muta- ao próprio Estado. As sanções do poder de polícia são aplicáveis aos atos
ções negociais, como todo direito real. 23 ou condutas individuais que, embora não constituam crime, sejam incon-
Afiscalização é outro meio de atuação do poder de polícia sobre as venientes ou nocivos à coletividade, como previstas na norma legal. E o
atividades e bens sujeitos ao controle administrativo. Essa fiscalização mesmo fato pode gerar, juridicamente, pluralidade de ilícitos e de sanções
restringe-se à verificação da normalidade do uso do bem ou do exercí- administrativas. 27
cio da atividade policiada em face das normas legais e regulamentares Geralmente se diz que as sanções fundadas no poder de polícia são
que os regem. Deparando irregularidade ou ilegalidade reprimível pela discricionárias. Não é bem assim. As sanções são vinculadas à enumera-
Administração, o órgão fiscalizador deverá advertir verbalmente o infra- ção legal ou regulamentar, sendo discricionárias apenas sua escolha e apli-
tor ou lavrar desde logo o auto de infração, cominando-lhe a penalidade cação, dentre as relacionadas na lei ou no regulamento, segundo o critério
cabível, sempre com oportunidade de defesa no processo administrativo da autoridade que as impuser. A discricionariedade apresenta-se, portanto,
correspondente, sob pena de nulidade da sanção. Somente em caso de pe- unicamente na graduação da penalidade aplicável, mas ainda aqui a san-
rigo iminente é admissível a sanção imediata e sumária, com processo e ção deve manter correspondência e proporcionalidade com a irregularida-
justificativa a posteriori. 24 de punida, pois por uma falta leve, de um infrator primário, não é lícito à
Administração aplicar a pena máxima do embargo da obra, do fechamento
1.8 Sanções25 do estabelecimento ou da interdição da atividade, sob pena de incidir em
excesso de poder ou abuso de autoridade, nulificador da própria sanção.
O poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo O discricionarismo na escolha da penalidade há de se conter entre o justo
e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à e o necessário para reprimir a falta cometida.
ordem legal da autoridade competente.
As sanções do poder de polícia, como elemento de coação e intimida- 1.9 Condições de validade
ção, principiam, geralmente, com a multa e se escalonam em penalidades
mais graves como a interdição de atividade, o fechamento de estabeleci- As condições de validade do ato de policia são as mesmas do ato
mento, a demolição de construção,26 o embargo administrativo de obra,a administrativo comum - ou seja, a competência, afinalidade e aforma,
destruição de objetos, a in utilização de gêneros, aproibição defabricação acrescidas da proporcionalidade da sanção e da legalidade dos meios em-
ou comércio de certos produtos, a vedação de localização de indústrias pregados pela Administração. A competência, afinalidade e aforma são
ou de comércio em determinadas zonas, a apreensão, em face da situação condições gerais de eficácia de todo ato administrativo, a cujo gênero per-
irregular do bem (TJSP, RT741/257), e tudo o mais que houver de ser im- tence a espécie ato de polícia.
pedido em defesa da moral, da saúde e da segurança pública, desde que A proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e
estabelecido em lei ou regulamento. o beneficio social 'que se tem em vista, sim, constitui requisito especifico
Estas sanções, em virtude do princípio da auto-executoriedade do ato para validade do ato de policia, como também a correspondência entre a
de polícia, são impostas e executadas pela própria Administração em pro- infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida puni-
cedimentos administrativos compatíveis com as exigências do interesse tiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem
público. O que se requer é a legalidade da sanção e sua proporcionalidade para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela
à infração cometida ou ao dano que a atividade causa à coletividade ou desproporcionalidade da medida. 28 Desproporcional é também o ato de
polícia que aniquila a propriedade ou a atividade a pretexto de condicio-
23. V. estudo do Autor in Estudos e Pareceres de Direito Público, v. VIII, p. 228. nar o uso de bem ou de regular a profissão. O poder de polícia autoriza
24. STF, RTJ 161/672.
25. Sobre o assunto, v. Régis Fernandes de Oliveira, Infrações e Sanções Admi- 27. TJSP,Ap. cível125.348-l,j, 30.10.1990.
nistrativas, São Paulo, Ed. RT, 1985, e STJ, REsp 4.608-SP, DJU29.1O.1990. 28. A respeito da proporcionalidade da sanção, o TJSP decidiu pela ilegalida-
26. O STJ julgou legal o exercício do poder de polícia para demolir construções de de multa imposta a estabelecimento farmacêutico sob alegação de desobediência
irregulares decorrentes de invasão de área non aedificandi (REsp 626.224-RS, reI. aos horários de escala e plantão (TJSP, Ap. cível 230.338-I-São José do Rio Preto, j.
Min. Luiz Fux, DJU 14.4.2004). l.8.l995).
492 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 493

limitações, restrições e condicionamentos; nunca a supressão total do di- medidas conjuntas da União, dos Estados-membros e do Município. E na
reito individual, da atividade lícita ou da propriedade particular - o que realidade é o que ocorre. No setor sanitário pode-se dizer que predomina o
só poderá ser feito através de desapropriação. A desproporcionalidade do interesse nacional sobre o local ou regional. Com os rápidos meios de trans-
ato de polícia ou seu excesso equivalem a abuso de poder, e, como tal, porte que cortam o espaço e encurtam as distâncias, toda coletividade está
tipificam ilegalidade nulificadora da ordem ou da sanção.29 exposta a contágio desde que haja o elemento contaminante em qualquer
A legalidade dos meios empregados pela Administração é o último ponto do território da Nação, ou mesmo de um país longínquo. Daí a con-
requisito para a validade do ato de polícia. Na escolha do modo de efetivar vergência do interesse nacional, regional e local para a adoção de medidas
as medidas de polícia não se compreende o poder de utilizar meios ilegais de polícia sanitária que tenham por objeto debelar ou circunscrever as mo-
para sua consecução, embora lícito e legal o fIm pretendido. Em tema de léstias e doenças, as epidemias e endemias, ao mínimo possível de contágio
polícia - adverte Bonnard - "la fin ne justifIe pas tous les moyens".30 e propagação. Essa política sanitária é praticada por todos os povos civiliza-
Os meios devem ser legais, humanos e compatíveis com a urgência dos, não só no âmbito interno como também nas relações internacionais.
e a necessidade da medida adotada. A demolição de obras, a destruição Muito expressiva e atual é a observação de Greca de que "a Nação, a
de coisas, -o emprego da força fisica, só se justifIcam como expedientes Província e o Município, ao preocuparem-se constantemente com a saúde
extremos do Poder Público. Enquanto houver outros modos de realizar a pública, evitam essas grandes epidemias que na Antigüidade despovoa-
medida de polícia e outras sanções menos violentas não se autorizam os ram países inteiros. Não obstante - prossegue o saudoso municipalista
atos destrutivos da propriedade, nem as interdições sumárias de atividades, argentino - devemos reconhecer que ainda estamos muito longe do que se
nem a coação fisica para impedir o exercício de profissões regulamentadas. poderia obter em matéria sanitária. Uma grande parte da população assa-
Só a resistência do particular a ordens e proibições legais é que legitima o lariada não só carece da assistência médica mais elementar, como vive em
emprego moderado da força pública para removê-la, como último recurso habitações insalubres e se alimenta defIcientemente".31
contra a oposição do administrado ao poder de polícia da Administração.
Além de medidas de defesa e preservação contra doenças e moléstias
de toda espécie, é missão do Poder Público dotar as comunidades de me-
2. Principais setores de atuação do poder de polícia do Município lhores condições de habitação, de alimentação, de trabalho, de recreação,
Para propiciar segurança, higiene, saúde e bem-estar à população lo- de assistência médica e hospitalar, bem como prescrever normas de profI-
calo Município pode regulamentar e policiar todas as atividades, coisas e laxia e higiene que garantam ao meio ambiente, aos gêneros e às utilidades
locais que afetem a coletividade de seu território. Mas esse policiamento um mínimo de pureza e asseio indispensáveis à vida humana. Por igual,
administrativo se endereça precipuamente ao ordenamento da cidade, por o meio fisico deve ser preservado de impurezas, de ruídos incômodos, de
sua maior concentração populacional e o conflito das condutas individuais insetos nocivos, de odores nauseabundos, que o tornem intolerável para a
com o interesse social da comunidade. Na impossibilidade de apreciarmos vida normal do ser humano.
todos os setores de atuação do poder de polícia do Município, destaca- Sensível ao problema de polícia sanitária, a União editou a Lei 11.445,
mos os principais, a saber: 1) policia sanitária; 2) policia das construções; de 5.1.2007, estabelecendo as diretrizes nacionais para o saneamento bá-
3) policia das águas; 4) policia da atmosfera; 5) polícia das plantas e ani- sico, cujo conteúdo está comentado ao final do Capítulo VII, "Serviços
mais nocivos; 6) policia dos logradouros públicos; 7) polícia de costumes; e Obras Municipais" (item 6.16 Saneamento básico e a Lei 11.445, de
8) polícia de pesos e medidas; 9) polícia das atividades urbanas em geral. 5.1.2007).
A Constituição Federal vigente conferiu competência concorrente à
2.1 Polícia sanitária União e aos Estados para legislar sobre tais assuntos, limitada a primeira a
Apolícia sanitária abrange tudo quanto possa interessar à salubridade normas gerais de defesa e proteção da saúde (CF, art. 24, XII, e § 1º-). Es-
pública. A amplitude de seu campo de ação está a indicar e a aconselhar sas normas gerais estão consubstanciadas na Lei geral 8.080, de 19.9.1990,
que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
29. Otto Mayer, Derecho Administrativo Alemán, trad., Buenos Aires, Depalma,
1950, V. lI, p. 31. 31. Derecho y Ciencia de la Administración Municipal, v. lI, p. 280. V. também,
30. Roger Bonnard, Précis de Droit Administratif, Paris, 1935, p. 321. do mesmo autor, "Polícia sanitária", RDA 3/454.
494 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO I VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 495

da saúde e a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. I de lixo, a condução das águas pluviais, as redes de água potável e de esgo-
Estão também na Lei federal 8.142, de 28.12.1990, que regula a partici- tos, a desinfecção de locais insalubres e veículos de transporte coletivo, o
paçã; da comu~idade na gestão do Sistema único de Saú?~ (SUS), pn~v.is­ I desmatamento de terrenos baldios, a limpeza das margens de rios e lagos,
to no art. 198, III, da CF, estabelecendo, ainda, os reqUIsItos necessanos o combate a animais nocivos, a drenagem de charcos, a purificação do ar
para a transferência de recursos aos Estados e Municípios, e na !--ei federal i. respirável, o tratamento das águas utilizáveis, o controle das atividades
I
8.078, de 11.9.1990, que edita o Código de Defesa do Consum1dor. poluidoras, até a inspeção dos gêneros oferecidos ao consumo da popu-
A Lei 9.782, de 26.1.1999, definiu o Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária como enti-
l,
I
I
lação local.
Para tanto, o Município dispõe do poder de polícia necessário à fisca-
dade executiva do Sistema, vinculada ao Ministério da Saúde. A Agência ! lização sanitária das coisas e locais, públicos ou particulares, que devam
tem como finalidade básica a proteção à saúde da população, por intermé- manter-se higienizados, em benefício da salubridade coletiva, podendo
dio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e impor as sanções cabíveis, na forma regulamentar. 33
serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos Finalmente, lembramos que o TJSP já decidiu que "os princípios de
processos; dos insumos e das tecnologias a eles relacionadas, bem como polícia sanitária, sempre em evolução, na medida das exigências sociais,
o controle de portos, aeroportos e de fronteiras (art. 6º). Como se vê, sua não conferem direito adquirido", daí a necessidade de periódicas renova-
competência é extensa, e para seu exercício dispõe de amplo pode.r de ções de autorizações do Poder Público sobre a matéria (TJSP, RT 559/130
polícia para autorizar ou interditar o funcionamento de. empresas; ~n~ur ou e 670/72).
proibir a importação e exportação de produtos; fiscahzar laboratonos ~e
serviços de apoio diagnóstico; monitorar a evolução dos preços de med1-
camentos e serviços de saúde; e várias outras atividades relacionadas com 2.2 Polícia das construções
a proteção à saúde da população. Apolícia das construções efetiva-se pelo controle técnico funcional
A Agência possui, inclusive, poderes normativos, especialmente nas da edificação particular, tendo em vista as exigências de segurança, higie-
áreas técnicas, que exigem conhecimento especializado da matéria. A ela ne e funcionalidade da obra segundo sua destinação e o ordenamento urba-
cabe estabelecer padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, nístico da cidade, expresso nas normas de zoneamento, uso e ocupação do
desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde. solo urbano. Neste tópico só cuidaremos do policiamento da construção
Os Códigos Sanitários Estaduais, da competência dos Estados- no seu aspecto individual e estrutural, relegando para o capítulo seguinte o
membros, visam a complementar ou suprir a legislação federal, atenden- exame da regulamentação urbanística, onde as construções são considera-
do, como é óbvio, a seus preceitos gerais. Além de estabelecer as normas das no seu conjunto formador do agregado urbano (Capítulo IX, item 3).
sanitárias para o território estadual, o Código Sanitário impõe medidas O fitndamento legal da polícia das construções está no art. 1.299 do
de atuação para os particulares e para as autoridades e agentes sanitários CC, que, ao dispor sobre o direito de construir, condicionou-o ao respeito
incumbidos da fiscalização e punição dos infratores. 32 do direito dos vizinhos e à observância dos regulamentos administrativos.
Nos aspectos de interesse local cabe ao Município legislar suplemen- Tais regulamentos, sendo de natureza local, competem ao Município e se
tarmente à legislação federal e estadual (CF, art. 30, I-lI), remanescendo- expressam no Código de Obras e nas normas urbanísticas de uso e ocu-
lhe a polícia sanitária local em todos os assuntos de seu interesse, con- pação do solo urbano, que estabelecem o zoneamento da cidade; aquele
cernentes à higiene da cidade e ao abastecimento de sua população (CF, fixando as condições técnicas e funcionais da edificação e estas indicando
art. 30, VII). as construções e os usos próprios, tolerados ou vedados em cada zona. A
A higiene pública é, em última análise, o asseio da cidade. Condição edificação particular, principalmente a residência, unifamiliar ou coleti-
primeira para a salubridade da população é a cidade limpa. Essa limpeza va, é o componente primordial da cidade que maior influência exerce na
vai desde a varrição e lavagem das vias e logradouros públicos, a coleta existência do indivíduo e na vida da comunidade. Com tais interferências,

32. v., a propósito, o Código de Saúde do Estado de São Paulo, Lei Complemen- 33. Cf. estudo do Autor, "Polícia sanitária", in Estudos e Pareceres de Direito
tar 791, de 9.3.1995. Público, v. I, p. 107.
"1
! VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 497
496 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

não poderia a construção ficar isenta de controle do Poder Público, pelos alvará será de licença quando se tratar de construção definitiva em terreno
males que adviriam do exercício incondicionado do direito de construir no do requerente; será de autorização quando se cuidar de obra provisória,
aglomerado urbano. Daí por que toda construção urbana, e em especial a em terreno do domínio público ou mesmo particular. A diferença está em
edificação, sujeita-se ao policiamento administrativo da entidade estatal que no caso de alvará de licença sua outorga assenta no direito do reque-
competente para sua regulamentação e controle, que é, por natureza, o rente à edificação em caráter definitivo no terreno indicado, como ocorre
Município. com as construções previstas no Código de Obras e nas leis de zoneamen-
O poder municipal de controle das edificações decorre da Constitui- to; no caso de alvará de autorização sua expedição decorre de liberalidade
ção Federal, que outorga competência direta ao Município para promover da Prefeitura (e não de direito do requerente), como na hipótese da cons-
o ordenamento de seu território, mediante planejamento e controle do uso, trução de uma banca em praça pública para venda de jornais, ou de um
do parcelamento e da ocupação do solo urbano (CF, art. 30, VIII). abrigo de passageiros na via pública para uma linha de ônibus particular,
ou de um barracão para estacionamento de carros em terreno do requeren-
I
O regulamento das construções urbanas 34 - ou seja, o Código de Obras
e normas complementares - deverá estabelecer minuciosamente os requi- te, e outras construções precárias, apenas toleradas pela Municipalidade, )-
I,
sitos de cada modalidade de construção (residencial, comercial, industrial sem assegurar sua definitividade. Daí decorre que o alvará de autorização r

é sempre revogável sumariamente pela Prefeitura, sem qualquer jndeniza-


etc.), objetivando a segurança, a higiene, a funcionalidade e a estética da
ção, ao passo que o alvará de licença nem sempre o é.
I
obra, em harmonia com a planificação e o zoneamento da cidade. Dentre
as exigências edilícias, são perfeitamente cabíveis as que se relacionam O alvará de licença para construir ou lotear traz em si a presunção de
com a solidez da construção, altura, recuos, cubagem, aeração, insolação, definitividade, e por isso não pode ser sumariamente cassado ou anulado
coeficientes de ocupação, estética das fachadas e demais requisitos que não pela Prefeitura, nem revogado sem justo motivo e indenização. Há que
contrariem as disposições da lei civil concernentes ao direito de construir. distinguir, portanto, essas três situações para a invalidação do alvará de
O projeto da obra deverá atender a todos os requisitos legais e re- licença: a cassação, quando ocorrer descumprimento incorrigível do pro-
gulamentares da construção, sendo obrigatória sua elaboração por enge- jeto, em partes essenciais, durante sua execução; a anulação, quando for
nheiro ou arquiteto legalmente habilitado na forma da legislação federal obtido com fraude ou desobediência à lei; a revogação, quando sobrevier
pertinente, e registrado no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura motivo de interesse público que exija a não-realização da obra licenciada.
(CREA). Não estando em ordem, a Prefeitura comunicará ao requerente Em qualquer dessas hipóteses a Prefeitura deverá apontar o motivo inva-
a exigência faltante, para que seja suprida em prazo viável, sendo ilegal lidatório e dar oportunidade de defesa ao interessado antes de efetivar a I,
o indeferimento ou arquivamento sumário do processo, sem oportunidade invalidação do alvará, e só o fará em despacho motivado, se inaceitáveis
de manifestação do interessado, como arbitrariamente costumam proceder as razões opostas. Ilegal, por arbitrária, a cassação, a anulação ou a revo-
algumas Municipalidades, esquecidas de que a construção é um direito do gação de alvará de licença sem defesa e sem motivação, pois o direito de
proprietário e que a aprovação do projeto é obrigatória e vinculante para o construir não pode ser sumariamente suprimido pela Prefeitura depois de
Poder Público quando satisfeitos os requisitos administrativos de seu exer- deferido ao requerente em processo administrativo de outorga. Se ocorreu
cício. Aprovado o projeto, deverá ser imediatamente expedido o alvará de ilegalidade na expedição do alvará, ou se a construção está sendo feita em
construção em favor do requerente. desacordo com o projeto aprovado, tais circunstâncias deverão ser com-
O alvará de construção ou de loteamento é o instrumento da licença provadas em regular processo administrativo punitivo, para desconstituir a
ou da autorização para construir de acordo com o projeto aprovado. 35 O situação anteriormente constituída no processo administrativo de outorga
que erigiu a construção em direito subjetivo do requerente. Acresce, ainda,
34. Não negamos ao Município competência para regulamentar e fiscalizar as cons- que se a obrajá se iniciou, em conformidade com o projeto e com o alvará
truções da zona rural destinadas ao uso humano (habitação, escola, posto de saúde etc.), de licença, não poderá a Prefeitura ordenar sua paralisação e demolição
mas obviamente não poderá aplicar a essas obras as mesmas normas das edificações por simples decisão administrativa, porque a parte construída já se inte-
urbanas, dada a diversidade de situação e de requisitos exigíveis para aquelas e estas.
grou ao terreno, por acessão. 36 Também não se justifica a invalidação do
35. Para maiores esclarecimentos sobre estes aspectos, v., do Autor, Direito de ,';:'

Construir, 9ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, Capítulo IV, "Limitações Ad-
ministrativas ao Direito de Construir". 36. STF, RE 85.002-SP, RTJ79/1.016, e MS 11.162, RDA 74/219.
498 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 499

alvará por mudança de orientação administrativa ou nova interpretação terioração natural do tempo, a edificação se apresentar ruinosa ou insegura
das normas edilícias da construção, pois o critério anterior é válido para as para sua normal destinação. Poderá ainda haver embargo ou interdição de
licenças expedidas e gera direito subjetivo à sua manutenção. obras ou de atividades poluidoras, estas com a restrição do Decreto-lei
Quanto à revogação do alvará por interesse público superveniente, 1.413, de 1975, que transferiu para o governo federal o fechamento de in-
a Prefeitura poderá fazê-lo desde que demonstre em despacho motivado iI dústrias consideradas de alto interesse do desenvolvimento e da segurança
nacional (v. Lei 6.803, de 2.7.1980, que estabeleceu diretrizes básicas para
esse interesse e indenize cabalmente o lesado, amigavelmente ou em desa-
propriação do imóvel e dos direitos decorrentes da licença para construir. 37
I o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição). No mais o Mu-
~l
O essencial é a demonstração da efetiva existência de interesse público no nicípio tem amplo poder depoHcia para regulamentar, fiscalizar e punir,
. -1
impedimento da obra e a composição dos danos de quem ficou privado da até o embargo ou interdição de construção, usos e atividades que afetem e
prejudiquem a comunidade local.
construção em beneficio da coletividade. Tal ocorre, por exemplo, quando
o Município aprova plano de melhoramento urbano que atinja edificações 1 í A construção clandestina, por não ter alvará de licença ou de auto-
licenciadas, caso em que deverão ser revogados os respectivos alvarás, ! rização, pode ser embargada e demolida, porque em tal caso o particular
í
!
com as indenizações correspondentes. está incidindo em manifesto ilícito administrativo, já comprovado pela
falta de licenciamento do projeto ou por sua inteira ausência. Mas mesmo
Afiscalização das construções, principalmente das obras em execu-
ção, é o meio mais eficiente de o Município exercer o policiamento admi- II esses embargos e subseqüentes demolições não dispensam o respectivo
nistrativo das edificações. Verificando irregularidade nas construções em processo administrativo, com audiência do interessado e oportuna lavratu-
andamento, a Prefeitura, por seus órgãos e agentes competentes, deverá
! ra do auto pertinente, visto que em alguns casos a obra é passível de regu-
J larização e a oportunidade de defesa deve ser concedida a todo particular
notificar o responsável para sua correção em prazo viável, e se desaten-
dida poderá embargar a obra, mediante a lavratura do respectivo auto de I sempre que acusado de infração penal ou administrativa que o conduza a
embargo, fazendo paralisar os trabalhos, inclusive com requisição de força
policial para o cumprimento da determinação municipal. Tratando-se de
, qualquer punição.
Terminada, regularmente a construção, de conformidade com o alva-
construções concluídas, e até mesmo habitadas ou com qualquer outro rá, a ocupação do edificio deve ser precedida de vistoria e expedição de
uso, a fiscalização notificará os ocupantes da irregularidade a ser corrigida t alvará de utilização, conhecido por habite-se.
e, se necessário, interditará sua utilização, mediante o competente auto I Ao finalizar este tópico, convém relembrar que as sanções aplicáveis
de interdição, promovendo a desocupação compulsória se houver insegu- em razão do poder de polícia das construções são todas aquelas que esti-
rança manifesta, com risco de vida ou saúde para seus moradores ou tra- verem previstas em lei ou regulamento municipal, e o serão diretamente
balhadores. Todo o procedimento da fiscalização e das medidas adotadas pela Prefeitura, independentemente de decisão do Poder Judiciário, em
deverá constar de processo administrativo regular, na forma estabelecida 1 razão do atributo da auto-executoriedade das sanções administrativas re-
no Código de Obras e normas complementares da edificação. lativamente às atividades sujeitas ao controle imediato da Administração,
-:
O embargo da obra pela Prefeitura deve ser precedido de notificação como é, no caso, a edificação urbana. A ação de nunciação de obra nova,
da fiscalização para a devida correção das irregularidades verificadas, e concedida especificamente ao Município pelo inciso III do art. 934 do
se não forem corrigidas nas condições e prazos estabelecidos justifica-se CPC, é apenas uma faculdade, e não uma imposição impeditiva da auto-
a interdição dos trabalhos por meios diretos do próprio Município, e até o executoriedade do ato de polícia administrativa, respondendo a Adminis-
emprego da força policial requisitada, se houver resistência do embarga- .,.
'~
tração pelos abusos que cometer.
do. Legítimo é o embargo da obra, ou a interdição de uso da construção
concluída, se em desacordo com o projeto aprovado ou se realizada clan- 2.3 Polícia das águas
destinamente sem projeto e alvará da Prefeitura, ou ainda quando, pela de-
Apolícia das águas 38 deve acompanhá-las em todos os estágios de
37. Cf. Caio Tácito, "Problemas atuais da desapropriação", conferência pronun- seu aproveitamento e retomo aos corpos receptores, uma vez que o perigo
ciada no I Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado em Curitiba, em
fevereiro de 1975, reproduzida, em parte, em seu Direito Administrativo, sob o título 38. Sobre essa matéria, v. Cid Tomanik Pompeu, "O Município e os recursos
"O poder de polícia das construções", pp. 146 e ss. hídricos", artigo publicado no Informativo Municipa/2/5.
500 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 501

da poluição as segue em todas as fases de sua utilização e despejo. Mas 109-116) e penal (CP, art. 271), concedendo ao vizinho, à Administração
não só as de uso domiciliar merecem ser policiadas e tratadas tecnicamen- e à Justiça Criminal os meios para impedir, reprimir e punir as condutas
te, como toda água utilizada pelo homem nas diversificadas atividades do- poluidoras das águas particulares ou públicas.
mésticas, econômicas, profissionais, industriais, recreativas ou de prote- Mas não basta, apenas, que a Administração impeça a poluição por
ção ambiental, cada uma exigindo ou dispensando tratamento adequado. ato do homem, sabido que nem toda água provém da fonte ou caudal em
O regime jurídico das águas internas sofreu radical transformação estado de pureza que permita sua utilização doméstica sem o devido trata-
com o advento da Lei 9.433, de 8.1.1997, que regulamentou o art. 21, mento. Por isso, a Lei 9.433, de 8.1.1997, estabeleceu entre os objetivos da
XIX, da CF e instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criando, política Nacional de Recursos Hídricos assegurar à atual e às futuras ge-
para a gestão do seu aproveitamento, o Sistema Nacional de Gerencia- rações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade ade-
mento de Recursos Hídricos, com a participação dos poderes públicos e quados aos respectivos usos, a utilização racional e integrada dos recursos
representantes da comunidade. Essa lei passa a considerar a água um bem hídricos, a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de
de domínio público, recurso natural limitado e dotado de valor econômi- origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
co. Até então a água era considerada uma dádiva da Natureza, disponível A Lei 9.966, editada em 28.4.2000, dispõe sobre a prevenção, o con-
a qualquer um, e as tarifas pagas pelos usuários (indústria, comércio, ser- ír trole e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras
viços e residências) cobriam apenas os custos de captação, tratamento, i substâncias nocivas ou perigosas em águas interiores ou marítimas sob
distribuição e disposição da água, que, a rigor, era gratuita. A partir da
nova lei o uso da água para qualquer fim - salvo para os aproveitamentos
considerados insignificantes - fica sujeito a outorga onerosa pelo Poder I jurisdição nacional, estabelecendo os princípios básicos a serem obedeci-
dos na movimentação de tais produtos em portos organizados, instalações
portuárias, plataformas e navios e definindo as infrações e penalidades
Público (arts. 12 e 19). Com a edição dessa lei ficam revogados os dispo-
sitivos do Código de Águas que lhe forem contrários. í
.,
aplicáveis.
Essas imposições são de caráter geral e de observância compulsória
Por sua vez, a Lei 9.984, de 17.7.2000, criou a Agência Nacional de em todo o território nacional e por todas as autoridades sanitárias da União,
Aguas (ANA), sob a forma de autarquia em regime especial, com autono- do Estado-membro e do Município, por constituírem o desdobramento das
mia adrninistrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiell- Normas Gerais sobre Defesa e Proteção da Saúde estabelecidas pela Lei
te, como entidade federal de implementação da Política Nacional de Re- federal 8.080, de 19.9.1990, editada em atenção ao disposto no art. 24,
cursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento XII, c/c seu § Iº, da CF.
de Recursos Hídricos. Trata-se de mais uma agência reguladora, com a Cabe, assim, ao Município, dentro de seu território e nos limites de
finalidade principal de supervisionar, controlar e avaliar as atividades de- sua competência institucional, policiar as águas que abastecem a cidade
con·entes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos para uso doméstico e as demais cujo uso possa propiciar contaminação
hídricos e disciplinar, em caráter normativo, a implementação e operacio- à população (águas de irrigação, águas de piscinas públicas, águas das
nalização da Política Nacional sobre a matéria. praias), não só tratando aquelas e estas, como protegendo os mananciais
O que incumbe ao Poder Público é manter a água em condições contra a poluição, geralmente produzida por efluentes de esgotos urbanos
nonnais de ser utilizada segundo sua específica destinação. Para tanto é e resíduos de indústrias lançados in natura e clandestinamente nos rios e
necessário impedir a poluição, ou seja, qualquer adulteração que a tome lagos de suas proximidades. 4o
imprestável para seus fins. Não importam a causa, a substância ou o modo
pelo qual se piora seu estado natural. Poluir é sujar, contaminar, envene- 40. v., a propósito, os excelente artigos de Paulo Affonso Leme Machado:
nar, imprestabilizar a água por meios fisicos, químicos ou biológicos. 39 "Apontamentos sobre a repressão legal da poluição", RT 458/279, "Urbanismo e po-
luição - Aspectos jurídicos", RT 469/34; "Poluição por resíduos sólidos - Implicações
Conquanto imprecisas na conceituação, nossas leis condenam a po- jurídicas", RT 485/30; "Controle da poluição e o Decreto-lei 1.413/75", RT 525/32 e,
luição da água sob o aspecto administrativo (Código de Águas, arts. 98 e especialmente, seu Direito Ambiental Brasileiro, 16ª ed., São Paulo, Malheiros Edi-
tores, 2008 e também os estudos de Cid Tomanik Pompeu: "Controle da poluição
39. Cf. estudo do Autor, "Fundamentos legais para o combate à poluição das hídrica no Brasil", RDA 130/425, e Regime Jurídico da Polícia das Águas Públicas,
águas", RDPG 14/56. São Paulo, CETESB, 1976.
502 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Neste ponto o poder de polícia do Município é comum com o das en-


tidades superiores - União e Estado-membro -, cabendo a cada qual atuar
no campo de suas atribuições e conjugar medidas sanitárias adequadas
ri
VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO

A poeira, sobre ser um elemento extremamente molesto ao homem


age também como fator de aumento da temperatura, porque as partícula~
sólidas em suspensão retêm e propagam o calor solar, dando origem ao "ar
503

~r
a manter as águas em permanentes condições de utilização segundo sua de fomo" (Backofenlufl), muito freqüente nos centros urbanos nas tardes
preponderante destinação (CF, art. 23, VI). calmosas. 42 Por esses motivos, o combate ao pó das cidades concita ao
A repressão à poluição da água, como elemento vital da comunidade, emprego d~ todos os meios adequados à sua extinção ou redução, tais
constitui não só um poder, como um dever de toda Administração Públi- como a Favlmentaç~o das vias públicas, a irrigação dos locais poeirentos,
ca, e especialmente da Administração Municipal, responsável direta pela a reduçao da velocldade dos veículos, ou mesmo o desvio do trânsito
saúde e bem-estar da coletividade local. e demais providências que visem a impedir a suspensão de terras ou d~
qualquer material pulverizado. 43
2.4 Polícia da atmosfera , . Os ruídos incôm.0dos constituem outro ponto relevante para a po-
A polícia da atmosfera tem por finalidade preservar o estado natural hCIa ?a a:.mosfera: v~sto q~e são altamente prejudiciais à vida psíquica
do ar respirável. É notório que as fumaças, vapores e maus odores, bem dos cldadaos. Indus~nas eXlstem, excessivamente ruidosas, que, por isso
como a poeira das vias públicas, os ruídos incômodos, a falta de ventila- ~esmo, d~vem ~clOna~ afastadas dos centros habitados ou com disposi-
ção, poluem o ar, tornando-o prejudicial à saúde. Sob todos esses aspectos tlVOS destmados a lmpedlr a propagação de seus ruídos. A ciência médica
é lícito ao Poder Público prover, no sentido de conservar a atmosfera das já .pr~c1amou os efeitos prejudiciais dos ruídos persistentes, estridentes
cidades com sua composição natural e própria para a vida humana. 41 e mcomodos, responsáveis em boa parte pelos distúrbios nervosos dos
cidadãos. 44
Fumaças, vapores e maus odores que os centros industriais emitem,
em razão das emanações das fábricas e da combustão nos veículos motori- O saudoso professor de direito municipal Alcides Greca observou
zados, alteram sensivelmente a composição química do ar - o que exige da co~ muita agudeza que "as sereias das fábricas, os sinos das igrejas, as
Administração Pública a adoção de medidas especiais de defesa contra es- b~zmas e o escape dos automóveis, os silvos dos fiscais do tráfego, os
sas impregnações nocivas à saúde e ao bem-estar dos cidadãos. Com esse gntos dos vendedores ambulantes e os alto-falantes dos aparelhos de rádio
propósito, são lícitas as exigências de colocação de aparelhos especiais produzem uma barafunda insuportável nos centros das grandes cidades
para a redução dos fumos e retenção de fuligens e vapores das indústrias quando não são reprimidos ou controlados pelas autoridades. Esse excess~
e dos veículos de explosão; assim como a ventilação e renovação do ar de ruídos não só produz incômodo às pessoas nervosas, mas termina por

I
dos ambientes fechados e tudo o mais que concorra para a purificação da enfermar as sãs".45
atmosfera, retirando-lhe impurezas e maus odores. ACerto é que quem elege uma cidade para sua residência deve suportar
A Lei 6.803, de 2.7.1980, define as zonas destinadas à instalação os onus que ela apresenta, mas é dever do Poder Público amenizar tanto
de indústrias, compatibilizando as atividades industriais com a proteção q~anto possível a propagação de ruídos incômodos aos habitantes, espe-
ambiental. O licenciamento para implantação, operação e ampliação de clalme~t~ nas horas de repouso. A esse propósito já tivemos oportunidade
estabelecimentos industriais, nas áreas críticas de poluição, depende da de decldlr, em demanda entre vizinhos originada por ruídos incômodos
observância daqueles dispositivos legais, bem como do atendimento das que o rumor das indústrias e a agitação do comércio se impõem aos cida~
normas e padrões ambientais definidos pela Secretaria Especial do Meio dãos como ônus normais da vida urbana, em contraprestação das múltiplas
Ambiente e pelos organismos estaduais e municipais competentes, aten-
dendo-se às características dos processos de produção. Incumbe aos Mu- 42. Alcides Greca, "Polícia sanitária", RDA 3/454.
nicípios, nos limites de sua competência e obedecidos os preceitos da alu- _ 4~ .. Na Suíça: esp~c.ialme~te na .cidade de Lausane, o combate à poeira é levado
tao a seno que esta prOIbIdo ate o batImento de tapetes nas residências.
dida lei, instituir esquema de zoneamento urbano e baixar normas locais
44. Juan Ramón Beltran, "La locura como fenómeno edilicio" Revista de Dere-
de combate à poluição e controle ambiental (arts. 1º, 9º, 10 e 11). cho y Administración Municipal &72. '
45. ~lcides Greca, "Políci.a ~anitária", RDA 3/454; Meirelles Teixeira, "O proble-
41. Cf. estudo do Autor, "Aspectos legais relacionados com a poluição do ar", in ma dos rUldos urbanos na Adtmmstração local", in Estudos de Direito Administrativo
Estudos e Pareceres de Direito Público, v. I, p. 125. v. I, p. 281; e, do Autor, Direito de Construir, 9ª ed., p. 39. '
504 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 505

vantagens que essas atividades lhes proporcionam; mas o ruído anormal, de purificação do ar, reduzir ao mínimo a poeira, regulamentar as constru-
excessivo, insuportável, principalmente à noite, apresenta-se como ato an- ções no sentido adequado ao clima da região, cuidar das áreas verdes do
tijurídico, ofensivo do direito ao descanso e ao sossego, irrecusável aos perímetro urbano e de suas adjacências. Com tais providências e outras
que labutam para ganhar o pão de cada dia. 46 mais que de futuro os urbanistas aconselharem, será possível a~ homem
Além das medidas diretas de abafamento de ruídos pelo uso de apare- solucionar em boa parte o problema climático das cidades, uma vez que a
lhos especiais e a detenção de sua propagação pelo emprego de materiais temperatura e a aeração dos ambientes fechados já são passíveis de con-
refratários nas construções, o zoneamento das cidades, com a separação de trole pelos modernos sistemas de acondicionamento de ar.
bairros industriais, comerciais e residenciais, é a providência mais acon-
selhável para se obter o sossego necessário à saúde e à tranqüilidade pú- 2.5 Polícia das plantas e animais nocivos
blicas.
Compete, ainda, ao Município, para controlar a poluição sonora, es- Não só os fumos, vapores, ruídos e maus odores prejudicam ou inco-
tabelecer o limite máximo de ruídos toleráveis. 47 modam o homem, como também determinadas plantas e animais.
O controle térmico da atmosfera das cidades constitui, hoje, preo- ,Ins.etos e moscas existem que invadem as cidades, tomando-as insu-
cupação constante dos urbanistas e deve estar sempre na cogitação das portavels para seus moradores, molestando-os com picadas e zumbidos
Administrações locais. É sabido que a temperatura varia em função da ou lhes transmitindo moléstias, ou inoculando venenos altamente nocivo~
quantidade de energia radial que a Terra recebe, da proporção e do tempo e muitas vezes mortais. Outros animais, embora não molestem o homem,
em que a retém e da quantidade que devolve. Ora, se as radiações não atacam. e destroe~ as. plantas ou depredam bens. Quer se trate de moscas,
podem ser modificadas pelo homem, os demais fatores podem, em certos outros msetos, ammms daninhos ou caseiros, desde que causem incômodo
casos, ser alterados pelas condições locais, no sentido de receber, reter ou o~ d~no ao hom.em ou a seus bens devem ser exterminados pelo Poder
devolver maior ou menor quantidade de frio ou calor. Pubhco, por nOCIVOS ao bem-estar coletivo.
Além dos sistemas de calefação, ventilação e renovação de ar em- Pelo grande ~al que causam ao homem, têm merecido pertinaz com-
pregados nos ambientes fechados, a própria construção da cidade, desde bate as ~oscas e msetos de toda espécie; os ratos e as formigas, destruido-
seu traçado, os materiais usados no calçamento das vias públicas e rios res de ahmentos e pla~tas. Mas ~ão só esses animais como todo e qualquer
edifícios particulares, a maior ou menor quantidade de impurezas da at- outro que se tome nOCIVO ou prejudicial à coletividade local colocam-se ao
mosfera, as áreas recobertas de vegetação, podem alterar sensivelmente a alca.nce do ~oder de polícia da Prefeitura, ficando sujeitos a exterminação.
temperatura urbana. As ruas largas e as praças amplas permitem a renova- AssllTI, .os caes, gatos, aves e outros animais domésticos ou domesticados
ção freqüente do ar, o que é impedido pelas vielas estreitas e locais con- que, ~el~and~ a casa de seus donos, passem a molestar os transeuntes ou a
finados; o material das vias públicas (pedra, cimento, asfalto) pode reter constItmr pengo p~ra ,a ~opulação, por sua ferocidade ou como portadores
ou devolver mais ou menos energia térmica; a própria cor desses materiais de doenças transmIssIveIs, podem ser apreendidos e eliminados sumaria-
exerce decisiva influência, pois está comprovado cientificamente que as mente pelo Município, em defesa da incolumidade da saúde e do bem-
cores escuras retêm e as claras irradiam calor; as impurezas do ar (poeira, estar d~s munícipes ..N~n: mesmo a autorização municipal que, em regra, é
fumaças, vapores etc.) influem igualmente na passagem da luz e no estado concedIda, ao.s propne~o~ de cães, para tê-los em seu domicílio, impede
térmico da atmosfera; a vegetação é sempre dispersora de calor. o Po~er ~bhco de sacnfica~los se o mteresse da coletividade o exigir. Tais
Em face dessas observações científicas, podem as Administrações au~onzaçoes: ~omo_as der.naIs decorrentes do poder de polícia, são sempre
locais adotar este ou aquele material para o calçamento, tomar medidas a tI~lo precano e nao obngam a Prefeitura a pennitir que esses animais va-
gueIem soltos pela via pública, a importunar a vizinhança e os transeuntes.
46. Nossa sentença e acórdão confirmatório do TJSP, in RT218/245. No mesmo ?utr.o aspecto que reclama vigilância das Prefeituras é a manutenção
sentido: STF, RF 140/134; TJSP, RT 164/229; TJMG, RF 117/188. d~ ammaIS de grande?orte (porc~s, ~abritos, cavalos, vacas etc.) nos quin-
47 . O Município de São Paulo limitou a emissão de sons e ruídos de qualquer na- taIS urban~s. Essa pratlca, comumSSlma nos Municípios do Interior é alta-
tureza através da Lei 11.804, de 19.6.1995, considerando prejudicial à saúde e ao sos-
sego público a emissão de ruídos em níveis superiores ao traçado pela Norma Brasilei-
men~e .no~lva à higiene pública. Por esses motivos, as leis e regula~entos
ra Registrada (NBR) 10.151, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). mumcIpaIs devem sempre consignar proibições a respeito, impedindo a
506 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 507

instalação de estábulos, cocheiras e pocilgas no perímetro urbano ou em A propósito, observou Rasori que "os habitantes da cidade, na sa-
suas proximidades, com enérgicas sanções aos infratores. . tisfação de suas várias e complexas necessidades de toda ordem, criam,
As plantas nocivas à saúde merecem também a atenção ,da.s autO!l- por assim dizer, o sitio público, ou seja, os espaços onde devem transitar,
dades municipais. Os modernos estudos sobre os estados alergl~os tem freqüentar e permanecer. A calçada, a praça, o parque, o veículo, o café,
revelado que em vários casos são provenientes da vegetação das.cldades e o mercado, o cinema, o teatro, o restaurante, a estação, constituem, entre
seus arrabaldes. Plantas existem que emitem maus odores ou deIxam des- outros, locais de assistência e freqüência coletiva".50
prender substâncias que provocam pruridos na pele; ou~as, transporta,d~s
pelo vento, vão afetar as vias respiratórias e causar alergIas de toda espeCIe Nesses lugares a Administração Municipal dispõe de amplo poder de
nas pessoas sensíveis a esses estados. Algumas atacam os olhos, outras as regulamentação, co limando a segurança, a higiene, o conforto, a moral, a
mucosas, especialmente nas épocas de polinização. 48 estética e demais condições convenientes ao bem-estar do público.
Entre nós são conhecidas várias espécies de plantas de grande e pe-
queno porte que provocam intolerável coceira em que~ as toc~ (urtig~s) 2.6.1 Segurança
ou delas se aproxima em determinadas épocas (aroemnha, po-de-mI~o
As medidas de segurança concretizam-se em inspeções permanentes
etc.); outras emitem cheiro desagradável (pau-d'alho) ou desprende~ pos
dos locais e recintos de freqüência pública; na obrigatoriedade de saídas
e fibras incômodas (paineiras, taboa etc.); outras são venenosas (CIcuta,
erva-de-rato etc.). Todas essas espécies devem ser evitadas na arborização de emergência, na exigência de equipamentos contra incêndio; na limi-
das cidades e mesmo, eliminadas de suas adjacências, para que não ve- tação de lotação e demais providências que visem à incolumidade e ao
conforto dos freqüentadores em geral. 51
nham a mole~tar os cidadãos. Ao Município incumbe estudar as espécies
de plantas adotadas na sua arborização, a fim de afastar ~s que não sir;~m Especial atenção das autoridades locais deve merecer o trânsito de
aos obj etivos colimados, podendo, mesmo, ordenar a extmção ~as espe~les veículos e pedestres nas vias e logradouros públicos. A primeira preocu-
daninhas (parasitas), nocivas ou venenosas, que ponham em nsco a saude pação há de ser o estabelecimento de boas normas de circulação, tendentes
pública. Não só as plantas que contenham princípios ativ?s ve~enos?s ou a descongestionar o centro urbano, os locais de comércio, os pontos de
nocivos ao homem como também aquelas que se prestem a prohferaçao de retomo. A regulamentação do tráfego e do trânsito no perímetro urbano é
fungos, ou seja, hospedeiras de insetos nocivos, merecem policiadas pelas tarefa privativa da Prefeitura, porque só ela está em condições de conhecer
Administrações locais, em defesa da higiene, da saúde e do bem-estar da as peculiaridades de cada distrito, de cada bairro e até de cada rua da sua
comunidade urbana. 49 52
cidade. Nessa regulamentação local, além das normas gerais contidas no
Código Brasileiro de Trânsito e nos regulamentos estaduais, o Município
2.6 Polícia dos logradouros públicos pode estabelecer condições particulares para cada rua ou zona, atendendo
às peculiaridades .locais e ao perigo que oferecem à coletividade.
A polícia administrativa municipal deve este~der-se a.todos os locais
públicos ou particulares abertos à freqüência coletIva, mediante .pagamen-
to ou gratuitamente, bem como aos veículos de transporte coletivo. 50. Amilcar Rasori, in Revista de Derecho y Administración Municipal, 1932,
p. 1.
51. O STP entende que o Município tem competência para legislar sobre equipa-
48. A esse propósito é elucidativo recordar ~s co~clusõe.s a qu~ cheg?u o Centro mentos de segurança (portas eletrônicas) ou para dispor sobre o tempo de atendimento
de Alergia do Hospital das Clínicas de Bue~os AIres, mcu~bldo de investigar a causa às pessoas, em imóveis localizados em seu território e destinados ao atendimento ao
de moléstias que passaram a grassar endem~cam~nte n~ b~rrro de Belgrano;. Do estu?o público (RE 240.406 e AI 388.685, DJU27.8.2004; RE 312.050, DJU 6.5.2005 e RE
realizado concluíram os integrantes da comissão mvestlgadora que as afecçoes das ViaS 432.789, DJU 7.10.2005).
respiratórias dos habitantes daquele bairro eram c~usadas pelo ~ólen dos pl~t~nos_com
que foram arborizadas suas ruas. Comprovaram, amda, que na epoca de pohmzaçao de 52. O Município de São Paulo, com a edição da Lei municipal 12.490, de 3.10.1997
tais árvores 19% dos moradores de Belgrano se apresentavam com infecções oc.ulares ("Autoriza o Executivo a implantar Programa de Restrição ao Trânsito de Veículos Au-
r
tomotores no Município de São Paulo, e dá outras providências"), adotou o "rodízio"

I
e respíratórias causadas pelas aludidas I?la~~s. Co~ b~se nessas investig~ões f~1 reco-
mendada à Administração local a substltmçao de taIS arvores por outras m~fensIvas ao de veículos, com o objetivo de reduzir, nos horários de maior volume de trânsito, das
homem (cf. "Patergía aI plátano", in La Semana Médica 48/178, Buenos AIres). 7 às 10 e das 17 às 20h, o número de veículos automotores em circulação, visando a
diminuir os problemas de congestionamento das vias públicas. Para tanto, estabeleceu
49. Cf. Alcides Greca, "Polícia sanitária", RDA 3/454.
vedações escalonadas de conformidade com o número da placa e o dia da semana. ~

.1
508 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 509

É dever do Município adotar medidas preventivas de acidentes de 2.6.4 Publicidade urbana


trânsito, tais como a conservação das vias públicas; a diminuição dos pon-
tos de atrito na circulação; a redução da velocidade nas zonas movimenta- A publicidade urbana, abrangendo os anúncios de qualquer espécie
das; a sinalização ou vedação de trânsito nos locais perigosos; a constru- e forma expostos ao público, deve ficar sujeita à regulamentação e polí-
ção de faixas de segurança e abrigos para pedestres; e o mais que puder cia administrativa do Município, por ser assunto de seu interesse local e
resguardar a incolumidade pessoal dos transeuntes. conter sempre a possibilidade de causar danos ao patrimônio público e à
estética da cidade.
No afã da propaganda, os anunciantes, via de regra, desrespeitam
2.6.2 Higiene e moral
a propriedade alheia, colando cartazes e fazendo inscrições indeléveis e
A higiene e a moral nos logradouros públicos são tão dignas de aten- maliciosas, com grafia errada. Essas manifestações afeiam a cidade com
ção das Administrações locais quanto a segurança, sob os aspectos que cartazes de gritante mau gosto, de proporções gigantescas, a impedir o
acabamos de apreciar. Como medidas de higiene são cabíveis todas as exi- descortino dos panoramas locais. Tais abusos devem merecer corretivo
gências que se relacionem com o asseio dos locais, veículos e estabeleci- do Poder Público. Além disso, esquecem-se os anunciantes de que o grau
mentos de freqüência coletiva, com a ventilação, a cubagem, a insolação; de cultura e de civilização de uma comunidade pode ser avaliado pelos
com a qualidade da água e estado dos gêneros alimentícios a serem con- anúncios que a cidade apresenta. A publicidade é uma autêntica radio-
sumidos; com a desinfecção dos utensílios e com as vestes a serem usadas grafia da sociedade: revela seus hábitos, suas tendências, suas afeições,
pelos servidores que mantêm contato com o público; com a sanidade física suas vaidades, seu progresso, sua riqueza, e até suas suscetibilidades mais
e mental dos empregados etc. Em tais locais se há de preservar a moralida- recônditas. Nela, inconscientemente, cada anunciante expõe a intimidade
de pública sob todos os seus aspectos, quer evitando-se que se prestem a de seu comércio, de sua indústria, de suas atividades profissionais, nem
fins escusos, quer exigindo-se compostura dos que neles trabalhem ou os sempre dignas de exposição pública. À Administração Municipal incumbe
freqüentem ou deles se utilizem. regulamentar e policiar não só a estética da publicidade urbana como o
que contiver de atentatório à moral e à educação do povo.
2.6.3 Conforto e estética No capítulo seguinte (Capítulo IX) trataremos mais amplamente de
Urbanismo e da defesa estética da cidade.
O conforto e a estética da cidade andam sempre juntos, como re-
quisitos da civilização e da funcionalidade urbana. Já não se relegam a
2.7 Polícia de costumes
plano secundário as exigências de bem-estar e de manifestações artísti-
cas em todo empreendimento humano. A cidade, como a casa, há de ser A polícia de costumes visa a combater os males, vícios e perver-
feita para o homem, atendendo às necessidades de sua natureza física e sões com os quais certos indivíduos atentam contra a moral, a decência,
espiritual. Assim, são exigências perfeitamente compreensíveis para todo o trabalho e as bóas maneiras da sociedade. Nem todo vício requer ação
local, veículo ou logradouro público as de um mínimo de mobiliário, de policial, senão aqueles que, por sua gravidade e efeitos danosos, afetam
utensílios indispensáveis ao conforto dos indivíduos e de arranjo artístico o bem-estar coletivo. Vícios e atitudes individuais existem que, embora
compatível com o nível cultural do povo ou dos cidadãos que o vão utilizar reprováveis do ponto de vista ético, não causam prejuízo à coletividade,
ou freqüentar. dispensando, por isso mesmo, repressão ou prevenção estatal; ao passo
A cidade, sendo o meio ambiente do homem, seu habitat natural, deve que outros não só afetam seu portador como se propagam e corrompem
ser dotada de todos os elementos e fatores de seu bem-estar físico, moral a sociedade, moral, física e economicamente, pelo quê interessa ao Poder
e espiritual, satisfazendo-o não só biologicamente, como também nas suas Público combatê-los.
exigências éticas e artísticas. Dentro dessa concepção humana e racional No elenco dos males sociais danosos e corruptores, que convém ao
da cidade moderna cabem todas as exigências de polícia administrativa Poder Público prevenir e debelar, entram a prostituição, as perversões se-
que as Administrações locais reputarem convenientes, úteis ou necessárias xuais, a vadiagem, a embriaguez, a mendicância, os jogos de azar, o uso
em prol da segurança, da funcionalidade, da salubridade, do conforto e da de entorpecentes, a obscenidade pública e outras formas de rebaixamento
estética urbana. da dignidade humana.
510 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNIcípIO 511

No uso regular do poder de polícia, inerente a toda entidade estatal, uso de entorpecentes, ou se prestem a couto de vadios e ao descaminho
pode o Município opor restrições às atividades e à conduta individual com de menores.
o fito de debelar, no seu território, as manifestações viciosas, imorais ou Prestigiando a ação moralizante do Poder Público, os Tribunais não
indignas dos cidadãos, impedindo, assim, que o mau exemplo frutifique têm regateado apoio a toda medida de polícia administrativa que colime
em detrimento da moral coletiva. deter a corrupção social, que se insinua na coletividade, algumas vezes sob
o alvará de atividades lícitas, e outras debaixo do rótulo de ações caritati-
2.7.1 Conduta pública vas ou beneficentes. 53

A conduta pública dos indivíduos está sempre sob a ação da polícia 2.7.2 Jogos e sorteios
administrativa, que lhes prescreve normas para apresentação na sociedade
e exercício de atividades ou profissões em contato com o público. Desde Os jogos e sorteios de toda espécie não devem escapar do controle
que o cidadão se exiba em público ou passe a exercitar qualquer atividade das polícias administrativa e judiciária, que, em conjunto, reprimirão as
endereçaçla à coletividade, ficará subordinado aos preceitos da moral e modalidades ilícitas ou abusivas da boa-fé popular. Necessário é que se te-
dos bons costumes e às exigências de capacidade profissional. Em defesa nha sempre presente que os vícios, como tudo que se realiza à margem da
dos preceitos de educação e de moralidade, o Município pode prescrever Moral e do Direito, procuram sempre se apresentar em forma de atividade
normas de compostura para certas ocasiões e locais e para o desempenho lícita e útil, para fugir da ação repressora do Poder Público.
de determinadas profissões ou atividades. Os jogos de azar são proibidos em todo o território nacional pelo De-
Essas exigências, embora restrinjam a liberdade do indivíduo, são creto-lei 9.215, de 30.4.1946, que restaurou a vigência do art. 50 e §§ da
perfeitamente admissíveis, pois que visam ao bem-estar geral. Liberdade Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei federal 3.688, de 2.10.1941).A
individual não se confunde com anarquia e licenciosidade. A liberdade é a lei contravencional considera infração penal a prática de jogos de azar em
faculdade de agir livremente até onde não se ofenda o direito alheio. Den- lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada
tro dessa relatividade, a liberdade de cada um está condicionada à liberda- ou sem ele, definindo como jogo de azar aquele em que "o ganho e a perda
de de todos. Ora, se no uso de sua liberdade o indivíduo fere a liberdade dependem exclusiva ou principalmente da sorte" (art. 50, § 3º).
de outrem, o Poder Público deve intervir a fim de estabelecer os limites A Lei das Contravenções considera jogos de azar, além dos que se
da liberdade de cada um, para a coexistência da liberdade de todos. Essa a enquadrarem na definição legal, as apostas sobre corrida de cavalos fora de
missão do poder de polícia no setor de costumes. hipódromo ou de local onde sejam autorizadas (art. 50, § 3º, "b"); as apos-
tas sobre qualquer outra competição esportiva (briga de galos e lutas de
Assim, deve o Poder Público reprimir a imoralidade que se mani-
qualquer natureza) (art. 50, § 3º, "c"); o denominado jogo do bicho (art. 58;
festar por palavras obscenas, gestos inconvenientes, ações indecorosas,
v. Decreto-lei 6.259, de 10.2.1944); as loterias e sorteios não autorizados
bem como impedir o exercício de atividades ilícitas ou propiciadoras de
em lei (art. 51); as rifas (art. 51, § 2º). Tais jogos, por contravirem a lei pe-
corrupção social.
nal, não podem ser autorizados nem permitidos por quaisquer autoridades,
Para tomar efetiva e eficaz a polícia de costumes, a Administração federais, estaduais ou municipais. A todas elas incumbe vedar e reprimir
local pode interditar o ingresso de indivíduos inconvenientes nos próprios sua prática, através de medidas de polícia administrativa e judiciária. 54
municipais (repartições públicas, praças de esporte, piscinas, estádios,
bibliotecas e demais dependências franqueadas aÇ> público); pode interdi- 53. STF, RDA 30/257; TFR, RT 203/618; TJSP, RT 183/823, 186/325, 194/225,
tar casas de prostituição, clubes, cabarés, boates, exposições, festivais e 224/123 e 227/136; TJMG, RT214/533.
qualquer outra atividade recreativa que se revele atentatória à moralidade 54. Os jogos de bingo haviam sido permitidos em todo o território nacional pela
pública ou prejudicial ao bem-estar geral; pode negar ou cassar alvará e Lei 9.615, de 24.3.1998, para serem explorados por entidades de administração e de
prática desportiva, com a finalidade de angariar recursos para o fomento do desporto.
efetivar o fechamento de estabelecimentos particulares de qualquer na-
Todavia, a Lei 9.981, de 14.7.2000, revogou os arts. 59 a 81 daquela lei, que estabe-
tureza que, por sua localização ou atividades, constituam antros de cor- leciam tal permissão, respeitando apenas as autorizações em vigor até a data de sua
rupção, de jogos de azar, de embriaguez, de turbulência, de viciados no expiração.
512 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 513

2.7.3 Espetáculos As infrações relativas à polícia de costumes (contravenções) não são


somente os jogos de azar que acabamos de enumerar, mas também a va-
Os espetáculos cinematográficos, teatrais e circenses ficavam sujei-
diagem (art. 59), a mendicância por ociosidad~ ou cup}d~z (art. 60), a
tos a fiscalização federal, para fins de censura, o que está proibido pela
importunação ofensiva ao pudor (art. 61), a embrraguez pubhca e escanda-
Constituição de 1988 (art. 5º-, IX). Nesses espetáculos a fiscalização de
losa (art. 62), o servir bebidas alcoólicas a menor de 18 anos, a quem)á ~e
menores é da alçada do juiz de menores (Estatuto da Criança e do Adoles-
acha embriagado e a insano mental (art. 63), o tratamento cruel de ammms
cente - Lei 8.069, de 13.7.1990 - e leis de organização judiciária estadual)
(art. 64), a perturbação da tranqüilidade pública e o molestamento de pes-
e a polícia administrativa do recinto, regulamentação de lotação e horário soas na via pública (art. 65). Constituem, ainda, crimes contra os costu-
de funcionamento competem ao Município, como assuntos de seu interes- mes, definidos no Código Penal, dentre outros, a mediação para servir à
se local. lascívia de outrem (art. 227), o favorecimento da prostituição (art. 228), a
manutenção de casa de prostituição ou para fins libidinosos (art. 229), o
2.7.4 Telecomunicação rufianismo (art. 230), o tráfico de mulheres para a prostituição (art. 231),
o ato obsceno (art. 233) e o escrito obsceno (art. 234).
A telecomunicação, compreendendo a radiodifusão e a televisão, que
Como infrações penais, esses atos antijurídicos ficam sujeitos a re-
hoje assume lugar de destaque na vida do país, é da competência da U~ião,
pressão por parte da polícia judiciária, mas sua prevenção cabe igualmente
que poderá explorar qualquer desses serviços diretamente ou mediante
à polícia administrativa, através de medidas destinadas a impedir a forma-
concessão, permissão ou autorização (CF, art. 21, XII, "a") e, conseqüen- ção de ambiente para seu cometimento. Com esse objetivo, a Administra-
temente, mantém sobre eles o poder de regulamentação e fiscalização, ção Municipal pode proibir, por lei, ou negar alvará para a instalação ou
especialmente sobre as transmissões para o público, conforme dispõe a funcionamento de casas de tavolagem, de bares, de cabarés, de boates, de
legislação pertinente (Código Brasileiro de Telecomunicações - Lei 4: 117, estabelecimentos de jogos e outros mais que favoreçam a ociosidade e os
de 27.8.1962 - e normas subseqüentes). ALei 9.472, de 16.7.1997, crrou a vÍCios de toda ordem, ou mesmo determinar seu fechamento, se Se revela-
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), para regular, contro- rem atentatórios dos bons costumes ou prejudiciais à vizinhança.
lar e fiscalizar o setor de telecomunicações. Cabe ao Município o policia- Como medida complementar às de polícia administrativa há ainda o
mento administrativo dos recintos de espetáculos, somente para garantir a recurso de se majorar pesadamente os tributos que recaiam sobre tais ati-
segurança do local, fixação de lotação e de horário de funcionamento. vidades quando reputadas nocivas à coletividade. É o uso do tributo com
Neste particular, é de se assinalar que a competência para dispor so- função extrafiscal, com objetivo de desestímulo de atividades reputadas
bre a instalação de alto-falantes e seu uso em locais públicos é privativa inconvenientes à sociedade e, por isso mesmo, gravadas pesadamente com
do Município, e não da polícia estadual, que geralmente avoca para si tais impostos e taxas que indiretamente conduzem à sua paralisação.
atribuições, em flagrante usurpação de funções tipicamente municipais.
Muito comum é o abuso de irradiações na via pública. Em tais casos as 2.8 Polícia de pesos e medidas
providências devem ser tomadas pelo prefeito, e não pelo delegado de
Não constituirá exagero afirmar que toda atividade humana está su-
polícia, salvo se o fato constituir crime ou contravenção penal. A polícia
jeita a mensuração, e por ela é valorada para fins econômicos. Por essa ra-
judiciária, já o frisamos, tem por missão a repressão de crimes e contra-
zão, criou-se um sistema de pesos e medidas, que tende a se universalizar
venções definidos em lei, e não a de infrações regulamentares, sempre da em padrões fixos a vigorar em todas as nações civilizadas.
alçada administrativa.
Em começos do século XIX foi organizada na França uma comissão
Os demais divertimentos públicos realizados no território do Muni- de matemáticos que elaborou o sistema métrico decimal. Essa comissão
cípio - tais como jogos lícitos, competições esportivas, sessões artísticas calculou um quarto do meridiano terrestre e dividiu-o em 10 milhões de
etc. - ficam sempre sujeitos a regulamentação e alvará municipal, além do partes. Dessa divisão resultou o metro-padrão, que é a décima-milionési-
policiamento civil e militar ostensivo estadual, que se limitará a manter a ma parte da distância do Equador ao Pólo. Construiu-se, assim, o primei-
ordem e a assegurar o cumprimento das determinações administrativas da ro metro em platina iridiada a 4 graus centígrados e pressão atmosférica
Prefeitura, nos aspectos de sua competência. normal, e guardou-se no Instituto Internacional de Pesos e Medidas, na
514 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 515

França, para servir de padrão ao novo sistema instituído - sistema métrico cas consideradas abusivas elencadas na preceituação legal. O fabricante o
decimal -, que é o adotado no Brasil e na maioria dos países ocidentais, produtor, o construtor e o importador respondem pelos defeitos decorr:n-
com exceção da Inglaterra e dos Estados Unidos. 55 tes de proj~to, fabricaç~o; construção, montagem, fórmulas, manipulação,
Chamou-se de sistema decimal porque seus múltiplos e submúltiplos apresentaçao ou acondICIOnamento de seus produtos. Nesse campo, sem
crescem e decrescem de 10 em 10, formando novas unidades, de ordem embargo ?a _atua~ão da União e do Estado, cabe também ao Município,
superior ou inferior. O nome dos múltiplos é formado com os prefixos de por seus orgaos, ll1tegrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumi-
origem grega deca (dez), hecto (cem) e kilo (mil); o nome dos submúlti- dor, exercer as atribuições pertinentes de fiscalização e controle que não
plos é formado com os prefixos latinos deci (décima parte), centi (centési- lhe forem vedadas ou excluídas pela normatividade federal ou estadual. 56
ma parte) e mili (milésima parte). Assim, diz-se decâmetro (dez metros); Necessário se toma, ainda, que o Município impeça, em seu território
hectolitro (cem litros); quilômetro (mil metros); decímetro (décima parte a utilização de medidas estranhas ao sistema metrológico oficial. No co~
do meh'o); centilitro (centésima parte do litro); miligrama (milésima parte mércio do Interior é muito freqüente a utilização de medidas não-oficiais
do grama) etc. e de padrõe~ incertos (alqueire, braça, cargueiro, mão, quarta, garrafão
As unidades fundamentais do sistema métrico decimal são: para ex- etc.), que nao podem ser tolerados pela Prefeitura, já por contrariarem o
tensão linear, o metro; para massa (peso), o quilograma; para superficie sistema nacional adotado (sistema métrico decimal), já por desconhecidos
(área), o metro quadrado; para volume, o metro cúbico; para capacidade, do público, em sua maioria.
o litro. Para medida de grandes áreas de terrenos adota-se, geralmente, ..Na regu:amentaç~o e fiscalização local, pode e deve o Município
como unidade o are (cem metros quadrados) e seu múltiplo hectare (dez eXIgIr a adoça0 exclUSIva do sistema métrico decimal, convertendo-se to-
mil metros quadrados) e submúltiplo centiare (um metro quadrado). da~ ~s medidas não-oficiais aos padrões legais (metro, quilo, litro e seus
A competência para legislar e impor o sistema de pesos e medidas é da multlpl~s e submúltiplos). Com tal providência evitar-se-á o engano do
União, por expressa reserva constitucional (art. 22, VI), e sobre tal matéria consumIdor no controle do preço unitário das utilidades, ofertadas sob os
foi editada a Lei 5.966, de 11.12.1973, que instituiu o Sistema Nacional de mesmos padrões de peso e medida.
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial e criou o Instituto Na-
cional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), 2.9 Polícia das atividades urbanas em geral
cuja organização é disposta no Decreto 79.206, de 4.2.1977.
Assim, ao Município cabem, por delegação da União, a fiscalização e Além dos vários setores específicos que indicamos precedentemente
a aferição local de pesos e medidas, com observância de todas as normas compete ao Município a polícia administrativa das atividades urbanas er:z
do sistema nacional, visando a impedir a fraude e a lesão ao público na geral, para a ordenação da vida da cidade. Esse policiamento estende-se a
~odas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde sua localização até a
aquisição de gêneros e qualquer outro bem ou utilidade.
mstalação e funcionamento, não para o controle do exercício profissional
ALei 8.078, de 11.9.1990, estabelece ser direito básico do consumi-
e do :endimento econômic~, ~lheios à alçada municipal, mas para a veri-
dor a informação adequada e clara sobre os produtos, com especificação
fica..?ao da seguranç.a e da hIgIe~e do recinto, bem como da própria locali-
correta de suas características, riscos, quantidade, qualidade, composição
~aç~o ~o empreendImento (escntório, consultório, banco, casa comercial,
e preço. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quali-
mdustna etc.) em relação aos usos permitidos nas normas de zoneamento
dade e de quantidade dos produtos de consumo. Estão proibidos das práti-
da cidade. Até mesmo as atividades ou estabelecimentos da zona rural
fica~ sujeitos ao poder de polícia do Município desde que afetem a vida
55. Anterionnente ao sistema métrico decimal vigorava o denominado sistema
d~ ~I?a?e, po~ s~us efeitos poluidores ou por qualquer outra forma preju-
antigo, ainda hoje usado na Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte. Era co-
nhecido também por sistema francês ou avoirdupois. A unidade desse obsoleto sistema
dICIaiS a coletiVIdade local.
é o grão. Uma polegada cúbica de água pesa 252,459 grãos. Sete mil grãos fonnam a . . Para esse policiamento deve o Município indicar o proceder do ad-
libra avo irdupois . Essa libra se subdivide em 16 onças e a onça em 16 dracmas. A libra mlll1strado, regulamentar a fiscalização e cobrar as taxas estabelecidas por
é também unidade de massa (libra BS: Bureau ofStandards, ou libra PS: Parliament
Standard) e corresponde a 0,45 do quilograma decimal.
O Brasil adotou o sistema métrico decimal pela Lei Imperial 1.157, de 26.6.1862. 56. Código de Defesa do Consumidor, arts. 62, 1II, 12, 18, 19,39 elOS. '1

I
516 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO VIII- PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 517

lei. Nessa regulamentação se incluem a fixação de horário do comércio não se aninhe no espírito do leitor a errônea impressão de que a Munici-
em geral e das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos palidade só exerce ação de contenção, ação de vigilância, ação negativa
bem como o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços sobre as atividades dos munícipes. Tal impressão seria inexata. Se, por um
oferecidos ao público. 57 Tal poder é inerente ao Município para a ordena- lado, compete ao Município deter, com seu poder de polícia, toda ação
ção da vida urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego individual nociva à coletividade, por outro lado, incumbe-lhe o dever de
e bem-estar da coletividade. Por isso, a jurisprudência tem consagrado fomentar o desenvolvimento das atividades particulares convenientes ao
reiteradamente a validade de tal regulamentação e das respectivas sanções bem-estar geral.
como legítima expressão do interesse local. 58
Nem se objete que a fixação de horário do comércio constitui regula-
3.1 Conceito e objetivos
mentação da atividade econômica, e por isso refoge da competência mu-
nicipal. A objeção é improcedente porque a simples imposição de horário Poder de propulsão é a faculdade de que dispõe o Município para
- vale dizer, do período de atendimento do público - não se confunde com impulsionar o desenvolvimento local, através de medidas governamentais
a intervenção no domínio econômico. 59 de sua alçada. É, pois, toda ação incentivadora de atividades particulares
Há uma diferença fundamental entre estabelecer normas de comércio lícitas e convenientes à coletividade. Fomentar o desenvolvimento eco-
e fixar horário do comércio: aquelas são da competência da União, este é nômico, cultural e social dos munícipes é missão tão relevante quanto a
do Município, porque traduz, tão-somente, a ordenação de uma atividade contenção de atividades nocivas à coletividade. Juntos, portanto, devem
urbana, que é o comércio local. Claro está que se a atividade estiver sujeita ser exercidos o poder de contenção e o poder de propulsão do Município;
a regulamentação federal ou estadual o Município deverá respeitar essa aquele detendo toda ação prejudicial dos munícipes, e este auxiliando as
regulamentação superior, como ocorre com o horário bancário. atividades úteis ao indivíduo e à comunidade.
Outra atividade sujeita ao controle da Prefeitura é a afixação de anún- Completando a imagem que usamos anteriormente, ao conceituar-
cios no perímetro urbano e seus arredores, por afetar a estética da cidade, mos o poder de polícia como mecanismo de frenagem de que dispõe a
tão preservável quanto os demais elementos de sua funcionalidade (v. Ca- Administração Pública para deter as atividades individuais contrárias ou
pítulo IX, item 3.8). Assim também os alto-falantes em público, os ven- nocivas ao interesse geral, podemos dizer que o poder de propulsão é o
dedores ambulantes e quaisquer atividades perturbadoras do trânsito e do mecanismo de impulsionamento que o Município utiliza para acionar as
sossego coletivo merecem o policiamento administrativo municipal. iniciativas particulares úteis e convenientes ao bem-estar da população.
A era do laissez faire, laissez passer está superada em tema de Ad-
3. Poder de propulsão ministração Pública. Já não se concebe mais o Poder Público de braços
Concluído, no tópico anterior, o estudo do poder de polícia do Muni- cruzados a assistir impassível à luta que os indivíduos travam pela sub-
cípio, convém se diga algo a respeito de seu poder de propulsão, para que sistência. Já não se admite que o Estado contemple indiferente o abuso de
direito individual, o aniquilamento do fraco pelo forte, o prevalecimento
57. O Código de Defesa do Consumidor dispõe que a oferta e a apresentação de do interesse particular sobre o geral. Da era do indivíduo evoluímos para
produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensi- a era da coletividade. O que hoje preocupa as nações civilizadas é pro-
vas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, com- porcionar o maior bem ao maior número. Com esse objetivo, o exercício
posição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como dos direitos individuais, principalmente o de propriedade, está subordina-
sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores (art. 31).
58. STF, RF 172/132, RDA 54/155, 68/232 e 245 e 70/248; TJPR, RDA 61/179,
do ao bem comum. Enquanto o Liberalismo privatizou o direito público,
RT 291/822 e 301/623; TJSP, RDA 54/157, RT 236/256,267/373 e 280/427; TASP, RT o Socialismo procura publicizar o direito privado. Por outras palavras, a
295/482. Ver, também, a nota 51 deste Capítulo. Revolução Francesa deu preeminência ao direito do indivíduo sobre o da
59. A respeito da fIXação de horário para o funcionamento de farmácias, o coletividade; a Revolução Social do nosso século dá maior relevância ao
TJSP manifestou-se no sentido de que o exercício da livre concorrência não pode so- direito da comunidade em relação ao direito do indivíduo.
frer limitações quanto ao horário funcional, invocando precedente do STJ (Ap. cível
230.338-1, São José do Rio Preto, reI. Des. Alfredo Migliore; no mesmo sentido, v. Sem ir aos extremos do Socialismo, os Estados Democráticos já ad-
JTJ 174/43 e 175/21). .;~ mitem certos aspectos convenientes da socialização e da intervenção es-

II
518 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

tatal, principalmente na propriedade privada e no domínio econômico. A


·r·.••..,-"
-,

"
",
,--,o: ","

VIII - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO 519

~; Mesmo no comércio abrem-se perspectivas de favorecimento do


nossa Constituição vigente, de índole nitidamente social-democrática, não '~
poder Público Municipal, no sentido de facilitar a venda de gêneros de
se afasta dessa moderna orientação. Assim é que, embora garantindo a
primeira necessidade em co~dições econ~micamen.te vantajosas p~ra.o
propriedade particular (art. 5º, XXII), condiciona seu uso à função social comerciante e para o consumldor local. Alem do maIS, um bom comerclO
(art. 5º, XXIII) e admite, nos casos que especifica, a repressão ao abuso atrai compradores das regiões vizinhas, e disso resulta maior progresso
do poder econômico (art. 173, § 4º) bem como a intervenção no domínio
municipal.
econômico e o monopólio de indústria ou atividade (art. 173) - condutas,
estas, de nítida contenção da iniciativa privada. O setor cultural é talvez o que oferece ao Município melhores possi-
bilidades de atuação eficaz, em auxílio da iniciativa particular. A despeito
Nessa mesma linha constitucional, o Município pode e deve, nos li-
disso, é onde menos se vê o incentivo municipal. Cidades materialmente
mites de sua competência, controlar e incentivar o progresso no seu ter-
progressistas existem que estão em sensível definhamento cultural por falta
ritório em todos os setores de interesse local. Claro está que não lhe cabe
de apoio do governo local a tudo que se relacione com o desenvolvimento
intervir no domínio econômico, nem editar normas de direito material que
restrinjam as atividades lícitas de seus munícipes ou disponham sobre o intelectual, artístico e cívico do povo. Tomados pela obsessão dos cargos
exercíció das profissões regulamentadas por norma federal, porque isto eletivos, muitos dos governantes municipais passam a cuidar somente dos
é da competência da União e, em alguns casos, da alçada supletiva do setores que lhes dão vantagens eleitorais sensíveis, e daí prodigalizarem
Estado-membro. Mas a ação incentivadora do desenvolvimento da comu- recursos de toda ordem às associações esportivas e recreativas, descuran-
nidade local é dever indeclinável do Município. do-se quase que por completo das atividades culturais, artísticas e cívicas,
de poucos associados ou freqüentadores. Necessário é que se reaja a esse
O desenvolvimento de uma região está em íntima relação com as fa-
imediatismo político que tanto tem infelicitado o país e desestimulado as
cilidades de exploração e circulação de sua riqueza. Ora, ao Município
atividades particulares, principalmente no campo cultural.
cabe promover facilidades e aparelhar seu território, em especial o siste-
ma de comunicações e de transportes, para possibilitar o escoamento da A cultura geral do povo é o mais eficiente fator de progresso de uma
produção local, principalmente da zona rural para o centro urbano. Nesse comunidade. Quanto mais civilizado, maiores são as necessidades do ho-
plano de desenvolvimento econômico do Município entram todos os me- mem, e daí decorre o maior desenvolvimento econômico, para o completo
lhoramentos urbanos e rurais que venham estimular a iniciativa particular, atendimento de suas exigências individuais. Com a civilização lucram o
notadamente no setor da produção agrícola e industrial. Pecam as nossas comércio, a indústria, a agricultura, os transportes e todos os outros seto-
Comunas, em geral, pela deficiência de estradas municipais que facilitem res da vida municipal. Desenvolver a cultura geral dos munícipes equivale
a exploração agrícola e o escoamento dos produtos da lavoura, máxime a desencadear necessidades que, por sua vez, vão estimular o desenvolvi-
nas épocas chuvosas, em que os caminhos vicinais se tomam intransi- mento de todas as atividades criadoras da riqueza particular e pública.
táveis, por incúria do governo local, que os abandona à inclemência do Um povo inculto é apático e estático; um povo civilizado é vibrátil e
tempo, sem qualquer obra oportuna de reparação e conservação. dinâmico. Aquele contenta-se com os minguados recursos que a Natureza
Não só a realização de melhoramentos e serviços públicos no territó- lhe oferece: não idealiza, nem realiza; este exige o perene aperfeiçoamen-
rio municipal como até mesmo a ajuda direta, consistente em isenção de to da indústria, o aprimoramento da agricultura, a diversificação do co-
impostos por determinado tempo, ou o auxílio em recursos de qualquer mércio, os requintes da arte - enfim, todas as formas evoluídas da ciência
natureza, são admissíveis como medida político-administrativa de alto al- e da técnica. Para isso, produz e gasta cada vez mais e em maior escala,
cance para o desenvolvimento da iniciativa privada no Município, e por realizando o progresso, ou seja, "a superioridade do que existe sobre o que
isso devem merecer sempre a atenção do governo local (prefeito e Câmara existiu", na feliz conceituação de Delvaille.
de Vereadores).
Dotado do poder de propulsão de todas as atividades aproveitáveis do
No setor agrícola pode o Município ajudar o lavrador distribuindo, indivíduo, o Município muito poderá concorrer para o progresso em seu
aos que os mereçam, sementes, inseticidas, adubos, aparelhagem para o território, colaborando com os munícipes e lhes proporcionando ambiente
cultivo e colheita de cereais, e até financiamento em condições favoráveis favorável e recursos hábeis ao desenvolvimento das iniciativas particula-
ao desenvolvimento da produção agropecuária de interesse local. res, de interesse geral.
520 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Todavia, o poder de propulsão do Município deve ser exercido dentro


de um plano de desenvolvimento local integrado, para fomentar aquelas
atividades que favoreçam não só os particulares que as exercem, mas, e
preponderantemente, a comunidade que usufrui seus produtos e suas van-
tagens, afastando, assim, o favoritismo individual, que deve ser substi-
tuído pelo interesse público geral. Dentro dessa orientação, o poder de
propulsão do Município é amplo e abrangente de toda e qualquer iniciativa
privada ou atividade particular que interesse ao desenvolvimento local e Capítulo IX
responda às necessidades de sua coletividade. Esse impulsionamento do URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL
Município expressa-se geralmente em isenções tributárias, orientação téc-
nica, concessão de diversificados auxílios à agricultura e à pecuária de seu
território, de bolsas de estudo e qualquer outra ajuda da Municipalidade, 1. Urbanismo: 1.1 Conceito e objetivos - 1.2 Direito urbanístico - 1.3
Natureza jurídica das limitações urbanísticas - 1.4 Competência estatal
autorizada por lei local. em assuntos urbanísticos: 1.4.1 Competência da União: diretrizes para o
desenvolvimento urbano e normas gerais de Urbanismo - 1.4.2 Estatuto
da Cidade -1.4.3 Competência dos Estados-membros e do Distrito Fede-
ral: plano estadual e normas regionais de Urbanismo - 1.4.4 Competência
dos Municípios: plano diretor e ordenamento urbano. 2. Plano diretor do
Município: 2.1 Conceito e objetivos - 2.2 Elaboração e aprovação - 2.3
Implantação. 3. Ordenamento urbano: 3.1 Regulamentação edilícia - 3.2
Delimitação da zona urbana - 3.3 Traçado urbano: 3.3.1 Arruamento -
3.3.2 Alinhamento - 3.3.3 Nivelamento - 3.3.4 Circulação - 3.3.5 Salu-
bridade - 3.3.6 Segurança - 3.3.7 Funcionalidade - 3.4 Uso e ocupação
do solo urbano - 3.5 Zoneamento: 3.5.1 Usos conformes - 3.5.2 Usos des-
conformes - 3.5.3 Usos tolerados - 3.5.4 Zonas residenciais - 3.5.5 Zonas
comerciais - 3.5.6 Zonas industriais - 3.5.7 Zonas mistas - 3.6 Lotea-
mento - 3.7 Controle das construções - 3.8 Estética urbana. 4. Proteção
ambiental: 4.1 Controle da poluição - 4.2 Preservação dos recursos natu-
rais - 4.3 Restauração dos elementos destruídos - 4.4 Ação civil pública
para proteção ambiental - 4.5 Infrações penais e administrativas contra
o meio ambiente.

:, I

1. Urbanismo

1.1 Conceito e objetivos !I


~
O conceito de Urbanismo! evoluiu do estético para o social. Nos seus
primórdios fora considerado unicamente arte de embelezar a cidade - em-

1. O vocábulo Urbanismo tem sido criticado como termo técnico, por induzir a
um significado exclusivamente urbano. Mas seu sentido já está ampliado e reconheci-
do como abrangente da ordenação espacial da cidade e do campo. A propósito, merece
ser transcrita esta observação de Gaston Bardet: "Présentement, le mot Urbanisme est
employé pour designer l'aménagement du sol à toutes les échelles, l'étude de toutes
les localisations humaines sur la Terre ( ... ). Aussi peut-on dire sans exagération que
l'Urbanisme est devenu orhanisme" (Mission de ['Urhanisme, p. 39).
· .'·, ",· ,· ·
522 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

bellir la vil/e -, segundo a expressão dos precursores da escola francesa. 2


Posteriormente o conceito francês foi superado pela concepção inglesa
do desenvolvimento integral dos recursos da área planificada, visando à
unidade fundamental entre a Natureza e o Homem - unity ofNature and
r,
. .;:"
IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL

todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro


funções sociais: habitação, trabalho, circulação, recreação. 8
Assim sendo, o Urbanismo é incumbência de todos os níveis de go-
523

Mankind -, aproximando e relacionando a cidade e o campo para obtenção verno e se estende a todas as áreas da cidade e do campo onde as reali-
do bem-estar da coletividade em todos os espaços habitáveis. 3 zações humanas ou a preservação da Natureza possam contribuir para o
bem-estar individual e coletivo. Mas, como nas cidades se concentram
É o que Bardet qualifica de "Urbanismo para o Homem", ou seja, a as populações, suas áreas exigem mais e maiores empreendimentos urba-
procura das melhores condições de funcionalidade para o "ser urbano", nísticos, visando a oferecer o maior bem para o maior número - objetivo
a cidade como ambiente para o "ser humano".4 Nesta ordem de idéias, supremo do moderno Urbanismo.
Rosier considera o Urbanismo, sob o prisma prático, uma "arte utilitária"
Dentro dessa concepção, as imposições urbanísticas podem e devem
que visa a oferecer soluções para os problemas decorrentes da existência e
abranger todas as atividades e setores que afetam o bem-estar social, na
extensão das cidades modernas. 5
cidade e no campo, nas realizações individuais e na vida comunitária.
Entre nós, o saudoso mestre Anhaia Mello, introdutor desses estudos Para isto, o Urbanismo prescreve e impõe normas de desenvolvimento,
no Brasil, explica que o Urbanismo tem aspectos artísticos, científicos e de funcionalidade, de conforto e de estética da cidade, e planifica suas
filosóficos, porque "é fundamentalmente uma arte - criação de sínteses adjacências, racionalizando o uso do solo, ordenando o traçado urbano,
novas; uma ciência - que estuda metodicamente os fatos; e uma filosofia- coordenando o sistema viário e controlando as construções que vão com-
com a sua escala própria, preservando, impondo e exigindo a precedência por o agregado humano, a urbe.
de valores humanos e espirituais em face dos mecânicos e imobiliários".6
O Urbanismo é, em última análise, um sistema de cooperação. Coo-
Conceito idêntico nos é dado por Bezerra BaItar, professor da Uni- peração do povo, das autoridades, da União, do Estado, do Município, do
versidade de Recife, que concluiu: "Em suma, o que entendemos hoje por bairro, da rua, da casa, de cada um de nós! Para se conseguir isto, já o disse
Urbanismo é uma ciência, uma técnica e uma arte ao mesmo tempo, cujo De Groer: "é preciso uma perene educação das massas e de cada indivíduo
objetivo é a organização do espaço urbano visando ao bem-estar coletivo encarado separadamente, para que as pessoas compreendam que a vida

,i
- através de uma legislação, de um planejamento e da execução de obras em sociedade não é benéfica, senão quando cada um aplique a todas as
públicas que permitam o desempenho harmônico e progressivo das hm- suas relações com os vizinhos um desejo de conciliação e cortesia".9 Em
ções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação, circulação no verdade, inútil será a observância de preceitos urbanísticos por um, ha-
espaço urbano. Uma ciência capaz de definir esse objetivo, uma técnica e vendo desrespeito por outro; inócua será a ordenação urbanística de uma
uma arte capazes de realizá-lo. Uma disciplina de síntese".7 M área, se a contígua permanecer desordenada; baldados serão os esforços
Para nós, Urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a D planificadores de.uma comunidade, se os territórios adjacentes persistirem
..~
organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições na desplanificação. As medidas urbanísticas, como as de higiene e saúde
de vida ao homem na comunidade. Entendam-se por espaços habitáveis públicas, que lhes são conexas, não admitem absenteísmo, visto que seus
resultados dependem da ação de conjunto. Daí por que as normas urba-
nísticas hão de baixar do plano nacional ao local, numa gradação descen-

·"I~.'&·
2. Pierre Lavedan, Histoire de I'Urbanisme - Époque Contemporaine, v. IV, ·.·1··'
p.7. dente de medidas gerais que se vão particularizando do âmbito federal ao
3. Patrick Geddes, Cities in Evolution, Londres, 1898, p. 89. » .
.-. "
4. Le Nouvel Urbanisme, p. 43.
8. A Carta de Atenas, repositório das recomendações aprovadas pelo Congresso
5. L'Urbanisme, Paris, 1953, p. 17.
Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), que se reuniu na Capital da Grécia, em
6. Engenharia e Urbanismo, p. 7. v., ainda, do mesmo autor: Problemas de Ur- 1933, dentre outras conclusões, estabeleceu: "Les clefs de l'Urbanisme sont dans les
banismo, São Paulo, 1929; O Urbanismo ... Es,se Desconhecido, São Paulo, 1952; O quatre fonctions: habiter, travailler, se recréer, circuler. Ces quatre fonctions qui sont
Plano Regional de São Paulo, 1954; O Que E um Plano Diretor, São Paulo, 1956; les quatre clefs de l'Urbanisme couvrent un domaine immense, l'Urbanisme étant la
Elementos para o Planejamento Territorial dos Municípios, São Paulo, 1957; Apre- conséquence d'une maniere de penser, portée dans la vie publique par une technique
sentação da Carta dos Andes, São Paulo, 1960. de l'action" (item 77).
7. Introdução ao Planejamento Urbano, p. 136. 9. "Introdução ao Urbanismo", in Leituras de Administração Municipal, p. 199.
524 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 525

estadual, e deste ao municipal, de modo a fonnar um sistema, orgânico e 1.2 Direito urbanístico
funcional, com a tessitura própria de cada entidade estatal.
As exigências urbanísticas desenvolveram-se de tal modo nas na-
O Urbanismo de hoje, como expressão do desejo coletivo na orga- ções civilizadas e passaram a pedir soluções jurídicas, que se criou em
nização dos espaços habitáveis, atua em todos os sentidos e em todos os nossos dias o direito urbanístico, ramo do direito público destinado ao
ambientes, através de nonnas de duas ordens: normas técnicas de plane- estudo e formulação dos princípios e normas que devem reger os espaços
jamento e construção, recomendadas pelas ciências e artes que lhe são habitáveis, no seu conjunto cidade-campo. Na amplitude desse conceito
tributárias; 10 e normas jurídicas de conduta social, exigidas e impostas incluem-se todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer I
pelo ordenamento legal vigente. As primeiras disciplinam a utilização do
solo, o traçado urbano, as áreas livres e os espaços verdes, as edificações,
de suas quatro funções essenciais na comunidade - habitação, trabalho,
circulação e recreação -, excluídas somente as terras de exploração agrí- I
I
o sistema viário, os serviços públicos e o que mais se relacione com a cola, pecuária ou extrativa que não afetem a vida urbana. II
ordenação espacial e a organização comunitária; as últimas visam a as- Segundo essa conceituação, cabem no âmbito do direito urbanístico I
segurar ~oercitivamente a observância das regras técnicas. Aquelas são não só a disciplina do uso do solo urbano e urbanizável, de seus equipa- !
ji
normas-fins; estas, normas-meios. Ambas imprescindíveis para o atingi- mentos e de suas atividades, como a de qualquer área, elemento ou ativi-
mento dos objetivos urbanísticos. dade em zona rural que interfira no agrupamento urbano, como ambiente !'
Aí está a íntima correlação entre Urbanismo e Direito, pennitindo- natural do homem em sociedade. Essa concepção de ampla abrangência I!
nos afim1ar, mesmo, que não há, nem pode haver, atuação urbanística sem do direito urbanístico é a dominante entre seus iniciadores alienígenas 11 e !,
imposição legal. Isto porque o Urbanismo é feito de limitações de ordem seus primeiros cultores no Brasil. 12
pública ao uso da propriedade particular e ao exercício de atividades in-
dividuais, que afetam a coexistência social. Para a ordenação da vida em 11. Cf. Louis Jacquignon, Le Droit de I'Urbanisme, Paris, 1956; Georges-Hen-
sociedade, cada componente do agregado humano deve ceder parcela mí- ri Noel, Le Droit de I'Urbanisme, Paris, 1957; Jean-Marie Rivalland, Les Charges
d'Urbanisme, Paris, 1969; Jacques Baschwitz, L'Urbanisme et l'Aménagement Fon-
nima de seus direitos, recebendo em retribuição segurança, higiene, con- cier, Paris, 1976; Virgilio Testa, Manuale di Legisl=ione Urbanistica, Milão, 1956;
forto e bem-estar coletivos. Mas, como o egoísmo é da natureza humana, Mario Pacelli, La Pianificazione Urbanistica, Milão, 1966; Federico Spantigati, Dirit-
necessário se toma que um poder superior aos indivíduos - o Poder PÚ- to Urbanistico, Milão, 1969; Giuseppe Fragola, Urbanistica ed Edilizia, Pádua, 1972;
blico - intervenha imparcialmente na repartição dos encargos, impondo Miguel Angel Berçaitz, Problemas Jurídicos dei Urbanismo, Buenos Aires, 1972; En-
rique Jardí Casany, El Planeamiento Urbanístico, Barcelona, 1976; Antonio Carceller
a todos, indistintamente, as restrições reclamadas pelo interesse da co- Fernández, Casos Prácticos de Derecho Urbanístico, Madri, 1970; Michel Bassand,
munidade. Esta repartição de encargos só o Direito pode realizar, com Urbanisation et Pouvoir Politique, Genebra, 1974.
igualdade, coercitividade e justiça. Eis aí o fundamento e a razão de ser 12. A primeira. monografia brasileira sobre o assunto é de Diogo de Figueiredo
das imposições de ordem urbanística. Imposições que se estendem a todos Moreira Neto, Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico, lª ed., Rio
e a tudo que possa propiciar o maior bem para o maior número. O estudo de Janeiro, 1975. Trabalhos jurídicos enfocando aspectos desse mesmo direito foram
anteriormente escritos em teses e artigos pelos seguintes autores: Francisco Teodoro da
dessas imposições é matéria do direito urbanístico. Silva, Planejamento Urbanístico Municipal (tese de concurso para a cátedra de Admi-
nistração Municipal da Escola de Arquitetura da UMG), Belo Horizonte, 1963; Sérgio
Ferraz, Cláudio Vianna de Lima, Paulo Francisco da Rocha Lagoa e o próprio Diogo de
10. Alcides Greca expõe em seu notável tratado de direito e ciência da Adminis- Figueiredo Moreira Neto, em artigos diversos reunidos na publicação intitulada O Mu-
tração Municipal que: "La ciencia deI Urbanismo no tiene vallas en su desenvolvimien- nicípio e o Direito Urbano, Rio de Janeiro, 1974. Posteriormente surgiram os trabalhos
to e incursiona con éxito en el campo de las demás ciencias conocidas". Como ciências de Helita Barreira Custódio, Natureza Jurídica do Plano Diretor (tese de pós-gradua-
tributárias do Urbanismo ele cita textualmente a Sociologia, a Economia Política, as ção), Roma, 1975, e Autonomia do Município na Preservação Ambiental, São Paulo,
Finanças, o Direito, a Medicina, a Engenharia, a História, a Geografia, a Meteorologia, 1976; Célson Ferrari, Curso de Planejamento Municipal Integrado - Urbanismo, São
a Geologia, a Estatística e a Arte (cf. Derecho y Ciencia de la Administración Muni- Paulo, 1977; e depois, em 1982, a primeira obra sistematizada de José Afonso da Silva,
cipal, v. I, pp. 89 e ss.). Conquanto discordemos do ilustre Professor argentino sobre Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo, cuja 5ª edição é de 2008; v., também, Paulo
a inclusão de algumas técnicas e artes na sua enumeração como "ciências", é inegável Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16ª ed., 2008, pp. 381 e ss.
que o Urbanismo se socorre de todos os conhecimentos científicos, técnicos ou artísti- Em 1958 publicamos na Revista de Direito da Procuradoria-Geral da Prefeitura
cos para a fixação de seus conceitos e conseguimento de seus [rus. do (então) Distrito Federal extenso artigo intitulado "Limitações urbanísticas ao uso da
IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 527
526 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

dades privadas, mas com finalidades diversas: as restrições civis amparam


Assim, o direito urbanístico visa precipuamente à ordenação das ci-
os vizinhos, reciprocamente considerados nas suas relações individuais;
dades, mas seus preceitos incidem também sobre as áreas rurais no vas-
to campo da ecologia e da proteção ambiental, intimamente rela~ionadas
as limitações urbanísticas protegem a coletividade na sua generalidade.
Umas e outras condicionam o uso da propriedade, restringem direitos indi-
c?m as condições da vida humana em todos os núcleos populacionais, da
viduais, coartam atividades particulares, tolhem a liberdade de construção,
CIdade ou do campo. Pois é fato inconteste que a qualidade de vida dos
mas em nome de interesses diferentes. Por isso mesmo a competência para
moradores urbanos depende fundamentalmente dos recursos da Natureza
e muito em particular das terras, das águas e das florestas que circunda~
editá-las é diversa, como diversos são os instrumentos em que se podem
corporificar e diversas são as condições em que atuam.
as grandes e as pequenas cidades, assim como das atividades exercidas em
seus arredores. Como normas de direito civil, as restrições de vizinhança são da com-
petência exclusiva da União (CF, art. 22, I), ao passo que as limitações
O direito urbanístico não se confunde com o direito de construir
nem com o direito de vizinhança, embora mantenham íntimas conexões ~
urbanísticas, como imposições de ordem pública emanadas do poder de
polícia, que se difunde por todas as entidades estatais, são da competência
seus preceitos muitas vezes se interpenetrem, sem qualquer colisão, visto
simultânea da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Mu-
que protegem interesses diversos e se embasam em fundamentos diferen- i
nicípios, porque a todas elas incumbe o dever de velar pela coletividade
tes. Realmente, o direito de construir e o direito de vizinhança são de i
e pela função social da propriedade. Aquelas (restrições de vizinhança),
ordem privada e disciplinam a construção e seus efeitos nas relações com
terceiros, especialmente com os confinantes, enquanto o direito urbanísti-
como normas materiais de direito civil, só podem ser expressas por lei !
co ordena o espaço urbano e as áreas rurais que nele interferem, através de federal; estas (limitações urbanísticas), como provimentos de ordem pú- !i
I
blica, tanto podem ser impostas por lei como por decreto de qualquer das
imposições de ordem pública, expressas em normas de uso e ocupação do I
quatro entidades constitucionais: União, Estados, Distrito Federal e Mu-
solo urbano ou urbanizável, ou de proteção ambiental, ou enuncia regras
estruturais e funcionais da edificação urbana coletivamente considerada. nicípios. !
As limitações urbanísticas, sendo medidas de interesse público, atin-
. . Com estas considerações - que já invadem de muito a seara dos espe-
CIahstas da ordenação espacial -, recolhemo-nos aos domínios do Direito,
para analisarmos a natureza jurídica das imposições de ordem urbanística
gem indistintamente todos os indivíduos, como membros da coletividade
administrada; ao passo que as restrições de vizinhança, como normas de
conduta dos vizinhos, só alcançam os proprietários e moradores confron-
I
e, a seguir, tentarmos delimitar as competências estatais para editá-las.
tantes ou em situação de proximidade. Como imposições de ordem pú-
blica, as limitações urbanísticas são imprescritíveis, irrenunciáveis e in-
1.3 Natureza jurídica das limitações urbanísticas transacionáveis, diversamente das restrições civis, que são prescritíveis,
renunciáveis e transacionáveis por acordo entre as partes, ou mesmo pela
As limitações urbanísticas são preceitos de ordem pública. Derivam
aceitação tácita de certas situações de fato.
do poder de polícia, que é inerente e indissociável da Administração. Ex-
teriorizam-se em limitações de uso da propriedade ou de outros direitos Como as demais imposições do Poder Público, as urbanísticas nascem
individuais, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa (não fa- revestidas de imperium, inerente a toda ordem estatal, tomando-se obri-
zer) ou permissiva (deixar fazer). Distinguem-se das limitações civis, co- gatórias não só para os particulares como para a própria Administração,
mumente chamadas restrições de vizinhança, que visam à proteção da pro- visto que a submissão dos indivíduos e das autoridades às normas legais
priedade particular em si mesma e à segurança, ao sossego e à saúde dos constitui peculiaridade dos Estados de Direito, como o nosso. 13 Tais nor-
que a habitam (CC, arts. 1.277 e ss.). Ambas incidem sobre bens e ativi- mas, como já acentuamos, podem conter imposições de três modalidades:
positivas (fazer), negativas (não fazer) e permissivas (deixar fazer). No
propriedade" (v. 812-35), no qual procuramos conceituar o Urbanismo no seu sentido
13. Caio Tácito assinala, com muita oportunidade, que "o episódio central da
atual, indicar a natureza jurídica de suas limitações à propriedade particular e fixar a
~istória ad~inistrativa
do século XIX é a subordinação do Estado ao regime da lega-
competência das entidades estatais para editá-las, segundo o nosso ordenamento cons-
hdade. A leI, como expressão da vontade coletiva, incide tanto sobre os indivíduos
como sobre as autoridades públicas. A liberdade administrativa cessa onde principia ~
titucional. As diretrizes daquele estudo mereceram aceitação generalizada da doutrina
e da jurisprudência pátrias, pelo quê nos permitimos reproduzi-las neste capítulo, com
vinculação legal" (O Ensino do Direito Administrativo no Brasil, p. 3).
as adaptações à evolução do Direito e da legislação pertinente ao assunto.
528 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 529

primeiro caso o particular fica obrigado a realizar o que a Administração sempenha certa atividade legislativa, contida na chamada faculdade regu-
lhe impõe; no segundo deve abster-se do que lhe é vedado; no terceiro há lamentadora. O caráter normativo e imperativo da lei aparece, igualmente,
de permitir que o Poder Público utilize ou realize na propriedade particular no regulamento, desde que não exceda seus limites naturais". 15
o que for de interesse público. As limitações urbanísticas, por sua natureza de ordem pública, desti-
Em qualquer hipótese, porém, as limitações urbanísticas devem cor- nam-se, pois, a regular o uso do solo, as construções e o desenvolvimento
responder às justas exigências do interesse coletivo que as motiva, sem urbano, objetivando o melhoramento das condições de vida coletiva, sob o
produzir um total aniquilamento da propriedade nas suas manifestações aspecto físico-social. Para isto, o Urbanismo prescreve e impõe normas de
essenciais de uso, gozo e disponibilidade da coisa. Por igual, não podem salubridade, conforto, segurança, funcionalidade e estética para a cidade
ferir de morte os direitos fundamentais do homem, comprometendo-lhe a e suas adjacências, ordenando desde o traçado urbano, as obras públicas,
vida, a liberdade e a segurança individuais. Além disso, e para que sejam até as edificações particulares que vão compor o agregado humano. Tais
admissíveis as limitações urbanísticas sem indenização, como é de sua limitações atingem precipuamente a habitação; e é natural que isto ocorra,
índole, devem ser genéricas, isto é, dirigidas a propriedades ou atividades porque a casa é a semente da povoação. Quem constrói a casa está cons- Ilfi
indeterminadas, mas determináveis no momento de sua incidência. 14 Só se truindo a cidade. Mas a cidade não é do proprietário da casa; é de todos. li
admitem imposições urbanísticas singulares, à propriedade ou atividade E, sendo de todos, há de predominar, na sua ordenação, o interesse da
de um ou alguns indivíduos ou empresas, quando o bem ou a atividade, coletividade sobre o do particular. 16
por sua extensão, localização ou natureza, afetar de tal modo o interesse Os superiores interesses da comunidade justificam as limitações urba-
público que exija providências especiais em defesa da comunidade. Tais
casos se resolvem não por limitações urbanísticas gratuitas, mas por ser-
nísticas de toda ordem, notadamente as imposições sobre área edificável, I!
altura e estilo dos edifícios, volume e estrutura das construções. Em nome
vidão pública ou desapropriação - com justas indenizações -, que são os do interesse público, a Administração exige alinhamento, nivelamento,
meios administrativos adequados à solução de situações particulares que afastamento, áreas livres e espaços verdes; impõe determinados tipos de
conflitem com o interesse público ou prejudiquem o bem-estar social. Se material de construção; fixa mínimos de insolação, iluminação, aeração e
ultrapassarem esses lindes incorrerão em inconstitucionalidade ou abuso cubagem; estabelece zoneamento; prescreve sobre loteamento, arruamen-
de poder. to, habitações coletivas e formação de novas povoações; regula o sistema
As limitações urbanísticas, como as administrativas, embasam-se viário e os serviços públicos e de utilidade pública; ordena, enfim, a cida-
no art. 170, III, da CF, que condiciona a utilização da propriedade à sua de e todas as atividades das quais depende o bem-estar da comunidade.
função social. São, portanto, limitações de uso da propriedade, e não da Essa enumeração evidencia, desde logo, que as limitações urbanís-
propriedade em sua substância; são limitações ao exercício de direitos in- ticas confinam com as normas sanitárias e as regras de trânsito, uma vez
dividuais, e não aos direitos em si mesmos. E exatamente por não atingi- que todas elas confluem para o mesmo objetivo: o bem-estar da popula-
rem a substância da propriedade, nem afetarem o direito individual em sua ção. Diferenciam:'se, apenas, os meios de atuação. Enquanto o Urbanismo
essência constitucional, é que as limitações urbanísticas podem ser expres- ordena física e socialmente os espaços habitáveis e áreas adjacentes, as
sas por lei ou regulamento de qualquer das entidades estatais, desde que normas sanitárias impõem medidas higiênicas e profiláticas e as regras
observem e respeitem as competências institucionais de cada uma delas. de trânsito disciplinam a circulação nesses mesmos espaços, numa com-
Conquanto mais comuns sejam as limitações urbanísticas editadas plementação harmônica e recíproca, dado que todos esses preceitos ob-
em lei, nada obsta a que venham expressas em decreto ou qualquer outro jetivam a preservação dos mesmos bens humanos: a saúde, o sossego, a
ato administrativo adequado à situação a prover. Não se justifica, em nos- segurança física, o repouso espiritual; bens, estes, que, em seu conjunto,
sos dias, essa prevenção contra os regulamentos, desde que observem os geram conforto individual e bem-estar coletivo. Coexistem, assim, as nor-
limites de sua atuação e sua posição em face da lei. "Os juristas - escreve
Brugi - devem hoje abandonar certos preconceitos, e, embora conservan- 15. Biagio Brugi, Delta Proprietà, v. I, p. 165. No mesmo sentido: Meirelles
do-se guardas fiéis da lei, urge considerar que a Administração Pública de- Teixeira, Estudos de Direito Público, v. I, p. 253.
16. Alcides Greca, Régimen Legal ... , p. 126; Luiz Migone, Las Ciudades de los
Estados Unidos, "Prólogo", p. IX; Kingsley Davis e outros autores, Cidades -A Urba-
14. Alcides Greca, Régimen Legal de la Construcción, p. 36. nização da Humanidade, Rio de Janeiro, trad. Reznik, 1972.
530 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 531
mas sanitárias e as medidas de trânsito em simbiose com as imposições
1.4.1 Competência da União: diretrizes para
urbanísticas. Faltando umas, fenecem as outras, ou, pelo menos, perdem
o desenvolvimento urbano e normas gerais de Urbanismo
muito da sua eficiência.
Conceituada a natureza jurídica das limitações urbanísticas e fixados A Constituição da República de 1988, inovadoramente, referiu-se ao
seus objetivos, passemos a analisar a competência das entidades estatais Urbanismo, delimitando a competência das entidades estatais e reservan-
para editá-las e os limites de sua imposição. do à União a edição das normas gerais (art. 24, I, e § l Q ) e das diretrizes
para o desenvolvimento urbano (art. 21, XX).
Conhecendo-se o sistema de distribuição de poderes adotado pela
1.4 Competência estatal em assuntos urbanísticos
Constituição da República toma-se possível demarcar o que compete, em
Os assuntos urbanísticos são correlatos a todas as entidades estatais - matéri~ de Urban~smo, a cada uma das entidades estatais. É sabido que
União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios -, porque a todas no regime federativo cabem ao poder central - União - todos os assun-
elas interessa a ordenação físico-social do território nacional. E, dentro tos de interesse nacional, relegando-se às entidades menores - Estados-
dessa conjugação de interesses, a Constituição de 1988 pela primeira vez membros, Distrito Federal e Municípios, no caso brasileiro - tudo que for
fez referência expressa ao direito urbanístico, delimitando sua competên- de interesse regional e local. Daí o afirmarmos que competem à União o
cia legislativa e executiva. estabelecimento do Plano Nacional de Urbanismo e as imposições de nor-
mas gerais de Urbanismo que assegurem ao país a unidade de princípios
No tocante à competência legislativa, esta é concorrente, restrita à
essenciais à integração e ao desenvolvimento nacionais, dentro do regime
União, aos Estados e ao Distrito Federal (CF, art. 24, I), cabendo à União
federativo, mas que permitam a flexibilidade das normas de adaptação
a edição de normas gerais (art. 24, § l Q ) e aos Estados a competência dos Estados-membros e Municípios para atendimento das peculiaridades
suplementar sobre a matéria (art. 24, § 2Q ). Contudo, determina, ainda, regionais e locais, no uso de suas autonomias político-administrativas (CF,
o dispositivo constitucional que, inexistindo norma geral, a competência arts. 21, XX, 24 e §§, c/c arts. 25 e 30, VIII, e 182).
estadual é plena para legislar sobre Urbanismo, em atendimento às suas
peculiaridades, vigorando a lei estadual até a superveniência da norma 1.4.1.1 Diretrizes para o desenvolvimento urbano - Nos termos do
federal (art. 24, §§ 3Q-4Q). . art. 21, XX, da CF, compete à União "instituir diretrizes para o desenvolvi-
Dentro da competência executiva, cabe privativamente à União "insti- mento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urba-
tuir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, sanea- nos", através do Plano Nacional de Urbanismo, como sempre sustentamos
mento básico e transportes urbanos" (CF, art. 21, XX),17 permanecendo desde a 1ª edição desta obra. De fato, os problemas de desenvolvimento
competência executiva comum da União, dos Estados, do Distrito Federal urbano, trânsito, transporte e saúde pública de âmbito nacional entrosam-
e dos Municípios para "promover programas de constlUção de moradias se com seus correspondentes no plano estadual e municipal, principalmen-
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (CF, te no que conceme à ordenação dos espaços habitáveis - assunto tipica-
art. 23, IX). Mais especificamente em relação aos Municípios, possuem mente urbanístico. Diante dessa realidade, compete à União traçar o plano
estes competência para "promover, no que couber, adequado ordenamento geral de Urbanismo, ao qual irão ajustar-se os planos estaduais, que, por
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da sua vez, serão integrados pelos planos diretores municipais. Desse modo,
ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII). a planificação urbanística cobrirá todo o território nacional sem ofensa
à autonomia dos Estados-membros e Municípios, formand; um sistema
Fixados estes princípios constitucionais, tentaremos balizar a com- harmônico e funcional.
petência da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Mu-
nicípios em assuntos urbanísticos, analisando as disposições federais que 1.4.1.2 Normas gerais de Urbanismo - A Constituição da República
direta ou incidentemente versam a matéria. de 1988 - a primeira que se refere a Urbanismo - reservou expressamente
para a União a edição de normas gerais sobre a matéria (art. 24, I, e § l Q).
17. STJ, REsp 474.475-SP, 1ª Turma, reI. Min. Luiz Fux, j. 16.12.2003, DJU Caberia, pois, à União promulgar um Código Nacional de Urbanis-
25.2.2004, p. 102. mo, estabelecendo os lineamentos do Urbanismo brasileiro, fixando prin-
532 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 533

cípios científicos e diretrizes técnicas para a ação estadual e municipal. me Franciscone, após o exame de todos os subsídios apresentados pelos demais inte-
Foi o que fez ao editar a Lei 10.257/2001, o chamado "Estatuto da Cida- grantes da mesma comissão e técnicos de órgãos oficiais e de Prefeituras ouvidos nas
sucessivas reuniões para estudo e debate do assunto. Na Exposição de Motivos que
de". Lembramos que não cabe à União subordinar a atividade urbanística acompanhou o anteprojeto justificaram os Autores, pormenorizadamente, sua orien-
dos Estados-membros e Municípios às suas repartições administrativas, tação, abrangência e inovações urbanísticas de seu texto. A Lei de Desenvolvimento
como é muito do agrado do poder central. O que a Constituição Federal Urbano, como o anteprojeto a denominou, considerava como seus objetivos essenciais
atribui à União é a faculdade de legislar sobre normas gerais. Legislar é a melhoria da qualidade da vida urbana; a distribuição espacial dos contingentes popu-
editar regras gerais de conduta; não é intervir executivamente nas entida- lacionais; a integração dos sistemas urbanos nacional e regional; o condicionamento
do uso do solo e do direito de construir à função social da propriedade; a preservação
des federadas, impondo padrões estandardizados nos mínimos detalhes. O do meio ambiente e do patrimônio cultural, histórico, paisagístico, artístico e arqueoló-
que se reconhece à União é a possibilidade de estabelecer normas gerais gico. O anteprojeto indicava os meios de promoção do desenvolvimento urbano, esta-
de Urbanismo, vale dizer, imposições de caráter genérico e de aplicação belecia os princípios básicos para a urbanização, fixava os conceitos dessa atividade e
indiscriminada em todo o território nacional. Ultrapassando esses lindes a determinava que os planejamentos regionais e locais fossem compatibilizados com as
ação federal atentará contra a autonomia estadual e municipal e incorrerá diretrizes superiores e com o Plano Nacional, respeitando-se sempre as competências
em inconstitucionalidade. estaduais e municipais. Ao dispor sobre o regime urbanístico o anteprojeto acentuava
que a urbanização é atividade pública concorrente da União, dos Estados e dos Municí-
Até a edição da Lei 10.257, de 10.7.2001 (Estatuto da Cidade), a le- pios, cabendo ao governo federal editar diretrizes e normas de âmbito nacional e com-
gislação urbanística federal restringia-se a umas poucas disposições em petindo às entidades menores a legislação supletiva e complementar, para adaptação de
diplomas versantes sobre assuntos conexos, tais como o que rege o lotea- seus preceitos às peculiaridades regionais e locais, mantendo-se, assim, as autonomias
mento urbano e o tombamento em geral, que serão vistos mais adiante. das unidades federadas e de seus Municípios, dentro dos princípios uniformes de uma
Faltava-nos uma lei federal orgânica e sistemática, abrangente de todos Federação solidária. Em capítulo autônomo o anteprojeto tratou dos instrumentos de
atuação a serem utilizados pelos executores da política urbana e, ao cuidar do direito de
os assuntos urbanísticos, um Código de Urbanismo, ou uma Lei Geral de construir, reformulou-o, diante do preceito constitucional da função social da proprie-
Urbanismo, como já possuem os países mais adiantados no assunto. 18 dade, introduzindo o moderno conceito do solo criado, para possibilitar a regulação
Essas normas foram inicialmente estudadas pela antiga Comissão Na- do adensamento populacional segundo as conveniências de cada zona da área urbana,
cional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana - CNPU (substituída estabelecendo que o proprietário terá o direito de construir em seu terreno, no máximo,
área equivalente à do lote e que, no solo em que houver conveniência de maior aden-
pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Urbano - CNDU, criada samento populacional, a lei municipal poderá permitir construção de área excedente,
pelo Decreto 85.355, de 20.4.1979), que apresentou ao ministro do plane- mediante licença especial e remunerada da Prefeitura.
jamento o anteprojeto da futura Lei de Desenvolvimento Urbano, contendo Em 1983 o presidente da República enviou ao Congresso projeto de lei sobre os
as nonnas gerais de Urbanismo e providências correlatas, para apreciação objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano (projeto de Lei 775, de 1983), cuja
do governo e oportuno encaminhamento ao Congresso Nacional. 19 constitucionalidade foi examinada pelo Autor e pelo professor Miguel Reale, com os
pareceres publicados na Revista do Serviço Público 111, n. 1. Esse projeto sofreu inú-
meras emendas e acabou sendo objeto de substitutivo do deputado Bonifácio de An-
18. Os códigos de Urbanismo e as leis gerais de Urbanismo, hoje em dia, fazem
parte da legislação dos países mais adiantados: a França tem o Código Geral de Ur- drade. Depois da Constituição de 1988 vários projetos foram apresentados, cumprindo
banismo c da Habitação, instituído pela Lei 199, de 23.5.1948, posto em atuação pelo destacar o do senador Pompeu de Souza (Projeto de Lei 5.788, de 1990), denominado
Decreto 299, de 26.7.1954; a Bélgica tem a lei geral concernant l'urbanisation, de "Estatuto da Cidade", que veio a se converter na Lei federal 10.257, de 10.7.2001,
2.12.1946; a Espanha tem a lei geral "sobre o regime do solo e ordenamento urbano", regulamentando os arts. 182 e 183 da CF, estabelecendo diretrizes gerais da política
de 12.5.1956, dispondo sobre a planificação urbana e rural, bem como sobre o plano urbana e dando outras providências (DOU 11.7.2001, Seção I, p. 1) e que utilizou
nacional e planos regionais, provinciais e metropolitanos; a Itália tem a Lei Urbanística muitas das sugestões do anteprojeto elaborado pelo Autor juntamente com Eurico de
nacional 1.150, de 17.8.1942, modificada pela Lei 1.357, de 21.12.1955, que dispõe Andrade Azevedo.
sobre o plano regulador geral, planos regionais e planos comunais, além da Lei 1.947, As disposições referentes ao solo criado foram baseadas nos estudos dos técnicos
de 26.6.1939, sobre a proteção das belezas naturais e panorâmicas, e a Lei 1.089, de do Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal- CEPAM, da Secreta-
1.6.1898, sobre a tutela das coisas de interesse artístico e histórico; a Inglaterra tem o ria do Interior de São Paulo, Antônio Cláudio Moreira Lima e Moreira, Clementina De
Town and Country Planning Acts, de 1947, que modernizou a orientação urbanística Arnbrosis, Dalmo do Valle Nogueira Filho e Domingos Theodoro de Azevedo Netto,
anterior, constituindo-se em modelo para as leis de outras nações; o Uruguai tem a Ley que, em, trabalho pioneiro intitulado O Solo Criado, publicado em setembro de 1975,
de Formación de Centros Poblados, de 25.10.1946, feita sob a orientação do Instituto expuseram as caracteristicas e as vantagens desse instrumento para o controle do uso
de Teoría de la Arquitetura y Urbanismo, de Montevidéu. do solo urbano, que na mesma época estava sendo discutido para introdução na legis-
19. Esse anteprojeto de lei foi elaborado pelo Autor e pelo professor Eurico de lação urbanística francesa, através do projeto do deputado Robert GaIley, convertido
Andrade Azevedo, sob orientação do Secretário da CNPU, urbanista Jorge Guilher- na Lei 75-1.328, de 31.12.1975. A esse trabalho seguiu-se um seminário do CEPAM,
·,····
,"

534 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO , IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 535

r·····
Dentre as normas gerais de competência da União destacamos as do e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento;
Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10.7.2001), que, por sua importância, 111 - cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais seto-
examinaremos em tópico específico a seguir. r
~.
res da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interes-
se social; IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distri-

'I~.:
buição espacial da população e das atividades econômicas do Município
1.4.2 Estatuto da Cidade e do território sob sua área de influência de modo a evitar e corrigir as
No uso de sua competência constitucional, o presidente da República distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
sancionou a Lei 10.257, de 10.7.2001, regulamentando os arts. 182-183 ., ambiente; V - oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte
da CF. O Estatuto da Cidade, como se denomina a Lei 10.257, de 2001 ..: e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da popula-
(parágrafo único do art. 1º), entrou em vigor 90 dias após sua publicação, ~ ção e às características locais; VI - ordenação e controle do uso do solo,
~ de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a
que se deu no DOUde 11.7.2001.
~ proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento
Essa lei estabelece diretrizes gerais para a execução da política ur-
do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à
bana, através de normas de ordem pública e interesse social, regulando
infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades
o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do
que possam funcionar como pólos geradores de tráfego sem a previsão da
bem-estar dos cidadãos e, ainda, objetivando o equilíbrio ambiental (art.
infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel ur-
1º, parágrafo único). Fixa como diretrizes gerais para o desenvolvimento
bano que resulte na sua subutilização ou não-utilização; f) a deterioração
das funções sociais da cidade (habitação, trabalho, circulação e recrea-
das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; VII - in-
ção) e da propriedade urbana: I - garantia do direito a cidades sustentá-
tegração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo
veis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, t em vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município e do territó-
rio sob sua área de influência; VIII - adoção de padrões de produção e

I
ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; 11 - gestão de-
consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os
mocrática, por meio da participação da população e de associações repre-
limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e
sentativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução do território sob sua área de influência; IX - justa distribuição dos bene-
ficios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X - adequação dos
em duas fases, destinado ao estudo do solo criado, realizando-se a primeira em junho
instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos
de 1976, em São Sebastião/SP, com a apresentação de dois novos estudos (Eros Ro-
berto Grau, Aspectos Jurídicos do Solo Criado, e Maria de Lourdes Cesarino Costa, O públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar
Solo Criado como Instrumento de Eqüidade) e recomendação de "introdução do novo os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pe-
instrumento de regulamentação do uso e ocupação do solo urbano apoiado na figura los diferentes segmentos sociais; XI - recuperação dos investimentos do
da transferência do direito de construir"; a segunda fase desse seminário realizou-se Poder Público de' que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;
em EmbulSP, em dezembro, de 1976, com a presença de técnicos do CEPAM e juristas
de fora, dentre os quais Seabra Fagundes, Eurico de Andrade Azevedo, José Afonso
da Silva e Celso Antônio Bandeira de MeIlo, que subscreveram a denominada Carta
.. XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e ar-
do Embu, com as seguintes principais conclusões: "1. É constitucional a fixação, pelo queológico; XIII - audiência do Poder Público Municipal e da população
Município, de um coeficiente único de edificação para todos os terrenos urbanos; 1.1 A interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou ativida-
fixação desse coeficiente não interfere com a competência municipal para estabelecer des com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural
índices diversos de utilização dos terrenos, tal como já se faz, mediante legislação de ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV - regulariza-
zoneamento; 1.2 Toda edificação acima do coeficiente único é considerada solo criado,
quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolos". Na linha desses estudos, ção fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa ren-
o então prefeito da Capital de São Paulo, Olavo Egydio Setúbal, encampou a idéia dO da mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
solo criado em exposição sob o título Uma Política para a Utilização do Solo Urbano, ocupação do solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica
feita ao XX Congresso Estadual de Municípios, realizado no Guarujá, em março de da população e as normas ambientais; XV - simplificação da legislação de
1976, e determinou estudos para sua adoção na Capital de São Paulo. parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas
A respeito da matéria, v. José Afonso da Silva, Direito Urbanístico ... , 5ª ed.,
2008, pp. 259 e ss.
a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades
536 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 537

habitacionais; XVI - isonomia de condições para os agentes públicos e o estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) como instrumentos gerais
privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao pro- da política urbana. Tais instrumentos reger-se-ão pela legislação que lhes
cesso de urbanização, atendido o interesse social (art. 2º). é própria, observado o que dispõe o Estatuto da Cidade. Nos programas
O Estatuto da Cidade, dentre as diretrizes gerais, prevê ainda a com- e projetos habitacionais de interesse social desenvolvidos por órgãos ou
petência da União para legislar sobre normas gerais de direito urbanístico entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área a
(CF, arts. 24, I, e § 1º, e 21, XX); sobre normas para a cooperação entre a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política coletivamente. Os instrumentos que demandam dispêndio de recursos por
urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em parte do Poder Público Municipal devem ser objeto de controle social,
âmbito nacional. Compete, ainda, à União promover, por iniciativa própria garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da so-
e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, progra- ciedade civil.
mas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e
de saneamento básico; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, 1.4.2.2 Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios - O
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; elaborar e Estatuto da Cidade estabelece, ainda, no que tange aos instrumentos de
executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de de- política urbana, que lei municipal específica para área incluída no plano
senvolvimento econômico e social. diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização
compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,
1.4.2.1 Instntmentos da política urbana-No Capítulo II o Estatuto da devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida
Cidade indica alguns dos instrumentos a serem utilizados no desenvolvi- obrigação (art. 5º).
mento da política urbana: planos nacionais, regionais e estaduais de orde- A Lei 10.257, de 2001, considera subutilizado o imóvel cujo aprovei-
nação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejamen- tamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legisla-
to das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. ção dele decorrente. No caso de subutilização o proprietário será notifi-
Quanto ao planejamento municipal o Estatuto prevê os seguintes ins- cado pelo Poder Executivo Municipal para o cumprimento da obrigação,
trumentos: plano diretor; disciplina do parcelamento, uso e ocupação do devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
solo; zoneamento ambiental; plano plurianual; diretrizes orçamentárias e Essa notificação será feita por funcionário do órgão competente do Poder
orçamento anual; gestão orçamentária participativa; planos, programas e Público Municipal ao proprietário do imóvel ou, no caso de pessoa jurí-
projetos setoriais; planos de desenvolvimento econômico e social. Impos- dica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração. Quando
to sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), contribuição frustrada por três vezes a tentativa de notificação, na forma indicada, a no-
de melhoria e incentivos e beneficios fiscais e financeiros são institutos tificação será feita por edital. Os prazos estabelecidos para a regularização
tributários e financeiros previstos no Estatuto (art. 4º, IV). Como institutos compulsória do uso do imóvel não poderão ser inferiores a um ano, a partir
jurídicos e políticos estão previstos a desapropriação, a servidão admi- da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal
nistrativa, as limitações administrativas, o tombamento de imóveis ou de competente, e a dois anos, a partir da aprovação do projeto, para o início
mobiliário urbano, a instituição de unidades de conservação, a instituição das obras do empreendimento. Quando se tratar de empreendimentos de
de zonas especiais de interesse social, a concessão de direito real de uso, grande porte a lei municipal específica, em caráter excepcional, poderá
a concessão de uso especial para fins de moradia, o parcelamento, edifica- prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado
ção ou utilização compulsórios, o usucapião especial de imóvel urbano, o compreenda o empreendimento como um todo. A transmissão do imóvel
direito de superficie; o direito de preempção; a outorga onerosa do direito por ato inter vivos ou causa mortis posterior à data da notificação transfere
de construir e de alteração de uso; a transferência do direito de construir; as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização, sem interrupção
as operações urbanas consorciadas, a regularização fundiária; a assistência de quaisquer prazos.
técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos
favorecidos; o referendo popular e o plebiscito. Finalmente, o art. 4º, VI, 1.4.2.3 IPTU progressivo no tempo - Se forem descumpridas as con-
do Estatuto em exame prevê o estudo prévio de impacto ambiental (ElA) e dições e os prazos previstos em lei municipal específica sobre o parcela-
538 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
-r
i
'.c
-----

IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 539

mento, edificação ou utilização compulsórios, ou não sendo cumpri~a~ ~s sua área ou edificação urbana de até 250m2, por cinco anos, ininterrup-
etapas previstas para os empreendimentos de ~rande port~, o MU~iCI~lO tamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
procederá à aplicação do imposto sobre a pr?pnedade l!redzc:l e terr~torzal adquirir-Ihe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbana (IPTU) progressivo no tempo, medIante a majoraçao da ahq~ota urbano ou rural. O título de domínio será conferido ao homem ou à mu-
pelo prazo de cinco anos consec.utivos: ? valor ~a alíquot~ a ser aph~a­ lher, ou a ambos, independentemente do estado civil. Esse direito não será
da a cada ano será fixado na lei mumc~pal pertl~ente e ~ao exce~e~a a reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Para os efeitos desse
duas vezes o valor referente ao ano antenor, respeItada a ahquota maxI~a dispositivo legal o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de
de 15%. Se a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não for at~ndIda seu antecessor desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da
em cinco anos o Município manterá a cobrança do lPTU ~rogres~Ivo ~o sucessão.
tempo pela alíquota máxima até que seja cumprida refenda o~ngaçao, Dispõe, ainda, aLei 10.257, de200l, que as áreas urbanas com mais de
garantida a prerrogativa da desapropriação com p~gamento en: tItulos d~ 250m2 ocupadas por população de baixa renda para sua moradia por cinco
dívida pública, prevista no art. 8º do Estatuto d~ Cld~de. RelatIv~~ente a anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar
tributação progressiva é vedada a concessão de Isençoes ou de anIstIa (art. os terrenos ocupados por cada possuidor são suscetíveis de ser usucapidas
7º, § 3º). coletivamente desde que os possuidores não sejam proprietários de outro
imóvel urbano ou rural. Neste caso o possuidor pode, para a contagem do
1.4.2.4 Desapropriação com pagamento em títulos - De~or:n?-os cin-
prazo exigido, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que am-
co anos de cobrança do lPTU progressivo sem que o propnetano tenh.a
bas sejam contínuas. A prescrição aquisitiva especial coletiva de imóvel
cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização o MUnI-
urbano será declarada pelo juiz mediante sentença, a qual servirá de título
cípio poderá proceder à desapropriação do ir;z~vel, com f!agamento em
para registro no cartório de registro de imóveis. Na sentença o juiz atribui-
títulos da dívida pública. Esses títulos terão previa aprovaçao pelo Sena~o
rá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da
Federal e serão resgatados no prazo de até 10 anos, em prestações an.uals,
iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito
leo-ais de 6% ao ano. O valor real da indenização refletirá o valor da base entre os condôminos estabelecendo frações ideais diferenciadas. O con-
deI:> cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em fu~ção ~e domínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extin-
obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se locahza apos ção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
a notificação de que trata o § 2º do art. 5º da Lei 10.2?7, de 2001, e n~o condôminos no caso de execução de urbanização posterior à constituição
computará expectativas de ganhos, lucros cessa~t~s e juros compensato- do condomínio. As deliberações relativas à administração do condomínio
rios. Os títulos de que se cuida não podem ser utlhzado~ para pagam.en~o especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes,
de tributos. O Município procederá ao adequado aproveItamento .do Imo- obrigando também os demais, discordantes ou ausentes. Na pendência da
veI desapropriado no prazo máximo de cinco anos, contado a pa~lr de su~ ação de usucapião especial urbano ficarão sobrestadas quaisquer outras
incorporação ao patrimônio público. Se não o fize~ o prefeito Incorrera ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamen-
em improbidade administrativa, nos termos da ~el 8.429, de 2.?1992, te ao imóvel usucapiendo (art. 11). São partes legítimas para a propositura
conforme estabelece o art. 52, lI, do Estatuto da CIdade. O aproveIta~en­ da ação de usucapião especial urbano: I - o possuidor, isoladamente ou em
to poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por melO ~e litisconsórcio originário ou superveniente; II - os possuidores, em estado
alienação ou concessão a terceiros, nestes casos observ~ndo-se ~ d~VI­ de composse; III - como substituto processual, a associação de morado-
do procedimento licitatório. Ficam mantidas para o adqUIrent~ de lt~ovel res da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica,
nestas condições as mesmas obrigações de parcelamento, edIficaçao ou desde que explicitamente autorizada pelos representados. Nos termos do
utilização previstas no art. 5º do Estatuto da Cidade. § 1º do art. 12, é obrigatória a intervenção do Ministério Público na ação
de usucapião especial urbano. O autor terá os beneficios da justiça e da
1.4.2.5 Usucapião especial de imóvel urbano - O art. 9º do Estatuto assistência judiciária gratuitas, inclusive perante o cartório de registro de
da Cidade (Lei 10.257, de 2001) e seus §§ 1º-2º reproduzem o q~e esta- imóveis (art. 12, § 2º). Finalmente, a prescrição aquisitiva de imóvel urba-
belecem o art. 183 e §§ 1º-2º da CF - ou seja, aquele que pOSSUIr como no poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a
540 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 541

reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis, e reito de superfície o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão
o rito processual é o sumário (arts. 13-14). direto de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.
O direito de superfície extingue-se pelo advento do termo e/ou pelo
1.4.2.6 Concessão de uso especial para fins de moradia - Os arts. descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.
15-20 da Lei 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade), estabeleciam a dis- Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio
ciplina da concessão de uso especial para fins de moradia em áreas pú- do terreno bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel,
blicas. Contudo, tais dispositivos foram vetados pelo presidente da Re- independentemente de indenização, se as partes não houverem estipula-
pública por ocasião da sanção do diploma legal em exame. Como razões do o contrário no respectivo contrato. Antes do termo final do contrato
do veto foram invocadas imprecisões do projeto que ocasionariam riscos extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno des-
à aplicação desse instrumento inovador. Mas, editando a MP 2.220, de tinação diversa daquela para a qual foi concedido. A extinção do direito de
4.9.2001, o Poder Executivo estabeleceu disposições sobre a concessão de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.
uso especial de imóvel público, conferindo-a a todo aquele que, até 30 de
junho 4e 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem 1.4.2.8 Direito de preempção - Preempção, na terminologia jurídica,
oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público significa a preferência na compra de determinada coisa, conforme cláu-
situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, sula anteriormente ajustada ou em virtude de determinação legal. No caso
desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano em exame, o art. 25 da Lei 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade), esta-
ou rural (art. 1º). A limitação da posse ao tempo decorrido até a data fixada belece que o direito de preempção confere ao Poder Público Municipal
visou coibir novas ocupações irregulares de bens públicos. preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa
entre particulares. E tal direito será exercido sempre que o Poder Público
1.4.2.7 Direito de sllperficie - Consiste na utilização do solo, subso- necessitar de áreas para: I - regularização fundiária; II - execução de pro-
lo ou espaço aéreo relativo ao terreno na forma estabelecida no contrato gramas e projetos habitacionais de interesse social; III - constituição de
respectivo, atendida a legislação urbanística. Em princípio a superfície reserva fundiária; IV - ordenamento e direcionamento da expansão urba-
pertence ao proprietário do solo, de acordo com a mesma regra que o faz na; V - implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI - cria-
proprietário do solo. Mas, instituído como um direito real, que se destaca ção de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII - criação de unida-
do direito de propriedade sobre o solo, o direito de supeificie pode ser des de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
atribuído a quem não seja o proprietário do terreno. VIII - proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico
O Estatuto da Cidade, no art. 21, estabelece que o proprietário urbano (art. 26, I-VIII).
pode conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tem- Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que
po detenninado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a
no cartório de registro de imóveis. A concessão do direito de superfície cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de
pode ser gratuita ou onerosa. O superficiário é o proprietário dos edifícios, vigência, para o exercício da preempção, independentemente do número
plantações, canais e de outras obras feitas à sua custa na superfície cedida de alienações referentes ao mesmo imóvel (art. 25, §§ 1º-2º). Referida lei
pelo proprietário, seja a título precário ou a qualquer outro título. O super- municipal deverá também enquadrar cada área em que incidirá o direito
ficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem de preempção em uma ou mais das finalidades enumeradas nos incisos do
sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua art. 26.
parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto Prevê, ainda, o Estatuto da Cidade que o proprietário notificará sua
da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do intenção de alienar o imóvel para que o Município, no prazo máximo de
contrato respectivo. 30 dias, manifeste, por escrito, seu interesse em comprá-lo. À mencionada
O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os notificação será anexada proposta de compra assinada por terceiro inte-
termos do contrato respectivo, e por morte do superficiário seus direitos ressado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço, condições de
transmitem-se a seus herdeiros. Em caso de alienação do terreno ou do di- pagamento e prazo de validade. O Município publicará, em órgão oficial e
542 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 543

em pelo menos umjomallocal ou regional de grande circulação, edital de existente e o aumento de densidade esperado em cada área (§§ 1º-3º do
aviso da notificação recebida para exercício do direito de preferência e da :'" ...
art. 28). Ao plano diretor incumbe também fixar áreas nas quais poderá ser
intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada. pennitida alteração do uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada
Transcorrido o prazo legalmente estabelecido sem manifestação, fica o pelo beneficiário.
proprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições
Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observa-
da proposta apresentada. Concretizada a venda a terceiro o proprietário
das para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso,
fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo de 30 dias, cópia do
detenninando a fórmula de cálculo para a cobrança, os casos passíveis
instrumento público de alienação do imóvel, sendo nula de pleno direito
a alienação processada em condições diversas da proposta apresentada. A de isenção do pagamento da outorga, a contrapartida do beneficiário. Os
recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de cons-
nulidade da alienação acarreta como conseqüência a aquisição do imóvel
truir e da alteração de uso serão aplicados nas finalidades elencadas nos
pelo Município ao valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indica-
incisos I-VIII do art. 26 do Estatuto da Cidade, quais sejam: regularização
do na proposta apresentada, se este for inferior àquele.
fundiária; execução de programas e projetos habitacionais de interesse so-
Observamos, neste passo, que o Poder Público Municipal deve aten- cial; constituição de reserva fundiária; ordenamento e direcionamento da
der às g-arantias constitucionais previstas no art. 5º, especialmente nos in- expansão urbana; implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
cisos LIV-LV, segundo os quais ninguém será privado de seus bens sem o criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; criação de unidades de
devido processo legal, bem como aos litigantes, em processo administra- conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; proteção
tivo ou judicial, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico. A aplicação dos
meios e recursos a ela inerentes. Vale dizer: a lei municipal referida no Es- recursos obtidos com a outorga onerosa do direito de construir em desa-
tatuto da Cidade deverá disciplinar a oitiva do proprietário do imóvel, bem .~
cordo com o previsto no art. 31 do Estatuto da Cidade sujeitará o prefeito
como garantir-lhe o contraditório e a ampla defesa, constitucionalmente a responder por improbidade administrativa (Lei 8.429, de 1992), sem
previstos, antes de lhe aplicar qualquer tipo de penalidade. prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação
Por outro lado, se o Município utilizar áreas obtidas por meio do di- de outras sanções cabíveis (Lei 10.257, de 2001, art. 52, IV).
reito de preempção em desacordo com o disposto nos incisos do art. 26 da
Lei 10.257, de 2001, sem prejuízo da punição de outros agentes públicos 1.4.2.10 Operações urbanas consorciadas - O Estatuto da Cidade
envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o prefeito incorrerá considera operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e me-
em improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429, de 2.6.1992, de didas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação de
acordo com o inciso IH do art. 52 do Estatuto da Cidade. Nas mesmas res- proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados,
ponsabilidades incorrerão o prefeito e outros agentes públicos envolvidos com o objetivo de alcançar em uma determinada área transformações ur-
se a aquisição de imóvel objeto de direito de preempção for feita por valor banísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental (§ 1º do
comprovadamente superior ao de mercado (art. 52, VIII). art. 32). A lei municipal específica deverá ter sua base no plano diretor, que
delimitará a área destinada à aplicação de operações consorciadas. A lei
1.4.2.9 Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso ···.··1
·'f municipal poderá prever, dentre outras medidas, a modificação de índices
- É o exercício do direito de construir acima do coeficiente de aproveita- e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem
mento básico adotado, segundo dispuser o plano diretor em determinadas como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental
áreas, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (Lei 10.257, delas decorrentes; a regularização de construções, reformas ou ampliações
de 2001, art. 28). O Estatuto da Cidade considera coeficiente d~ aprovei- executadas em desacordo com a legislação vigente. Da lei específica que
tamento a relação entre a área edificável e a área do terreno. E o plano aprovar a operação urbana consorciada deverá constar o plano de ope-
diretor que vai fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda ração urbana consorciada, contendo, no mínimo: definição da área a ser
a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urba- atingida; programa básico de ocupação da área; programa de atendimento
na, definindo os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de econômico e social para a população diretamente afetada pela operação;
aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura finalidades da operação; estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV);
544 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 545

contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e in- programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por
vestidores privados em função da utilização dos benefícios previstos (mo- população de baixa renda e habitação de interesse social. A mesma facul-
dificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do dade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu
solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o imóvel, ou parte dele, para os fins acima elencados. Cabe à lei municipal
impacto ambiental delas decorrente; regularização de construções, refor- estabelecer as condições relativas à aplicação da transferência do direito
mas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente); de construir.
forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com re-
presentantes da sociedade civil. 1.4.2.12 Estudo de impacto de vizinhança - Compete à lei municipal
Os recursos obtidos pelo Poder Público Municipal em razão da con- definir os empreendimentos e atividades privados ou públicos, em área
trapartida exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores urbana, que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vi-
privados, previstos no inciso VI do art. 33 da Lei 10.257, de 2001, serão zinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, am-
aplicados exclusivamente na própria operação urbana consorciada. A apli- pliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal. O EIV será
cação desses recursos em desacordo com o previsto no § 1º do art. 33 su- executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empre-
jeitará o prefeito a responder por improbidade administrativa (Lei 8.429, endimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente
de 1992), sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, dos itens
da aplicação de outras sanções cabíveis (Lei 10.257, de 2001, art. 52, V). seguintes: adensamento populacional; equipamentos urbanos e comunitá-
A partir da aprovação da lei específica disciplinando a operação ur- rios; uso e ocupação do solo; valorização imobiliária; geração de tráfego e
bana consorciada são nulas as licenças e autorizações a cargo do Poder demanda por transporte público; ventilação e iluminação; paisagem urbana
Público Municipal expedidas em desacordo com o plano de operação ur- e patrimônio natural e cultural. O Estatuto da Cidade prevê a publicidade
bana consorciada. dos documentos que integram o EIV, que deverão ficar disponíveis para
consulta, por qualquer interessado, no órgão competente do Poder Público
A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá
Municipal. O EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo pré-
prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certifica-
vio de impacto ambiental (ElA), nos termos da legislação ambiental.
dos de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão
ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria
1.4.2.13 Gestão democrática da cidade - Para garantir a gestão de-
operação. Os certificados de potencial adicional de construção serão livre-
mocrática da cidade, a Lei 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade), prevê a
mente negociados mas conversíveis em direito de construir unicamente
utilização dos seguintes instrumentos: órgãos colegiados de política urba-
na área objeto da operação. Apresentado pedido de licença para construir,
na nacionais, estaduais e municipais; debates, audiências e consultas pú-
o certificado de potencial adicional será utilizado no pagamento da área
blicas; conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacio-
de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso
nal, estadual e municipal; iniciativa popular de projeto de lei e de planos,
e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a
programas e projetos de desenvolvimento urbano. Estabelece, ainda, o art.
operação urbana consorciada.
44 do Estatuto em exame que no âmbito municipal a gestão orçamentária
1.4.2.11 Transferência do direito de construir - O art. 35 da Lei participativa prevista no art. 4º, lI, do mesmo diploma legal incluirá a rea-
10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade), faculta à lei municipal, baseada lização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do
no plano diretor, autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual
público, a exercer em outro local ou alienar, mediante escritura pública, o como condição obrigatória de sua aprovação pela Câmara Municipal. O
direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística ~. ~4, entretanto, a nosso ver, repete desnecessariamente o que a respeito
dele decorrente quando referido imóvel for considerado necessário para Já dIspõe de forma enfática a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Comple-
fins de: implantação de equipamentos urbanos e comunitários; preserva- mentar 101, de 4.5.2000, art. 48 e seu parágrafo único).
ção, quando se tratar de imóvel considerado de interesse histórico, am- O Estatuto da Cidade consigna, finalmente, no que tange à gestão
biental, paisagístico, social ou cultural; e, ainda, quando o imóvel servir a democrática, que os organismos gestores das regiões metropolitanas e
54:J DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 547

aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação tor aprovado na data de entrada em vigor do Estatuto da Cidade deverão
da população e de associações representativas dos vários segmentos da aprová-lo no prazo de 5 anos.
comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da
pleno exercício da cidadania (art. 45). apli~a?ão d.e outras sanções cabíveis, o prefeito incorre em improbidade
Para tomar efetiva a gestão democrática e transparente que estabele- adm~nI~traÍlva, nos termos da Lei 8.429, de 2.6.1992, nos casos previstos

ce, o Estatuto da Cidade determina que o prefeito que impedir ou deixar noS mClSOS lI-VIII do art. 52 do Estatuto da Cidade, o que melhor exami-
de garantir quaisquer dos requisitos contidos nos incisos I-IlI do § 4º do naremos adiante, no Capítulo XII, para o qual remetemos o leitor.
art. 40 do mesmo diploma legal se sujeitará a responder por improbidade
administrativa, nos termos da Lei 8.429, de 1992, sem prejuízo da punição 1.4.3 Competência dos Estados-membros e do Distrito Federal:
de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções plano estadual e normas regionais de Urbanismo
cabíveis (art. 52, VI). A competência dos Estados-membros e do Distrito Federal em ma-
O Estatuto da Cidade prevê, ainda, nas disposições gerais, que nos ca- téria de Urbanismo defIui do art. 24, I, da CF, concorrentemente com a
sos de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano União, permanecendo com esta a edição de normas gerais e com aqueles
não edificado, subutilizado ou não utilizado o Poder Público poderá facul- a de normas suplementares (art. 24, § 2º). Daí caber aos Estados-membros
tar a proprietário de área atingida, a requerimento dele, o estabelecimento organizar o plano estadual de Urbanismo e editar as normas urbanísticas
de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do apro- regionais, adequadas ao seu território, observados os princípios federati-
veitamento do imóvel. Para tanto, considera consórcio imobiliário a forma vos de repartição e limites de atribuições das quatro esferas estatais.
de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual
Incidindo na mesma falha das Constituições Federais anteriores as
Cartas. Estad~ai~ também omitiam, em sua maioria, referência expres~a a
o proprietário transfere ao Poder Público Municipal seu imóvel e, após a
realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias de-
UrbanIsmo, hmttando-se algumas delas a repetir os preceitos federais so-
vidamente urbanizadas ou edificadas. O valor das unidades imobiliárias a
bre .pr,o~eção paisagística, histórica ou monumental. Por igual, a legislação
serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel
ordmana estadual é parca a respeito de Urbanismo. Ao que sabemos, ne-
antes da execução das obras, observado o disposto no § 2º do art. 8º.
nhum Estado Brasileiro organizou até hoje seu plano e sua lei urbanística
Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social orgânica e sistemática, de modo a dar diretrizes e a permitir aos seus Mu~
desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com nicípios a conjugação de seus planos diretores locais ao sistema estadual.
atuação específica nessa área, os contratos de concessão de direito real Resul:a daí a ~usê~cia total de integração dos planos diretores municipais,
de uso de imóveis públicos terão, para todos os fins de direito, caráter que ~ao surgmdo Isolada e esparsamente, quando é hoje pacífico que a
de escritura pública, não se aplicando o disposto no art. 108 do CC de plamficação urbanística deve ser feita a vasto raggio, interligando-se os
2002. Além disso, constituirão título de aceitação obrigatória em garantia p~anos meno:-es a~s mai?res, até se ~b~er a funcionalidade orgânica pre-
de contratos de financiamentos habitacionais. VIsta na plalllficaçao naCIOnal. Na fehz imagem do professor Marconi: "il
Aos Municípios foi concedido o prazo de 90 dias, a partir da entrada concetto. d~ una pianificazione a struttura piramidale, della quale i piani
em vigor do Estatuto da Cidade, para fixar, por lei, prazos para a expedi- comunah SI. troverebbero alla base, articolati successivamente in piani in-
ção de diretrizes de empreendimentos urbanísticos, aprovação de projetos tercomunah, forse provinciali, regionali, fino aI piano nazionale posto aI
de parcelamento e de edificação, realização de vistorias e expedição de vertice".20
termo de verificação e conclusão de obras, conforme o art. 49. O parágrafo Oportuna, portanto, foi a edição da Lei 10.257, de 2001, denominada
único desse dispositivo estabelece o prazo de 60 dias para a realização de de 1f~tatuto da Cidade, estabelecendo diretrizes gerais para a execução da
cada um dos referidos atos administrativos - prazo, esse, que valerá até pohtlCa urbana, em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
que os Municípios disponham em lei de forma diversa.
Os Municípios com mais de 20 mil habitantes ou integrantes de re- .. 20. "~a ~ianificaz.ione regionale, intercomunale e comunale", in Urbanistico,
giões metropolitanas e aglomerações urbanas que não tenham plano dire- Rlvlsta del/lstltuto NazlOnale di Urbanistica 21/128.
548 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANlSMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 549

cidadãos, assunto que jamais poderia ser eficientemente provido pela ação Com esses instrumentos urbanísticos, de caráter nonnativo e executi-
restrita e isolada de cada Município. vo, o Município está habilitado a ordenar fisica e socialmente seu territó-
rio, através do plano diretor, e a regular o uso e a ocupação do solo urbano,
1.4.4 Competência dos Municípios: bem como a execução de construções, a instalação de equipamentos e o
plano diretor e ordenamento urbano exercício de atividades que afetem a vida e o bem-estar da comunidade
urbana. Sua ação urbanística é plena na área urbana e restrita na área rural,
A competência dos Municípios em assuntos de Urbanismo é ampla e pois que o ordenamento desta, para suas funções agrícolas, pecuárias e
decorre do preceito constitucional que lhes assegura autonomia para legis- extrativas, compete à União, só sendo lícito ao Município intervir na zona
lar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I), promover, no que couber, rural para coibir empreendimentos ou condutas prejudiciais à coletividade
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do urbana ou para preservar ambientes naturais de interesse público local.
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII), e, ain- Feitas as considerações de ordem geral sobre a competência das en-
da, executar a política de desenvolvimento urbano, de acordo com as di-
tidades estatais em assuntos urbanísticos, vejamos ponnenorizadamente a
retrizes fixadas pela União (art. 182), bem como suplementar a legislação atuação do Município nos setores de sua alçada, que se resumem no plano
federál e a estadual no âmbito de sua competência (art. 30, lI). Visando o
diretor e no ordenamento urbano, aquele abrangente de todo o território
Urbanismo, precipuamente, à ordenação espacial e à regulação das ativi-
municipal e este restrito ao perímetro da cidade e às áreas urbanizáveis ou
dades humanas que entendem com as quatro funções sociais - habitação,
de proteção ambiental.
trabalho, recreação, circulação -, é óbvio que cabe ao Município editar
nonnas de atuação urbanística para seu território, especialmente para a Toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua fonnação; a
cidade, provendo concretamente todos os assuntos que se relacionem com cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação.
o uso do solo urbano, as construções, os equipamentos e as atividades que Mas não só o perímetro urbano exige planejamento, como também as áreas
nele se realizam, e dos quais dependem a vida e o bem-estar da comuni- de expansão urbana e seus arredores, para que a cidade não venha a ser
dadelocal. prejudicada no seu desenvolvimento e na sua funcionalidade pelos futuros
núcleos urbanos que tendem a se fonnar em sua periferia. 22
As atribuições municipais no campo urbanístico desdobram-se em
dois setores distintos: o da ordenação espacial, que se consubstancia no
plano diretor e nas normas de uso, parcelamento e ocupação do solo ur- 2. Plano diretor do Município
bano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a compo-
sição estética e paisagística da cidade; e o de controle da construção, in- 2.1 Conceito e objetivos
cidindo sobre o traçado urbano, os equipamentos sociais, até a edificação O plano diretor ou plano diretor de desenvolvimento integrado,23
particular nos seus requisitos estruhlrais funcionais e estéticos, expressos como modemamente se diz, é o complexo de nonnas legais e diretrizes
no código de obras e nonnas complementares. técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os
A competência do Município para a ordenação espacial de seu territó-
rio, notadamente no que concerne ao uso do solo urbano, apóia-se no pre- condições para loteamento, com as densidades demográficas e os volumes e espécies
ceito da Constituição da República que expressamente lhe confere capa- de edificações admitidas. Os dois primeiros códigos atuam, em caráter geral, em todo
cidade para "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, o território municipal, e o último estabelece diferenciação funcional das áreas urbanas,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação segundo a destinação local.
do solo urbano" (art. 30, VIII).21 22. A própria cidade de Brasília já padece da falta de planejamento de seus arre-
dores, onde se formaram várias cidades-satélites, sem qualquer ordenamento inicial,
e hoje interferem na vida da Capital da República, prejudicando-a na sua funcionali-
21. Os urbanistas ingleses e norte-americanos distinguem três tipos de regu- dade.
lamentação edilícia, que, reunidos, constituem as normas de ordenação territorial: 23. Sobre plano diretor, v.: Célson Ferrari, Curso de Planejamento ... , São Paulo,
o Building-Code, o Housing-Code e o Zoning-Regulation. O Building-Code dispõe Livraria Pioneira Editora, 1977; Raul Armando Mendes, "Plano diretor de desenvolvi-
sobre a ordenação estrutural da construção; o Housing-Code estabelece os mínimos mento integrado", Boletim do Interior 10/289; Maria Garcia, "Política urbana e a ques-
sanitários para as edificações; e o Zoning-Regulation impõe o zoneamento e fixa as tão habitacional", in Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política 22/72-96.
550 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 551

aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comu- mO antes das medidas expropriatórias para ocupação do imóvel atingido
nidade local. Deve ser a expressão das aspirações dos munícipes quanto (TJSP, RT 459/59 e 461/55).
ao progresso do território municipal no seu conjunto cidade/campo. É o
Ressalte-se que o art. 41, I -V, do Estatuto da Cidade (Lei federal
instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalida-
10.257, de 10.7.2001) estabeleceu a obrigatoriedade do plano diretor para
de, e por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar toda as cidades com mais de 20 mil habitantes (repetindo o disposto no art.
atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas e
182, § 1º, da CF); as integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações
particulares que interessem ou afetem a coletividade. urbanas; aquelas onde o Poder Público Municipal pretenda utilizar os ins-
O plano diretor deve ser uno e único, embora sucessivamente adapta- trumentos previstos no § 4º do art. 182 da CF, quais sejam: parcelamento
do às novas exigências da comunidade e do progresso local, num proces- ou edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação
so perene de planejamento que realize sua adequação às necessidades da com pagamento mediante títulos da dívida pública. Tais instrumentos têm
população, dentro das modernas técnicas de administração e dos recursos a natureza de sanção ao proprietário do solo urbano não edificado, subuti-
de cada Prefeitura. lizado ou não utilizado que, desde que notificado para adequar seu imóvel
O plano diretor não é estático; é dinâmico e evolutivo. Na fixação ao plano diretor, não tenha promovido seu adequado aproveitamento. O
dos objetivos e na orientação do desenvolvimento do Município é a lei plano diretor é, ainda, obrigatório para as cidades integrantes de áreas de
suprema e geral que estabelece as prioridades nas realizações do governo especial interesse turístico; as inseridas na área de influência de empreen-
local, conduz e ordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as dimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
atividades urbanas em benefício do bem-estar social. regional ou nacional (Estatuto da Cidade, art. 41).24
O plano diretor não é um projeto executivo de obras e serviços públi-
cos, mas sim um instrumento norteador dos futuros empreendimentos da 2.2 Elaboração e aprovação
Prefeitura, para o racional e satisfatório atendimento das necessidades da
A elaboração do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversifi-
comunidade. Por isso não exige plantas, memoriais e especificações deta-
cados setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a
lhadas, pedindo apenas indicações precisas do que a Administração Muni-
órgão técnico da Prefeitura ou contratada com profissionais de notória es-
cipal pretende realizar, com a locação aproximada e as características es-
pecialização na matéria, sempre sob supervisão do prefeito, que transmiti-
truturais ou operacionais que permitam, nas épocas próprias, a elaboração
rá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento do Município
dos projetos executivos com a estimativa dos custos das respectivas obras,
e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e utilidade
serviços ou atividades que vão compor os empreendimentos anteriormente
para a população.
planejados, sejam construções isoladas, sejam planos setoriais de urbani-
zação ou de reurbanização, sejam sistemas viários, redes de água e esgoto, As fases principais de elaboração do plano são três: coleta de dados,
ou qualquer outro equipamento público ou de interesse social. interpretação dos dados e fixação dos objetivos. Mas não bastará que se
completem essas fases e se apresente o mais perfeito conjunto de elemen-
Enquanto o plano diretor é sempre uno e integral, os planos de urba-
tos cartográficos, memoriais, especificações, normas técnicas, se não se
nização ou de reurbanização geralmente são múltiplos e setoriais, pois vi-
converter todo esse instrumental em lei, para que se tome impositivo para
sam a obras isoladas, ampliação de bairros (plano de expansão), formação
a Administração e para os administrados.
de novos núcleos urbanos (urbanização por loteamentos), renovação de
áreas envelhecidas e tomadas impróprias para sua função (reurbanização)
24. Nesse sentido, a Lei Orgânica do Município de São Paulo, aprovada em
e quaisquer outros empreendimentos parciais, integrantes do plano geral. 5.4.1990, dispõe:
Estes procedimentos urbanísticos não se confundem com o plano di- "Art. 150. O plano diretor é o instrumento global e estratégico da política de
retor, pois, embora sigam suas diretrizes, passam a constituir atos autôno- desenvolvimento urbano e de orientação de todos os agentes públicos e privados que
mos e concretos de administração, e ainda que aprovados por lei, quando atuam na cidade.
devam ser por decreto, se tomam passíveis de impugnação judicial se in- "§ 1Q. O plano diretor deve abranger a totalidade do território do Município, defi-
nindo as diretrizes para o uso do solo e para os sistemas de circulação, condicionados
cidentes sobre a propriedade particular e lesivos de direito individual mes- às potencialidades do meio fisico e ao interesse social, cultural e ambiental."
552 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 553

A aprovação do plano diretor deve ser por lei, e lei com supremacia resultantes podem ser aprovados por decreto, como as obra~ isoladas ad-
sobre as demais, para dar preeminência e maior estabilidade às regras e mitem execução mediante simples ordem de serviço da autondade compe-
diretrizes do planejamento. Daí por que os Municípios podem estabelecer tente, desde que regularmente programadas, projetadas e licitadas, quando
em sua legislação quorum qualificado para aprovação ou modificação da for o caso. Assim, também, as medidas administrativas decorrentes do
lei do plano diretor, infundindo, assim, mais segurança e perenidade a essa plano diretor serão concretizadas por decreto e atos executivos inferi?-
legislação. Toda cautela que vise a resguardar o plano diretor de levianas res nos limites da competência de cada órgão ou agente que os expedIr,
e impensadas modificações é aconselhável, podendo a própria Câmara es- suj~itando-se ao controle judicial de legalidade se ~ferisi:,o,s .de direit~ in-
tabelecer regimentalmente um procedimento especial, com maior número dividual ou coletivo (mandado de segurança ou açao ordmana) ou leSIVOS
de discussões ou votação em duas ou mais sessões legislativas, para evitar do patrimônio público (ação popular).
a aprovação inicial e suas alterações por maiorias ocasionais.
Advertimos, finalmente, que as imposições do plano diretor são de
No caso de realização no Município de empreendimentos ou ativida-
observância obrigatória não só pelo Município e pelos particulares, como
des com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional,
também pelos órgãos estaduais e federais que realizem obras ou serviços
tornando obrigatória a elaboração de plano diretor, os recursos técnicos e
financeiros para tanto estarão inseridos entre as medidas de compensação na área planificada pela Municipalidade, pois, se esta tem competência
adotadas (art. 41, V, e § 1º, do Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 2001). constitucional para esse plano, há que ser respeitada pelas demais enti-
dades estatais e seus desmembramentos na Administração indireta e nas
Nas cidades com mais de 500 mil habitantes deverá ser elaborado paraestatais. Lembramos, ainda, que no concernente à construção de edi-
plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou
ficios públicos federais a Lei 125, de 3.12.1935, determina que se obser-
nele inserido (art. 41, § 2º).
vem as normas pertinentes, estaduais e municipais, sujeitando o projeto
O Estatuto da Cidade determina, ainda, que o plano diretor contenha, ao prévio licenciamento da Prefeitura e a embargo judicial por infração na
no mínimo: a delimitação das áreas urbanas onde poderão ser aplicados execução do projeto. Por idêntica razão, as demais obras públicas, embora
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a exis- não sujeitas a alvará de edificação, devem respeitar as legítimas imposi-
tência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º; ções urbanísticas do Município.
as disposições requeridas pelos arts. 25 (direito de preempção), 28 (outor-
ga onerosa do direito de construir), 29 (alteração do uso do solo mediante O Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001) acarreta a responsabiliza-
contrapartida a ser prestada pelo beneficiário), 32 (operações urbanas ção do prefeito por improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429,
consorciadas) e 35 (transferência do direito de construir); e o sistema de de 2.6.1992, sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envol-
acompanhamento e controle (art. 42, I-III). vidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, se impedir ou deixar de
garantir os requisitos relativos à gestão democrática e à transparência da
fiscalização e implementação do plano diretor, bem como se não aprovar
2.3 Implantação
o plano diretor no prazo da lei ou, para os Municípios que já o tiverem, se
A implantação do plano diretor faz-se pelos órgãos e agentes execu- não fizer revisar a lei instituidora do plano diretor a cada 10 anos (arts. 50
tivos municipais, sujeitos a todas as suas normas e diretrizes na realização e 52, VI-VII).
dos empreendimentos planejados, notadamente na execução das obras e
serviços locais, na abertura das vias públicas, na regulamentação do uso
do solo urbano e urbanizável, na aprovação dos loteamentos para fins ur- 3. Ordenamento urbano
banos, na formação dos núcleos industriais, no controle da edificação e O ordenamento urbano é a disciplina da cidade e suas atividades atra-
das atividades particulares que possam afetar a vida e o bem-estar da co- vés da regulamentação edilícia, que rege desde a delimitação da urbe, seu
munidade e na preservação ambiental, que constitui preocupação urbanís- traçado, o uso e ocupação do solo, o zoneamento, o loteamento, o controle
tica de todo e qualquer planejamento territorial.
das construções, até a estética urbana. Tudo, enfim, que afetar a comunida-
Enquanto o plano diretor, nas suas normas e diretrizes gerais, é objeto de urbana sujeita-se à regulamentação edilícia, para assegurar o bem-estar
de lei, os planos setoriais ou de simples urbanização e reurbanização dele da população local.
554 DIREITO MUNICIPAL BRASll-EIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 555

3.1 Regulamentação edilícia Essa realidade foi de há muito pressentida e proclamada por Greca,
25
A regulamentação edilícia tradicional expressava-se em limitações acentuando os encargos e responsabilidades do Município nestes termos:
de segurança, higiene e estética da cidade e das habitações;26 mas a moder- "Si las limitaciones a la propiedad se aplican en todo el territorio deI país,
na concepção do Urbanismo alargou seus domínios a tudo quanto possa en virtud de exigencias sociales, económicas, sanitarias y técnicas, con
mayor motivo deben intensificarse en las ciudades, donde los problemas se
melhorar a vida urbana. Em nossos dias, o avassalador fenômeno da ur-
presentan cada vez más apremiantes, dada la estrecha convivencia de una
banização e o desmedido crescimento das cidades vêm exigindo mais e
numerosa población". E ajunta, a seguir: "teniendo el Municipio faculta-
maiores imposições edilícias em benefício da coletividade urbanizada, o
des policiales podrá ejercerlas también por medi o de reglamentaciones en
que sobrecarrega o Município com encargos imprevistos e despesas extra-
ordinárias para atender a áreas imensas tomadas urbanas repentinamente,
í todas aquellas materias y actividades que le son inherentes por razones de
estética, de seguridad, de salud pública, de tránsito, de servicios públicos,

I
sem o equipamento mínimo indispensável às necessidades dessas novas de moralidad, de carácter social y económico, cultural e histórico".29
concentrações populacionais. 27
Daí por que a administração e o ordenamento da cidade são atribuições
Como bem retratou Figueiredo Ferraz, ex-prefeito da Capital de São municipais, complementadas pelo controle da construção que o Código Ci-
Paulo: "As massas migratórias não fluem apenas para as cidades recepto- vil sujeita aos regulamentos administrativos (art. 1.299 do CC), que outra
ras, mas tomam-nas como que se as assaltassem, e, qual manchas imensas, coisa não é senão a regulamentação edilícia da construção particular.
cercam-nas por completo, numa ocupação territorial convulsionada, con-
Fiel à orientação doutrinária e ao Direito legislado, nossa jurispru-
figurando um cinturão de miséria".28
dência sempre reconheceu e proclamou a legitimidade das imposições ur-
banísticas pelos Municípios no ordenamento urbano e no controle da edi-
25. A expressão regulamentação edilícia originou-se da atividade dos edis ro-
manos incumbidos da administração da cidade, e que através de edictus dispunham
ficação, e o fez na amplitude deste aresto do STF: "A autoridade municipal
sobre a urbe e suas construções. Daí as derivações correntes em nossa língua: edil pode dispor sobre a segurança dos edifícios, sua harmonia arquitetônica,
(\'ereador); edilidade (Câmara de Vereadores); edilício (relativo a edil ou edilidade). alinhamento, altura, ingressos, saídas, arejamento, enfim, acomodações às
Regulamentação edifícia, atualmente, abrange todas as normas municipais de ordena- exigências que a vida humana, nas grandes cidades, vai tomando cada vez
mento urbano, provenham da Câmara ou do prefeito. mais difícil".3o
26. Recordem-se, a propósito, a Constituição de Júlio César, De urbe augenda,
que estabelecia normas para o desenvolvimento de Roma, e os edictus De aquis urbis Na verdade, a regulamentação edilícia objetiva dois aspectos bem
Romae, que dispunha sobre a construção de aquedutos para abastecimento da cidade, distintos, embora oriundos das mesmas exigências sociais, e tais são o
e o De aedificiis, que regulamentava as construções em geral. Na doutrina, v.: Mayns, ordenamento da cidade no seu conjunto e o controle técnico-funcional da
Droit Romain, § 181; Girard, Droit Romain, p. 255; Bonfante, Istituzioni di Diritto Ro- construção individualmente considerada. O ordenamento da cidade visa,
mano, § 97; Pierre Lavedan, Histoire de l'Urbanisme, v. I, passim; Fustel de Coulan- precipuamente, ao traçado urbano e à regulação do uso do solo urbano e
ges, A Cidade Antiga, pp. 197 e ss.; Pedro Escribano Collado, La Propiedad Privada
Urbana: Encuadramiento y Régimen, Madri, Editorial Monte Corvo, 1979. urbanizável, com o conseqüente zoneamento e disciplina dos loteamentos
27. A propósito do contemporâneo fenômeno da urbanização, Paulo VI assim se para fins urbanos, e ao controle das construções, que tem por fim assegu-
pronunciou: "O aparecimento de uma civilização urbana, que acompanha o incremento rar as condições mínimas de habitabilidade e funcionalidade à edificação,
da civilização industrial, não será, na realidade, um verdadeiro desafio lançado à sapiên- principalmente à moradia, que é a razão de ser de toda cidade:
cia do homem, à sua capacidade de organização e à sua imaginação prospectiva? No
Ninguém melhor do que Virgílio Testa (Manuale ... , cit., p. 299) evi-
seio da sociedade industrial transforma os modos de viver e as estruturas habituais da
existência: a família, vizinhança e os próprios moldes da comunidade cristã. O homem denciou essa diversidade de imposições, assinalando que a regulamen-
experimenta, assim, uma nova forma de solidão, não já diante de uma natureza hostil tação edilícia assume "due forme: una che ha di mira i fabbricati singoli
que ele levou séculos para dominar, mas no meio da multidão anônima que o rodeia e e si propone di assicurame la piena rispondenza alle esigenze igieniche,
onde ele se sente como um estranho. Fase irreversível, sem dúvida, no desenvolvimento
das sociedades humanas, a urbanização levanta ao homem problemas dificeis: como 1975, p. 5. V., no mesmo sentido, a coletânea de estudos intitulada Cidades -A Urba-
dominar o seu crescimento, regular a sua organização e conseguir a sua animação para nização da Humanidade, iniciada por Kingsley Davis, professor da Universidade da
o bem de todos?" (Carta Apostólica "OctogesimaAdveniens", §§ 3 elO). Califórnia (Berkeley), Rio de Janeiro, trad. Reznik, 1972.
28. Perspectivas Urbanas na América Latina, trabalho apresentado na Confe- 29. Régimen Legal ... , p. 40.
rência Latino-Americana sobre Desenvolvimento Urbano, em Bogotá, em agosto de 30. RT248/675.
556 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 557

estetiche e di pubblica incolumità e l'idoneità, alla funzione, cui ciascuno e futuro, com os respectivos alinhamento e nivelamento a serem observa-
di essi e destinato (controllo tecnico estetico); ed una che si propone di dos nas construções particulares e públicas. Conterá ainda a indicação de
realizzare, nello svolgimento delle costruzione, la piena rispondenza degli todos os demais pontos característicos da cidade, do sistema hidrográfico
edifici ai dettami deI piano urbano e un determinato ordine nelle opere, que a banha, das áreas verdes preserváveis, dos espaços de recreação ati-
capace di far si che l' aggregato edilizio nasca, si ingrandisca o si trasformi va, dos terrenos para edifícios públicos e equipamentos sociais, das redes
in modo razionale ed in perfetta rispondenza con lo sviluppo dei servizi de água e esgotos, e de tudo o mais que compuser a urbe.
pubblici nelle singole zone (controllo urbanistico)". O traçado urbano nem sempre será efetivado pelo Município, notada-
mente nos loteamentos particulares, mas dependerá sempre da aprovação
3.2 Delimitação da zona urbana da Prefeitura, para seu ajustamento às vias públicas já existentes, ao plano
A delimitação da zona urbana ou perímetro urbano deve ser feita por diretor do Município e às normas urbanísticas pertinentes. Isto porque ne-
lei municipal, tanto para fins urbanísticos como para efeitos tributários. nhuma cidade, bairro ou área em urbanização poderá surgir desarticulada
No primeiro caso a competência é privativa e irretirável do Município, ca- do sistema viário circundante, nem se implantar isoladamente, fora dos
bendo à lei urbanística estabelecer os requisitos que darão à área condição padrões urbanísticos estabelecidos pelo Município e sem atendimento dos
urbana ou urbanizável, e, atendidos esses requisitos, a lei especial deli- requisitos mínimos de higiene e saúde pública impostos superiormente
mitará o perímetro urbano, as áreas de expansão urbana e os núcleos em pelo Estado e pela União, uma vez que a competência em tais matérias é
urbanização. No segundo caso (efeitos tributários) a lei definidora da zona concorrente das três entidades estatais (v. item 1.4).
urbana deverá atender aos requisitos do Código Tributário Nacional (art. Do traçado urbano resultam as imposições de arruamento, alinha-
32, §§ 1º-2º), estabelecidos para fins meramente fiscais, como demonstra- mento, nivelamento,3l circulação, salubridade, segurança efuncionalida-
mos precedentemente (Capítulo V, item 3.1.1.1). É de toda conveniência de da cidade, como veremos a seguir.
que a lei urbanística municipal faça coincidir suas exigências com as do
Código Tributário Nacional, ou, pelo menos, as imponha com maior rigor,
3.3.1 Arruamento
a fim de que possa arrecadar na área o IPTU.
Promulgada a lei municipal instituidora ou ampliadora da zona urba- O arruamento é o traçado definidor das vias públicas e espaços livres
na, a Prefeitura deverá enviar seu texto integral ao INCRA, para a cessa- da cidade. É exigido pela Prefeitura para toda área em urbanização, como
ção de sua jurisdição sobre a nova área urbana e transferência da compe- requisito prévio para o loteamento. Desde que o plano do loteamento ou
tência impositiva federal (ITR) para a municipal (IPTU), incidente sobre o o simples arruamento tenham sido aprovados pela Prefeitura e inscritos
terreno e respectivas construções. no Registro Imobiliário competente, as áreas destinadas a vias públicas,
Observe-se, finalmente, que o Decreto-lei 57, de 18.11.1966, alterou espaços livres e outros equipamentos urbanos passam a integrar o domínio
os arts. 29 e 32 do CTN para pior, incluindo as chácaras ou sítios de público do Município (Lei 6.766, de 1979, art. 22), independentemente
recreio em zona rural na competência tributária do Município (art. 14) e de título aquisitivo e transcrição,32 uma vez que não há, nem pode haver,
excluindo desta as glebas situadas na zona urbana desde que "comprova- vias e logradouros públicos como propriedade particular. 33 Toda área de
damente" utilizadas em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou circulação ou de recreação pública é bem de uso comum do povo - e,
agroindustrial, sujeitando-as ao ITR (art. 15). Diante dessa legislação, de portanto, bem do domínio público por destinação, dispensando titulação
objetivos meramentefiscais, os sítios de recreio continuam imóveis rurais, formal para o reconhecimento dessa dominialidade. Para proteção de tal
mas sob a imposição tributária do Município, ao passo que aquelas glebas, domínio a Administração fixa requisitos para abertura e utilização das vias
embora sujeitas ao tributo federal, permanecem com características urba- e logradouros públicos, consubstanciados em imposições urbanísticas de
nas, subordinadas, portanto, às normas urbanísticas municipais.
31. Sobre arruamento, alinhamento e nivelamento, v. também, o item 6.1, do
3.3 Traçado urbano Capítulo VII.
32. STF, RDP 20/213; TJSP, RT318/285.
O traçado urbano é o desenho geral da cidade; seu levantamento to- 33. Clóvis Beviláqua, Soluções Práticas de Direito, v. IV, p. 39; Jousselin, Servi-
pográfico com a indicação do sistema viário, marcando o arruamento atual tudes d'Utilité Public, v. 11, p. 446.
558 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 559

funcionalidade, segurança e estética, tais como largura e declividade das Não se confunda alinhamento com recuo das edificações: aquele de-
vias de circulação, tipo de pavimentação e calçamento, limite de trânsito e limita o domínio público e a propriedade particular; este impõe um afas-
tráfego, arborização e tudo o mais que for de interesse público. tamento mínimo da edificação em relação à via pública ou ao vizinho,
Não são admissíveis o arruamento privado ou mesmo a rua parti- mas a área resultante do recuo permanece integrada no lote, apenas com o
cular em zona urbana, porque todo o sistema viário de uma cidade é de impedimento de edificar. O afastamento da edificação imposto pelo recuo,
uso comum do povo, o que afasta a possibilidade jurídica de vias urbanas como limitação urbanística geral, não é indenizável, salvo se inutilizar o
particulares. O que pode haver, embora não previsto em lei, é a instituição lote para sua normal destinação; ao passo que se o alinhamento adentrar
do chamado loteamento fechado, que é forma de parcelamento do solo a propriedade particular a Prefeitura terá que pagar a área transferida ao
submetida à Lei 6.766/1979, com a aprovação da Prefeitura Municipal, domínio público ou indenizar todo o lote, se o remanescente tornou-se
que outorga o uso das vias de circulação e praças mediante concessão ou inconstrutível ou imprestável para sua utilização econômica (v. Capítulo
permissão. Ou, ainda, vias internas em propriedade particular, na qual foi VII, item 6.1.2).37
instituída uma forma de condomínio relacionada com casas que consti-
tuem unidades autônomas ao lado das frações ideais nas áreas comuns, 3.3.3 Nivelamento
tudo objeto de registro no Registro de Imóveis. 34 Tais loteamentos fecha-
O nivelamento é a fixação da cota correspondente aos diversos pon-
dos têm sido formados para maior privacidade e segurança dos morado-
tos característicos da via urbana, a ser observada pelas construções nos
res, mormente nas grandes cidades e, em geral, se constituem segundo
seus limites com o domínio público. 38 Como imposição urbanística, é de
o figurino legal do condomínio em edificios, sendo os lotes as unidades
observância obrigatória para todos, independentemente de indenização no
privativas ou autônomas e as ruas e praças, bem como os equipamentos,
seu estabelecimento pela Prefeitura, mas obrigará o Poder Público a com-
co-propriedade de todos, ou coisas de uso comum. 35
por danos se o modificar posteriormente, ocasionando prejuízo às cons-
truções que observaram a cota anteriormente determinada. Pela mesma
3.3.2 Alinhamento razão poderá a Prefeitura exigir o desfazimento da obra que desatender
o alinhamento é, na sintética definição de Noel, "o limite entre a ao nivelamento estabelecido, prejudicando o perfil da via pública. Para o
propriedade privada e o domínio público".36 Na conceituação do Código início das construções expede-se, comumente, o alvará de alinhamento e
de Obras do Município da Capital de São Paulo: "alinhamento é a linha nivelamento, com as indicações necessárias à locação da obra.
legal, traçada pelas autoridades municipais, que limita o lote em relação
à via pública" (art. 2 2 , 8). É ato unilateral da Prefeitura, que importa uma 3.3.4 Circulação
limitação urbanística à propriedade particular, em beneficio do traçado
urbano. Uma vez estabelecido, impõe-se a todos os confrontantes da via As imposições de circulação, como limitações urbanísticas, podem
pública, independentemente de indenização, salvo se modificado poste- revestir duas níodalidades: permissiva (deixar transitar) e negativa (não
riormente, acarretando prejuízo às propriedades fronteiriças. Da modifi- transitar). Pela primeira (permissiva) o Poder Público impõe ao particular
cação do alinhamento anterior podem resultar aumento ou diminuição da a obrigação de permitir a passagem aos agentes da Administração, em
área de domínio público: no primeiro caso a Prefeitura terá que indenizar determinadas circunstâncias e em certos locais de sua propriedade, para
ao particular a faixa que for retirada de sua propriedade; no segundo terá verificação e proteção do domínio público - como, por exemplo, ao longo
o particular direito à investidura na área remanescente e fronteiriça de seu dos aquedutos, nas margens das águas públicas etc.; na segunda hipótese
lote, até atingir o novo alinhamento. (negativa) a Administração limita ou impede totalmente a circulação pelas
suas vias e logradouros públicos, objetivando preservar seu patrimônio
34. João Batista Lopes, Condomínio, 8ª ed., Ed. RT, pp. 56-57. contra o uso inadequado à destinação da coisa pública. Tais limitações
35. J. Nascimento Franco, "Loteamentos fechados", Tribuna do Direito, outu-
bro12005, p. 6. 37. Também não é indenizável a faixa non aedificandi ao longo das rodovias
36. Le Droit de I'Urbanisme, 1956, p. 16. No mesmo sentido, confrontem-se: (STF, RT 61 0/272 e 276).
Morin, De I'Alignement, pp. 68 e ss.; Coucerlle, Traité de la Voirie, pp. 168 e ss.; Duez 38. Virgilio Testa, Manuale ... , pp. 325 e ss.; Georges-Henri Noel, Le Droit de
e Debeyre, Traité de Droit Administratif, p. 787. l'Urbanisme, 1956, pp. 27 e ss.
560 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 561

não se confundem com as de trânsito impostas em defesa da segurança lização das obras públicas necessárias, e aos munícipes, nas construções
individual ou coletiva ou, ainda, para desafogar determinados locais, ou particulares que devam ser equipadas para enfrentar esses eventos, que
aliviar as correntes de tráfego em determinadas horas e em certas vias. se vêm repetindo com freqüência e desastrosas conseqüências em nossas
Ambas são legítimas, mas objetivam interesses diversos e ordinariamente cidades. A omissão da Prefeitura na execução das obras de segurança ur-
são impostas por autoridades diferentes. bana - principalmente contra eventos periódicos e previstos anualmente,
como são as enchentes e inundações em determinados bairros - acarreta
3.3.5 Salubridade responsabilidade civil ao Município, pela ineficiência do serviço público
a seu cargo (STF, RDA 122/169; TJSP, RT 346/235, 449/104, 453/97 e
As imposições de salubridade urbana destinam-se a manter a cidade 4531102).
limpa e saudável, como ambiente propício ao desenvolvimento de todas as
atividades humanas. Além das condições de clima e solo, outros requisitos
podem ser acrescidos ao agregado urbano, de modo a assegurar a salubri- 3.3.7 Funcionalidade
dade pública. Para tanto a Administração comumente dota a cidade dos As imposições de funcionalidade urbana passaram a ter destaque es-
equipamentos sanitários convenientes e impõe limitações urbanísticas de pecial na regulamentação edilícia. Isto porque a cidade, na concepção do
salubridade tendentes a secundar as medidas oficiais, para a manutenção moderno Urbanismo, há de ser humana e funcional, isto é, correspondente
da área urbana em boas condições de habitabilidade. Não se cuida, aqui, às necessidades materiais e espirituais do homem e apta à satisfação de
da higiene individual das habitações - objeto de limitações sanitárias es- suas quatro funções sociais precípuas: habitação, trabalho, circulação e
pecíficas -, mas da salubridade geral da cidade, a ser perseguida desde o recreação.
traçado urbano até a localização das indústrias perigosas, nocivas ou incô- Para o atingimento desse desiderato não basta a racionalização do tra-
modas. Cabem, ainda, nestas limitações as exigências de espaços livres e çado urbano, nem a eficiência dos serviços públicos. Necessária se toma
áreas verdes nos loteamentos, a obrigatoriedade de drenagem dos terrenos a limitação do uso da propriedade particular, e notadamente o condicio-
destinados a edificação, a imposição de recuo e afastamento das habita- namento das construções a índices técnicos e a preceitos urbanísticos de
ções entre vizinhos e o que mais puder concorrer para tomar a cidade e o foncionalidade da cidade. E as razões são óbvias: a excessiva concentra-
bairro saudáveis para seus habitantes. ção populacional, a indiscriminada utilização da área urbana, a localização
inadequada das atividades humanas e fatores outros de desajustamento en-
3.3.6 Segurança tre a população e o ambiente causam transtornos insuportáveis para a vida
urbana, desequilibrando o trinômio área/população/equipamento. Daí por
As imposições de segurança urbana complementam as de salubridade
da cidade. A segurança geral da cidade não se confunde com a segurança que os regulamentos edilícios dispõem sobre o uso e ocupação do solo
urbano, prescrevendo sobre zoneamento, loteamentos, densidade demo-
individual de suas construções, que tanto interessa às normas civis como
gráfica, coeficientes de edificação; fixando gabaritos de altura, volume e
aos regulamentos da edificação. As imposições urbanísticas de segurança
da cidade começam nas exigências do traçado urbano e se difundem por área construída; impondo mínimos de espaços livres e áreas verdes, a fim
de equilibrar a concentração humana com os equipamentos necessários
todos os setores que possam oferecer perigo à vida e à incolumidade dos
cidadãos ou à conservação de seus bens materiais. Para tanto, as normas ao conforto da população. 39 Bem por isso, a Lei 10.098, de 19.12.2000,
edilícias estabelecem a tessitura das vias públicas, as declividades má- estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessi-
bilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzi-
ximas, os tipos de pavimentação e calçamento adequados, o recuo e o
chanfro das edificações de esquina, a modalidade dos tapumes das obras, da. A lei estabelece requisitos mínimos de acessibilidade a vias públicas,
a sinalização dos locais perigosos, e tudo o mais que puder prevenir aci- parques, espaços livres, estacionamentos, e também quanto a construções,
dentes e afastar riscos à população.
N essas imposições entram as medidas de combate e prevenção contra 39. V, a propósito, as recomendações do VI Congresso do CIAM, de Bridge-
Water, 1947, citadas por Antônio Bezerra BaItar, Introdução ... , p. 44, bem como o
incêndios, inundações e efeitos das marés nas cidades ribeirinhas ou litorâ- estudo deste urbanista baiano no capítulo da análise foncional do complexo urbano,
neas. Tais providências competem simultaneamente ao Município, na rea- às pp. 82 e ss.
562 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 563

ampliações e refonnas de edifícios de uso público ou privado. Assim, os partes da cidade e a localizar em áreas adequadas as diferentes atividades
Municípios deverão adequar seus códigos de obras e edificações aos dis- urbanas que afetem a comunidade. Para tanto, classifica os usos e esta-
positivos da nova lei. Estas imposições urbanísticas, conquanto destinadas belece sua confonnidade com as respectivas zonas em que se divide o
originariamente à defesa da funcionalidade urbana, favorecem individual- perímetro urbano, visando a equilibrar e hannonizar o interesse geral ~a
mente os moradores do bairro a elas sujeitos, especialmente os vizinhos, coletividade com o direito individual de seus membros no uso da propne-
gerando direito subjetivo à sua observância pelos demais proprietários e dade particular, na localização e no exercício das atividades urbanas e até
legitimando as ações judiciais adequadas a impedir a construção irregular na utilização do domínio público.
e a exigir a demolição do que for construído em desacordo com as nonnas
As imposições urbanísticas dessa legislação devem prover sobre o
urbanísticas.
zoneamento urbano e a ocupação correspondente, bem como sobre o par-
Negar ação ao vizinho que almeja obter de seus confrontantes o res- celamento das glebas urbanas ou urbanizáveis, com especial destaque para
peito às exigências edilícias da construção, no que afeta a ordenação hm- os loteamentos, que constituem a fonna nonnal de expansão da cidade.
cional do bairro, é uma postura incompatível com a finalidade do moderno Outro aspecto da legislação edilícia é o da renovação urbana, para atuali-
Urba.nismo, mesmo porque a obra irregular, na sua estrutura ou na sua des- zar as cidades envelhecidas, com a retificação de seu traçado, a ampliação
tinação, causa efetivo dano patrimonial à vizinhança, desvalorizando as de seu sistema viário, a modernização de seus equipamentos - enfim, a
propriedades confrontantes e desvirtuando a destinação da quadra. Diante adequação de suas partes obsoletas às novas funções que o progresso e a
dessa realidade, a jurisprudência vai orientando-se, acertadamente, para a civilização exigem dos antigos centros urbanos.
admissibilidade de ação destinada a exigir do vizinho e do Poder Público
o respeito às exigências estruturais da edificaçã040 e aos requisitos urba- O controle do uso do solo urbano apresenta-se como das mais pre-
nísticos do zoneamento e do loteamento. 41 mentes necessidades em nossos dias, em que o fenômeno da urbanização
dominou todos os povos e degradou as cidades mais humanas, dificultan-
do a vida de seus moradores pela redução dos espaços habitáveis, pela
3.4 Uso e ocupação do solo urbano deficiência de transportes coletivos, pela insuficiência dos equipamentos
O uso e oczpação do solo urbano, ou, mais propriamente, do espaço comunitários, pela promiscuidade do comércio e da indústria com as áreas
urbano, constitui matéria privativa da competência ordenadora do Mu- de residência e de lazer. Daí o crescente encarecimento dos terrenos para
nicípio, e por isso vem sendo objeto das diretrizes do plano diretor e da habitação, o que vem impossibilitando sua aquisição pelos menos abas-
regulamentação edilícia que o complementa. 42 tados e exigindo a intervenção do Poder Público no domínio fundiário
A lei de uso e ocupação do solo urbano, como geralmente é deno- urbano, para conter a indevida valorização imobiliária, quase sempre re-
minada, destina-se a estabelecer as utilizações convenientes às diversas sultante dos melhoramentos públicos da área, custeados por todos mas
auferidos por alguns. Essa realidade tem reclamado providências estatais
40. TJDF, RDA 45/333; TJSP, RT225/242, 246/168, 254/233, 267/210 e 275/249; específicas para as diferentes áreas urbanas, a fim de compatibilizar sua
TASP, RT241/513. utilização com as necessidades da coletividade, autorizando imposições
41. TJSP, RT203/287, 267/210 e 275/249; TASP, RT226/373. urbanísticas de toda ordem, agravamentos tributários dos terrenos não edi-
42. V. Ives Gandra da Silva Martins, "Competência legislativa municipal para ficados, urbanização compulsória pelos proprietários e até a desapropria-
aproveitamento do solo urbano", BDM 12/256, 1996. O TJSP, julgando a ADln ção por interesse social ou mesmo para urbanização ou reurbanização pelo
55.297-0, declarou inconstitucional lei municipal, de iniciativa de vereador, criando
próprio Município, com subseqüente alienação das partes que se tomaram
áreas de interesse social para urbanização específica, implicando desapropriação. As-
sim decidiu aquele Tribunal: "Invasão de competência privativa do chefe do Executivo desnecessárias ao domínio público. 43 Agora, propõe-se a adoção do solo
- A administração de bens públicos e a desapropriação de bens particulares, que é meio criado, ou, na expressão atual dos franceses, "la combinaison de l'espace
de execução de obras e serviços públicos, assim como a definição da política habita-
cional a ser implantada no Município são atividades tipicamente administrativas, da 43. v., a propósito, parecer do Autor, acolhido pelo TJSP, nos MS originários
responsabilidade exclusiva do prefeito, a quem compete por razões óbvias o exame da 220.706,220.707 e 222.643 (conírrmados pelo STF nos RE 82.300, 85.869 e 87.009),
conveniência e oportunidade da apresentação de projetos de lei que versem sobre tais impetrados contra o prefeito da Capital de São Paulo, e publicado pela EMURB sob
matérias, não podendo nesse campo sofrer nenhum tipo de ingerência - Inconstitucio- o título A Reurbanização de Santana e Jabaquara, juntamente com os acórdãos. O
nalidade declarada" (Órgão Esp., reI. Des. Paulo Shintate, j. 19.4.2000, v.u.). mesmo assunto foi por ele reestudado em artigo sob o título "Desapropriação para ur-
564 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 565

privé avec l'espace public",44 que seria .0 m~is ~fic~ente instrumento ~e que acarrete para o local. Por isso, as normas edilícias devem evitar o
controle do uso do solo urbano e de justIça dIstnbutIva dos encargos pu- quanto possível essas súbitas e freqüentes modificações de uso, que afetam
blicos da urbanização. instantaneamente a propriedade e as atividades particulares, gerando ins-
Mas para a efetividade do controle do uso do solo urbano, após a tabilidade no mercado imobiliário urbano e intranqüilidade na população
delimitação da zona urbana, que já analisamos precedentemente, impõe- citadina. Além disso, toda vez que o zoneamento ofende direitos adquiri-
se o zoneamento da cidade e dos novos núcleos de sua expansão, como dos expõe o Município a demandas e vultosas indenizações. O Município
veremos a segUIr. só deve impor ou alterar zoneamento quando essa medida for exigida pelo
interesse público, com real vantagem para a cidade e seus habitantes.
3.5 Zoneamento A imposição e a alteração do zoneamento têm suscitado divergência
jurisprudencial quanto ao instrumento legal para sua efetivação. Alguns
O zoneamento urbano consiste na repartição da cidade e das áreas julgados entendem que só podem ser consubstanciadas em lei municipal;
urbanizáveis segundo sua precípua destinação de uso e ocupação do solo. outros as admitem por decreto do prefeito. Devemos distinguir duas situa-
Na conceituação da Carta dos Andes o zoneamento urbano é o instru- ções: as normas de zoneamento e a fixação das zonas; aquelas são priva-
mento legal de que dispõem as Municipalidades para controlar o uso do tivas de lei; esta, de decreto. A lei estabelecerá as diretrizes, os critérios,
solo povoado, as densidades de população, a localização, a dimensão, o os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto
volume dos edifícios e suas utilizações específicas, em prol do bem-estar individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada
da comunidade. local (TJSP, RT 289/456). O zoneamento, no seu aspecto programático e
Nessa repartição de uso e ocupação do solo, o zo?~ame?to ur~a~o normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento
estabelece normalmente as áreas residenciais, comerCIaIS e mdustnaIs; da lei - é objeto de decreto. O que não se admite é o zoneamento exclusi-
delimita os locais de utilização específica, tais como feiras, mercados, vamente por decreto, sem base em norma legislativa que o imponha para a
estacionamentos de veículos e outras ocupações espaciais permanentes cidade e indique as limitações urbanísticas de cada zona.
ou transitórias; dispõe sobre as construções e usos admissíveis; ordena A divisão da cidade em zonas visa a atribuir a cada setor um uso es-
a circulação, o trânsito e o tráfego no perímetro urbano; disciplina ~s ati- pecífico, compatível com sua destinação. Mas, como as cidades nem sem-
vidades coletivas ou individuais que de qualquer modo afetem a VIda da pre nascem planejadas, seus bairros são mistos e promíscuos em usos e
cidade. Embora não caiba ao Município o zoneamento rural, compete-lhe atividades. Daí o zoneamento superveniente, repartindo a área urbana em
regular o uso e ocupação das áreas destinadas a urbaniza~ão ainda .q~e zonas residenciais, comerciais, industriais, institucionais e outras, com a
localizadas fora do perímetro urbano, porque estes núcleos Irão constItUIr indicação dos usos conformes, desconformes e tolerados.
as novas cidades ou a ampliação das existentes, e por isso devem ser or-
denados urbanisticamente desde seu nascedouro, para que não venham a
prejudicar a futura zona urbana. 3.5.1 Usos conformes
O zoneamento, embora seja um eficiente instrumento urbanístico de Usos conformes são todos aqueles permitidos para o local pelas nor-
ordenação da cidade, há que ser utilizado com prudência e respeito aos mas legais pertinentes. Erigem-se, por isso, em direito subjetivo de seus
direitos adquiridos, pois é sabido que a simples muda~ça de d:,sti?ação titulares e não podem ser impedidos pela Prefeitura, nem negado o respec-
de um baÍlTo ou de uma rua produz profundas alteraçoes economIcas e tivo alvará de licença quando dependentes dessa formalidade. Os exercen-
sociais, valorizando ou desvalorizando substancialmente as propriedades tes de usos conformes podem a todo tempo aumentar a atividade, ampliar
atingidas e as de suas adjacências, consoante os novos ônus ou vantagens o estabelecimento, reformar a construção até o limite admitido em lei. Tais
usos, uma vez iniciados, geram direito adquirido, e mesmo que se altere
banização", publicado na RDA 116/1 e no seu Estudos e Pareceres de Direito Público, posteriormente o zoneamento podem continuar na situação em que se en-
v. lI, p. 419. contravam no momento de vigência da nova lei. Assim, uma edificação,
44. J. P. Gilli, Redéfinir le Droit de Propriété, pp. 97 e ss. Cf. José Rubens Costa,
uma indústria ou um comércio conformes em determinada zona, mesmo
"Solo criado ou a inconstitucionalidade da subtração do direito de construir do direito
de propriedade", BDM 1/5. que venham a ser proibidos pelo novo zoneamento, podem prosseguir nos
566 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 567

moldes da legislação precedente, mas ficam impedidos de alteração ou individual das residências. A preservação da moradia contra todas as in-
ampliação daí por diante. terferências molestas da vizinhança, principalmente os ruídos incômodos
e os maus odores da indústria e do comércio, é dever do Poder Público,
3.5.2 Usos desconformes atento a que a habitação tem preferência sobre os demais usos urbanos,
como de há muito nos advertiu Freund nesta conhecida frase: "the right
Usos desconformes são aqueles que a lei considera incompatíveis ofhabitancy is superior to the exigencies oftrade"45 - o que coincide com
com o local. Se sobrevierem ao zoneamento poderão ser impedidos suma- a exaltação de Greca sobre as funções familiares e sociais da residência
riamente e sem qualquer indenização; se o antecederem constituem pré- em nossos dias: "La casa moderna no es sólo un refugio, como lo fuera en
ocupação com direito adquirido à sua permanência e continuidade nas
las sociedades primitivas. Es el sitio donde se educa a los hijos, donde se
condições originárias, isto é, sem possibilidade de ampliação da atividade
trabaja y se descansa. En ella viven, gozan, y no pocas veces sufren, los
ou de renovação das construções, instalações ou equipamentos desconfor-
seres humanos que la habitan. Allí nacerá el nino, se cuidará aI enfermo
mes ou de transferência voluntária a terceiros. Se a Prefeitura pretender a
y entrará en el eterno reposo el vencido por los males fisicos incurables.
imediata cessação de qualquer atividade desconforme mas com pré-ocu-
En ella se festejan los acontecimientos felices de la familia, se recibe a
pação na zona deverá indenizar cabalmente seu exercente, amigav~lmente
ou mediante desapropriação. Assim, uma indústria instalada antenormen- los amigos y se amplían los horizontes deI espíritu mediante la lectura, la
te em zona que veio a ser declarada estritamente residencial não poderá música y la contemplación de bellos adornos".46 Daí a conveniência da
ser compelida a se mudar ou a cessar suas atividades desconformes, mas fixação de zonas residenciais, separadas das outras que possam perturbar
também não poderá ela ampliar-se ou renovar-se naquele local: seu direito a moradia; porém a realidade é que na maioria das cidades os bairros são
restringe-se à permanência onde e como está. Por outro lado, os vizinhos mistos, com pré-ocupações prejudiciais à habitação mas que não podem
em uso conforme nem por isso poderão impugnar o uso desconforme pro- ser afastadas sumariamente, por constituírem direito adquirido de seus ti-
veniente de pré-ocupação em relação ao zoneamento. A Prefeitura, entre- tulares. Em tais casos, os conflitos de vizinhança resolvem-se pelo uso
tanto, pode impor tributação agravada para os usos desconformes (extra- normal da propriedade de cada um. 47
fiscalidade ).
3.5.5 Zonas comerciais
3.5.3 Usos tolerados
As zonas comerciais são as destinadas ao comércio varejista e ata-
Usos tolerados são aqueles que o zoneamento não reconhece como cadista, sendo conveniente que aquele permaneça nas proximidades das
conformes nem repudia como desconformes, mas os admite por liberali- áreas residenciais ou mesmo em determinados setores destas, para abaste-
dade e precariamente em condições especiais. Tais usos são exercidos me- cimento das moradias, e o outro - o atacadista - fora e recuado dos bairros
diante simples alvará de autorização (não confundir com licença), dado de habitação, pelos inconvenientes que oferece em razão do transporte a
o caráter precário, que enseja revogação sumária e a qualquer tempo. Por granel, com tráfego pesado, constante e ruidoso. Por isso, tais zonas de-
isso mesmo não geram direito subjetivo ao seu exercício nem à sua con- vem situar-se na periferia da cidade, próximas das rodovias e ferrovias que
tinuidade, que dependerão sempre do juízo de conveniência exclusivo e favorecem suas atividades.
discricionário da Prefeitura.
3.5.6 Zonas industriais
3.5.4 Zonas residenciais
As zonas industriais são as reservadas para as fábricas e atividades
As zonas residenciais destinam-se a moradia e por isso devem apre- conexas, devendo situar-se distanciadas dos bairros residenciais, pelos na-
sentar requisitos especiais de salubridade, segurança e tranqüilidade, para
o bem-estar de seus habitantes. Com esse desiderato, as normas edilícias 45. Administrative Powers over Persons and Property, § 529.
impõem condições favoráveis à habitação, desde a localização dos bairros, 46. Régimen Legal ... , p. 126.
seu traçado e sua arborização, até alguns detalhes funcionais e estéticos 47. Sobre o conceito de uso normal da propriedade, v. do Autor Direito de Cons-
das edificações, visando a assegurar a harmonia do conjunto e o conforto truir, 9ª ed, 2005, Capítulo 2.
568 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 569

turais inconvenientes que acarretam às moradias, com o ruído de suas má- controle e tratamento de efluentes, nos termos da legislação vigente (arts.
quinas, com as emanações de seus produtos, com o despejo de seus resí- 1º e 2º). Sobre a matéria, fixou atribuições exclusivas e compartilhadas da
duos e demais conseqüências do trabalho fabril. Atualmente as Prefeituras União, dos Estados e dos Municípios.
vêm instituindo os denominados distritos industriais, fora do perímetro
da cidade mas erigidos em área urbana, para nela concentrar as indústrias 3.5.7 Zonas mistas
locais, segundo as conveniências da comunidade e os interesses do desen-
volvimento econômico e social do Município. É a solução indicada para As zonas mistas são todas aquelas de ocupação promíscua - resi-
aliviar a cidade dos incômodos da indústria. Mas esses núcleos industriais dência, comércio, indústria e outras - e para as quais não há indicação de
devem ser corretamente localizados em áreas adequadas à sua função e utilizações específicas e excludentes pelas normas edilícias. Conseqüente":
tecnicamente planejadas para receber as fábricas e as atividades comple- mente, nessas zonas não há usos desconformes, pois todos são admitidos,
mentares que integram todo parque industrial. Sem essa adequada locali- na omissão da lei. Daí por que a Prefeitura ou o vizinho, para impedir ou
zação e sem o plano da infra-estrutura específica do complexo industrial, fazer cessar qualquer atividade em zona mista, deverão demonstrar sua
aprovado por lei, não pode o Município instituir distrito industrial nem nocividade ou prejudicialidade anormal ou abusiva, pois não podem in-
desapropriar áreas para esse fim, pois lhe falta o fundamento legal, que vocar a desconformidade de uso. Em tais zonas a pré-ocupação atua como
é, precisamente, o plano de urbanização (Decreto-lei 3.365, de 1941, art. agravante dos incômodos a serem suportados pelos novos vizinhos, mas
5º, "i"). Nem lhe será lícito alienar lotes às empresas sem que a lei tenha nem por isso legitima o mau uso da propriedade, pois, como já adver-
autorizado essas alienações e estabelecido as imposições urbanísticas para tia Baudry-Lacantinerie, nos fins do século passado, "il n'existe pas un
a formação do núcleo e as condições de implantação de cada indústria, droit de préoccupation, capable de faire échec à tout action en dommages
para que tais requisitos constem como encargo dos adquirentes de lotes, intérêts".49
com cláusula resolutória para a inadimplência. Com essas cautelas legais
podem ser implantados os núcleos ou pólos industriais, atribuindo-se até 3.6 Loteamento
mesmo alguns encargos da urbanização (abertura de ruas, pavimentação,
canalizações etc.) às próprias indústrias interessadas, mediante compro- Loteamento urbano é a divisão voluntária do solo em unidades edi-
misso com o Município, concomitante com a aquisição de lotes. Somente ficáveis (lotes), com abertura de vias e logradouros públicos, na forma da
nestas condições serão legítimas e amparáveis pelo Judiciário a desapro- legislação pertinente. 50 Distingue-se do desmembramento, que é a simples
priação e a alienação de lotes aos particulares para a formação dessas áreas divisão de área urbana ou urbanizável, com aproveitamento das vias pú-
industriais. 48 blicas existentes. O loteamento e o desmembramento constituem modali-
A Lei 6.803, de 2.7.1980, estabeleceu as diretrizes básicas para o zo- dades do parcelamento do solo, mas apresentam características diversas: o
neamento industrial nas áreas críticas de poluição, de forma a compati- loteamento é meio de urbanização e só se efetiva por procedimento volun-
bilizar as atividades industriais com a proteção ambiental. Classificou as tário e fonual do proprietário da gleba, que planeja sua divisão e a submete
zonas por categorias e dispôs que as zonas de uso estritamente industrial à aprovação da Prefeitura, para subseqüente inscrição no Registro Imobi-
destinam-se, preferencialmente, à localização de estabelecimentos indus- liário, transferência gratuita das áreas das vias públicas e espaços livres
triais cujos resíduos sólidos, líquidos e gasosos, ruídos, vibrações, emana- ao Município e alienação dos lotes aos interessados; o desmembramento
ções c radiações possam causar perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança é apenas repartição da gleba, sem atos de urbanização, e tanto pode ocor-
das populações, mesmo depois da aplicação de métodos adequados de rer pela vontade do proprietário (venda, doação etc.) como por imposi-
ção judicial (arrematação, partilha etc.), em ambos os casos sem qualquer
48. TJSP, RT 499/97, acolhendo parecer do Autor sobre a formação de núcleo
industrial, publicado na mesma Revista, à p. 37. 49. Traité Théorique de Droit Civil, v. V, Paris, 1899, p. 165.
Sobre desapropriação e venda de lotes a particulares, v. artigo do Autor "Desa- 50. O loteamento urbano é regido pela Lei 6.766, de 19.12.1979, que derrogou os
propriação para urbanização", RDA 116/1; e sobre os requisitos técnicos e urbanísticos Decretos-leis 58, de 1937, e 271, de 1967, no que conceme à matéria por ela regulada.
paraformação de núcleo industrial, leia-se o estudo de Hany J. Cole, "Distritos indus- Assim sendo, esses decretos-leis só subsistem nos dispositivos que regulam matéria
triais - Delimitação e localização", in O Município e o Direito Urbano, pp. 112 e ss. estranha ao parcelamento do solo urbano ou para fins urbanos.
570 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 571

transferência de área ao domínio público. Há ainda o arruamento, que urbanística; era apenas norma civil reguladora do contrato de compra e
é unicamente a abertura de vias de circulação na gleba, como início de venda a prestações dos lotes, contendo alguns preceitos de ordem pública
urbanização, mas que por si só não caracteriza loteamento ou desmembra- sobre a aprovação do plano de loteamento pela Prefeitura e sua inscrição
mento, e tanto pode ser feito pelo proprietário, com prévia aprovação da no Registro Imobiliário, para transferência das vias de circulação e espa-
Prefeitura e transferência gratuita das áreas das ruas ao Município, como ços reservados ao Município.
pode ser realizado por este para interligação do seu sistema viário, caso em Com aLei 6.766, de 19.12.1979, que dispõe sobre oparcelamento do
que deverá indenizar as faixas necessárias às vias públicas. Assim, pode solo para fins urbanos, foram editadas normas urbanísticas para o lotea-
haver arruamento sem loteamento ou desmembramento, mas não pode mento e o desmembramento de glebas destinadas a urbanização, mas com
haver aquele ou este sem vias públicas, abertas anteriormente ou conco- a ressalva de que "os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pode-
mitantemente com o parcelamento da gleba. rão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
Como procedimento ou atividade de repartição do solo urbano ou municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e
urbanizável, o loteamento sujeita-se a cláusulas convencionais e a normas locais" (art. lº, parágrafo único). As normas urbanísticas desta lei federal
legais de duas ordens: civis e urbanísticas. As cláusulas convencionais são são de caráter geral e fixam parâmetros mínimos de urbanização da gleba
as que constarem do memorial arquivado no Registro Imobiliário, para e de habitabilidade dos lotes, os quais podem ser complementados com
transcrição nas escrituras de alienação dos lotes; as normas civis são ex- maior rigor pelo Município, para atender às peculiaridades locais e às exi-
pressas na legislação federal pertinente e visam a garantir aos adquirentes gências do desenvolvimento da cidade. Nem se compreenderia que, tendo
de lotes a legitimidade da propriedade e a transferência do domínio ao o Município competência geral para o ordenamento urbano, não a tivesse
término do pagamento do preço; as normas urbanísticas são as constantes para disciplinar os loteamentos, que constituem, em nossos dias, a origem
da legislação municipal e objetivam assegurar ao loteamento os equipa- das cidades e o fator de sua expansão.
mentos e condições mínimas de habitabilidade e conforto, bem como har- Essa lei, conquanto defeituosa em alguns de seus conceitos e falha em
monizá-lo com o plano diretor do Município, para a correta expansão de muitos de seus dispositivos, representou considerável avanço na regência
sua área urbana. 51 Por isso, tratando-se de propriedade urbana, o projeto urbanística do parcelamento do solo para loteamentos e desmembramen-
e a planta do loteamento devem ser previamente aprovados pela Prefeitu- tos urbanos, dando orientação técnica para sua efetivação e meios eficazes
ra, ouvidas, quanto ao que lhes disser respeito, as autoridades sanitárias para se coibir a conduta abusiva dos loteadores. 52 Na interpretação desse
(estaduais), militares e, quando incidir sobre área total ou parcialmente diploma legal a jurisprudência e a doutrina vêm fazendo as adaptações
florestada, as autoridades florestais; e se se tratar de gleba em zona rural necessárias para a sua correta aplicação. 53
deverá ser ouvido também o INCRA (Lei 6.766, de 1979, art. 53). A aprovação de loteamento é ato da alçada privativa da Prefeitura,
Ocorreu, porém, que na vigência da legislação anterior muitos Muni- atendidas as pr~scrições da União, os preceitos sanitários do Estado e as
cípios interpretaram que a matéria era da competência exclusiva da União,
e por esse motivo se abstiveram de editar normas urbanísticas locais, pas- 52. A Lei 6.766, de 1979, provém de projeto do senador Otto Cyrillo Lehmann,
com alterações do Senado que pioraram a proposição originária, baseada em antepro-
sando a aprovar loteamentos sem os requisitos mínimos de habitabilidade, jeto do Autor e em estudos do CEPAM.
sem áreas livres e sem os equipamentos urbanos e comunitários indispen- 53. Sobre loteamento urbano, embora sejam publicações anteriores à Lei 6.766,
sáveis à gleba loteada. O resultado foi uma verdadeira "orgia de loteamen- de 1979, v.: Wilson Campos Batalha, Loteamentos e Condomínios, v. I, São Paulo,
tos", que provocou uma fictícia valorização imobiliária e um desastroso 1953; Serpa Lopes, Tratado dos Registros Públicos, 2ª ed., v. lU, pp. 37 e ss.; Sílvio
desordenamento das cidades, tomando improdutivas imensas glebas ru- Pereira, Imóveis a Prestação, São Paulo, 1958; Pontes de Miranda Tratado de Direito
Predial, t. lU, pp. 30 e ss.; Álvaro Erix Ferreira, "Configuração d;s loteamentos urba-
rais, convertidas da noite para o dia em terrenos urbanos, desservidos de nos e rurais", Revista do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil 2/240.
qualquer melhoramento público e sem condições de habitabilidade, eXi- Sobre loteamento no regime da Lei 6.766, de 1979, consultem-se: Paulo Affonso
gindo, mais tarde, a execução desses equipamentos pela própria Prefei- Leme Machado, "O parcelamento do solo, o meio ambiente e a qualidade de vida", in
tura. O equívoco foi palmar. A legislação federal anterior não era norma O Estado de S. Paulo, ed. 9.3.1980; Parcelamento do Solo Urbano - Comentários à
Lei 6.766/79, pela Secretaria dos Negócios Metropolitanos do Estado de São Paulo,
51. STF, RTJ 47/670. ed.IOE, 1980.
572 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 573

imposições urbanísticas do Município, ouvidas previamente, quando for de 1979. As restrições legais são as impostas pelas normas edilícias para
o caso, as autoridades militares e as florestais com jurisdição na área e o todas as urbanizações ou especificamente para determinados loteamentos
INeRA, se a gleba estiver na zona rural. Após a aprovação pela Prefeitura ou certos bairros. Tais restrições, como imposições urbanísticas de ordem
o loteamento deverá ser registrado no Registro Imobiliário competente, pública, têm supremacia sobre as convencionais e as derrogam quando o
sendo passível de impugnação por terceiros (Lei 6.766, de 1979, arts. 19 interesse público o exigir, alterando as condições iniciais do loteamento,
e ss.) e de levantamento de dúvida pelo oficial do Registro (Lei 6.015, de quer para aumentar as limitações originárias, quer para liberalizar as cons-
1973, arts. 198-204). O registro do loteamento produz, dentre outros, os truções e usos até então proibidos. 57
seguintes efeitos imediatos: legitima a divisão e as vendas de lotes; tor- Loteamentos especiais vêm surgindo cada vez mais, principalmente
na imodificáveis unilateralmente o plano de loteamento e o arruamento;54 nos arredores das grandes cidades, em razão da busca por maior segu-
transfere para o domínio público do Município as vias de comunicação e rança, privacidade e qualidade de vida. Para esses loteamentos não há,
as áreas reservadas constantes do memorial e da planta, independentemen- ainda, legislação superior específica que oriente a sua formação, estan-
te de qualquer outro ato alienativo (art. 22 da Lei 6.766, de 1979).55 As do consagrado o uso da denominação loteamento fechado 58 ou condo-
alterações e o cancelamento do loteamento registrado só poderão ser feitos mínio fechado, com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por
na forma e condições estabelecidas na Lei 6.766, de 1979, arts. 23 e 28. eles autorizadas e com equipamentos e serviços urbanos próprios, para
As restrições de loteamento são de duas ordens: convencionais e le- auto-suficiência da comunidade. De modo geral, são de duas espécies:
gais. Restrições convencionais são as que o loteador estabelece no plano a) aqueles em que o parcelamento do solo se faz de conformidade com a
de loteamento, arquiva no Registro Imobiliário e transcreve nas escrituras Lei 6.766/1979, com a aprovação da Prefeitura, e esta outorga o uso das
de alienação dos lotes como cláusulas urbanísticas a serem observadas por ruas e praças mediante concessão ou permissão; b) aqueles que mantém
todos em defesa do bairro, inclusive a Prefeitura que as aprovou. Por isso, toda a área como propriedade particular, inclusive as vias internas, insti-
quem adquire lote diretamente do loteador ou de seus sucessores deve ob- tuindo uma forma de condomínio relacionada com casas que constituem
servância a todas as restrições convencionais do loteamento, para preser- unidades autônomas ao lado das frações ideais nas áreas comuns (ruas,
vação de suas características originárias, ainda que omitidas nas escrituras praças e equipamentos de uso coletivo), de co-propriedade de todos, tendo
subseqüentes, porque o que prevalece são as cláusulas iniciais do plano como modelo o condomínio edilício, tudo objeto de registro no Registro
de urbanização e, conseqüentemente, todos os interessados no loteamen-
to - proprietário ou compromissário de lote, loteador e Prefeitura - têm "O bairro, como unidade urbanística, não é patrimônio individual dos proprietá-
legitimidade para defendê-las judicialmente, como já decidiu o TJSP, em rios de lotes; é núcleo urbano de utilização coletiva, sujeito ao regime juridico fixado
acórdão de que fomos relator,56 e está expresso no art. 45 da Lei 6.766, no plano de loteamento.
"As cláusulas das escrituras de lotes, restritivas da edificação, no bairro, são me-
ramente declaratórias dos requisitos urbanísticos estabelecidos pelo loteador no me-
54. TJSP, RT 3831148, acolhendo parecer do Autor em que demonstramos que a morial de loteamento, aprovado pela Prefeitura e arquivado no Registro Imobiliário,
simples aprovação do loteamento pela Prefeitura não torna imodificável o plano nem para observância pelos adquirentes de lotes e seus sucessores.
transfere as áreas das vias públicas e dos espaços livres projetados ao Município, o que "Tanto os proprietários de lotes, como o loteador e a Prefeitura, dispõem das
só decorre do registro no cartório imobiliário. mesmas ações judiciais para impedir edificações em desacordo com as restrições urba-
V. também: TJSP, RT 650/95, que deferiu o registro, a despeito de impugnação do nísticas do bairro" (TJSP, RDPG 17/135; e, no mesmo sentido: RT203/287, 285/289 e
Ministério Público, por já existirem no local os equipamentos urbanísticos necessários; 312/169). V. também TJSP, RT65 1180.
TJSP, RT 684/79, que considerou insuscetível de alteração a destinação de áreas para 57. Cf. artigo do Autor "As restrições de loteamento e as leis urbanísticas super-
jardins e praças mesmo que não tenham sido implantados, tendo em vista a proteção venientes", RT 463/23 e também RDA 120/479.
ecológica futura. V. também 1º TACivSP, RT 639/105, que determina sejam respeitadas as restri-
55. TJSP,RT2541178, 3181185 e 3831148; STJ,RT7551189. ções convencionais por serem mais rigorosas do que as legais, baseado em dispositivo
56. O mencionado acórdão, proferido nos EInfrs 123.497, da comarca de São da própria lei municipal.
Paulo, contém a seguinte ementa: 58. Sobre loteamento fechado, v. José Afonso da Silva, Direito Urbanístico ... ,
"As restrições à edificação, estabelecidas pelo loteador, são requisitos urbanísti- 5ª ed., 2008, pp. 350 e ss.; Elvino Silva Filho, "Loteamento Fechado e Condomínio
cos convencionais, de interesse coletivo e perene, estipulados em beneficio de todos Deitado", RDI 14,julho/dezembro 1984, p. 12, e Questões de Condomínio no Registro
os habitantes do bairro. de Imóveis, São Paulo, Malheiros Editores, 1999, pp. 92-107.
574 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 575

de Imóveis. Essas modalidades merecem prosperar. Todavia, impõe-se um que exige a prévia aprovação do projeto pela Prefeitura, com a subse-
regramento legal para discipliná-los, mormente quanto aos encargos de qüente expedição do alvará de construção e, posteriormente, do alvará
segurança, higiene, coleta de lixo, limpeza e conservação de vias, serviços de utilização, vulgarmente conhecido por habite-se. Além da aprovação
de água e esgoto, que tanto podem ficar com a Prefeitura, mediante remu- do projeto, o controle das construções estende-se à execução da obra, pos-
neração dos serviços, como com os dirigentes da comunidade, mediante sibilitando embargo e demolição quando realizada em desconformidade
convenção contratual. com o aprovado ou, antes de seu início, a cassação do alvará, se for o caso.
Para não repetir a matéria, remetemos o leitor ao Capítulo VIII, itens 1
3.7 Controle das construções e 2, onde cuidamos especificamente dos efeitos do alvará em geral e de
sua invalidação, assim como das formalidades para o embargo. de obra e
O controle das construções urbanas 59 é atribuição específica do Mu- demais sanções.
nicípio, não só para assegurar o ordenamento da cidade em seu conjunto, O código de obras, como elemento da legislação edilícia,62 deve reu-
como para se certificar da segurança, da salubridade e da funcionalida- nir em seu texto, de modo orgânico e sistemático, todos os preceitos re-
de de cada edificação, individualmente considerada. Este é o controle ferentes às construções urbanas, especialmente para as edificações, nos
técnico-funcional da construção, referente à sua estrutura e ao seu uso aspectos de estrutura, função e forma, convenientes à obra individualmen-
individual, diversamente do controle urbanístico, que cuida da integração te considerada. 63 Como regulamento das construções, pode ser aprovado
do edifício na cidade, visando a harmonizá-lo com o complexo urbano. O por decreto, e é conveniente que o seja, a fim de facilitar as necessárias e
controle das construções exercita-se, pois, sob dois aspectos: o coletivo, freqüentes adequações que a evolução da técnica exige da Administração,
para o ordenamento urbano; o individual, para adequação da estrutura à mesmo porque a disciplina das construções já está prevista no Código
função da obra. Civil e deferida aos "regulamentos administrativos" (art. 1.299), cuja ex-
A propósito, merece lembrada esta advertência do urbanista Migone: pedição compete ao Executivo Municipal. O que convém é que cada Mu-
"el divorcio entre el edificio y la ciudad es la causa de nuestros males. nicípio tenha o seu código de obras tecnicamente elaborado, e não adote
Establecer el vínculo entre el edifício y la ciudad es la tarea que debemos código alheio, nem sempre ajustável às peculiaridades locais. Por outro
realizar. No nos limitemos a construir bien los edificios; no olvidemos que lado, a adoção de um código estranho cria o problema das futuras modifi-
estamos construyendo aI mismo tiempo la ciudad".60 cações na legislação originária, que não se estendem automaticamente ao
Daí as normas de uso e ocupação do solo urbano, que já vimos pre- Município adotante, mas induzem os intérpretes a freqüentes dúvidas na
cedentemente, disciplinando a ocupação e a utilização das áreas urbanas e sua aplicação.
urbanizáveis, e o código de obras e suas normas complementares, regulan-
do a construção em si mesma. Toda construção urbana - e especialmente é a espécie destinada a uso humano, tal como habitação, trabalho, ensino, recreação,
culto etc. Assim, toda realização em imóvel é construção, mas nem sempre é edifica-
a edificaçã0 61 - fica sujeita a esse duplo controle, urbanístico e estrutural,
ção: uma ponte, uma usina, uma estrada, um estábulo, um muro, são construções, mas
não são edificações; edificação é a casa, o edificio de apartamentos, a escola, o hospi-
59. O Município geralmente controla as construções urbanas, mas nada impede tal, a repartição pública, o templo etc. Essa distinção é normalmente feita nos códigos
que estenda a sua fiscalização às edificações da zona rural, desde que edite normas de obras, que cuidam genericamente da construção e especificamente da edificação.
próprias para essas obras. O que não se admite é a aplicação da legisl~ção edilíci.a 62. O código de obras não se confunde com as demais normas edilícias, por-
urbana à zona rural, pois as condições ambientais daquela e desta são inteIramente di- que ele trata - ou deve tratar - exclusivamente das obras no seu aspecto estrutural
versas. Além disso, o Município não pode regular o uso e ocupação do solo rural- que e funcional, deixando os outros ângulos da construção para as leis de zoneamento e
é atribuição federal -, pelo quê só lhe é lícito controlar as edificações dessa zona sob regulamentos complementares do ordenamento da cidade e do direito de construir.
o aspecto estrutural e funcional, visando à segurança e à salubridade da obra. Também Entretanto, por falta de técnica, os códigos de obras misturam em seu texto disposições
não pode intervir nas construções que se destinem às atividades agrícolas, pastoris ou de uso e ocupação do solo com regras de construção e imposições de zoneamento, o
extrativas, ficando, assim, limitado seu controle às moradias da zona rural, para lhes que dificulta seu entendimento e aplicação.
impor as condições mínimas de habitabilidade. 63. A Lei 11.337, de 26.7.2006, determina a obrigatoriedade de as edificações,
60. Las Ciudades, "Prólogo", p. IX. cuja construção se inicie a partir de sua vigência, possuírem sistema de aterramento e
61. Edificação e construção têm significado técnico diverso: constnlção é o gê- instalações elétricas compatíveis com a utilização de condutor-terra de proteção, bem
nero abrangente de toda obra imobiliária, qualquer que seja sua destinação; edificação como tomadas com o terceiro contato correspondente.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 577
576

compreendem-se a manutenção de tais ambientes no seu estado original,


3.8 Estética urbana
sem obstáculos à visibilidade e ao acesso, e a proibição de desmatamento
A estética urbana tem constituído perene preocupação dos povos civi- e demais medidas de interesse da comunidade local, para mantê-los como
lizados e se acha integrada nos objetivos do moderno Urbanismo, que não reservas naturais ou sítios de lazer, o que pode ser feito pelo tombamento.
visa apenas às obras utilitárias, mas cuid.a ta~bé~. dos asp~ctos artísticos, Enquanto essas limitações urbanísticas não afetarem a normal destinação
panorâmicos, paisagísticos, monumentaIs e hIstoncos, de mteresse cultu- econômica de tais áreas podem ser impostas gratuitamente pelo Municí-
ral recreativo e turístico da comunidade. Todos esses bens encontram-se pio; mas se interditarem ou restringirem o uso da propriedade particular
sob proteção do Poder Público por expresso m~ndame,nto constitucion~l exigem indenização por via amigável ou expropriatória.
(art. 180, parágrafo único) e podem ser defendIdos ate mesmo em açao A colocação de anúncios e cartazes, a que os franceses denominam
popular, por considerados patrimônio público para merecerem essa tutela l'ajJichage,66 é outro aspecto sujeito a regulamentação edilícia, em benefI-
judicial (Lei 4.717, de 1965, art. 1º, § 1º). cio da estética urbana. Na realidade, nada compromete mais a boa aparên-
Também a ação civil pública é instrumento processual adequado para cia de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios
reprimir ou impedir danos aos bens e direit~s d,e .valor e~té~ico (~rt. lº da em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmi-
Lei i347, de 24.7.1985), protegendo, em pnncIpIO, os dlreItos dIfusos da ca de belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente
sociedade. que os rodeia. Por outro lado, a publicidade artisticamente concebida em
Na realidade, a ação civil pública surgiu com seu campo de aplica- cartazes e luminosos alinda a cidade e caracteriza as zonas comerciais,
ção restrito tanto quanto aos setores de sua i~cidência. c.om~ em re1a7ão merecendo o incentivo das Prefeituras através de estímulos fiscais que
aos interesses que podiam ser defendidos mediante a utihzaçao des~e ms- favoreçam sua adoção. Bem por isso dispõe o Município do poder de re-
trumento processual. A legislação posterior - especialmente o CódIgo de gular, incentivar e conter tal atividade na área urbana e em seus arredores,
Defesa do Consumidor - ampliou ambas as áreas, permitindo que a ação como medida de proteção estética da cidade.67
civil pública viesse a abranger os interesses coletivos, difusos e indivi- A proteção paisagística, monumental e histórica da cidade insere-se
duais homogêneos, nos casos dos três primeiros incisos do art. 1º (pr~te­ também na competência do Município, admitindo regulamentação edilícia
ção ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimô~io artístico,. estético, e administração da Prefeitura nos limites do interesse local, para recreação
histórico, turístico e paisagístico), e tão-somente os mteresses dIfusos ou espiritual e fator cultural da população. Sob todos esses aspectos impõe-
coletivos, nos demais. 64 se a atuação da Municipalidade para a preservação dos recantos naturais,
A proteção estética da cidade e de seus arredores enseja as mais di- especialmente da vegetação nativa que caracteriza nossa flora, bem como
versas limitações ao uso da propriedade particular. Desde a forma, altura dos ambientes antigos e das realizações históricas que relembram o passa-
e disposicão das construções até a apresentação das fachadas e o levanta- do e conservam o primitivo que o tempo, o progresso e o próprio homem
mento d~ muros sujeitam-se a imposições edilícias, destinadas a compor
harmoniosamente o conjunto e a dar boa aparência às edificações urbanas. 66. Georges-Henri Noel, Le Droit ... , 1956, p. 71.
Como bem adverte Bielsa, cabe ao Poder Público estabelecer crité- 67. 1º TACivSP, RDPG 14/192. Neste acórdão, de que fomos relator, proferido
rios cstéticos aptos "a conseguir en la edificación urbana cierta armonía y naAp. cível 63.393, da comarca de Santos/SP, o Município visava e obteve a proteção
paisagística do Monte Serrat, obrigando à retirada de painel de propaganda da encosta
uniformidad dentro de la variedad".65 A mesma preservação estética deve daquele morro, embora levantado em terreno particular. No que interessa, a ementa do
estender-se aos arredores da cidade, para preservação das vistas panorâmi- julgado é a seguinte:
cas, das paisagens naturais e dos locais de particular beleza. Nessa proteção "Cabe ao Município a proteção estética da cidade e para tanto pode e deve poli-
ciar a afixação de anúncios no perímetro urbano e seus arredores.
64. A respeito da ação popular e da ação ~ivi.l pública remetemo~ o le!tor,:',1anda- "A publicidade urbana, abrangendo os painéis e letreiros expostos ao público sob
do de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Publica, Mandado ,d: Injunçao, . Ha. beas qualquer modalidade, é assunto de peculiar interesse do Município e, como tal, fica
Data", Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratorza de ConstituCIona- sujeita à regulamentação e autorização da Prefeitura.
lidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, do Autor, 31 ª ed., "A ação cominatória é adequada para o Poder Público compelir o particular a
2008, pp. 126 e ss. e pp. 160 e ss. desfazer painel de propaganda afixado sem autorização municipal, ainda que localiza-
65. Restricciones y Servidumbres Administrativas, p. 141. do na propriedade privada."
IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 579
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
578

vão inexoravelmente destruindo. O Urbanismo não desprez~ ~ Natur~za, pelo Decreto-lei 25, de 30.11.1937, com as modificações subseqüentes.
nem relega a tradição. E tanto mais serem?s capazes de reahza-lo - dIsse Esta lei federal não organiza nem disciplina o patrimônio histórico lo-
Rogers - quanto mais s<;mbermos harmolllzar a ob~a hur.n.~n~ com a pre- cal, mas possibilita que o Município indique o bem para tombamento pela
existência ambientaL 68 E fato notório que a sanha I~~bIhan~ e~ a ~evas­ União ou pelo Estado, como também não impede que a Municipalidade
tação indiscriminada de nossas florestas estão ~ eXIgIr pro~IdencIas do institua seu próprio tombamento, desde que organize, por lei, seu serviço
Poder Público em defesa da paisagem e dos ambIentes naturaiS qu~ emol- de patrimônio histórico, artístico e cultural, para identificação, registro,
duram as cidades. No âmbito federal, temos o Código Florestal (LeI 4.471, fiscalização e conservação dos bens tombados.
de 15.9.1965) e as alterações introduzidas pelas Leis 5.106, de 2.9.1966, O tombamento 70 é ato administrativo que preserva o bem de modifi-
5.868, de 12.12.1972,5.870, de 26.3.1973, 7.803, de 1~.7.1~8?, e 9.985, cação e destruição mas não veda sua normal utilização pelo proprietário,
de 18.7.2000, e pela MP 2.166-67, de 24.8.2001, com dISpOSIÇO~S ~o~re a nem lhe retira o domínio e a posse. Se isto for necessário impõe-se, além
preservação da flora bem como a Lei 11.284, de 2.3:2.00?: que dIsc~plInou do tombamento, a aquisição do bem, amigavelmente ou por via expropria-
as concessões florestais e criou, na estrutura do Mmlsteno do MelO A~­ tória. Pode-se também fazer o tombamento de bem público, destinando-o
biente, o Serviço Florestal Brasileiro, para atuar na gestão da~ _florestas pu- a museu ou a qualquer outra utilização ou serviço público, como é comum
blicas. Em relação às áreas urbanas (perímetros urbanos, regIOes ~e~ropo~ na Europa localizarem-se as Prefeituras e demais repartições em edifícios
litanas e aglomerações urbanas), o corte de árvores pelo Poder Pubh~o. so históricos devidamente tombados. A escolha dos bens a serem tombados
será possível se elas não se enquadrarem n~s alíneas do art. 2º do COdIgO não é nem deve ser discricionária, mas fundada em parecer técnico, e a
Florestal ou se não tiverem sido declaradas Imunes de corte por ato do Po- decisão administrativa sobre o assunto deverá admitir recurso para órgão
der Público (federal, estadual ou municipal), na forma do a~. 7º do mes~o ou autoridade superior, na forma que a lei local estabelecer.
estatuto, ou se, por seu estado, não mais estiverem cumpnndo. as funçoes
de preservação, observando-se, ainda, o disposto no~ resp~ct.IVOS planos
4. Proteção ambienta(lI
diretores e leis de uso do solo, "respeitados os princípIOs e lImites a que se
refere" o art. 2º, acima (art. 2º, parágrafo único, do Código Florestal). A proteção ambiental visa à preservação da Natureza em todos os
No que for atinente a questões de interesse pre~ominantem.ente local, elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecoló-
o Município poderá complementar as normas geraIS estabelecIdas na le- gico, diante do ímpeto predatório das nações civilizadas, que, em nome
gislação federaL do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a
fauna, poluem as águas e o ar.
O patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade,69 c~mpreen­ Essa ação destruidora da Natureza é universal e milenar, mas se agra-
dendo todas as obras humanas e recantos da Natureza que constItuam ou vou a partir do século passado em razão do desmedido crescimento das
relembrem fatos notáveis e edificantes de seu povo, deve se.r preserv~do populações e do avanço científico e tecnológico, que propiciou à Humani-
pelo Município, à semelhança do patrimônio histórico naCIOnal, regIdo dade a mais completa dominação da terra, das águas e do espaço aéreo.
Viu-se, assim, o Estado Moderno na contingência de preservar o meio
68. "Verifica cultural e dell'azione urbanistica", Rivista Urbanistica (Roma)
ambiente72 para assegurar a sobrevivência das gerações futuras em condi-
23/118. _
69. Sobre o patrimônio histórico e artístico, bem como sobre a prese:vaçao am- ções satisfatórias de alimentação, saúde e bem-estar. Para tanto criou-se
biental e urbanística, v. o excelente estudo do professor José Afo~so da ~llva em seu
livro Direito Ambiental Constitucional, 6ª ed., São Paulo, Malhelr~s.EdItores, 2007. 70. Sobre tombamento, v. Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Bra-
E também: Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Braslle~ro, 16ª ~d:, Ma- sileiro, 16ª ed., cit., pp. 946 e ss.
lheiros Editores, 2008; Antônio A. Queiroz Telles, Natureza e Regime Jundlco do
71. Sobre a matéria, v. do Autor Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo VIII,
Tombamento, São Paulo, Ed. RT, 1992; Sônia Rabello de Cas,tro-, O Estado ,na Pres.er-
item 10.
vação dos Bens Culturais, Rio de Janeiro, Renovar, 1991; Ser~lO de Andrea Fer:eu:a ,
"O tombamento e o devido processo legal", RDA 208/1. ~., mnda, do Aut~r, Direito 72. Em Urbanismo e Ecologia as expressões meio ambiente e ambiental corres-
Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, Malheiros EdItores, 2008, CapItulo VIII, pondem no Francês a environnement, no Inglês a environment e environmental, no
Espanhol a entorno.
item 8, e Direito de Construir, 9ª ed., Capítulo 4, item 3.
580 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBl?NTAL 581

um direito novo - o direito ambienta[73 -, destinado ao estudo dos prin- cional do Meio Ambiente, enquanto ao Instituto Brasileiro do Meio Am-
cípios e regras tendentes a impedir a destruição ou a degradação dos ele- biente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), autarquia federal de
mentos da Natureza. regime especial, cabe a execução dessa Política em todas as suas etapas,
Pela primeira vez em nossa história política a Constituição de 1988 desde a preservação dos recursos naturais até sua fiscalização e controle.
contemplou o meio ambiente em capítulo próprio, considerando-o como O objetivo fundamental da Política Nacional do Meio Ambiente é a
"bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impon- compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preserva-
do-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- ção da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, conforme
lo para as presentes e futuras gerações" (art. 225). o art. 4º, I, da Lei 6.938, de 1981 - norma, essa, que deve servir de pa-
Dessa forma, inclui o meio ambiente nas matérias de competência râmetro para a interpretação das limitações administrativas de proteção
legislativa (normativa) concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Fe- ambiental. 74
deral, reservando à União o poder de estabelecer as normas gerais (CF, A competência executiva do Município para a proteção ambiental
art. 24, VI, e § 1º). Aos Municípios cabe apenas suplementar a legislação está expressa na Constituição da República, dentre as matérias de interesse
federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, lI) - o que significa que sua comum a todas as entidades estatais (art. 23, VI). Essa competência em
competência legislativa fica restrita aos assuntos de predominante inte- defesa de sua população e de seus bens já se achava remansada na doutrina
resse local. No tocante à competência executiva (administrativa), esta é e na jurisprudência, transposta a fase inicial de hesitações, compreensí-
comum a todas as entidades estatais - União, Estados, Distrito Federal e vel em matéria nova e complexa, tratada quase sempre sob influências
Municípios -, às quais cabe "proteger o meio ambiente e combater a po- emocionais e interesses conflitantes, não devidamente sopesados com a
luição em qualquer de suas formas" (art. 23, VI). neutralidade da técnica, a certeza do Direito e a serenidade da justiça. Su-
No campo da legislação ordinária a norma básica de proteção ao perado esse estágio, verificou-se que a proteção ambiental é incumbência
meio ambiente é a Lei 6.938, de 31.8.1981 (regulamentada pelo Decreto do Poder Público em todos os níveis de governo; e nossa Constituição,
99.274, de 6.6.1990), que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente inovadoramente, reservou as normas gerais de proteção do meio ambiente
e criou o respectivo Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), para a União (CF, art. 24, VI, e § 1º), deixando para o Estado-membro a
composto por órgãos da União, dos Estados e dos Municípios - lei, essa, legislação supletiva (art. 24, § 2º) e para o Município o provimento dos as-
que, recepcionada pela Constituição Federal e complementada por nor- suntos locais. Realmente, sempre se entendeu que ao Município sobravam
mas posteriores, assim organizou a Administração Ambiental: a) órgão poderes implícitos para editar normas edilícias de salubridade e segurança
superior: o Conselho de Governo; b) órgão consultivo e deliberativo: o urbanas e para tomar medidas executivas de contenção das atividades pre-
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); c) órgão central: o judiciais à saúde e bem-estar da população local e degradadoras do meio
Ministério do Meio Ambiente; d) órgão executor: o Instituto Brasileiro ambiente de seu território, uma vez que, como entidade estatal, achava-se
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); e) ór- investido de suficiente poder de polícia administrativa para a proteção da
gãos seccionais: os órgãos e entidades federais cujas atividades estejam coletividade administrativa.
associadas às de proteção ambiental; e os órgãos ou entidades estaduais . No tocante à proteção ambiental a ação do Município limita-se espa-
responsáveis pela execução de programas e pelo controle dessas ativida- CIalmente ao seu território, mas materialmente estende-se a tudo quanto
des nos Estados; f) órgãos locais: os órgãos ou entidades municipais res- possa afetar seus habitantes e particularmente a população urbana. Para
ponsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades no âmbito de suas tanto, sua atuação nesse campo deve promover a proteção ambiental nos
respectivas jurisdições. seus três aspectos fundamentais: controle da poluição, preservação dos
Ao Ministério do Meio Ambiente, como órgão central da Admini$tra- recursos naturais e restauração dos elementos destruídos. Merece desta-
ção Ambiental, incumbem o planejamento e a supervisão da Política Na- que, ainda, a criação da ação civil pública para proteção ambiental, como
veremos adiante.
73. Sobre direito ambiental, v. Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental
Brasileiro, 16ª ed., cit., e a bibliografia, no final desta obra e no Direito Administrativo 74. Vos pareceres do autor in Estudos e Pareceres de Direito Público v IX p
Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008. 289, v. X, p. 274, e v. XI, pp. 321 e 335. ,. ,.
r
"··'~·'··'

582 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO . IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 583

<'
significativa degradação do meio ambiente" (art. 225, IV).76 Esse estudo
4.1 Controle da poluição
já era previsto na Lei 6.938, de 1981 (art. 9º, lU), sendo objeto da primei-
o controle da poluição enquadra-se no poder de polícia admi~i~tr~ti­ ra resolução do CONAMA, que fixou o conceito de impacto ambiental
va de todas as entidades estatais - União, Estados-membros, MUlllClplOS, e relacionou as atividades para as quais deveria ser exigido o Relatório
Distrito Federal e Territórios -, competindo a cada uma delas atuar nos de Impacto Ambiental (RIMA) como elemento de instrução do pedido de
limites de seu território e de sua competência, e em conjunto colaborar nas licença (Resolução 1 do CONAMA, de 23.1.1986, arts. 1º-2º).
providências de âmbito nacional de prevenção e repressão às atividades O legislador federal tem buscado estabelecer regras de proteção ao
poluidoras definidas em norma legal. meio ambiente e coibir atividades poluidoras, com critérios e padrões téc-
Em sentido amplo, poluição é toda alteração das propriedades natu- nicos unifonnes em todo o território nacional, que sirvam de diretrizes
rais do meio ambiente causada por agente de qualquer espécie, prejudi- para as normas estaduais e municipais. 77
cial à saúde, à segurança ou ao bem-estar da população sujeita aos seus O mais sério problema a ser resolvido é o da pré-ocupação de bair-
efeitos. ros ou áreas por indústrias e outras atividades poluidoras que, posterior-
De um modo geral, as concentrações populacionais, as ind~s~rias, o mente, venham a ser consideradas em uso desconforme, diante da nova
comércio, os veículos motorizados e até a agricultura e a pecuana pr~­ legislação para o local. Em tais casos não pode a Administração paralisar
duzem alterações no meio ambient~. Essas alb~,raçõ~s, ,!u~ndo normms sumariamente essas indústrias e atividades, nem lhes reduzir a produção,
e toleráveis, não merecem contençao e repressao, so eXlgmdo c~mbate porque isto ofenderia o direito adquirido em conformidade com as nor-
quando se tomem intoleráveis e prejudiciai~ à comunid~d~, caract~nz~nd~ mas legais anteriores. Para a retirada desses estabelecimentos a medida
poluição reprimível. Para tanto .h~ necesslda~e de preVI: fixaça~ t~cn~­ legal é a desapropriação. Poderá, ainda, a Administração, nesses casos,
ca e legal dos índices de tolerablhdade, ou seja,. d~s padroes. admlss2 ve1s impedir ampliações do que está em uso desconforme e exigir equipamen-
de alterabilidade de cada ambiente, para cada atIVIdade polUldora, nao se tos e tratamentos técnicos redutores da poluição, em prazos e condições
compreendendo nem se legitimando as formas drásticas de i~terdição de razoáveis, incentivando a voluntária mudança de local. Somente os abusos
indústrias e atividades lícitas, por critérios pessoais da autondade, sob o da iniciativa particular é que devem ser coibidos pelo poder de polícia do
impacto de campanhas emocionais que se desenvolvem em clima de ver- Município, protetor do bem-estar da coletividade urbana, principalmente
dadeira psicose coletiva de combate à poluição. nas zonas estritamente residenciais. Nas zonas mistas há que se tolerar os
A Constituição da República dispôs expressamente q~e. "a~ con~u­ incômodos da indústria e do comércio desde que decorram do exercício
tas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sUJeItarao os m- legal e normal dessas atividades e sejam produzidos unicamente no perío-
fratores pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, do diurno de trabalho; nas zonas comerciais e industriais seus incômodos
indepen'dentemente da obrigação de reparar os da~os caus~dos" \art. ?25, não são reprimíveis pela vizinhança enquanto se contenham nos limites da
§ 3º). O principal instrumento de controle da polUlção am~l~ntal e a hcen- licença de funcionamento e não caracterizem abuso de direito do exercício
ça prévia75 exigida para a execução de obra ou o exerclcl.o de qua~qu~r profissional, pois que a delimitação dessas áreas e o confinamento das
atividade efetiva ou potencialmente poluidora, a ser expedl,da pelo or?ao atividades diversas da habitação erigem tais atividades em usos conformes
estadual competente, integrante do SISNAMA, e, em ca~at~r su~lett.vo, para o local e afastam qualquer possibilidade jurídica de impugnação ao
pelo IBAMA. Somente no caso. de atividad~s e ob~as com.slgmficatlVO,Im-
pacto ambiental, de âmbito naclOnal ou ~eglOnal, e que a hcença deve~a ser 76. O STF, por votação unânime, declarou a inconstitucionalidade de artigo de
constituição estadual que "ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto
expedida diretamente pelo IBAMA (LeI 6.938, de 1981, art. 10 e § 4-). ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais,
O estudo de impacto ambiental (ElA) passou a ser exigência constitu- cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do artigo
cional "para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de 225 da Constituição Federal" (ADIn 1.086-7, reI Min. !lmar Galvão, DJU 10.8.2001,
p.2),
75. V. Paulo Affonso Leme Machado, ob, cit., pp. 271 e ss.; Daniel Roberto Fink, 77, Nas edições anteriores relacionávamos aqui leis e outros atos normativos
que pareciam mais relevantes em matéria de proteção ambientaL Com o aumento de
Hamilton Alonso Jr. e Marcelo Dawalibi, Aspectos Jurídicos do Lic~nciam~n~o Am-
biental, 2ª ed., Forense Universitária, 2002; e Vladimir Passos de FreItas, Direito Ad- publicações sobre o tema e a facilidade de pesquisa da legislação por meios virtuais,
. ,tomou-se desnecessária tal providência.
ministrativo e Meio Ambiente, 3ª ed., Juruá, 2001,
584 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 585

seu exercício e às suas conseqüências normais para a zona e suas adja-


normal utilização econômica do bem nem retirar a propriedade do parti-
cências, porque os que nela se localizam ou dela se avizinham sabem de
cular; ou pela desapropriação, individual e remunerada, de determinado
antemão a destinação, o uso e a ocupação da área e conhecem suas conse-
bem, transferindo-o para o domínio público e impedindo sua destruição
qüências molestas.
ou degradação. Talo que ocorre com as reservas florestais, com as nas-
Daí a conveniência e as vantagens do zoneamento urbano como me- centes e mananciais, com as águas minerais, com os monumentos naturais
dida prévia do controle da poluição, que deverá basear-se e diversificar-se e outros elementos da Natureza em cuja preservação o Poder Público tem
segundo os usos de cada zona, para adequação das exigências municipais interesse, para manutenção da flora e da fauna, da pureza das águas e do
às diferentes áreas e atividades da cidade e de seus arredores. Impõe-se, ar, ou mesmo para conservação estética de panoramas e recantos naturais
ainda, a fixação de uma política geral de controle da poluição, uniforme e de particular beleza (CF, art. 216, § 1º).
realística, que leve em consideração não só a preservação ambiental, como
Os recursos naturais - terras, águas,78 jazidas, florestas, fauna e es-
também as determinantes do desenvolvimento local, regional e nacional,
paço aéreo -, principalmente quando integrantes do domínio público, têm
para a correta localização das atividades poluidoras, a situação das indús-
regime especial para sua utilização, sujeitando-se a normas e limitações
trias e do comércio já instalados, os meios técnicos de contenção ou eli-
administrativas próprias. 79
minação dos elementos poluentes e os estímulos do Poder Público para o
combate à poluição, a fim de se obter o equilíbrio ecológico e econômico, Todos esses elementos componentes do meio ambiente são preser-
num amparo recíproco dos interesses coletivos e dos direitos individuais, váveis pela entidade estatal competente para sua regulamentação e admi-
protegendo a comunidade sem aniquilar a iniciativa privada, propulsora nistração, variando apenas as formas de preservação e os meios adminis-
do desenvolvimento nacional. trativos de efetivá-la, principalmente quando pertencentes a particulares
O zoneamento industrial está disciplinado pela Lei 6.803, de 2.7.1980, amparados pelo direito de propriedade.
que estabelece diretrizes para sua implantação nas áreas críticas de polui- No âmbito municipal essa preservação da Natureza é restrita aos
ção a que se refere o art. 4º do Decreto-lei 1.413, de 14.8.1975. Por essa elementos que interessem preponderantemente à comunidade local e em
lei caberá exclusivamente à União, ouvidos os governos estadual e mu- especial à vida urbana, tais como as fontes e mananciais que abastecem
ni~ipal interessados, aprovar a delimitação e autorizar a implantação de a cidade, os recantos naturais de lazer, as áreas com vegetação nativa pró-
zonas de uso estritamente industrial que se destinem à localização de pólos prias para parques turísticos ou reservas da flora e da fauna em extinção, e
petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como das instalações outros sítios com peculiaridades locais.
nucleares e outras definidas em lei (Lei 6.803, de 1980, art. 10, § 2º). É de se observar que não só a iniciativa dos particulares como os
empreendimentos do Poder Público devem respeitar as normas de con-
4.2 Preservação dos recursos naturais trole da poluição e de preservação dos recursos naturais, sujeitando-se às
respectivas limitações administrativas das entidades estatais competentes.
Apreservação dos recursos naturais, assim entendidos todos os ele- A propósito, Martín Mateo faz esta oportuna advertência: "Las técnicas
mentos da Natureza que mantêm o equilíbrio ecológico e a vida em nosso interventoras deI derecho administrativo clásico están pensadas para aco-
Planeta, é dever do Estado e se apóia no domínio eminente que ele exerce modar las conductas de los particulares a los intereses públicos definidos
sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Mas, como do- por la ley. Es la Administración, pues, la que desempena el papel tutelar
minio eminente não é domínio patrimonial, o Estado não tem direito de controlando y reprimiendo las actuaciones de los ciudadanos. Sucede, sin
propriedade sobre todos os bens de seu território, podendo apenas condi- embargo, que en el campo de la defensa ambiental la Administración pue-
cionar o uso da propriedade particular para cumprimento de sua função de, aunque parezca paradójico, aparecer como potencialmente agresora
social (CF, arts. 5º, XXIII, e 170, III), ou retirá-la compulsoriamente de deI equilibrio ecológico. Esta curiosa situación es fruto de la constatada
seu dono, por utilidade pública ou interesse social, através de desapropria- ampliación de competencias públicas materializadas en proyectos e inicia-
ção, com justa e prévia indenização (art. 5º, XXIV, da CF).
Assim, a preservação dos recursos naturais se faz por dois modos: 78. Wallace Paiva Martins Júnior, "Despoluição das águas", RT 729/58.
pelas limitações administrativas de uso, gerais e gratuitas, sem impedir a 79. v., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo VIII, itens 2 a 7.
Sobre limitações administrativas em geral, v. mesma obra, Capítulo IX, item 2.5.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 587
586

tivas de gran envergadura, de transcendencia para el medio y de la disper- Todas essas normas de preservação ambiental foram recepcionadas
sión de responsabilidades en múltiples organismos y entes que propenden pela Constituição de 1988, que faz referência expressa sobre a obrigato-
a defender celosamente sus funciones y a anteponer quizá los intereses que riedade de o Poder Público definir, em todas as unidades da Federação,
sectorialmente administran a los más amplios y globales que se concitan espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
en la defensa deI ambiente". 80 e cllJa alteração ou supressão só podem ser feitas mediante lei (art. 225,
IH). A Constituição vai mais além, e considera patrimônio nacional áreas
Ocorrendo essa conduta do Poder Público, caberá ação popular para
específicas do território brasileiro, como a Floresta Amazônica, a Mata
invalidar o ato ilegal e lesivo ao patrimônio ambiental, como caberiam
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira
embargo administrativo e anulação judicial do ato do particular que infrin-
cuja utilização deverá ser objeto de leis especiais (art. 225, § 4 2 ). '
gisse as mesmas limitações legais.
Sistematizando essas formas de preservação ambiental, foi aprovada
Além das formas previstas no Código Florestal - reservas florestais e
a Lei 9.985, de 18.7.2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades
parques nacionais, estaduais e municipais 81 -, a Lei 6.902, de 27.4.1981,
de Conservação da Natureza (SNUC), estabelecendo os critérios e normas
prevê a criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental
para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, divi-
(APAs). As primeiras destinam-se a preservar áreas representativas de
dindo estas em dois grupos: Unidades de Proteção Integral e Unidades de
ecossistemas brasileiros, a fim de permitir a realização de pesquisas apli-
Uso Sustentável.
cadas e desenvolver a educação conservacionista, mas só podem incidir
em áreas de domínio público (arts. 12 -2 2 ). As segundas podem abranger As Unidades de Proteção Integral compreendem: Estação Ecológica,
áreas de propriedade particular, ficando suj eitas às limitações ambientais Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da
que forem impostas no interesse da preservação ou melhoria das condições Vida Silvestre. As Unidades de Uso Sustentável abrangem: Área de Pro-
ecológicas locais (arts. 82 -9 2 ). Tais limitações, contudo, devem manter as teção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacio-
características dessa modalidade de intervenção, jamais podendo destruir nal, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento
ou esvaziar o conteúdo econômico do direito de propriedade. A adminis- Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
tração e o controle dessas áreas estão indicados no Decreto 99.274, de Como o nome dos grupos está a indicar, as restrições impostas ao pri-
6.6.1990, que regulamentou as Lei 6.902 e 6.938, de 1981. meiro são muito mais rigorosas do que as que incidem sobre o segundo. As
unidades do primeiro grupo são, em geral, constituídas de terras públicas;
80. Derecho Ambiental, p. 95. Este mesmo autor informa que nos Estados Uni- e. havendo terras particulares serão desapropriadas caso haja incompatibi-
dos da América qualquer projeto de empreendimento público que possa afetar signi- hdade entre os objetivos da área e as atividades privadas. Com relação às
ficativamente o meio ambiente deverá ser previamente submetido à consideração da unidades do segundo grupo as limitações de uso procuram compatibilizar
Ellvironmental Protection Agency CEPA), que pode vetá-lo, ficando então sujeito à sua preservação ,?om os interesses particulares.
apreciação judicial, nos telTI10S do já referido Environmental Policy Act, of 1969.
81. As florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente O art. 22-A e seus parágrafos dessa lei, acrescidos pela Lei 11.132, de
relacionadas no art. 2º do Código Florestal (Lei 4.771, de 1965) assim como os pousos 4.7.2005, prevêem que o Poder Público poderá decretar limitações admi-
das aves de arribação protegidas por convênios, acordos ou tratados assinados pelo nistrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efeti-
Brasil com outras nações foram transformados em reservas ou estações ecológicas va ou potencialmente causadores de degradação ambiental, para a realiza-
pelo art. 18 da Lei 6.938, de 1981. Estas áreas, denominadas de reservas ecológicas ção de estudos com vistas à criação de Unidades de Conservação, quando,
e áreas de relevante interesse ecológico (ARIE), foram regulamentadas pelo Decreto
a critério do órgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos
89.336, de 31.1.1984.
A respeito da proteção à flora e à fauna, v., também, itens 5, 6 e lOdo Capítulo recursos naturais ali existentes. Além dessa restrição, na área submetida
VIII do Direito Administrativo ... , 34ª ed. à limitação, não serão permitidas atividades que importem exploração a
A criação de áreas especiais de interesse turístico, visando a compatibilizar a corte raso da floresta e demais formas de vegetação nativa. Os estudos
proteção aos bens da Natureza com planos e projetos de interesse turístico, foi prevista e a destinação final da área objeto da limitação deverão ser definidos no
pela Lei 6.513, de 20.12.1977, regulamentada pelo Decreto 86.176, de 6.7.1981. ~ra~o improrrogável de sete meses, findo o qual fica extinta a limitação. A
A Lei 11.284, de 2.3.2006, disciplinou as concessões florestais e criou, na es- lImItação não poderá atingir atividades agropecuárias e outras atividades
trutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro, para atuar na
econômicas em andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei.
gestão das florestas públicas.
588 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 589

Pelo disposto nessa lei (art. 44) as ilhas oceânicas e costeiras desti- aos dados sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos
nam-se prioritariamente à proteção à Natureza, e sua destinação para fins do Brasil. 82
diversos deve ser precedida de autorização do órgão ambiental compe-
tente.
4.3 Restauração dos elementos destruídos
Por último, a lei dispõe sobre os incentivos, isenções e penalidades às
infrações ambientais, alterando dispositivos da Lei 9.605, de 12.2.1998, Em muitos casos não bastam o controle da poluição e a preserva-
e determina ainda o levantamento nacional das terras devolutas, com o ção dos recursos naturais para a completa proteção ambiental; toma-se
objetivo de definir áreas destinadas à conservação da Natureza. necessária a restauração dos elementos destruídos ou degradados pelo
Norma de excepcional relevância para a preservação da Costa Bra- Homem, ou pelos próprios fenômenos da Natureza. Impõem-se, assim, o
sileira é a Lei 7.661, de 16.5.1988, que instituiu o Plano Nacional de reflorestamento das áreas desmatadas, a recomposição dos terrenos ero-
Gerenciamento Costeiro, cujo objetivo é prever o zoneamento de usos e didos ou escavados, a recuperação das águas poluídas, a regeneração das
atividades na zona costeira, dando prioridade à conservação e proteção terras exauridas, a recriação de espécies silvestres e aquáticas em vias de
dos recursos naturais, sítios ecológicos e monumentos que integrem o extinção, e tantas outras medidas de restauração do meio ambiente, para o
patrimônio natural, cultural e paisagístico. Essa lei estimula os Estados reencontro do equilíbrio ecológico e renascimento da vida animal e vege-
e Municípios a instituir seus respectivos planos, diretrizes e normas para tal, de que depende a sobrevivência da Humanidade.
o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como limitações à utiliza- Essas providências estatais para recuperação do meio ambiente des-
ção de imóveis, prevalecendo sempre as disposições mais restritivas (art. truído ou degradado são mais de incentivos ao administrado que de polícia
5º). Estabelece, ainda, a necessidade de licenciamento especial para o administrativa, preventiva ou repressiva, pois o Poder Público só conse-
parcelamento e desmembramento do solo, construção, instalação, nm- guirá seus objetivos restauradores através do beneficiamento das proprie-
cionamento e ampliação de atividades, desde que provoquem alteração dades particulares, o que indiretamente e de futuro irá refletir-se no bem-
das características naturais da zona costeira; para esse fim será exigido estar da coletividade.
o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) (art. 6º). Em dispositivo ex- Todavia, cabe ao Poder Público editar normas impositivas de restau-
presso, a lei considera as praias como bens de uso comum do povo, sendo ração do meio ambiente destruído ou degradado, para recomposição da
proibidas a urbanização ou qualquer outra forma de utilização do solo Natureza até onde for possível essa restauração, mas é indubitável que
que impeça o livre e franco acesso às praias e ao mar, em qualquer dire- tais normas devem vir acompanhadas de apoio técnico e financeiro do
ção e sentido (art. 10 e §§). governo, para que o particular possa atendê-las no tempo e nas condições
Outra norma de extraordinária importância para a preservação dos necessárias à sua eficiência. Tais normas e providências competem prefe-
recursos naturais é a Lei 9.433, de 8.1.1997, que regulamenta o art. 21, rentemente à União, dado o predominante interesse nacional, mas podem
XIX, da CF, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sis- ser supridas ou complementadas por disposições e medidas regionais e
tema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Por essa norma a locais, dos Estados-membros e Municípios particularmente interessados
água passa a ser considerada um bem de domínio público, recurso natural no assunto.
limitado e dotado de valor econômico. O uso da água para qualquer fim-
No âmbito local, notadamente na área urbana e suas adjacências, o
salvo para os aproveitamentos considerados insignificantes - fica sujeito
Município pode impor, por lei, a restauração de elementos destruídos e
a outorga pelo Poder Público (concessão ou permissão de uso remune-
a recomposição de áreas escavadas em atividades extrativas ou constru-
rada) por prazo não superior a 35 anos, renovável por igual período. O
tivas, como ocorre na exploração de areia, argila, cascalho, e na abertura
aproveitamento dos recursos hídricos será objeto de planos elaborados por
de estradas com cortes e aterros, que tanto desfiguram a paisagem natural
bacias hidrográficas, por Estados e para o país, que deverão priorizar o uso
como alteram o relevo do solo, deixando abertas verdadeiras crateras no
múltiplo da água. Para a gestão do aproveitamento dos recursos hídricos é
perímetro urbano e em seus arredores, com malefícios de toda ordem para
criado o respectivo Sistema Nacional de Gerenciamento, com participação
a comunidade.
dos poderes públicos e representantes da comunidade. Prevê-se também a
implantação de um Sistema de Informações, de maneira a dar consistência
82. V. também Capítulo VIII, item 2.3, onde se cuidou da polícia das águas.
590 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO IX - URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 591

A recuperação de áreas degradadas é um dos princípios basilares da suspensão liminar da conduta poluidora impugnada, impondo ao réu obri-
Política Nacional do Meio Ambiente, que impõe ao poluidor ou predador gação de fazer ou de se abster do fato prejudicial ao meio ambiente. 86
a obrigação de recuperar e/ou indenizar os prejuízos decorrentes de sua Vale destacar que, em face de ações civis públicas ajuizadas pelo Mi-
atividade (Lei 6.938, de 1981, arts. 2º, VIII, e 4º, VII). A Lei 9.985, de nistério Público, o Judiciário tem condenado o particular a pagar indeniza-
18.7.2000, regulamentou o art. 225, § 1º, I, lI, III e VII, da CF, e instituiu ção por danos ecológicos causados por vazamento de óleo em estuário;87 a
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabe- pagar indenização destinada ao repovoamento de rio que teve seus peixes
lecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão dessas mortos por derramamento de substância poluidora;88 ou o Município a
unidades. remover lixo urbano depositado em lugar impróprio, com cominação de
Não obstante as providências administrativas que possam ser toma- multa diária em caso de não-atendimento. 89
das, foi a criação da ação civil pública, com a legitimação do Ministério Essa mesma Lei 7.347, de 24.7.1985, criou o Fundo para Reconsti-
Público para propô-la, que veio possibilitar, em inúmeros casos, a restau- tuição dos Bens Lesados (art. 13), que abrange os danos causados ao meio
ração dos elementos destruídos ou a reparação dos danos causados, como ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético,
veremos a seguIr. histórico, turístico e paisagístico, tendo sido regulamentada pelo Decreto
92.302, de 16.1.1986.
4.4 Ação civil pública para proteção ambiental
4.5 Infrações penais e administrativas contra o meio ambiente
A Lei 7.347, de 24.7.1985,83 instituiu a ação civil pública para pro-
teção ambiental, legitimando precipuamente o Ministério Público para A Lei 9.605, de 12.2.1998, dispõe sobre as sanções penais e admi-
propô-la, como também as entidades que indica (art. 5º), e estabelecendo nistrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
regras específicas para o ajuizamento e julgamento. 84 Com relação aos crimes contra o meio ambiente a lei os distingue em
A Constituição Federal arrola entre as funções institucionais do Mi- cinco seções: crimes contra a fauna, crimes contra a flora, crimes contra o
nistério Público a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para ordenamento urbano e o patrimônio cultural, crimes contra a Administra-
ção Ambiental e crimes contra o meio ambiente em geral, neles incluída
a proteção ao meio ambiente (art. 129, III), de modo que sua legitimidade
a poluição.
ativa para a ação decorre de norma constitucional. 85
Por eles responde a pessoa que praticou o ato ou concorreu, de algu-
O pedido e a condenação devem basear-se em disposição de direito
ma forma, para sua prática. Quando se tratar de pessoa jurídica respondem
material da União, do Estado ou do Município que tipifique a infração
seus administradores. A própria pessoa jurídica poderá ser responsabili-
ambiental a ser coibida ou punida judicialmente. Trata-se de uma ação
zada administrativa, civil e penalmente nos casos em que a infração seja
para proteger os interesses difusos e coletivos (Lei 8.078, de 11.9.1990) da
sociedade, e não qualquer direito individual. O processo desta ação admite 86. Para maiores esclarecimentos, v., do Autor, Mandado de Segurança ... ,
31 ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, na parte referente à ação civil pública, e
83. Tratam também da matéria as Leis 7.853, de 1989, 7.913, de 1989, e 8.078, o artigo "Proteção ambiental e ação civil pública", RT 611/7.
de 1990. v., também: Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental ... , cit., 16ª ed.,
84. A Lei 11.448, de 15.1.2007, incluiu a Defensoria Pública entre os órgãos e 2008, p. 410; Nélson Nery Júnior, "Responsabilidade civil por dano ecológico e a
entidades com legitimidade para propor a ação civil pública, inclusive com sua medida ação civil pública", Justitia 126/168; Édis Milaré, "Tutelajuridica do meio ambiente",
cautelar. Justitia 132/98, e "A ação civil pública em defesa do ambiente", in Ação Civil Pública,
85. A Lei Complementar estadual 734, de 26.11.1993 (Lei Orgânica do Minis- São Paulo, Ed. RT, 1995; Toshio Mukai, "Responsabilidade solidária da Administra-
tério Público de São Paulo), alinha entre as funções da Instituição a de "promover o ção por danos causados ao meio ambiente", Justitia 141/7 5; Edis Milaré (coord.), Ação
inquérito e a ação civil pública, para a proteção, a prevenção e a reparação dos danos Civil Pública, reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, Ed. RT, 1995, e
causados ao meio ambiente" (art. 103, VIII), e atribui ao cargo especializado de pro- Ação Civil Pública - 15 anos, Ed. RT, 2001.
motor de justiça do meio ambiente as funções judiciais e extrajudiciais de "defesa dos 87. TJSP,Ap. cível 80.345-1, Santos,j. 7.4.1987.
interesses difusos ou coletivos relacionados com o meio ambiente e outros valores 88. TJSP, Ap. cível 85.608-1, Novo Horizonte, j. 14.5.1987.
artísticos, históricos, estéticos, turísticos e paisagísticos" (art. 295, VI). 89. TJSP, Ap. cível 137.580-1, São Bento do Sapucaí, j. 20.8.1991.
592 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

cometida por decisão de seu representante legal ou contratual ou de seu


órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Advirta-se,
contudo, que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a das pes-
soas físicas autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor
mínimo para a reparação dos danos causados.
Infração administrativa ambiental é toda ação ou omissão que viole
as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do Capítulo X
meio ambiente. Ela será apurada pelos funcionários dos órgãos e enti- SERVIDORES MUNICIPAIS
dades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA)
designados para atividades de fiscalização, bem como pelos agentes das
1. Considerações gerais: 1.1 Servidores públicos municipais: 1.1.1 Agen-
capitanias dos portos, do Ministério da Marinha, mediante processo admi- tes políticos -1.1.2 Servidores públicos em sentido estrito ou estatutários
nistrativo próprio, assegurados a ampla defesa e o contraditório. - 1.1.3 Empregados públicos - 1.1.4 Servidores contratados por tempo
As sanções estabelecidas para os infratores vão desde a simples ad- determinado - 1.2 Regime jurídico: 1.2.1 Limites e controle de despesa
com pessoal- 1.2.2 Sistema de previdência social do servidor. 2. Orga-
vertência até a suspensão, parcial ou total, da atividade e a aplicação de nização dos servidores municipais: 2.1 Competência do Município - 2.2
alguma medida restritiva de direitos. Essas medidas compreendem a sus- Organização legal: 2.2.1 Conselhos de Política de Administração e Remu-
pensão ou o cancelamento do registro, licença ou autorização; perda de neração de Pessoal. Escolas de Governo - 2.3 Observância das normas
incentivos fiscais; perda ou suspensão de participação em linhas de finan- constitucionais.
ciamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e, finalmente, a proibi-
ção de contratar com a Administração, pelo prazo de até três anos.
1. Considerações gerais
A MP 2.163-41, de 23.8.2001, acrescentou à Lei 9.605, de 1998, dis-
positivo de grande relevância para o combate à poluição, autorizando as Criados os serviços públicos municipais, surge, como decorrência na-
autoridades do SISNAMA a celebrar com pessoas físicas e jurídicas, com tural, a exigência do elemento humano para executá-los, segundo as nor-
força de título executivo extrajudicial, termo de compromisso para corre- mas da Administração e as necessidades dos administrados. Esse elemento
ção de atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras. humano, recrutado na forma da lei, é que constitui o pessoal administrati-
vo municipal, integrado pelos servidores municipais.!

1. Sobre servidores públicos em geral, V., do Autor, Direito Administrativo Bra-


sileiro, 34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Capítulo VII, contendo ampla
análise da matéria. Os comentários ali expostos, válidos para todas as entidades esta-
tais, não são aqui repetidos, limitando-se o Autor, nesta obra, a examinar os aspectos
de peculiar interesse para o Município.
v., também: Celso Antônio Bandeira de Mello, Apontamentos sobre os Agentes
Públicos, 1ª ed., 4ª tir., São Paulo, Ed. RT, 1984; Regime dos Servidores da Admi-
nistração Direta e Indireta, 3ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1995, e Curso de
Direito Administrativo, 25ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008; Régis Fernandes
de Oliveira, Servidores Públicos, Malheiros Editores, 2ª ed., 2008; Adílson de Abreu
Dallari, Regime Constitucional dos Servidores Públicos, São Paulo, 1976; Caio Tácito,
"Regime constitucional dos servidores públicos", RDP 26/26; Joaquim Castro Aguiar,
O Servidor Municipal, Rio de Janeiro, 1970, e Regime Jurídico dos Funcionários PÚ-
blicos, Rio de Janeiro, 1977; Maria Sylvia ZaneIla Di Pietro, Direito Administrativo,
13ª ed., São Paulo, Atlas, 2001; Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, São
Paulo, Ed. RT, 1996.
594 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x- SERVIDORES MUNICIPAIS 595

o denominado regime jurídico único, previsto no art. 39 da CF de a) estatutário regular, geral ou peculiar; b) administrativo especial; ou c)
1988, que tanta polêmica e dificuldades práticas causou, veio a ser abolido celetista, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de nature-
pela EC 19, de 4.6.1998, veículo da longamente discutida Reforma Admi- za profissional e empregatícia.
nistrativa. O aludido preceito passou a ter a seguinte dicção: "A União, os A classificação dos servidores públicos em sentido amplo é campo
Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de polí- propício para divergências doutrinárias. De acordo com a Constituição
tica de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores Federal, na redação resultante da EC 19, chamada de Emenda da Reforma
designados pelos respectivos Poderes. § 1Q. A fixação dos padrões de ven- Administrativa, bem como da EC 20, classificam-se em quatro espécies:
cimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: agentes políticos, servidores públicos em sentido estrito ou estatutários,
I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos empregados públicos e os contratados por tempo determinado.
componentes de cada carreira; II - os requisitos para a investidura; III - as
Reitere-se que a classificação ora proposta procura espelhar a siste-
peculiaridades dos cargos. ( ... )".
mática da Carta Política, com a ressalva de que esta, nas Seções I e II do
Assim sendo, hoje, União, Estados, Distrito Federal e Municípios po- Capítulo VII ("Da Administração Pública") do Título m, embora trate de
derão'adotar o regime estatutário, o celetista ou ambos, não mais exigindo forma preponderante dos servidores públicos em sentido estrito, também
a Constituição Federal o regime jurídico único. O que exige a Constituição contém vários dispositivos aplicáveis às demais espécies.
Federal é que a legislação disciplinadora do regime de trabalho dos servi-
dores públicos obedeça aos princípios fixados em seus arts. 37 a 41.
1.1.1 Agentes políticos
A EC 19 também suprimiu do art. 39, § 3 Q , as vantagens dos traba-
lhadores urbanos e rurais previstas nos incisos VI e XXIII do art. 7 Q , que Os agentes políticos constituem, na realidade, categoria própria de
haviam sido estendidas aos servidores públicos civis, e dispôs que a lei agente público. Porém, sem dúvida, no Título e Seções referidas, a Carta
poderá estabelecer requisitos diferenciados de admissão, de acordo com a Magna, para fins de tratamento jurídico, coloca-os como se fossem servi-
natureza ou a complexidade do cargo ou emprego. dores públicos, sem embargo de os ter como agentes políticos. São eles os
A EC 20, de 15.12.1998, modificou profundamente a previdência componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em car-
social concernente aos servidores, introduzindo nítida distinção entre o gos, funções, mandatos ou comissões por nomeação, eleição, designação
servidor titular de cargo vitalício e efetivo e os demais servidores, titulares ou delegação, para o exercício de atribuições constitucionais. Nesta cate-
de outros cargos ou de empregos públicos. Por sua vez, as ECs 41/2003 goria encontram-se, na órbita municipal, o chefe do Executivo (prefeito) e
e 47/2005 trouxeram novas e significativas alterações na parte relativa ao seus auxiliares imediatos (secretários municipais), os membros do Poder
tcto remuneratório e ao sistema de previdência sociaU Legislativo (vereadores), os membros dos Tribunais de Contas (nos Muni-
cípios onde houver) e demais autoridades que atuem com independência
Nos próximos itens veremos, em rápidas pinceladas, as categorias de
funcional no desempenho de atribuições constitucionais.
servidores municipais, o regime jurídico e a organização do funcionalismo
municipal em face dos preceitos constitucionais pertinentes. Normalmente têm normas específicas para sua escolha, investidura,
prerrogativas, responsabilidades e conduta, submetendo-se, no mais, ao
regime estatutário geral ou a um regime estatutário de natureza peculiar.
1.1 Servidores públicos municipais
Servidores públicos municipais, ou, simplesmente, servidores muni- 1.1.2 Servidores públicos em sentido estrito ou estatutários
cipais, em sentido amplo, são todos os agentes públicos que se vinculam
à Administração Pública Municipal, direta e indireta, sob regime jurídico: Os servidores públicos em sentido estrito ou estatutários são os ti-
tulares de cargo público efetivo e em comissão, com regime jurídico
estatutário geral ou peculiar e integrantes da Administração Municipal
2. As questões pertinentes a essas modificações, as nonnas de transição para os direta (Prefeitura e Câmara Municipal), das autarquias e das fundações
servidores públicos que já estavam no sistema previdenciário anterior, bem como a
questão do direito adquirido, que emerge ante tantas e profundas alterações, são exa- com personalidade de direito público. O que os caracteriza e os distingue
minadas no Direito Administrativo ... , 34ª ed., no Capítulo VII. dos demais servidores municipais é a titularidade de um cargo criado por
596 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x- SERVIDORES MUNICIPAIS 597

lei com denominação própria, em número certo e pago pelo Município. 1.1.4 Servidores contratados por tempo determinado
Tr~tando-se de cargo efetivo, seus titulares podem adquirir estabilidade e
Os contratados por tempo determinado são os servidores públicos
estarão sujeitos a regime peculiar de previdência social.
submetidos ao regime jurídico administrativo especial da lei prevista no
art. 37, IX, da Carta Magna, bem como ao regime geral de previdência
1.1.3 Empregados públicos sociaP Sujeitam-se, pois, a regime diverso do estatutário e do trabalhista.
Os empreaados públicos são todos os titulares de emprego público A contratação só pode ser por tempo detenninado e com a finalidade de
(não de cargo ~úblico) da Administração Municipal direta e indireta, su- atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. A ati-
jeitos ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e vidade a ser desempenhada pode ter natureza eventual, temporária ou ex-
legislação correlata; daí serem chamados também de celetistas. cepcional, mas, também, regular e pennanente, como deflui do inciso IX.
O que importa é o atendimento da finalidade prevista pela nonna. Assim,
Nesse regime o vínculo empregatício é de natureza contratual, co-
"desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária de
mum, equiparando-se a Administração ao empregador parti~ular, sem
excepcional interesse público, quer para o desempenho das atividades de
quaisquer prerrogativas especiais. Assim sendo, não lhe ~ lícIto a.lterar
caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para o desempenho das
unilateralmente as condições pactuadas, nem estabelecer clausulas dIscre-
atividades de caráter regular ou pennanente", a contratação é penniti-
pantes da legislação trabalhista, nem se subtrair .às alteraçõ~s legais ~e
da. 4 Desta fonna, embora não possa envolver cargos típicos de carreira,
aplicação impositiva e imediata, bem como às ~ec~sõ~s profend~s em dIS-
a contratação pode envolver o desempenho de atividade ou função da
sídio coletivo, podendo, porém, estabelecer a dIscIplma do servIço, como
carreira, desde que atendidos os requisitos acima. Fora daí tal contratação
ocorre com qualquer empresa particular.
tende a contornar a exigência de concurso público, caracterizando fraude
Por tudo isso, o regime trabalhista não é indicado para a arregimen- à Constituição.
tação do pessoal administrativo municipal, mas na sistemática constitu-
Tais servidores não ocupam cargos, pelo quê não se confundem com
cional vigente é o único de que se pode valer a Prefeitura para, em carát~r
os servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, nem se lhes equi-
temporário, recrutar servidores para funções autônomas de índole tranSI-
param. São os que o Município recruta eventualmente e a título precário
tória.
para a realização de trabalhos que fogem à rotina administrativa, como
Na Administração indireta o regime trabalhista é obrigatório para as os destinados à execução direta de uma obra pública, no atendimento de
empresas públicas, sociedades de economia mista municipais e suas subsi- situações de emergência ou à cessação de estado de calamidade pública, e,
diárias que exploram atividades econômicas, em razão do disposto no art. também para aqueles de caráter regular e pennanente que reclamam aten-
173, § l Q , lI, da CF. dimento temporário em face de excepcional interesse público.
Não ocupando cargo público e sendo celetistas, os empregados pú- Na área federal, a Lei 8.745, de 9.12.1993, disciplinou essa contra-
blicos não têm condição de adquirir a estabilidade constitucional (CF, art. tação, estabelecendo no art. 11 a aplicação a tais contratados de vários
41) nem podem ser submetidos ao regime de previdência peculiar, como preceitos do estatuto federal.
os ;itulares de cargo efetivo e os agentes políticos, sendo obrigatoriamente
O regime especial é, portanto, o modo pelo qual se estabelecem as
enquadrados no regime geral de previdência social, a exemplo dos titula-
relações jurídicas entre esses servidores e a Prefeitura, em confonnidade
res de cargo em comissão ou temporário. Salvo para as funções de con-
com a lei pertinente. A Constituição Federal fala apenas em lei especial,
fiança e de direção, a serem previstas à luz dos princípios de eficiência e
sem esclarecer sua origem. Entendemos, todavia, com base nos princípios
razoabilidade nos respectivos quadros de pessoal das pessoas jurídicas da
Administração Municipal indireta (na Administração direta, autárquica e
fundacional as funções de confiança só podem ser exercidas por ocupantes 3. O STJ entende que a controvérsia relacionada com a contratação temporária
prevista por essa lei não é da competência da Justiça do Trabalho (CComp 39.637,
de cargo efetivo - art. 37, V), os empregados públicos devem ser admiti- DJU 1.7.2004).
dos mediante concurso ou processo seletivo público, de modo a assegurar 4. STF,ADln 3.21O-PR, reI. Min. Carlos Veloso,j. 11.11.2004, DJU3.12.2004; e
a todos a possibilidade de participação. ADln 3.068-DF, reI. para o acórdão Min. Eros Grau (DJU23.9.2005 e 24.2.2006).
598 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x- SERVIDORES MUNICIPAIS 599

constitucionais de competência, que no âmbito municipal incumbe à lei Em conseqüência, em razão de sua autonomia política, o Município
local, exclusivamente, estabelecer o regime desses servidores. 5 pode estabelecer regime jurídico não-contratual para os titulares de cargo
Pode, pois, o Município, além do estatuto de seus servidores, elabo- público, sempre através de lei geral ou de leis específicas para determina-
rar outra espécie de norma reguladora do regime jurídico dos servidores das categorias profissionais, as quais consubstanciam o chamado regime
contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária estatutário regular, geral ou peculiar. 6 Pode, ainda, adotar para parte de
de excepcional interesse público. Nesse caso, porém, a lei municipal não seus servidores o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).?
poderá postergar os direitos fundamentais assegurados constitucionalmen- Por fim, deve adotar, através de lei, um regime de natureza administrativa
te aos trabalhadores em geral, como o salário mínimo, o repouso semanal especial, nos termos do art. 37, IX, da CF, para a contratação por tempo
remunerado, as férias anuais remuneradas e, principalmente, a previdência determinado para atender a necessidade temporária de excepcional inte-
social. resse público.
O inciso IX do art. 37 da CF determina que a lei estabeleça os casos Mister, no entanto, ter presente que alguns servidores públicos, por
de coptratação por tempo determinado para atender a necessidade tem- exercerem atribuições exclusivas de Estado, submetem-se, obrigatoria-
porária de excepcional interesse público. Daí por que advertimos que se mente, a regime jurídico estahltário, pois, como se depreende do art. 247
o Município não regular a matéria em lei somente poderá admitir ser- da CF, com a redação da EC 19, devem ter cargo efetivo.
vidores na forma do Estatuto dos Servidores Públicos, isto é, mediante Sob o regime estatutário a situação do servidor municipal não é con-
prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos e tratual, ou seja, não resulta de ajuste, de acordo bilateral com a Adminis-
observância das demais normas constitucionais, legais e regulamentares tração; mas, ao contrário, é disciplinada unilateralmente pelo Município,
pertinentes ao funcionalismo, ou contratá-los segundo o preceituado na mediante leis e regulamentos que podem ser livremente alterados para
legislação trabalhista. adequar as normas regedoras do funcionalismo aos interesses do serviço
público, desde que respeitado o mínimo de garantias que a Constituição
Federal assegura aos servidores públicos.
1.2 Regime jurídico
O regime estatutário é o que melhor atende aos interesses e neces-
O regime jurídico dos servidores civis consubstancia os preceitos le- sidades do serviço público local, porque somente dispondo da faculdade
gais sobre a acessibilidade aos cargos públicos, a investidura em cargo efe- de impor e alterar unilateralmente as normas disciplinadoras da vincu-
tivo (por concurso público) e em comissão, as nomeações para funções de lação jurídica do seu pessoal pode a Administração Municipal agir com
confiança; os deveres e direitos dos servidores; a promoção e respectivos liberdade - limitada apenas pelos preceitos constitucionais pertinentes ao
critérios; o sistema remuneratório (subsídios ou remuneração, envolvendo funcionalismo e às garantias individuais - para assegurar o pleno atendi-
os vencimentos, com a especificação das vantagens de ordem pecuniária, mento de seus objetivos, com a continuidade, a segurança e o rendimento
os salários e as reposições pecuniárias); as penalidades e sua aplicação; o desejados.
processo administrativo; e a aposentadoria. Todavia, as exigências para o preenchimento dos cargos públicos, de
Como vimos, a EC 19, ao dar conteúdo totalmente diverso ao art. 39, um lado, e, de outro, as garantias que a Constituição Federal outorga aos
caput, e ao alterar a redação do art. 206, V, suprimiu a obrigatoriedade de servidores podem constituir entraves ao bom desempenho de certas ati-
um regime jurídico único para todos os servidores públicos. vidades administrativas, como no caso em que a Prefeitura necessite de
Assim, o regime jurídico pode ser estatutário, celetista (o da Consoli-
dação das Leis do Trabalho - CLT) e administrativo especial. 6. O STF já decidiu que ao regime jurídico e ao novo plano de carreira, instituí-
dos por lei, não pode o servidor estatutário invocar direito adquirido para reivindicar
enquadramento diverso (RE 116.683-RJ, DJU 13.3.1992).
5. Cf., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., Capítulo VII, item 2. 7. Não pode, todavia, adotar a Consolidação das Leis do Trabalho e alterá-la em
No mesmo sentido: Joaquim Castro Aguiar, O Servidor Municipal, pp. 87 e ss.; Celso alguns pontos, pois tal competência é da União (CF, art. 22, I). E a fixação de venci-
Antônio Bandeira de Mello, Curso ... , 25ª ed., 2008, p. 249; Maria Sylvia Zanella Di mentos de servidores públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
Pietro, Direito Administrativo, 8ª ed., p. 355. não pode ser objeto de convenção coletiva (Súmula 679 do STF).
600 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 601

mão-de-obra para serviços temporários mas considere inoportuno e incon- IV Passa, em seguida, a aludida lei a detalhar a repartição desses limites
veniente despojar-se de suas prerrogativas para recrutar esse pessoal no globais, fixando percentuais para cada poder ou órgão nas esferas federal
regime trabalhista, sujeito a legislação uniforme, de âmbito nacional. estadual e municipal (art. 20). Assim é que para os Municípios impõe ~
obrigatoriedade da partilha dos 60% obedecendo aos percentuais de 6%
Para atender a esses casos a Constituição Federal prevê, no inciso IX
para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Município, quando
do art. 37, que "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo de-
houver, e 54% para o Executivo (art. 20, III).
terminado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público", admitindo um regime especial para o recrutamento de servido- Ao impor a fórmula percentual pela qual devem repartir entre seus
res, como vimos acima. poderes Legislativo e Executivo o limite global de despesa com pessoal a
mencionada lei desborda do teor do art. 169 da CF e afronta a autonomia
Em face dessa realidade, é imperativo que o Município crie cargos
para a execução de seus serviços específicos de natureza permanente e dos Municípios, garantida constitucionalmente como um direito público
edite lei que lhe permita atender às situações excepcionais, sob pena de subjetivo de organizar seu governo e prover sua administração, nos limites
se ver obrigado a contratar servidores no regime da legislação trabalhista traçados pela Carta Magna (arts. 29, 30 e 34, VII, "c").
com prejuízos para o nonnal desenvolvimento de suas atividades. ' Observe-se que o § 6º do mencionado art. 20 tentava contornar essa
Observe-se, finalmente, que os servidores públicos da Câmara Mu- invasão na órbita da autonomia municipal ao estatuir que "somente será
nicipal, embora nomeados pelo seu presidente, a quem são subordinados aplicada a repartição dos limites estabelecidos no caput, caso a lei de di-
hierárquica e funcionalmente, e pagos com os recursos consignados ao retrizes orçamentárias não disponha de forma diferente". Todavia, sobre
Legislativo, não podem ter estatuto próprio, diverso do que rege os ser- esse dispositivo incidiu o veto presidencial.
vidores da Prefeitura, porque todos são servidores públicos municipais, Acresce, de outro lado, considerar que em tema de direito financeiro a
sujeitos ao mesmo estatuto dos servidores do Município. 8 O que a Câmara competência legislativa da União é limitada ao estabelecimento de normas
tem é quadro próprio de servidores distinto do da Prefeitura, mas regido gerais (art. 24, I, e § 1º, CF).
por um mesmo estatuto municipal. Normas gerais são as que traçam as linhas essenciais que servirão de
diretrizes básicas na preceituação sobre determinada matéria. À legislação
1.2.1 Limites e controle de despesa com pessoal local cabe disciplinar o ajuste de tais diretrizes às peculiaridades e exigên-
cias inerentes ao interesse municipal.
O art. 169 da CF estabelece que a despesa com pessoal ativo e inativo
Ao fixar percentuais da receita limitativos de gastos com pessoal para
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá
os Poderes Legislativo e Executivo do Município a LRF particularizou
exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
minúcias e d~talhes que de forma alguma podem ser definidos como nor-
A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis- mas gerais. E, pois, flagrante, nessa parte, sua inconstitucionalidade. 9
cal - LRF), considera despesa total com pessoal o somatório de gastos
Cumpre ainda assinalar que, no que concerne ao Município, a EC 25,
com ativos, inativos e pensionistas, de quaisquer espécies, inclusive os
de 14.2.2000, que entrou em vigor em 1.1.2001, acresceu o art. 29-A à
"encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de pre-
Constituição, estabelecendo parâmetros para a fixação do total das despe-
vidência" (art. 18) e os valores de contratos de terceirização de mão-de-
sas do Poder Legislativo Municipal, que, incluídos os subsídios dos verea-
obra relativos à substituição de servidores (art. 18, § 1º). A apuração desse
dores e excluídos os gastos com inativos, tem como limite um percentual
total far-se-á somando-se a despesa realizada no mês em referência com
da soma da receita tributária e das transferências aludidas nos arts. 153,
as despesas dos 11 meses imediatamente anteriores, adotando-se o regime
§ 5º, 158 e 159 da CF, a ser definido de conformidade com a população
de competência (art. 18, § 2º). Dispõe, ainda, que a despesa total com pes-
soal não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida de 50%
... 9. A inc~mstitucionalidade do art. 20 da Lei Complementar 101, de 4.5.2000, foi
para a União e 60% para os Estados, Distrito Federal e Municípios (art. argulda em diversas ações diretas promovidas perante o STF, dentre as quais as ADIn
19, I-lU). O conceito de receita corrente líquida é estabelecido no art. 2º, 2.238-~, 2.365-9. (nas quais foi negada a liminar de suspensão da eficácia do preceito
nonnat~v? questIOnado), 2.261-0, 2.241 e 2.256, todas ainda aguardando julgamento
8. v., a esse propósito, o Capítulo XII, item 3.17. pelo mento.
602 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 603

do Município. De outra parte, o gasto da Câmara Municipal com folha de Se o excesso de despesa não for contido no prazo estabelecido, o ente
pagamento, incluídos os subsídios dos v~readores, não deverá ser superior público, enquanto ele perdurar, suportará as conseqüências previstas no
a 70% de sua receita (art. 29-A, § lº). E evidente que tais normas preva- § 3º do art. 23. Assim, não poderá: a) receber transferências voluntárias,
lecem sobre os critérios do art. 20, IlI, da LRF, que, inexplicavelmente, definidas no art. 25; b) obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; c)
desconsiderou a preexistência da preceituação constitucional. contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinancia-
Foram expressamente excluídas do limite estabelecido no art. 19, IlI, mento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com
as despesas de indenização por demissão de servidores e as decorrentes de pessoal.
incentivos à demissão voluntária (§ 1º, I-lI). São despesas de conteúdo in- Como observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "o dispositivo foi além
denizatório, parecendo-nos, por igual razão, que outras - tais como ajudas do que estabelece o art. 169, § 2º, da Constituição, que apenas previu,
de custo e diárias - com o mesmo caráter não devem ser consideradas para como sanção, a suspensão dos repasses de verbas federais ou estaduais
efeito de cálculo do aludido limite. Relevantes, também, na esfera muni- aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os
cipal as exclusões das despesas decorrentes de decisão judicial e da com- limites estabelecidos na lei complementar referida no captlt do dispositi-
petênCia de período anterior ao considerado no § 2º do art. 18 (§ 1º, IV) e vo. As medidas previstas nos incisos II e 1I1 não encontram fundamento na
com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por Constituição, não só porque impõem restrições nela não previstas, como
recursos provenientes: a) da arrecadação de contribuições dos segurados; porque interferem com a autonomia financeira dos Estados e Municípios,
b) da compensação financeira relativa à contagem recíproca do tempo de invadindo ainda matéria de competência do Senado, prevista no art. 52,
contribuição para efeito de aposentadoria, de que trata o § 9º do art. 201 da incisos VII, VIII e IX; esses dispositivos conferem ao Senado competên-
CF; c) das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a cia privativa para dispor sobre limites e condições para as operações de
tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, crédito externo e interno da União, Estados, Distrito Federal, Municípios,
bem como seu superávit financeiro. suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público Fede-
A verificação do cumprimento dos limites fixados nos arts. 19-20 de- ral, para dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da
verá ser realizada no final de cada quadrimestre (art. 22, caput). Cumpre União em operações de crédito externo e interno e para estabelecer limites
ao Tribunal de Contas alertar os Poderes ou órgãos referidos no art. 20 e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito
quando o montante da despesa total com pessoal ultrapassar 90% do limite Federal e dos Municípios".lO
(art. 59, § 1º, lI). Se a despesa exceder a 95% do limite o Poder ou órgão ALei 10.028, de 19.10.2000, considera infração administrativa, pas-
que incorreu no excesso passará a sofrer as vedações elencadas no pará- sível de punição com multa de 30% dos vencimentos anuais, a conduta
grafo único do art. 22. E, sem prejuízo destas, se ultrapassar os limites do omissiva do agente que deixar de ordenar ou de promover, na forma e nos
art. 20 o percentual excedente deverá ser eliminado nos dois quadrimes- prazos da lei, a execução de medida para a redução do montante que hou-
tres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro. Deverão, ainda, ver excedido o limite máximo da despesa total com pessoal (art. 5º, IV).
nesse caso, ser adotadas as providências previstas nos §§ 3º-4º do art. 169 Quanto às despesas com a seguridade social, compreendendo os ser-
da CF - ou seja, redução em pelo menos 20% das despesas com cargos viços de saúde, previdência e assistência social, o art. 24 da LRF, reprodu-
em comissão e funções de confiança e exoneração dos servidores não- zindo o § 5º do art. 195 da CF, estabelece que nenhum beneficio ou serviço
estáveis. Se estas medidas forem insuficientes deverá ser determinada a a eles relativos poderá ser criado, majorado ou estendido sem a indicação
perda do cargo dos servidores estáveis. da fonte de custeio total, devendo, ainda, ser atendidas as exigências do
Admite, também, a LRF a redução temporária da jornada de trabalho, art. 17. Porém, a compensação nele referida é dispensada quando o au-
com adequação dos vencimentos à nova carga horária (art. 23, § 2º) - pro- mento da despesa decorrer de: a) concessão de beneficio a quem satisfaça
vidência que, entretanto, colide com a cláusula constitucional que prevê as condições de habilitação previstas na legislação pertinente; b) expansão
a redução da jornada apenas mediante acordo ou convenção coletiva de quantitativa do atendimento e dos serviços prestados; c) reajustamento de
trabalho (art. 7º, XIII, aplicável aos servidores ocupantes de cargo público
por força do § 3º do art. 39). 10. Direito Administrativo, 13ª ed., p. 475.
604 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 605

valor do beneficio ou serviço, a fim de preservar seu valor real (art. 17, § (art. 40, § 10). Esta regra decorre da nova sistemática de contagem .de
1º, I-IH). tempo para os beneficios. Com efeito, não há mais tempo de serviço, e SIm
tempo de contribuição. 13
1.2.2 Sistema de previdência social do servidor Veda-se, outrossim, a percepção simultânea de proventos de aposen-
tadoria concedidos aos titulares de cargo vitalício ou efetivo, e também
A EC 20 modificou a Constituição no que conceme ao sistema de pre- aos militares, com a remuneração de outro cargo, emprego ou função pú-
vidência social e estabeleceu normas de transição de um regime jurídico blica, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os car-
para outro. Agora, pelas ECs 41/2003 e 47/2005, novas e sign~fi:at:~a~ al- gos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação
terações foram introduzidas, bem como novas reg.ras de t~ansIÇao. FIca- e exoneração (art. 37, § 10).
ram mantidas as regras diferenciadas para os servIdores tItulares de cargo
vitalício, de cargo efetivo, cargo em comissão ou de out~o ~argo tempo- Veda-se, ademais, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para
a concessão de aposentadoria e pensão aos abrangidos pelo regime pecu-
rário e de emprego público da União, dos Estados, do DIs~t? Fe~er~l e
dos Municípios, incluídas suas autarquias e funda?ões de ~Irelto publIco. liar, bem como aos submetidos ao regime geral, ressalvados, nos termos
Para os dois primeiros - servidor vitalício e servIdor efetIvo - assegura definidos em leis complementares, os casos de servidores: I - portadores
regime de previdência peculiar (arts. 40, caput, 73, § 3º; 9~, VI, e 129, § de deficiência; H - que exerçam atividade de risco; HI - cujas atividades
4º), enquanto que para os três últimos - servIdor em comIss.ao ou e~ out~o sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
cargo temporário e servidor empregado público - determma a aphcaçao integridade fisica (arts. 40, § 4º, e 201, § 1º, com a redação dada pela EC
do regime geral (art. 40, § 13) de previdência social previsto p~lo a:t. 201 47/2005). Portanto, a proibição de tratamento desigual a integrantes de um
da CF, que é o regime dos trabalhadores regidos pela Consohdaçao d~s mesmo regime de previdência é agora expressa e de ordem geral.
Leis do Trabalho. Se o servidor for vitalício ou efetivo e, sem perder a tI- O servidor sob o regime de previdência peculiar (art. 40, CF) que
tularidade do cargo, passar a ocupar cargo em comissão, cargo temporário tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998, ou até
ou emprego público, continuará enquadrado no regime peculiar. a data da publicação da EC 41, de 19.12.2003, poderá aposentar-se com
Trata-se de alteração profunda e significativa da política admi.nistra- proventos integrais, desde que preenchidas, respectivamente, as condições
tiva adotada até a EC 20 em termos de previdência social, na medIda em do art. 3º da EC 47/2005, ou do art. 6º da EC 41/2003, cujos valores serão
revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modifi-
que o servidor titular exclusivame~lte. de c~rgo e~ comiss~o. ou de o~tro
cargo temporário ou de emprego publIco so podera estar sUjeIto ao reg~me car a remuneração dos servidores em atividade, estendendo-se também
aeral não se permitindo ao Estado adotar o outro, chamado de regIme os beneficios e vantagens a estes concedidos, inclusive os decorrentes de
~ecuÚar, ou mesmo um regime especial ou misto. transformação ou reclassificação do cargo em que se deu a aposentadoria
(arts. 2º e 3º, parágrafo único, da EC 47/2005).14
Os dois regimes - o peculiar e o geral- são de caráter c~ntributiv~12
e devem observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuanal Os tetos remuneratórios são estabelecidos pelo § 11 do art. 40, ao
dos beneficios (CF, arts. 40 e 201). Em qualquer caso, a lei não poderá determinar a aplicação do art. 37, XI, à soma total dos proventos de inati-
estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício vidade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empre-
gos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para
o regime geral de previdência social e ao montante resultante da adição
11. A Lei 10.887, de 18.7.2004, dispõe sobre a aplicação da EC 41. .P~ra u~a de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável, cargo
análise mais ampla dessas questões, consulte-se, do Autor, o Direito AdmInistratIvo
Brasileiro, 34ª ed., 2008, Capítulo VII, itens 3.8 a 3.11.
12. Na ADI 3.105-8, o STF, adotando o voto do Min. Cezar Peluzo, deu pela 13. Na atual Constituição da República a competência para legislar sobre previ-
inconstitucionalidade das expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta ~or ~ento dência social e proteção e defesa da saúde é concorrente entre a União, os Estados e
do", constantes do parágrafo único, I e 11, do art. 4º da EC 41, e)u~gou consh~clOnal o Distrito Federal, cabendo à União, nesse setor, apenas editar as normas gerais (art.
a contribuição previdenciária dos servidores inativos e dos penSlOlllstas de servIdores, 24, XII, e § 1º). Aos Municípios incumbe apenas suplementar a legislação federal e a
prevista pelo referido art. 4º, caput, da EC 41, quando superar o valor de R$ 2.400,00, estadual, no que couber (art. 30,11).
com seus reajustes. 14. V. nota 2, deste Capítulo.
606 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x- SERVIDORES MUNICIPAIS 607

em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração e cargo 2. Organização dos servidores municipais
eletivo.
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que As enti~ades estatais são livres para organizar seu pessoal para o
instituam regime de previdência complementar para os servidores subme- melhor atendImento dos serviços a seu cargo. Devem, todavia, fazê-lo por
tidos ao regime peculiar, poderão fixar o valor dos proventos e da pensão lei.
no limite máximo previsto pelo regime geral de previdência (art. 40, § 14, A competência para essa organização é da entidade estatal a que per-
c/c o art. 201, da CF), fixado em R$ 2.400,00 pelo art. 5º da EC 41/2003, tence o respectivo serviço. Sobre esta matéria, como já assinalamos as
que também determina que ele seja reajustado de forma a preservar, em competências são estanques e incomunicáveis. 16 As normas estatutá~ias
caráter permanente, seu valor real, e atualizado pelos mesmos índices apli- federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do
cados aos benefícios desse regime geral. Esse regime complementar será Estado-membro se estendem aos funcionários dos Municípios.
instituído por lei de iniciativa do Poder Executivo de cada entidade política Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e com-
e deverá observar o disposto no art. 202 e seus parágrafos da Constituição por seu pessoal. 17 Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos
Federal, no que couber (art. 40, § 15). Todavia, o sistema de previdência das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados, o Distrito
complementar que vier a ser instituído somente poderá ser aplicado ao ser- Federal e os Municípios instituirão seus regimes jurídicos, segundo suas
vidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação da conveniências e necessidades administrativas e as forças de seus erários
lei que o instituir, mediante sua prévia e expressa opção (art. 40, § 16).15 (CF, arts. 39 e 169).
O § 20 do art. 40, acrescentado pela EC 41, veda a existência de mais Nos tóp~cos seguintes examinaremos a competência do Município
de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de para a orgamzação dos seus servidores e, sumariamente, os princípios
cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime constitucionais a que deve atendimento nesta matéria. 18
em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X, da CF.
O art. 69 da Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabi- 2.1 Competência do Município
lidade Fiscal - LRF), exige ao Município que mantiver ou vier a instituir
regime próprio de previdência social para seus servidores que lhe confira A competência do Município para organizar o serviço público e seu
caráter contributivo e o organize com base em normas de contabilidade pessoal é consectário da autonomia administrativa de que dispõe (CF, art.
e atuária que preservem seu equilíbrio financeiro e atuarial. E o art. 43, 30, I). Atendidas as normas constitucionais aplicáveis ao servidor público
§ 1º, da mesma lei determina que as disponibilidades de caixa dos regimes (CF, arts. 37-41), bem como os preceitos das leis de caráter nacional e de
de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos, ainda que sua lei orgânica, pode o Município elaborar o regime jurídico de seus ser-
vinculadas a fundos específicos a que se referem os arts. 249 e 250 da vidores, segundo as conveniências locais. Nesse campo é inadmissível a
CF, ficarão depositadas em conta separada das demais disponibilidades extensão das norinas estatutárias federais ou estaduais aos servidores mu-
de cada ente e aplicadas nas condições de mercado, com observância dos nicipais. Só será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-
limites e condições de proteção e prudência financeira. membro se a lei municipal assim o determinar expressamente.

15. A Lei Complementar 108, de 29.5.2001, dispõe sobre a relação entre a 16. Cf., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo VII, item 2.
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, 17. Nesse sentido pronunciou-se o TJSP, Pleno, no MS 10.072-0, j. 20.9.1989.
sociedades de economia mista e outras entidades públicas, e suas respectivas entida- . 18. O Au~or cuida, aqui, apenas sinteticamente do assunto, porque o estudou com
des fechadas de previdência complementar. A Lei Complementar 109, de 29.5.2001, maIOr profundIdade no Capítulo VII do seu Direito Administrativo ... , 34ª ed., sob os
dispõe sobre o regime de previdência complementar. A MP 233, de 30.12.2004, que títulos "Organização do Serviço Público" (item 2), "Normas Constitucionais Perti-
criou a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, autar- nen~es.aos Servidores" (item 3), "Lei de Responsabilidade Fiscal" (item 4), "Deveres
quia de natureza especial, que atuaria como entidade de fiscalização e supervisão das ~I?rr~ltos dos. ~er;!d?res" (item 5), "Responsabili~ad~s dos Servidores" (item 6) e
atividades das entidades fechadas de previdência complementar e da execução dessas DIreIto Adqumdo (Item 8), a que se remete o leItor mteressado no funcionalismo
atividades teve seu prazo de vigência encerrado em 14.6.2005, não tendo sido votada . uma. vez que as considerações ali expendidas são válidas para todas as
pelo Congresso. \c.-~'llL1.U"\.1\:;;S estataIs.
608 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 609

Nem mesmo a Constituição Estadual poderá estabelecer direitos, en- cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo
cargos ou vantagens para o servidor municipal, porque isto atenta contra a Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsí-
autonomia local. Desde que o Município é livre para aplicar suas rendas e dios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores" (§ 12).
organizar seus serviços (CF, art. 30, III e V), nenhuma interferência pode
Em suma, nos Municípios o teto remuneratório é o subsídio do Pre-
ter o Estado-membro nesse campo da privativa competência local.
feito, cujo valor não poderá exceder o subsídio mensal em espécie dos
Só o Município poderá estabelecer o regime de trabalho e de paga- Ministros do Supremo Tribunal Federal.
mento de seus servidores, tendo em vista as peculiaridades locais e as
possibilidades de seu orçamento. Nenhuma vantagem ou encargo do fim- Ao Supremo Tribunal Federal cabe propor ao Congresso Nacional
cionalismo federal ou estadual se estende automaticamente aos servidores a fixação do subsídio dos seus Ministros, por lei sujeita à sanção do Pre-
municipais, porque isto importaria hierarquização do Município à União e sidente da República (arts. 48, caput, Xv, e 96, II, "b", na redação dada
ao Estado-membro (STF, ADI 512-PB, Informativo STP 232). As Consti- pela EC 41/2003).20 O art. 8º da EC 41 estatuiu uma regra de transição,
tuições Estaduais e leis ordinárias que estabeleciam essa extensão de van- que teve vigência até que o valor desse subsídio veio a ser fixado pela Lei
11.143, de 26.7.2005.
tagells do servidor público estadual ao municipal tiveram as respectivas
disposições invalidadas, por inconstitucionais. 19 De outro lado, temos a norma do inciso XII, do mesmo art. 37, que,
Advirta-se, todavia, que o art. 37, XI, na redação da EC 41, institui quanto aos vencimentos, estabelece que os dos cargos do Legislativo e do
tetos para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Mu- Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo.
nicípios, no âmbito de seus Poderes e das suas Administrações diretas, Todavia, os salários dos empregados públicos das empresas públicas
autárquicas e fundacionais. Assim, a remuneração e o subsídio dos ocu- e das sociedades de economia mista e suas subsidiárias só estarão subme-
pantes de cargos, fimções e empregos públicos, dos detentores de mandato tidos ao teto geral se essas pessoas jurídicas receberem recursos da União,
eletivo e dos demais agentes políticos, bem como os proventos, pensões dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de
ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, in- despesas de pessoal ou de custeio em geral (CF, art. 37, § 9º). Assim, se
cluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza, não poderão exce- tiverem vida financeira própria no que diz respeito às despesas de cus-
der: a) na União, o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF; teio em geral e de pessoal, excluídos, pois, os investimentos, não estarão
b) nos Estados e no Distrito Federal: b1) no Poder Executivo, o subsídio submetidas ao comando do art. 37, XI. A exceção é altamente salutar e
mensal do Governador; b2) no Poder Legislativo, o subsídio dos Deputa- moralizadora, servindo de estímulo à eficiência. A lei nacional prevista no
dos Estaduais e Distritais; b3) no Poder Judiciário, o subsídio dos Desem- art. 173, § I º, da CF, por ela chamada de estatuto jurídico, deverá dispor a
bargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e respeito da aplicação dessa matéria.
cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros Vale ainda observar que o art. 37, XI, da CF, ao falar em "outras
do STF; b4) o teto previsto em "b3" aplica-se também aos membros do espécies remune~atórias" após cuidar de proventos e pensões por morte,
Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; e c) nos deixa patente que aqueles e estas constituem espécies remuneratórias, pelo
Municípios, o subsídio do Prefeito. Registre-se, todavia, que em nenhuma quê também se enquadram no conceito geral de remuneração, para fins de
hipótese os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão fixar seus observância dos tetos gerais.
tetos acima daquele previsto para a União. A faculdade conferida à União, Estados, Distrito Federal e Municí-
Pela EC 47/2005 foram acrescentados ao art. 37 os §§ 11 e 12 dispon- pios de estabelecer por lei a relação entre a maior e a menor remuneração
do que "não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de dos servidores públicos (art. 39, § 5º, da CF, na redação da EC 19), diante
que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indeniza-
tório previstas em lei" (§ 11). E facultando "aos Estados e ao Distrito Fe- 20. O STF assentou o entendimento de que os arts. 37, XI, e 39, § 4 2 , da CF, com
deral fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições a redayão da EC 19, de 1998, não eram auto-aplicáveis, porque dependiam da fixação,
e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargado- por lei (CF, art. 48, XV), do subsídio mensal, em espécie, dos ministros da Corte (De-
res do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cisão Administrativa de 24.6.1998 eADInlMC 1.898-DF,j. 21.10.1998). Com efeito,
em 26.7.2005, veio a ser editada a Lei 11.143 fixando o subsídio mensal de Ministro
Supremo Tribunal Federal, referido no art. 48, inciso XV, da CF, em R$ 21.500,00 a
19. STF, RDA 56/260; TASP, RT286/703, 291/784 e 304/647. . de 1Q de janeiro de 2005, e de R$ 24.500,00 a partir de 1Q de janeiro de 2006.
610 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 611

da nova redação do art. 37, XI, dada pela EC 41, não pennite que essas exat? .entendi~ento da palavr~ lei, que figura no texto constitucional, para
pessoas políticas venham a estabelecer um novo teto para seus servidores. admItIr tambem seu estabeleCImento por decreto e, até mesmo, pelo pró-
Os tetos constitucionais são os fixados por essa nonna - daí por que a prio edital de concurso. Nesse ponto estamos com os que, como Adílson de
parte final do § 5º, acima citado, dizer: "observado, em qualquer caso, o Abr~upallari, e~tendem que "somente a lei, em sentido estrito, pode fixar
disposto no art. 37, XI". reqUIsItOS, ou seja, nem o regulamento, nem o edital do concurso podem
Embora evidente, por força da sistematização, convém consignar que validamente fixar condições restritivas da participação de brasileiros".21
os direitos assegurados pelo § 3º do art. 39 - como, por exemplo, o 13º A participação da Câmara de Vereadores na organização do funcio-
salário e o terço de férias - e, também, as parcelas de caráter indenizatório nalismo limita-se aos aspectos acima expostos, pois o provimento de car-
previstas em lei (art. 37, § 11, acrescentado pela EC 47/2005), não estão gos, a regulamentação do seu exercício e a prática de atos relacionados
incluídos nos tetos remuneratórios. com os ser:ridores públicos (nomeação, lotação, remoção, promoção, pu-
Do acima exposto conclui-se que o Município goza de total liberdade nição, demIssão, exoneração, aposentadoria etc.) são da exclusiva alçada
22
na organização do seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços de do prefeit0 ou do presidente da Câmara, quanto aos cargos e funcioná-
sua competência. Entretanto, há duas regras fundamentais que não pode rios dos seus serviços auxiliares. 23
preterir: a que exige que a organização se faça por lei e a que impõe a . Ao Pre~idente da República a Constituição atribuiu competência para
observância dos preceitos constitucionais federais pertinentes aos servi- dIspor, medIante decreto, sobre extinção de funções ou cargos públicos,
dores públicos e das leis federais de caráter nacional. Atendidas essas quando vagos (confonne nova redação dada ao art. 84, VI, "b", pela EC 32,
duas regras, a seguir examinadas, ao Município compete criar, alterar e de 11.9.2001), e para,por ato próprio, extinguir cargos do Poder Executi-
extinguir os cargos necessários à execução dos seus serviços, indicando vo, na fonna da lei (art. 84, XXV). No caso, deparamos com uma norma
quais os isolados e os de carreira, quais os de provimento efetivo ou em e não um princípio constitucional, pelo quê não é impositiva a atribuiçã~
comissão, quais os requisitos exigidos para o provimento, bem como ela- de idêntica comp~tência ao prefeito. O que emana desse dispositivo é que
borar o regime jurídico dos seus servidores, tendo em vista, sempre, as o chefe do ExecutIvo deve ter a iniciativa e a última palavra em matéria de
peculiaridades, os interesses e as disponibilidades locais. extinção de cargos dos seus serviços. Esse entendimento é confinnado pela
própria Constituição ao cuidar da disponibilidade, pois menciona extinção
de cargo e declaração de sua desnecessidade (art. 41, § 3º).
2.2 Organização legal
Assim sendo, as nonnas de organização municipal podem deferir a
A organização legal do serviço público municipal, ou seja, por lei extinção de cargos da Prefeitura à lei, desde que de iniciativa do prefeito
aprovada pela Câmara de Vereadores e sancionada pelo prefeito, lei em e não subt:~iam deste .último ~ faculdade de, por ato próprio, declará-los
sentido estrito, é exigência constitucional, decorrente, dentre outros, dos desnecessanos. TodaVia, nada Impede que, por simetria com estabeleci- °
aliso 29, I, 30, I, 37, I-lI, 39-41 e 61, § lº, lI, "a", impositivos para os do para o governo federal, atribuam exclusivamente ao chefe do Executi-
Municípios, por força do art. 29, caput, que detennina a observância dos vo a extinção por ato próprio (decreto) dos cargos da Prefeitura. 24
princípios constitucionais quanto à organização de seus serviços e assun-
tos de peculiar interesse e, ainda, especificamente no que se refere aos 2.2.1 Conselhos de Política de Administração
servidores públicos. e Remuneração de Pessoal. Escolas de Governo
Desses preceitos constitucionais resulta que somente lei em sentido Como acentuado, aEC 19 deu ao art. 39, caput, da CF conteúdo total-
estrito pode criar e alterar cargos públicos municipais, bem como fixar- mente diverso, afastando, de um lado, a exigência de um regime jurídico
lhes a remuneração (art. 61, § 1º, lI, "a"), dispor sobre servidores muni-
cipais, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposen- 21. Regime Constitucional ... , p. 24. No mesmo sentido os seguintes julgados:
tadoria de servidores (arts. 37 e incisos e 39-41), e estabelecer requisitos TASP, RDA 68/132, 69/119 e 111/143.
para a investidura em cargo municipal. 22. Sobre a competência do prefeito para organizar e movimentar o funcionalis-
mo municipal, V., adiante, o Capítulo XII, item 3.17.
No que concerne a esse último aspecto - fixação legal dos requisitos
23. Os serviços auxiliares da Câmara são estudados no Capítulo XI, item 2.5.
para investidura - a doutrina e a jurisprudência ainda vacilam quanto ao
24. No mesmo sentido, Adílson de Abreu Dallari, Regime Constitucional ... , p. 69.
612 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 613

único para os servidores e acrescentando, de outro: ~ ?bri?at~ri~dade de As disposições estatutárias ou de outra natureza, se outro for o regime
a União, os Estados, o Distrito Federal e os MUlllClplOS mstltUlrem, no jurídico, todavia, não podem contrariar o estabelecido na Constituição da
âmbito de suas Administrações, Conselho de Política de Administração e República como normas gerais de observância obrigatória pela Adminis-
Remuneração de Pessoal, integrado por servidores designados pelos res- tração direta e indireta, conforme o caso, na organização do seu pessoal
e dos respectivos regimes jurídicos. Sempre entendemos, com a melhor
pectivos Poderes.
doutrina,25 que essas normas, mesmo no período anterior à Constituição
A composição entre os Poderes deverá ser paritária, e é recomendá~el
de 1988, eram impositivas para toda a Administração, em face do seu du-
que seus integrantes tenham investidura a termo certo, para terem m~lOr
plo objetivo. Realmente, ao instituí-las a Constituição não visa unicamen-
independência na formulação da política pretendida pela no~a constItu-
te ao resguardo dos interesses dos servidores, como erroneamente se pen-
cional. Nos Municípios onde houver Tribunal de Contas seus mtegrantes
sa. Não é assim. Juntamente com as garantias outorgadas aos servidores,
também deverão participar desse Conselho, uma vez que se trata de órgão o texto constitucional assegura ao Município os meios para realizar uma
constitucional autônomo e independente, com competência para a iniciati- boa administração, dentre os quais o poder-dever de zelar pela eficiência,
va de leis a respeito de sua administração e da remuneração de seus mem- moralidade e aprimoramento do pessoal administrativo. É o que ocorre,
bros epessoal. Assim, se, de um lado, este órgão tem competência para a por exemplo, com o instituto da estabilidade, que, a par de um direito,
formulação de sua política, não pode, de outro, estar divorciado da política para o servidor titular de cargo efetivo, de permanência no serviço público
geral pretendida pela EC 19, e que deve decorrer justamente das diretrizes enquanto bem servir, representa para a Administração a garantia de que
desse Conselho. Não pode, também, deixar de considerar os comandos do nenhum servidor nomeado para cargo de provimento efetivo em virtude
art. 169 e §§ da CF. de concurso poderá subtrair-se ao estágio probatório de três anos e a de
Obrigou, ainda, a EC 19, pela redação dada ao § 2º do art. 39, a União, que nenhum outro servidor titular de cargo em comissão poderá adquirir
os Estados e o Distrito Federal- não os Municípios - a instituir e manter igual direito. Assim, não pode a Administração - Federal, Estadual, Mu-
Escolas de Governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores nicipal ou do Distrito Federal - ampliar o prazo do art. 41 da CF, pois
públicos, facultada a celebração de convêni?s ou contrat~s e~tr~ o~ entes estaria restringindo direito do servidor público; mas também não pode di-
federados. Os Municípios, embora não obngados, poderao mstItuIr suas minuí-lo ou estendê-lo a outros servidores que não os efetivos nomeados
Escolas. Contudo, é-lhes muito mais conveniente a celebração de convê- por concurso, porque estaria renunciando a prerrogativas constitucionais
nios e contratos para esse fim, eis que dessa forma podem manter suas Es- consideradas essenciais na relação Município/agente administrativo. Não
colas de Governo sem que, para tanto, tenham que construí-las ou admitir sendo lícito ao Município renunciar a essas prerrogativas, seria nula e de
servidores, o que resulta em eficiência e economia, propiciando redução nenhum efeito, portanto, a disposição estatutária em desacordo com o pre-
de gastos. ceito constitucional.
O exame dessas normas constitucionais deu ensejo a que o TJSP, em
2.3 Observância das normas constitucionais sessão plenária, nos legasse esta magnífica lição de direito público: "Tais
dispositivos não contêm somente garantia, benefícios aos funcionários;
Como já vimos, em razão de sua autonomia constitucional, as enti- têm uma acepção mais ampla, pois são as normas primordiais que regem
dades estatais são competentes para organizar e manter seus servidores, as relações entre o Poder Público e seus agentes. Nessas relações há sem-
criando e extinguindo cargos, funções e empregos públicos, instituindo pre duas pessoas: uma de direito público - o Estado -, outra, a individual
carreiras e classes, fazendo provimentos e lotações, estabelecendo a remu-
neração, delimitando seus deveres e direitos e fixando regras disciplinares. 25. Para Themístocles Cavalcanti os princípios constitucionais relativos ao fun-
Os preceitos reguladores das relações jurídicas entre a Administração e o cionalismo público constituem "um código de direitos e obrigações fundamentais que
servidor constituem o regime jurídico, explicitados nos decretos e regula- devem ser respeitados pelos Estados e Municípios em suas leis ordinárias. A desobe-
diência ao que ali se dispõe importa, assim, violação da Constituição, que não pode
mentos expedidos, para sua fiel execução, pelo Poder Executivo ou pelos
ser restringida quanto aos direitos, nem ampliada contra as limitações ali impostas"
demais Poderes, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público, no e'Representação 96, sobre a inconstitucionalidade de dispositivos da Constituição do
exercício das suas respectivas administrações. Estado de São Paulo de 1947", RF 125/93).
614 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO x - SERVIDORES MUNICIPAIS 615

do funcionário. Não se pode considerar que os princípios preceituados na los, restringi-los ou ampliá-los, salvo quando expressamente autorizadas,
Constituição visaram apenas a favorecer uma dessas pessoas, o funcioná- e nos estritos limites da autorização. Assim, se o constituinte entendeu que
rio. Ao contrário, dizem respeito também ao Estado, para garantia de sua somente os servidores públicos nomeados para cargo de provimento efeti-
boa administração". E por esse raciocínio, de inegável lógica, a egrégia vo em virtude de concurso têm direito à permanência no serviço após três
Corte Estadual concluiu que "os Estados (e, por extensão, os Municípios) anos de exercício - o que, em princípio, constitui um entrave para a Admi-
podem dar aos funcionários outras garantias, outros benefícios além dos nistração -, não é lícito ao Município abdicar da sua prerrogativa de livre
conferidos pela Constituição Federal. É certo; mas, se essas garantias, es- disposição do seu pessoal para estender a estabilidade a outros servidores,
ses beneficios estão previstos na Constituição, não é possível ampliá-los e nem para reduzir o lapso do estágio probatório. Pelas mesmas razões não
nem estendê-los a outros funcionários que não os por ela favorecidos".26 pode conceder a outras as prerrogativas de vitaliciedade, de inamovibili-
Se até a Constituição de 1967 os dispositivos constitucionais pertinen- dade ou de irredutibilidade de vencimentos que a Carta Magna outorgou a
tes eram vistos apenas como mínimos de garantia dos servidores públicos determinadas categorias de agentes públicos e que não são exigidas pelos
e só se impunham integralmente por recomendação da boa doutrina e pela interesses administrativos.
moralizadora orientação jurisprudencial, a partir de então passaram a ser Não quer isso dizer que a Administração Municipal esteja impedi-
normas de observância obrigatória em todas as esferas administrativas - da de conceder outros direitos e vantagens a seus servidores, através de
situação mantida pela atual Constituição da República (arts. 37-41). Com normas legais. Absolutamente, não. Além de o texto constitucional não
isso fica prejudicada qualquer discussão sobre a possibilidade de sua res- exaurir a matéria, deixando, portanto, muito coisa à discrição das enti-
trição ou ampliação, uma vez que, atualmente, constituem, mesmo, "um dades estatais, estas se vêem, comumente, obrigadas a assegurar outros
código de direitos e obrigações fundamentais que devem ser respeitados beneficios a seus servidores, pois os recrutam em competição com o mer-
pelo Distrito Federal, pelos Estados e Municípios em suas leis ordinárias" cado empresarial. Daí por que os regimes jurídicos, além de encampar
- como ensina Themístocles Cava1canti. 27 muitas das garantias outorgadas constitucionalmente aos trabalhadores
Sobejam razões justificadoras desse entendimento, mas a principal do setor privado (art. 39, § 3º), costumam dispor sobre outros direitos e
delas é que a organização legal dos servidores públicos é tarefa do Legisla- vantagens de que esses não desfrutam (licença para tratamento de inte-
tivo, e este, muitas vezes, desconhecendo particularidades administrativas resses particulares, licença-prêmio, adicional por tempo de serviço etc.).
e peculiaridades dos serviços afetos ao Executivo e para atender a preten- Todas essas concessões são legítimas desde que, como já salientamos, se
sões classistas, confere aos servidores vantagens e prerrogativas que vão conformem aos interesses do serviço público, pois, no que conceme aos
dificultar substancialmente o manejo e a execução do serviço público. 28 direitos e vantagens de seus servidores, cada entidade estatal pode esta-
Ora, o servidor é apenas meio, e não fim da Administração, e toda vez que belecê-los livremente, com observância das normas constitucionais e das
esta lhe confere uma vantagem deve fazê-lo na exata medida do interesse leis de caráter nacional. O que não se permite é dispensar ou alterar o que
público. Vale dizer: as prerrogativas, garantias e demais vantagens do ser- a Constituição já estabeleceu como condições de eficiência, moralidade
vidor só se legitimam quando reclamadas pelo serviço público e não anu- e aprimoramento do serviço (requisitos de investidura, estágio probató-
lem seus requisitos de eficiência, moralidade e aperfeiçoamento. Na con- rio, limite para a aposentadoria,29 processo demissório, inacumulabilidade
cessão desses benefícios por via constitucional existe uma presunção de de cargos, responsabilização funcional) e como garantias dos servidores
imprescindibilidade, diante da qual devem curvar-se as entidades estatais; públicos (estabilidade, aposentadoria remunerada, contagem do tempo de
mas, ao concedê-los, a Constituição subtrai de cada uma delas o poder de serviço prestado às três esferas administrativas, disponibilidade).
disposição sobre a mesma matéria, de modo que lhes é defeso postergá-
29. O Órgão Especial do TJSP declarou a inconstitucionalidade de lei munici-
pal inovadora quanto à redução de prazos para a aposentadoria voluntária no caso de
26. RT 191/32l. exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas, salientando que
27. "Representação 96 ... ", RF 125/93. <;>s mesmos só podem ser reduzidos por lei complementar federal (ADIn 41.871-0,
28. Embora a iniciativa das leis relativas aos servidores, no âmbito do Poder .. ~ão Paulo, reI. Des. Luís de Macedo,j. 19.8.1998, v.u.). O art. 40, § 4º, da CF, com a
Executivo, seja da alçada exclusiva de seu chefe (CF, art. 61, § 1º, 11, "a" e "c"), o Le- redação dada pela EC 20, de 1998, refere-se aos "casos de atividades exercidas exclu-
gislativo detém um poder secundário de iniciativa, que exerce através de emendas, só sivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade fisica,
vedadas quando aumentem a despesa originariamente prevista (CF, art. 63, I). Ut'1HW~OS em lei complementar".
XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 617

bos qualquer subordinação administrativa ou política. O que existe entre


os dois ramos do governo local é, apenas, entrosamento de funções e de
atividades político-administrativas. Estabelece-se, assim, no plano muni-
cipal o mesmo sistema de relacionamento governamental que assegura a
harmonia e independência dos Poderes nos âmbitos federal e estadual.
Essa simetria, aliada ao disposto no art. 29, caput, da CF, impõe esten-
dam-se à Câmara de Vereadores os princípios constitucionais que regem
Capítulo XI o Poder Legislativo Federal, no que for compatível com as peculiaridades
A CÂMARA MUNICIPAL: do governo local e cabível no campo restrito das atividades edilícias.
COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES É o que veremos no desenvolver deste capítulo, ao apreciarmos a
Câmara na sua estrutura, na sua composição e nas suas funções e ao cui-
darmos especificamente das atribuições de cada um de seus órgãos.
1. A Câmara Municipal: 1.1 Natureza da Câmara - 1.2 Funções da Câ-
mara: 1.2.1 Função legislativa - 1.2.2 Função de controle efiscalização
_ 1.2.3 Função de assessoramento - 1.2.4 Função administrativa - 1.3 1.1 Natureza da Câmara
Prerrogativas da Câmara. 2. Composição da Câmara: 2.1 Vereadores:
2.1.1 Atribuições - 2.1.2 Mandato - 2.1.3 Prerrogativas - 2.1.4 Remune- O Poder Legislativo Municipal é exercido pela Câmara Municipal.
ração - 2.1.5 Licença - 2.1.6 Perda do mandato - 2.2 Mesa da Câmara: Compõe-se de vereadores eleitos diretamente pelos munícipes para uma
2.2.1 Natureza e composição da Mesa - 2.2.2 Presidente - 2.2.3 Outras legislatura de quatro anos e funciona em períodos legislativos anuais e em
atribuições do presidente - 2.2.4 Atribuições de outros membros da Mesa
_ 2.2.5 Dualidade de Mesas - 2.3 Plenário: 2.3.1 Recinto legal - 2.3.2 sessões plenárias sucessivas, para o desempenho de suas atribuições de
Sessão - 2.3.3 "Quorum" - 2.4 Comissões legislativas: 2.4.1 Comissões legislação, de fiscalização do governo local, de assessoramento do Execu-
permanentes - 2.4.2 Comissões especiais - 2.5 Serviços auxiliares da Câ- tivo e de administração de seus serviços.
mara. 3. Principais atribuições do plenário: 3.1 Votação de leis e outras
proposições: 3.1.1 Lei - 3.1.2 Decreto legislativo - 3.1.3 Resolução - 3.1.4 Como órgão colegiado, a Câmara delibera pelo plenário, adminis-
Atos legislativos inominados - 3.1.5 Processo legislativo - 3.1.6 projetos tra-se pela Mesa e representa-se pelo presidente. No exercício de suas
com prazo para apreciação - 3.1.7 Técnica legislativa - 3.1.8 Forma e atribuições,2 o plenário vota leis e demais atos normativos previstos na lei
redação da lei - 3.2 Elaboração do regimento interno - 3.3 Eleição da
Mesa - 3.4 Apreciação de veto - 3.5 Votação das leis orçamentárias - 3.6 orgânica local; a Mesa executa as deliberações do plenário e expede os atos
Autorização para abertura de créditos - 3. 7 Tomada de contas do prefeito de administração interna e de administração de seu pessoal; o presidente
e do presidente da Mesa - 3.8 Pedidos de informações e de comparecimen- representa e dirige a Câmara, praticando os atos de condução de seus traba-
to do prefeito à Câmara - 3.9 Autorização para empréstimos, subvenções,
concessões e permissões - 3.10 Autorização para alienação de imóveis lhos e de relacionamento externo da instituição com outros órgãos e autori-
_ 3.11 Autorização para convênios e consórcios - 3.12 Autorização para dades, especialmente com o prefeito, praticando, ainda, os atos específicos
isenção de tributos e perdão de dívida ativa - 3.13 Aprovação do plano di- da promulgação de leis, decretos legislativos e resoluções da Mesa.
retor- 3.14 Representação a autoridadesfederais, estaduais e municipais
_ 3.15 Fixação do subsídio dos vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e
dos secretários municipais: 3.15.1 Subsídio dos vereadores - 3.15.2 Sub- 1.2 Funções da Câmara
sídio do prefeito - 3.15.3 Subsídio do vice-prefeito - 3.15.4 Subsídio dos
secretários municipais - 3.16 Deliberação sobre licença de vereadores e Como Poder Legislativo do Município, a Câmara de Vereadores tem a
do prefeito - 3.17 Cassação de mandato de prefeito e de vereador.
função precípua de fazer leis. Mas não se exaurem nessa incumbência suas
atribuições institucionais. Desempenha, além da função legislativa e fisca-
1. A Câmara Municipal lizadora, realçada pela própria Constituição da República (art. 29, XI), a de
assessoramento ao Executivo local e a de administração de seus serviços.
O governo municipal no Brasil é de funções divididas, cabendo à A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é,
Câmara as legislativas e ao prefeito as executivas. 1 Mas não há entre am- a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no

1. V. o capítulo seguinte, sobre a Prefeitura e o prefeito. 2. Sobre essas atribuições, V., adiante, o item 2.3.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 619
618

que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Municípi~; Estaduais que é inconstitucional a deslocação do poder administrativo e
estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e servI- regulamentar do Executivo para o Legislativo. 4
ços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, in-
dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para dicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título
sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; ape- de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que
nas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao
governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência
Executivo, personalizado no prefeito. e atribuição. Usurpando funções do Executivo, ou suprimindo atribuições
Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial.
função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter re- Finalmente, é de esclarecer que a Câmara não representa o Município,
gulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos cujo representante legal e único é o prefeito. 5 Não há confundir a represen-
da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. tação jurídica da entidade estatal (Município) com a representação política
Éssa divisão de funções já era reclamada por Cortines Laxes, nos dos munícipes (Câmara): aquela produz efeitos civis e gerais (vinculação
idos do Império, "como uma das mais palpitantes necessidades do sistema da pessoa jurídica pelos atos de seu representante); esta só produz efeitos
municipal".3 E continua a sê-lo na atualidade, para que os dois Poderes cívicos (representação partidária dos eleitores pelos eleitos), internos e
do governo local - independentes e harmônicos entre si - possam atuar restritos à corporação legislativa. 6 A Câmara, não sendo pessoa jurídica,
desembaraçadamente no campo reservado às suas atribuições específicas. nem tendo patrimônio próprio, não se vincula perante terceiros, pois que
A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da sepa- lhe falece competência para exercer direitos de natureza privada e assumir
ração institucional de suas funções (CF, art. 2º). obrigações de ordem patrimonial.
Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções Feitas essas considerações preliminares e gerais sobre a atuação da
ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são Câmara, vejamos suas funções.
incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não
cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la 1.2.1 Função legislativa
nas atividades que lhe são próprias.
Afunção legislativa, que é a principal, resume-se na votação de leis e
Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara
estende-se a todos os assuntos da competência do Município (CF, art. 30),
elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta
desde que a Câmara respeite as reservas constitucionais da União (arts.
é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de 22 e 24) e as do Estado-membro (arts. 24-25). Advertimos que a Câmara
praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita Municipal não pode legislar sobre direito privado (civil e comercial), nem
_ que o Legislativo provê in genere, o Executivo in specie; a Câmara edita
sobre alguns dos ramos do direito público (constitucional, penal, proces-
nonnas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí
sual, eleitoral, do trabalho etc.), sobrando-lhe as matérias administrativas,
não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades
tributárias e financeiras de âmbito local, asseguradas expressamente pelo
reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais
art. 30 da CF.
manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações,
pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os in- Vale ressaltar que essa competência do Município para legislar "sobre
teressados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o assuntos de interesse local" bem como a de "suplementar a legislação fe-
mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.
4. STF, RT 200/661; TJMG, RT 200/394; TJSP, RT 176/161, 177/578, 190/405
Atuando através das leis que elaborar e atos legislativos que editar, a e 216/344.
Câmara ditará ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar 5. TJSP, RT269/214 e 280/204.
à prática administrativa. A propósito, têm decidido o STF e os Tribunais 6. Luís Izaga, Elementos de Derecho Político, v. 11, pp. 37 e ss.; Georges Burdeau,
Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, pp. 110 e ss.; Carlos S. de Barros Jú-
3. Regimento das Câmaras Municipais, Rio de Janeiro, 1885, item XXIX. nior, "A representação política", RT236119.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 621
620

deral e estadual no que couber" - ou seja, em assuntos em que predomine agentes que a Constituição Federal, em seus arts. 70-71, por simetria, e
o interesse local - ampliam significativamente a atuação legislativa da a lei orgânica municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação,
fiscalização e julgamento. No nosso regime municipal o controle político-
Câmara de Vereadores.
administrativo da Câmara compreende a fiscalização contábil, financeira,
A edição de lei orgânica municipal, prevista no art. 29, caput, da CF,
orçamentária, operacional e patrimonial, através do julgamento das contas
é outro fator que enriqueceu sobremaneira a função legislativa da Câmara
do prefeito e de suas infrações político-administrativas sancionadas com
MunicipaU cassação do mandato. Essas funções serão examinadas pormenorizada-
Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus verea-
mente ao cuidarmos, adiante, das atribuições do plenário.
dores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e
privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais de- Exerce, ainda, a Câmara o controle legislativo de determinados atos
vem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da ou contratos do Executivo, através de autorização prévia ou aprovação
CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, ~e posterior, mas somente nos casos e limites expressos na lei orgânica do
iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os proJe- Município.
tos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das Na autorizada lição de Andreozzi, "a faculdade de fiscalização e con-
secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria trole das Câmaras sobre os atos do Executivo não é uma faculdade interior
de organização administrativa e planejamento de execução de obras e ser- ou adjacente à de editar leis; pelo contrário, é fundamental e necessária
viços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Admi- para a própria elaboração das leis, a fim de que o Legislativo conheça
nistração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico como funcionam os outros órgãos, sobretudo o Executivo, em relação ao
e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua re- qual exerce amplo controle". E remata o mesmo constitucionalista argenti-
muneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento no: "Não se pode dizer que estas funções essenciais, que são conseqüência
anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos compe- da natureza mesma das Câmaras Legislativas, sejam faculdades inciden-
tem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental. tais e acessórias. A nosso juízo, são faculdades fundamentais, transcen-
dentais, de amplíssima projeção".8
1.2.2 Função de controle efiscalização No mesmo sentido, expõe Beckert que, "nos regimes democráticos,
Ajimção de controle efiscalização da Câmara Municipal mereceu do o povo delega poderes, não só de legislação, mas e sobretudo de fiscali-
constituinte de 1988 destaque idêntico ao da função legislativa, na medida zação, a seus mandatários nas Câmaras, para que assegurem um governo
em que o art. 29, XI, da CF as coloca dentre os preceitos obrigatórios a probo e eficiente".9
serem observados na elaboração das leis orgânicas municipais. Tal conceito aproxima-se do de Galloway ao sustentar que "o con-
Há de se destacar, aqui, o poder de "sustar os atos normativos do trole do Executivo pelo Legislativo se desenvolve com três finalidades:
Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de ajudar a legislação, supervisionar a Administração e informar a opinião
delegação legislativa", previsto expressamente na Constituição Federal pública sobre o cumprimento da lei".lo
como uma das competências exclusivas do Congresso Nacional (art. 49, Essa função fiscalizadora da Câmara pode ser exercida individual-
V), ressaltando a grande ênfase que o constituinte de 1988 deu ao Poder mente por seus membros, II por comissão permanente designada para esse
Legislativo.
Afunção de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do 8. Manuel Andreozzi, Facultades Implícitas de Investigación Legislativa y Privi-
Executivo tem caráter político-administrativo e se expressa em decretos legias Parlamentarios, pp. 12 e ss.
legislativos e resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e 9. Modern Democracy, pp. 71 e ss.
10. The Investigative Fonction, Londres, 1927, pp. 70 e ss.
7. Sobre a matéria, v.: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional 11. O Órgão Especial do TJSP concedeu segurança a vereador, salientando que
Positivo, 30!! ed., Malheiros Editores, 2008, p. 642; Boletim-Roteiro para Elaboração . a pretensão em obter informações e cópias de documentos do Executivo Municipal,
das Leis Orgânicas Municipais, ed. CEPAM; Sandra Krieger Gonçalves Silva, O Mu- quando requisitadas por escrito e mediante justificativa, é ato que se insere dentro da
nicípio na Constituição Federal de 1988, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2003. .. competência de fiscalização do Poder Legislativo (MS 48.485-0, São Paulo, reI. Des.
622 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 623

fim (nos moldes da comissão mista prevista nos arts. 166, § 1Q, e 72 da CF) . _ Podemos .s~stentar, em face dos meios constitucionais postos à dispo-
ou por comissões especiais de investigação, que levarão à consideração slçao dos admImstrados e notadamente do disposto no art. 31, § 3 Q , da CF
do plenário o que souberem ou o que apurarem sobre a atuação político- que a fiscalização da conduta dos governantes, que antes era um privilé~
administrativa do prefeito, como chefe do Executivo Municipal, para que gio do Po.der Legislativo, na atualidade se estendeu ao próprio cidadão, e
se lhe aplique a sanção correspondente, na forma e nos casos previstos na em espeCIal ao contribuinte, que hoje em dia tem um direito subjetivo ao
lei orgânica municipal. governo honesto. A moralidade pública e a probidade administrativa dos
Observe-se que essa função fiscalizadora foi significativamente am- agentes do poder são um direito do povo, daí a razão por que o controle da
pliada pelo constituinte de 1988 quando dela cuidou em relação ao Con- legalidade da Administração foi ampliado até o mais simples cidadão (CF,
Q
gresso Nacional, pois agora, além do aspecto da legalidade, deverão tam- art. 5 , LXXIII). Mas nem por isso descabe à Câmara fiscalizar, controlar e
bém ser examinados os aspectos da legitimidade, da economicidade, da reprimir os atos do Executivo, na medida e pela forma que a Constituição
aplicação das subvenções e renúncia de receitas (cf. art. 70 da CF). da República e a lei orgânica do Município lhe asseguram. Tratando-se de
A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis- um controle político, só alcança os agentes políticos, e não os servidores,
sujeitos ao controle hierárquico do Executivo.
cal- LRF), atribuiu importante papel ao Poder Legislativo na fiscalização
da gestão fiscal, merecendo destaque: I - o atingimento das metas estabe-
lecidas na lei de diretrizes orçamentárias; II - os limites e condições para 1.2.3 Função de assessoramento
realização de operações de crédito e inscrição em Restos a Pagar; III - as
Afunção de assessoramento da Câmara ao prefeito expressa-se atra-
medidas adotadas para o retomo da despesa total com pessoal ao respec-
vés de indicações, aprovadas pelo plenário. A indicação é mera sugestão
tivo limite; IV - as providências tomadas para recondução dos montantes
do Legislativo ao Executivo para a prática ou abstenção de atos adminis-
das dívidas consolidada e mobiliária aos respectivos limites; V - a desti-
trativos da competência exc1usiya do prefeito. Não obriga o Executivo,
nação de recursos obtidos com a alienação de ativos (art. 59).
nem compromete o Legislativo. E ato de colaboração, de ajuda espontânea
É evidente que essa fiscalização externa, realizada pela Câmara, deve de um órgão ao outro. Como simples lembrete, a indicação não se traduz
conter-se nos limites do regramento e dos princípios constitucionais, em ~m int~r~erênc!a indébita ~o Legisl~tivo no. Executivo, porque não impõe
especial o da independência e harmonia dos Poderes. 12 a Ad~I~Istraçao seu atendImento. E, todaVIa, uma função de colaboração
da EdIhdade para o bom governo local, apontando medidas e soluções
Ângelo Gallucci, j. 4.11.1998, v.u.). Em outro julgado a Sessão Plenária do mesmo ~dministrativa~ m~itas vezes não percebidas pelo Executivo, mas pressen-
Tribunal assegurou o direito de obter informações sobre a situação de obras públicas a
vereador que as solicitou através de requerimento acolhido pelo presidente da Câmara
tIdas pelo LegIslatIvo como de alto interesse para a comunidade.
e encaminhado ao prefeito municipal (JTJ 183/242).
12. Por se imiscuírem em área tipicamente da função administrativa do chefe 1.2.4 Função administrativa
do Executivo, o Plenário do TJSP proclamou a inconstitucionalidade de leis munici-
pais que fazem depender da aprovação da Câmara a publicidade de atos, programas, Afitnção administrativa da Câmara é restrita à sua organização inter-
obras e serviços da Administração Pública (ADln 11.704-0, reI. Des. Oliveira Cos- na, ou seja, .à composição da Mesa e de suas comissões, à regulamentação
ta, j. 28.8.1991, v.u.; ADln 13.866-0, reI. Des. Oliveira Costa, j. 12.2.1992, RJTJSP
136/411). Igualmente, aquela Corte, por extravasamento do poder de fiscalizar, ful-
de seu funCIOnamento e à estruturação e direção de seus serviços auxilia-
minou de inconstitucionalidade dispositivos de leis municipais que exigem a remessa res. Quando atua nesses setores a Câmara pratica atos de mera adminis-
pelo prefeito à Câmara de editais de licitação, cópias de contratos de compras, o~ras tração, equiparados, para todos os efeitos, aos do Executivo. Tais atos,
e serviços, e da documentação relativa à despesa (ADln 13.797-0, reI. Des. FreItas embora emanados da corporação legislativa, não são leis; são atos admi-
Camargo, j. 12.2.1992; ADln 12.052-0, reI. Des. Garrigós Vinhaes, j. 21.8.1991). "O nistrativos, sem efeito normativo, sem a generalidade e abstração da lei.
controle externo na fiscalização dos atos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo
deve estar limitado pelos parâmetros definidos na Constituição Federal ( ... ). Se assim
Como atos administrativos, devem revestir a forma adequada de decreto
não fosse já não haveria controle externo, mas interno, e ultrapassaria a fiscalização legislativo, resolução, portaria, instrução ou qualquer outra modalidade
para converter-se em ato administrativo complementar, se não componente, como o
seria na espécie, de ato complexo misto e heterodoxo, ao arrepio dos preceitos cons- 11.676-0, RJTJSP 131/429; ADln 12.635-0, RJTJSP 135/381· e ADIn 13.995-0 JTJ
titucionais" (ADln 12.345-0, reI. Des. Carlos Ortiz, j. 15.5.1991). V. também: ADln 167/261. "
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 625
624

executiva. Ficam, por isso mesmo, sujeitos ao controle judicial de sua le- ou rito para seu cometimento. Não se pode olvidar que os interna corporis
galidade e ao exame do Tribunal de Contas, como se emanassem de qual- são atos formalmente administrativos e materialmente políticos. Na sua
quer órgão ou agente executivo. tramitação e forma ficam sujeitos ao exame judicial, como os demais atos;
na valoração de seu conteúdo refogem da censura do Judiciário. 14
1.3 Prerrogativas da Câmara Nesta ordem de idéias, conclui-se que é lícito ao Judiciário perquirir
da competência da Câmara e verificar se há inconstitucionalidades, ile-
A Câmara de Vereadores, como Poder Legislativo do Município, galidades e infringências regimentais nos seus alegados interna corpo-
colegiado, desfruta das prerrogativas próprias desse ór~ão, quais sej~m: ris, detendo-se, entretanto, no vestíbulo das formalidades, sem adentrar o
compor sua Mesa diretiva, elaborar seu regimento, orga~Iz~r seus servIços conteúdo de tais atos, em relação aos quais a corporação legislativa é, ao
e deliberar livremente sobre os assuntos de sua economia mtema. mesmo tempo, destinatária e juiz supremo de sua prática.
Essas prerrogativas são essenciais à preservação da independência da Nem se compreenderia que o órgão incumbido de elaborar a lei dispu-
Câmara em relação ao prefeito. Mas é de se advertir que a Câmara não teI? sesse do privilégio de desrespeitá-la impunemente, desde que o fizesse no
o privilégio de desatender impunemente à Constituição, às leis de orga~l­ recesso da corporação. Os interna corporis só são da exclusiva apreciação
zação do Município, às normas da Administração local e ao s~u pr?~no das Câmaras naquilo que entendem com as regras ou disposições de seu
regimento. Transpondo os limites da legalidade, seus atos ficarao sUjeItos funcionamento e de suas prerrogativas institucionais, atribuídas por lei.
a correção judicial, para o restabelecimento dos direitos ev~ntu~lmente Assim, se numa eleição de Mesa o plenário violar o regimento, a lei
feridos. 13 O caráter político-representativo da corporação legIslatlva, por ou a Constituição, o ato ficará sujeito a invalidação judicial, para que a
si só não afasta o controle judiciário de sua atividade, porque nem todas Câmara o renove em forma legal; mas o Judiciário nada poderá dizer se,
as d~liberações da Câmara permanecem no reduto intocável dos interna atendidas todas as prescrições constitucionais, legais e regimentais, a vo-
corporis. tação não satisfizer os partidos, ou não consultar o interesse dos cidadãos
Em sentido técnico-jurídico, interna corporis não é tudo que provém ou a pretensão da minoria. O controle judiciário não poderá estender-se
do seio da Câmara ou se contém em suas manifestações administrativas. aos atos de opção e deliberação da Câmara nos assuntos de sua economia
Interna corporis são somente aquelas questões ou assuntos que e~ten~em interna, porque estes é que constituem propriamente seus interna corpo-
direta e imediatamente com a economia interna da corporação legIslatIva, ris.
com seus privilégios e com a formação ideológica da lei, que, por sua A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerroga-
própria natureza, são reservados à exclusiva apreciação e deli?e!aç~o do tivas funcionais é hoje pacificamente reconhecida pela doutrinaIs e pela
plenário da Câmara. Tais são os atos de escolha da Mesa (elelçoes mter- jurisprudência. 16 Certo é que a Câmara não tem personalidade jurídica,
nas), os de verificação de poderes e incompatibilidades de seu~ ~e~bros mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem
(cassação de mandatos, concessões de licenças etc.) e os de utIhzaçao de por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, à Edilidade
suas prerrogativas institucionais (modo de funcionamento da Câmara, ela- para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos próprios a
boração de regimento, constituição de comissões, organização de serviços defender.
auxiliares etc.) e a valoração das votações. A personalidade jurídica não se confunde com a personalidade ju-
Daí não se conclua, porém, que tais assuntos afastam, por si sós, a diciária; esta é um minus em relação àquela. Toda pessoa jurídica tem,
revisão judicial. Não é assim. O que a Justiça não pode é substituir a de- necessariamente, capacidade processual, mas órgãos há que, embora sem
libera~ão
Y
da Câmara por um pronunciamento judicial sobre o que é da .
exclusiva competência discricionária do plenário, da Mesa ou da preSI-
14. Sobre o controle judicial dos atos de outros Poderes, V., do Autor, Direito
dência. Mas pode confrontar sempre o ato praticado com as prescrições Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, Ma1heiros Editores, 2008.
constitucionais, legais ou regimentais que estabeleçam condições, forma 15. James Go1dschmidt, Derecho Procesal Civil, p. 192, José Alberto dos Reis,
Código de Processo Civil Português, v. I, p. 23; Lopes da Costa, Direito Processual
13. TJSP, RT 182/250, 185/773, 193/249 e 258/345; TASP, RT 239/552 e Civil, v. I, p. 286.
317/535. 16. TJRS, RDA 15/46; TJPR, RT301/590 e 321/529; TJSP, RT247/284.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 627
626

personalidade jurídica, podem estar em juízo, em seu próprio nome, em 2. Composição da Câmara
mandado de segurança, porque são titulares de direitos subjetivos suscetí-
, . A composição da Câmara Municipal é uniforme em todos os Muni-
veis de proteção judicial quando relegados ou contestados. Nessa situação
CIpI~S, :vanando apenas em número de vereadores, que a Constituição da
se encontram os órgãos do governo local - Prefeitura e Câmara -, aos
RepublI.ca fix?u. ser proporcional à população do Município, observados
quais se atribuem funções específicas, prerrogativas funcionais e direitos
os ,segu~nt:s lImItes: 1) mínimo de 9 e máximo de 21, nos Municípios de
próprios inerentes à instituição. Desde que esses órgãos têm direitos sub-
ate 1 mllhao de habltantes; 2) mínimo de 33 e máximo de 41 nos Municí-
pios de mais de 1 milhão e menos de 5 milhões de habitant~s' 3) mínim
jetivos, hão de ter meios judiciais - mandado de segurança - e capacidade
processual para defendê-los e tomá-los efetivos. de 42 e máximo de 55, nos Municípios de mais de 5 milhões d~ habitante~
A possibilidade de a Câmara agir judicialmente contra o prefeito de- (CF, art. 29, IV).
corre de sua autonomia em relação ao Executivo local. "Essa autonomia Tal'prece~to constitucional, embora aludindo a número de vereadores
_ aduz Nunes Leal - não pode ser entendida como competência não ga-
pr?~~rcI~n.al a população, não estabeleceu, de forma explícita, qualquer
rantida, incapaz, portanto, de se afirmar, quando contestada ou violada. Se c:Iten? ngIdo ?u exata fórmula matemática.pertinente sobre essa propor-
assim fosse não estaríamos diante de uma realidade política e jurídica, mas CIOnalIdade. SImplesmente fixou limites mínimos e máximos conform
diante de um conceito vazio, autêntica mistificação constitucional". 17 cad I aCIOnaI
a tet? p.o€U ' da escala prevista. 19 Ao estabelecer essa' proporçãoe
O que não se admite é que a Câmara ingresse em juízo em nome do a Co.nStltuIçao Federal manteve a competência do Legislativo Municipal
Município ou a pretexto de defendê-lo em demandas com terceiros rela- e deIxou-lhe margem de opção para fixar o número de vereadores sem
tivas a negócios administrativos da competência privativa do Executivo depender de precisa operação aritmética. '
local. Em tais casos só será admissível a intervenção judicial do próprio . E:ssa po~si~ilidade rendeu ensejo a discussões e debates na doutrina e
Município, legalmente representado pelo prefeito. Certo é, entretanto, que na JunsprudencIa em relação ao número exato de vereadores a ser fixado
ato ilegal e lesivo do patrimônio municipal pode ser invalidado em ação pelo~ ~unicípios, s~stentando uns que, observados os parâmetros mínimo
popular ajuizada por qualquer cidadão pertencente à Câmara ou estranho e maXImo estabeleCIdos para cada uma das faixas, tem a Câmara de Ve-
a ela. Tal ação, embora possa ser exercitada por qualquer vereador, como readores autonomia para fixar o seu número, e outros, que a composição
cidadão (eleitor), não poderá sê-lo pela Câmara, que não dispõe do requi- deve .obe~ecer a valores aritméticos que legitimem a proporcionalidade
sito constitucional da cidadania, exigido para o exercício da actio popu- conStI~CIOnal. Adotando esta última corrente, o Supremo Tribunal Fede-
laris. 18 ral salIentou que, ~'deixar a critério do legislador municipal o estabeleci-
Quanto ao mandado de segurança, a Câmara poderá impetrá-lo sem ment? ~a com~o.sIção das Câmaras Municipais, com observância apenas
outras restrições senão quanto ao objeto, que há de ser sempre a defesa de dos .lImItes m~xImos e mínimos do preceito (CF, art. 29) é tomar sem
seus direitos institucionais. Sendo a Câmara um órgão despatrimoniali- sentido a preVIsão constitucional expressa da proporcionalidade".2o Por
zado, todas as vantagens e encargos de ordem pecuniária decorrentes do i
i
julgado reverterão à Fazenda Municipal ou serão por esta suportados. 19. JTJ 182/9. I
Necessário se toma ainda distinguir as impetrações da Câmara - isto 20. RE 19~.917-SP, T..Ple~?, reI. Min. Maurício Corrêa, DJU7.5.2004, p. 8, com I
,I
é, do seu presidente, munido de resolução do plenário que o autorize a in- ~ ementa a segUir :e~roduzIda: l!-ecurso Extraordinário. Municípios. Câmara de Ve- :1
readores. Composzçao. AutonomIa Municipal. Limites constitucionais. Número de ve- 11
gressar em juízo em nome da corporação - das que forem requeridas pelo
r~a~ores proporcional à população. CF, artigo 29, rv. Aplicação de critério aritmético li'
presidente mas sem autorização da Câmara ou por qualquer vereador em rzgzdo. Invocaçã:; dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade li!r
nome próprio, se bem que na qualidade de edil. No primeiro caso as con- entre a populaçao e o numero de vereadores. Inconstitucionalidade 'incidenter tan-
seqüências da condenação recaem sobre a Fazenda Municipal; no segundo ~u~', da norma mu.ni~ipal. Efeitos para o fUturo. Situação excepcion~l. 1. O artigo 29, :;

InCISO IV ~a ConStItUl~~O .Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional il


serão suportadas pessoalmente pelo autor.
popul~ç~o, d?s ~;mIcIpI~S, obser:v~~os os lin:tites mínimos e máximos fixados pelas !
a, b e c. 2. DeIxar a cnteno do legIslador municipal o estabelecimento da
17. Victor Nunes Leal, "Personalidade judiciária das Câmaras Municipais", in ,.çolmp,osi'cão das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e

I
Problemas de Direito Público, p. 324, e também in RDA 15/46. núniIlGOS do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional ex-
18. STJ, REsp l25.841-MG, DJU29.9.l997, p. 48.l33. da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios me-
628 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 629

sua vez, o Tribunal Superior Eleitoral, ao editar instruções para as eleições


. . 1) a proporcion~lidade arit~ética seria a mais lídima resposta à exigência COllS-
municipais de 2004, através de Resolução, determinou que a fixação do
número de vereadores a eleger, deveria observar os critérios declarados
A.0
tl,:uclOnal. ,d~termmar que? numero de Vereadores deve ser proporcional à popula-
çao do mUlllClplO, toma-se eVidente que outra exegese não pode ser extraída do texto
pelo Supremo Tribunal Federal no RE 197.917, conforme tabela anexa, senão aquela que resulte nítida e expressivamente do seu próprio sentido. Com efeito
que estabelece o número de vereadores em relação ao número de habi- deixando-se ao alvedrio do legislador municipal a fixação do número de vereadore~
tantes de cada município, estimado em 2003 pelo Instituto Brasileiro de apenas pela relaçã~ mí~imo-máximo, permitindo-se-Ihe uma opção aleatória e subjeti-
Geografia e Estatística - IBGE.21 vamente bas~ada tao-so na vontade de cada Câmara Legislativa ~ 9, 10, 11, 12... 20 ou
21, como qUIser -, sem a observância da relação vereador/população, tal opção não irá
retratar a proporcionalidade constitucionalmente reclamada'
nos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias
vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a 2) a intenção da norma constitucional não é apenas es~belecer os limites mínimo
ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. e .máx~mo, mas ,exi?i.r a relação de pro~orcionalidade. O entendimento de que a propor-
Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que cwnalidade e~ta mltlgad~ pe~a det~~mação de observância de limites não pode mais
estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente prosperar: P?IS a sua ap!lcaçao pratica provoca resultados que violam a Constituição,
de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não toma.nd~ mo~ua ~ relaçao população/vereadores. Por isso, não pode prevalecer a juris-
encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende p~~~ncla at~ e,:tao firmada pelo TSE, que fez perdurar a situação de inumeráveis mu-
ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada lllClplOS brasIleIros com população reduzidíssima e exagerado número de Vereadores
traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas em flagrante desrespeito aos critérios de proporcionalidade previstos na Constituição!
estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postu- 3) a competência para legislar não é ilimitada, de forma a gerar situações de dis-
lados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, torção e~ até f':esn;t0' de subver.são dos fins que regem o desempenho da função estatal.
artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da Repú- A .a~açao le~l:latIva ~eve re~h;ar-se em harmonia .c?m o interesse público, não se ad-
blica, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de mItmdo a edlçao de leIS destItuI das de certa razoabIlIdade, sob pena de caracterizar-se
habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição ex~esso ~o poder de le?islar, hipótese que ocorre com os Municípios que aprovam suas
da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § I º). 7. LeIS <?rg.ar:lcas com numero de Vereadores incompatível com a proporção ditada pela
Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número ConstituIçao Federal (STJ, MS 3.173-SP, ReI. Min. Luiz Carlos Madeira, j. 1.6.2004,
de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2.600 habitantes somente v. U., DJU 1.10.2004, p. 151).
compOlia 9 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurançajuridica. Situação excep- A Resolução 21.702, do Tribunal Superior Eleitoral, publicada no DJU de
cional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria 6.4.200~, dispõe sobre .i~s~ruções sobre o número de vereadores a eleger segundo a
grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público populaçao de cada mUlllClplO, adotando os critérios declarados pelo STF no julgamen-
para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de to do RE 197.917, conforme a tabela abaixo:
inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido".
O STF reafirmou, emjulgamento de 11.5.2006, que "a competência das Câmaras Número de habitantes do Município Número de Vereadores
Municipais para fixação do número de vereadores (art. 29, IV, da CB/88) deve respei- até 47.619
tar, a partir da legislatura 2005/2008, o disposto na Resolução TSE n. 21.702/2004, edi- 09
de 47.620 até 95.238 10
tada nos termos da jurisprudência finnada pelo STF no julgamento do RE n. 197.917,
Relator o Ministro Mauricio Correa, DJ7.5.2004" (RMS 25.11O-SP, T. Pleno, reI. Min. de 95.239 até 142.857 11
Marco Aurélio, DJU9.3.2007, p. 27, Lex-STFv. 29, n. 340, 2007, pp. 181-190). de 142.858 até 190.476 12
21. Até a edição da Resolução 21.702, de 2004, o Tribunal Superior Eleitoral de 190.477 até 238.095 13
vinha entendendo que o Município era competente para dispor sobre a composição de de 238.096 até 285.714 14
sua Casa Legislativa, desde que cumpridos os padrões definidos no art. 29, da Carta de 285.715 até 333.333
Política (os marcos das alíneas do inciso IV, do art. 29), ponderando que a proporcio- 15
nalidade de que cogita o art. 29, IV, da CF, não é absoluta, mas mitigada pela opção de 333.334 até 380.952 16
política dos Municípios, de fixarem o número de cadeiras na Câmara de Vereadores, de 380.953 até 428.571 17
observadas as balizas constitucionais indicadoras de mínimo e máximo. de 428.572 até 476.190 18
Todavia, acolhendo representação do Ministério Público Eleitoral, adotou, atra- de 476.191 até 523.809 19
vés da aludida Resolução, para definição do número de vereadores, os precisos crité- de 523.810 até 571.428
rios declarados pelo STF no RE 197.917-SP (v. nota anterior), que julgou inconstitu- 20
de 571.429 até 1.000.000 21
cional dispositivo da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela-SP.
Os argumentos que conduziram a esse posicionamento, reiterados em julgamen- de 1.000.001 até 1.121.952 33
tos posteriores, foram, em síntese, os seguintes: de 1.121.953 até 1.243.903 34
630 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 631

Como Poder Legislativo, colegiado e independente, a Câmara é for- presentação social; e tem serviços auxiliares, com pessoal administrativo
mada por vereadores, que, reunidos, constituem o plenário; dispõe de um próprio. Essa, em síntese, a composição de nossas Edilidades. 22
órgão diretivo, que é a Mesa; mantém comissões permanentes e, even-
Para metodizar o estudo da Câmara, passaremos a apreciar separa-
tualmente, cria comissões especiais de investigação, de estudos ou de re-
damente cada um de seus elementos constitutivos, assinalando-lhes a na-
tureza e atribuições, nesta ordem: a) vereadores; b) Mesa; c) plenário; d)
comissões; e) serviços auxiliares.
Número de habitantes do Município Número de Vereadores
de 1.243.904 até 1.365.854 35 2.1 Vereadores
de 1.365.855 até 1.487.805 36
de 1.487.806 até 1.609.756 37 Os vereadores são agentes políticos investidos de mandato legisla-
de 1.609.757 até 1.731.707 38 tivo local, para uma legislatura de quatro anos, pelo sistema partidário e
de 1.731.708 até 1.853.658 39 de representação proporcional, por voto secreto e direto. Como agentes
de 1.853.659 até 1.975.609 40 políticos, têm normas específicas para sua escolha, investidura, posse, im-
de 1.975.610 até 4.999.999 41 pedimentos, incompatibilidades, atribuições, prerrogativas, remuneração,
de 5.000.000 até 5.119.047 42 licença, responsabilidades e conduta, previstas na Constituição Federal e
de 5.119.048 até 5.238.094 43 na lei orgânica local, submetendo-se, no que couber, ao regime estatutá-
de 5.238.095 até 5.357.141 44 rio geraL Não se ligam ao Município por relações de emprego, só sendo
de 5.357.142 até 5.476.188 45 considerados funcionários públicos para efeitos criminais, por expressa
de 5.476.189 até 5.595.235 46 equiparação do art. 327 do CP, e perante a Câmara respondem pelas con-
de 5.595.236 até 5.714.282 47 dutas definidas na lei orgânica municipal sancionadas com a cassação do
de 5.714.283 até 5.833.329 48 mandato.
de 5.833.330 até 5.952.376 49 Sem dúvida, os vereadores detêm representação política e exercem
de 5.952.377 até 6.071.423 50 mandato eletivo assemelhado ao dos parlamentares federais e estaduais,
de 6.071.424 até 6.190.470 51 apenas limitado ao território do Município e aos assuntos de seu peculiar
de 6.190.471 até 6.309.517 52 interesse. Daí o estarem regidos por normas próprias da atividade parla-
de 6.309.518 até 6.428.564 53 mentar, quer no tocante à sua atuação pessoal perante a Câmara, quer no
de 6.428.565 até 6.547.611 54 concernente às suas atribuições de legisladores e de julgadores da conduta
acima de 6.547.612 55 funcional de sell:s pares e do prefeito - atribuições, essas, que, por sua
Anota, ainda, que, no caso de sobrevir emenda constitucional que altere o art.
relevância, exigem prerrogativas para seu exercício e impõem encargos e
29, IV, da Constituição Federal, de modo a modificar esses critérios, o TSE proverá a responsabilidades pelo seu desempenho. É o que veremos a seguir.
observância das novas regras.
Para elaboração da tabela e detenninação dos respectivos números, foi conside- 2.1.1 Atribuições
rada, na primeira faixa (art. 29, IV, "a", CF) a relação de proporção entre 1.000.000 e
21 = 47.619, que representa o quantitativo de habitantes correspondente a 1 (um) ve- As atribuições dos vereadores são precipuamente legislativas, embora
reador. Como 9 (nove) é o número mínimo, uma ficção legislativa transpôs, para essa exerçam ainda funções de controle e de fiscalização de determinados atos
finalidade, a proporção de 1 para 9. Assim, 9 será o número de vereadores correspon-
dente aos Municípios com até 47.619 habitantes. Para alcançar 10 vereadores, soma-se do Executivo, de julgamento de infrações político-administrativas do pre-
mais 47.619 no número da população. E, assim por diante até obter-se o número limite feito e de seus pares; e pratiquem restritos atos meramente administrativos
de vereadores dessa faixa, ou seja, 21. Quanto à faixa da alínea "b", do inciso IV, do nos assuntos de economia interna da Câmara, quando investidos em cargos
art. 29, segue-se o mesmo raciocínio, na proporção de 4.999.999 para 41 = ,1~1.951,
o que significa dizer que, a partir de 1.000.001 habitantes, e do patamar mllllmo de 22. Sobre Câmara e vereador, v. Antônio Tito Costa, O Vereador e a Câmara
33 vereadores, a cada grupo de 121.951 habitantes, soma-se mais um vereador: Igual Municipal, São Paulo, 1964; José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Consti-
procedimento é adotado na faixa da alínea "c", subseqüente. tuição, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª ed., 2008, comentários aos arts. 29 e 29-A.
632 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 633

da Mesa ou em funções transitórias de administração da Casa. Sendo mul- investidura no mandato; é dever público para com a coletividade que o
tiformes os aspectos em que as necessidades da comunidade se apresentam elegeu como seu representante e que, por isso mesmo, o quer atuante em
a pedir soluções, variadíssima é a atividade do edil, a ser consubstanciada defesa dos interesses coletivos. Na Câmara o vereador tem liberdade in-
em disposições normativas (leis), em deliberações administrativas (decre- dividual de ação, mas fora da Câmara não dispõe dessa faculdade, nem
tos legislativos, resoluções e outros atos), em sugestões ao Executivo (in- a representa, nem pode tomar iniciativas ou medidas administrativas ou
dicações), sobre todo e qualquer assunto da competência local. judiciais em nome da Casa, na forma regimental. Mesmo quanto às in-
E vêm de longe esses encargos edilícios, pois que as Ordenações do formações sobre negócios municipais não é admissível que o vereador as
Reino já preceituavam: "Aos vereadores pertence ter carrego de todo o solicite, em caráter individual, ao prefeito ou a qualquer outra autorida-
regimento da terra e das obras do Conselho, e de tudo o que puderem de, devendo fazê-lo, sempre que as desejar, por intermédio da Câmara, a
saber, e entender por que a terra e os moradores dela possam bem viver, e quem submeterá previamente o pedido.
nisso hão de trabalhar. E se souberem que se fazem na terra malfeitorias, Quanto à atividade da Câmara, o vereador não só tem direito a par-
ou que não é guardada pela Justiça, como deve, requererão aos Juízes, que ticipar dela, na forma regimental, como tem qualidade para impedir, até
olhem por isso. E se o fazer não quiserem, façam-o saber ao Corregedor mesmo por via judicial, qualquer desrespeito ao regimento, que é a lei da
da Comarca ou a Nós".23 Casa. Os atos praticados ao arrepio das normas regimentais são nulos, e
No nosso sistema municipal, ao vereador não cabe administrar direta- essa nulidade pode ser reconhecida e declarada pelo Judiciário a pedido de
mente os interesses e bens do Município, mas indiretamente, votando leis qualquer vereador em exercício, desde que comprove a ilegalidade. 25
e demais proposições ou apontando providências e fatos ao prefeito, atra- Quanto às atividades executivas do Município, o vereador está im-
vés de indicações, para a solução administrativa conveniente. Tratando-se pedido de realizá-las ou de participar de sua realização, porque, como
de interesses locais não há limitação à ação do vereador, desde que atue membro do Legislativo local, não pode interferir diretamente em assuntos
por intermédio da Câmara e na forma regimental. administrativos da alçada do prefeito.
O vereador não age individualmente, senão para propor medidas à Prática absolutamente inconstitucional é a designação de vereadores
Câmara a que pertence, não lhe competindo o trato direto com o Executivo para integrar bancas de concurso, comissões de julgamento em licitação,
ou com qualquer autoridade local, estadual ou federal acerca de assuntos grupos de trabalho da Prefeitura e outras atividades tipicamente execu-
oficiais do Município. Toda medida ou providência desejada pelo verea- tivas. 26 A independência dos dois órgãos do governo local veda que os
dor, no desempenho de suas funções, deverá ser conhecida e deliberada membros da Câmara fiquem subordinados ao prefeito, como impede a
pela Câmara, que, aprovando-a, se dirigirá oficialmente, por seu presiden- hierarquização do Executivo ao Legislativo. Ora, a só nomeação de um
te, a quem de direito, solicitando o que deseja o edil. vereador pelo prefeito está a evidenciar a sujeição deste membro do Le-
A atribuição precípua do vereador é a apresentação de projetos de gislativo ao chefe do Executivo local.
atos nonnativos à Câmara, com a conseqüente participação na sua discus-
são e votação. Como membro do Poder Legislativo local, tem o direito de 2.1.2 Mandato
participar de todos os seus trabalhos e sessões, de votar e ser votado para
os cargos da Mesa e de integrar comissões na forma regimental, sem o quê . Mandato de vereador é investidura política, de natureza representa-
não poderá desempenhar plenamente a representação popular de que está tiva, obtida por eleição direta, em sufrágio universal e voto secreto, pelo
investido. 24 Casos há, porém, em que, por considerações de ordem moral sistema partidário proporcional, para uma legislatura de quatro anos (v.
ou de interesse particular nos assuntos em discussão, deverá abster-se de Capítulo lU, item 3.1.2). O exercício do mandato inicia-se com a posse na
intervir e de votar nas deliberações, justificando-se perante o plenário. Câmara e se exaure ao término da legislatura, se antes não se findar por
A participação efetiva nos trabalhos da Câmara tem para o vereador renúncia, morte, extinção ou cassação. Pode interromper-se por licença,
o caráter dúplice de direito-dever. É direito individual resultante de sua concedida na forma regimental.

23. Ordenações Filipinas, Título LXVI, Livro I. 25. TJSP, RT 180/631 e 185/773.
24. TJSP, RT 196/181. 26. TJSP, MS 91.202, da comarca de Santos.
634 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 635

Aposse dos vereadores é dada na sessão solene de instalação da legis- p~r~nte. o !u?iciário, q~e lhes dará a proteção ou a sanção devida a todo
latura, pelo vereador mais votado ou mais idoso, conforme a lei orgânica dlrelÍo mdIVldual e subjetivo. 27
do Município estabelecer. Nessa oportunidade lavrar-se-á a respectiva ata
.. Os illlfedimen.tos ou incomp,atibilidades (não confundir com inelegi-
e cada vereador presente assinará o termo de posse e prestará o correspon- bllzdades, ja exammadas no CapItulo lU) para o exercício do mandato de
dente compromisso de fiel cumprimento do mandato, considerando-se, vereador devem estar expressamente previstos na lei orgânica do Municí-
desse momento em diante, em exercício.
pio, ~~rdando simetria, no que couber, aos impostos pela Constituição da
Sendo a posse simples ato administrativo de complementação da in- RepublIca para os membros do Congresso Nacional e peta Constituição do
vestidura no mandato, não depende de deliberação do plenário, bastando Estado para os membros da Assembléia Legislativa (CF, art. 29, IX).28
que o presidente da sessão (na instalação da legislatura) ou o presidente Há i~pedimentos ou incompatibilidades que alcançam o vereador
da Câmara (na apresentação dos vereadores retardatários) apenas exija o desde a ~lplomação, e outros que se iniciam com a posse, findando com
diploma do eleito, e, no caso de suplente, peça-lhe comprovação da or- a cessaçao do exercício ou da prática do ato que os determinou. Como
dem de votação. Se houver impugnação ou dúvida sobre a legitimidade da bem classifica José Afonso da Silva, os impedimentos ou incompatibili-
posse: então, sim, a decisão se transferirá para o plenário da Câmara, que dades podem ser de caráter funcional, negocial, político ou profissional, 29
aplicará a sanção cabível, através de deliberação regimental. conforme o ato que lhes der causa; mas qualquer deles conduz à extinção
A deliberação sobre impedimentos ou incompatibilidades é privati- do man?~t? se em tempo oportuno não houver desimpedimento ou desin-
va do plenário da Câmara e só pode ser tomada depois de empossado o compatIbIlIzação.
vereador. Não há incompatibilidade ou impedimento que vede a posse. Questão correlata à incompatibilidade ou impedimento é a de saber se
Ocorrendo tal hipótese o presidente da Câmara deverá empossar o preten- os atos praticados por vereador impedido ou incompatibilizado mas ainda
dente para que, ao depois, o plenário delibere sobre a ocorrência ou não no ex~rcício do mandato, são válidos ou nulos. A nosso ver, são válidos.
de conflito entre os dois cargos ou entre a vereança e a situação pessoal E aSSIm se nos afigura porque a legitimidade de sua atuação na Câmara
do vereador em relação às suas demais atividades públicas ou particulares. d:co~e da posse e do exercício do mandato. Ora, enquanto o vereador
O vereador a quem o presidente negar posse, estando em condições legais nao tlver cancelada a posse ou não for afastado do exercício do mandato
que autorizem sua investidura no cargo, poderá obtê-la por via judicial, por ?eci~ão _reg~l~r do presidente, do plenário ou da Justiça, seus ato~
uma vez que o exercício do mandato é um direito individual subjetivo, funCIOnaiS s.ao valIdos. Por idêntica razão, válida é a atividade de suplente
embora de caráter político. convocado Irregularmente, porque enquanto permanecer no exercício da
verea~ça os atos decorrentes de sua investidura são eficazes, mesmo que
As leis orgânicas costumam fixar um prazo para os vereadores to-
postenormente se reconheça indevida a convocação. 30
marem posse, findo o qual, sem que o eleito se apresente ou justifique o
retardamento, entende-se renunciado tacitamente o mandato. Diante dessa Finalmente, é de se relembrar que as questões relativas a impedimen-
situação deve o presidente da Câmara declarar extinto o mandato e convo- tos ou incompatibilidades, bem como as concernentes a posse e exercício
car o suplente partidário. de mandato, deverão ser solucionadas pela própria Câmara de Vereadores
se~ndo previsão na lei orgânica do Município, e só serão revistas pel~
O exercício do mandato de vereador fica condicionado ao atendimen- JustIça Comum (e não pela Eleitoral) quando ilegais e ofensivas de direito
to dos requisitos constitucionais e legais que o Município prescreve para líquido e certo do postulante. 31
resguardo da independência da Câmara e eficiência da função legislativa.
Tais são os impedimentos ou incompatibilidades que se estabelecem para . :. 27. STF, RDA 53/180 e 60/260, RT 285/889· TJSP RDA 67/161 RT 207/93 e
o desempenho do mandato. Além disso, no exercício do mandato o vereador 2111338. '"
deve atender aos preceitos regimentais e às praxes parlamentares, que im- 28. Os_ impedi~entos ou incompatibilidades estabelecidos para os senadores e
põem padrões legais de conduta e mínimos éticos de compostura e decoro uettuta.dos nao se aplIcam automaticamente aos vereadores. A lei orgânica do Municí-
deve prescrevê-los expressamente.
funcionais, que geram encargos, deveres, sanções, prerrogativas e direitos
29. Manual do Vereador, 5ª ed., 2004, pp. 60 e 88.
de caráter político ou jurídico; aqueles (políticos) só são controlados pela 30. TJSP,RT2l7/340.
i:
própria corporação legislativa; estes (jurídicos) são invocáveis também
31. TJSP,RDA 351189,RT207/93 e 211/338.

J
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 637
636

Com a edição da Constituição da República de 1988 a inviolabilidade


2.1.3 Prerrogativas
do vereador "por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato
No desempenho do mandato os vereadores auferem, além das prer- e na circunscrição do Município" aparece como prerrogativa expressa (art.
rogativas regimentais, duas outras de origem const~t~cional e legaf:. a in- 29, VIII), a ser inserida na lei orgânica do Município. Cuida-se, segundo
violabilidade pelas opiniões, palavras e votos emItIdos no exerCIClO do Damásio Evangelista de Jesus, "de causa funcional de isenção de pena,
mandato e na circunscrição do Município e a prisão especial enquanto não semelhante às causas extintivas da punibilidade do art. 107 do Código
houver decisão condenatória definitiva. Penal. Ela extingue a pretensão punitiva. Impede o inquérito policial e a
Não se aplica aos vereadores, nem pode ser adotada validamente pe- ação penal. Significa que os vereadores não respondem pelos delitos de
las leis orgânicas locais, a regra constitucional dirigida aos deputad?s e se- opinião, como a calúnia, a difamação e a injúria. Exige-se que o fato seja
nadores que os desobriga de testemunhar sobre informações recebIdas ou cometido no exercício do mandato, isto é, que tenha estrita relação com
prestadas em razão do exercício do ma~dato, be~ como sobre a~ pessoas o exercício da função. Nesse sentido: TACrimSP, Rec. crim. 581.869, RT
que lhes confiaram ou deles receberam mformaçoes (art. 53, § 6-, da CF). 648/309-310. No concurso de pessoas, não se estende ao terceiro. Da com-
Trata-se de prerrogativa política, constitucionalmente assegurada apenas binação dos arts. 29, VIII, da Constituição Federal e 142, IH, do Código
aos parlamentares mencionados, que se insere em matéria de direito pro- Penal resulta o seguinte, tendo em vista a natureza jurídica das causas:
cessual, de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da CF). tratando-se de difamação e injúria, há exclusão da ilicitude, incidindo o
Código Penal; cuidando-se de calúnia, não se aplica o Código Penal e sim
2.1.3.1 Prerrogativas regimentais - Prerrogativas regimentais são a Constituição Federal. No primeiro caso não há crime; no segundo, há,
todas aquelas que o regimento confere aos vereadores ~ara o pleno d~­ porém inexiste a pretensão punitiva". 32
sempenho do mandato no âmbito interno da Câmara, taIS como a partI- A abrangência dessa inviolabilidade está limitada pela Constituição
cipação nas sessões, a votação em ple~ário, a di~cussã~ ?as m~té:ias a Federal à circunscrição do Município. 33 Protege o parlamentar em todas as
serem deliberadas, o exame das proposIções nos mtersÍlclOs propnos, o manifestações que tenham relação com o exercício do mandato, ainda que
oferecimento de projetos e emendas etc. Essas prerrogativas erigem-se em produzidas fora do recinto da casa legislativa. Presente o necessário nexo
direito individual e subjetivo do edil, e quando postergadas admitem tutela entre o exercício do mandato e a manifestação do vereador, há de prepon-
judicial, por mandado de segurança, para seu restabelec~men~o e invalid~­ derar a inviolabilidade constitucionalmente assegurada. 34 Tratando-se de
ção do ato praticado com sua preterição. São prerrogatIvas mterna~, P..?IS norma constitucional, ao intérprete é vedada sua ampliação, razão pela
que só operam efeitos no recinto da Câmara e entre ~eus membros ~. org~os qual corrigimos nossa opinião em atualizações anteriores.
da corporação, não sendo invocáveis perante terceIros, nem em sltuaçoes Como o vereador está equiparado a funcionário público para efeitos
estranhas às do Legislativo local. criminais,35 segue-se que fica sujeito - como autor, co-autor ou vítima de
aelitos funcionais'- a todas as prescrições penais e processuais penais apli-
2.1.3.2 Inviolabilidade -A inviolabilidade (não confundir com imu-
nidade parlamentar) é a exclusão da punibilidade de certos atos praticados 32. Código Penal Anotado,4ª- ed., p. 418, nota ao art. 142 do CP.
pelos agentes públicos no desemp~nho de suas fu~ções. e em razã~ delas. 33. Para José Afonso da Silva, "dentro da circunscrição do Município o vereador
A inviolabilidade exclui o crime, dIversamente da Imumdade, que Impede comete crime de opinião. E, é claro, se não o comete, não poderá ser processado
o processo enquanto não autorizado pela respectiva Câmara. ações. Contudo, não se previu a imunidade processual dos vereadores em
a outras infrações penais. Logo, se cometer qualquer crime, ficará sujeito ao
Para dar plena liberdade aos agentes públicos na manifestação de Cre~;ne(~tiv'() processo, independentemente de autorização de sua Câmara" (Curso de
suas opiniões sobre os assuntos sujeitos à sua apreciação ou informaç~o Constitucional Positivo, 30ª ed., 2008, p. 647).
prestada no cumprimento de dever de o~ício a ~ei p~~~l ~ontempla a In- 34. STF, HC 74.125-8-PI, reI. Min. Francisco Rezek, DJU 11.4.1997, JSTF
violabilidade em relação aos crimes de difamaçao e mJuna (art. 142, UI). v., também: TACrimSP, RT 747/685; TJSP, RT 763/200. As palavras e ex-
ofensivas que não foram proferidas nem guardam estrita relação com o exer-
Sendo o vereador considerado funcionário público para efeitos penais (CP, mandato de vereador não estão acobertadas pela inviolabilidade (TACrimSP,
art. 327), beneficia-se da inviolabilidade por suas opiniões, votos ou pare- e 7511626).
ceres emitidos no exercício de suas funções. 35. TJSP, RT 192/67.
638 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 639

cáveis aos servidores públicos em geral. Nos processos por crimes comuns 2.1.4 Remuneração 39
- isto é, não-funcionais - assim como nos processos civis, comerciais,
trabalhistas e administrativos o vereador intervém em absoluta igualdade A verean?a: que inicialmente fora um múnus público gratuito, pas-
de condições com os demais cidadãos, como autor ou réu. sou a ser SubSIdIada nas grandes Edilidades e posteriormente remunerada
em todas as Câmaras, nos limites e segundo critérios estabelecidos em lei
Os vereadores não gozam de imunidade parlamentar ou de foro es-
complementar federal, como determinava a EC 4, de 1975, ao dar nova
pecial, nem a Justiça depende de autorização da Câmara para processá-
redação ao § 2º do art. 15 da CF de 1969.
los por qualquer crime. 36 E, por se tratar de garantia política e privilégio
processual- matérias de competência privativa da União (CF, art. 22, 1)-, A vigente Constituição Federal, na redação que lhe havia dado a EC
não podem as leis orgânicas municipais legislar sobre o assunto. A única 19, de 4.6.1998, outorgava competência à Câmara Municipal para a fixa-
prerrogativa que os vereadores possuem em processo penal é a da prisão ção do subsídio de seus vereadores (art. 29, VI), por lei de sua iniciativa,
especial, que veremos a seguir. na razão de, no máximo, 75% daquele estabelecido, em espécie, para os
deputados estaduais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º,
2.1.3.3 Prisão especial - A prisão especial foi estendida aos vereado- 150,11, 153,111, e 153, § 2º, I, da CF.
res pela Lei federal 3.181, de 11.6.1957, ao dar nova redação ao inciso 11 Tal texto veio a ser modificado pela EC 25, de 14.2.2000, que esta-
do art. 295 do CPP. Essa prerrogativa, é claro, só opera efeitos durante o beleceu proporcionalidade entre a população do Município e o percentual
processo crime,37 visto que após o trânsito em julgado da sentença conde- máximo do subsídio dos vereadores em relação ao subsídio dos deputados
natória o cumprimento da pena é em prisão comum para todo e qualquer estaduais, nos seguintes limites: a) máximo de 20% do subsídio dos depu-
condenado. tados estaduais, em Municípios de até dez mil habitantes; b) máximo de
Entende-se por prisão especial o recolhimento do acusado em quartel 30%, em Municípios de dez mil e um a cinqüenta mil habitantes; c) máxi-
ou recinto separado dos demais presos, podendo ser a própria cela dos mo de 40%, em Municípios de cinqüenta mil e um a cem mil habitantes; d)
presídios comuns, desde que ocupada individualmente pelo detento com máximo de 50%, em Municípios de cem mil e um a trezentos mil habitan-
direito a essa situação. 38 Extinto ou cassado o mandato, perde o vereador tes; e) máximo de 60%, em Municípios de trezentos mil e um a quinhentos
a prerrogativa da prisão especial, que é concedida em atenção ao cargo, e mil habitantes; f) máximo de 75%, em Municípios de mais de quinhentos
não à pessoa do acusado. mil habitantes (art. 29, VI). Essa alteração, que manteve a competência
da Câmara Municipal para a fixação dos subsídios de seus vereadores
observados os limites estabelecidos, entrou em vigor em 1.1.2001 (art. 3~
36. O STF julgou inconstitucional dispositivo da Constituição do Estado de Ser- da EC 25, de 14.2.2000).
gipe que assegurava aos vereadores a prerrogativa de só serem processados criminal-
mente com a autorização da respectiva Câmara, salientando que "o Estado-membro Como se observa, o mandato não mais pode ser gratuito e a fixação da
não tem competência para estabelecer regras de imunidade formal e material aplicá- remuneração, obedecidos os limites máximos introduzidos pela EC 25, de
veis a Vereadores. A Constituição Federal reserva à União legislar sobre Direito Penal 2000, observará a preceituação constitucional aplicável e os critérios dis-
e Processual Penal. As garantias que integram o universo dos membros do Congres-
so Nacional (CF, artigo 53, §§ 1º, 2º, 5º e 7º), não se comunicam aos componentes l??stos na respectiva lei orgânica. Mas os vereadores, além do teto imposto
do Poder Legislativo dos Municípios" (ADln 371-SE, ReI. Min. Maurício Corrêa, j. pelo art. 37, XI, da CF,40 estão submetidos a um subteto, eis que a partir de
5.9.2002, T. Pleno, DJU 23.4.2004, p. 6). "O vereador não goza de imunidade, de ~.õ1.?OOl, ,q~ando entrou em vigor a EC 25, seus subsídios sujeitam-se aos
modo a ser necessária prévia licença da Câmara Municipal para ser processado" (STJ, lImItes maXlmos nela estabelecidos, de conformidade com a população do
PJIC 3.348-7, 6ª Turma, reI. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro,j. 8.2.1994). Já na vigên- Município.
cia da Constituição Federal anterior, alguns Estados que conferiram tais prerrogativas
aos edis haviam tido esses dispositivos julgados inconstitucionais. Assim sendo, o subsídio será fixado em parcela única, por lei es-
37. O TJSP acolheu pedido de vereador preso provisoriamente, admitindo·sua f!ecifica, de iniciativa do Legislativo, assegurada revisão anual, com a
saída do presídio, sob escolta, para comparecer às sessões da Câmara Municipal, sob o Fposição de índices indistintos de recuperação inflacionária, sempre na
fundamento de que não se trata de saída esporádica, por alguma razão episódica, mas
de direito político do parlamentar de representar o povo e exercer o mandato em sua 39. A respeito da remuneração de vereadores v. Laís de Almeida Mourão "Man-
plenitude (RT 762/525). .gratuito para vereadores - Inconstitucionalidade", BDM2/91. '
38. TJSP, RT305/85. 40. V. nota de rodapé 18 no Capítulo X, item 2.1.
640 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 641

mesma data (art. 37, X, da CF), e vedado o acréscimo de qualquer gratifi- atendimento é de rigor, devendo as leis orgânicas municipais considerar
cação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie sua imperatividade.
remuneratória, e sujeita aos impostos gerais, inclusive o de renda, e aos Quanto ao vereador servidor público federal, estadual ou municipal
extraordinários, tal como qualquer outro contribuinte, com observância do a Constituição da República de 1988 manteve a sistemática introduzida
que estabelecem os dispositivos constitucionais expressamente referidos pela EC 6, de 1976, que deu nova redação ao art. 106 da CF anterior,
no inciso VI do art. 29 da CF, acima indicados. com pequenas alterações. Nos termos do art. 38 da Carta Magna, conti-
Além disso, o subsídio não pode ser vinculado à receita de impostos, nua sendo permitido o exercício conjunto da vereança com cargo, função
ante a expressa vedação contida no art. 167, IV, da CF, e o total da despesa ou emprego público desde que haja compatibilidade de horários, caso em
com a remuneração dos vereadores não poderá ultrapassar o montante de que acumulará também as remunerações. Não havendo compatibilidade
5% da receita do Município (CF, art. 29, VII). de horários o vereador terá que se afastar do cargo, emprego ou função,
sendo-lhe facultado optar por sua remuneração.
Para a fixação da remuneração dos vereadores deve ser observado,
ainda, o requisito do tratamento isonômico quanto aos tributos (art. 150, Em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício do manda-
11), notadamente em relação ao imposto sobre a renda e proventos de qual- to eletivo o tempo de serviço será computado para todos os efeitos legais,
quer natureza (art. 153,111, e § 2Q, I). exceto para promoção por merecimento (CF, art. 38, IV).
Outras restrições foram impostas pela EC 25, de 2000, ao acrescer Observe-se, finalmente, que no âmbito municipal o vereador não po-
ao texto constitucional o art. 29-A, que: a) limita o total da despesa do derá - e~ exercício ou licenciado - ocupar qualquer cargo em comissão,
Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos nem aceItar emprego ou função na Administração direta ou indireta do
os gastos com inativos, a determinados percentuais (de 5 a 8%) da soma Município, sem concurso público.
da receita tributária e das transferências aludidas nos arts. 153, § 5Q , 158 Essas normas constitucionais, como é evidente, são auto-aplicáveis, e
e 159 da CF, de conformidade com a população do Município; b) limita se descumpridas tomam o ato de investidura invalidável por via judicial,
o gasto da Câmara Municipal com folha de pagamento, incluídos os sub- com responsabilização do nomeante e extinção do mandato do nomeado
sídios dos vereadores, a 70% de sua receita. Tais normas constitucionais, na forma prevista na lei orgânica municipal.
como é evidente, prevalecem sobre os critérios do art. 20, 111, da Lei Com-
plementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF), que, 2.1.5 Licença
injustificadamente, as desconsiderou. 41
A licença para o vereador se afastar do exercício do mandato é subs-
Quanto ao princípio da anterioridade, ou seja, a obrigatoriedade de
tancialmente um ato político, razão pela qual depende de deliberação do
fixação da remuneração em cada legislatura para a subseqüente,42 portanto
p~enário, que deci,de discricionariamente sobre sua conveniência e oportu-
antes do conhecimento dos novos eleitos, que não vinha expresso na re-
~ldade. Daí por que não cabe ao presidente negar, conceder ou suspender
dação dada pela EC 19, de 1998, ao inciso VI do art. 29, observamos que
hcenç~ para os membros da Câmara sem prévia manifestação do plenário,
voltou a ser introduzido explicitamente pela EC 25, de 2000. De qualquer enuncIada na forma regimental. 44
modo, sua incidência sempre foi inegável, com fundamento nos princí-
pios da moralidade e da impessoalidade, que norteiam todos os atos da . O plenário é soberano para negar ou conceder as licenças solicitadas,
Administração Pública. 43 Novamente inserido no texto constitucional, seu a~sIm como para cassar as que forem concedidas, desde que julgue conve-
~lente. o retomo do vereador ao exercício do mandato. 45 Por igual, pode o
lIcenCIado reassumir suas funções na Câmara, no decorrer da licença, sem
41. Sobre a fixação pela Lei Complementar 101, de 4.5.2000, de percentuais de
repartição, entre o Executivo e o Legislativo, do limite global máximo de 60% da re-
ceita corrente líquida para a despesa total com pessoal, v., no capítulo anterior, o item ~aterial do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui patrimô-
1.2.1, "Limites e controle de despesa com pessoal". mo moral da sociedade, CF, art. 5º, LXXIII (RE 206.889-6-MG DJU 13.6.1997 P
26.718). ' , .
42. STJ, RMS 5.456-PE (95/9571-8), DJU 4.8.1997, p. 34.785.
. 43. O STF julgou que a Câmara de Vereadores pratica ato inconstitucional quan- 44. TJPR, RT 247/576.
do fixa sua remuneração para viger na própria legislatura, lesivo não só ao patrimônio 45. TJSP, RT 2 10/289.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 643
642

maiores formalidades, bastando que compareça à sessão e declare à M~s~, se converte em direito subjetivo à investidura na cadeira, e após a posse
para constar da ata, sua reassunção; desde esse momento cessa o exerCIClO passa a ter as prerrogativas, encargos e impedimentos decorrentes da sua
. , 46 condição de vereador. Advirta-se, todavia, que o suplente investido na ve-
do suplente que o sub stItUla na vereança.
reança ocupará o lugar do substituído no plenário mas não nos cargos da
O licenciado deveria perder integralmente os subsídios porque a re-
Mesa ou das comissões para os quais tenha sido eleito o titular. Isto porque
muneração dos membros dos Corpos Legislativos é, por natureza, pro la-
a substituição é feita para as funções ordinárias do mandato, e não para as
borefaciendo, vale dizer, pelo exercício da função. Desd: que.afastado do
exercício do mandato cessa a causa legal da remuneraçao, dIversamente designações especiais e pessoais do titular, realizadas por ato da presidên-
cia ou por escolha de seus pares.
do que ocorre com os servidores públicos, que podem obter dete~minad~s
licenças com vencimentos parciais ou integrais, uma vez que taIS ven.cI- A suplência é suscetível de renúncia, desde que formalizada segundo
mentos têm caráter alimentar e resultam da relação de emprego mantida as exigências da lei para esse ato ou decorrente da recusa em assumir a
com o Poder Público. Sabido que o vereador não é servidor público, mas vaga,47 mas enquanto não for feita não pode a Câmara desatender à ordem
sim agente político, vinculado ao governo municipal por :elações de ci- de precedência dos suplentes, para convocar outro que não aquele que
dadania (eleição), só faz jus ao subsídio quando no exercícIO d~ mandat~. esteja em primeiro lugar na lista de votação do partido político.
Entretanto, a matéria deverá ser disciplinada pelas leis orgâlllcas mUlll- Tomando posse de outro mandato eletivo o suplente perde automa-
cipais, que poderão seguir, por simetria, ~ disposto no art. 56, lI, da CF, ticamente a suplência remanescente. 48 E assim é porque pelo nosso sis-
aplicável aos membros do Congresso NacIOnaL tema político-jurídico não há possibilidade de acumulação de mandatos
Concedida a licença ao vereador, nos termos regimentais, toma-se eletivos, muito embora possa o candidato concorrer simultaneamente a
obrigatória a convocação do primeiro suplente partidário, e se o presidente mais de uma eleição. Investido no exercício de um mandato, entende-se
não o fizer poderá o preterido obtê-la por mandado de segurança, porque renunciado o outro. Enquanto não for convocado para o exercício de um
é direito seu, líquido e certo, exercer o mandato durante o afastamento mandato nada impede mantenha-se nas duas suplências até o momento da
do licenciado. Mas se o primeiro suplente não-convocado desinteressar-se posse em um deles, quando então perderá definitivamente a outra, embora
do exercício do mandato nem por isso seu imediato poderá substituí-lo, seja transitória a substituição.
porque o direito à substituição do titular continua exclusivamente com o
suplente que o precede na ordem dos votos recebidos. 2.1.6 Perda do mandato
O suplente, desde que entre em exercício do mandato, tem direito à
remuneração que seria devida ao titular, e o substituirá em plenário e nas O vereador pode perder o mandato, no decurso da legislatura, por
funções que a lei ou o regimento indicar. Estando e~ ex~~cício, o su~lente
cassação ou por extinção. A cassação, como ato punitivo, pode advir da
de vereador poderá também licenciar-se, o que obngara a convocaçao do própria Câmara, nos casos de conduta incompatível do edil com o exercí-
seu imediato. Antes de entrar em exercício não há possibilidade de licen- cio da investidura política ou de falta ético-parlamentar que autorize sua
ciamento, porque não pode pretender o afastamento de funçõ~s que não exclusão da Câmara, ou pode provir da Justiça Penal, nos casos de con-
está exercendo. Irregular, portanto, é a prática de se conceder lIcenças su- denação por crime funcional que acarrete a aplicação da pena acessória
cessivas a suplentes sem exercício, e que não querem assumi~ o mand~to, de perda ou inabilitação para qualquer função pública; a extinção, como
até atingir aquele que o deseja. O suplente convoc~do que nao assumIr a simples ato declaratório do perecimento do mandato nos casos expressos
cadeira entende-se que renunciou o mandato, e aSSIm deve ser declarado em lei, é sempre da alçada do presidente da Mesa. 49
pelo presidente da Câmara, para convocar o seguinte. Tanto a cassação de mandato de vereador como sua extinção deverão
Enquanto não é convocado para a Câmara o suplente n~o de_sfruta ter as hipóteses de incidência, seu processo de julgamento ou seu proce-
r:
de qualquer direito ou prerrogativa de vereador, ~omo tambem a ? su- ~imento de declaração estabelecidos na lei orgânica municipal, os quais
porta qualquer restrição ou impedimento estabeleCIdo para o. exerclc~o ~o
mandato. Somente quando ocorre a vaga é que sua expectativa de dIreIto 47. STF,RT316/563.
48. TJSP, RDA 67/163.
49. TJSP, JTJ 182/154.
46. TJPR, RT245/524.
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 645
644

serão comentados adiante, no lugar próprio (a extinção, nas atribuições do Nesse sentido, José Afonso da Silva: "O mandato da Mesa é de um
presidente da Mesa, e a cassação, nas atribuições do plenário).50 ou dois anos, conforme dispuser a lei orgânica. A maioria delas, seguindo
o modelo federal, fixa um mandato de dois anos. A de São Paulo, contu-
do, fixa o mandato da Mesa para apenas um ano, o que é válido".52 Esse
2.2 Mesa da Câmara
pensamento, já expressado sob a vigência da ordem constitucional ante-
2.2.1 Natureza e composição da Mesa rior, quando a autonomia municipal era muito mais restrita, solidificou-se
diante da capacidade de auto-organização e autogoverilo dos Municípios
A Mesa é o órgão diretivo da Câmara Municipal, geralmente constitu-
conferida pela Carta de 1988.
ída por um presidente, um vice-presidente, um ou mais secretários e tesou-
reiro, se necessário, eleitos entre os vereadores em exercício, observado o A recondução não é vedada para outro cargo. Assim é que há de ser
critério da representação proporcional, na forma que dispuser o regimento entendida, no âmbito municipal, a proibição constitucional de reeleição,
interno. O mandato da Mesa, pelo princípio constitucional da rotatividade, eis que se fosse para outro cargo nas pequenas Câmaras não haveria nú-
deve ser, no máximo, de dois anos, vedada a recondução para o mesmo mero suficiente de vereadores para esse rodízio. Observe-se ainda que a
cargo na eleição imediatamente subseqüente (CF, art. 57, § 4º). proibição de reeleição só pode abranger uma legislatura, visto que ao seu
O princípio constitucional estrutural e sistêmico expressado no art. término perece o mandato com todos os seus efeitos. Tem prevalecido o en-
57, § 4º, aplicável aos Municípios nos termos do art. 29, IX, da CF, a ser tendimento de que a vedação da norma do art. 57, § 4º, da CF incide sobre
adotado no âmbito do Poder Legislativo em todas as esferas de governo, recondução na mesma legislatura, em eleição imediatamente subseqüente,
é o da rotatividade. Esta deverá ocorrer no prazo máximo de dois anos. e não em legislaturas diferentes. 53 A eleição da Mesa há que ser feita nos
Portanto, quando a Carta Política Federal refere-se ao mandato de dois termos previstos pela lei orgânica municipal e pelo regimento interno da
anos para os membros da Mesa diretora do Legislativo está estabelecendo Câmara, já que essa votação, como já dissemos em edições anteriores, não
um limite temporal máximo, vencido o qual há de ser, obrigatoriamente, é ato eleitoral, mas sim procedimento administrativo, vinculado aos princí-
aplicado o princípio da rotatividade. Nada impede que este venha a incidir pios constitucionais pertinentes, sempre controlável pelo Judiciário.
em tempo menor. Tal opção insere-se na órbita da autonomia municipal, Na composição da Mesa só devem tomar parte os vereadores regular-
assentada na capacidad~ de auto-organização e de auto governo do Muni- mente eleitos, empossados e em exercício, pois não nos parece admissível
cípio. O que se aprl':'·' i .~omo imutável, de atendimento obrigatório pelas
Comunas, é a inadr, , .:;sibilidade de recondução do parlamentar, na eleição limite temporal máximo estabelecido na norma constitucional. Assim, pode a Mesa ter
imediatamente subseqüente, para o mesmo cargo ocupado na Mesa dire- mandato inferior a dois anos. A Lei Orgânica do Município de São Paulo fixou o man-
tora. Trata-se de regra de organização do Poder Legislativo, à luz do prin- dato da Mesa em um ano, pennitida uma reeleição para igual período (art. 26).
cípio da rotatividade, que permeia, em face não só da similaridade, mas 52. Manual do Vereador, 5ª ed., 2004, p. 45.
da própria estrutura orgânica de tal Poder, as diversas esferas da formação 53. O TJSP décidiu que a vedação da reeleição de vereador para o mesmo cargo
da Mesa diretora da Câmara incide apenas sobre recondução na mesma legislatura, e
federativa, alcançando a União, os Estados e os Municípios. A fixação do não em legislaturas diferentes. Observa que a restrição refere-se a uma recondução na
período de dois anos como tempo de duração do mandato não se constitui mesma legislatura, de vez que toda a norma - ou seja, o § 4º do art. 57 - diz respeito ao
em norma de atendimento compulsório, figurando no texto constitucional ~rocedimento que será tomado no primeiro ano dessa legislatura (Ap. cível 220.290-1,
apenas como limite máximo para a rotatividade. 51 J. 3.11.1994, JTJ 167/182). Em contrário, argumenta consistentemente José Afonso
da Silva: "Fica a questão de saber se isso só vale dentro da mesma legislatura, ou se
~mbém se aplica na passagem de uma para outra. O texto proíbe recondução para o
50. O TJBA decidiu nesse sentido, anulando decisão de Câmara de Vereadores mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente; para nós isso significa, também,
que extinguiu mandato de vereador sem o devido processo legal (MS 11.948-2/93, j. ~roi~ir a reeleição de membros da última Mesa de uma legislatura para a primeira da
2.4.1997, RT744/301). seguInte" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 30ª ed., 2008, p. 513). E ainda,
51. Em contrário o entendimento do TJSP na ADln 20.894-0-5 (reI. Des. Luís de em outra passagem: "Entendemos, contudo, que a vedação de reeleição para cargo
Macedo), afirmando ser inconstitucional a redução, por lei, do mandato dos membros cI!t'Mesa alcança sempre o período subseqüente, pouco importando se este pertence a
da Mesa com duração estabelecida pela Constituição Estadual em simetria com a Cons- legislatura. Quer dizer, esta não influi na questão, como bem definiu a Funda-
tituição Federal (BDM 10/597, 1996). Pensamos, todavia, como expusemos no texto, . Prefeito Faria Lima - CEPAM no Comunicado FPFL 6/77 (DOE 29.1.1977, pp.
que o que há de ser obrigatoriamente atendido é o princípio da rotatividade, dentro do (Manual do Vereador, 5ª ed., 2004, pp. 45-46).
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: C01VlPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 647
646

que os licenciados possam ser escolhidos para integrá-la, uma vez q;te À Mesa compete também velar pelo cumprimento das já aludidas
com a cessação temporária do desempenho do mandato cessam tambem exigências do art. 29-A, acrescido à Constituição Federal pela EC 25, de
seus direitos e deveres para com a corporação a que pertencem. Para a 14.2.2000, quanto ao gasto com folha de pagamento e quanto ao total da
composição da Mesa deve ser assegurada, tanto quanto possível, a repre- despesa do Legislativo Municipal, para que não sejam ultrapassados os li-
sentação proporcional partidária, como dispõe o art. 58, § 1Q, da CF para mites nele estabelecidos. Convém que o detalhamento das atribuições per-
a constituição das Mesas do Congresso Nacional e suas Casas. Trata-se de tinentes a tal mister seja disciplinado no regimento interno da Câmara.
preceito cogente, cuja inobservância conduz à anulaçã? da eleição, ~ue Incumbe, ainda, ao presidente e demais membros da Mesa diretora
pode ser decretada pelo Judiciário, por se tratar d~ ato vmculado, passl,vel emitir e subscrever, ao final de cada quadrimestre (a cada seis meses em
de controle jurisdicionaP4 Com o uso da expressa0 tanto quanto posslvel Municípios com população inferior a 50 mil habitantes), o Relatório de
a norma busca superar desajustes matemáticos e obstáculos fracionários Gestão Fiscal, nos termos dos arts. 54 e 55 da Lei Complementar 101, de
circunstanciais que tornem impossível a distribuição rigorosamente pro- 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), e providenciar o con-
porcional. 55 tingenciamento de verbas nos casos previstos na aludida lei, sob pena de
A Mesa não legisla; quem legisla é o plenário. Como órgão direti- incorrerem em infração administrativa (art. 5Q , I e III, da Lei 10.028, de
vo da Câmara, compete-lhe, tão-somente, a prática de atos de ~i~eção, 19.10.2000).
administração e execução das deliberações aprovadas pelo plenano, na A composição do funcionalismo da Câmara e a direção de seus ser-
forma regimental. Descumprindo o regimento, ou conduzindo-se de modo viços competem à Mesa, embora algumas leis orgânicas confiram essa
incompatível com o cargo, tanto o presidente como ~u.alquer ~embro da competência ao presidente.
Mesa podem ser destituídos por deliberação do plenano, atendIdo o p.ro~ Compor o funcionalismo é preencher os cargos na forma da reso-
cedimento próprio estatuído para a imposição dessa sanção, que constituI lução, bem assim praticar todos os atos previstos no estatuto relativos a
um dos interna corpo ris da Câmara. direitos, deveres e aplicação de penalidades disciplinares. Embora nm-
As atribuições da Mesa são repartidas entre a presi?ên~ia, a secre.ta- cionários da Câmara, devem seus servidores ficar sujeitos ao mesmo re-
ria e a tesouraria incumbindo àquela a tríplice função dIretiva, executiva gime estatutário, visto que uns e outros são servidores do Município. No
e disciplinar, e ; estas o preparo do expediente da, Cas~ e da. e~etiv~ção atual sistema os vencimentos pagos pelo Poder Executivo constituem o
de suas despesas e respectiva contabilização. Convem amda dIstmgmr as teto para a remuneração dos servidores que exerçam funções iguais ou
funções cometidas à Mesa propriamente dita? e 9-ue são exec.utadas pelo assemelhadas no Legislativo (art. 37, XII, da CF). Sendo assim, a Câmara,
presidente com um de seus membros, das pnvatIvas do preSIdente e por tendo em vista suas disponibilidades orçamentárias, pode estabelecer a
ele realizadas individualmente, como também as que competem separada- retribuição a seus servidores em bases idênticas às do Executivo ou lhes
mente ao secretário ou ao tesoureiro. À Mesa - presidente com o secre- atribuir menor remuneração, mas nunca pagar-lhes mais. A liberdade do
tário - compete, normalmente, subscrever as atas e editais, o~ termos de Poder Legislativo reduz-se, quanto a esse aspecto, à possibilidade de criar
posse e exercício, bem como praticar os demais atos que o regImento e as ou não seus cargos e à de lhes fixar um estipêndio igualou inferior ao
deliberações do plenário lhe atribuírem. estabelecido em lei para os mesmos servidores - isto é, os que tenham
atribuições iguais ou assemelhadas - no âmbito do Executivo. Isto decorre
54. Os Tribunais têm proclamado a nulidade da eleição para a comp~sição da da circunstância de a paridade de vencimentos dos cargos dos três Poderes
Mesa diretora em caso de desatendimento à regra da participação proporclOn~l ?OS ter sido retirada do texto constitucional pela EC 19, de 1998, que deu nova
partidos políticos e dos blocos parlamentares representados na Camara Mumclp~l redação ao art. 39. Todavia, o Conselho de Política de Administração e
(TJSP, Ap. cível 212.632-1; TJPR, ac. 5.573, reexame necessário, reI. Des. Ant~mo
Remuneração de Pessoal, previsto na aludida Emenda, haverá de atentar
Gomes da Silva, DOE 28.8.2000; TJES, Ap. cível 025939000029, reI. Des. Arione
Vasconcelos Ribeiro, j. 29.3 .1994 - todos conforme JUIS - Jurisprudência Informa- . para o princípio constitucional da isonomia (art. 5Q da CF), inerente aos
tizada Saraiva 22). . ~ireitos e garantias individuais, analisando a natureza e as peculiaridades
55. O TJSP anotou que "a expressão 'tanto quanto possível' somente pode ~efenr" . ~e cada cargo, de modo a aplicar aquele mandamento nos justos limites
se à possibilidade matemática, não a questões outra~, ligadas a inter~sses polítIcos ou e evitar desigualdade entre os que exercem funções realmente iguais em
a conjugações de vontades dos vereadores" (Ap. clvel 212.632-1, J. 17.8.1994, . da mesma entidade estatal.
165/20, RT711/100 e 101). .
648 DIREITO MUNlCIPAL BRASILEIRO
XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 649
Quanto à autoridade a que ficam sujeitos, o~ servidores integrantes
atos internos e externos, e mantém todos os contatos de direito com o pre-
do quadro da Câmara são subordinados à Mesa dIretora; os do quadro da
feito e demais autoridades com as quais a Câmara deve entreter relações.
Prefeitura, ao prefeito.
As deliberações administrativas da Mesa são expressas em resolu- O presidente da Edilidade representa somente a Câmara, e não o
ções da Mesa (não confundir com resoluções do plenário) e atos da Mesa, Município, cujo único representante é o prefeito. Como representante da
sempre na forma regimental e obedientes às normas legais e regulamenta- Câmara, pode o presidente da Mesa entender-se diretamente com qual-
res pertinentes, para a prática do ato de sua competência. As resoluções da quer órgão ou autoridade do Município ou de outra entidade estatal, bem
Mesa, sendo apenas deliberações administrativas internas, ~ão se regem assim com os dirigentes de autarquias, entidades estatais, paraestatais e
pelo processo legislativo das resoluções do plenário, mas SIm pelas nor- concessionários de serviços públicos locais, a fim de se inteirar dos ne-
mas de administração da Câmara. gócios de interesse do Município. Tal permissão é oriunda das atribuições
legislativas e fiscalizadoras institucionalmente confiadas à Câmara, e para
cujo desempenho há de estar sempre a par dos negócios municipais. Além
2.2.2 Presidente
disso, essa liberdade de se informar tem assento no art. 5º, XXXIII, da
O presidente da Mesa também o é da Câmara, e, como tal, desempe- CF, que assegura a qualquer interessado o direito de obter certidões de
nha funções de legislação, de administração e ~e represen,tayão. ~xerce negócios administrativos. Ora, a Câmara, como órgão da Administração
funções tipicamente de legislação quando preSIde o plenano,.onen:a e local, é, sem dúvida, a maior interessada nos negócios municipais, o que
dirige o processo legislativo; profere voto de desempate nas d~hberaçoes; nos leva a concluir que não lhe podem ser negadas informações e certidões
promulga lei, decreto legislativo e r~solução. Exerc~ funçõe~ ~Imp~esm~n­ relativamente a todo e qualquer negócio ou atividade do Município, até
te de administração quando supermtende os serv1ços auxIhares, reahza mesmo de caráter sigiloso. Na faculdade de obter esclarecimentos e certi-
qualquer outra atividade executiva da Edilidade, expedindo os resp~ctivos dões do Executivo não se compreende, todavia, a de requisitar processos
atos. Exerce funções de representação quando atua em nome da Camara. ou documentos administrativos de outras repartições públicas, ainda que
Em moderno tratado de Direito e procedimento parlamentar Mohrhoff municipais, uma vez que tal poder só é concedido ao Judiciário.
resume as funções do presidente das corporações legislativas nas seguin- A direção dos trabalhos do plenário é outra função de alta responsa-
tes incumbências: representar a Câmara e dirigir seus trabalhos; manter a bilidade atribuída ao presidente da Mesa, e nesse labor há de se empenhar
ordem interna; interpretar e fazer cumprir o regimento; conceder, moderar com a máxima correção, imparcialidade e decoro, para se impor perante
e cassar a palavra nos debates; propor as questões à discussão; proclamar o seus pares.
resultado da votação; convocar, prorrogar e suspender as sessões; executar
"11 piu importante attributo deI presidente - escreve Mohrhoff - e la
as deliberações do plenário; promulgar as leis que o não fore~ p.elo ~xe­ imparzialità, la quale e tanto maggiore quanto meno egli si palesa uomo di
cutivo· superintender os serviços da secretaria e do pessoal admm1strattvo;
parte".57 Essa advertência coincide com a de Izaga no sentido de que, "por
prover, e regular o andamento de todos os trabaIhos d a C amara. 56
A

el mismo carácter de sus facultades, el presidente debe ser una autoridad


Entre nós, devemos acrescentar, ainda, como incumbências do presi- neutral y imparcial, de suerte que, aunque proceda de alguno de los parti-
dente da Mesa da Câmara Municipal as de dar posse ao prefeito, vice-pre- dos que luchan en la Cámara, su oficio le veda una inclinación favorable a
feito vereadores retardatários e suplentes, bem como declarar a extinção ningún partido ni miembro de la corporación".58
de m'andato (não confundir com cassação de mandato, que é atribuição do
plenário) e a respectiva vaga desses mesmos age~te~ político~ quando s~ ,. , No presidente reúnem-se todas as prerrogativas e autoridades da
verificar a ocorrência de qualquer das causas extmÍlvas prev1stas em l~~ . Mesa,
,~" ..•C_,""".
. razão pela qual não as poderá usar em proveito próprio ou de seu
(morte, renúncia, perda ou suspensão dos direitos políticos etc.), como Ja partido, senão no da corporação a que preside. Daí por que toda vez que
vimos precedentemente. .... tiver de se defender ou de defender alguma questão partidária deverá dei-
, a presidência, para fazê-lo como simples vereador, em pé de igualdade
A representação da Câmara é atribuída em toda sua plenitude ao pre-
seus pares. Por idêntica razão, não deverá tomar parte nos debates,
sidente da Mesa. Nessa qualidade age em nome da corporação, nos seus
57. Trattato ... , p. 48.
56. Trattato di Diritto e Procedura Parlamentare, pp. 84 e ss.
. 58. Izaga, Elementos ... , v. lI, p. 353.
650 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

nem interferir nas deliberações, a não ser para moderar a linguagem dos
oradores e aparteantes, serenando os ânimos e ajustando a discussão às
normas regimentais e aos ditames da cortesia parlamentar. Para o desem-
r
I
f
~
XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES

2.2.3.1 Interpretação do regimento - A interpretação do regimento


interno é normal atribuição do presidente. Interpretar é extrair do texto
regimental seu verdadeiro sentido, explícito ou implícito na disposição
651

penho dessa relevante e delicada missão dispõe do poder de advertir o que se examine. Não nos parece cabível, entretanto, que na omissão do
plenário sobre o procedimento a observar, de cassar palavra do orador ou regimento possa o presidente ditar à Câmara a norma omissa, a pretexto de
dos aparteantes, de suspender a sessão quando degenerar em tumulto ou interpretação. Se o regimento é omisso cabe ao plenário votar a disposição
conflito, de fazer evacuar as galerias quando perturbadoras do plenário e necessária, sanando a omissão. A se entender de outro modo estaremos
de tomar quaisquer outras medidas disciplinares que tenham por escopo conferindo ao presidente função privativa do plenário - qual seja, a de ela-
a regularidade da sessão, a manutenção da ordem e da compostura no re- borar o regimento. Na atribuição de interpretar não se contém a de inovar
cinto da Câmara. 59 ou criar disposição regimental inexistente. Interpretar é somente aclarar o
Da imparcialidade que deve manter o presidente e da autoridade de que está obscuro, é precisar o que está impreciso, e não estabelecer norma
que é investido para dirigir a Câmara deflui a regra da abstenção do voto que inexiste no texto a ser aplicado.
nas deliberações do plenário, salvo nos casos de empate ou para comple- Além de interpretar o regimento, compete ao presidente cumprir e
tar quorum. Nas eleições que se verificarem para constituição dos órgãos fazer cumprir suas disposições pelos vereadores, pelo plenário e pelas co-
internos o presidente votará como simples vereador. missões permanentes e especiais que forem criadas.
Como dirigente dos trabalhos do plenário, pode o presidente con-
vocar sessões extraordinárias, na forma regimental, quando o excesso de 2.2.3.2 Promulgação de leis e outros atos - A promulgação de leis,
proposições em pauta ou circunstâncias especiais o exigirem. Não nos pa- decretos legislativos e resoluções constitui, igualmente, atribuição do
rece, todavia, que possa o presidente desconvocar ao seu arbítrio sessões presidente. Quanto às leis, cabe originariamente ao prefeito sancioná-las,
anteriormente convocadas, porque tal poder importaria impedir, muitas promulgá-las e publicá-las, mas as que o não forem pelo chefe do Execu-
vezes, a discussão e votação de matérias cuja aprovação tem prazo certo e tivo e volverem com sanção tácita (decurso do prazo sem veto formal) ou
determinado, tal como o orçamento. Uma vez convocada a sessão, deve- com veto, posteriormente rejeitado pela Câmara, deverão ser promulgadas
rão os vereadores ter o ensejo de a ela comparecer, ainda que para decidir e enviadas para a publicação pelo presidente da Mesa. Assim também os
pela não-realização, adiamento ou suspensão. decretos legislativos e as resoluções aprovados pelo plenário serão obriga-
toriamente promulgados pelo presidente, na sua qualidade de executor das
deliberações da Câmara. A promulgação, como já vimos, é o ato solene
2.2.3 Outras atribuições do presidente de reconhecimento da proposição aprovada como operante e integrada no
Além da representação da Câmara e da direção dos trabalhos do plená- direito positivo, para observância pelo Poder Público e pelos seus destina-
rio, que são funções precípuas e naturais do presidente, outras atribuições tários. Após a promulgação a lei, o decreto legislativo e a resolução só po-
lhe são cometidas para o bom funcionamento da Câmara, de suas comis- dem ser revogados por ato de igual categoria, ainda que não tenham sido
sões e de seus serviços auxiliares. O regimento interno geralmente enume- publicados, visto que a publicação só tem efeito externo, isto é, destina-se
ra as principais incumbências do presidente, mas sem caráter exaustivo, a fixar a data do inÍCio da vigência, para observância geral. Mas desde a
porque a complexidade de seus encargos diretivos exige urna certa liberda- promulgação a norma já integra o direito positivo, razão pela qual não
de de iniciativa e de ação para o deslinde de casos e situações imprevistas e pode ser invalidada senão por outra norma de categoria igualou superior.
imprevisíveis, sempre ocorrentes no labor das Câmaras Legislativas. As nossas Constituições e leis orgânicas nem sempre distinguem com
Vejamos, separadamente, as atribuições do presidente 60 encontradi- a necessária precisão técnica a lei, o decreto legislativo e a resolução, mas
ças nos regimentos internos das Edilidades. é de toda conveniência que se conheçam suas distinções e a diversidade
de seus efeitos. Lei é norma legislativa sancionada e promulgada pelo
Executivo para produzir efeitos impositivos, abstratos e gerais; decreto
59. TJSP, RDA 40/161, RT307/430.
60. A composição do funcionalismo da Câmara e a direção de seus serviços compe-
legislativo é deliberação político-administrativa do plenário da Câmara,
tem à Mesa, embora algumas leis orgânicas confiram essa competência ao presidente. promulgada pelo presidente da Mesa, sobre matéria da competência ex-
652 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 653

clusiva do Legislativo, mas para produzir efeitos externos; resolução é o mandato do pretendente à posse já está extinto, por qualquer das causas
deliberação político-administrativa do plenário, ou simplesmente admi- expressamente consignadas em lei (renúncia, perda dos direitos políticos,
nistrativa da Mesa, promulgada pelo presidente sobre matéria privativa condenação criminal etc.).
da Câmara e de efeitos internos. A diferença fundamental está em que a Aposse é ato personalíssimo do eleito, que não poderá fazer-se repre-
lei depende da participação do Executivo, normalmente através da sanção sentar por terceiros, nem mesmo com procuração, uma vez que em matéria
e promulgação e, em alguns casos, da iniciativa do prefeito, ao passo que política não se admite a substituição civil.
o decreto legislativo e a resolução não estão sujeitos à iniciativa nem à
sanção e promulgação do Executivo, pois que nascem e se concluem no 2.2.3.4 Declaração de extinção de mandatos - A declaração de extin-
Legislativo. Todos eles - a lei, o decreto legislativo e a resolução - são ção de mandatos de prefeito, vice-prefeito e vereadores é atribuição priva-
formalmente atos legislativos, porque elaborados no Legislativo e sujei- tiva do presidente da Mesa nos casos previstos na lei orgânica local. 62 Não
tos ao processo legislativo, mas com algumas diferenças de tramitação se confunda declaração de extinção de mandato (atribuição do presidente)
e profundas distinções no conteúdo e nos efeitos. A lei é ato normativo; com cassação de mandato (atribuição do plenário).
o decreto legislativo e a resolução são atos de efeitos concretos, embora
Ao presidente compete declarar extintos os mandatos que fenecerem
provindos do Legislativo; a lei é ato essencialmente político, ao passo que
em razão da ocorrência de qualquer das causas extintivas previstas em
a resolução e o decreto legislativo são atos político-administrativos. 61
lei (morte, renúncia, perda dos direitos políticos, condenação criminal a
2.2.3.3 Posse do prefeito, vice-prefeito e suplentes -Aposse do pre- pena acessória de perda de mandato ou proibição do exercício de função
feito, vice-prefeito, vereadores retardatários e suplentes convocados é pública); ao plenário cabe deliberar sobre a cassação de mandato nos
dada pelo presidente. Aposse é ato administrativo de investidura no cargo casos estabelecidos na legislação pertinente. E se compreende facilmente
ou função. Não é ato legislativo ou deliberativo, razão pela qual cabe ao o motivo dessa diversificação de atribuições, ao presidente e ao plenário:
presidente dá-la, independentemente de manifestação do plenário. Não há no primeiro caso (extinção) o mandato exaure-se automaticamente pela
necessidade de convocação de sessão da Câmara para qualquer posse, o só ocorrência do fato extintivo (morte, renúncia etc.); no segundo caso
que só se verifica para emprestar solenidade ao ato. Não exige quorum (cassação) o mandato ainda está operante, mas poderá ser invalidado se o
algum, nem depende da vontade da Câmara. É um direito do eleito. Desde plenário reconhecer a ocorrência de uma situação ou ato que permita a de-
que o titular do diploma o exiba ao presidente e manifeste o desejo de se liberação de sua perda. Como só o plenário pode deliberar, só o plenário
empossar não lhe podem ser recusadas a prestação do compromisso e a pode cassar mandato.
assinatura do termo respectivo. Por igual, não cabe ao presidente decidir, Como a palavra está indicando, a declaração de extinção de mandato
no ato da posse, acerca de impedimentos ou incompatibilidades do empos- é simples ato declaratório de uma situação preexistente. É mera comuni-
sando, como também não lhe é lícito negá-la ou condicioná-la à satisfação cação que o presidente faz à Câmara, para constar de ata e tomar conheci-
de qualquer requisito não exigido por lei para a investidura no cargo ou da a abertura da vaga, a fim de ser convocado o substituto (vice-prefeito)
função. Os impedimentos e incompatibilidades só podem ser apreciados e ou suplente (vereador). A cassação, ao revés, é ato constitutivo de uma
decididos pelo plenário após a posse, visto que só com esta é que surge a nova situação, que resulta da deliberação do plenário, consubstanciada em
impossibilidade do exercício conjunto vedado por lei. decreto legislativo (cassação de prefeito) ou em resolução (cassação de

I
Ainda aqui é oportuno distinguir os casos de cassação dos de extin- vereador), depois de um processo formal, estabelecido em lei. Assim, a
ção de mandato. Na primeira hipótese a posse deverá ser dada pelo pre- extinção do mandato não admite alternativas: o presidente deve declará-la
sidente, porque só a posteriori pode o plenário deliberar sobre a perda do e convocar o substituto ou suplente; ao passo que a cassação de mandato
mandato (por incompatibilidade ou impedimento do empossado); na se- depende de deliberação do plenário da Câmara, depois de produzidas a
gunda o presidente poderá negá-la se tiver comprovante, em mãos, de que acusação e a defesa, em processo regular.

61. Sobre elaboração e efeitos da lei, do decreto legislativo e da resolução, V., 62. A perda do mandato do prefeito, vice-prefeito e vereador, nos termos do art.
adiante, neste mesmo capítulo, o item 3, bem como o tópico referente à técnica legis- 29, IX e XIv, da CF, será disciplinada na lei orgânica local, que poderá espelhar-se no
lativa (item 3.1.7). art. 55 da Carta Magna.
····
·0_.

654 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO r··· XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 655

Se o presidente se omitir na declaração da extinção do mandato do midade com o art. 29-A da CF, acrescido pela EC 25, de 14.2.2000, que
vereador o suplente ou o prefeito pode requerer judicialmente essa decla-
ração, na forma prevista na legislação local. Trata-se de um procedimento I entrou em vigor em 1.1.2001, o total da despesa do Legislativo Municipal,
incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos os gastos com inativos,
especialíssimo e sem maiores formalidades, bastando que o requerente não poderá ultrapassar um percentual, definido de conformidade com a
comprove satisfatoriamente o fato ou ato extintivo para que o juiz declare t população do Município (de 5 a 8%), da soma da receita tributária e das
! transferências aludidas nos arts. 153, § 5Q , 158 e 159 da CF. Nas peque-
a extinção, e com esta sentença o requerente se apresentará à Câmara para
se empossar na vaga do titular. Automaticamente ficará destituído o presi- l nas Câmaras, que não disponham de tesouraria própria, o pagamento de
dente da Mesa, e inabilitado para nova investidura na presidência durante
aquela legislatura, além dos encargos processuais das custas e honorários ~~ seus vereadores e de seus funcionários bem como das despesas de seus
serviços pode ser feito pela tesouraria da Prefeitura, à vista de folha de
advocatícios, como dispõe a lei federal, competente para instituir e regular pagamento e de comprovantes de despesas enviados pelo presidente da
qualquer processo judicial. Mesa. A contabilização dessas despesas, entretanto, há que ser feita na
própria Câmara, para a prestação anual de contas, que serão previamente
2.2.3.5 Chefia dos serviços da Câmara - Todos os serviços admi- examinadas Guntamente com as do prefeito) pelo Tribunal de Contas do
nistrativos da Câmara são chefiados pelo presidente, embora possam ser Estado ou do Município, onde houver. O numerário da Câmara deverá ser
dirigidos por encarregados de seções ou departamentos, conforme exijam depositado em estabelecimento bancário, em conta da Mesa, nunca em
as circunstâncias. O que pretendemos assinalar é que o presidente da Câ- nome pessoal do presidente ou de seus membros. A abertura de créditos
mara atua, em relação aos servidores e aos serviços da Edilidade, como a adicionais para a Câmara será também requerida pelo presidente ao pre-
mais alta autoridade hierárquica, a que todos devem obediência e subordi- feito, pois que somente este poderá apresentar projeto de lei que aumente
nação. Nessa qualidade, não obstante os serviços e os servidores estejam a despesa orçamentária do Município.
diretamente vinculados à secretaria ou à tesouraria, compete ao presidente Observamos, neste ponto, que a Câmara não pode recolher ou movi-
exercer a administração superior desses órgãos da Câmara, expedindo os mentar qualquer numerário estranho ao seu orçamento, nem aplicar seus
atos administrativos pertinentes e consubstanciados em portarias, instru- recursos em fins diversos dos que se destinam as dotações, sob pena de
ções, ordens de serviço e outros de natureza executiva, embora algumas quem o fizer incidir no crime funcional de emprego irregular de verbas ou
leis orgânicas confiram essa competência à Mesa. rendas públicas (CP, art. 315). Ao presidente da Mesa só incumbe receber
A administração financeira, a contabilidade e a elaboração e execução e aplicar os recursos atribuídos por lei à Câmara; todos os demais com-
do orçamento da Câmara, que irá integrar o do Município, são de res- petem ao prefeito, como administrador geral do Município. Por isso, todo
ponsabilidade do presidente, assessorado pelo tesoureiro e pelo secretário, saldo orçamentário deve ser devolvido anualmente à Prefeitura.
como membros da Mesa. A partir de ~ .1.200 1 o presidente da Mesa, sob pena de incorrer em
Incumbe também ao presidente, em conjunto com os demais mem- crime de responsabilidade (infração político-administrativa a implicar a
bros da Mesa diretora, elaborar e divulgar, inclusive em meios eletrôni- cassação do mandato), deve cuidar para que a Câmara não gaste mais de
cos de acesso público, os denominados instrumentos de transparência da 70% de sua receita com a folha de pagamento, incluído o gasto com o
gestão fiscal atinentes ao Poder Legislativo, aludidos no art. 48 da Lei subsídio de seus vereadores, como determinam os §§ 1Q e 3Q do art. 29-A
Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF), da CF, acrescido pela EC 25, de 2000.
entre os quais o Relatório de Gestão Fiscal ao final de cada quadrimestre
(art. 54, II), ou semestralmente nos Municípios com população inferior a 2.2.3.7 Requisição de força - A requisição de força para manter a
50 mil habitantes (art. 63, II, "b"). ordem no recinto da Câmara, para assegurar o cumprimento das delibera-
ções da Mesa ou para garantir o livre funcionamento da corporação cabe,
2.2.3.6 Requisição de numerário da Câmara - O numerário para com exclusividade, ao presidente, como consectário da autoridade de que
atender às despesas da Câmara deve ser requisitado pelo presidente da dispõe para a preservação da independência do Legislativo do Município
Mesa ao prefeito mensalmente, na base de duo décimos da dotação apro- em relação a qualquer outra autoridade, órgão ou Poder estranhos às suas
vada e incluída no orçamento geral do Município. Note-se que, de confor- atividades. Só o presidente está investido de poder legal para fazer cercar
656 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
l XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 657
j
a Câmara por força pública no intuito de resguardá-la de nefastas coações As atribuições do tesoureiro referem-se aos assuntos de administra-
ou influências, porque, como bem adverte Luís Izaga, em magnífico estu- ção financeira da Câmara. Incumbe-lhe elaborar a proposta orçamentária
do de direito político, "el presidente es la suprema autoridad directiva de da Casa, promover o depósito do numerário, acompanhar a efetivação da
la labor parlamentaria y así aI ocurrir en la Cámara algún suceso desagra- despesa, assinar cheques e ordens de pagamento juntamente com o presi-
dable tomará las medidas que creyera convenientes".63 dente, bem como organizar e dirigir os serviços contábeis e, ao fmal do
Ocorrendo algum delito no recinto da Câmara o infrator deverá ser exercício, apresentar a prestação de contas à Mesa, para seu encaminha-
preso em flagrante, e poderá sê-lo por qualquer membro do Legislativo, mento, na época própria, ao Tribunal de Contas ou órgão competente, na
por qualquer do povo e pelos agentes da polícia. Não nos parece que o forma das normas federal e estadual pertinentes.
presidente possa "mandar prender" os que perturbem os trabalhos da Câ-
mara, como algumas leis e regimentos consignam, inoperantemente. Só as 2.2.5 Dualidade de Mesas
autoridades judiciárias dispõem de poder para expedir ordens (mandados)
de prisão. Assim, também, entendemos que não cabe ao presidente da Câ- A dualidade de Mesas tem constituído tormentoso problema para as
mara lavrar ou mandar lavrar auto de prisão em flagrante, como consta em Municipalidades, e por isso merece algumas indicações para sua solução.
certas leis orgânicas. O auto de prisão em flagrante é peça processual penal Tal fato surge de divergências partidárias, com repercussão na escolha
da competência da autoridade policial (CPP, art. 304), a quem deve o preso dos dirigentes da Câmara. Daí a eleição de duas Mesas para a mesma
ser apresentado logo após a prisão, para a lavratura do auto respectivo. legislatura.
Ao presidente, entretanto, cabe tomar todas as medidas em defesa É bem de ver que, havendo duplicidade de Mesas, uma delas será
da dignidade e do regular funcionamento da Câmara, podendo fazer os
assistentes abandonar o recinto quando estejam perturbando os trabalhos,
assim como suspender a sessão, ou adotar qualquer outra providência de
! ilegítima. Desde que não haja possibilidade de acerto da situação por en-
tendimentos amigáveis entre as duas facções, abre-se a via judicial. Po-
derá, então, o Judiciário, quando solicitado pelas vias adequadas, dirimir
caráter preventivo ou repressivo, para resguardar a corporação de qualquer
atentado à sua autonomia.

2.2.4 Atribuições de outros membros da Mesa


I
!J
a contenda, invalidando a eleição ilegal ou ambas, para que se renove a
escolha dos dirigentes da Câmara, na forma legal e regimental. Não haverá
nesse procedimento da Justiça qualquer invasão de atribuições, porque a
eleição da Mesa é ato administrativo vinculado aos pressupostos legais de
sua realização; não é ato discricionário do plenário, que afaste a revisão
As atribuições do vice-presidente são de substituição do presidente judicial.
nas suas faltas ocasionais, licenciamentos ou impedimentos. Enquanto não
assumir a presidência por um dos motivos legais não tem qualquer função Qualquer das Mesas é parte legítima para provocar a manifestação da
administrativa ou diretiva, nem pode intervir no funcionamento da Mesa. Justiça, como também o é o prefeito, dado seu interesse no regular fun-
Age e atua como simples vereador, propondo, discutindo e votando em cionamento da Câmara local, de cuja atividade depende seu governo para
igualdade com os demais membros do plenário. obtenção de leis, aprovação do orçamento, abertura de créditos e demais
atos de realização conjunta do Executivo e Legislativo.
As atribuições do secretário são as de preparo do expediente, com-
preendendo-se nessas funções a feitura da ata, a leitura e redação da cor- Tal seja a lesão a direito líquido e certo de uma das partes, caberá
respondência oficial, a preparação dos atos determinados pelo presidente,
a expedição de editais e o que mais o regimento dispuser como incumbên-
cia da secretaria. Nesses misteres pode ser auxiliado por funcionários da
I mandado de segurança contra os atos da outra, e em qualquer caso será
adequada a ação declaratória, para que se esclareça, judicialmente, qual
das Mesas é a legítima.
Câmara.
Na falta de vice-presidente o secretário substitui o presidente na dIre- 2.3 Plenário
ção dos trabalhos do plenário e nos demais misteres administrativos que
lhe competirem. O plenário é o órgão propriamente legislativo da Câmara. Suas atri-
buições, políticas por excelência, são deliberativas e legislativas, em con-
63. Elementos ... , v. 11, p. 355. traste com as da Mesa, que são administrativas e executivas. Ainda que a
658 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

atividade do plenário seja predominantemente legislativa, tem atuações


r
I
XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES

prolongado. Note-se que nos termos dessa lei paulista não cabia à auto-
659

político-administrativas, e até mesmo simplesmente administrativas em ridade judiciária ordenar o desimpedimento do edifício, mas unicamente
casos de serviços internos da Câmara (não confundir com interna corpo- verificar o impedimento e, em o constatando, designar outro local, a fim
de que não se frustrasse a reunião da Câmara. Agora essa matéria deve ser
ris), a serem executados pela Mesa.
regulada pela lei orgânica do Município.
Do exercício das funções políticas do plenário emanam as leis locais
propriamente ditas; do exercício das atribuições político-administrativas
surgem os decretos legislativos, as resoluções e atos inominados de apro- 2.3.2 Sessão
vação ou rejeição de proposições submetidas à sua apreciação pela própria A sessão é a reunião dos vereadores em exercício, no recinto do ple-
Câmara ou pelo Executivo; do desempenho de atribuições regimenta~s nário, em número e forma regimentais, para realizar as atividades constan-
concernentes à administração dos serviços internos e aopessoal da EdI- tes da pauta. Não se confunda sessão da Câmara ou do plenário - que é
lidade o plenário expede, excepcionalmente, atos adn:inistrativos. T?d~s a de que estamos tratando - com sessão legislativa, que é o período anual
esses atos serão apreciados no item seguinte, ao CUIdarmos das pnncI- dos trabalhos de cada legislatura, sendo o quatriênio do mandato. Assim,
pais atribuições do plenário (item 3). Neste tópico só nos interes~~m os em cada ano haverá apenas uma sessão legislativa, com tantas sessões da
elementos extrínsecos que condicionam o funcionamento do plenano e a Câmara quantas forem efetivamente realizadas.
validade de suas deliberações. Para a realização legal das sessões da Câmara são necessários a pré-
Como é sabido, o plenário da Câmara constitui-se pela reunião dos via convocação dos vereadores e o atendimento de todas as prescrições
vereadores em exercício no local, na forma e com o número legal para regimentais, sem o quê serão nulas suas deliberações, e invalidáveis por
deliberar. O local é o recinto da Câmara; a forma é a sessão; o número é via judicial. 65 Muito comum é a realização de sessões sucessivas, com dis-
o quorum estabelecido em lei ou no regimento para as deliberações ordi- pensa de pareceres das comissões e de outras formalidades internas. Tais
nárias e especiais. dispensas só serão legítimas quando o regimento as permitir expressamen-
te, em determinadas circunstâncias, e na realidade ocorrerem essas cir-
cunstâncias que autorizam a simplificação do procedimento legislativo. 66
2.3.1 Recinto legal
Outro requisito de legalidade das sessões é a livre participação dos
O recinto legal para a realização das sessões ordinárias e extraordi- vereadores em exercício. Sob nenhum pretexto poderá ser impedida a ma-
nárias do plenário é a sala das sessões da Câmara, assim entendida a de- nifestação dos membros da Câmara durante as sessões, na forma regimen-
pendência destinada ao seu funcionamento. As sessões e deliberações que tal, sobre as matérias em discussão e votação. 67
64
se realizarem ou se tomarem fora do recinto da Câmara são nulas. Claro As sessões poderão ser ordinárias, extraordinárias e solenes.
está que o recinto pode ser mudado de local por deliber.açã? do própri?
plenário, tomada na forma regimental. O que não se admIte e que a preSI- Sessões ordinárias são as que se realizam para as deliberações e tra-
dência, por ato exclusivo, mude o local das sessões, frustrando ou dIficul- balhos de rotina, em dias, horas e local prefixados em resolução ou no
próprio regimento.
tando a reunião dos vereadores e a publicidade dos atos da Câmara.
A esse respeito a antiga Lei Orgânica dos Municípios do E~tado de Sessões extraordinárias são as que se realizam em caráter excepcio-
São Paulo, revogada com o advento da sistemática das leis orgâmcas mu- nal, para deliberarem sobre matéria urgente, ou para posses, recepções
nicipais, além de declarar expressamente que só eram válidas as s~ssões ou homenagens de caráter cívico e social, por isso denominadas sessões
realizadas no edifício destinado ao funcionamento da Câmara, conSIgnava solenes.
providência de alto alcance prático - qual seja, a de cometer ao ju~z de Em regra, as sessões ordinárias ou extraordinárias são públicas, só se
direito da comarca a atribuição de verifícar o impedimento do funCIOna- justificando as secretas quando houver assunto de caráter sigiloso, impos-
mento no local de costume e designar, no próprio auto de verificação,
outro recinto para a sessão ou sessões se o impedimento fosse de caráter 65. TASP, RDA 65/188.
66. TASP, RT320/479.
67. TJSP, RT214/361.
64. TJSP,RT212/376.
660 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 661

to pelo interesse público. Toda sessão - ordinária ou extraordinária, públi- quantidade, a maior porção ou o maior número em que se divide um total.
ca ou secreta - deve obedecer às disposições regimentais pertinentes. Para fins de eleição ou deliberação classifica-se a maioria em absoluta,
Sessões solenes são as convocadas para homenagens ou comemora- relativa e qualificada, como veremos a seguir.
ções cívicas, em qualquer recinto e com qualquer número, pois nelas nada
se delibera. Com exceção das sessões solenes, nas demais o compareci- 2.3.3.1 Maioria absoluta - Maioria absoluta é a que compreende
mento do vereador é obrigatório, e por suas faltas poderá perder o manda- mais da metade do número total de membros da Câmara, computando-se
to, se assim dispuser a lei orgânica do Município. os presentes e ausentes à sessão. Erroneamente se diz que é a metade mais
um. Tal afirmativa só é válida para os totais pares, não o sendo para os ím-
A publicidade das sessões é princípio insuperável da elaboração das
pares. Nestes a maioria absoluta é representada pelo número inteiro ime-
leis. A publicidade deve ser assegurada não só pela publicação dos traba-
diatamente superior à metade. Exemplificando: numa Câmara composta de
lhos da Câmara no órgão oficial do Município como - e principalmente
19 vereadores a metade é 9,5; a maioria absoluta é, pois, o número inteiro
- pela realização das sessões com caráter público. O povo tem o direito de
imediatamente superior à metade, ou seja, 10 vereadores. Na realidade,
assistir à discussão e votação das leis, e não será lícito impedir ou dificul-
para fins de votação não se pode considerar a fração como suficiente para
tar, por qualquer meio, o livre acesso do cidadão ao recinto dos debates, na
caracterizar qualquer maioria, porque a fração não é unidade ontológica.
parte reservada ao público. 68
A unidade é o indivíduo que vota, que delibera, que manifesta sua vontade
A presidência poderá tomar medidas de segurança (impedir o porte no seio da corporação a que pertence. Este é o critério recomendado pela
de arma), de higiene ou de decoro (exigir traje e compostura condignos) doutrina70 e aceito pe1ajurisprudência71 não só para conceituar a maioria
compatíveis com a dignidade do plenário, mas não deverá opor restrições absolata, como também para as maiorias simples e qualificada.
de tal ordem que importem cerceamento de publicidade e de ingresso do
povo no recinto da Câmara durante as sessões públicas. 69 2.3.3.2 Maioria simples - Maioria simples, relativa ou ocasional é
a que compreende mais da metade dos votantes presentes à sessão, ou a
2.3.3 "Quorum" que representa o maior resultado da votação, dentre os que participam dos
sufrágios, quando haja dispersão de votos por vários candidatos. Daí por
O número ou quorum é a presença mínima de vereadores no recinto que sempre que se adotar o sistema de deliberação por maioria simples se
que se exige para a sessão se iniciar e deliberar eficazmente. As leis e re- deverá esclarecer, com precisão, qual o critério a prevalecer. A nosso ver,
gimentos, em regra, consignam quorum diverso para início da sessão, para nos casos omissos entende-se exigida a maioria simples em relação ao
deliberações sobre matérias comuns e para deliberações sobre matérias número dos que tomarem parte da votação.
especiais (alienação de bens municipais, autorização para empréstimos,
concessão de serviços públicos, cassação de mandatos etc.) O quorum 2.3.3.3 Maioria qualificada - Maioria qualificada é aquela que atinge
para início da sessão pode ser inferior à maioria absoluta, e geralmente ou ultrapassa o limite aritmético ou a proporção (sempre superior à maio-
o é, porque nessa fase não se submete a deliberação qualquer matéria da ria absoluta) estabelecida em relação ao total de membros de uma corpo-
ordem-do-dia. O quorum para a realização da sessão com poder deliberati- ração ou colégio eleitoral. A maioria qualificada mais comum é a de dois
vo deverá sempre ser superior à metade do total dos membros da Câmara, terços. Neste caso, se o número total de votantes (membros da Câmara)
para que assim possa a maioria impor sua vontade.
O conceito de maioria tem suscitado algumas dúvidas no seio dos 70. Duguit, Traité de Droit Constitutionnel, v. IV, p. 91; Hauriou, Droit Adminis-
órgãos colegiados, principalmente nas Câmaras Municipais, o que justifi- tratif, p. 40; Seabra Fagundes, in RT 181/942; Nestor Massena, in RT 182/476.
ca breves esclarecimentos. O vocábulo maioria provém do Latim mojor, 71. STF, Repr. 164-SC; TRE/SP, BE 18; TASP, RT 286/686. Observe-se que o
comparativo de magnus, que indica o que é maior, em quantidade, grande- próprio STF chegou a incidir no equívoco do errôneo conceito da metade mais um,
za ou número, em relação a uma totalidade. Maioria é, portanto, a maior exigindo para a maioria absoluta de seu plenário de 11 ministros o voto mínimo de 7
deles (Repr. 97-PI e 106-GO); mas, sob a judiciosa crítica de Seabra Fagundes, reti-
ficou seu entender na Repr. 164-SC, e daí por diante tem-se mantido fiel ao critério
68. TASP, RDA 51/327, RT261/642. de que maioria absoluta é o número imediatamente superior à metade do total de seus
69. TJSP, RT307/430. membros (6).
662 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 663

for divisível por três a maioria de dois terços será sempre o resultado arit- As comissões - permanentes e especiais - são órgãos internos da
mético dessa divisão; se, porém, o total não for divisível por três o quorum Câmara, instituídos em razão do poder político da corporação legislativa,
de dois terços será obtido pelo resultado aritmético da operação acrescido mas destinados a praticar atos simplesmente administrativos. As comis-
da fração necessária à formação do número inteiro imediatamente superior sões não legislam, não deliberam, não administram nem julgam; apenas
aos dois terços aritméticos. Assim, por exemplo, numa Câmara com 19 ve- estudam, investigam e apresentam conclusões ou sugestões, concretiza-
readores a maioria de dois terços é 13, visto que os dois terços aritméticos das em pareceres de caráter meramente informativo para o plenário. Não
são 12,666. Completando-se a fração obter-se-á o número inteiro imedia- são pessoas jurídicas, mas dispõem, a nosso ver, de capacidade processual
tamente superior ao resultado aritmético, que é a maioria qualificada de para postular emjuízo em prol de seus direitos, prerrogativas e atribuições,
dois terços, exigida geralmente para as deliberações de maior importância quando negados ou violados pela Câmara, pela Mesa ou por qualquer de
nas corporações legislativas. seus membros. Contra as comissões não cabe qualquer procedimento ad-
O que convém repisar é que a maioria absoluta e a maioria quali- ministrativo ou judicial de terceiros visando a impedir seus trabalhos ou
ficada são sempre tomadas em relação ao número total de membros da invalidar suas conclusões. Todo e qualquer recurso nesse sentido só po-
Câmara (presentes e ausentes à votação), ao passo que a maioria simples é derá ser dirigido contra a Câmara, responsável por sua constituição e por
calculada unicamente com base no número de votantes. Não importa que seus atos.
a Câmara esteja desfalcada de alguns de seus membros por licenciamento As comissões especiais, por sua vez, podem ser constituídas para es-
ou ausência eventual à sessão. Para as deliberações em que se exigem tudos, para investigações ou inquéritos e para representação social, como
quorum especial e aprovação por maioria absoluta ou qualificada toma-se veremos adiante.
sempre por base o número total de vereadores que legalmente integram a
Edilidade. As eleições e deliberações realizadas em desacordo com esse 2.4.1 Comissões permanentes
critério são ilegítimas e invalidáveis por via judicial.
Comissões permanentes são aquelas que a Câmara institui em seu
regimento, como órgãos internos e especializados da própria corporação,
2.4 Comissões legislativas para examinar e emitir parecer prévio a respeito das proposições que devam
Comissões legislativas são grupos constituídos pelos próprios mem- ser objeto de discussão e votação do plenário. Tais comissões compõem-
bros da Câmara a que se atribuem funções especializadas de estudo ou in- se, necessariamente, de vereadores em exercício, guardado na sua consti-
vestigação de determinado assunto, em caráter permanente ou transitório. tuição, tanto quanto possível, o critério da representação proporcional,73
Na definição de Izaga, "las comisiones son pequefios grupos de repre- a fim de se manterem todos os partidos em pé de igualdade no estudo e
sentantes, a los que se encomienda el estudio y informe de determinados pronunciamento sobre os aspectos técnicos das proposições que tramitam
pela Câmara (CF, art. 58, § 1Q).
asuntos, que se proponen a la Cámara para su discusión y aprobación.
Salen, como es natural, deI seno de la Cámara que elige sus miembros, en O número de comissões permanentes, bem assim o de seus integran-
una u otra forma".72 tes, é matéria da alçada regimental de cada Câmara, porquanto a necessi-
dade de órgãos especializados varia de Município para Município, confor-
Por aí se vê que as comissões legislativas são um prolongamento da
me a diversidade de assuntos em estudo e a complexidade dos problemas
própria Câmara, que as erige em órgãos técnicos, com a missão precípua
legislativos que a Edilidade tenha de enfrentar e resolver. Em regra as
de realizar estudos ou investigações e emitir pareceres especializados so-
Câmaras não prescindem das Comissões de Justiça, de Finanças, de Obras
bre as proposições que irão ser discutidas e votadas pelo plenário. Tais
e Serviços e de Redação, uma vez que tais assuntos são de freqüente trami-
comissões podem ser permanentes e especiais, conforme sejam instituí-
tação no seio das corporações legislativas; mas nada impede que a Câma-
das pelo regimento, como parte integrante da Câmara, ou por resolução,
ra aumente ou reduza o número de comissões, conforme as necessidades
que lhes empreste caráter transitório, para a só realização de determinada locais.
missão.
73. V. notas 54 e 55, neste Capítulo, aplicáveis à questão da representação pro-
72. Elementos ... , v. lI, p. 356. porcional dos partidos nas comissões legislativas.
664 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 665

As comissões permanentes não representam a Câmara, nem têm


atribuições externas, razão por que toda vez que tiverem necessidade de
dados e esclarecimentos do Executivo deverão solicitar à presidência da
1
I
I
pelo plenário. O que não nos parece legal é que se dispensem os pareceres
das comissões permanentes interessadas sem a observância das cautelas
regimentais, por simples ato de arbítrio da presidência no julgamento da
Mesa que os requisite do prefeito, na forma regimental. conveniência ou necessidade dessa dispensa.
O parecer dessas comissões cingir-se-á ao assunto de sua especiali- Negando vista da proposição a qualquer comissão ou membro inte-
dade, a ser emitido do ponto de vista técnico, e não político. As opiniões ressado fora dos casos ou sem as formalidades previstas no regimento a
políticas cabem ao plenário, nunca aos órgãos especializados chamados a presidência comete ilegalidade passível de correção por via judicial (man-
opinar sobre as matérias em discussão. O parecer das comissões é de alta dado de segurança), se assim o requerer a comissão ou o membro interes-
valia para nortear o plenário na votação das proposições, devendo informá- sado, antes que a proposição seja convertida em lei. Tratando-se de decre-
lo acerca da constitucionalidade e legalidade do assunto em pauta, sobre a to legislativo ou de resolução, que são atos administrativos (e não normas
existência ou inexistência de recursos financeiros, sobre a exeqüibilidade legislativas), entendemos que a invalidação poderá ser decretada judicial-
da norma que se vai votar, bem assim quanto aos demais aspectos técni- mente, se houver preterição de formalidade regimental na sua elaboração,
cos que a proposição ensejar. As comissões poderão apresentar emendas mesmo após sua expedição. O vereador membro de comissão permanente
ou substitutivos sempre que forem necessários à perfeição do projeto em tem o direito subjetivo de emitir parecer nas condições regimentais.
exame.
Neste passo, convém se recorde a advertência de Mohrhoff de que "la 2.4.1.1 Pareceres - Os pareceres das comissões permanentes (como
formazione delle leggi e materia prevalentemente tecnica, che spesso non também os da assessoria técnico-legislativa que funcionar como serviço
ha grandi riflessi politici, ma apresenta massima importanza". E o mesmo auxiliar da Câmara) não obrigam o plenário, e seu desacolhimento não
autor salienta a tendência moderna, que vai gradativamente influenciando infringe qualquer princípio informativo do procedimento legislativo, mes-
as Câmaras, no sentido "di riformare il regolamento in modo tale qui le mo porque a proposição pode ser inatacável sob o prisma técnico, e ser
commissioni si sostituiscano all'assemblea plenaria nella normal e proce- inconveniente ou inoportuna do ponto de vista político - e este aspecto é
dura legislativa".74 reservado à consideração e deliberação dos vereadores.
Desde que as comissões são órgãos formados com intuitos técnicos,
2.4.1.2 Composição - A composição das comissões permanentes é
sobressai a conveniência de se distribuírem os vereadores segundo sua
feita no início de cada sessão legislativa, por eleição do plenário ou por
especialidade e formação profissional, para que se obtenham o máximo
escolha do presidente, atendendo, tanto quanto possível, ao critério da re-
rendimento e a maior autoridade nos pareceres que forem exarados. Co-
presentação proporcionaF5 dos partidos (CF, art. 58, § 1º), conforme o
missões técnicas sem membros técnicos, sobre ser uma inutilidade, é um
sistema que a lei orgânica ou, na sua omissão, o regimento interno adota-
contra-senso que merece ser evitado pelas Câmaras.
rem. O vereador "investido como membro de uma ou de várias comissões
Nada impede - e é mesmo aconselhável - que, além das comissões
permanentes deverá desempenhar suas atribuições por todo o período le-
penl1ancntcs, a Câmara organize sua assessoria técnico-legislativa, com
gislativo (um ano), até a renovação das comissões. Casos há, entretanto,
funcionários especializados nos diversos assuntos sobre que freqüente-
de improbidade, falta de decoro, negligência, falta de comparecimento às
!1!,;:nte versam as proposições municipais (Justiça, Finanças, Obras e Ser-
reuniões da comissão, que autorizam a destituição do vereador da comis-
viços Públicos, Urbanismo, Engenharia Sanitária etc.), para que, com sua
são ou das comissões a que pertencer, por resolução do plenário, desde que
ajuda, as leis sejam elaboradas com o máximo aprimoramento no conteú-
do e na forma. prevista no regimento interno. Essa possibilidade funda-se em motivos de
preservação do regular funcionamento da Câmara e em considerações de
Os pareceres da assessoria bem como os das comissões permanentes
autodefesa da própria corporação legislativa - prerrogativas, essas, ineren-
interessadas no assunto da proposição devem ser obrigatórios na tramita-
tes a todo órgão colegiado que, por natureza, tem a missão de policiar sua
ção dos projetos, se bem que o regimento possa admitir expressamente a
atividade interna e disciplinar a conduta funcional de seus membros.
dispensa em casos especialíssimos de urgência comprovada e deliberada

74. Traftato ... , p. 169. 75. V. notas 54, 55, 73 e 103 deste capítulo.
666

2.4.2
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Comissões especiais
As comissões especiais são constituídas por resolução do plenário e
integradas por vereadores em exercício, na forma prevista no regimento,
r XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES

pelos vereadores integrantes das comissões, os quais, perante a Câmara,


são os únicos responsáveis pelas conclusões e indicações que fizerem.
Para o desempenho das atribuições que lhes forem cometidas, as co-
667

com duração limitada e finalidades específicas de estudo, investigação missões especiais e seus assessores deverão ter livre acesso às repartições
ou inquérito, ou de representação social. A formação de qualquer des- do Município, necessário ao exame e à coleta de dados que devam instruir
sas comissões depende sempre de aprovação da Câmara, competindo ao o trabalho; mas qualquer solicitação ao prefeito para a franquia dos ser-
presidente e a qualquer vereador propor ao plenário sua constituição para viços que lhe são subordinados, para a prestação de informações, forne-
um fim determinado. O que negamos é que possa o presidente da Câma- cimento de certidões e o mais que for conveniente aos estudos deverá ser
feita pela presidência da Câmara, que é o único órgão representativo da
ra, por iniciativa própria, constituí-las, escolher seus membros e lhes dar
Edilidade e, portanto, credenciado para se entender com o chefe do Execu-
atribuições. Só o plenário da Câmara dispõe do poder de deliberar sobre
tivo sobre tudo que se referir à Administração local e ao exercício normal
assuntos de interesse do Município, e, portanto, só ele pode resolver acer-
das atividades da Câmara e de suas comissões.
ca da conveniência ou necessidade da instituição de comissões especiais,
indicando-lhes o objeto, a forma de procedimento, o tempo de duração dos As conclusões de qualquer comissão especial são meramente infor-
trabalhos e mais condições de desempenho de suas atribuições. mativas, sem caráter obrigatório para a Câmara, para o prefeito ou para
os munícipes. Somente se forem convertidas em lei, decreto legislativo
2.4.2.1 Comissões especiais de estudos - As comissões especiais de ou resolução é que adquirem força coativa nos limites da competência
estudos destinam-se a realizar levantamentos técnicos sobre detenninado municipal.
assunto de interesse público local: serviços novos a serem instalados no
2.4.2.2 Comissões de inquérito - As comissões parlamentares de in-
Município, obras de grande vulto e quaisquer outras atividades que me-
quérito (CPls), como geralmente se denominam as comissões especiais
reçam regulamentação legal mas que, por sua magnitude e complexidade,
de irz.v~stigação legislativa, podem ser instituídas também pela Câmara
demandem conhecimentos especializados, exijam processos especiais de
MUnIcIpal, com vereadores em exercício, para apurar fato determinado e
planejamento, métodos próprios de estudo, os quais não possam ser efi- em prazo certo, de interesse da Administração locaI.76
cientemente realizados na rotina da Câmara e no afogadilho das discus-
sões do plenário. Em tais matérias, antes da conversão do projeto em lei, Essas investigações tanto podem destinar-se a apurar irregularidades
é de toda conveniência que a Câmara designe uma comissão especial de do Legislativo como do Executivo, na Administração direta ou indireta
vereadores que, com as pesquisas acuradas de seus membros, com o vagar do Município, e, conforme a irregularidade apurada, ou será punida pela
necessário à meditação e com os recursos que a ciência e a técnica lhes
76. As origens das comissões de investigação legislativa remontam ao século
oferecem, possa se enfronhar no assunto e relatar à Câmara o resultado de XVII, quando o ~arlamento Inglês, descontente com a conduta de Lundy na direção da
seus estudos, propondo a solução adequada aos interesses da Administra- guerra contra os Irlandeses, nomeou, em 1689, a primeira e histórica Select Commit-
ção e dos administrados. tee, que concluiu pela traição daquele militar, levando-o a julgamento e condenação a
morte pela Coroa.
A oportunidade da constituição de tais comissões apresenta-se quan- .A prática das investigações legislativas é hoje encontradiça em todos os Estados
do a Câmara defronta assuntos novos, serviços e obras públicas ainda não d~ J?IreIto, sendo conhecida nos Estados Unidos por congressional investigations· na
existentes no Município, e em relação aos quais, ou aos métodos de sua !taha, por commissioni d'inchieste parlamentari; na França, por comission d'enq:/ête
execução, haja variantes indicadas pelas modernas técnicas, para que o le- parlamentaire.
gislador escolha a que melhor atenda à economia, à eficiência, ao conforto Entre nós a investigação legislativa vem sendo admitida desde a Constituição
Federal de 1934,.e presentemente a consigna em termos claros o art. 58, § 3º, estando
e às peculiaridades locais.
regulada pel~ LeI,r~deral 1.579, de 1.8.3.1952, s?b a designação de comissões parla-
As comissões especiais de estudos, embora só devam ser constituídas men!ares d~ ~nquento (CPIs). Essa leI não se aphca às comissões especiais de investi-
por vereadores em exercício, admitem o auxílio de técnicos e especialistas ga.çao mUnIcIpal, ma~ reve~a um princípio inerente a toda corporação legislativa, qual
que lhes assessorem as atividades e lhes orientem as conclusões a serem Seja, o de promover Investigações sobre irregularidades administrativas do Executivo
e de seus próprios membros, no desempenho legítimo de sua ação fiscalizadora dos
apresentadas à Câmara em relatório circunstanciado, subscrito somente atos do governo.
668 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 669

própria Câmara (cassação de mandato), ou pela Justiça Penal (crimes de ções mantidas pela Prefeitura -, seus dirigentes têm a mesma obrigação
responsabilidade ou funcionais), ou, ainda, pela Justiça Civil (indeniza- de franquear sua contabilidade e seus arquivos às comissões especiais
ção à Fazenda Municipal, anulação de atos ou contratos administrativos de investigação da Câmara, embora a lei federal não tenha cominado a
e sanções pela prática de atos de improbidade, definidos pela Lei 8.429, mesma sanção de perda do cargo para o dirigente que impedir tal exame.
de 1992), sem embargo da responsabilização e punição dos servidores pú- Mas a lei municipal pode estabelecer essa e outras sanções para aqueles
blicos por meio do procedimento administrativo disciplinar. Em qualquer que sonegarem informações ou dificultarem a verificação dos negócios
caso, porém, as conclusões do inquérito terão valor meramente informati- públicos municipais, inclusive na Administração indireta, que é também
vo para o processo político-administrativo, penal, civil ou administrativo Administração Pública.
que se instaurar em forma legal, perante o órgão ou autoridade competente "No se concibe - diz Andreozzi - que el Poder que hace la ley no
para a responsabilização do infrator. tenga las facultades necesarias para proteger y vigilar su cumplimiento e
Se as irregularidades apuradas não forem atribuíveis pessoalmente ao investigar la necesidad y alcances de sus reformas".77
prefeito, mas a qualquer de seus subordinados ou dirigentes de entidade No mesmo sentido é a autorizada lição de Eberling, neste tópico:
da Administração indireta do Município, caberá à Câmara comunicar-lhe "Entende-se que toda corporação legislativa pode realizar investigações
o fato para a responsabilização devida do culpado, e se não o fizer a tempo com o fim de adquirir a informação necessária para a feitura da lei (comis-
poderá incidir nas irifrações político-administrativas, nos termos da lei sões especiais de estudo) ou com o fim de verificar se as leis estão sendo
orgânica local, ou mesmo no crime funcional de prevaricação ou no de executadas adequadamente (comissões de investigações). Nestas investi-
condescendência criminosa, dos arts. 319 e 320 do CP. Se as irregulari- gações está implícito o poder de punir. A faculdade de investigação por
dades forem do presidente da Câmara ou de qualquer vereador caberá ao meio de comissões é essencial· a uma legislação sadia. Negar capacidade
plenário deliberar sobre as mesmas, arquivando o inquérito ou mandando investigadora e compulsiva a tais comissões seria reduzi-las à esterilidade
instaurar o processo para a cassação do mandato; se for de funcionário da e excluir as fontes de informações necessárias a toda legislação".78
Câmara deverá ser comunicada ao seu presidente, para a punição cabível;
Nessa mesma linha de pensamento, o clássico Duguit lembra que as
se, eventualmente, a falta for imputável a agente estranho ao Município
comissões especiais de investigação constituem o meio normal de se pôr
deverá ser noticiada à autoridade competente para puni-lo.
em prática o poder de controle - "mise en oeuvre du pouvoir de contrôle"
Caberá ainda à Câmara, no caso do cometimento de crimes funcionais - das Câmaras representativas. 79
(crimes contra a Administração Pública, definidos nos arts. 312-327 do
Tal poder, sendo inerente a todo órgão legislativo, está difundido
CP; crimes contra as finanças públicas, definidos nos arts. 359-A-359-H,
desde o Senado Federal até as Câmaras de Vereadores, que, guardadas
acrescidos ao Código Penal pela Lei 10.028, de 19.10.2000; crimes de
as proporções, e reduzidas quantitativamente suas funções políticas, de-
abuso de autoridade ou de poder, previstos nas Leis 4.898, de 1965, e
sempenham assemelhadas atribuições de legislação, de fiscalização e de
8.137, de 1990; e outros estabelecidos em lei federal) bem como no caso
controle da Administração local.
de cabimento de ação civil pública ou de ação pela prática de atos de
improbidade administrativa (Leis 7.347, de 1985, e 8.429, de 1992), co- 2.4.2.3 Comissões especiais de representação social- Comissões es-
municar o fato e as provas colhidas ao Ministério Público. peciais de representação social são as que se constituem para simples atos
A comissão de inquérito tem amplo poder investigatório no âmbito de cortesia, para a recepção de altas autoridades ou para tomar presente a
municipal, podendo fazer inspeções, levantamentos contábeis e verifica- Câmara em festividades, certames e solenidades cívicas quando não possa
ção em órgãos da Prefeitura ou da Câmara, bem como em qualquer en- comparecer o presidente, que é seu legítimo representante.
tidade descentralizada do Município, desde que tais exames se realizem
Tais comissões só representam socialmente a Edilidade, visto que sua
na própria repartição, sem retirada de seus livros e documentos, os quais
representação jurídica pertence única e exclusivamente ao presidente e é
podem ser copiados ou fotocopiados pelos membros ou auxiliares da co-
missão.
77. Facultades Implícitas ... , p. 39.
Quanto às entidades da Administração descentralizada do Município 78. CongressionalInvestigations, pp. 13 e ss.
- autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, funda- 79. Droit Constitutionnel, p. 463.
670 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

indelegável a qualquer outro membro da corporação. Tratando-se de co-


missão de representação social em atos locais, de caráter efêmero e com
missão de cortesia, parece-nos admissível sua nomeação pelo presidente
r
I
Todo :~:ç:::~'::::: ::::::~:::::::Sext;nto :::
resolução, com a dispensa da sanção do prefeito, por ser matéria de sua
competência exclusiva, à semelhança do que dispõe a Constituição da Re-
independentemente de deliberação do plenário. Mas se se tratar de comis- pública quando cuida do Poder Legislativo Federal (cf. art. 48, c/c arts. 51,
são que deva representar a Câmara fora do Município, com encargos de IV, e 52, XIII).
maior responsabilidade e com despesas para a Municipalidade, afigura-se- Quanto aos servidores da Câmara titulares de cargo público efetivo
nos necessária sua constituição por resolução do plenário, com aprovação e em comissão, embora subordinados ao presidente da Mesa, ficam sujei-
de verba própria e especificação dos poderes de que fica investida para o tos ao regime jurídico estatutário geral ou peculiar, porque, na realidade,
desempenho da missão que lhe é atribuída. são servidores públicos do Município, como os que prestam serviços à
Prefeitura. Como já dito anteriormente, admite-se que a Câmara, consi-
derando suas disponibilidades orçamentárias, estabeleça a retribuição a
2.5 Serviços auxiliares da Câmara seus servidores em bases idênticas às do Executivo ou lhes atribua menor
remuneração, visto que no atual sistema os vencimentos pagos pelo Poder
A Câmara, como órgão legislativo do Município, tem necessidade
Executivo constituem o teto para a remuneração dos servidores que exer-
de serviços auxiliares e de funcionários próprios, para bem realizar suas
çam funções iguais ou assemelhadas no Legislativo (art. 37, XII, da CF).
atividades específicas. Esses serviços e funcionários se distribuem, geral-
Embora a paridade de vencimentos dos cargos dos três Poderes tenha sido
mente, na secretaria, tesouraria, assessoria técnico-legislativa e em outros retirada do texto constitucional pela EC 19, de 1998, que deu nova redação
serviços, de conservação das dependências da Câmara, de guarda de ma- ao art. 39, é preciso que não se olvide o princípio constitucional da iso-
terial, de transporte etc. nomia, inerente aos direitos e garantias individuais. Dessa forma, mesmo
A secretaria realiza, normalmente, serviços burocráticos, incumbin- com a EC 19, de 1998, o princípio geral da igualdade, entendido e aplica-
do-se do expediente, da correspondência, das publicações e do pessoal do nos justos limites do mandamento previsto no art. 5º da Carta Magna,
administrativo da Câmara. não pode ser afastado. Esse princípio, na lição autorizada de Pontes de
A tesouraria incumbe-se do recebimento e recolhimento das dotações Miranda, "é imperativo para a Legislatura, para a Administração e para a
da Câmara, bem como dos pagamentos e da contabilidade necessária ao Justiça".8o Daí não ser legal desigualar os que, sendo titulares de cargos
controle das verbas e à execução do orçamento, para a regular prestação idênticos quanto às peculiaridades e à natureza, exercem funções realmen-
de contas ao término de cada exercício financeiro. te iguais em órgãos da mesma entidade estatal, que é o Município.
A assessoria técnico-legislativa (nos Municípios que a comportam) A nomeação, movimentação, punição e demais atos de administra-
desempenha funções especializadas de exame das proposições a serem ção do funcionalismo da Câmara cabem ao presidente da Mesa, que é
discutidas e votadas em plenário, emitindo pareceres exclusivamente téc- o representante legal da corporação e o administrador nato de todos os
nicos e cuidando da redação dos atos legislativos. Não toma parte nas seus serviços e pessoal. Mas essa administração - repetimos - é de ser
feita na confornüdade da resolução que organizou o quadro de servidores
discussões, não interfere nas deliberações do plenário ou do presidente,
da Câmara e de acordo com o estatuto dos servidores do Município, que
limitando-se a colaborar no aprimoramento formal e técnico das leis e
rege também o pessoal da Edilidade. Atualmente essa administração vem
resoluções.
sendo atribuída à Mesa, embora algumas leis orgânicas mantenham-na na
Outros serviços administrativos, tais como os de guarda e conserva- competência da presidência.
ção das dependências e material da Câmara (limpeza, almoxarifado, ar-
O material necessário aos serviços da Câmara poderá ser adquirido
quivo etc.), de transporte e o mais que for necessário ao funcionamento diretamente por ela ou fornecido pela Prefeitura. Se a Câmara pretende
da Edilidade, devem ficar subordinados exclusivamente à presidência, por fazer suas compras deverá consignar dotação própria em seu orçamento e
correlacionados intimamente com suas funções e necessários à autonomia realizá-las mediante licitação, nos termos da Lei federal 8.666, de 1993,
da corporação em relação ao Executivo. Atualmente esses serviços devem
ficar subordinados à Mesa diretora, nos termos do Regimento Interno. 80. Comentários à Constituição de 1946, t. m, p. 165.
672 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 673

alterada pelas Leis federais 8.883, de 1994, e 9.648, de 1998, com obser- sua elaboração. A norma que satisfizer a esses requisitos é lei perfeita, lei
vância da legislação municipal pertinente. 81 em sentido formal e material, diversamente de outros atos que ora têm
conteúdo de lei, ora a forma de lei, mas não são leis propriamente ditas. A
3. Principais atribuições do plenário lei perfeita há que provir do Legislativo e ser sancionada pelo Executivo,
salvo as exceções de sanção tácita ou de rejeição de veto, em que são pro-
Já vimos que o plenário é o órgão propriamente legislativo da Câ- mulgadas pelo presidente da Câmara.
mara, tendo atuação essencialmente deliberativa. Mas suas deliberações A função primacial do plenário é votar leis, mas essa sua atribui-
diversificam-se no fundo e na forma, conforme a proposição votada. Ora a
ção não é ilimitada nem absoluta. Na elaboração da lei há de atender, em
deliberação tem fundamento exclusivamente político e segue um processo
primeiro lugar, à competência do Município; e, em segundo, às normas
legislativo constitucional: é a lei; ora seu conteúdo é político-administrati-
constitucionais, legais e regimentais, a fim de que não legisle fora de sua
vo, embora siga o mesmo processo legislativo constitucional: é o decreto
alçada, nem delibere com infringência do processo legislativo. 83
legislativo ou a resolução; ora seu conteúdo é ainda político-administra-
tivo ou meramente administrativo, mas o procedimento é simplesmente o
regimental: é a deliberação comum de autorização, aprovação ou rejeição 3.1.2 Decreto legislativo
de proposições, revestindo a forma de atos legislativos inominados.
Decreto legislativo é a deliberação do plenário sobre matéria de sua
Neste item veremos as principais atribuições do plenário, bem como a exclusiva competência e apreciação político-administrativa, promulgada
natureza e o procedimento da proposição a ser votada, para indicar a forma pelo presidente da Mesa, para operar seus principais efeitos fora da Câma-
da deliberação legislativa e os efeitos do ato que ela encerra. ra. Por isso se diz que o decreto legislativo é de efeitos externos, e a reso-
lução de efeitos internos, ambos dispensando sanção do Executivo mas su-
3.1 Votação de leis e outras proposições jeitos, no mais, ao processo legislativo comum da lei. O decreto legislativo
não é lei nem ato simplesmente administrativo; é deliberação legislativa
A atribuição do plenário é deliberar na forma regimental, votando
de natureza político-administrativa de efeitos externos e impositivos para
leis, decretos legislativos, resoluções e proposições inominadas de inte-
seus destinatários. Não é lei porque lhe faltam a normatividade e genera-
resse da Administração municipal. 82 Mas essa atribuição há que ser exer-
lidade da deliberação do Legislativo sancionada pelo Executivo; não é ato
cida com atendiment,-, do processo legislativo e das prescrições regimen-
tais, elaborando as 1 .> e demais atos de sua alçada com técnica e redação simplesmente administrativo porque provém de uma apreciação política e
apropriadas, como tudo veremos no decorrer deste item. soberana do plenário na aprovação da respectiva proposição. Daí por que
só deve ser utilizado para consubstanciar as deliberações do plenário sobre
assuntos de interesse geral do Município mas dependentes do pronuncia-
3.1.1 Lei mento político do Legislativo, ainda que sobre matéria de administração
Lei é norma jurídica geral, abstrata e coativa, emanada do Legislati- do Executivo, ou concernentes a seus dirigentes. Nessa conformidade, o
vo, sancionada e promulgada pelo Executivo, na forma estabelecida para decreto legislativo é próprio para a aprovação de convênios e consórcios;
fixação da remuneração do prefeito; cassação de mandatos; aprovação de
81. Sobre licitação, v. o Capítulo VII, item 4.2.10.3, e para maiores esclareci- contas; concessão de títulos honoríficos; e demais deliberações do ple-
mentos consulte-se, do Autor, Licitação e Contrato Administrativo, 14ª ed., 2ª tir., São nário sobre atos provindos do Executivo ou proposições de repercussão
Paulo, Malheiros Editores, 2007.
82. No passado empregou-se a expressão postura municipal para designar indis-
externa e de interesse geral do Município.
tintamente os atos legislativos e administrativos das Municipalidades. Tal expressão
acha-se em desuso, por não ter significado jurídico no Direito Moderno As delibera- 83. Sobre elaboração de leis e demais atos legislativos, consultem-se: José Afon-
ções da Câmara e os atos do prefeito devem receber a designação própria e técnica 80 da Silva, Processo Constitucional de Formação das Leis, São Paulo, 2ª ed., 2ª tir.,
correspondente: lei., decreto legislativo, resolução, decreto, portaria ou, genericamente, 2007, e também "O Poder Legislativo dos Municípios", RDP 17/253 e 19/295; Nélson
ato de aprovação, de autorização, de rejeição, de indeferimento, de provimento etc. de Sousa Sampaio, O Processo Legislativo, São Paulo, 1968; Manoel Gonçalves Fer-
Nem se justifica a. errônea denominação de Código de Posturas Municipais para 08 reira Filho, Do Processo Legislativo, São Paulo, 1968; Joaquim Castro Aguiar, Proces-
regulamentos locai.s. so Legislativo Municipal, Rio de Janeiro, 1973.
674

3.1.3 Resolução
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Resolução é deliberação do plenário sobre matéria de sua exclusiva


competência e de interesse interno da Câmara, promulgada por seu presi-
rI XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES

sua ~la~or~ção_sujeita a um procedimento formal, que a Constituição da


Republ1ca I:upoe a todas, as corpor~ções legiferantes, passamos a apreciar
esse procedImento, que e o denommado processo legislativo.
675

dente. Não é lei, nem simples ato administrativo: é deliberação político-


3.1.5 Processo legislativo 85
administrativa. Obedece ao processo legislativo da elaboração das leis
mas não se sujeita a sanção e veto do Executivo. Presta-se à aprovação Process.o legislativo é a sucessão ordenada de atos necessários à for-
do regimento interno da Câmara; criação, transformação e extinção dos mação da leI, ?o decreto .legislativo ou da resolução do plenário. Desen-
seus cargos e funções e fixação da respectiva remuneração; concessão de ~olve~s~ ~tr~ves ~as se~umtes fases e atos essenciais à tramitação do pro-
licença a vereador; organização dos serviços da Mesa; e regência de outras Jeto: Znlcwtzva, dzscussao, votação, sanção e promulgação, ou veto.
atividades internas da Câmara. Não se confunda, entretanto, resolução do . O processo ~eg~sl.ativo instituído para a União era extensivo e imposi-
plenário, que é ato legislativo de caráter político-administrativo, sujeito ao tIVO~ nos seus p:mcIpIOs: a?s Estados e Municípios por expressa determi-
processo legislativo para sua elaboração, com resolução da Mesa, que é naçao da pretenta ConstItuI~ão da República (cf. arts. 13, UI, e 200). Pela
mero ato administrativo de execução das funções deste órgão, e, como tal, C~rta Magna de 1988 as umdades federadas - Estados, Municípios e Dis-
restrito aos seus serviços e respectivo pessoal. tnto Federal- reger-se-ão por Constituições e leis que adotarem devendo
Como bem observa Castro Aguiar: "O decreto legislativo e a resolu- observar os princípios da Constituição Federal (cf. arts. 25, 29 ~ 32).
ção (do plenário) estão, hierarquicamente, no mesmo nível e têm a mesma . A Constituição Fed~ra~ ~edica uma seção inteira ao processo legis-
força jurídica. Cabe à lei orgânica dos Municípios adotar o comportamen- la~Ivo, es.ta~~le~end~ pnncIpIOs e normas gerais sobre a elaboração das
to a seguir. Aliás, em âmbito municipal muito pouco se utiliza o decreto leIS, .s~a lmcla~lva,. dIscussão, votação, sanção e promulgação ou veto. É
legislativo, sendo indiscriminadamente usada a resolução para os casos prevlsao constItucIOnal destinada a oferecer estrutura e solidez ao prin-
em que, nos assuntos da competência da Câmara, não haja necessidade da cípio da ind~pendência dos Poderes. As regras do processo legislativo
manifestação do prefeito". 84 of~re~em balIzamento par~ a atuaçã~ do Poder Legislativo em sua função
propna, sendo um dos meIOS garantIdores da independência e harmonia
3.1.4 Atos legislativos inominados dos Poderes.
_ .As re~~as gerais que veiculam os princípios do processo legislativo
Atos legislativos inominados são todas aquelas deliberações do ple-
sao lmpos.ltI,:as para as três esferas de governo. A legislação local não
nário sem denominação e processos especiais para sua elaboração, tais
pode restrmgl-Ias nem ampliá-las. São dispositivos inarredáveis conside-
como autorizações e aprovações de matéria do Executivo submetida à
ra~os de importância primordial para a regência das relações h~rmônicas
apreciação da Câmara, ou mesmo de proposições de menor relevância do
e mdependentes dos Poderes. Dizem respeito à própria configuração do
Legislativo, como requerimentos e moções, que dispensam promulgação,
Estado, e~ s~u modelo de organização política, retraçado pela nova or-
bastando que a tramitação atenda ao regimento e a votação conste da ata,
dem constItuCIOnal. Dele, o Município, como integrante da Federação, não
sendo publicado o resultado para que produza seus devidos efeitos inter- pode se afastar. -
nos ou externos. Tais atos são legislativos pela origem e administrativos
~art. 29, .caput, da CF dispõe que o Município reger-se-á por lei
pelo conteúdo, pois não têm normatividade alguma e só incidem sobre o A

org~mca, ~tendldos os princípios estabelecidos na Constituição, entre os


caso objeto da deliberação. Daí por que podem ser invalidados pelo Ju-
diciário, como os demais atos administrativos, se, votados em desacordo quaIs se almha o do processo legislativo. 86
com a lei ou com o regimento, ofenderem direito individual ou lesarem o
~5."Poryrocesso legislativo entende-se o conjunto de atos (iniciativa, emenda,
patrimônio público. v~taçao, ~anç.ao, :reto) realizados pelos órgãos legislativos visando àfonnação das
Feita a distinção conceitual entre lei, decreto legislativo, resolução e leIS ~onstltuclOnals, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos"
atos legislativos inominados, e sabido que as três primeiras espécies têm (Jose Afonso, da Silva, Curso ... , 30ª ed., 2008, p. 524).
. 86. O O~gão Es?~ci~l do TJSP tem reiteradamente proclamado a inconstitucio-
84_ Processo Legislativo _._, p. 14. nalIdade de leIS mumclpals editadas com afronta às regras constitucionais que disci-
676 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 677

Assim, cabe à Câmara de Vereadores, ao elaborar a lei orgânica lo- modificações substanciais, através de mensagem aditiva. No mais sujei-
cal, definir disposições relativas ao processo legislativo, podendo adequar ta-se a tramitação regimental em situação idêntica à dos outros projetos,
prazos e outras especificidades à tramitação de seus projetos, visando a advertindo-se, porém, que a usurpação de iniciativa conduz à irremediável
atender às peculiaridades regionais e locais; mas não poderá relegar os nulidade da lei, insanável mesmo pela sanção ou promulgação de quem
princípios, os atos e as fases do processo legislativo tal como constitucio- poderia oferecer o projeto. 88
nalmente expressados, sob pena de inconstitucionalidade.
Entendemos que o constituinte municipal deve incluir no processo 3.1.5.2 Discussão - Discussão é a fase de apreciação do projeto, quer
legislativo local a elaboração de emendas à lei orgânica municipal, leis de iniciativa geral, quer de iniciativa reservada. Esta fase é precedida de
ordinárias, decretos legislativos e resoluções, como espécies obrigatórias. exame das comissões, ensejando oferecimento de emendas para oportu-
Advirta-se, porém, que não se admite no âmbito municipal a adoção de na votação. A discussão é a fase propriamente pública da elaboração da
lei, realizada em plenário, onde todos os seus membros podem debater o
medidas provisórias, eis que não aplica ao prefeito o disposto no art. 62 da
projeto original e suas emendas na forma e nos prazos regimentais. Nor-
CF (v. nota de rodapé 36 do Capítulo XII).
malmente os projetos de leis (inclusive a lei orgânica municipal), decretos
Vejamos, separadamente, cada um dos atos integrantes do processo legislativos e resoluções são submetidos a duas discussões e redação final,
legislativo e como praticá-los no âmbito municipal. salvo as exceções de urgência expressamente previstas no regimento ou as
modificações eventuais de tramitação surgidas em razão de deliberações
3.1.5.1 Iniciativa - Iniciativa é o impulso original da lei, que se faz do plenário diante de situações imprevistas ou de omissões regimentais. A
através do projeto. Pode ser geral ou reservada. Iniciativa geral é a que postergação de garantias do vereador na discussão ou de número necessá-
compete concorrentemente a qualquer vereador, à Mesa ou comissão da rio de discussões pode conduzir à invalidação da deliberação da Câmara
Câmara, ao prefeito ou, ainda, à população; iniciativa reservada ou pri- sobre o projeto em exame, aprovado ou rejeitado.
vativa é a que cabe exclusivamente a um titular, seja o prefeito, seja a
Emendas são proposições destinadas a modificar o texto do projeto
Câmara. A iniciativa reservada ou privativa pode ainda ser discricionária
original, oferecidas no momento próprio por vereador, comissão ou pela
ou vinculada: é discricionária quando seu titular pode usá-la em qualquer
Mesa, na forma regimental. Podem ser supressivas, substitutivas, aditivas
tempo; é vinculada quando há um prazo para seu exercício, como ocorre
ou modificativas, conforme visem, respectivamente, a eliminar, substituir,
com o projeto da lei orçamentária.
acrescer ou alterar qualquer disposição do original. A emenda à anterior
A iniciativa reservada ou privativa assegura o privilégio do projeto ao denomina-se subemenda; quando duas ou mais emendas tiverem o mes-
seu titular, possibilita-lhe a retirada a qualquer momento antes da votação mo conteúdo são denominadas emendas concorrentes; a emenda a todo
e limita qualitativa e quantitativamente o poder de emenda, para que não o texto recebe a designação de projeto substitutivo; quando a proposta
se desfigure nem se amplie o projeto original;87 só o autor pode oferecer
(natureza ou espécie) e quantitativos da proposta, nem desfigurar o projeto original.
plinam o processo legislativo, como se pode conferir pelos veneráveis acórdãos pro- O poder de emendar, que se reconhece ao Legislativo, não é carta branca para fazê-lo.
latados nas ADIn 11.697-0, reI. Des. Yussef Cahali, j. 19.12.1990, v.u.; 11.882-0, reI. Tem os seus limites, sob pena de o Poder Legislativo interferir no Poder Executivo
Des. Sabino Neto, j. 27.2.1991, v.u.; 11.891-0, reI. Des. Carlos Ortiz, j. 27.2.1991, em matéria de exclusiva competência deste Poder" (ADIn. 23.013-0, reI. Des. Álvaro
v.u.; 12.240-0, reI. Des. Ney Almada, j. 6.3.1991, v.u.; 12.267-0, reI. Des. Rebouças Lazzarini, j. 15.2.1995, JTJ 172/280).
de Carvalho, j. 13.3.1991, v.u.; 12.580-0, reI. Des. Ney Almada, j. 29.5.1991, v.u.; 88. O Plenário do TJSP, apesar da sanção do chefe do Executivo, proclamou a
12.050-0, reI. Des. Silva Leme,j. 11.9.1991, v.u.; e 13.203-0, reI. Des. Cunha Bueno, inconstitucionalidade de lei municipal, de iniciativa do prefeito, em que o Legislativo
j. 25.9.1991, v.u.; 97.448-0/9, reI. Des. Marco César, j. 13.8.2003, v.u.; 98.760-0/0, reI. introduziu emenda modificativa, contendo matéria nova, concedendo abono a todos os
Des. Ruy Camilo, j. 1.7.2003, v.u.; 106.322-0/2, reI. Des. Viseu Júnior, j. 24.3.2004, servidores públicos, contrariando o conteúdo do projeto original. Salientou, citando o
v.u.; 102.649-0/5, reI. Des. José Cardinale, j. 10.3.2004, v.u.; 102.883-0/2, reI. Des. Autor, que "o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às
Marco César,j. 10.3.2004, v.u. suas funções, como não pode delegá-Ias ou aquiescer em que o Legislativo as exerça"
87. O Órgão Especial do TJSP, por ofensa aos princípios constitucionais do pro- (ADIn 13.798-0, reI. Des. Garrigós Vinhaes, j. 11.12.1991, v.u.). Igualmente, o TJSP
cesso legislativo e da separação dos Poderes, julgou inconstitucional lei municipal jul~ou inconstitucional lei municipal prevendo estímulos fiscais por se tratar de projeto
originada de iniciativa do prefeito que recebeu emenda do Legislativo que desfigurou ddiliciativa de vereador, invocando os arts. 164-166 da CF (ADIn 19.968-0-SP, JTJ
o projeto inicial. "A emenda parlamentar não pode ultrapassar os limites qualitativos 180/264).
678 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 679

de alteração do projeto original provém do próprio Executivo chama-se Promulgação é a declaração solene da existência da lei, pelo chefe do
mensagem aditiva. Executivo ou pelo presidente da Câmara (no caso de sanção tácita ou de
O poder de emenda está ampliado pela Constituição da República de veto rejeitado), que a incorpora ao direito positivo, como norma jurídica
Q
1988, como se infere dos termos de seu art. 63, c/c o art. 166, §§ 3 -4Q • eficaz porém ainda não operante, pois que a norma só entra em vigência
Dessa fornla, a lei orgânica do Município pode explicitar o poder de emen- na data indicada na sua publicação. 89 Desde a promulgação a lei não pode
da da Câmara, reproduzindo esses dispositivos da Lei Maior. mais ser retirada do mundo jurídico, senão através de revogação por outra
lei. 9o A promulgação exige sempre manifestação expressa, diversamente da
3.1.5.3 Votação - Votação é a manifestação de vontade do plenário sanção, que pode ser tácita, isto é, presumida do silêncio do Executivo.
através do voto de cada um dos vereadores presentes à sessão. A vota- A publicação, embora não constitua fase do processo legislativo, é
ção pode ser feita por forma simbólica, nominal e secreta: simbólica é a requisito de operatividade da nova lei, pois é através dela que se dá conhe-
que o vereador manifesta por atitude ou gesto (mantendo-se sentado ou cimen.to do texto promulgado aos seus destinatários, para que a cumpram
levantando-se; erguendo o braço); nominal a que ele declara ou escreve, a partIr do momento fixado para sua entrada em vigor. A lei é publicada
publicamente, "sim" ou "não"; secreta a que se manifesta sigilosamente, nonnalmente no órgão oficial do Município; mas, não o havendo, consi-
em envelope indevassável e sem assinatura. dera-se feita a publicação pela afixação de seu texto integral na portaria
A votação só pode ser feita em plenário, após o encerramento da dis- da Prefeitura, em forma de edital acessível ao público,91 mesmo que tenha
cussão, havendo número ou quorum legal. O quorum para deliberação sido promulgada pelo presidente da Câmara. Costuma-se ainda registrar a
válida pode ser de maioria simples (mais da metade dos presentes à ses- lei em livro próprio da Prefeitura, mas tal registro não supre a publicação,
são), de maioria absoluta (número imediatamente superior à metade dos sendo de efeito meramente interno e destinado ao fornecimento de certi-
membros da Câmara) ou de maioria qualificada (dois terços ou mais dos dões a interessados em seu texto.
membros da Câmara), conforme exigirem o regimento ou a lei pertinente
. 3.1.5.5 Veto - Veto é a oposição formal do Executivo ao projeto de
à matéria em votação. A votação válida expressa a deliberação do plenário
leI aprovado pelo Legislativo e remetido para sanção e promulgação. Diz-
e normalmente encerra a missão dos vereadores na formação da lei, mas o
se total quando se refere a todo o texto, e parcial quando alude apenas a
projeto aprovado depende ainda de sanção ou veto do Executivo, e se este
uma ou algumas disposições do projeto. O veto parcial, contudo, deverá
for manifestado volverá mais uma vez à apreciação da Câmara. Somente
abranger texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea (CF,
após a rejeição do veto (por maioria absoluta) é que a lei será promulgada
art. 66, § 2 Q ). O prefeito pode vetar qualquer disposição ou todo o projeto
e publicada pelo presidente da Mesa, para que produza seus efeitos legais.
~or fnconstituciona.l, ilegal ou contrário ao interesse público desde que
Até então o projeto está aprovado mas não tem eficácia e operatividade
Jus~Ifi~ue, por escnto, seu entender. Caberá ao plenário da Câmara, por
de lei. mmona absoluta (CF, art. 66, § 4Q), rejeitar o veto se considerar inaceitá-
veis as razões do Executivo. Tanto o pronunciamento do prefeito quanto
3.1.5.4 Sanção e promulgação - Sanção e promulgação são atos fi-
a deliberação do plenário são de natureza eminentemente política, razão
nais do processo legislativo pelos quais se completa a fonnação da lei, do
pela qual não cabe ao Judiciário revê-los no seu mérito, competindo-lhe
decreto legislativo e da resolução do plenário. São atos políticos e indele-
apenas, se impugnado o veto ou sua apreciação, examiná-los unicamente
gáveis, de prática privativa do chefe do Executivo (sanção) ou deste e do
nos seus aspectos extrínseco e formal, vinculados ao processo legislativo
presidente da Câmara (promulgação). e às exigências regimentais. 92
Sanção é a aprovação pelo Executivo do projeto anteriormente apro-
Na apreciação do veto não é permitido à Câmara modificar o texto
vado pelo Legislativo. Pode ser expressa ou tácita: é expressa quando o
vetado, ainda que para atender a sugestões do Executivo. Se houver con-
prefeito a declara; é tácita quando deixa transcorrer o prazo sem opor veto
à proposição que lhe é enviada pela Câmara. Por isso se diz que a lei é um 89. TJSP, RDA 38/323, RT 141/138.
ato complexo, uma vez que depende de aprovação do Legislativo e de san- 90. STF, RDA 25/240; TFR, RT203/616; TASP, RT230/315 e 237/447.
ção do Executivo. Após a sanção segue-se a promulgação, como estágio 91. TASP, RT237/447 e 242/522.
sucessivo e imediato no procedimento complexo deformação da lei. 92. STF, RDA 54/358 e 59/297, RT290/674 e 292/772.
680 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNlCIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUÍÇÕES 681

veniência em alterar a redação ou conteúdo originário deverá acolher o A essa regra opõem-se duas exceções: a da interrupção do prazo fi-
veto e oferecer novo projeto de lei. Também não se considera desacolhido xado, durante o recesso da Câmara, e a da impossibilidade de fixação
o veto pelo só transcurso do prazo, sem discussão e rejeição por votação de prazo para os projetos de codificação. E as razões são óbvias, pois no
regular do plenário. Assim como não há veto tácito, também não há rejei- recesso o Legislativo cessa suas atividades legiferantes, e os códigos, por
ção presumida do veto. 93 A promulgação de texto vetado sem a regular sua extensão e complexidade, não podem ser votados em prazo exíguo.
rejeição do veto pelo plenário é ilegal e passível de invalidação judicial, Para os fins em exame, entendem-se por codificação não só as leis as-
por configurar vício insanável do processo legislativo. sim tradicionalmente denominadas (Código de Obras, Código Tributário,
O projeto de lei não vetado nem promulgado pelo prefeito deve sê-lo Código Administrativo etc.), como qualquer outra reunião orgânica e sis-
pelo presidente da Câmara, que em seguida o fará publicar para entrar em temática de normas sobre determinada matéria, como o estatuto dos ser-
vigência na data própria. Assim, também, cabe ao presidente da Câmara vidores do Município, a lei orgânica do Município e outras assemelhadas,
promulgar e fazer publicar a lei em suas partes vetadas, desde que o veto desde que tenham abrangência global do assunto legislado. Por idêntica
seja regularmente rejeitado pelo plenário. razão, as alterações de pequenas partes de códigos ou de leis orgânicas ou
as modificações isoladas de alguns de seus dispositivos admitem a fixação
Para maiores esclarecimentos sobre o veto como atribuição do prefeito
de prazo para a apreciação do respectivo projeto.
veja-se o capítulo seguinte, no tópico pertinente (Capítulo XII, item 3.2).
A fixação do prazo pode ser feita na remessa do projeto ou mesmo du-
rante sua tramitação, em qualquer fase do processo legislativo, contando-
3.1.6 Projetos com prazo para apreciação
se seu inÍCio da data do recebimento da solicitação do Executivo.
A Constituição da República permite que o chefe do Executivo re- Finalmente, é de se advertir que, nesses projetos, toda vez que o
meta ao Legislativo projetos de lei com pedido de urgência na apreciação. prefeito enviar mensagem aditiva deverá restituir o tempo transcorrido,
Nesses casos, se as Casas do Congresso Nacional não se manifestarem porque sem essa cautela o Executivo infringiria o prazo legal, alteran-
em até 45 dias sobre a proposição será esta incluída na ordem-do-dia, so- do a proposição às vésperas do seu término, precipitando sua inclusão na
brestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime ordem-do-dia e provocando o sobrestamento das deliberações do Legis-
a votação (CF, art. 64, §§ 1º-2º), afastando-se, com esse procedimento, a lativo quanto aos demais assuntos (art. 64, § 2º, da CF) sem que tivessem
aprovação tácita do projeto de lei por decurso de prazo. escoado os 45 dias em relação à matéria acrescida.
De igual forma, caberá à lei orgânica municipal dispor sobre o prazo
para apreciação dos projetos de lei de iniciativa do prefeito em regime de 3.1.7 Técnica legislativa
urgência, ressaltando-se, mais uma vez, a impossibilidade de se adotar o
Antes de concluir esse item sobre elaboração de leis parece-nos de
mecanismo de aprovação por decurso de prazo, eliminado do nosso orde-
toda conveniênCia fixar algumas noções de técnica legislativa, para orien-
namento jurídico.
tação do legislador municipal. Isto porque a norma legal deve ser bem
Assim, o prefeito pode solicitar à Câmara que delibere sobre seus feita para ser por todos entendida e atendida. Daí o clássico e sempre atual
projetos dentro do prazo comum ou do de urgência, como pode silenciar a conselho de Montesquieu de que a lei precisa ser vazada em estilo simples,
respeito, deixando a Edilidade com tempo indeterminado para apreciar as conciso e em ordem direta, dado que é feita para o povo em geral. 94
proposições que lhe forem enviadas sem fixação de prazo.
O fazer leis exige, ao mesmo tempo, técnica e arte, para dar ao texto
legal o rigor científico e o estilo escorreito da língua em que é escrito.
Nas leis modernas entram não só os elementos políticos e jurídicos, como
93. A Constituição Federal de 1988 alterou de forma significativa as regrasrela-
tivas à apreciação do veto pelo Legislativo: a) reduziu o prazo de 45 para 30 dias, b)
também o técnico, o filológico e a perfeição gramatical. Daí por que as
reduziu o quorum de maioria qualificada de dois terços; c) substituiu a votação pública corporações legislativas devem sempre ter assessorias técnicas, para o
pela secreta; d) determinou que a inobservância do prazo para a apreciação implica aprimoramento dos projetos, na substância e na forma. Não queremos com
inclusão da matéria na ordem-do-dia da sessão imediata, sobrestando as deliberações
sobre as demais proposições até sua votação final (CF, art. 66, §§ 4º e 62). 94. De l'Esprit des Lois, Paris, 1748, Livro XXIX, Capítulo XVI.
682 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 683

isso sobrepor o técnico ao político, mesmo porque a lei é e tem que ser a Infringindo a Constituição a Câmara fará leis inconstitucionais;97 in-
mais acentuada das manifestações políticas dos povos civilizados. Mas, fringindo normas superiores ordinárias ou complementares fará leis ile-
como adverte Ilbert, "há enorme diferença entre um governo de técnicos gais. Em ambos os casos suas leis serão inoperantes. A esse propósito Rui
e um governo assistido por técnicos. Em matéria de legislação, buscar o editou três regras de inteira aplicação a todas as esferas legislativas, as
apoio de técnicos, mantendo-os nos seus respectivos lugares, é um método quais passaremos a transcrever.
prudente e altamente desejável".95 1ª. "O poder de fazer a lei não compreende o de reformar a Consti-
Discorrendo sobre a arte de fazer leis, escreveu Dickerson, em Sua tuição. Toda lei que cerceie direitos e instituições consagrados na Cons-
monografia: "Um bom governo necessita de leis que digam o certo de tituição é inconstitucional. Por maioria de razão, inconstitucionais são as
modo certo, na linguagem mais clara, mais simples e mais acessível".96 deliberações não-legislativas das Câmaras, que interessarem esfera veda-
Para conseguir esse desiderato o legislador há de conhecer as regras da ao Legislativo."
básicas de elaboração das leis e as noções fundamentais de técnica legisla- 2ª. "Toda medida legislativa ou executiva que desrespeitar preceitos
tiva, quer quanto à matéria a legislar, quer quanto à forma de expressar as constitucionais é, de sua essência, nula. Atos nulos da legislatura não po-
normas legisladas. É o que veremos, sucintamente. dem conferir poderes válidos ao Executivo."
A legalidade da lei deve constituir a primeira cautela do legislador. 3ª. "À Justiça compete declarar a nulidade dos atos legislativos por
Nenhuma redundância há nessa afinnativa, dada a freqüência de leis que quebra da Constituição Federal. Essa declaração, regularmente provocada,
contrariam normas superiores ou extravasam da competência do órgão le- corresponde, para a Justiça, não só a um direito legal, como a um dever
gislativo que as elabora. A lei, consagrando regras jurídicas de conduta, há inevitável."98
de ser antes e acima de tudo legal, isto é, conforme ao Direito. Noutra oportunidade, ensinou o mesmo jurista: "O princípio é que
Assim, o primeiro cuidado do legislador - e principalmente do legis- leis inconstitucionais não são leis. O ato legislativo é o querer expresso
lador municipal, cujo campo de ação é mais restrito - é o exame da com- da legislatura, ao passo que a Constituição é o querer expresso do povo, A
petência sobre a matéria a regular. Nesse particular, é de se repetir que a este cabe a supremacia; se o ato legislativo o contradiz, írrito será: não é
competência da Câmara de Vereadores é correspondente à do Município, e lei. Um ato inconstitucional não é lei; não confere direitos; não estabelece
sobre esta já discorremos em capítulo anterior, ao qual remetemos o leitor deveres; não cria proteção; não institui cargos. É, juridicamente conside-
(Capítulo IV, item 5). Para a verificação da competência municipal faz-se rado, como se nunca tivesse existido".99
mister que o legislador confronte a matéria em debate com os assuntos re- Importante lembrar que agora o Município pode legislar sobre sua
servados à União e aos Estados-membros, a fim de que não invada a com- própria organização político-administrativa (CF, art. 29), isto é, sobre a
petência federal nem a estadual (CF, arts. 21-22 e 24-25). De um modo composição de seus órgãos de governo (Prefeitura e Câmara) - faculdade
geral, pode-se dizer que compete à Câmara de Vereadores legislar sobre que na Constituição anterior pertencia ao Estado-membro.
aSSIm tos locais, de seu peculiar interesse, isto é, de interesse predominan- Dentro do âmbito da competência do Município, notadamente o de
temente municipal, em relação ao interesse reflexo, sempre existente, do legislar sobre os assuntos previstos no art. 30 da CF, há de se ressaltar que
Estado-membro e da União. Desde logo, porém, deve a Câmara abster-se não cabe ao Município criar impostos além dos que lhe são constitucio-
de legislar sobre direito constitucional, civil, comercial, penal, processual, nalmente atribuídos (CF, art. 156). Somente no que se refere a taxas e a
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho, visto que contribuição de melhoria é que se apresenta ampla a capacidade institui-
são privativos da legislação federal (CF, art. 22, I). Outras matérias exis- dora do Município, porque ampla é sua possibilidade de instituir e pres-
tem de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Fede- tar serviços públicos, mediante retribuição do usuário, e de realizar obras
ral (CF, art. 24); e outras ainda existem, enumeradas no art. 23 da CF, que públicas, com o reembolso do custo por quem delas se beneficiou. Tam-
são de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e bém são de exclusiva competência do Município a criação, organização
dos Municípios.
97. V. nota de rodapé 44 do Capítulo IH.
95. Legislative Methods and Forms, p. 76. 98. Atos Inconstitucionais, pp. 37 e ss.
96. A Arte de Redigir Leis, p. 27. 99. Rui Barbosa, Anistia Inversa, pp. 13 e ss.
'.~ .

684 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO "f;""'"" XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 685

e supressão de Distritos, devendo apenas observar a legislação estadual I extensão da lei, comporta livros, títulos, capítulos e seções, mas o comum
pertinente (CF, art. 30, IV). é a seqüência numérica de artigos.
Como se vê, a competência legislativa da Câmara de Vereadores foi
significativamente ampliada, cabendo-lhe elaborar e promulgar a lei or- 3.1.8.4 Artigo - O artigo deve dispor sobre pontos determinados da
gânica do Município, além de deliberar sobre matéria administrativa, no lei. É inconveniente a reunião de assuntos diversos no mesmo artigo. Os
que concerne a instituição e prestação dos serviços públicos locais, orga- artigos devem ser numerados em seqüência ordinal de 1Q a 9 Q , e em se-
nização de seu pessoal administrativo, cobrança de tributos, aplicação da qüência cardinal de 10 em diante, sempre em números arábicos.
receita, administração de bens e do território do Município, especialmente
das cidades e vilas, em que mais se faz sentir a utilização do poder de 3.1.8.5 Parágrafo - O parágrafo (§) geralmente consigna a exceção
polícia administrativa em benefício da segurança, da higiene e da saúde da regra exposta no artigo ou consubstancia uma varia~te da norma es-
tabelecida. A disposição do parágrafo está sempre relaclOnada com a do
públicas, da estética da cidade, do conforto da população e do bem-estar
artigo de que faz parte, sendo grave defeito técnico incluir no parágrafo
dos munícipes, como já assinalamos em capítulo anterior (Capítulo VIII).
disposição dependente de outro artigo, porque isto dificulta a interpr~ta­
Vencida essa etapa - do exame da competência -, o legislador local ção. Se houver necessidade de remissão de um parágrafo a outro artIgo,
deve ainda averiguar se a lei a elaborar é da competência concorrente do que não o imediato, deverá ser expressa no texto. A numeração dos pará-
Executivo e do Legislativo, ou se é de iniciativa exclusiva do prefeito. Na grafos deve ser feita com algarismos arábicos, em sucessão ordinal de I Q a
primeira hipótese o projeto poderá ser apresentado pelo chefe do Execu- 9Q e em seqüência cardinal de 10 em diante.
tivo, por qualquer vereador ou comissão; na segunda a Câmara deverá
aguardar a iniciativa do prefeito. 3.1.8.6 Inciso - O inciso ou item destina-se a discriminar as várias hi-
póteses abrangidas pela disposição a que se subordina (artigo ou parágra-
3.1.8 Forma e redação da lei fo). Deve ser numerado com algarismos romanos ou letras minúsculas.
A lei principia pelo número e data; seguem-se a ementa e o preâm- 3.1.8.7 Alínea -A alínea complementa e esclarece a parte anteceden-
bulo; e finalmente vem o texto, com seus artigos, parágrafos, incisos e te do artigo. É uma subdivisão do artigo, expressa em oração autônoma,
alíneas. mas no corpo do mesmo dispositivo, sem qualquer numeração. A alínea é
freqüentemente confundida com o inciso, mas a técnica legislativa os dis-
3.1.8.1 Ementa - A ementa é a súmula do conteúdo da lei. Destina-se tingue. Os incisos contêm hipóteses diversas; as alíneas contêm hipóteses
a facilitar a consulta legislativa e ajuda a interpretação do texto, por conter conexas com as da cabeça do dispositivo a que pertencem.
a essência do pensamento do legislador.
Além dessas regras de boa redação da lei, outros conselhos de ordem
3.1. 8.2 Preâmbulo - O preâmbulo é a introdução e a identificação técnica poderão ser úteis aos legisladores. Recorde-se a conveniência de
da lei. Destina-se a esclarecer a origem da nonna e a fixá-la no espaço. não se reunir na mesma lei disposições sobre assuntos inteiramente diver-
Indica a corporação legislativa que a votou e o chefe do Executivo que a sos, para não desnortear o aplicador ou o simples cidadão atingido pela
promulgou. Nossas leis, por tradição, repetem uma impropriedade logo no norma legal, sem saber onde encontrar o dispositivo de seu interesse. Essa
preâmbulo, ao declarar, erroneamente, que "a Câmara decreta e o prefeito preocupação dominou o autor do nosso Código Civil, que evitou, tanto
sanciona e promulga a lei". Ora, a Câmara não decreta a lei; a Câmara a quanto possível, incluir no seu texto disposições de direito público.
aprova. O decreto é ato do Executivo, que não deve ser confundido com
a atividade legislativa da Câmara. O correto, portanto, será dizer-se, no Por fim, lembre-se que as expressões empregadas na lei devem ser as
preâmbulo, que a Câmara aprova e o prefeito sanciona e promulga a lei. mais simples, mas em acepção exata, e não em sentido figurado ou vulgar,
desconhecido do vernáculo.
3.1.8.3 Texto - O texto é o corpo da lei. Deve ser dividido e subdi- Não se exige que o legislador seja um purista e um literato, mas que
vidido até se obter o máximo de clareza nas suas disposições. Tal seja a verse a língua e escreva a lei com clareza e precisão.
..···~"··~P"

686 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Bem dosada - adverte, oportunamente, Nunes Leal - deve ser, na


lei, a linguagem técnica com a linguagem comum, para que seu enten-
rI
XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES

livros, nos quais se disponham os assuntos de regulamentação permanen-


te, segundo os aspectos que apresentem (administração, obras, serviços,
687

dimento esteja sempre ao alcance de todos. 100 Para isto há de ser escrita finanças, educação, ensino, assistência social etc.).
com correção gramatical e filológica, evitando-se expressões em desuso Consolidação é a reunião das diversas leis em vigor sobre o mesmo
ou ainda não integradas na nossa língua, como também as palavras de assunto, mas sem sistematização. A consolidação geralmente é a fase le-
sentido diverso na linguagem leiga e na terminologia jurídica e científica. gislativa que precede o código, e é natural que assim seja, porque a estra-
Convém sempre que o legislador afaste as ambigüidades, as imprecisões tificação das normas jurídicas em código pressupõe uma certa maturidade
verbais, para que a lei se apresente ao povo como um instrumento de fácil legislativa, que permita a adoção de um sistema e a perenidade dos pre-
compreensão e manejo. ceitos estabelecidos.
A eficácia da lei começa com a promulgação, mas sua obrigatorie- A elaboração dos códigos é tarefa a ser confiada a jurista, que com
dade se inicia somente após a publicação ofiCial e só cessa com sua revo- seus conhecimentos gerais e técnica legislativa possa organizar o sistema
gação, salvo se se destinar a vigência temporária. As correções a texto de desejável para o assunto e entrosar convenientemente todas as disposições
lei já em vigor consideram-se lei nova. A lei posterior revoga a anterior que passarão a integrar esse corpo de leis. Essa prática de se confiar aos
quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou jurisperitos a feitura dos códigos é adotada nos países mais adiantados,
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. com os melhores resultados legislativos, como bem informa o professor
A lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das Filippo Vassalli em judicioso estudo a respeito da missão do jurista na
já existentes não revoga nem modifica a lei anterior. Salvo disposição em elaboração das leis. 102
contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido
a vigência. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, mas não poderá 3.2 Elaboração do regimento interno
prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CF,
art. 5º, XXXVI). A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciá- O regimento interno é o regulamento da Câmara; não é lei. É ato
rio lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). Ninguém se escusa de administrativo-normativo, como são os demais regulamentos, com a só
cumprir a lei alegando que não a conhece. particularidade de se destinar a regular os trabalhos da Edilidade. O regi-

I
Estes são os preceitos da Constituição e da lei civil (Lei de Introdu- mento deve ser posto em vigor por resolução do plenário, promulgada e
ção ao Código Civil- Decreto-lei federal 4.657, de 4.9.1942) relativos à publicada pelo presidente.
eficácia e obrigatoriedade da lei federal, estadual e municipal, na parte que Como ato administrativo, o regimento interno só é obrigatório para
interessa ao legislador. Tais preceitos são de ordem pública e por isso não os membros da Câmara Municipal nas suas funções de vereação. Não tem
podem ser desatendidos, sob pretexto algum. efeito externo p.ara os munícipes, nem deve conter disposições a eles en-
A codificação das normas legais é de extraordinário interesse prático dereçadas. A despeito disso, temos visto regimentos internos com enun-
e técnico, por facilitar o conhecimento da lei e possibilitar a sistematiza- ciados imperativos e proibitivos para os cidadãos. Tais disposições são
ção dos assuntos tratados pelo legislador. 101 inócuas. Toda disposição dirigida aos administrados deve constar de lei ou
decreto, sem o quê não lhes impõe atendimento.
Código é a reunião de disposições legais, de modo harmônico e sis-
temático, de forma a estabelecer os princípios gerais do sistema adotado O regimento é elaborado exclusivamente pela Câmara, votado e
e a prover completamente a matéria tratada. É sempre aconselhável que aprovado pelo plenário, em forma de resolução, promulgada e publicada
os Municípios reúnam em código a legislação dispersa e tumultuária que, pelo presidente, sem qualquer interferência do prefeito. Sua modificação
em regra, rege a Administração local. A nosso entender, toda a matéria também se faz por este processo, observando-se sempre o disposto na lei
municipal cabe num Código Administrativo do Município, separado em orgânica municipal a respeito (CF, art. 29, XI).
Como ato regulamentar, o regimento não pode criar, modificar ou
100. "Problemas de técnica legislativa", RDA 2/429. suprimir direitos e obrigações constantes da Constituição ou das leis, em
101. v., a propósito, o artigo de Carlos S. de Barros Júnior, "A codificação do
direito administrativo", RT 179/5. 102. "A missão do jurista na elaboração das leis", RDA 28/38.
688 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 689

especial da lei orgânica do Município. Sua missão é disciplinar o procedi- à apreciação da Justiça Comum se for argüido descumprimento das nor-
mento legislativo e os trabalhos dos vereadores, da Mesa, da presidência, mas que a regem, com lesão a direito individual de algum vereador ou de
bem como o das comissões permanentes ou especiais que se constituírem partido político com representante na Câmara - únicas pessoas que têm
para determinado fim. No seu bojo cabem todas as disposições normativas legitimidade para impugnar o pleito. Tal eleição, embora seja um dos in-
da atividade interna da Câmara, desde que não invadam a área da lei. A terna corporis da Câmara, admite apreciação do Poder Judiciário, ou seja,
função do regimento interno não é compor o órgão legislativo do Muni- da Justiça Comum, quando se questionar sobre a inobservância da lei ou
cípio; é reger-lhe os trabalhos. Toda disposição que refugir desse âmbito do regimento na sua realização. Nesse sentido, já decidimos, com inteira
deve ser evitada no regimento, por inválida. confirmação do TJSP, que quando o juiz penetra no recesso das Assem-
Como o regimento deve reger somente os trabalhos legislativos do bléias o faz com a só missão de salvaguardar os direitos individuais, veri-
plenário, a atuação das comissões e a atividade direta da Mesa, não com- ficando, unicamente, se o ato emanado do Legislativo, ao se concretizar,
porta disposições relativamente a funcionários e serviços da Câmara, os obedeceu à Constituição, às leis ordinárias e ao próprio regimento interno
quais terão seu regime estabelecido por lei e disciplinado por regulamento da corporação.
próprio. Com essa cautela, pode e deve o Judiciário conhecer das eleições rea-
As Câmaras devem manter os seus regimentos sempre atualizados em lizadas pelo plenário da Câmara e decidir da sua legitimidade, respeitando
função das inovações e modificações que venham a ser introduzidas no sempre o julgamento político da corporação, naquilo que lhe é próprio e
regramento legal e constitucional pertinente. exclusivo de sua deliberação. 105
As questões e incidentes surgidos durante a eleição devem ser resol-
3.3 Eleição da Mesa vidos no ato, pelo juiz (se na primeira eleição) ou pela Mesa que presidir
a votação, uma vez que é matéria administrativa que dispensa deliberação
A eleição da Mesa da Câmara é ato político-administrativo do ple- do plenário.
nário, realizado pelos vereadores regularmente empossados e em exer-
Assim como os membros da Mesa, os integrantes das comissões per-
cício. Pela eleição, por voto a descoberto ou nominal e representação manentes e especiais podem ser eleitos pelo plenário, se bem que em regra
proporcional,I03 se constitui o órgão diretor da Câmara, que é a Mesa.
sua escolha seja confiada à própria Mesa, por disposição legal ou regimen-
A eleição abrange o presidente, o vice-presidente, o secretário e demais tal, desde que se atenda à representação partidária.
membros que estiverem previstos no regimento da corporação.
Sobre a dualidade de Mesas remetemos o leitor para o que escreve-
A eleição da primeira Mesa de cada legislatura é feita conforme de- mos neste mesmo capítulo, precedentemente, no item 2.2.5.
termina a lei orgânica do .A1unicípio. Nas eleições seguintes a Mesa será
constituída sob a direção da anterior, na forma regimental. A Mesa é eleita
para mandato máximo de dois anos, vedada a recondução de qualquer de 3.4 Apreciação de veto
seus integrantes, para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subse- Já vimos que a lei, como norma de conduta geral, abstrata e obrigató-
qüente (CF, art. 57, § 4º).104 ria para todos, deve emanar do órgão competente para elaborá-la, que é a
Como ato político-administrativo interno do plenário, a eleição da Câmara, sendo posta em vigor pelo prefeito por meio da sanção, promul-
Mesa refoge do controle da Justiça Eleitoral, sujeitando-se unicamente gação e publicação. Pode ocorrer, entretanto, que o Executivo local não se
conforme com a proposição enviada pela Câmara, caso em que a vetará no
103. V. notas 54, 55 e 73 deste capítulo. O princípio da representação proporcio- todo ou em parte, devolvendo-a ao plenário para que se manifeste sobre
nd dc:s pa:·tidos e blocos parlamentares na composição da Mesa e de cada comissão o veto.
está previsto na Constituição da República para o Congresso Nacional e suas Casas
(art. 58, § 1º) e se estende aos Estados (art. 25) e aos Municípios (art. 29). A expressão O projeto vetado retomará à Câmara, que, então, deverá pronunciar-
tanto quanto possível somente pode referir-se à possibilidade matemática, não a ques- se unicamente acerca do veto do Executivo, acolhendo-o ou rejeitando-o.
tões outras, ligadas a interesses políticos ou a conjugação de vontades dos vereadores.
É como julgou o TJSP na Ap. cível 212.632-1 (j. 17.8.1994, JTJ 165/20). 105. Nossa sentença in RT 185/773 e, no mesmo sentido, TJSP, RT 217/340 e
104. V. tópico "Mesa da Câmara" e nota de rodapé 51 deste capítulo, item 2.2.1. 218/345.
···",'.-.

690 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO



!
XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 691

A rejeição do veto terá que ser feita por maioria absoluta dos vereadores ela vinculados - da Administração direta e indireta. Essa lei orçamentária
que compõem a Câmara, tomada essa votação na forma regimental. anual só poderá conter dispositivos relacionados à previsão da receita e
Uma vez rejeitado o veto o projeto será convertido em lei por promul- à fixação da despesa, bem como à autorização para abertura de créditos
gação (não confundir com sanção, que é ato privativo do Executivo) do suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por ante-
próprio presidente da Câmara, que, a seguir, a fará publicar, para início de cipação de receita, nos termos da legislação federal pertinente (Lei Com-
sua obrigatoriedade geral. plementar 101, de 4.5.2000). Não pode consignar crédito com finalidade
Assim também as leis não promulgadas pelo prefeito, mas sanciona- imprecisa ou com dotação ilimitada, nem dotação para investimento com
das tacitamente pela não-oposição expressa do veto no prazo legal, serão duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no pla-
promulgadas e publicadas pelo presidente da Edilidade, para início de sua no plurianual ou em lei que autorize sua inclusão, conforme disposto no §
vigência. 1º do art. 167 da CF. Deverá conter demonstrativo da compatibilidade de
Tocante à natureza do veto e seu exercício pelo chefe do Executivo sua programação com os objetivos e metas do Anexo de Metas Fiscais, in-
teceremos considerações no capítulo seguinte, no item relativo às atri- tegrante da LDO; estabelecer como se compensarão a renúncia de receitas
buições do prefeito, ao qual remetemos o leitor (Capítulo XII, item 3.2). e as despesas obrigatórias de caráter continuado, bem como prever reserva
Neste tópico só desejamos assinalar que a recusa expressa do chefe do de contingência para garantir pagamentos imprevistos, inesperados, con-
Executivo a pôr em vigor a lei pela Câmara obriga a corporação legislativa tingenciais.
a nova manifestação a respeito do veto do prefeito. Como todo plano governamental, o projeto da lei orçamentária deve
O veto, como a discussão e votação sobre seu acolhimento, é ato emi- ser tecnicamente elaborado e previamente aprovado por autoridades e ór-
nentemente político e insuscetível de revisão judicial, a não ser para o exa- gãos competentes para sua feitura e execução - que, no âmbito municipal,
me da legalidade da tramitação legislativa, isto é, sobre o modo de forma- são o prefeito e a Câmara de Vereadores. A iniciativa e elaboração do pro-
ção da lei; nunca, porém, sobre os motivos da oposição do Executivo ou jeto da lei orçamentária anual (LOA) cabem privativamente ao Executivo,
da decisão do plenário. A votação e a discussão da lei ou das deliberações que deverá enviá-lo, no prazo estabelecido na lei orgânica, ao Legislati-
legislativas integram os chamados interna corporis das Assembléias, em vo, com todos os requisitos indicados na Constituição da República (arts.
relação aos quais a Câmara é o único juiz. O que o Judiciário pode apreciar 165-166), na LRF e na Lei 4.320, de 1964, no que não confronte com esta
é se foram observados os requisitos formais na feitura da lei, sendo-lhe ve- última, nem com a Constituição Federal.
dado adentrar o plenário da Câmara para examinar o conteúdo ideológico ALDO compreenderá as metas e prioridades da Administração Públi-
de suas deliberações. ca Municipal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro
subseqüente, orientará a elaboração da LOA e disporá sobre as alterações
3.5 Votação das leis orçamentárias na legislação tributária local, devendo ser aprovada até o final do primeiro
semestre de cada ano.
A discussão e votação do orçamento anual, das diretrizes orçamentá- De conformidade com a LRF, a LDO deverá dispor sobre o equilí-
rias e do plano plurianual é atribuição privativa da Câmara de Vereadores, brio entre receitas e despesas, critérios e forma de limitação de empenho
na sua função normativa e fiscalizadora da realização da receita e da des- nas hipóteses legais, normas relativas ao controle de custos e à avaliação
pesa municipais. dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos e
A lei orçamentária anual deverá ser compatível com o plano pluria- demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades
nual, com a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e com as normas da Lei públicas e privadas (art. 4º, I, e suas alíneas "a", "b", "e" e "f'). Devem
Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF). integrar o projeto de LDO o Anexo de Metas Fiscais, em que serão es-
Compreenderá o orçamento referente aos Poderes do Município, seusfun- tabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a
dos, órgãos e entidades da Administração direta e indireta; o orçamento receitas, despesas, resultados nominal (diferença entre todas as receitas
de investimento das empresas em que o Município, direta ou indiretamen- arrecadadas e todas as despesas empenhadas) e primário (diferença en-
te, detenha a maioria do capital social com direito a voto; e o orçamento tre receitas e despesas excluídos juros e principal da dívida, tanto pagos
da seguridade social, abrangendo todas as entidades - órgãos e fundos a como recebidos) e montante da dívida pública para o exercício a que se
:'

',,'"'
\

...;
I
692 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 693

referirem e para os dois seguintes, com o detalhamento previsto no art. proposta orçamentária do Executivo. Assim, as emendas devem ser com-
4º, § 2º, assim como o Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os patíveis com o plano plurianual e com a LDO e só podem ser aprovadas
passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públi- caso indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes
cas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem. de anulação de despesa. Contudo, é vedada a anulação de despesa relativa
Estabelecerá, também, a LDO o percentual da receita líquida a ser retido a dotações para pessoal e seus encargos e serviço da dívida. São admitidas
como reserva de contingência (art. 5º, IH); os critérios para início de novos também as que sejam relacionadas com a correção de erros ou omissões
projetos (art. 45, caput) e para a programação financeira a ser adotada pelo ou, ainda, com os dispositivos do texto do projeto de lei (art. 166, § 3º, I,
Poder Executivo (art. 8º, caput), bem como disporá sobre autorização para lI, "a"-"b", e lII, "a"-"b", da CF).
o Município custear despesas de competência de outros entes da Federa- Sem dúvida, o orçamento tem conteúdo predominantemente político-
ção (art. 62, I). administrativo. O alargamento da participação do Legislativo no processo
O plano plurianual, por sua vez, deverá estabelecer, de forma regiona- orçamentário, conferido constitucionalmente, há de ser exercido de modo
lizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública Munici- a não inviabilizar o normal planejamento e a execução de atos governa-
pal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas mentais e administrativos inerentes ao Executivo.
aos programas de duração continuada. O art. 3º e seus §§ 1º-2º da LRF, O oferecimento de emendas ao projeto de LDO só é admissível se
que previam prazos e a elaboração do Anexo de Política Fiscal, foram ve- compatível com o plano plurianual.
tados pelo presidente da República. Assim, prevalecendo o veto, os prazos São admitidas emendas ao projeto de lei do plano plurianual que im-
do plano plurianual serão os previstos nas leis orgânicas municipais ou, na
pliquem aumento de despesa quando a proposta atender conjuntamente às
omissão destas, os fixados no art. 35, § 2º, I, do ADCT - a saber, o envio disposições contidas nos arts. 63, I, e 166, §§ 3º-4º, da CF.
do projeto ao Legislativo deverá ocorrer até 31 de agosto do primeiro ano
do mandato do Executivo e a Câmara deverá devolver o autógrafo para As propostas de emendas aos projetos de leis orçamentárias serão
sanção até o encerramento da sessão legislativa, no mês de dezembro. apresentadas à comissão permanente da Câmara, aplicadas as normas regi-
mentais do processo legislativo; se aprovadas, serão remetidas ao chefe do
As leis orçamentárias, como toda lei, devem seguir os trâmites do
Executivo, para sanção; se rejeitadas, serão arquivadas. O prefeito poderá
processo legislativo - iniciativa, discussão, votação, sanção, promulga-
vetar, no todo ou em parte, qualquer dos projetos aprovados, cuja aprecia-
ção ou veto - e as exigências regimentais pertinentes; porém, como leis ção seguirá os trâmites regulares.
peculiares que são, apresentam certas especificidades que merecem apre-
ciação. Assim é que, desde sua origem, seus projetos hão de atender às Ressalte-se que, nos termos da vigente Constituição da República
imposições constitucionais da iniciativa exclusiva e vinculada do Executi- (art. 57, § 2º), não se admite rejeição do projeto de LDO, eis que a sessão
vo, da impossibilidade de conter disposição estranha ao seu objeto, da es- legislativa não será interrompida sem a aprovação desse projeto de lei.
pecialização das receitas e das despesas; e aos princípios da anualidade, Por outro lado, a possibilidade de rejeição do projeto de LOA é acena-
da universalidade e da unidade, além do prazo certo. Na votação dessas da pelo art. 166, § 8º, da CF, caso em que os recursos que ficarem sem des-
leis orçamentárias, portanto, a Câmara deverá observar o processo legis- pesas correspondentes poderão ser utilizados mediante créditos especiais
lativo comum e os preceitos do procedimento especial pertinente e, na sua ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa.
apreciação, verificar se foram atendidos os princípios constitucionais e os O teor do disposto no art. 166, § 8º, da CF ensejou observação de
preceitos de finanças públicas voltados para a responsabilidade na ges- José Afonso da Silva, que, percebendo seus riscos, expressou sua preocu-
tão fiscal, estabelecidos na LRF, que obrigam os Municípios, expungindo pação, advertindo: "Não se nega, antes reconhecemos e afirmamos, que é
tudo que os contrariar. sumamente inconveniente a rejeição da proposta orçamentária. É preciso
Quanto ao oferecimento de emendas ao projeto da LOA, deverão elas lamentar o que acontece com freqüência, no âmbito municipal, em que
ser apresentadas na comissão permanente. Sem embargo da ampliação de vereadores, por puro capricho ou espírito de vindita, rejeitam propostas de
suas prerrogativas no tocante à participação no processo orçamentário, orçamento do prefeito. A rejeição, assim, não é exercício de prerrogativa, é
a ordem constitucional inaugurada em 1988 colocou limites e restrições irresponsabilidade de quem não tem espírito público e jamais será estadis-
à atuação do Legislativo quanto às modificações que pode introduzir na ta. A rejeição só deve ser praticada em situação extrema de proposta dis-
694 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
r
I
XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 695

torcida, incongruente e impossível de ser consertada por via de emendas, lativo. 106 Em todos os casos, porém, a Câmara deverá verificar se ocorrem
dadas as limitações para estas" (O Município .. ', p. 58). as hipóteses legais que justificam sua abertura e se há recursos disponíveis
Dispondo o Legislativo do poder de incluir, modificar ou excluir re- para satisfazer as despesas, na forma exigida pela Lei 4.320, de 1964 (arts.
cursos orçamentários, com exceção das dotações para pessoal e seus en- 40-46), para os créditos suplementares e especiais. Deverá, igualmente,
zelar para que as leis de abertura de créditos adicionais só incluam novos
cargos e serviço da dívida, somente naquelas situações extremas é que po-
projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas
deria se justificar a rejeição total do projeto, mormente tendo-se em conta
as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que
não apenas a natureza jurídica do orçamento, mas sua indispensabilidade
dispuser a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) (art. 45 da LRF). A lei
para a governabilidade do Município.
aprovadora do orçamento poderá já ter autorizado a abertura de créditos
Resulta em grave distorção e desestrutura político-administrativa le- suplementares até determinado limite, o que então poderá ser feito por
var o Município a ser administrado sem orçamento, por meio de créditos decreto, independentemente de lei especiaL Para maior esclarecimento da
especiais, para os quais o prefeito deve obter prévia e específica autoriza- matéria remetemos o leitor ao capítulo das finanças municipais, no tópico
ção legislativa. Cumpriria à lei complementar prevista no art. 165, § 9º, da correspondente ao assunto (Capítulo V, item 4.4).
CF, ao dispor sobre a elaboração da LOA, estabelecer regras que reduzis- A denegação de créditos suplementares e especiais é ato de delibe-
sem o impacto de tal anormalidade. Entretanto, a Lei Complementar 101, ração exclusiva da Câmara - como, aliás, o é toda votação de lei -, mas
de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF), editada com amparo sua autorização está vinculada às exigências constitucionais e legais su-
no Capítulo 11 do Título VI da Constituição, que veio a lume para definir periores, o que permite a invalidação judicial da lei autorizativa (que é.de
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão efeitos concretos), por mandado de segurança ou ação popular, se ofenSIva
fiscal, infelizmente, nesse aspecto, foi omissa. de direito individual líquido e certo ou lesiva do patrimônio municipaL

3.6 Autorização para abertura de créditos 3.7 Tomada de contas do prefeito e do presidente da Mesa
A previsão da receita e a fixação da despesa devem constar do orça- Atribuição da maior relevância do plenário é a tomada de contas do
mento, que é o plano anual da arrecadação e do emprego dos dinheiros prefeito e do presidente da Mesa, vale dizer, de toda a Administração Mu-
públicos. Mas fatos supervenientes à aprovação do orçamento impõem à nicipal, nos seus dois ramos de governo.
Administração a aplicação de novas verbas em obras, serviços e atividades Impõe a Constituição da República, em seu art. 31, que a fiscalização
não previstos nas dotações orçamentárias. Toma-se, assim, necessária a do Município será exercida pelo Poder Legislativo local, mediante con-
abertura de novos créditos, paralelos aos já existentes no orçamento. Tais trole externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo, na
créditos são chamados adicionais, por isso mesmo que são somados aos forma da lei, estabelecendo que o controle externo da Câmara Municipal
do orçamento, por autorizações legislativas. será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do
Os créditos adicionais são, na técnica financeira, de três espécies: Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde
suplementares, especiais e extraordinários. Créditos suplementares são houver.
os que se destinam a reforçar a verba já prevista no orçamento mas que A Câmara Municipal, diretamente ou com o auxílio do Tribunal de
se revelou insuficiente para ocorrer às reais necessidades da obra ou do Contas, fiscalizará o cumprimento das normas da Lei Complementar 10 1,
serviço; créditos especiais são os que se destinam a atender a despesas su- de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF), com ênfase no que
pervenientes ao orçamento, mas oriundas de lei; créditos extraordinários se refere aos incisos de seu art. 59, a saber: I - atingimento das metas
são os que se destinam a atender a fatos imprevistos e anormais (por ex.: estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias (LDO); II -limites e con-
calamidades públicas).
Os dois primeiros créditos - suplementar e especial - dependem de 106. Também podem ser obtidos através de créditos especiais ou suplementares,
com prévia e específica autorização legislativa, os recursos que, em decorrência de
lei autorizadora da Câmara para sua abertura; o último - extraordinário veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas
- é aberto por decreto do Executivo, com imediata comunicação ao Legis- correspondentes (CF, art. 166, § 82 ).
696 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 697

dições para realização de operações de crédito e inscrição em Restos a ato final da instrução, e antes do qual o prestador das contas deve ter opor-
Pagar; IH - medidas adotadas para o retomo da despesa total com pessoal tunidade de defesa sobre os pontos impugnados. O que se pode permitir
ao respectivo limite, nos tennos dos arts. 22-23; IV - providências toma- é o oferecimento de impugnação da Câmara às contas do prefeito e deste
das, conforme o disposto no art. 31, para recondução dos montantes das às do presidente da Mesa logo que subirem à apreciação do Tribunal de
dívidas consolidada e mobiliária aos respectivos limites; V - destinação Contas ou órgão equivalente. Com essa impugnação os interessados faci-
de recursos obtidos com a alienação de ativos, tendo em vista as restrições litarão o exame e as diligências instrutórias, na fase própria e pelo órgão
constitucionais e as dessa lei complementar; VI - cumprimento do limite competente.
de gastos totais dos Legislativos Municipais, quando houver. Observamos que o Tribunal de Contas poderá realizar inspeções e
Dispõe a Constituição Federal que as contas do Município devem verificações de despesa na Câmara ou na Prefeitura, a qualquer tempo,
ficar durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, devendo alertá-los quando constatar que a realização da receita está ocor-
para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, rendo abaixo do esperado ou o montante da dívida consolidada superou os
nos termos da lei (art. 31, § 3º). Considerando ser a transparência um dos limites e não foram adotadas as medidas limitativas de contingenciamento
instrumentos mais eficazes para a disciplina fiscal, conforme destacado de verbas e de quotas financeiras; que os montantes da dívida consolidada
na Exposição de Motivos, a LRF ampliou esse controle da sociedade so- e mobiliária, das operações de crédito e da concessão de garantia se encon-
bre o uso do dinheiro público, estabelecendo que as contas apresentadas tram acima de 90% dos respectivos limites; que a despesa de pessoal ultra-
pelo chefe do Poder Executivo devem ficar disponíveis, durante todo o passou 90% do limite máximo; que os gastos com inativos e pensionistas
exercício, na Câmara Municipal e no órgão técnico responsável pela sua superou o limite da Lei 9.717, de 27.11.1998; que estão ocorrendo fatos
elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da so- que comprometem os custos ou os resultados dos programas, ou indícios
ciedade (art. 49). Assegura a Carta Magna que "qualquer cidadão, partido de irregularidades na gestão orçamentária (art. 59, § 1º, da LRF).
político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, Aprovadas as contas, o prefeito está quitado das despesas efetivadas
denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da e liberado de responsabilidade administrativa ou político-administrativa
União" (art. 74, § 2º-). a elas relativa, mas não fica exonerado de responsabilização civil ou cri-
O controle das contas do Município deve ser exercido nos seguintes minal por atos funcionais praticados naquele exercício financeiro, porque
aspectos: da natureza dos fatos controlados (contábil, financeiro, orçamen- tais julgamentos são da exclusiva competência do Poder Judiciário. Se re-
tário, operacional e patrimonial); da amplitude do controle (Administração jeitadas as contas a Câmara poderá promover a responsabilização político-
Municipal direta e indireta); da legalidade; legitimidade; economicidade; administrativa do prefeito pelas infrações pertinentes; havendo indícios de
aplicação das subvenções; e de renúncia de receita. crime de ação pública, deverá remeter o processo para exame do Ministé-
Combinando-se esses dispositivos constitucionais, temos as diretri- rio Público competente para a denúncia; e, finalmente, se constatar lesão
zes para a tomada de contas do Executivo e do próprio Legislativo, pela ao Erário Municipal o plenário deverá determinar as providências para
Câmara. As contas já chegarão à Edilidade com o parecer do Tribunal sua reposição, por via administrativa ou judicial. No caso de cabimento de
ou do órgão equivalente, facilitando, assim, a apreciação e julgamento ação civil pública ou de ação pela prática de atos de improbidade adminis-
do plenário, que após a votação na forma regimental consubstanciará a trativa (Leis 7.347, de 1985, e 8.429, de 1992) deverá comunicar o fato e
deliberação concernente às do prefeito em decreto legislativo, e às do pre- as provas colhidas ao Ministério Público. O mesmo procedimento é de ser
sidente da Mesa em resolução. Para esse julgamento a Câmara poderá adotado no julgamento das contas do presidente da Mesa e de dirigentes
ouvir previamente seus órgãos internos, a fim de esclarecer os vereadores de autarquias municipais.
sobre as contas apresentadas e respectivo parecer do Tribunal ou órgão Observe-se que, nos termos do art. 1º, I, "g", da Lei Complementar
equivalente; mas não se nos afigura possível qualquer diligência externa, 64, de 1990, a rejeição das contas por irregularidade insanável através de
pois àquela altura já está encerrada a fase instrutória do processo, reali- decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a matéria estiver sendo
zada pelo próprio Tribunal de Contas. A se admitir novas diligências ou apreciada pelo Poder Judiciário, acarreta a inelegibilidade da autoridade
inspeções, ficaria superada a apreciação prévia da Corte de Contas, e, con- - no caso, do prefeito e dos membros da Mesa - para as eleições que se
seqüentemente, invalidado o parecer instituído pela Constituição, como realizarem nos cinco anos seguintes, contados da data da decisão.
f
····,·e••.. --
- .

698 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 699

3.8 Pedidos de informações punível com a cassação do mandato pela Câmara. A falta do secretário
e de comparecimento do prefeito à Câmara municipal só será sancionada se e como a lei dispuser.

Ao plenário cabe deliberar sobre os pedidos de informações ao pre-


3.9 Autorização para empréstimos, subvenções, concessões
feito e de seu comparecimento à Câmara para prestar esclarecimentos
e permissões
sobre a administração. A deliberação aprovada deverá indicar com preci-
são e clareza os assuntos sobre os quais a Câmara deseja informações ou A relevância das matérias em epígrafe justifica plenamente a exigên-
esclarecimentos, pois o chefe do Executivo não está obrigado a discorrer cia de autorização por lei para que o chefe do Executivo Municipal possa
sobre sua gestão em geral, mas sim sobre aspectos determinados da admi- efetivar empréstimos, conceder subvenções e fazer concessões ou permis-
nistração ou sobre certos negócios municipais individualizados. A lei or- sões municipais. Tais atos representam encargos extraordinários e dele-
gânica geralmente estabelece condições e prazo para o atendimento desses gações de serviços do Município e, por isso, não podem ser validamente
pedidos; mas se não o fizer caberá ao plenário discernir o que é matéria realizados sem a intervenção dos dois órgãos do governo local, isto é, sem
de interesse do Legislativo e fixar um prazo razoável para a resposta do que a Câmara autorize o prefeito a praticá-los. Convém relembrar que a
prefeito, evitando solicitações impertinentes e muitas vezes inatendíveis, Câmara nunca praticará esses atos in concreto, limitando-se a autorizar, ou
por absurdas ou ilegais (TJSP, JTJ 183/242 e 184/256). não, sua prática pelo prefeito. Não é a Câmara que concede autorização a
terceiros para a realização de qualquer ato, obra ou serviço no Município;
Quanto ao comparecimento pessoal do prefeito à Câmara, deve estar ela somente autoriza o prefeito a praticar o ato administrativo que depen-
previsto na lei orgânica do Município, que disporá sobre as condições da da da concordância da Edilidade. Ao chefe do Executivo é que incumbe,
convocação e o modo de atendimento, para que o plenário delibere segun- sempre e sempre, praticar concretamente o ato autorizado pela Câmara,
do as disposições legais. Na omissão da lei o prefeito não está obrigado a dando-lhe a forma administrativa conveniente. A Câmara autoriza; o pre-
comparecer em plenário para informá-lo sobre atos de sua administração feito executa.
ou negócios municipais. Os empréstimos internos e externos a serem tomados pelo Municí-
No Município que tiver secretários municipais, estes, como agentes pio devem vir precedidos de autorização legal da Câmara, por se tratar
políticos e auxiliares diretos do prefeito, é que deverão ser convocados de encargos extraordinários da administração financeira. Esses emprés-
para prestar informações à Câmara nos assuntos concernentes às respec- timos ficam também sujeitos ao controle do Senado Federal, pois que os
tivas Pastas, desde que a lei orgânica assim o estabeleça, tal qual ocorre externos dependem de sua prévia autorização, e ambos só poderão ser
com a Constituição Federal em relação aos ministros de Estado. A Carta contraídos dentro dos limites globais de endividamento do Município e
lv1agna, em seu art. 50, § 1º, prevê a convocação dos ministros de Estado nas condições gerais estabelecidas e aprovadas pelo Senado Federal (CF,
para prestar pessoalmente informações sobre assuntos previamente deter- art. 52, V-VIl).107
minados, bem como lhes faculta comparecer por iniciativa própria para
expor assuntos de relevância do seu Ministério. 107. V. a Resolução 43 do Senado Federal, de 21.12.2001, cujo texto foi con-
solidado em 9.4.2002, que dispôs sobre as operações de crédito interno e externo dos
Quando cabível a convocação do prefeito ou de seus secretários mu- Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus
nicipais, a deliberação do plenário que o fizer deverá indicar claramente a limites e condições de autorização, e providências correlatas. Quanto às operações
matéria a ser indagada e a sessão em que deverá comparecer o convocado. de crédito interno e externo a referida resolução estabeleceu que o montante global
Em plenário, os vereadores e o convocado limitar-se-ão, nas indagações e das operações realizadas em um exercício fmanceiro não poderá ser superior a 16%
da receita corrente líquida e, também, que o comprometimento anual com amortiza-
nas respostas, aos assuntos fixados na convocação, que poderão ser deba- ções, juros e demais encargos da dívida consolidada, inclusive relativos a valores a
tidos entre os interessados, dentro das normas regimentais e dos princípios desembolsar de operações de crédito já contratadas e a contratar, não poderá exceder
de urbanidade devidos ao convocado e aos membros da Câmara. a 11,5% daquela receita. A Resolução 19/2003 excluiu desses limites as operações de
crédito contratadas pelos Estados e pelos Municípios com a União, organismos mul-
O desatendimento, sem justo motivo, da convocação ou do pedido tilaterais de crédito ou instituições oficiais federais de crédito ou de fomento, com a
de informações feito a tempo e em forma regular poderá levar o prefeito a finalidade de financiar projetos de investimento para a melhoria da administração das
incidir em infração político-administrativa prevista na lei orgânica local, receitas e da gestão fiscal, financeira e patrimonial, no âmbito de programa proposto
700 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 701

A Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fis- A contratação de operações de crédito pelo Município deverá atender
cal - LRF), estabeleceu em seu art. 30 caber ao presidente da República as condições estabelecidas no art. 32, §§ lº. e 3º, e seus incisos, da LRF (v.
submeter ao Senado Federal proposta de limites globais para o montante Capítulo V, item 3.4.2).
da dívida consolidada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que A operação de crédito não é admissível para financiar despesas de
estabelece o inciso VI do art. 52 da CF, bem como de limites e condições custeio e postergar o equacionamento do déficit e da dívida. É vedada
relativos aos incisos VII-IX do mesmo artigo. 108 Tais limites serão fixados entre entes da Federação, a menos que se trate de operação entre institui-
em percentual da receita corrente líquida para cada esfera de governo e ção financeira de um e outro ente federado ou de compra, pelos Estado~
aplicados igualmente a todos os entes da Federação que a integrem, cons- e Municípios, de títulos da dívida da União (art. 35 e seus §§ da LRF). E
tituindo, para cada um deles, limites máximos. Entretanto, lei municipal vedada, igualmente, entre uma instituição fmanceira estatal e o ente da
poderá fixar limites inferiores àqueles para as dívidas consolidada e mo- Federação que a controle, como beneficiário do empréstimo (art. 36).
biliária, operações de crédito e concessão de garantias. Para fins de verifi-
A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender
cação do atendimento do limite a apuração do montante da dívida conso-
à insuficiência de caixa durante o exercício financeiro; também depende
lidada será efetuada ao final de cada quadrimestre (de seis em seis meses
de autorização legislativa e do cumprimento das exigências mencionadas
nos Municípios com menos de 50 mil habitantes). Se a dívida consolidada
nos arts. 32 e 38 da LRF. Estará proibida no último ano de mandato do
ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre, deverá ser
prefeito municipal ou enquanto existir operação anterior da mesma nature-
a ele reconduzida até o final dos 12 meses subseqüentes, reduzindo-se
za não integralmente resgatada. Igualmente, não será autorizada se forem
o excesso em pelo menos 25% nos primeiros 4 meses, aplicando-se as
cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigato-
conseqüências previstas no art. 31 da aludida lei. Durante o período de
riamente prefixada ou indexada à taxa básica fmanceira ou à que vier a
njuste o Município não poderá contratar empréstimos e financiamentos,
esta substituir. 109
nem mesmo por antecipação de receita, e deverá obter superávit primário
(diferença entre receitas e despesas, excluídos juros e principal da dí vida, ALei 10.028, de 19.10.2000, tipificou como crime ordenar, autorizar
pagos ou recebidos), ainda que através do contingenciamento de verbas ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização
(art. 31, § 12 ). legislativa, ou com inobservância de limite estabelecido pelo Senado Fede-
ralou, ainda, quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite
A LRF considera operação de crédito o compromisso financeiro as-
máximo autorizado por lei (art. 22 , que introduziu o art. 359-A no CP).
sumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título,
a aquisição financiada de bens, o recebimento antecipado de valores pro- As subvenções e os auxílios financeiros, sendo atos de liberalidade do
venientes da venda a termo de bens e serviços, o arrendamento mercantil Município, devem também ser autorizados por lei local, discutida e vota-
e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos fi- da com as cautelas especiais previstas na legislação local e no regimento
nanceiros. interno da Câmara. Tais subvenções e auxílios só devem ser liberalizados
para a realização de obras, serviços e atividades de interesse público, e
pelo Poder Executivo Federal; e, também as contratadas no âmbito do Programa Na- não para atendimento de interesses particulares de munícipes. Além dis-
cional de Iluminação Pública Eficiente - Reluz, estabelecido com base na Lei 9.991, to, devem atender às condições estabelecidas na LRF, na lei de diretrizes
de 24.7.2000.Quanto à concessão de garantias, estabeleceu que seu saldo global não orçamentárias (LDO), e estar previstos no orçamento ou em seus créditos
poderá exceder a 22% da receita corrente líquida -limite, este, que poderá ser elevado adicionais.
para 32% desde que o garantidor se ajuste às exigências do art. 9º, I a IV. V. sobre o
assunto o Capítulo V. As concessões para exploração de serviços de utilidade pública de-
108. V. a Resolução 40 do Senado Federal, de 20.12.2001, cujo texto foi con- vem também ser autorizadas por lei especial, na qual a Câmara delimite
solidado em 9.4.2002, que dispôs sobre os limites globais para o montante da dívida o âmbito do contrato a ser firmado entre o Município, representado pelo
pública consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e prefeito, e o concessionário. As leis orgânicas dos Municípios deverão
dos Municípios, em atendimento ao disposto no art. 52, VI e IX, da CF, e estabeleceu,
no caso dos Municípios, que a dívida consolidada líquida, ao final do décimo-quinto
exercício financeiro contado a partir do encerramento do ano de publicação dessa re- 109. A Resolução 43/2001 do Senado Federal dispôs que o saldo devedor das
solução, não poderá exceder a 1,2 vezes (um inteiro e dois décimos) a receita corrente operações de crédito por antecipação de receita orçamentária não poderá exceder, no
líquida (art. 3º, II). V. sobre o assunto o Capítulo V. exercício em que estiver sendo apurado, a 7% da receita corrente líquida.
702 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 703

dispor sobre o quorum e o número de discussões para a aprovação da lei autorização da Câmara. Já acentuamos que nos poderes ordinários de ad-
autorizadora. Tais exigências, como é bem de ver, podem ser aumentadas ministrar não se compreendem o de alienar nem o de gravar o patrimônio
ou reduzidas, a critério da legislação de cada Município. O que convém se administrado. A administração tem por fim conservar e fazer reproduzir
grave é que tais contratos não podem ser firmados sem prévia autorização os bens confiados ao trato do administrador, daí a regra segundo a qual o
da Câmara de Vereadores, por importar delegação de poderes do Muni- prefeito, toda vez que tiver necessidade de dispor de bens ou de onerar o
cípio a terceiros para a exploração de determinado serviço de interesse Município com encargos extraordinários, deverá obter autorização espe-
público local. cial da Câmara.
As concessões da competência do Município são somente aquelas As leis orgânicas exigem, em regra, quorum e tramitação especial
que se referem a serviços locais. Todavia, os serviços de energia elétrica para aprovação das proposições que autorizam a venda, permuta e doação
e de telefones, ainda que locais, são privativos da União, e só ela pode de bens imóveis, assim como para a constituição de ônus e assunção de en-
delegar a terceiros sua exploração (CF, art. 21, XI-XII). cargos extraordinários para a Municipalidade. Tais autorizações, portanto,
As leis orgânicas dos Municípios, em regra, só exigem autorização devem atender, na sua elaboração, a todos os requisitos especiais previstos
da Câmara para concessão de serviços públicos ou de utilidade pública, na legislação local organizatória do Município e aos trâmites regimentais
não aludindo a outras formas de execução de tais serviços por particulares que se referirem à espécie em deliberação.
(permissão e autorização). Entretanto, em razão do vulto e da importância Tratando-se de bens imóveis do Município mas de uso comum do
alcançada pela permissão, que, com a Constituição de 1988, do mesmo povo (praças, ruas, estradas etc.) e de uso especial (edifícios e terrenos uti-
modo que a concessão (art. 175), passou a depender de procedimento lici- lizados em serviços públicos) é indispensável que antes de sua alienação
ta tório e, em seguida, com o advento da Lei 8.987, de 1995, llO de formali- sejam descaracterizados ou desafetados, por lei, de sua primitiva destina-
zação, impropriamente denominada de "contrato de adesão", implicando ção, para que se tomem disponíveis. 1l2 Essa conversão, desafetação ou
delegação de serviços do Município e encargos extraordinários, também descaracterização poderá ser feita pela mesma lei que autorizar a aliena-
ela deve ser precedida de autorização da Câmara, malgrado a improprie- ção, desde que na sua elaboração se observem as exigências especiais de
dade da referida lei não lhe retire, em princípio, o caráter de ato admi-
quorum e tramitação.
nistrativo negociaI, discricionário e precário. Não se exige, contudo, tal
formalidade para os simples atos unilaterais e precários de autorizações Quanto aos bens dominiais - isto é, os que constituem o patrimônio
para a realização de serviços ou atividades de interesse público. E se com- disponível do Município (terrenos baldios, prédios sem destinação espe-
preende essa distinção, porque a concessão, sendo de natureza contratual, cial etc.) -, dispensam descaracterização ou desafetação porque, por na-
e a permissão, agora formalizada por "contrato de adesão", vinculam o tureza, são alienáveis, mas mesmo assim exigem lei especial que autorize
Município a certos encargos e obrigações para com o concessionário e o a venda, permuta ou doação. É vedada a aplicação da receita de capital
peimissionário, ao passo que as autorizações, sendo de caráter precário, derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio pú-
não oneram a Administração Pública, que a todo tempo pode cassá-las, blico para o financiamento de despesa corrente, salvo se destinada por lei
independentemente de indenização. iil aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos
(art. 44 da Lei Complementar 10 1, de 4.5.2000 - Lei de Responsabilidade
Fiscal). Preserva-se, assim, o patrimônio público, uma vez que o dinheiro
3.10 Autorização para alienação de imóveis
obtido com a venda será destinado à amortização de dívidas ou à realiza-
A alienação de bens imóveis do Município (venda, permuta, doação ção de investimentos. A propósito dos bens municipais, veja-se o Capítulo
etc.), sendo ato que excede dos de simples administração, exige expressa VI, onde a matéria está amplamente apreciada.
Algumas leis orgânicas exigem também autorização especial da Câ-
110. A Lei federal 8.987, de 13 .2.95, dispõe sobre o regime de concessão e per- mara para a hipoteca de imóveis municipais. Deixamos de tratar do assun-
missão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da CF. Sobre a matéria, to por entendermos, como já expusemos em capítulo anterior (Capítulo
v., também, as Leis federais 9.074, de 7.7.95,9.648, de 27.5.98 e 9.791, de 24.3.99.
111. Sobre concessão, permissão e autorização, v. o Capítulo VII, item 4, e tam-
bém, do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo VI, item 7. 112. V. nota 15 do Capítulo VI.
704 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI -A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 705

VI, item 5), que, sendo os bens públicos impenhoráveis, não se prestam a administrativos - que cada um deles, isoladamente, não teria -, para exe-
garantias reais (hipoteca, penhor, anticrese), visto que, a final, não pode- cutar o empreendimento desejado e de utilidade geral para todos. A Lei
riam ser apreendidos e praceados pelo credor, vindo, assim, a ser inócuos 11.1 07, de 6.4.2005, dispôs sobre normas gerais para a constituição desses
os ônus que sobre eles se constituíssem. consórcios.
A venda de bens municipais - imóveis, móveis ou semoventes - deve Os consórcios públicos distinguem-se dos convênios por decorrerem
ser feita com licitação, nos termos da Lei 8.666, de 1993, com as alterações de contratos entre entes federados e se constituírem em pessoas jurídicas.
das Leis 8.883, de 1994, e 9.648, de 1998 (cf. arts. 17-19). Nas doações, Para os convênios e consórcios públicos há necessidade de autoriza-
dações em pagamento, permutas e investiduras não é exigível qualquer ção legislativa das respectivas Câmaras de Vereadores para que os pre-
modalidade licitatória, como já o demonstramos em obra especializada, feitos possam subscrever o pacto e assumir validamente os encargos que
mas é sempre necessária a avaliação prévia do bem e, no caso de imóveis, tocarem a cada Município. Atendidas, quanto aos consórcios públicos, as
a autorização legislativa. !l3 normas gerais da Lei 11.107/2005, a lei autorizadora deve ser discutida
e votada segundo as exigências especiais que a legislação local impuser
3.11 Autorização para convênios e consórcios1!4 para sua elaboração. Se nada constar da lei orgânica a tramitação da auto-
rização da Câmara será a comum das demais leis, devendo apenas esclare-
A realização de obras, serviços e atividades de interesse do Município cer as condições em que o convênio ou o consórcio podem ser efetivados
que se estendam além de seu território ou dependam da colaboração de ou- pelo Executivo local.
tras entidades ou órgãos não subordinados à Prefeitura local exige acordos Entretanto, o STF vem decidindo que é inconstitucional a norma que
especiais, que tomam a denominação de convênios ou consórcios. exige autorização legislativa, por ferir a independência dos Poderes. 1l5
Convênio é todo pacto firmado pelo Município com entidades es- Data venia, não nos parece que ocorra essa inconstitucionalidade, porque
tatais, autárquicas, paraestatais ou particulares (associações, sociedades, o convênio e o consórcio são atos que, além de poderem ter conteúdo
empresas etc.) para que essas pessoas jurídicas assumam e realizem de- gravoso, extravasam dos poderes normais do administrador público e, por
terminados serviços, atividades ou obras de interesse público local e, isso, dependem da aquiescência do Legislativo. 116
igualmente, de interesse comum dos partícipes, mediante remuneração da A Lei 8.666, de 1993, em seu art. 116, determina a incidência de
Muni8ipalidade ou gratuitamente. Pode também o Município, por meio de seus dispositivos, no que couber, a todos os convênios, acordos, ajustes
convênio com outras entidades, realizar serviços e obras locais de interes- e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos ou entidades da
se público mas da competência dessas entidades. Administração. Nos seus parágrafos estabelece uma série de formalidades
Convênios são acordos, mas não são contratos; são formas de coo- que devem ser cumpridas quando da celebração de convênio, principal-
peração associativa, sem vinculação contratual dos partícipes. Também mente quando houver repasse de recursos da entidade pública a organiza-
não se erigem em pessoas jurídicas, pelo quê exigem alguém ou alguma ção privada interessada.
entidade que assuma os encargos necessários à consecução de seus fins. Como já acentuamos precedentemente, os convênios e consórcios
Consórcios públicos são pessoas de direito público, quando associa- públicos são instrumentos altamente vantajosos para a Administração
ção pública, ou de direito privado, decorrentes de contratos firmados entre Municipal, principalmente para a realização de obras e serviços de longa
entes federados, após autorização legislativa de cada um, para a gestão duração, de elevado custo e de interesse regional. Por eles podem os Mu-
associada de serviços, atividades ou obras de interesse público e de obje- nicípios pactuar tudo quanto for de seu peculiar interesse e estabelecer as
tivos de interesse comum dos consorciados, através de delegação, e sem normas de execução que lhes convier, desde que não atentem contra os
fins econômicos. Trata-se de gestão associada ou cooperação associativa
de entes federativos, para a reunião de recursos financeiros, técnicos e 115. STF,RTJ94/995 e 115/597,RDA 140/63 e 1611169,RT599/222,JSTF-Lex
218/19 e 224/28.
116. A Constituição do Estado de São Paulo proclama competir exclusivamente à
113. v., do Autor, Licitação e Contrato Administrativo, 14ª ed., 2ª tir., 2007. Assembléia Legislativa, "autorizar ou aprovar convênios, acordos ou contratos de que
114. Sobre convênios e consórcios, v. o Capítulo VII, item 4.3. resultem para o Estado encargos não previstos na lei orçamentária" (art. 20, XIX).
DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 707
706

princípios constitucionais e legais superiores, nem destoem das normas e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional, poderia
administrativas e financeiras. 117 conceder isenções de impostos estaduais e municipais (art. 19, § 2Q). Essa
exceção está revogada pela atual Carta, que veda à União instituir isen-
ções de tributos que não sejam de sua competência (art. 151,111). Note-se,
3.12 Autorização para isenção de tributos e perdão de dívida ativa
contudo, que a EC 37, de 12.6.2002, acrescentou o inciso 111 ao § 3º do
A isenção de tributos e o perdão de dívida ativa, importando favo- art. 156, prevendo que, com relação ao imposto sobre serviços de qualquer
res do Município ao devedor, dependem de autorização por lei, da Câma- natureza, de competência dos Municípios, cabe à lei complementar regu-
ra, para sua efetivação pelo Executivo. A lei autorizativa deverá, na sua lar a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais
elaboração, atender às exigências que geralmente o Código Tributário do serão concedidos e revogados. E no Ato das Disposições Constitucionais
Município impõe para a concessão de tais favores, e no seu texto indicar Transitórias introduziu o art. 88, estabelecendo que, enquanto lei comple-
os requisitos a serem satisfeitos pelos beneficiários, em harmonia com as mentar não disciplinar o disposto nos incisos I e 111 do § 3Q do art. 156 da
normas gerais do Código Tributário Nacional, já examinadas precedente- CF, o referido imposto: I - terá alíquota mínima de 2%, exceto para os
mente (Capítulo V, item 2). serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa
A lei de diretrizes orçamentárias (LDO), segundo o disposto no art. ao Decreto-lei 406/1968, que correspondem aos subitens 7.02, 7.04 e 7.05
165, § 2Q , da CF, deverá dispor sobre as alterações na legislação tributária, da lista anexa à superveniente Lei Complementar 116, de 31.7.2003; 11 -
entre as quais se inclui a isenção de tributos. não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais
que resultem, direta ou indiretamente, na redução dessa alíquota mínima.
Observe-se que a lei não concede a isenção diretamente ao contri-
A Lei Complementar 116/2003, que sobreveio à EC 37/2002, nada dispôs
buinte, mas estabelece as condições para que ele a obtenha do Fisco, uma
sobre isenções, incentivos e benefícios fiscais, mas definiu a alíquota má-
vez que isenção é apenas a dispensa do pagamento do tributo devido. Daí
xima do ISS em 5%, não fixando, porém, a alíquota mínima, de forma que
a distinção entre isenção propriamente dita e não-incidência do tributo. A
prevalecem a alíquota de 2%, estabelecida no inciso I, e as restrições do
não-incidência ocorre quando as condições de fato previstas na lei que cria
inciso 11, do art. 88, l, do ADCT. 118
o tributo não alcançam o contribuinte, de modo que não surge a obrigação
tributária. A isenção, ao revés, pressupõe a obrigação de pagar o tributo O perdão de dívida ativa é providência de política financeira que se
na forma em que foi instituído, mas o Poder Público, por considerações de justifica, em certas circunstâncias, como medida de caráter geral para can-
conveniência social relacionadas com o contribuinte (isenção subjetiva) celamento de pe9-uenos débitos ou de dívidas antigas de difícil ou impos-
ou com a natureza dos bens ou das operações (isenção objetiva), dispensa sível execução. E uma liberalidade da Fazenda Municipal; e, assim sendo,
o pagamento. Vemos, portanto, que a não-incidência é um direito de todos depende de lei que autorize o Executivo a promover o cancelamento das
aqueles que estão fora do âmbito tributário da lei; a isenção é um favor dívidas indicadas.
legal, uma liberalidade do poder tributante. Por isso, deve o Município Segundo a Lei 4.320, de 1964, constituem dívida ativa as importân-
concedê-la restritamente, nos casos em que haja interesse público, para cias relativas a tributos, multas e créditos da Fazenda Pública devidamente
estimular as atividades reputadas úteis à coletividade. inscritas mas não cobradas ou não recolhidas no exercício de origem (art.
O que o legislador municipal deve evitar são as isenções individuais, 39). Na definição mais restrita do Código Tributário Nacional- Lei 5.172,
os favores partidários, que tanto dessangram as finanças municipais quan- de 1966 - é dívida ativa tributária a proveniente do crédito dessa natureza
to desmoralizam as Administrações locais. regularmente inscrito na repartição administrativa competente depois de
O poder de isentar é consectário do poder de tributar. Por isso, em esgotado o prazo fixado para pagamento pela lei ou por decisão final pro-
regra, só pode isentar quem pode tributar. Vale dizer que só o Município ferida em processo regular (art. 201). Embora aparentemente diversas, as
pode abrir mão de seus tributos. A Constituição Federal anterior excepcio- duas conceituações são coincidentes, apenas uma é de ordem geral para
nava essa regra ao estabelecer que a União, mediante lei complementar todos os créditos da Fazenda Pública, e a outra é específica para os crédi-
tos tributários.
117. Sobre convênios e consórcios, v. também, do Autor, Direito Administrativo
... , 34ª ed., Capítulo VI, item 7. 118. Sobre o ISS, v. o Capítulo V, item 3.1.3, e suas alíquotas, item 3.1.3.4 .
708 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 709

Finalmente, observamos que tanto a lei que estabelece isenções tribu- jeto de lei (texto, mapas, plantas etc.). Nessas condições, a Câmara de
tárias como a que concede perdão de dívida ativa não são mais de inicia- Vereadores dificilmente estará habilitada a elaborar um projeto completo
tiva exclusiva do prefeito, visto que o ordenamento constitucional vigente de plano diretor do Município, mas poderá, com a sensibilidade política
não a reservou para matéria financeira. Entretanto, devem estar em conso- de seus membros, aprimorar, através de emendas, o projeto recebido do
nância com a LDO. Executivo.
A Constituição Federal determina que a lei orçamentária seja acom- Em tema de planejamento local, a lnternational City Manager:S As-
panhada de demonstrativo do efeito, sobre as receitas e despesas, decor- sociation tem advertido que "aos planejadores cumpre discernir as tendên-
rente de isenções, anistias, remissões, subsídios e beneficios de natureza cias mais acentuadas da comunidade, com o fito de orientá-las para obje-
financeira, tributária e creditícia (art. 165, § 6º). tivos que constituam uma cidade ordenada e bem equilibrada, socialmente
Nas hipóteses de renúncia de receita, 119 previstas na Lei Complemen- adequada e economicamente eficiente".121
°
tar 1 1, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LFR), a concessão
ou ampliação de incentivo ou beneficio de natureza tributária, dependen-
Foi com esse espírito que o constituinte federal cuidou da matéria ao
conferir um capítulo separado, dentro da "Ordem Econômica e Financei-
te de autorização legislativa, deverá estar acompanhada de estimativa do ra", para a política urbana. Nos arts. 182-183 da CF está expressamente re-
impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vi- gistrada a importância de uma elaboração bem planejada e uma execução
gência e nos dois seguintes, atender ao disposto na LDO e às condições perfeita do plano diretor, a cargo do Poder Público Municipal.
estabelecidas no art. 14, I-lI, da referida lei. Fica, assim, a Administração A Câmara de Vereadores, tendo a atribuição de converter em lei o
obrigada a demonstrar que a renúncia não prejudicará os resultados pre- plano diretor, deve fazê-lo com cautelas tais que assegurem sua suprema-
vistos na LDO ou que haverá compensação da perda através de ações que cia sobre toda e qualquer regulamentação suplementar e subsidiária que
acarretem o aumento da receita tributária. De conformidade com o art. 4º, se imponha para o futuro, de modo que garanta a perenidade do plano e
§ 2º, V, do mesmo diploma legal, o Anexo de Metas Fiscais, que integra evite que cada governo que se suceda possa modificar-lhe a estrutura geral
a LDO, deverá conter o demonstrativo da estimativa e compensação da ou desviar-lhe a execução por interesses individuais ou partidários, em
renúncia de receita. prejuízo da comunidade.
A partir da Constituição de 1988 os Estados não mais podem im-
3.13 Aprovação do plano diretor 120 por aos Municípios a exigência de que essa lei só possa ser alterada por
maioria qualificada (dois terços), mas é recomendável que a lei orgânica
Já que o Município tem competência para elaborar e implantar seu de cada Município o faça. A Lei Orgânica do Município de São Paulo, de
plano diretor, esse plano deve ser aprovado por lei e implantado através 4.4.1990, por exemplo, nos incisos I-lI do § 4º do art. 40, estabelece que
de decretos e outras medidas executivas. dependerão do voto favorável de três quintos dos membros da Câmara as
A iniciativa desse projeto de lei, embora não esteja expressamente matérias relativas ao plano diretor e ao zoneamento urbano e ao zonea-
reservada ao Executivo, só deveria ser tomada pelo prefeito. No Municí- mento geo-ambiental.
pio de São Paulo compete ao prefeito propor à Câmara Municipal o plano Essa exigência, embora possa parecer excessiva, não o é, pois visa
diretor, mas essa competência não exclui a do Legislativo nessa matéria não só a assegurar a implantação do plano, como a dar maior estabilidade
(Lei Orgânica do Município de São Paulo, de 4.4.1990, art. 70, X, e pará- à legislação de uso e ocupação do solo urbano - sabido que as constan-
grafo único). A complexidade técnica da elaboração de um plano diretor, tes alterações de zoneamento provocam valorizações ou desvalorizações
na abrangência dos seus múltiplos aspectos urbanísticos, principalmen- imobiliárias discriminatórias e muitas vezes ofendem direitos adquiridos,
te de uso e ocupação do solo urbano, exige profissional habilitado para sujeitando o Município a vultosas indenizações. 122
concebê-lo (engenheiro, arquiteto ou urbanista) e equipes especializadas
em pesquisa e na feitura dos diversos elementos que vão compor o pro-
121. Técnica de Administração Municipal, publicação da International City
Manager s Association, Rio de Janeiro, trad. EBAP, 1955, p. 367.
119. Sobre renúncia de receita, v. o Capítulo V, item 4.8. 122. Para maiores esclarecimentos, v. o capítulo sobre urbanismo e proteção
120. V. Subsídios para a Elaboração do Plano Diretor, CEPAM, 1990. ambiental (Capítulo IX, itens 1-2).
710 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: CO:MPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 711

3.14 Representação a autoridades federais, 3.15 Fixação do subsídio dos vereadores, do prefeito,
estaduais e municipais do vice-prefeito e dos secretários municipais 123
A Constituição da República inseriu em seu texto como direito in- O subsídio (como agora é denominada a remuneração) desses agentes
dividual de toda pessoa o de representar, mediante petição dirigida aos políticos - vereadores, prefeito, vice-prefeito e secretários municipais - há
Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de que ser fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que
poder (art. 5Q , XXXIV, "a"). As leis orgânicas editadas pelos Estados sob dispõem os arts. 29, VI, 37, XI, 39, § 4 Q , 57, § 7Q , 150, lI, e 153, IlI, e §
a égide da ordem constitucional pretérita haviam estendido esse direito 2Q , I, da CF.
às Câmaras Municipais, ampliando seu âmbito à comunicação de quais-
quer fatos e à sugestão de quaisquer providências que tivessem em mira o 3.15.1 Subsídio dos vereadores
interesse público local. Com a Carta de 1988 a disciplina de tal previsão O subsídio dos vereadores deve ser fixado com observância dos crité-
passou às leis orgânicas locais. rios e limites estabelecidos no art. 29, VI, da CF, com a redação dada pela
A extensão desse direito à Câmara encontra plena justificação no fato EC 25, de 2000.
de a ela competir zelar pelo bom governo local e custodiar todos os inte- A remuneração dos vereadores é integrada pelo subsídio, vedado o
resses coletivos que digam respeito ao Município ou que nele se desenvol- pagamento de parcela indenizatória em razão de convocação para sessões
vam. Muitas medidas, embora da competência federal ou estadual, podem extraordinárias (art. 39, § 4 Q , da CF, e art. 57, § 7 Q , com a redação dada pela
ser utilmente lembradas pela Edilidade, em forma de representação, para EC 50, de 14.2.2006).
oportuno e conveniente atendimento pelo poder, órgão ou autoridade fede- Através da EC 25, de 2000, foi adotada uma relação de proporciona-
ralou estadual a que competir a adoção da medida alvitrada. lidade entre a população do Município e o percentual máximo do subsídio
dos vereadores em relação ao subsídio dos deputados estaduais, oscilando
A representação a que, nessa linha, as leis orgânicas locais se refiram
entre os limites de 20 a 75%, de conformidade com o número de habitan-
não se confunde com a representação jurídica do Município, que é atribui- tes. Está expressamente vedado o acréscimo da verba de representação ou
ção privativa do prefeito; nem com a representação processual civil, que é de qualquer outra espécie remuneratória, exigindo-se a remuneração dos
função dos procuradores judiciais do Município; nem com a representação vereadores exclusivamente por subsídio fixado em parcela única (CF, art.
processual penal, que é atributo exclusivo de quem for vítima de crime em 39, § 4 Q ).
que se tome necessária essa formalidade para início da ação penal. O subsídio dos vereadores deve ser fixado por lei especifica de inicia-
No sentido administrativo em que é atribuída à Câmara, a representa- tiva da Câmara Municipal (CF, art. 29, VI, e 37, X), assegurada revisão
ção significa a possibilidade de denunciar fatos, de pedir providências, de anual, sempre na mesma data e sem distinção de índice relativamente à
sugerir medidas, de comunicar, enfim, a autoridades estranhas ao governo remuneração dos servidores públicos em geral.
municipal o desejo ou a opinião da Edilidade, manifestada pela maioria
ou pela unanimidade dos vereadores. O exercício desse direito público 123. O STF decidiu, em sessão administrativa do dia 24.6.1998, por maioria (7 a
4), que os arts. 37, XI, e 39, § 4º, da CF, com a redação da EC 19/1998, não eram auto-
pela Câmara é legítimo e conveniente desde que utilizado com bom senso
aplicáveis, porque o valor do subsídio mensal a ser pago a ministro do STF deveria
e ponderação, no interesse da coletividade local. O que se toma neces- ser, obrigatoriamente, estabelecido por meio de lei. Conforme os arts. 48, caput, XV,
sário evitar é o abuso ou mesmo a leviandade com que certas Câmaras e 96, n, "b", da CF, na redação dada pela EC 41/2003, ao STF cabe propor ao Con-
representam acerca de fatos e atos alheios ao interesse municipal, com fim gresso Nacional a fixação do subsídio dos seus Ministros, por lei sujeita à sanção do
Presidente da República. O art. 8º da EC 41 estatuiu uma regra de transição, que teve
demagógico e publicitário. Esses pronunciamentos, em forma de apoio ou vigência até que o valor desse subsídio veio a ser fixado pela Lei 11.143, de 26.7.2005
protesto, essas moções pró ou contra medidas de âmbito estadual, nacional (em R$ 21.500,00, a partir de 1º de janeiro de 2005, e em R$ 24.500,00, a partir de
ou internacional, nem sempre representam os anseios da coletividade, e 1º de janeiro de 2006). Observe-se, ainda, que o teor do art. 37, Xl, da CF, veio a ser
não raro levam as Edilidades ao ridículo, pela inocuidade e olvido de suas novamente modificado, pela EC 4112003, que instituiu tetos para a União, para os
Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios, no âmbito de seus Poderes e das
tão pomposas quanto inúteis representações. suas Administrações diretas, autárquicas e fundacionais.
712 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 713

Por último, frise-se, a Constituição Federal, na redação da EC 19, de o preceito geral aplicável é o da fixação de uma legislatura para outra
1998, garante a irredutibilidade do subsídio, ressalvado o disposto nos e da inalterabilidade do que for fixado originalmente.
incisos XI e XIV do art. 37 e nos arts. 39, § 4º, 150, lI, e 153, III, e § 2º, I Atualmente a garantia da irredutibilidade do subsídio está consagra-
(CF, art. 37, XV). da constitucionalmente, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV do
Ainda sobre este assunto, veja-se o que escrevemos precedentemente, art. 37 e nos arts. 39, § 4º, 150, li, e 153, lII, e § 2º, I (CF, art. 37, XV, na
neste capítulo, no item 2.1, "Vereadores", sob a epígrafe "Remuneração" redação da EC 19, de 1998).
(item 2.1.4).
3.15.3 Subsídio do vice-prefeito
3.15.2 Subsídio do prefeito O vice-prefeito não tem atribuições definidas, pois o mandato lhe
A remuneração do prefeito, tal qual a dos vereadores, após a promul- confere apenas o direito de substituir ou suceder o prefeito. Entretanto,
é comum ser-lhe deferido o exercício de funções representativas em so-
gação da EC 19, de 1998, é constituída apenas pelo subsídio, que deve ser
lenidades, eventos, congressos etc. Há, ainda, a possibilidade de o vice-
fixado com observância dos critérios e limites estabelecidos no art. 29, V,
prefeito, além de desempenhar as funções representativas mencionadas,
da CF e nos demais dispositivos constitucionais a que referido artigo faz
ocupar um cargo - como, por exemplo, de secretário municipal-, hipótese
remissão expressa.
em que será licito perceber subsídio pelo exercício desse cargo.
Assim é que deve ser fixado por lei especifica de iniciativa da Câma- Para a fixação do subsídio do vice-prefeito os critérios e normas são
ra Municipal (art. 29, V); não pode exceder o subsídio mensal, em espé- os mesmos constitucionalmente estabelecidos para o subsídio do prefeito,
cie, dos ministros do STF (art. 37, XI); deve ser fixado em parcela única, razão pela qual remetemos o leitor ao tópico precedente.
vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio,
verba de representação ou outra espécie remuneratória (art 39, § 4º); tem
3.15.4 Subsídio dos secretários municipais
assegurada revisão anual, sempre na mesma data e sem distinção de ín-
dices relativamente aos utilizados para o estabelecimento da remuneração Desde a EC 19, de 1998, o art. 29, V, da CF prevê a fixação de subsídio
dos servidores públicos em geral (art. 39, § 4º, c/c art. 37, X); sujeita-se ao para os secretários municipais nos mesmos moldes constitucionalmente
tratamento isonômico quanto aos tributos (art. 150, lI), notadamente em
relação ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (ali.
153, III, e § 2º, I). I estabelecidos para o prefeito e o vice-prefeito. Daí por que remetemos o
leitor ao tópico pertinente ao subsídio do prefeito.

Quaisquer outras verbas não podem mais ser acrescidas ao subsídio


do prefeito, por vedação expressa da Constituição Federal (art. 39, § 4º),
sejam elas verba de representação, ajuda de custo ou outra espécie re-
muneratória, não mais integrando a remuneração do mencionado agente
I 3.16 Deliberação sobre licença de vereadores e do prefeito
A deliberaçllo sobre pedido de licença de vereadores e do prefeito,
bem como do vice-prefeito e do presidente da Câmara quando em subs-
f tituição do prefeito, é atribuição exclusiva do plenário da Câmara, que
político. ~ poderá concedê-la ou negá-la soberanamente. Não admitimos que a Cons-
No que concerne ao princípio da anterioridade, ou seja, obrigatorie- tituição ou a lei orgânica possam condicionar ou vincular a decisão do
dade de fixação da remuneração ao final de cada legislatura para vigorar plenário a qualquer requisito ou circunstância, porque tal deliberação, com
na subseqüente, portanto antes do conhecimento do novo eleito, valem, referência aos vereadores, constitui interna corporis da Câmara e, quanto
com os devidos ajustes, as considerações feitas quanto ao subsídio dos ao prefeito, é ato de controle político do exercício do cargo, praticável
vereadores (no item 2.1.4 deste capítulo, sob a epígrafe "Remuneração"), discricionariamente pela Edilidade. Assim sendo, só o plenário da Câmara
posto que, embora não mais conste expressamente do art. 29, V, da CF, pode valorar a conveniência e oportunidade de conceder ou negar licença
a exigência impõe-se em decorrência dos princípios da moralidade e da a vereador e ao prefeito ou a seus substitutos em exercício do cargo.
impessoalidade, que norteiam todos os atos da Administração Pública, e, Quando a lei orgânica inscreve os motivos que podem ensejar licença
como tal, deve ser contemplada nas leis orgânicas municipais. aos edis e ao chefe do Executivo local (tratamento de saúde ou interesses
714 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 715

particulares) não está tomando obrigatória a concessão da licença nos ca- Na cassação o plenário decide se o titular do mandato deve perdê-lo,
sos enunciados, mas apenas possibilitando que o interessado os invoque ou não, em face da falta cometida ou da situação de fato que se apresente
perante a Câmara, para sua soberana e irrecorrível deliberação. em conflito com as disposições legais que regem o exercício do cargo ou
Não se deve confundir a licença com o simples afastamento do Mu- função eletiva; na extinção o presidente apenas faz ciente a Câmara - à
nicípio, sem cessação do exercício do cargo ou do mandato, para tratar vista de certidão ou comunicação do fato ou ato extintivo - de que o man-
de interesses da Prefeitura ou da Câmara fora do território municipal e dato pereceu e, em conseqüência, se acha aberta a vaga. Para a cassação
por tempo mais ou menos prolongado. No primeiro caso cuida-se de um há necessidade de quorum e observância da tramitaçãó legal e regimen-
licenciamento propriamente dito, que abre vaga, obriga à convocação do tal estabelecida para essa deliberação, ao passo que para a declaração de
substituto ou suplente e faz cessar a remuneração do licenciado; no segun- extinção não há exigências especiais, bastando que se insira em ata a co-
do trata-se apenas de uma autorização de afastamento do local de trabalho, municação do presidente sobre o fato ou ato extintivo para tomar certa a
sem suspensão do exercício do cargo e sem prejuízo das atribuições e existência da vaga e possibilitar a convocação do suplente.
vantagens funcionais - e, portanto, sem abrir vaga que autorize substitui- Tanto a deliberação sobre cassação quanto a declaração da extinção
ção. Neste último caso o prefeito poderá credenciar um de seus auxiliares de mandato e abertura de vaga são suscetíveis de apreciação judicial para
mais categorizados apenas para responder pelo expediente, ou seja, para o julgamento da legalidade de tais atos. Certo é que não cabe ao Judiciário
atender aos que o procuram na Prefeitura e dar andamento aos casos mais pronunciar-se sobre cassação de mandato antes que o plenário o faça, nem
urgentes, sem praticar atos finais ou firmar contratos com terceiros. lhe é permitido reexaminar o mérito da solução sob o aspecto da justiça,
Relembramos, mais uma vez, que o titular - prefeito ou vereador - oportunidade ou conveniência do decidido pelos vereadores, mas poderá
licenciado ou com autorização de afastamento pode reassumir o cargo ou e deverá sempre verificar se ocorrem os pressupostos de direito e de fato
o mandato a qualquer momento, bastando que retome às suas funções e que autorizam a cassação e se foram observadas as exigências legais e
comunique ao presidente da Câmara. regimentais para a deliberação, tais como o quorum necessário, a opor-
tunidade de defesa, a tramitação estabelecida para o processo, e demais
cautelas que devem acompanhar a decisão da Câmara, a ser consubstan-
3.17 Cassação de mandato de prefeito 124 e de vereador ciada em decreto legislativo, quando condenatória. Se absolutória basta
Atribuição das mais importantes do plenário da Câmara é a cassação que conste da ata da sessão de julgamento o resultado da votação para o
de mandato de prefeito e de vereador por infração político-administrativa. arquivamento do processo.
Desde logo se impõe a distinção entre cassação e extinção de mandatos, As infrações político-administrativas do prefeito e as faltas ético-
por configurarem hipóteses diferentes e competirem a órgãos diversos, parlamentares dos vereadores, ensejadoras da cassação de seus mandatos,
mediante procedimentos distintos. são matérias de competência da lei orgânica local. O prefeito e os verea-
Cassação é a decretação da perda do mandato por ter seu titular in- dores, como agerites políticos do Município, no desempenho do mandato
corrido em falta funcional definida em lei e punida com esta sanção. Ex- sujeitam-se a sanções especiais de natureza política.
tinção é o perecimento do mandato pela ocorrência de fato (morte), ato ou O Decreto-lei 201, de 1967, cujo projeto é de nossa autoria,125 sepa-
situação que tome automaticamente inexistente a investidura eletiva (re- rou claramente os crimes de responsabilidade do prefeito (art. lº), suas
núncia, perda dos direitos políticos, condenação criminal com inabilitação
para a função pública etc.). 125. Por solicitação do então Ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, elabo-
ramos o projeto do Decreto-lei 201, de 1967, para substituir as Leis 211, de 1948, e
A cassação de mandato compete ao plenário da Câmara, por ser ato 3.528, de 1959, que regulavam a cassação e extinção de mandatos de prefeitos e verea-
constitutivo acentuadamente deliberativo e de índole político-administrati- dores, definiam os crimes de responsabilidade e dispunham sobre o respectivo processo,
va; a declaração de extinção de mandato cabe ao presidente da Mesa, por com aplicação supletiva da Lei 1.079, de 1950, que ainda hoje rege o impeachment de
ser ato simplesmente administrativo e declaratório de uma situação jurídi- autoridades federais e estaduais. Naquelas leis as infrações político-administrativas
e os crimes de responsabilidade estavam tão mal-definidos e muitas vezes confundi-
ca preexistente, decorrente de fato ou ato alheio à deliberação da Câmara.
dos, e sujeitos a um processo tão tumultuado, que se gerou a impunidade dos agentes
pólíticos do Município. Diante dessa conjuntura fomos levados a separar nitidamente
124. Sobre a responsabilidade penal do prefeito, v. o capítulo seguinte. . a responsabilidade criminal, a responsabilidade político-administrativa e a responsa-
716 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI - A CÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 717

infrações político-administrativas (art. 4º) e asfaltas ético-parlamentares pela Câmara dos Vereadores, que, na tradição do Direito Brasileiro, muitas
dos vereadores (art. 7º), bem como os casos de extinção de seus mandatos vezes são denominadas de crimes de responsabilidade, o que causa inde-
(arts. 6º e 8º), atribuindo o julgamento dos crimes exclusivamente ao Po- sejável confusão, visto que a partir do Decreto-lei 201, de 1967, procurou-
der Judiciário; a cassação dos mandatos por infração político-administra_ se separar claramente crimes de infrações político-administrativas.
tiva ou por falta ético-parlamentar ao plenário da Câmara; a declaração de No Município de São Paulo a sua Lei Orgânica, de 4.4.1990, estabe-
extinção de mandatos ao presidente da Mesa. Assim, as diversas condutas lece vedações ao prefeito, a partir da expedição do diploma e a partir da
foram nitidamente tipificadas e as competências perfeitamente definidas posse (art. 59). Prevê a perda do mandato, por cassação, no caso de seu
para o respectivo procedimento. desatendimento, bem como nas situações elencadas no art. 73, I a IV, "a" a
Neste tópico só nos interessa a cassação de mandato, que é a única "C', entre as quais destacam-se: ausentar-se do Município ou afastar-se do
sanção da competência do plenário da Câmara. Realmente, a cassação de cargo, sem licença da Câmara Municipal, salvo por período não superior
mandato pelo plenário da Câmara é sanção punitiva e definitiva, e não a 15 dias consecutivos; residir fora do Município; atentar contra a auto-
apenas afastamento provisório do cargo, como fora antes, para que o Judi- nomia do Município, o livre exercício da Câmara Municipal, o exercício
ciário pudesse processar criminalmente o prefeito ou o vereador. Por isso dos direitos políticos, individuais e sociais, a probidade na administração,
temos afirmado e reafirmado que o Decreto-lei 201, de 1967, suprimiu o a lei orçamentária, o cumprimento das leis e das decisões judiciais (art.
impeachment no governo municipal; ou, mais adequadamente, substituiu-o 73, I-IV, "a"-"C').
pela sanção político-administrativa da cassação do mandato, sem prejuízo Tais sanções podem ser estabelecidas ou modificadas por norma
da sanção penal e da responsabilização civil a cargo da Justiça Comum. 126 municipal e, como imposições punitivas, devem ser interpretadas restri-
Os arts. 4º-8º do Decreto-lei 201, de 1967, foram revogados pelos tamente e aplicadas tão-só aos fatos típicos de sua incidência, observado
arts. 29-30 da CF de 1988, devendo essa matéria ser regulada pela lei o devido processo legal.
orgânica do Município. Nessas infrações tanto podem incidir o prefeito e os vereadores titu-
Todavia, a EC 25, de 2000, que entrou em vigor em 1.1.2001,já defi- lares do mandato como seus substitutos em exercício (vice-prefeito, presi-
niu em nível constitucional, nos incisos 1-IIl do § 2º do art. 29-A, algumas dente da Câmara, suplente de vereador convocado), sujeitando-se à cassa-
condutas que considera como crimes de responsabilidade do prefeito, re- ção do mandato mesmo depois de cessada a substituição, porque a sanção
lacionadas ao valor e ao prazo do envio do repasse das verbas orçamentá- recai sobre a investidura política, e não sobre a titularidade do cargo no
rias para o atendimento das despesas do Legislativo Municipal. Definiu, Executivo ou da cadeira no Legislativo. Por essa mesma razão, não pode
igualmente, como crime de responsabilidade do presidente da Câmara o haver cassação de mandato de interventor no Município, visto que ele não
desrespeito ao § 1º do art. 29-A da CF, que limita o gasto com folha de possui mandato político, mas sim nomeação administrativa.
pagamento e subsídio de vereadores a 70% da receita da Câmara. Em tais O processo de cassação de mandato deve ser regulado pela legislação
normas não se encontram preceitos penais sancionadores. É claro que es- local. Contudo, na ausência desta, pode-se seguir o disposto no art. 5º do
tamos diante de infrações político-administrativas, sujeitas ao julgamento Decreto-lei 201, de 1967, cujo rito passamos a comentar, no intuito de
contribuir para a elaboração do regramento municipal sobre a matéria.
bilidade ético-parlamentar, para a punição criminal, pela Justiça Comum; a punição Como todo processo punitivo, inicia-se com a denúncia e termina com
político-representativa, pelo plenário da Câmara; e a declaração de extinção de man- o julgamento, desenvolvendo-se por fases e atos vinculados ao procedi-
datos, pelo presidente da Mesa, mediante os procedimentos específicos estabelecidos mento formal que a lei impõe e o regimento complementa na tramitação
na própria lei. interna da Câmara. Quando se trata de cassação de mandato de prefeito
126. Com essa nova sistemática foi abolido o impeachment na esfera municipal, é um processo político-administrativo; quando se cuida da cassação de
sendo substituído pela cassação do mandato pela Câmara, como medida punitiva e
definitiva, nos casos de infração político-administrativa do prefeito ou de falta ético-
mandato de vereador é um processo ético-parlamentar. Ambos da com-
parlamentar do vereador, tipificados na mesma lei. petência exclusiva do plenário e sujeitos às mesmas formalidades legais e
Outras providências foram incluídas no texto para possibilitar a responsabiliza- regimentais, que assim se podem resumir: 127
ção dos infratores, tanto pela Câmara como pelo Judiciário, em processos autônomos
e julgamentos independentes. Sobre a responsabilidade penal do prefeito, v. o capítulo 127. Sobre o processo de cassação de mandatos de prefeito e vereador, v.: Oví-
seguinte, item 4.1. dio Bernardi, Responsabilidades dos Prefeitos Municipais, São Paulo', Ed. RT, 1964;
718 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

1º. Denúncia e seu recebimento - a denúncia, que pode ser apresen-


tada por qualquer eleitor (inclusive vereador, ou mesmo o presidente da
Câmara), deverá ser feita por escrito, com exposição clara dos fatos e indi-
r XI -A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO EATRIBurÇÕES

impertinentes, mas sem cercear a defesa, para que não vicie o processo de
nulidade, que poderá ser declarada pelo Judiciário.
3º. Razões do denunciado e parecer final da comissão processante -
719

cação das provas da acusação, assinada pelo denunciante e dirigida ao pre- encerrada a instrução, a comissão processante assim procederá: a) abrirá
sidente da Mesa. Lida a denúncia na primeira sessão ordinária, o plenário vista do processo ao denunciado para razões escritas, no prazo de cinco
decidirá, pela maioria dos presentes, sobre seu recebimento, e, se favorá- dias; b) após, com ou sem as razões, emitirá seu parecer final, opinando
vel, será constituída, por sorteio na proporção da representação partidária, pela procedência ou improcedência das acusações ou de parte d~las; c) soli-
a comissão processante, com três vereadores titulares e sem impedimentos citará ao presidente da Câmara a convocação da sessão para o Julgamento.
para o caso, que elegerão o presidente e o relator. Se o denunciante for o 4º. Sessão de julgamento - a sessão de julgamento só poderá instalar-
presidente da Câmara deverá transmitir a presidência ao seu substituto le- se com, pelo menos, dois terços dos membros da Câmara, que é o quorum
gal, durante os atos do processo, ficando também impedido de votar sobre mínimo para deliberação sobre o processo, contando-se inclusive a pre-
a denúncia; se for vereador não poderá integrar a comissão processante, sença do presidente, que poderá votar para perfazer o quorum. Instalada a
nem votar no processo, devendo, para tanto, ser convocado o substituto sessão, praticar-se-ão os seguintes atos: a) leitura integral do processo pelo
desimpedido. relator da comissão processante ou pelo secretário da Câmara; b) liberda-
2º. Instrução do processo - a instrução do processo compete à co- de de palavra aos vereadores, pelo prazo máximo de 15 minutos para os
missão processante, que agirá do seguinte modo: a) iniciará os trabalhos que a solicitarem, a fim de se manifestarem sobre o processo; C! concessão
dentro de 5 dias, promovendo a notificação do denunciado, na forma e da palavra, pelo prazo máximo de duas horas, para o denunCIado ou seu
para os fins da lei; b) transcorrido o prazo para defesa prévia (lO dias da procurador produzir a defesa; d) votação nominal dos vereadores desim-
notificação), a comissão emitirá parecer, dentro de 5 dias, opinando pelo pedidos sobre cada uma das infrações articuladas na denúncia. A sessão,
prosseguimento ou pelo arquivamento da denúncia; c) se opinar pelo pros- de seu início ao término do julgamento, será uma e única, embora possa
seguimento designará, desde logo, o início da instrução e promoverá os ter breves suspensões para descanso de seus participantes. Todas as suas
atos, diligências e audiências que forem necessários para o depoimento do fases são públicas, como públicos são o processo e todos os seus atos e
denunciado, inquirição de testemunhas e colheita de demais provas defe- peças que o integram.
ridas; d) se o parecer for pelo arquivamento será submetido à deliberação 5º. Proclamação e formalização do julgamento - concluída a votação
do plenário, que, por maioria dos presentes, aceitará ou não o arquivamen- do plenário, o presidente da Mesa proclamará imediatamente o resultado
to; se o plenário deliberar pelo prosseguimento a comissão processante do julgamento e fará lavrar a respectiva ata, consignando a votação no-
tomará as providências indicadas na letra "c"; se o plenário deliberar pelo minal de cada vereador sobre cada infração articulada na denúncia, e se
arquivamento fica encerrado o processo. Advertimos que o denunciado a deliberação for condenatória promulgará o competente decreto legisla-
deverá ser intimado para todos os atos do processo, pessoalmente ou na tivo e o fará publicar regularmente, considerando-se cassado o mandato
pessoa de seu procurador constituído, com a antecedência mínima de 24 do condenado. Se o resultado do julgamento for absolutório o presidente
horas do ato, sendo-lhe facultado assistir às audiências e diligências, apre- determinará o arquivamento do processo. Em qualquer caso deverá co-
sentar requerimentos, formular quesitos, perguntas e reperguntas pertinen-
municar o resultado do julgamento à Justiça Eleitoral com jurisdição no
tes à acusação e à defesa. Caberá ao presidente da comissão processante
Município.
conduzir imparcialmente a instrução, deferindo o que for de direito e in-
deferindo provas, diligências ou perguntas desarrazoadas, tumultuárias ou Este processo deverá ser julgaqo no prazo improrrogável de 90 dias, a
contar da notificação do acusado (prefeito ou vereador), sob pena de arqui-
Deonízio Fernandes e outros, Da Responsabilidade do Prefeito, São Paulo, 1967; Pau-
vamento; mas outro pode ser instaurado, ainda que pelos mesmos motivos
lo Lúcio Nogueira, Administração e Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, São do anterior. A cassação de mandato de vereador segue o mesmo proce-
Paulo, 1974; Rui Barbosa Corrêa Filho, Dos Crimes contra a Administração Pública dimento da do prefeito, no que couber, sendo de observar que naquela o
e o Decreto-lei 201167, São Paulo, 1974; Clenício da Silva Duarte, "Responsabilida- presidente da Câmara poderá, desde que recebida a denúncia pela maioria
de de prefeitos e vereadores", RT 446/315; Antônio Tito Costa, Responsabilidade de absoluta do plenário, afastar o edil de suas funções e convocar seu suplen-
Prefeitos e Vereadores, São Paulo, Ed. RT, 1975; Wolgran Junqueira Ferreira, Respon-
sabilidade dos Prefeitos e Vereadores, São Paulo, 1978. te, que, entretanto, não intervirá nem votará no processo do substituído.
720 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XI -A cÂMARA MUNICIPAL: COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 721

o processo de cassação de mandato pela Câmara é independente de mentar 64, de 1990, art. 1º, l, "b", com a alteração introduzida pela Lei
qualquer procedimento judicial, mas pode ser revisto pela Justiça nos seus complementar 81, de 1994).
aspectos formais e substanciais de legalidade, ou seja, quanto à regula- Da mesma forma, o prefeito e o vice-prefeito que perderem o man-
ridade do procedimento a que está vinculado e à existência dos motivos dato por infringência a dispositivos da lei orgânica municipal tomam-se
autorizadores da cassação. O que o Judiciário não pode é valorar os mo- inelegíveis para as eleições que se realizarem no período subseqüente ao
tivos, para considerar justa ou injusta a deliberação do plenário, porque seu término (cf. Lei Complementar 64, de 1990, art. 1º, l, "c").
isto é matéria interna corporis da Câmara e sujeita unicamente ao seu
juízo político. Mas o Judiciário pode - e deve -, sempre que solicitado em
ação própria, verificar se foram atendidas as exigências procedimentais
estabelecidas pela lei e pelo regimento interno e se realmente existem os
motivos que embasaram a condenação, e se estes motivos se enquadram
no tipo definido como infração político-administrativa ( do prefeito) ou
falta ético-parlamentar (do vereador). Se encontrar ilegalidade na tramita-
ção do processo, bem como inexistência ou desconformidade dos motivos
com as infrações tipificadas na lei, o Judiciário pronunciará a invalidade
do procedimento ou do julgamento impugnado.
É de se observar que a cassação de mandato pela Câmara não se con-
funde com perda do mandato por condenação criminal com aplicação
desta pena acessória, nem com o perecimento do mandato por suspensão
dos direitos políticos. Nem, tampouco, com a perda dafunção pública e
a suspensão dos direitos políticos decorrentes de atos de improbidade ad-
ministrativa, consoante previsão da Lei 8.429, de 1992. Cada uma dessas
hipóteses assenta em sanção diversa e é atribuída a Poderes diferentes. A
cassação de mandato pela Câmara é sanção político-administrativa ou éti-
co-parlamentar, da competência exclusiva do Legislativo local; a perda do
mandato por condenação criminal é sanção penal, da privativa competên-
cia do Poder Judiciário, que atinge indiretamente o eleito, pela aplicação
da pena acessória. 128 Por sua vez, a perda da função pública e a suspensão
dos direitos políticos por atos de improbidade são também cominações
aplicáveis pelo Poder Judiciário em ação proposta pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada (art. 17 da Lei 8.429, de 1992).
Anote-se, finalmente, que a cassação do mandato pela Câmara por
infring6ncia das hipóteses de proibições e incompatibilidades no exercício
da vereança, previstas na lei orgânica municipal, bem como por conduta
declarada incompatível com o decoro parlamentar implica suspensão dos
direitos políticos, tomando o agente inelegível para as eleições que se rea-
lizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foi eleito
e nos oito anos subseqüentes ao término da legislatura (cf. Lei Comple-

128. Sobre a responsabilização penal do prefeito por crimes de responsabilidade


e por crimes funcionais, que podem acarretar a perda do mandato, v. o capítulo seguin-
te, itens 4.1.1-4.1.2.
XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRlBUIÇÕES/RESPONSABILIDADES 723

pendente por não hierarquizado a qualquer outro; composto porque in-


tegrado por outros órgãos inferiores; central porque nele se concentram
todas as atribuições do Executivo, para serem distribuídas a seus órgãos
subordinados; unipessoal, ou singular, porque atua e decide através de um
único agente, que o chefia e representa: o prefeito. Assim, a administração
centralizada ou direta do Município é realizada pela Prefeitura e seus ór-
gãos subordinados; e a administração descentralizada ou indireta o é pelas
Capítulo XII entidades autárquicas, fundacionais e empresas estatais a ela vinculadas e
supervisionadas pelo prefeito, na forma da legislação local.
A PREFEITURA E O PREFEITO:
ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES No sistema brasileiro o governo municipal é de funções divididas, ca-
bendo as executivas à Prefeitura e as legislativas à Câmara de Vereadores.
Esses dois Poderes, entrosando suas atividades específicas, realizam com
1. A Prefeitura: órgão executivo do Município. 2. O prefeito: 2.1 Atribui- independência e harmonia o governo local, nas condições expressas na lei
ções - 2. 2 Investidura - 2. 3 Posse - 2.4 Remuneração - 2.5 Licença e férias
- 2.6 Controle político-administrativo - 2.7 Vice-prefeito e subprefeito. 3.
orgânica do Município.
Principais atribuições do prefeito: 3.1 Representação do Município - 3.2 O sistema de separação de funções - executivas e legislativas - im-
Sanção, promulgação, publicação e veto de leis - 3.3 Execução de leis e de
outras normas - 3.4 Expedição de decretos e outros atos administrativos
pede que o órgão de um Poder exerça atribuições do outro. Assim sendo,
- 3.5 Apresentação de projetos de lei - 3.6 Administração do patrimônio a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada
municipal - 3.7 Elaboração e execução do orçamento - 3.8 Abertura de um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras
créditos - 3.9 Arrecadação, guarda e aplicação da receita municipal - para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento
3.10 Execução de obras e serviços - 3.11 Decretação de desapropriações
- 3.12 Prestação de contas e relatório da administração - 3.13 Compa- legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concre-
recimento e informações à Câmara - 3.14 Convocação extraordinária da tos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as nor-
Câmara - 3.15 Imposição de penalidades administrativas - 3.16 Execução mas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência
da dívida ativa - 3.17 Organização e direção do foncionalismo - 3.18
Despacho do expediente - 3.19 Publicação dos atos oficiais - 3.20 Ges-
dos Poderes, princípio constitucional (art. 2 Q ) extensivo ao governo local.
tão documental e expedição de certidões - 3.21 Representação a outras
autoridades - 3.22 Execução de atribuições delegadas - 3.23 Requisição podem ser modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica.
de força policial. 4. Responsabilidades do prefeito: 4.1 Responsabilidade Isto explica por que a alteração de funções, ou a vacância de cargos, ou a mudança de
penal: 4.1.1 Crimes de responsabilidade - 4.1.2 Crimes funcionais - 4.1.3 seus titulares, não acarretam a extinção do órgão.
Crimes por abuso de autoridade - 4.1.4 Crimes comuns e especiais - 4.1.5
Contravenções penais - 4.1.6 Prerrogativas processuais - 4.2 Responsa-
Os órgãos integram a estrutura do Estado e das demais pessoas jurídicas como
bilidade político-administrativa: 4.2.1 Infrações político-admillistrativas partes desses corpo·s vivos, dotados de vontade e capazes de exercer direitos e contrair
- 4.3 Irifrações administrativas contra as leis de finanças públicas - 4.4 obrigações para a consecução de seus fins institucionais. Por isso mesmo, os órgãos
Responsabilidade civil. não têm personalidade jurídica nem vontade própria, que são atributos do corpo e não
das partes; mas na área de suas atribuições e nos limites de sua competência funcional
expressam a vontade da entidade a que pertencem e a vinculam por seus atos, manifes-
tados através de seus agentes (pessoas fisicas).
1. A Prefeitura: órgão executivo do Município Embora despersonalizados, os órgãos mantêm relações funcionais entre si e com
terceiros, das quais resultam efeitos jurídicos internos e externos, na forma legal ou re-
A Prefeitura é o órgão pelo qual se manifesta o Poder Executivo do gulamentar. E, a despeito de não terem personalidade jurídica, os órgãos podem ter prer-
Município. 1 Órgão independente, composto, central e unipessoal. lnde- rogativas funcionais próprias, que, quando infringidas por outro órgão, admitem defesa
até mesmo por mandado de segurança (cf., do Autor, Direito Administrativo Brasileiro,
1. Órgãos públicos são centros de competência instituídos para o desempenho 34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Capítulo 11, item 1, "órgãos públicos", e
de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica também, do Autor, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Manda-
a que pertencem. São unidades de ação com atribuições específicas na organização do de Injunção, "Habeas Data", Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declara-
estatal. Cada órgão, como centro de competência governamental ou administrativa, tória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas é distinto desses elementos, que 31 ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2008, Primeira Parte, capítulo 8).
724 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
1 XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 725

Qualquer atividade, da Prefeitura ou da Câmara, realizada com usurpação 2. O prefeito


de funções é nula e inoperante. O prefeito é o chefe do Executivo Municipal, agente político, dirigen-
Como órgão público, a Prefeitura não é pessoa jurídica; é simples- te supremo da Prefeitura. 2 Como chefe do Executivo e agente político, tem
mente a unidade central da estrutura administrativa do Município. Nem atribuições governamentais e administrativas. No desempenho do cargo,
representa juridicamente o Município, pois nenhum órgão representa a em que é investido por eleição, não fica hierarquizado a qualquer auto-
pessoa jurídica a que pertence, a qual só é representada pelo agente (pes- ridade, órgão ou poder estadual ou federal, só se sujeitando ao controle
soa física) legalmente investido dessa função - que, no caso, é o prefei- da Câmara, segundo as normas específicas da Administração local, e às
to. Daí a impropriedade de se tomar a Prefeitura pelo Município, o que leis gerais do Estado-membro e da União. Exerce suas funções com plena
equivale a aceitar a parte pelo todo - ou seja, o órgão, despersonalizado, liberdade, nos lindes da competência funcional e nos limites da autonomia
pelo ente, personalizado. Mas, como órgão independente, a Prefeitura tem municipal. Não admite ingerência de autoridades federais ou estaduais nos
orçamento próprio e quadro de pessoal distinto e incomunicável com o da negócios do Município. 3 Age por iniciativa própria nas opções políticas
Câmara de Vereadores. Nas relações externas e em juízo, entretanto, quem
responde civilmente não é a Prefeihlra, mas sim o Município - ou seja, a 2. O prefeito não é funcionário público; é agente político. É sabido que os agen-
Fazenda Pública Municipal, única com capacidade jurídica e legitimidade tes públicos (gênero) repartem-se inicialmente em cinco espécies ou categorias bem
diferençadas, a saber: agentes políticos, agentes administrativos, agentes honorificas,
processual para demandar e ser demandada, auferindo as vantagens de agentes delegados e agentes credenciados.
vencedora ou suportando os ônus de vencida no pleito. Agentes políticos são os componentes do governo, investidos em mandatos, car-
A Prefeitura, como órgão executivo, atua através de seus agentes, cuja gos, funções ou comissões, por eleição, nomeação, designação ou delegação, para o
ação lh(: é sempre imputada e pela qual o Município responde, administra- exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade fun-
cional, com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição
tiva e civilmente, na forma da Constituição da República (art. 37, § 6º) e e em leis especiais. Têm normas específicas para sua escolha, investidura, conduta,
normas pertinentes. Mas essa imputação funcional não se confunde com processos por infrações político-administrativas e por crimes funcionais e de respon-
representaçãojurídi,' ,. a imputação é unicamente a atribuição automática sabilidade que lhes são privativos.
da ação funcional de J.gente ao órgão a que pertence; a representação é Agentes administrativos são todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas
entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia
a manifestação da vontade de uma pessoa (física ou jurídica) por outra, funcional e ao regime jurídico estatutário, celetista ou administrativo especial, deter-
através de outorga convencional ou legal, para exercer direitos e contrair minado pela entidade estatal a que servem. São investidos em cargos ou empregos,
obrigações. No caso da Prefeitura, todos os seus servidores (agentes admi- com retribuição pecuniária, em regra por nomeação, após concurso, e excepcional-
nistrativos) imputam-lhe seus atos funcionais, mas só o prefeito (chefe do mente por contrato de trabalho. São os servidores públicos em geral.
Agentes honoríficos são cidadãos convocados, designados ou nomeados para
órgão e agente político) a representa - e, mais que isso, representa a pessoa
prestar transitoriamente determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição
jurídica do Município, pessoalmente ou pelos procuradores constituídos cívica, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional, mas sem qual-
para atos judiciais e extrajudiciais, na forma prevista em lei (CPC, art. 12, quer vínculo empregatício ou estatutário, e normalmente sem remuneração. Tais servi-
II, e outras leis). ços constituem o chamado múnus público, ou serviços públicos relevantes.
Agentes delegados são particulares que recebem a incumbência estatal da exe-
Não se pode confundir, portanto, a Prefeitura (órgão executivo) com cução de determinadas atividades, obras ou serviços públicos, e os realizam em nome
o Município (pessoa jurídica); nem a Prefeitura com o prefeito (chefe do próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente
órgão e agente político), ou com qualquer de seus secretários municipais fiscalização do delegante.
(agentes polítiCQS auxiliares do prefeito), ou com seus servidores (agentes Agentes credenciados são os que recebem a incumbência da Administração para
administrativos). Também não se pode confundir imputação com repre- representá-la em determinado ato ou praticar certa atividade específica, mediante re-
muneração do Poder Público credenciante.
sentação, que são atos de natureza e efeitos diversos relativamente ao ór- Todos esses agentes, quando cometem crimes funcionais, são considerados ser-
gão e à pessoa jurídica a que se referem. vidores públicos, mas tão-somente para fins penais (CP, art. 327). Os agentes políticos,
Em sentido vulgar o vocábulo Prefeitura significa a sede do Execu- entretanto, além dos crimes foncionais comuns, podem incidir em crimes de responsa-
bilidade e em infrações político-administrativas definidos em leis especiais (v. adian-
tivo Municipal, O edifício em que se localiza o gabinete do prefeito, e por te, item 4 deste capítulo).
uma figura de metonímia é empregado ainda para indicar o período de 3. A Lei 1.079, de 10.4.1950, em seu art. 6Q , inciso 8 (recepcionada, nessa parte,
mandato do chefe do Executivo local. pela Constituição Federal de 1988), considera crime de responsabilidade a interferên-
726 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
r XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 727

de governo e no comando supremo da Administração local, só devendo cal. Claro está que o prefeito não realiza pessoalmente todas as funções do
contas de sua conduta funcional à Câmara de Vereadores, na forma e nos cargo, executando aquelas que lhe são privativas e indelegáveis e traspas-
casos estabelecidos em lei. Na gestão dos recursos financeiros federais e sando as demais aos seus auxiliares e técnicos da Prefeitura (secretários
estaduais presta contas aos órgãos que os liberam e aos respectivos Tri- municipais, diretores de departamentos, chefes de serviços e outros subor-
bunais de Contas. Nos crimes comuns ou funcionais responde sempre e dinados). Mas todas as atividades do Executivo são de sua responsabilida-
unicamente perante o Poder Judiciário e se sujeita à correção judicial de de direta ou indireta, quer pela sua execução pessoal, quer pela sua direção
seus atos administrativos que ofendam direitos individuais. ou supervisão hierárquica.
Como governante do Município, o prefeito é seu representante legal O prefeito atua sempre por meio de atos concretos e especificas, de
e condutor dos negócios públicos locais; como chefe do Executivo, é a au- governo (atos políticos) ou de administração (atos administrativos), ao
toridade suprema da Administração Municipal, tendo preeminência sobre passo que a Câmara desempenha suas atribuições típicas editando normas
todas as demais. A preeminência do prefeito na Administração local de- abstratas e gerais de conduta (leis). Nisso se distinguem fundamental-
corre naturalmente da sua situação de chefe do Poder Executivo, detentor mente suas atividades. O ato executivo do prefeito é dirigido a um objetivo
de todos os instrumentos de ação de que dispõe o Município para a rea- imediato, concreto e especial; o ato legislativo da Câmara é mediato, abs-
lização de seus fins. Nos Estados Democráticos - acentua James Young, trato e genérico. Só excepcionalmente o prefeito edita normas através de
professor de Administração Pública da Universidade da Pennsylvania - o decreto regulamentar e a Câmara pratica atos administrativos, de efeitos
poder tende a se concentrar no Executivo, com plena aquiescência dos internos ou externos, consubstanciados em resolução ou em decreto legis-
cidadãos, porque é ele que realiza imediata e concretamente a administra- lativo. O prefeito provê in concreto, em razão do seu poder de administrar;
ção, satisfazendo as aspirações da coletividade. 4 O que coincide com a co- a Câmara provê in abstracto, em virtude do seu poder de regular. 6 Todo
nhecida afirmação de Harold Laski de que o chefe do Executivo, nos regi- ato do prefeito que infringir prerrogativa da Câmara - como também toda
mes presidencialistas, é mais e menos que um rei; é mais e menos que um deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou
primeiro-ministro: "The president is both more and less than a king; he is do prefeito - é nulo, por ofensivo do princípio da separação de funções dos
more and less than a primer minis ter" . Guardadas as proporções, o prefeito órgãos do governo local (CF, art. 2º, c/c o art. 31), podendo ser invalidado
tem no Município os encargos e as prerrogativas de um governador, dada pelo Judiciário. 7
sua posição de chefia do Executivo e de comando da Administração local, Essas prerrogativas, constituindo verdadeiros direitos subjetivos dos
exercendo uma missão de liderança natural entre os munícipes. Por esses órgãos independentes, como são a Prefeitura e a Câmara, autorizam seus
motivos, tem precedência legal sobre as demais autoridades municipais. 5 agentes e representantes - prefeito e presidente da Câmara - a defendê-los
judicialmente, por mandado de segurança, quando impedidos ou tolhidos
no seu exercício. 8
2.1 Atribuições
O cargo de prefeito foi instituído no Brasil, pela primeira vez, na Pro-
As atribuições do prefeito são de natureza governamental e admi- víncia de São Paulo, pela Lei 18, de 11.4.1835, com o caráter de delegado
nistrativa: governamentais são todas aquelas de condução dos negócios do Executivo, e de nomeação do presidente da Província. A inovação pro-
públicos, de opções políticas de conveniência e oportunidade na sua rea- vou ser tão boa que a Regência a recomendou às demais Províncias, pelo
lização - e, por isso mesmo, insuscetíveis de controle por qualquer outro Decreto 9, de 5 de dezembro do mesmo ano. Até então as Municipalida-
agente, órgão ou Poder; administrativas são as que visam à concretização des eram governadas pelas Câmaras ou Conselhos, constituídos uniforme-
das atividades executivas do Município, por meio de atos jurídicos sempre mente de um secretário, um procurador, incumbido da parte administrativa
controláveis pelo Poder Judiciário e, em certos casos, pelo Legislativo 10- e judiciária, e de nove vereadores para as cidades e de sete para as vilas,
sendo o mais velho investido na presidência (Lei de 1.10.1828).
cia de autoridade estranha aos negócios do Município, com desobediência às normas
constitucionais. 6. TJSP, RT216/343 e 226/272.
4. The One-Man Power, p. 37. 7. STF, ReprInconst 93-CE e 97-PI, RDA 30/66, RT222/535 e 294/580.
5. O Decreto 70.274, de 9.3.1972, dispõe sobre cerimonial público e ordem de 8. TJRS, RDA 15/46; TJPR, RT321/529; TJRJ, RT478/181; TJSP, RDA 89/175
precedência das autoridades. e 108/308, RT291/488, 316/274 e 321/438, JTJ 172/258 e 209/119.
728 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 729

Do Império para a República generalizou-se espontaneamente o car- nistrativo, e não ato legislativo - razão por que não exige manifestação
go de prefeito, até que a Constituição Federal de 1934 o consagrou como do plenário nem depende de quorum ou de qualquer pronunciamento da
instituição municipal (art. 13, I) e as seguintes o confirmaram como chefe Câmara. Somente ao presidente incumbe verificar a regularidade do diplo-
do Executivo local. Em todas as Constituições o prefeito tem as caracte- ma da eleição ou do título de nomeação, bem como dos demais requisitos
rísticas de agente político, quer pela sua investidura eletiva, quer pelas legais para a investidura do prefeito no cargo. Satisfeitas as exigências
atribuições governamentais que lhe são cometidas na chefia da Adminis- de lei, compete-lhe tomar o compromisso regimental e a assinatura do
tração Municipal. termo de posse. Após seu empossamento pelo presidente da Câmara o
Assim sendo, não se pode instituir o prefeito técnico, nomeado ou prefeito deverá assinar também o termo de exercício, em livro próprio
contratado para gerência do Município, à semelhança do manager norte- da Prefeitura, completando-se, assim, sua investidura no cargo. Ainda a
americano, sem afronta aos princípios constitucionais estabelecidos para título elucidativo, acentuamos que a posse do prefeito e as questões a ela
o governo local. Nem por isso, entretanto, se há de negar a conveniência pertinentes refogem da competência da Justiça Eleitoral, cuja função ces-
de introduzir na Administração Municipal Brasileira os cargos técnicos sa com a diplomação dos eleitos, transferindo-se, daí por diante, todas as
que deverão constituir o stafJ do prefeito e supervisionar as atividades controvérsias para o âmbito da Justiça Comum, desde que sobre elas já se
e serviços especializados da Prefeitura, sem que com isto se restrinjam haja manifestado o plenário da Câmara.
a liberdade político-administrativa do chefe do Executivo e a faculdade Em regra, posse, pedido de licença, impedimentos, declaração de
normativa da Câmara de Vereadores. 9 vaga, cassação de mandato, renúncia do prefeito e demais atos relacio-
nados com investidura e exercício do cargo devem ser solucionados pela
2.2 Investidura Câmara de Vereadores, no desempenho de suas naturais atribuições de
A investidura no cargo de prefeito dá-se por eleição (art. 29, I, da controle político-administrativo. Convém se acentue, entretanto, que a Câ-
CF). A eleição só poderá realizar-se por sufrágio universal e pelo voto mara não tem competência para fazer leis a respeito de matéria eleitoral,
direto e secreto, uma vez que o sistema eleitoral vigente não abre exceção cuja competência legislativa é exclusiva da União (CF, art. 22, I).
para o chefe do Executivo Municipal, que incide, assim, na norma geral Com a posse do cargo de prefeito surgem os impedimentos ou incom-
do art. 14 da CF. patibilidades para o exercício de qualquer outro cargo, função ou emprego
público federal, estadual ou municipal, na Administração direta ou indire-
2.3 Posse ta, devendo afastar-se do anterior e optar pela remuneração de um ou de
outro, na forma estabelecida pelo art. 38, lI, da CF. Outros impedimentos
A posse do cargo de prefeito exige algumas considerações para me-
podem ainda surgir do disposto na lei orgânica do Município, como já
lhor entendimento da natureza e efeitos desse ato.
vimos precedentemente (Capítulo IlI, item 3.1.2), tais como o de firmar
Eleito, o prefeito toma posse perante o presidente da Câmara de Ve- contrato com o Município; o de patrocinar causa contra a Fazenda Pública
readores. Nesse particular convém se esclareça que a posse é ato admi- local ou em que a Municipalidade, suas entidades descentralizadas ou con-
cessionários sejam interessados; o de participar de empresa beneficiária de
9. A fornlação de técnicos em Administração Municipal tem sido descurada no
país, sendo raros os cursos especializados e poucos os Municípios que realizam o trei- privilégio ou favor municipal.
namento de seu pessoaL O primeiro curso intensivo de Administração Municipal foi Em qualquer desses casos deverá o prefeito desincompatibilizar-se
por nós realizado em 1955, na Escola de Engenharia de São Carlos, da USP. No Rio de para ser empossado e exercer a chefia do Executivo Municipal. Essa im-
Janeiro funciona o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM); em São
Paulo há o Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (CEPAM), insti-
posição constitucional ou legal não se confunde com a perda do mandato
tuído pelo Autor, em 1968, junto à Secretaria do Interior, e atualmente transformado em por crime de responsabilidade (nos termos do Decreto-lei 201, de 1967)
fundação; o governo federa1já manteve, com êxito, mas extinguiu, inexplicavelmente, o ou por infração político-administrativa (prevista na lei orgânica local),
Serviço Nacional de Municípios (SENAM), então dirigido por Raul Armando Mendes e pois constitui apenas uma condição para o exercício do cargo, exigível
Dolores Meirelles Ferreira, que difundiam os mais modernos ensinamentos de Adminis- no ato da posse e sanável a qualquer tempo. Daí por que o presidente da
tração local a todas as Municipalidades Brasileiras; a Associação Brasileira de Municí-
pios (ABM) e associações estaduais costumam promover, em seus congressos, exposi-
Câmara deverá negar a posse ao prefeito que não a satisfizer, ou cancelar o
ções e debates sobre ternas de atualidade e interesse da Administração MunicipaL termo respectivo, por incompatibilidade superveniente, até que seja sana-
730 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 731

do o impedimento, quando se lavrará novo termo para reassumir o cargo e O subsídio do prefeito é inacumulável com a remuneração ou subsídio
seu exercício. Nesse interregno o exercício será dado ao vice-prefeito. de qualquer outro cargo ou função pública, estatal, autárquica, fundacional
No caso de vaga por renúncia, cassação, falecimento do prefeito 10 ou ou de empresas públicas e sociedades de economia mista, por incidir na
outra causa qualquer, assumirá o vice-prefeito, exercendo o cargo até o vedação genérica do art. 37, XVII, da CF. Mas pode o prefeito, se apo-
ténnino do mandato. Na vaga daquele e deste - prefeito e vice-prefeito- sentado, perceber conjuntamente os proventos da inatividade e o subsídio
deverá assumir a Prefeitura o presidente da Câmara, por ser, no momento, do cargo eletivo, desde que a soma dessas remunerações não exceda o
a mais alta autoridade municipal disponível para o cargo. O exercício do subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF. É o que se depreende
cargo de prefeito pelo presidente da Câmara será provisório, até a eleição do inciso XI do art. 37 da CF.
do novo titular, e enquanto investido na presidência da Edilidade. Renova- Por último, frise-se, a Constituição Federal, na redação da EC 19, de
da a Mesa, transmitirá a Prefeitura ao novo presidente. 1998, garante a irredutibilidade do subsídio, ressalvado o disposto nos
O exercício do cargo de prefeito gera as inelegibilidades previstas no incisos XI e XIV do art. 37 e nos arts. 39, § 4º, 150, lI, e 153, III, e § 2º, I
art. 14 da CF e na lei complementar prevista no § 9º do mesmo art. 14 (Lei (CF, art. 37, XV).
Complementar 64, de 18.5.1990).
2.5 Licença e férias
2.4 Remuneração
O prefeito poderá solicitar licença à Câmara para tratamento de saúde
A remuneração do cargo de prefeito, a partir da EC 19, de 1998, ou para cuidar de interesses particulares, mas ficará sempre a critério do
compõe-se unicamente de subsídio fixado por lei específica, de iniciativa plenário conceder, negar ou reduzir o afastamento solicitado. Tal delibe-
da Câmara Municipal, em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer ração é de caráter político, diretamente relacionado com o exercício do
gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra mandato, e representa uma liberalidade do Legislativo, razão pela qual
espécie remuneratória (CF, art. 29, V, c/c arts. 37, X-XI, 39 § 4º, 150, lI, e é insuscetível de revisão judicial, porque não há, por parte do prefeito,
153, 11I, e § 2º, I). A essa lei a Constituição Federal assegura revisão anual, qualquer direito subjetivo ao licenciamento, ainda que para tratamento de
sempre na mesma data e sem distinção de índices relativamente aos utili-
zados para a remuneração dos servidores públicos em geral (art. 37, X). rão ser mantidos no período, de acordo com o previsto na legislatura imediatamente
anterior, como garantia de independência do Executivo perante o Legislativo local. Na
Além disso, o subsídio do prefeito está subordinado ao teto fixado
verdade, ficaria o prefeito em situação de dependência da Câmara se esta pudesse, a
no art. 37, XI, da CF, com a redação dada pela EC 41/2003 - ou seja, não seu talante e a qualquer tempo, aumentar-lhe ou reduzir-lhe a remuneração do cargo.
poderá exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF." A regra da inalterabilidade é constitucional e de alta finalidade moral e administra-
tiva, razão pela qual o Judiciário tem anulado sistematicamente as deliberações das
10. Lei municipal pode conceder pensão especial a viúva ou companheira de Câmaras que alteram subsídio ou verba de representação do prefeito (e também dos
ex-prefeito, cujo valor pode ser revisto a qualquer tempo pelo Município (STF, RE vereadores) na legislatura em curso (TJSP, RT 221/140, 223/235, 226/182, 235/317,
121.840-MG,j. 17.9.1996, DOU 19.12.1997). 239/182,246/279,249/282,264/483,270/428 e 273/436). Além disso, tais alterações
11. Ao STF cabe propor ao Congresso Nacional a fixação do subsídio dos seus ilegais e inconstitucionais de remuneração poderão enquadrar seus autores nos atos de
lvlinistros, por lei sujeita à sanção do Presidente da República (arts. 48, caput, XV, e improbidade administrativa previstos na Lei federal 8.429, de 1992.
96, lI, "b", da CF, na redação dada pela EC 41/2003). O art. 8º da EC 41 estatuiu uma A Câmara pode conceder, ainda, ajuda de custo ao prefeito, visando a cobrir
regra de tramição, que teve vigência até que o valor desse subsídio veio a ser fixado despesas com viagens e estadia fora do Município mas no desempenho do cargo. Tais
pela Lei 11.143, de 26.7.2005, em R$ 21.500,00, a partir de I º de janeiro de 2005, e pagamentos não se confundem com o subsídio, pelo quê podem ser alterados em cada
em R$ 24.500,00, a partir de 1º de janeiro de 2006. Observe-se, ainda, que o teor do exercício, ou suplementadas as dotações, sem ofensa ao princípio da inalterabilidade
art. 37, XI, da CF, veio a ser novamente modificado, pela EC 41, de 2003, que instituiu da remuneração do cargo durante o mandato; mas, como se destinam a compensar
tetos para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios, no despesas efetivas, ficam sujeitos a comprovação dos gastos e a prestação de contas
âmbito de seus Poderes e das suas Administrações diretas, autárquicas e fundacionais. pelo prefeito.
O subsídio do prefeito é fixado pela Câmara anterior para vigorar durante a legis- A esse propósito, convém assentar que se a Câmara aumentar a remuneração
latura seguinte, salvo para os Municípios novos, em que a primeira Câmara estabelece cabe ação popular ou ação civil pública para invalidá-la, por ser ato ilegal e lesivo da
a remuneração própria e a do chefe do Executivo para o mesmo período. Essa remu- Faz~nda Municipal e do patrimônio público; se reduzir cabe mandado de segurança, a
neração é inalterável durante a legislatura, ou seja, os critérios para sua fixação deve- ser Impetrado pelo prefeito, que é, no caso, o único titular do direito ferido.
732 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 733

saúde. Por idêntica razão, o afastamento será sempre sem remuneração. E se compreende que assim seja, porque a inspeção e controle do
Só o plenário, na sua soberania política, na apreciação da conveniência Legislativo sobre os atos governamentais do chefe do Executivo é princí-
e oportunidade da licença, é que deliberará sobre sua concessão, como pio básico de todo regime representativo, em que o povo delega poderes
poderá cassá-la a qualquer tempo, e o licenciado poderá reassumir o cargo aos legisladores não só para fazer a lei, senão também para velar pelo seu
a qualquer momento. cumprimento, fiscalizando e punindo os que têm o dever de executá-la.
No entanto, aconselha-se que a lei orgânica do Município discipline o A Social-Democracia, como a nossa, é um sistema de vida coletiva onde
prazo para afastamento do prefeito sem necessidade de autorização legis- há um governo que nasce do povo e um povo que fiscaliza esse governo.
lativa, semelhante ao disposto no art. 83 da CF para o chefe do Executivo Como o povo não pode controlar diretamente todas as atividades do go-
Federal, ao mesmo tempo em que deverá dispor sobre as hipóteses de verno, o faz por intermédio de seus representantes no Legislativo, para
licença remunerada. 12 isso armados do poder político de fiscalizar, investigar e punir a conduta
irregular do chefe do Executivo. 14
Quanto àsférias, também a lei orgânica do Município pode instituí-
las para o prefeito, o que é recomendável, à semelhança do que ocorre com Esse poder - ensina MacGeary, em excelente monografia - constitui
os vereadores, que as desfrutam durante o recesso da Câmara. Fixados o privilégio das corporações legislativas, para que possam investigar a ma-
período e a duração das férias, o prefeito terá o direito de gozá-las inde- neira pela qual o Executivo se comporta no cumprimento da lei e punir os
pendentemente de autorização da Câmara, bastando que faça a comunica- governantes que desatendam aos seus preceitos. 15
ção prévia de seu afastamento, para convocação do substituto legal nesse Incumbe também ao Legislativo, diretamente ou com o auxílio do Tri-
período, se necessário. No gozo de férias o prefeito terá direito à remune- bunal de Contas, fiscalizar o cumprimento das normas da Lei Complemen-
ração integral do cargo, por se manter no seu desempenho, apenas com o tar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF), entre as quais
exercício legalmente interrompido. destacam-se as que estabelecem instrumentos de transparência, controle e
fiscalização da gestão fiscal, a saber: disciplinando os planos, orçamentos
2.6 Controle político-administrativo e leis de diretrizes orçamentárias, a forma de escrituração das contas pú-
blicas, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio, o Relatório
O controle político-administrativo do exercício do cargo de prefeito Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal.
- ou seja, a apreciação de sua conduta funcional e a solução das questões
relativas à cassação do mandato, impedimentos ou incompatibilidades, li-
2.7 Vice-prefeito e subprefeito
cença, substituição, remuneração e julgamento de suas contas - cabe ao
plenário da Câmara, no desempenho legítimo e normal do seu poder de O vice-prefeito é o substituto, nos afastamentos, e o sucessor, no caso
fiscalização, investigação e punição dos atos de governo, inerente a toda de vaga, do prefeito. Eleito, permanece como titular de um mandato exe-
corporação legislativa. 13 Mas a tomada de contas do prefeito é precedi- cutivo e na expectativa do exercício do cargo de prefeito, mas dele não
da de parecer do Tribunal de Contas do Estado ou do órgão competente deve auferir qualquer vantagem, nem suportar seus encargos, enquanto
para essa incumbência (CF, art. 31, § 2º). Ao Tribunal de Contas compete não o assumir em caráter de substituição ou de sucessão. O eleito para
também processar e julgar as inji-ações administrativas contra as leis de vice-prefeito (função executiva) fica incompatibilizado para a função le-
finanças públicas, definidas no art. 5º da Lei 10.028, de 19.10.2000. Os gislativa desde que venha a substituir ou a suceder o prefeito. Por idêntica
crimes de responsabilidade são julgados pela Justiça Comum independen- razão, o titular de um mandato legislativo que se eleja vice-prefeito incom-
temente de qualquer pronunciamento da Câmara de Vereadores, só com- patibiliza-se com a função anterior (legislativa) desde que assuma o cargo
petindo à corporação legislativa o processo e julgamento das infrações de prefeito. Desde a Constituição de 1988, em razão da vedação expressa
político-administrativas.
14. O cidadão pode também colaborar na fiscalização e controle da Adminis-
12. A Lei Orgânica do Município de São Paulo, de 4.4.1990, estabelece no art. 66 tração Pública através da ação popular, que possibilita a anulação de atos lesivos do
os casos de licença remunerada do prefeito. patrimônio público, nos termos do art. 5º-, LXXill, da CF e da Lei 4.717, de 29.6.1965
13. Manuel Andreozzi, F acultades Implícitas de Investigación Legislativa y Privi- (cf., do Autor, Mandado de Segurança ... , 31ª ed., 2008, pp. 119 e ss.).
legios Parlamentarios, pp. 7 e ss.; Pietro Vrrga, Le Inchieste Parlamentari, pp. 2 e ss. 15. The Development ofCongressionalInvestigative Power, pp. 92 e ss.
734 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 735

prevista no seu art. 54, lI, "d", de que senador e deputado sejam titulares As atribuições políticas consubstanciam-se em atos de governo, ine-
de mais de um mandato público eletivo a partir da posse, entendemos es- rentes às funções de comando do Executivo, e se expressam na condu-
tar o vice-prefeito detentor de outro mandato público eletivo atingido por ção dos negócios públicos locais; no planejamento das atividades, obras
essa incompatibilidade. Daí por que o eleito para vice-prefeito (função e serviços municipais; na apresentação de proposições e projetos de lei à
executiva) fica incompatibilizado para a função legislativa desde a posse. Câmara de Vereadores; na sanção, promulgação e veto de projetos de lei;
Na Constituição anterior (art. 6º, parágrafo único) qualquer cidadão podia na elaboração da proposta orçamentária; na expedição de decretos regu-
candidatar-se simultaneamente a funções executivas e legislativas, mas lamentares e demais atuações de caráter governamental. No desempenho
não podia exercê-las cumulativamente. A atual Constituição não mais con- dessas atividades de governo o prefeito age com natural discricionariedade
templa o contido no mencionado parágrafo único do art. 6º. para o atendimento do interesse público e promoção do desenvolvimento
Renunciada uma das funções, ou cessado o mandato de qualquer de- integral do Município.
las, cessa a incompatibilidade ou impedimento, ficando o cidadão livre As atribuições administrativas concretizam-se na execução das leis
para exercer a remanescente. Mas as incompatibilidades ou impedimentos em geral e na realização de atividades materiais locais, traduzidas em atos
funcionais estabelecidos para o prefeito não atingem o vice-prefeito en- administrativos (despachos em geral) e emfatos administrativos (obras e
quanto este não assumir aquele cargo. Isso porque tais restrições visam a serviços). Tais atribuições expressam-se em instrumentos formais, unila-
resguardar o exercício do cargo, e não aquele que se mantém em posição terais ou bilaterais (atos e contratos), e em execução de projetos, devida-
de mera suplência. Enquanto o vice-prefeito não auferir as vantagens do mente aprovados pelos órgãos técnicos competentes. No exercício dessas
cargo de prefeito não poderá suportar os ônus correlatos. atribuições o prefeito age, nas atividades vinculadas, segundo as explícitas
As leis orgânicas dos Municípios comumente se referem ao "cargo de imposições da lei, e nas atividades discricionárias com certa liberdade de
vice-prefeito" e estabelecem que sua "posse" se dará na mesma data e com atuação nos aspectos permitidos pelo Direito. 17 Em qualquer caso, porém,
as mesmas formalidades da do prefeito. Há nessas expressões improprie- seus atos sujeitam-se a anulação pelo Poder Judiciário se ilegais e lesivos
dade jurídica, porque não existe "cargo de vice-prefeito", mas tão-somen- de direito individual ou do patrimônio público. 18
te mandato de vice-prefeito para substituição do prefeito. Não havendo Neste tópico analisaremos as principais atribuições do prefeito, ex-
cargo, não pode haver posse, nem compromisso de exercício. pressas nessa dupla atividade de governo e de administração do Municí-
A posse do vice-prefeito só se dará no cargo de prefeito no momen- pio, assinalando os atos de sua competência exclusiva e os que dependem
to em que for convocado para substituição (definitiva ou provisória) do de prévia autorização legislativa ou de aprovação posterior da Câmara
titular. Neste momento é que o vice-prefeito se investe no cargo do qual para sua perfeição e validade.
é suplente, e daí por diante aufere todas as vantagens e suporta todos os Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração or-
encargos do seu exercício, inclusive as restrições (impedimentos ou in- dinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos
compatibilidades e inelegibilidades) estabelecidas para o prefeito. Toda de administraçãq ordinária entendem-se todos aqueles que visem à con-
vez que o vice-prefeito venha a substituir o prefeito deverá renovar o ter- servação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços pú-
mo de exercício. blicos. Para os atos de administração extraordinária - assim entendidos
O subprefeito - nos Municípios que o admitem - exerce funções dele- os de alienação e oneração de bens ou rendas (vendas, doação, permuta,
gadas pelo prefeito, nos limites distritais, na forma prevista na lei orgânica vinculação), os de renúncia de direitos (perdão de dívidas, isenção de tri-
local. Não é agente político, nem servidor público no sentido próprio. butos etc.) e os que acarretem encargos, obrigações ou responsabilidades

3. Principais atribuições do prefeito 17. Sobre atos administrativos vinculados e discricionários, v., do Autor, Direito
Administrativo ... , 34ª ed., 2008, Capítulos 111 e IV.
O prefeito, como chefe do Executivo local, tem atribuições políticas 18. Se o ato do prefeito for ilegal e lesivo de direito individual pode ser anulado
e administrativas típicas e próprias do cargo. 16 por ação ordinária ou mandado de segurança; se for ilegal e lesivo do patrimônio
público cabe ação popular ou ação civil pública. Para maiores esclarecimentos, v.,
16. Sobre a posição do prefeito como chefe do Executivo Municipal e suas atri- (i.Q Autor, Mandado de Segurança ... , 31ª ed., 2008. V., também, Luiz Carlos Mafra
buições, consulte-se José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, ·Çavalcanti, "Mandado de segurança impetrado contra autoridade municipal", BDM
30ª ed., 2008, pp. 644-645. 10/561, 1996.
736 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕES/RESPONSABILIDADES 737

excepcionais para o Município (empréstimos, abertura de créditos, con- Quanto aos atos e contratos administrativos que legalmente depen-
cessão de serviços de utilidade pública etc.) - o prefeito dependerá de dam de autorização da Câmara, só se tomam válidos com essa formalida-
prévia autorização da Câmara. Como tais atos constituem exceção à regra de. 2o Praticados à revelia da Edilidade, são nulos e não produzem qualquer
da livre administração do prefeito, as leis orgânicas devem enumerá-los. efeito entre as partes, ressalvando-se apenas as conseqüências reflexas que
Todo ato que não constar dessa relação é de prática exclusiva pelo pre- hajam atingido terceiros de boa-fé.
feito, e por ele pode ser realizado independentemente de assentimento da O prefeito que praticar ato ou subscrever contrato sem autorização da
Câmara, desde que atenda às normas gerais da Administração e às forma- Câmara, quando dependa dessa formalidade, responderá individualmen-
lidades próprias de sua prática. te pelas obrigações ou prejuízos que ocasionar, porque o ato ou contrato
Advirta-se, ainda, que para atividades próprias e privativas da função nulo, por contrário à lei, não vincula a Administração, ainda que praticado
executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e por autoridade competente. Mas se deles resultar proveito para a Admi-
movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes nistração, com a realização de obras e serviços ou fornecimento de mate-
à chefia do governo local não pode a Câmara condicioná-las à sua apro- riais, deverão ser pagos a quem os fez, por não ser lícito ao Poder Público
vação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administra- locupletar-se à custa alheia. Neste caso o pagamento não resultará do ato
tiva, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerroga- ou contrato nulo, mas sim da obrigação natural de indenizar a vantagem
tivas do prefeito. 19 auferida.
Feitas essas considerações de ordem geral, vejamos as principais atri-
19. STF, RT 182/466. Muitas vezes o Legislativo invade órbita da competência buições do prefeito, no desempenho do governo local.
do Executivo, adentrando área tipicamente da função administrativa do chefe do Exe-
cutivo, provendo situações concretas e impondo ao prefeito a adoção de medidas es-
pecíficas de execução, da sua exclusiva competência e atribuição. O Plenário do TJSP 3.1 Representação do Município
tem verberado essa interferência, por afronta ao princípio da independência e harmonia
dos Poderes (RJTJSP 111/466-468 e 107/389), e proclamado a inconstitucionalidade O Município, quer como pessoa jurídica de direito público (CC, art.
de leis municipais, de iniciativa da Câmara, entre outras, que: 1) dizem respeito ao 41, IH), quer como entidade político-administrativa integrante da orga-
regime jurídico dos servidores públicos municipais (ADIn 12.240-0, reI. Des. Ney nização e do território do Estado-membro, atua por intermédio de seu
Almada, j. 6.3.1991, v.u.; ADIn 12.420-0, reI. Des. Torres de Carvalho, j. 17.4.1991, agente executivo, que é o prefeito. Este, como chefe da Administração
v.u.; ADIn 12.580-0, reI. Des. Ney Almada,j. 29.5.1991, v.u.; ADIn 12.518-0, reI. Des.
Silva Leme, j. 21.8.1991, v.u.; ADIn 12.416-0, reI. Des. Francis Davis, j. 14.8.1991, local, representa-o sob o tríplice aspecto jurídico (judicial e extrajudicial),
v.u.; ADln 12.117-0, reI. Des. Bourroul Ribeiro, j. 10.4.1991, V.u.; JTJ 155/269 e administrativo e social. Nenhuma outra pessoa ou órgão tem qualidade
156/286; ADln 57.022-0/2, reI. Des. Fonseca Tavares, j. 16.2.2000, v.u., Boletim da para a representação do Município, salvo seus procuradores. Nem mesmo
AASP 2.206/372); 2) estabelecem para unidades de serviços de saúde do Município a a Câmara de Vereadores, por qualquer de seus membros ou em conjunto,
obrigação de expedir, a pedido de quem detenha interesse justificado, atestado médico
de atendimento (ADln 12.636-0, reI. Des. Oliveira Costa,j. 19.6.1991, v.u.); 3) fazem
poderá substituir. o prefeito como representante do Município. 21
depender da aprovação da Câmara a publicidade de atos, programas e obras da Admi- Na sua ampla atividade jurídico-administrativa, a Municipalidade faz-
nistração Pública Municipal (ADln 13.866-0, reI. Des. Oliveira Costa, j. 12.2.1992, se presente para adquirir bens ou direitos, assim como para contrair dívidas
V.u.; ADln 11.704-0, reI. Des. Oliveira Costa,j. 28.8.1991, V.u.; JTJ 136/411); 4) criam ou obrigações, por intermédio do prefeito. Em qualquer ato civil ou admi-
órgãos e secretarias e estabelecem funções na Administração Pública Municipal (JTJ
138/387; ADIn 98.760-0/0, reI. Des. Ruy Camilo,j. 1.7.2003, v.u.; ADln 103.182-0/0, nistrativo a assinatura do chefe do Executivo local vincula o Município
reI. Des. Denser de Sá, j. 17.3.2004, v.u.); 5) estabelecem caber à Câmara autorizar
desapropriação ou declaração de utilidade ou necessidade pública para fim de desapro- e 155/273); 7) concedem isenção de pagamento para estacionamento em "zona azul"
priação (ADln 11.894-0, reI. Des. Mariz de Oliveira, j. 8.5.1991, V.u.; ADln 11.881-0, (JTJ 190/280), e de taxa de licença para o comércio ambulante (ADIn 106.079-0/2, reI.
;·,,1. De.>. TorTes de Carvalho, j. 6.3.1991, v.u.); 6) concedem gratuidade, auxílio-trans- Des. Olavo Silveira, j. 17.3.2004, v.u.); 8) estabelecem a política do Município para
porte, fixam ou alteram tarifas nos transportes coletivos urbanos (ADln 12.039-0, reI. atendimento da criança e do adolescente (JTJ 196/276), o planejamento de execução
Des. Marino Falcão, j. 3.4.1991, v.u.; ADln 12.265-0, reI. Des. Torres de Carvalho, de obras e serviços públicos (JTJ 160/283) e programa de prevenção de acidentes no
j. 11.9.1991, v.u.; ADln 12.584-0, reI. Des. Lair Loureiro, j. 11.9.1991, v.u.; ADIn trabalho para obras de construção civil no município (ADIn 106.011-0/3, reI. Des.
12.904-0, reI. Des. Weiss de Andrade, j. 16.10.1991, m.v.; ADln 12.905-0, reI. Des. Paulo Franco,j. 10.3.2004, v.u.).
Oliveira Costa, j. 9.10.1991, v.u.; ADln 12.826-0, reI. Des. Silva Leme,j. 23.10.1991, 20. TJSP, RT 275/517 e 306/175.
v.u.; ADln 110.950-0/2, reI Des. Silveira Netto,j. 9.3.2005, V.u.; JTJ 135/377, 154/263 21. TJSP, RDA 52/326, RT247/221.
738 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 739

como credor ou devedor da prestação objetivada. Mesmo nos atos ou con- Sob O aspecto social é também o prefeito o único e legítimo repre-
tratos alienativos ou de renúncia, desde que autorizado legalmente, bastará sentante do Município, quer nas suas relações com os munícipes, quer
a intervenção do prefeito para o valimento da obrigação assumida. Não nos contatos com pessoas e entidades estranhas à comunidade legal. Daí
há confundir, entretanto, a capacidade legal de representar o Município sua precedência protocolar sobre qualquer outra autoridade municipal, só
com a exigência da autorização legislativa prévia para a prática de certos cedendo lugar às federais e estaduais de categoria igualou mais elevada.
atos administrativos, tais como o contraimento de empréstimo, a alienação Mas é de se esclarecer que não há subordinação hierárquica do prefeito a
de bens patrimoniais do Município, o perdão de dívidas e outros mais. A qualquer autoridade federal ou estadual. Precedência protocolar não se
representação jurídica do Município caberá sempre e sempre ao prefeito confunde com subordinação funcional. A precedência protocolar - em so-
mas a legalidade de certos atos exige, em determinados casos, prévia auto~ lenidades ou recepções oficiais - baseia-se em considerações de ordem
rização da Câmara, segundo o disposto na lei orgânica do Município. social e em motivos de tradição e civilidade. Nada tem que ver com a hie-
O CPC (Lei 5.869, de 1973) declara que o Município será represen- rarquia administrativa, a qual só existe entre componentes de um mesmo
tado em juízo, ativa e passivamente, por seu prefeito ou procurador (art. órgão ou poder; nunca entre representantes de poderes ou órgãos diversos
12, lI); e o Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994) considera incompatível a e independentes. Assim, entre as autoridades ou representantes das dife-
Advocacia, mesmo em causa própria, com o cargo de chefe do Executi- rentes entidades estatais não há hierarquia administrativa, mas há ordem
vo Municipal (art. 28, I). Sempre sustentamos - e ora reiteramos - que de precedência protocolar, a ser observada nas solenidades e atos públi-
essa vedação não atinge a defesa judicial do Município, pelo seu prefeito, cos, nos quais as autoridades federais precedem às estaduais e estas às
quando a Prefeitura não disponha de procurador em seu quadro funcional municipais de igual categoria, como estabelece expressamente o Decreto
e o chefe do Executivo seja advogado habilitado, ou ocorra a hipótese do federal 70.274, de 9.3.1972, que dispõe sobre cerimonial público e ordem
art. 36 do mesmo Código. O que se veda ao prefeito é o exercício da Ad- de precedência das autoridades.
vocacia profissional ou mesmo em defesa de seus interesses particulares.
Ao representante do Município - prefeito ou procurador judicial - não se 3.2 Sanção, promulgação, publicação e veto de leis
exige procuração adjudicia porque a representação, decorrendo de precei-
Na feitura da lei deve tomar parte não só a Câmara de Vereadores
to legal, dispensa qualquer outro instrumento além do título de nomeação,
como, também, o prefeito. A participação do Legislativo manifesta-se pela
"o qual não há necessidade de ser junto aos autos por se presumir conheci-
iniciativa, discussão e aprovação do projeto (v. Capítulo XI, item 3.1.5), e
do", como dizem os processualistas. 22 Não havendo o cargo de procurador
a do chefe do Executivo pela sanção, promulgação, publicação ou veto da
do Município, mister é que o prefeito contrate um causídico legalmente
proposição que lhe é enviada após a tramitação regimental pelo plenário
habilitado a advogar; e, nesse caso, deverá outorgar-lhe procuração para
da Câmara. Vejamos, pois, esses vários atos do Executivo, necessários à
ingressar emjuízo em nome da Municipalidade. O procurador público, em
complementação do processo legislativo de formação da lei.
geral, não pode praticar em juízo os atos para os quais se exigem poderes
especiais - ou seja: confessar, transigir, desistir, receber e dar quitação e Sanção é o ato de aprovação do projeto de lei pelo Executivo. É, no
firmar compromisso (CPC, art. 38). Ainda aqui cumpre observar que para dizer de Malberg, ato volitivo do Executivo e de efeito constitutivo da lei,
desistir da ação ou da instância, bem como para transigir e finnar compro- complementando sua elaboração legislativa. 23 A sanção pode ser expressa
misso em juízo, se toma necessário autorização legislativa ao prefeito se ou tácita: é expressa quando o prefeito declara seu assentimento ao projeto
tais atos importarem renúncia de direitos, alienação de bens ou assunção de lei; é tácita quando deixa transcorrer o prazo sem opor veto à proposição
de obrigações extraordinárias para o Município. Não se pode perder de enviada pela Câmara. Após a sanção segue-se a promulgação, como está-
vista que o prefeito só tem, ordinariamente, poderes de administração, e gio sucessivo e imediato no procedimento complexo de formação da lei.
como tal lhe falece a faculdade de dispor do patrimônio municipal sem Promulgação é a declaração solene da existência da lei pelo chefe do
autorização legislativa especial. Executivo ou pelo presidente da Câmara (no caso de sanção tácita ou de
rejeição do veto), que a incorpora ao direito positivo, como norma jurídica
22. Souza Bandeira, Processo dos Feitos da Fazenda Pública, § 11; João Mon- eficaz. Desse momento em diante a lei não pode ser revogada senão por
teiro, Aplicação do Direito, p. 469; Herotides da Silva Lima, Código de Processo Civil
Brasileiro Comentado, v. I, p. 61. 23. Teoría General dei Estado, p. 358.
740 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 741

outra lei. 24 Sua vigência, entretanto, dependerá da publicação, visto que as disposições vetadas. No caso de veto parcial, deverá abranger texto
a promulgação completa apenas o processo de formação da lei. 25 A pro- integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, consoante disposto no art.
mulgação exige sempre manifestação expressa, diversamente da sanção 66, § 2º, da CF.
que pode ser tácita, isto é, presumida do transcurso do prazo sem oposiCã~ O prefeito pode vetar no todo ou em parte, inclusive projeto de sua
fonnal de veto. ' iniciativa, mesmo que a Câmara o tenha aprovado sem modificações, pois
Publicação é o ato pelo qual se dá conhecimento da nova lei aos seus o interesse público é variável e a inconstitucionalidade ou ilegalidade po-
destinatários, para que a cumpram a partir do momento fixado para sua dem não ter sido percebidas antes, mas nem por isso tais motivos deixam
vigência. A publicação, em geral, faz-se pela inserção do texto da lei no de ensejar o veto.
órgão oficial do Município; mas inexistindo jomallocal far-se-á pela afi- Como bem pondera Arruda Viana, "o veto pressupõe, necessariamen-
xação da lei na portaria da Prefeitura, em forma de edital. 26 A publicação
te, a exposição dos motivos que o justificam. Não pode o prefeito resti-
deve ser providenciada por quem promulga a lei. Segundo a LICC, se an- tuir o projeto ao Legislativo desacompanhado das razões da impugnação;
tes de entrar a lei em vigor ocorrer nova publicação de seu texto, destinada
nem a Câmara poderia pronunciar-se acerca de um ato, aprovando-o ou
a correção, o prazo para entrada em vigência começará a correr da nova
rejeitando-o, sem conhecer-lhe os fundamentos".3o
publicação (art. I º, § 3º). A publicação apenas empresta notoriedade à lei
mas sua eficácia como nonna jurídica decorre da promulgação. 27 '
Todo projeto de lei não vetado nem promulgado pelo prefeito deve
ser promulgado e publicado pelo presidente da Câmara para adquirir efi-
Veto é a oposição fonnal do Executivo ao projeto de lei aprovado pelo
cácia e entrar em vigência como lei. Assim também cabe ao presidente da
Legislativo e remetido para sanção e promulgação. Diz-se total quando
Câmara promulgar e fazer publicar a lei ou suas partes vetadas quando o
se refere ao texto inteiro do projeto, e parcial quando alude a algumas
veto for regularmente rejeitado pelo plenário.
de suas disposições. O veto é ato eminentemente político do Executivo,
razão pela qual é inatacável por via judicial e só pode ser apreciado pela As disposições de lei promulgadas e publicadas pelo presidente da
Câmara, na fonna regimentaJ.28 Segundo a tradição de nosso direito cons- Câmara em decorrência da rejeição de veto só entram em vigência e ope-
titucional, o Executivo pode vetar qualquer disposição ou o projeto na sua ram efeitos jurídicos após sua publicação, embora passem a integrar for-
totalidade por inconstitucional, ilegal ou contrário ao interesse público. A malmente a lei anteriormente sancionada, promulgada e publicada pelo
inconstitucionalidade é a colidência da proposição com a Constituição Fe- prefeito. Neste ponto não se nos afigura sustentável decisão que fez re-
deral ou a Estadual; a ilegalidade é o desrespeito a leis superiores; a con- troagir a vigência de disposições vetadas, e posteriormente promulgadas
trariedade ao interesse público apresenta-se sob múltiplos aspectos, não e publicadas, à data da publicação da lei originária, sob o fundamento de
sendo possível enunciá-los em doutrina. Cabe ao prefeito, com acuidade que tais dispositivos "formam com a lei um corpo indivisível".3l Ora, toda
político-administrativa, confrontar o projeto com os superiores reclamos lei que contenha comandos autônomos é sempre divisível, tanto assim que
da coletividade, da ordem pública, da economia municipal e da própria pode ser posta em vigência parcialmente, como pode ser revogada em
Administração, para aferir da conveniência e oportunidade de sua conver- parte. Inadmissível é, pois, que dispositivos autônomos de lei entrem em
sào em lei. O veto, sendo ato formal e expresso, não se presume pelo só vigor e operem efeitos antes de promulgados e publicados regulannente,
decurso do prazo sem promulgação da lei; o que se presume da omissão pelo só fato de serem repostos em seus primitivos lugares no texto da lei a
do Executivo é a sanção tácita. 29 Para vetar, o prefeito terá que manifestar que inicialmente acompanhavam.
por escrito sua oposição ao projeto ou a alguns de seus dispositivos, fa- Na discussão do veto não é pennitido à Câmara modificar o texto
zendo chegar à Câmara, no prazo legal, os motivos de seu desacordo com vetado, ainda que para atender a sugestões do Executivo. Se houver con-
veniência em alterar o conteúdo ou a redação originária, deverá acolher o
24. STF, RDA 25/240; TFR, RT203/616; TASP, RT230/315 e 237/447. veto e oferecer novo projeto de lei. Prática também ilegítima é a de a Câ-
25. TJSP, RDA 48/323, RT 141/138. mara considerar desacolhido o veto pelo só transcurso do prazo sem dis-
26. TASP, RT237/447 e 242/522. cussão e rejeição formal do plenário. Assim como não há veto tácito, não
27. TJSP, RT253/309.
28. STF, RDA 54/358 e 59/297, RT290/674 e 292/772. 30. O Município e a sua Lei Orgânica, p. 148.
29. STF, RF 194/141; TJDF, RDA 42/244 e 43/288. 31. STF, RT303/747.
742 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 743

há rejeição presumida do veto. Na ordem constitucional pretérita podia ha- constitui falta de técnica mas não chega a invalidar o ato quando, prove-
ver o acolhimento tácito do veto, pela omissão da Câmara em reapreciar, niente do plenário, atender à tramitação regimental respectiva.
por sua maioria qualificada, os dispositivos vetados no prazo concedido
Atos municipais é expressão genérica que abrange todas as medidas
pelo regimento ou fixado na lei orgânica. Entretanto, observamos que a
governamentais postas em vigor pela Municipalidade para prover a Ad-
partir da Constituição Federal de 1988 a deliberação sobre o veto deve-
ministração local. Nessa categoria entram decretos, resoluções,portarias,
rá ser expressa, pois o novo ordenamento jurídico não mais contempla a
instruções, despachos e demais atos administrativos inominados normal-
aprovação tácita por decurso de prazo (art. 66, § 6 Q ). A promulgação de
mente praticados pelo prefeito e excepcionalmente pela Câmara.
texto vetado sem a regular rejeição do veto pelo plenário é ilegal e passível
de invalidação judiciária, por configurar um vício insanável no processo No desempenho de sua função executiva, cabe ao prefeito traduzir em
de formação da lei. atos efatos administrativos as determinações contidas em todas as normas
legais, não só do Município como do Estado-membro e da União, que se
enderecem ao governo local. Sua função primacial é, como já acentuamos,
3.3 Execução de leis e de outras normas converter a norma legislativa genérica e abstrata em ato específico e con-
Incumbe ao prefeito, como agente executivo que é, executar e fazer creto de administração. Para esse fim dispõe ordinariamente do poder de
cumprir as leis e outras normas legais. Na execução dessas normas está regulamentar as leis municipais (e somente estas) e orientar sua execução
implícito seu poder-dever de fiscalizar e impor penas disciplinares, multas por meio de instruções, portarias, ordens de serviço e quaisquer outros
e demais sanções aos infratores ou desobedientes, bem como o de recorrer atos administrativos esclarecedores da intenção da lei.
aos meios judiciais e requisitar força pública para assegurar o cumprimen- O poder regulamentar é atributo do chefe do Executivo, e por isso
to de suas determinações legais. mesmo não fica na dependência de autorização legislativa; deriva do nosso
Leis municipais são as normas legislativas gerais, abstratas e obriga- sistema constitucional, como faculdade inerente e indispensável à chefia
tórias, aprovadas regimentalmente pela Câmara de Vereadores e postas do Executivo (CF, art. 84, IV). Assim sendo, não é necessário que cada lei
em vigor pelo prefeito, ou pelo presidente da Câmara em caso de veto do conte.nha dispositivo autorizador de sua regulamentação. Toda vez que o
Executivo rejeitado pelo plenário ou de sanção tácita. prefeito entender conveniente poderá expedir, por decreto, regulamento de
Decretos legislativos municipais são deliberações do plenário da Câ- execução, desde que não invada as chamadas reservas da lei nem contrarie
mara provendo sobre matéria administrativa ou político-administrativa de suas disposições e seu espírito. O essencial é que o regulamento não extra-
sua competência privativa mas de efeitos externos, tais como a cassação vase da lei, porque seu conteúdo há de ser o da própria norma legislativa,
de mandato do prefeito, a aprovação de atos, contratos e convênios que distendido em minúcias que só ao Executivo é dado conhecer. E se com-
dependam dessa formalidade. O decreto legislativo não é lei e, por isso, preende essa restrição, porque, na ordem hierárquica das normas, o regula-
não está sujeito a sanção do prefeito, mas tão-somente a promulgação pelo mento se encontra em plano inferior ao da lei. Não pode, por isso mesmo,
presidente da Câmara e a publicação, na forma que a lei orgânica estabele- revogá-la, modificá-la ou contrariá-la; pode apenas esclarecê-Ia. 32
cer. Todavia, rege-se pelo processo legislativo e se vincula às prescrições . . De um mod? geral, o regulamento não pode: a) criar obrigações e
regimentais para sua elaboração e validade. dlreitos não contldos na lei; b) ampliar, restringir ou modificar direitos e
Resoluções legislativas municipais são deliberações do plenário obrigações contidos na lei; c) ordenar ou proibir o que a lei não proíbe nem
destinando-se a prover matéria administrativa da competência privativa ord.ena; . d) facultar ou vedar por modo diverso do estabelecido na lei; e)
da Câmara mas de efeitos internos, tais como concessão de licença a ve- e~t~ngUlr ou anula~ obrigações ou direitos conferidos pela lei; f) criar prin-
readores; reconhecimento de direitos e vantagens, bem como aplicação ClplOS novos ou dlversos dos estabelecidos na lei; g) alterar a forma que,
de penalidades, a seus servidores; aprovação do regimento interno etc. A segundo a lei, deve revestir o ato a que ela visa; h) contrariar, por qualquer
resolução legislativa dispensa sanção do prefeito, bastando a promulgação modo, o espírito da lei.
pela presidência e a competente publicação ou comunicação direta ao des-
tinatário. Mui comumente as Câmaras Municipais confundem a resolução 32. VíctorNunes Leal, "Lei e regulamento" RDA 1/371 e 2/429· Nogueira de Sa'
"Regu1amentos de execução", in Administração 'Pública "
3/61· Carlos Medeiros Silva
com o decreto legislativo, usando indistintamente um pelo outro, o que
"O poder regulamentar e sua extensão", RDA 2 0 / 1 . ' ,
744 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 745

Leis há que no próprio texto já condicionam sua execução à expedição ingresse no Judiciário, se for titular de ação, para obter o pronunciamento
do regulamento. Nesses casos a faculdade regulamentar converte-se para o de inconstitucionalidade pelo Poder que tem competência para fazê-lo.
Executivo em dever de expedição de tal ato, para que a norma legislativa Em voto lapidar sobre a questão, o Min. Luís Gallotti sustentou no
possa ser cumprida. Em regra, entretanto, as leis são auto-executáveis, STF, com apoio unânime de seus pares, que "os Tribunais só opinam sobre
isto é, não dependem de regulamentação para serem executadas - se bem inconstitucionalidade das leis por ocasião de aplicá-las aos casos concre-
que em qualquer tempo possam ser regulamentadas, para facilidade de sua tos; cada Poder, assim, tem que contar consigo mesmo para dirimir as
compreensão e execução. questões relativas à sua competência; recusar, por conseguinte, ao Poder
O cumprimento de leis inconstitucionais tem suscitado dúvidas e per- Legislativo ou ao Executivo a faculdade de interpretar a Constituição, e
plexidades na doutrina e na jurisprudência, mas já se firmou o entendi- em virtude de sua interpretação tomar decisões, seria instalar nos dois
mento - a nosso ver, exato - de que o Executivo não é obrigado a acatar grandes motores da vida política do País ou do Estado o princípio da inér-
normas legislativas contrárias à Constituição ou a leis hierarquicamente cia e da irresponsabilidade, paralisando o seu funcionamento por um siste-
superiores. 33 ma de frenação e obstrução permanentes". E concluiu que "esses Poderes
Os Estados de Direito, como o nosso, são dominados pelo princípio da não são apenas autorizados, mas necessitados e compelidos a julgar por si
legalidade. Isto significa que a Administração e os administrados só se su- mesmos da constitucionalidade de seus atos" (MS 7.243).
bordinam à vontade da lei - mas da lei corretamente elaborada. Ora, as leis Decidindo a mesma controvérsia no âmbito local, o TJSP, pelo voto
inconstitucionais não são normas jurídicas atendíveis, pela evidente razão do ilustrado Des. Andrade Junqueira, deixou julgado que, "se o prefeito
de que colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição. municipal entende que determinada lei é inconstitucional, cabe-lhe o di-
Entre o mandamento da lei ordinária e o da Constituição deve ser atendido o reito de não executá-la; e aos particulares prejudicados com a não-execu-
desta, e não o daquela, que lhe é subordinada. Quem descumpre lei incons- ção cabe o direito de pleitearem ao Judiciário a proteção que lhes adviria
titucional não comete ilegalidade, porque está cumprindo a Constituição. da lei não executada, desde que entendam que não padece ela do vício da
Ocorre, porém, que, como os atos públicos trazem em si a presun- inconstitucionalidade".34
ção de legitimidade, não cabe ao particular negar-lhes validade por en- Quanto aos atos administrativos ilegais ou inconstitucionais, o pre-
tendimento próprio, sem que antes obtenha do Judiciário a declaração de feito deve negar-lhes execução, anulando-os o quanto antes, para restabe-
invalidade. Com a Administração, todavia, a situação é diversa, porque a lecer a ordem jurídica violada. Os atos contrários à Constituição ou à lei
presunção de legitimidade milita a favor dos atos de todos os agentes do são inoperantes e não produzem qualquer efeito jurídico entre as partes,
Poder Público. Nivelados no plano governamental, o Executivo e o Legis- tornando-se passíveis de invalidação pela própria Administração ou pelo
lativo praticam atos de igual categoria e com idêntica presunção de legiti- Poder Judiciário. Por serem atos nulos, não geram direitos, nem produ-
midade. Se assim é, não se há de negar ao chefe do Executivo a faculdade zem situações jurídicas definitivas para o beneficiário da ilegalidade ou da
de se recusar a cumprir ato legislativo inconstitucional, desde que por ato inconstitucionalídade, porque, como já decidiu o STF, "não se pode tirar
administrativo fOffilal e expresso (decreto, portaria, despacho etc.) declare conseqüências legais de atos ilegais".35
sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste.
Nessa atitude do Executivo não há rebeldia à lei, mas obediência à 3.4 Expedição de decretos 36 e outros atos administrativos
Constituição da República, que é a Lei Suprema. O essencial é que o pre-
feito, ao negar cumprimento a uma lei inconstitucional, justifique seu ato e Compete ao prefeito, como chefe do Executivo, privativamente, ex-
pedir decretos e, concorrentemente com as demais autoridades executi-
33. STF, RTJ2/386 e 3/760, RDA 76/51 e 308 e 97/116. O TJSP, transcrevendo
texto do Autor, salientou que o dever de velar pela Constituição compete também ao 34. TJSP, RT 323/341. V. também o que escrevemos no Capítulo IlI, item 4.5
Executivo, que não somente pode, como até deve, negar cumprimento à lei que con- ("Inobservância dos princípios indicados na Constituição Estadual, descumprimento
sidere inconstitucional, até que o Poder Judiciário, provocado por quem de direito, de lei, ordem ou decisão judicial").
decida a respeito (JTJ 169/119). Na doutrina, abonam essa tese: Francisco Campos, 35. RDA 51/127.
Direito Constitucional, v. I, p. 440; Caio Tácito, "Anulação de leis inconstitucionais", 36. O Plenário do TJSP pronunciou-se pela inaplicabilidade ao prefeito do dispos-
RDA 59/339; Carlos Medeiros Silva, "Leis inconstitucionais", RF 196/59. to no art. 62 da CF, relativo à adoção de medidas provisórias, assentando que, "como
746 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 747

vas, editar outros atos administrativos, tais como portarias, instruções Os decretos podem ser gerais ou individuais, regulamentares ou es-
circulares, ordens de serviço, despachos. 3? Todos esses atos expressa~ pecíficos, de execução ou autônomos. Qualquer que seja sua modalidade
conduta administrativa do Executivo, embora muitas vezes com conteúdo e objeto, são sempre da competência exclusiva e indelegável do prefeito.
normativo, como o dos decretos regulamentares e de outras manifestações por isso, os atos privativos do chefe do Executivo devem ser formalizados
de comando geral. Isto porque os atos de administração, normalmente es- em decreto, e os comuns a ele e às demais autoridades executivas expres-
pecíficos e concretos, por exceção podem conter uma certa generalidade e sam-se em outras formas administrativas. Todo decreto é ato de efeitos ex-
abstração, para complementar a normatividade da lei em execução (v., no ternOS, razão pela qual há que ser regularmente publicado para o início de
item anterior, o tópico sobre o poder regulamentar). sua operatividade. Por decreto aprovam-se regulamentos, nomeiam-se e se
demitem funcionários, abrem-se créditos adicionais, declara-se utilidade
providência excepcional em caso de urgência e relevância, não se a pode reputar pro-
cesso legislativo inserido dentre os que se inspiram nos princípios constitucionais a pública, fixam-se tarifas - enfim, praticam-se os atos de maior relevância
serem necessariamente observados pelos Municípios. A excepcionalidade da medida administrativa e se definem situações dos administrados e dos servidores,
conduz à restrição relativamente ao seu agente, ou seja, só o presidente da República desde que não sejam privativos de lei.
poderá editá-la, não o governador do Estado, ou o Município. Em caso contrário, aí,
sim, estariam burlados os princípios constitucionais, a partir do da independência e har-
Os demais atos administrativos - inferiores ao decreto - são normal-
monia dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (art. 2º da Constituição Federal). mente de efeitos internos, destinando-se a prover situações concretas ou a
Observe-se que as detenninantes de urgência e relevância no plano estadual ou muni- disciplinar a conduta de servidores no âmbito do serviço, pelo quê podem
cipal não são quase nunca as mesmas do plano federal, como as relativas ao sistema dispensar publicação desde que comunicados diretamente aos destinatá-
econômico, por exemplo, que sugerem a adoção das medidas. Seria temerário que se rios. Entretanto, os Executivos vêm utilizando indistintamente atos infe-
pudesse deixar ao arbítrio de alcaides a edição de medidas provisórias nos Municípios,
mesmo que houvesse autorização legislativa federal, estadual ou municipal. Assim, riores em lugar do decreto, numa deplorável falta de técnica na formaliza-
portanto, mesmo havendo respeitáveis pronunciamentos em contrário por parte dos ção das atividades administrativas, o que enseja até mesmo a nulidade de
comentaristas, certo está José Serra, em seu trabalho O Novo Município - Contribuição tais atos, pois quando são privativos de decreto não podem revestir outra
às Leis Orgânicas Municipais, Edições MM, São Paulo, 1989, quando adverte que 'a forma. A modalidade do ato administrativo, para formalizar a manifes-
medida provisória constitui espécie normativa da exclusiva competência do presidente
tação de vontade do Executivo, depende, portanto, da autoridade que o
da República. Sua inserção entre as espécies normativas municipais acarretará uma
inconstitucionalidade, eis que ao chefe do Executivo da União - e só a ele - foi atri- expede, da relevância do negócio jurídico e dos efeitos a serem produzidos
buída essa espécie excepcional. O texto constitucional estadual, por essa mesma razão, interna ou externamente.
não a arrola entre suas normas, em atendimento ao princípio maior da independência e
separação dos Poderes. Em atendimento, ainda, aos princípios constitucionais, nem a
ocorrência de calamidade pública - e a conseqüente abertura de crédito extraordinário
3.5 Apresentação de projetos de lei
- justificará a edição de medida provisória' (p. 35). Mesmo que assim não se entendes-
O prefeito, como chefe do Executivo local, tem competência concor-
se, e pelo menos no tocante aos prefeitos do Estado de São Paulo, não podem editar
mdidas provisórias, pois que não as previu a Constituição Paulista, nem mesmo com rente com a da Mesa, das comissões, dos vereadores e, agora, da popula-
rdclç~o ao governador" (ADIIl 11.643-0, reI. Des. Carlos Ortiz, j. 24.4.1991, v.u.). ção para a apresentação de projetos de leis (não de resoluções ou de decre-
O STF, por maioria, assentou a legitimidade do governador do Estado-membro tos legislativos) à Câmara, e em certos casos sua competência é exclusiva,
para, acompanhando o modelo federal, e desde que existente tal previsão na Constitui- como veremos adiante.
ção Estadual, expedir medidas provisórias em caso de relevância e urgência, haja vista
a inexistência no texto da Constituição Federal de 1988 de qualquer cláusula que im- O processo legislativo, ou seja, a sucessão ordenada de atos para a
plique restrição ou vedação ao poder autônomo dos Estados quanto ao uso de medidas formação das normas enumeradas na Constituição da República (art. 59),
provisórias. O Tribunal salientou, ainda, o fato de que a EC 5/1995 - ao alterar o § 2º possui contornos uniformes para todas as entidades estatais - União, Es-
do art. 25 da CF, vedando a edição de medida provisória pelos Estados relativamente tados-membros, Municípios e Distrito Federal (arts. 61-69) -, cabendo às
à exploração e concessão dos serviços locais de gás canalizado - implicitamente per-
mitiu a adoção de medidas provisórias quanto às demais hipóteses. Foi voto vencido o Constituições dos Estados e às leis orgânicas dos Municípios estabelecer,
Min. Carlos Velloso, por entender que seria necessária autorização expressa pela Cons- dentre as espécies normativas previstas, quais as adotadas pela entidade
tituição Federal de 1988 para legitimar a adoção de medidas provisórias pelo Poder estata1. 38
Executivo Estadual (ADln 425-TO, reI. Min. Maurício Corrêa, j. 4.9.2002).
37. Sobre decretos e demais atos administrativos, v., do Autor, Direito Adminis- 38. Sobre adoção de medidas provisórias pelo prefeito, v. nota de rodapé 36,
trativo ... , 34ª ed., Capítulo IV, item 4. neste capítulo.
748 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Leis de iniciativa exclusiva do prefeito são aquelas em que só a ele


cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que disponham
sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entida-
I XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUlÇÕESIRESPONSABILIDADES

gado foi superado pelo entendimento do STF no sentido de que em tais


projetos é inadmissível qualquer emenda, porque esta é corolário da ini-
ciativa; logo, onde falta o poder de iniciativa falta a competência para
749

des da Administração Pública Municipal; a criação de cargos, funções ou emendar. 43


empregos públicos na Administração direta e autárquica,39 fixação e au- Não nos parece que o Direito ampare essas atitudes radicais. A nosso
mento de sua remuneração; o regime jurídico dos servidores municipais;
sentir a razão está com os que atenuam as posições extr:emadas para admi-
e o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, os orçamentos anuais,
tir a emenda dentro dos limites da proposição do Executivo. O monopólio
créditos suplementares e especiais.
da iniciativa não exclui, por si só, o poder de emenda. A iniciativa diz res-
Nesses projetos o prefeito poderá solicitar urgência, para aprovação
peito ao impulso criador da proposição, o que não se confunde nem afasta
no prazo estabelecido na lei orgânica do Município, como poderá retirá-
a possibilidade de modificações pelo Legislativo, durante o processo de
los da Câmara antes de sua aprovação final, ou encaminhar modificações
formação da lei, desde que não desnaturem a proposta inicial. 44
das disposições do projeto original, restabelecendo, neste caso, o prazo
inicial. Se o projeto já estiver aprovado só lhe restará vetá-lo e enviar outro A exclusividade da iniciativa de certas leis destina-se a circunscrever
à consideração da Câmara. (não a anular) a discussão e votação do projeto às matérias propostas pelo
Se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses Executivo. Nessa conformidade, pode o Legislativo apresentar emendas
projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá- supressivas e restritivas, não lhe sendo permitido, porém, oferecer emen-
las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por das ampliativas, porque estas transbordam da iniciativa do Executivo.
isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo Note-se, em acréscimo, que o art. 63, I, da CF veda o aumento da despesa
não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Executivo, ressalvadas as
como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça. emendas aos projetos que dispõem sobre matéria orçamentária. Todavia,
Tal entendimento é o dominante na boa doutrina, mas os Tribunais têm mister se faz que tais emendas indiquem os recursos necessários à amplia-
hesitado sobre o assunto, ora afirmando a inconstitucionalidade desses ção da despesa, admitindo-se apenas os recursos provenientes de anulação
diplomas,4o ora validando sua eficácia sob o fundamento de que a sanção de despesa, excluídas as relativas às dotações para pessoal e seus encargos
do Executivo supre o defeito origina1. 41 e aos serviços das dívidas. Negar sumariamente o direito de emenda à
O poder de emenda nos projetos de iniciativa do Executivo tem sus- Câmara é reduzir esse órgão a mero homologador da lei proposta pelo
citado divergências doutrinárias e hesitações na jurisprudência, levando prefeito, o que nos parece incompatível com a função legislativa que lhe é
juristas e juízes a posições extremadas. Inicialmente decidiu o antigo TFR própria. Por outro lado, conceder à Câmara o poder ilimitado de emendar
que o direito de iniciativa não excluía o poder de emenda;42 mas esse jul- a proposta de iniciativa exclusiva do prefeito seria invalidar o privilégio
constitucional estabelecido em favor do Executivo.
39. A iniciativa do prefeito não atinge os cargos e funções da Câmara, que são
da exclusiva competência da corporação legislativa, através de resolução, não mais A propósito escreveu Caio Tácito: "Dentro do círculo da proposta do
sujeita a promulgação ou veto do chefe do Executivo, consoante disposto nos arts. 48, Executivo poder-se-á exercer o direito de emenda, inclusive para suprir as
51, IV, e 52, XIII, da CF. omissões ou deficiências verificadas no curso da elaboração legislativa. O
40. TJSP, RT 319/244. O Plenário do TJSP fulminou de inconstitucionalidade lei que repugna ao espírito da regra constitucional é a aceitação de que, ven-
de iniciativa reservada ao chefe do Executivo que recebeu emenda substancial, amplia- cido o obstáculo inicial da proposta do governo, possa o Legislativo mo-
tiva e modificativa, da Câmara Municipal, vindo porém a ser sancionada pelo prefeito.
Reproduzindo texto do Autor, o v. acórdão salienta que nem o fato de o prefeito haver dificá-la com absoluta liberdade de criação, transmudando-lhe o alcance
sancionado e promulgado a lei é de índole a alterar o entendimento quanto à sua radical e a substância para estabelecer situações que, explícita ou implicitamente,
inconstitucionalidade, "porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institu- não se continham na iniciativa governamental".45
cionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Le-
gislativo as exerça" (ADln 13.798-0, reI. Des. Garrigós Vinhaes,j. 11.12.1991, v.u.).
41. STF, RDA 32/305 e 61/92; TFR, RDA 48/315; TIDF, RDA 42/246, 47/240 e 43. STF, RDA 28/51, 42/240 e 47/238; TASP, RT274/748.
52/254. 44. V. nota de rodapé 87 do Capítulo XI.
42. TFR, RDA 28/71. 45. "Poder de iniciativa e poder de emenda", RDA 28/51.
750 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRlBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 751

3.6 Administração do patrimônio municipal art. 105 da Lei 4.320, de 17.3.1964, que estabelece as normas gerais de
direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços
Todo o patrimônio municipal fica sob a administração do prefeito. das entidades estatais, no que não contrariar a Constituição da República,
Por patrimônio do Município deve entender-se não só seus bens corpó- até que seja editada a nova lei federal.
reos (imóveis, móveis, semoventes), como também os incorpóreos sus-
Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, na de-
cetíveis de valor econômico ou espiritual. Nesse sentido, cabe ao prefeito
monstração das variações patrimoniais deverá ser dado destaque à origem
zelar pela conservação e regular utilização dos bens materiais da Comuna,
e ao destino dos recursos provenientes da alienação de ativos, e o Relatório
como também por seus valores históricos, artísticos e culturais.
Resumido da Execução Orçamentária, correspondente ao último bimestre
Mas, certamente, é o patrimônio material o que diz mais de perto com do exercício, deverá vir acompanhado de demonstrativo da variação patri-
a ação administrativa do prefeito, para que os bens atendam à sua destina- monial, evidenciando a alienação de ativos e a aplicação dos recursos dela
ção. Quanto a esses bens, quer sejam os de uso comum do povo - estradas, provenientes (arts. 50, VI, e 53, § 1º, lII, da LRF).
ruas e praças -, quer sejam os de uso especial - edificios e terrenos apli-
Muito comum é a falta de títulos de propriedade de imóveis do Mu-
cados a serviços municipais -, quer sejam os dominiais, ou do patrimônio
nicípio, principalmente terrenos baldios. Em tais casos pode o prefeito
disponível do Município, devem ser mantidos pelo prefeito em condições
providenciar a legalização do domínio muni.cipal por meio .d~ açã? de
de satisfazer plenamente sua finalidade.
usucapião (CC de 2002, arts. 1.238 e ss.), cUJa sentença servIra de tItulo
Nos poderes de administração não se contêm os de alienação. Admi- dominial para a transcrição no Registro Imobiliário competente. Está bem
nistrar é conservar, é manter o patrimônio administrado com todas as suas visto que só estão sujeitos a essa formalidade os imóveis do patrimônio
utilidades. A alienação é ato característico do proprietário, não do admi- disponível do Município, sendo desnecessária para os de uso comum do
nistrador. Daí a razão por que toda vez que o prefeito tiver que alienar bens povo ou de destinação especial. O título dominial é condição indispensá-
municipais há de se munir, previamente, de autorização legislativa. Assim vel para a alienação de tais bens.
também para os atos que importem renúncia de direitos, perdão de dívidas
Ainda quanto aos bens municipais, cumpre observar que o prefeito
e outros mais que se realizem com diminuição do patrimônio público. dispõe de todas as ações dominiais e dos interditos possessórios para de-
A receita de capital obtida com a alienação de bens patrimoniais mó- fender e reaver esses bens de quem injustamente os detenha (CC de 2002,
veis e imóveis não pode ser utilizada para cobrir despesas correntes (art. arts. 1.228 e ss.; CPC, arts. 920 e ss.).
44 da Lei Complementar 101, de 4.5.2000 -LRF). A única exceção ocorre Para maiores esclarecimentos, veja-se o Capítulo VI, sobre bens mu-
quanto às despesas relativas aos regimes de previdência social, geral e nicipais.
próprio dos servidores públicos, sendo necessário, neste caso, expressa
previsão legal. Tal restrição imposta por lei ao poder de administração dos
bens tem claramente o objetivo de coibir os riscos de esbanjamento e dis- 3.7 Elaboração e execução do orçamento
sipação do patrimônio público. Por sua vez, o Anexo de Metas Fiscais, que O orçamento público, com o advento da Constituição da República
integra a lei de diretrizes orçamentárias (LDO), deverá conter a evolução de 1988, foi tratado de fOlma tripartida (art. 165), compreendendo o plano
do patrimônio líquido, incluindo a dos últimos três exercícios, destacando plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais - todas, leis
a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos (art. de iniciativa exclusiva do Poder Executivo.
4º, § 2º, lII, da LRF). E a Câmara Municipal fiscalizará a destinação de
A proposta orçamentária anual, de iniciativa do prefeito, no prazo
tais recursos (art. 59, V, da LRF).
estabelecido na lei orgânica do Município, deve ser remetida à Câmara,
Para bem administrar o prefeito deve conhecer o patrimônio admi- onde se completa o processo legislativo de sua aprovação. Isto porque o
nistrado - o que evidencia a necessidade do cadastramento, ou seja, da orçamento, embora seja materialmente um ato-condição, é formalmente
perfeita identificação e relacionamento dos bens, por meio de registros uma lei,46 pois se submete, desde a proposta, a todos os ditames do pro-
e inscrição sistematizada. Isso exige um serviço cadastral e contábil que
permita, a qualquer tempo, o levantamento completo dos bens municipais 46. Lei especial que é, o orçamento não tem apenas o aspecto fo:mal de lei,
- ou, em linguagem técnica, o balanço patrimonial, na forma prevista no mas tem também conteúdo substancial, decorrente de sua função predommantemente
XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 753
752 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

cesso legislativo até a sanção, promulgação e publicação (v. Capítulo XI ceitas e o aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado. Deverá,
item 3.l.5). Deverá ser compatível com o plano plurianual, com a lei d~ por fim, pr~ev~r o percentual da rece~ta líquida a ser retido como reserva
diretrizes orçamentárias (LDO) e com as normas da Lei Complementar de contingencla, conforme estabeleCIdo na LDO, com o fim de atender a
101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF). pagamentos imprevistos, inesperados, contingentes (art. 5Q , III, "b", da
Na elaboração da proposta orçamentária deverá ser observado o teor LRF).
da EC 25, de 14.2.2000, que entrou em vigor em l.l.2001, introduzindo O Poder Executivo Municipal deverá colocar à disposição do Legis-
através do art. 29-A, restrições às despesas do Poder Legislativo Muni~ lativo e do Ministério Público, no mínimo 30 dias antes do prazo final para
cipal, de tal modo que o total da sua despesa, incluídos os subsídios dos encaminhamento de suas propostas orçamentárias, os estudos e as estima-
vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar o tivas das receitas para o exercício subseqüente, inclusive da receita conen-
Q
percentual da soma da receita tributária e das transferências aludidas nos te líquida, e as respectivas memórias de cálculo (LRF, art. 12, § 3 ).
arts. 153, § 5º-, 158 e 159 da CF, a ser definido de conformidade com a OS princípios orçamentários para a elaboração, discussão e votação
população do Município. da proposta estão expressos na Constituição da República, os quais tam-
A Constituição da República (art. 165, § 8º-) indica que a despesa pú- bém obrigam os Estados e os Municípios.
blica obedecerá à lei orçamentária anual (LOA), que não conterá dispo- São impositivos nos orçamentos públicos os princípios da anuidade,
sitivo estranho àfixação da despesa e à previsão da receita. Nessas duas unidade e universalidade, como igualmente os da legalidade,publicidade,
partes se contém todo o exercício financeiro, quer quanto aos gastos com exclusividade, distinção entre orçamento e despesas correntes e despesas
a execução dos programas e encargos comuns do exercício, quer quanto de capital, proibição de autorização para suplementar ilimitadamente,
aos ingressos para o Erário Municipal. Com essa delimitação o legislador não-vinculação do produto de arrecadação de qualquer tributo a determi-
evitou os orçamentos com disposições estranhas à sua natureza, tão do nado órgão, fundo ou despesa, limite com a despesa de pessoal, despesa
vezo das Administrações passadas. As exceções permitidas dizem respeito de capital subordinada ao plano plurianual, créditos especiais e extraor-
apenas à autorização para a abertura de créditos adicionais, operações dinários, não podendo ir além do exercício em queforam autorizados (CF,
de crédito em geral e por antecipação da receita e aplicação do saldo arts. 165 e ss.).
que houver. Não pode ser consignado crédito com finalidade imprecisa ou A LRF, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
com dotação ilimitada, nem dotação para investimento com duração supe-
responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, editada com
rior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual
amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição da República, nada
ou em lei que autorize sua inclusão, conforme disposto no § 1Q do art.
dispôs sobre as conseqüências deconentes do não-encaminhamento do
167 da CF. Deverá a proposta conter demonstrativo da compatibilidade
projeto dentro do prazo e eventuais alternativas que atenuassem a circuns-
de sua programação com os objetivos e metas do Anexo de Metas Fiscais,
tância de ficar o Município sem lei orçamentária.
integrante da LDO. O montante previsto para as receitas de operações de
crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do A lei orgânica deve estabelecer o prazo no qual o chefe do Executivo
projeto (Lei Complementar 101, de 2000 - LRF). A concessão ou am- deve enviar à Câmara o projeto da LOA, assim como prever as conse-
pliação de incentivo ou beneficio de natureza tributária das quais decona qüências deconentes do não-encaminhamento do projeto dentro do prazo,
renúncia de receita deverão estar acompanhadas de estimativa do impacto enquanto não editada lei federal complementar, com esteio no art. 165,
orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e § 9º-, da Constituição Federal (art. 24, lI, e seu § 1Q, da CF), estabelecendo
nos dois seguintes, atender ao disposto na LDO e a pelo menos uma das normas gerais sobre tais questões, permanecendo em vigor, no que couber
condições elencadas no art. 14 da LRF. Deverá, também, a proposta, vir e no que não conflitar com as disposições constitucionais vigentes e com
acompanhada de demonstrativo de como se compensarão a renúncia de re- a LRF, as disposições da Lei federal 4.320, de 17.3.1964.
A Câmara deve receber a proposta no prazo assinalado pela lei orgâni-
político-administrativa, reconhecida por doutrinadores de direito financeiro (v. Geral- i ca respectiva. Se o Executivo não enviar o projeto de lei orçamentária den-
do Vidigal, Fundamentos do Direito Financeiro, São Paulo, Ed. RT, 1973, item 544) e tro desse prazo, além de o prefeito incorrer em crime de responsabilidade,
consolidada com o advento da Constituição Federal de 1988, que lhe conferiu estrutura
nos arts. 165-169.
j por omissão (cf. art. 1Q do Decreto-lei 201, de 1967), o Município ficará
754 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 755

sem lei o.rçamentária e, co.nseqüentemente, terá que se utilizar do. recurso. A sanção e o. veto são. igualmente etapas do. pro.cesso. legislativo.. As-
previsto. para o. caso. de rejeição. do. pro.jeto. de LOA (CF, art. 166, § 8º), o.U sim, co.ncluída a vo.tação., o. pro.jeto. será remetido. ao. prefeito., que, co.nco.r-
seja, de crédito.s especiais o.U suplementares, sempre co.m prévia e especí- dando., o. sancio.nará no. prazo. da lei; caso. co.ntrário. o. vetará.
fica auto.rização. da Câmara Municipal. Permitimo.-no.s essa interpretação. A regra é que o. prefeito. sancione o. pro.jeto., mas nada o. impede de
po.rque na vigência da Co.nstituição. anterio.r tanto. a não.-apresentação. do. vetar, se o.S interesses superio.res da Administração. assim o. indicarem.
projeto. pelo. Executivo., dentro. do. prazo. legal, quanto. a rejeição. do. mesmo.
O veto. po.de ser parcial o.U total. Tanto. no. primeiro. co.mo. no. segundo.
pro.jeto. faziam co.m que se co.nsiderasse co.mo. pro.po.sta a lei o.rçamentária caso., o. prefeito. deverá fundamentar sua decisão.. Não. se aco.nselha o. veto.
vigente, aplicando.-se, para o.S do.is caso.s, o. art. 32 da Lei 4.320, de 1964, to.tal ao. projeto., dado. que a pro.po.sta geralmente é do. próprio. prefeito. e di-
po.is a Carta anterio.r não. co.ntinha dispo.sitivo. expresso. so.bre a matéria. ficilmente a Câmara po.derá intro.duzir emendas a po.nto. de desnaturar to.da
Co.ntudo., diante da atual Co.nstituição. Federal, e mais especificamen- a vo.ntade do. Executivo.. O prefeito. deve vetar só as emendas impertinen-
te do. § 8º do. seu art. 166, em que o. legislado.r co.nstituinte, admitindo. tes, o.U seja, aquelas apresentadas ao. arrepio. das no.rmas co.nstitucio.nais e
o. veto., emenda e até mesmo. a rejeição. do. projeto. de LOA, determina legais vigentes.
co.mo. so.lução. a utilização. de crédito.s especiais o.U suplementares para a Aplicam-se ao. pro.cesso. legislativo. da lei o.rçamentária, além das no.r-
o.btenção. do.s recurso.s necessário.s, sempre co.m a prévia e específica au- mas co.nstitucio.nais específicas (arts. 165 e ss.), to.das as demais do. pro-
to.rização. legislativa, é fo.rço.so. co.ncluirmo.s que também para o. caso. da cesSO. co.mum.
não.-apresentação. do. referido. pro.jeto. de lei o.rçamentária pelo. Executivo., A rejeição do projeto de lei orçamentária, que já ensejo.u larga co.n-
dentro do. prazo. legal, esse dispo.sitivo. é aplicável, revo.gado., po.r inco.mpa- tro.vérsia do.utrinária entre o.S que pro.pugnavam pela co.ntinuidade do. o.r-
tibilidade, o. art. 32 da Lei 4.320, de 1964. Isso. po.rque nas duas hipóteses çamento. anterio.r e o.S que admitiam a pro.mulgação. da pro.po.sta rejeita-
o. Município. fica sem LOA. Co.mo. já dissemo.s em capítulo.s anterio.res, o. da, está ago.ra prevista expressamente na Co.nstituição. Federal (art. 166,
Executivo. e o. Legislativo. devem envidar esfo.rço.s para que tal situação., § 8º), que, nesse caso., permite a utilização. do.s recurso.s mediante crédito.s
co.mprometedo.ra da no.rmal go.vernabilidade do. Município., não. venha a especiais co.m prévia e específica autorização. legislativa. Co.mo. se vê, a
o.co.rrer.47 A Câmara deverá aprimo.rar o. o.rçamento.-pro.po.sta, ajustando.-o. Co.nstituição. atual não. ado.to.u nem uma co.rrente nem o.utra, o.ptando. pela
às realidades eco.nômicas, financeiras, às previsões da LDO e do. plano. ausência de o.rçamento. na hipótese de rejeição. do. pro.jeto..
plurianual, co.m vistas à sua perfeita execução. no. exercício. a que se desti- Para maio.res esclarecimento.s so.bre a matéria, remetemo.s o. leito.r
na, sem desfigurar o. o.riginal. ao. capítulo. anterio.r, o.nde apreciamo.s amplamente o. pro.cesso. legislativo.
A alteração do projeto original pelo prefeito é admitida, através de (Capítulo. XI, item 3.1.5).
mensagens aditivas, enquanto. não. estiver co.ncluída a vo.tação. da propo.s- A execução do orçamento é de ser feita co.m fiel atendimento. do. que
ta inicial. As emendas da Câmara não. mais se restringem às co.n·eções ele dispõe, quer -quanto. à arrecadação., quer quanto. à despesa. Executar
fo.n1mis do. texto. do. Executivo.. A Co.nstituição. de 1988 ressalva expres- é cumprir o. determinado.. Em matéria o.rçamentária as verbas da despesa
samente, em seu art. 166, § 3º, a admissibilidade de emendas ao. pro.jeto. têm destinação. própria e específica: não. po.dem ser esto.rnadas, desvia-
de LOA, desde que co.mpatíveis co.m o. plano. plurianual e co.m a LDO e das o.u aplicadas em fins diverso.s do.s indicado.s nas respectivas rubricas,
que, no.s caso.s de aumento. de despesas, indiquem o.S recurso.s, admitido.s embo.ra lícita e necessária a no.va despesa. O desvio. de verba o.U seu em-
apenas o.S provenientes de anulação. de despesa, excluídas as que incidam prego. irregular co.nstituem crime de ação. pública previsto. e definido. no.
so.bre do.tações para pesso.al, seus encargo.s e serviço. da dívida. Decreto.-Iei 201, de 1967 (art. 1º, lU). Qualquer mo.dificação. o.rçamentária
depende de lei especial prévia, salvo. as transpo.sições de verbas dentro das
47. A Câmara Municipal de Campinas rejeitou o projeto de lei orçamentária em do.tações glo.bais, que po.dem ser feitas po.r decreto. do. Executivo., co.mo. já
28.12.1989, obrigando o prefeito municipal, durante o exercício de 1990, a administrar o. demo.nstramo.s precedentemente (Capítulo. V).
sem orçamento, através de créditos especiais, mediante prévia e específica autorização
legislativa, na forma prevista pelo art. 166, § 8º, da CF. Até 30 dias após a publicação. do.s o.rçamento.s, no.s termo.s em que
V. também, sobre a matéria: Yara Martinez de C. e Silva Stroppa, "Processo le- dispuser a LDO, o. Po.der Executivo. estabelecerá a programação. financeira
gislativo orçamentário - Rejeição pelo Legislativo" (parecer), BDM 5/292, 1992. e o. crono.grama de execução. mensal de desembo.lso. (arts. 8º e 18-20 da
.'.J
-.j

.~
756 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
i
XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 757

LRF). Nesse mesmo prazo deverá desdobrar as receitas previstas em me- A efetivação da despesa deverá atender aos três requisitos exigidos
tas bimestrais de arrecadação, com a especificação, em separado, quando pela Lei 4.320, de 1964, ou ~eja: o empenho, a l!q~idação e o pagamen-
cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação, da quantidade tO. 48 Empenho é o reconhecImento formal do debIto para com o credor,
e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como lançado na respectiva nota (arts. 58-61); liquidação é a verific~~ão do
da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança direito do credor em face dos títulos e documentos comprobatonos do
administrativa (art. 13 da LRF). Os recursos legalmente vinculados a fi- crédito (art. 63); pagamento é a entrega do numerário ao credor, mediante
nalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto quitação, na forma e condições legai~ ~arts. 62 e 64-67). A re.a~ização de
de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer despesa sem atendimento desses reqUIsItos acarreta responsabIlIdade para
o ingresso. quem a ordenou ou efetivou.
Se ao final de um bimestre for verificado que a realização da recei- Quanto à arrecadação, é de ser feita por agentes do Fisco Municipal
ta poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário e pelas repartições arrecadadoras, na conformidade do que f~r p;evisto no
ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, integrante da LDO, orçamento e nas épocas fixadas em lei, recolhendo-se a receIta a Tesoura-
deverá ser promovida, em 30 dias, limitação de empenho e movimenta- ria, para subseqüente depósito em estabelecimentos de crédito, em nome
ção financeira, excluídas da limitação as despesas relativas a obrigações do Município.
constitucionais e legais do Município, inclusive aquelas destinadas ao pa-
Constitui requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal a
gamento do serviço da dívida - tudo segundo os critérios constantes da
efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do
LDO. A providência de contingenciamento, na medida exata da queda da
Município (art. 11 da LRF).
receita, deve ser adotada por ato próprio de cada um dos Poderes Muni-
cipais, no âmbito de sua atuação. No caso de omissão do Legislativo o Todo movimento de arrecadação e pagamentos deve ser diariamente
Poder Executivo está autorizado a proceder à limitação mediante corte, escriturado na contabilidade do Município e publicado no Boletim de Cai-
proporcional, dos repasses mensais. Até o final dos meses de maio, setem- xa, em conformidade com as normas gerais de direito financeiro estabele-
bro e fevereiro o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento cidas pela legislação federal. Acerca dessa matéria não cabe ao Município
das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão legislar, podendo apenas organizar técnica e racionalmente sua contabili-
da Câmara de Vereadores, equivalente à referida no § 1º do art. 166 da CF dade dentro dos padrões impostos pela União para o controle da execução
(art. 9º da LRF). orçamentária (Lei 4.320, de 1964, arts. 75 e ss.).
Sobre adequação e compatibilidade da despesa com o plano plu- O orçamento das autarquias e empresas estatais rege-se pelos mes-
rianual, com a LDO e a LOA, sobre a criação, expansão ou aperfeiçoa- mos princípios do orçamento público e se sujeita a aprovação por decreto
mento de ação governamental que acarrete seu aumento, bem como sobre do Executivo, desde que contenha subvenção do Município. 49
a despesa total com pessoal e seus limites, ver os tópicos "Despesa", no
Capítulo V (item 4.9), e "Limites e controle de despesa com pessoal", no 3.8 Abertura de créditos
Capítulo X (item 1.2.1).
Ao prefeito cabe dar fiel execução ao orçamento, quer quanto à ar-
Na execução do orçamento, no que tange ao envio do repasse das recadação da receita, quer quanto à realização da despesa fixada. Mas si-
verbas orçamentárias para o atendimento das despesas do Legislativo Mu-
tuações há que obrigam o chefe do Executivo a recorrer a novos recursos
nicipal, o prefeito, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade,
financeiros para atender a gastos imprevistos ou excedentes da previsão
deverá atender aos limites de valor e ao prazo estabelecidos no art. 29-A,
orçamentária. Tais recursos são obtidos pelos chamados créditos adicio-
acrescido pela EC 25, de 2000, que entrou em vigor em 1.1.2001.
nais do orçamento, os quais se repartem em três espécies: créditos su-
Toda despesa não prevista no orçamento dependerá de lei autoriza- plementares, créditos especiais e créditos extraordinários (Lei 4.320, de
tiva para sua efetivação, salvo em caso de guerra, subversão interna ou 1964, art. 41).
calamidade pública (CF, art. 167, § 3º). Tais despesas serão objeto de aber-
tura de créditos adicionais, como veremos no tópico seguinte, em que são
48. v., sobre a matéria, o item "Despesa", no Capítulo V (item 4.9).
apreciadas suas características e condições legais de utilização. 49. v., do Autor, Finanças Municipais, São Paulo, Ed. RT, Capítulo V, item 11.
758 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 759

Sob essas denominações a contabilidade pública os conhece e o Di- foram abertos (que em nosso regime coincide com o ano civil). Os créditos
reito os admite, nos casos e condições expressamente previstos na Consti- especiais e extraordinários poderão exceder o exercício financeiro desde
tuição da República (art. 167, V, e § 3º). Vejamos sucintamente as caracte- que expressa disposição legal assim o autorize. O ato que abrir crédito
rísticas desses créditos e as formalidades para sua abertura e utilização. adicional indicará a importância, a espécie do mesmo e a classificação da
Os créditos suplementares são os que se destinam a reforço das dota- despesa, até onde for possível.
ções orçamentárias da despesa. São normalmente autorizados por lei es- A abertura de créditos adicionais deve ser evitada, por prejudicial à
pecial e abertos por decreto do Executivo. Mas a lei orçamentária também Administração Pública, desequilibrando o orçamento, gerando o déficit.
pode fazê-lo, consoante o permite a Constituição da República (art. 165, Por outro lado, convém lembrar que a abertura de créditos adicionais,
§ 8º). Incumbe, igualmente, à lei orçamentária anual (LOA) prever a re- mormente os suplementares, sem a indicação do recurso disponível, com
serva de contingência, a ser calculada com base na receita corrente líqui- todas as especificações identificadoras do recurso a ser utilizado, pode
da, cujos montante e forma de utilização serão fixados na lei de diretrizes constituir crime de responsabilidade, previsto no art. 1º do Decreto-lei
orçamentárias (LDO), destinando-se a atender a passivos contingentes - 201, de 1967.
obrigações incertas dependentes de condição futura - e outros riscos e Por igual, não pode o Executivo realizar estornos ou transposições
eventos que gerem despesas imprevisíveis, redução de receita ou perdas de verbas de uma rubrica específica para outra, como expediente orça-
de bens patrimoniais, afetando as contas públicas. mentário. Toda verba que se revele desnecessária por cancelamento da
Os créditos especiais destinam-se a despesas para as quais não haja despesa deve ser previamente anulada por lei, para que sua dotação possa
dotação orçamentária específica. São autorizados pela Câmara e abertos ser considerada como recurso disponível, apto a fazer face à abertura de
por decreto do Executivo. Esses créditos só se justificam quando as des- crédito para nova despesa. Além da proibição de estornos, veda ainda a
pesas imprevistas a que visam a acorrer, surgidas posteriormente à elabo- Constituição da República a abertura de créditos ilimitados, isto é, sem a
ração do orçamento, não encontrem cobertura nos recursos da reserva de fixação do quantum da sua utilização (art. 167, VII).
contingência. De outra parte, é através da utilização de créditos especiais Além desses créditos adicionais, o prefeito, para fiel execução do or-
que se tomam disponíveis os recursos que, em decorrência de veto, emen- çamento, pode realizar as chamadas operações de crédito por antecipação
da ou rejeição do projeto de LOA, ficarem sem despesas correspondentes da receita, como veremos a seguir.
(CF, art. 166, § 8º). Operações de crédito por antecipação da receita são atos praticados
Tanto a abertura de créditos suplementares como a de especiais de- pelo Executivo em qualquer mês do exercício financeiro, mas somente a
pendem da existência de recursos disponíveis para a despesa e serão prece- partir do décimo dia do seu início, para atender às insuficiências de caixa
didas de exposição justificativa. Tais recursos provirão do superávit finan- (Lei Complementar 101, de 2000 - LRF, art. 38; Lei 4.324, de 1964, art.
ceiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; do excesso 7º, lI). Para esse fim as operações de crédito mais freqüentes são os em-
de arrecadação; da anulação parcial ou total de dotações orçamentárias préstimos bancários garantidos por notas promissórias ou letras de câmbio
ou de créditos adicionais autorizados e não utilizados; ou do produto de de responsabilidade do Município.
operações autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao Poder Dependem de autorização legislativa. A Constituição da República
Executivo realizá-las. ALei 4.320, de 1964, nos §§ 2º e 3º do art. 43, diz o admite duas formas de autorização para operações de crédito por antecipa-
que se deve entender por superávit e excesso de arrecadação. ção da receita: pela própria lei orçamentária e por lei especial.
Os créditos extraordinários, somente para atender a despesas urgentes Dependem, também, de verificação pelo Ministério da Fazenda do
e imprevisíveis, como as decorrentes de guerra, subversão da ordem interna cumprimento dos correspondentes limites e condições. Para tanto, o Mu-
e calamidade pública, são abertos por decreto do Poder Executivo indepen- nicípio interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de
dentemente de autorização da Câmara, mas esta deve ter imediata ciência seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custolbenefício,
do ato (art. 167, § 3º, da CF). Descabe a adoção, pelo prefeito, de medidas o interesse econômico e social da operação e o atendimento das condições
provisórias com esteio no art. 62 da CF (v. nota 36 deste capítulo). estabelecidas no art. 32, § § 1º e 3º, e seus incisos, da Lei Complementar
Normalmente os créditos adicionais perdem a vigência ao término 101, de 4.5.2000 (LRF). Deverão, igualmente, estar preenchidas as exi-
do ano financeiro - ou seja, estão adstritos ao exercício financeiro em que gências arroladas no art. 38 da referida lei.
760 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 761

Por seu lado, a instituição financeira que contratar operação de cré- saldo global não poderá exceder a 22% da receita corrente líquida -limite,
dito com o Município - exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à este, que poderá ser elevado para 32% desde que o garantidor se ajuste às
externa - deverá exigir comprovação de que a operação atende às condi- exigências do art. 9º, I a IV (v. sobre o assunto o Capítulo V).
ções e limites estabelecidos, uma vez que a operação realizada com infra- Ao Senado Federal compete fixar, por proposta do presidente da Re-
ção do disposto na mencionada lei complementar será considerada nula pública, limites globais para as operações de crédito (CF, art. 52, VII) e
procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal' para o montante da dívida consolidada dos Municípios (CF, art. 52, VI).
vedado o pagamento de juros e demais encargos financeiros. ' Dívida consolidada oufundada, segundo define a LRF, é o montante total,
A operação de crédito por antecipação de receita estará proibida no apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação
último ano de mandato do prefeito municipal ou enquanto existir operação assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da reali-
anterior da mesma natureza não integralmente resgatada. Igualmente, não zação de operações de crédito, para amortização em prazo superior a 12
será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros meses (art. 29, I).51 Em face desse conceito, as operações de crédito por
da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica finan- antecipação da receita, desde que liquidadas no prazo legal - ou seja, até
~eira ou à que vier a esta substituir. A operação deverá ser liquidada, com o dia 10 de dezembro de cada ano -, não constituem dívidajimdada, pois
Juros e outros encargos incidentes, até o dia 10 de dezembro de cada ano. não oneram orçamento subseqüente.
Desde que liquidada nesse prazo não será computada para efeito do limite Quanto aos empréstimos, financiamentos e emissão de títulos, que
estabelecido pelo inciso III do art. 167 da CF. também integram a dívida consolidada, remetemos o leitor ao Capítulo V,
As operações de crédito por antecipação de receita realizadas pelos item 3.4, no tópico pertinente.
Municípios devem ser efetuadas mediante abertura de crédito junto à ins- A contratação de operação de crédito sem prévia autorização legisla-
tituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promo- tiva ou com inobservância de condições e-limites estabelecidos em lei ou
vido pelo Banco Central do Brasil, que manterá sistema de acompanha- em resolução do Senado Federal configura o crime do art. 359-A, introdu-
mento e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância zido no Código Penal pela Lei 10.028, de 19.10.2000. E, no caso de o pre-
dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora (art. 38, §§ feito deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação
2º-3º, da LRF). de crédito por antecipação de receita orçamentária até o encerramento do
A Resolução 43 do Senado Federal, de 21.12.2001, cujo texto foi exercício financeiro, ou captar recursos a título de antecipação de receita
consolidado em 9.4.2002, dispôs que o saldo devedor das operações de de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, in-
crédito por antecipação de receita orçamentária não poderá exceder, no correrá nos crimes de responsabilidade previstos nos incisos XIX e XXI
exercício em que estiver sendo apurado, a 7% da receita corrente líquida. do art. 1º do Decreto-lei 201, de 1967.
Disciplinou também as operações de crédito interno e externo dos Estados
do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias: 3.9 Arrecadação, guarda e aplicação da receita municipal
seus limites e condições de autorização, e providências correlatas. Quanto
às operações de crédito interno e externo, a referida resolução estabeleceu Ao prefeito, como chefe do Executivo local, compete superintender a
que o montante global das operações realizadas em um exercício financei- arrecadação, guarda e aplicação da receita municipal. Lembre-se que re-
ro não poderá ser superior a 16% da receita corrente líquida e , também ,
que o comprometimento anual com amortizações, juros e demais encargos a finalidade de financiar projetos de investimento para a melhoria da administração das
da dívida consolidada, inclusive relativos a valores a desembolsar de ope- receitas e da gestão fiscal, financeira e patrimonial, no âmbito de programa proposto
rações de crédito já contratadas e a contratar, não poderá exceder a 11,5% pelo Poder Executivo Federal; e, também as contratadas no âmbito do Programa Na-
daquela receita. 50 Quanto à concessão de garantias, estabeleceu que seu cional de Iluminação Pública Eficiente - Reluz, estabelecido com base na Lei 9.991,
de 24.7.2000.
51. V nota de rodapé 108, do Capítulo XI, sobre a Resolução 40 do Senado
~o: A Resolução 19/2003, do Senado Federal, excluiu desses limites as operações Federal, de 20.12.2001, que dispôs sobre os limites globais para o montante da dívida
de credito contratadas pelos Estados e pelos Municípios com a União organismos pública consolidada e da dívida pública mobiliária. V, também, sobre o assunto, o

1
multilaterais de crédito ou instituições oficiais federais de crédito ou de fomento, com Capítulo V
762 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITIJRA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 763

ceita e renda têm significado diverso e inconfundível, como já o demons_ mudança de orientação administrativa que importe supressão de despesas
tramos no Capítulo V (item 1.2, "Receita pública e rendas municipais"). já fixadas no orçamento. Em tais hipóteses impõe-se nova autorização da
Receita é, na definição clássica de Dídimo da Veiga, "o conjunto de Câmara, através de lei modificativa da realização da despesa, a pedido do
recursos que o Estado aufere de todas as suas fontes produtivas, para fazer prefeito.
face às despesas públicas"; ao passo que rendas são somente os recursos A guarda dos dinheiros da Prefeitura é de responsabilidade do pre-
oriundos da arrecadação dos tributos e da exploração dos bens patrimo- feito, que deverá promover seu depósito em estabelecimento bancário ofi-
niais da entidade pública. Assim, o conceito de receita é mais amplo que cial, a fim de que permaneça sob garantia estatal. As contas bancárias só
o de rendas, abrangendo a totalidade de recursos que passam a integrar o poderão ser regularmente abertas e movimentadas em nome da Prefeitura
patrimônio público. ou das repartições a que se destinem; nunca, porém, em nome do prefeito,
Segundo a Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei de Responsabili- de funcionário ou de terceiros, visto que a movimentação dos dinheiros
dade Fiscal- LRF), constituem requisitos essenciais da responsabilidade públicos só deve ser feita pelo chefe do Executivo ou pelo auxiliar res-
na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os ponsável pelo Erário (secretário das finanças ou tesoureiro), sempre com
tributos da competência constitucional do Município (art. 11). autorização do prefeito. O prefeito deverá regulamentar minuciosamente
O prefeito administra não só as rendas municipais como os demais a forma de arrecadação, guarda e recolhimento dos dinheiros municipais,
recursos que compõem a receita local, quer provenham de fontes próprias bem como o limite de provisão a ser mantida em caixa, a fim de evitar
quer de origem estranha ao Município, tais como os auxílios financeiro~ desvios e peculatos, na maioria dos casos oriundos da desídia dos respon-
da União e do Estado-membro. sáveis por sua guarda e aplicação.
A arrecadação dos recursos financeiros tem em mira diretamente as Outras cautelas podem e devem ser tomadas pelo Município e ado-
rendas previstas no orçamento, que é o instrumento legal que estima a tadas pelo prefeito com relação aos funcionários incumbidos da arre-
receita e fixa a despesa, conferindo ao prefeito o poder-dever de executar cadação, guarda do numerário e efetivação de pagamentos, tais como a
suas disposições independentemente de qualquer outra autorização legis- exigência de caução, em montante razoável a ser fixado em lei ou em
lativa. decreto do Executivo, comprovantes de idoneidade, prova da inexistência
Sem que conste do orçamento nenhum imposto poderá ser arreca- de antecedentes criminais e o mais que puder acautelar a movimentação e
dado, e se o for padecerá de inconstitucionalidade. Neste ponto é de se emprego dos dinheiros municipais, pelos quais o chefe do Executivo pode
relembrar que a cobrança de qualquer tributo municipal dependerá sem- ser responsabilizado, solidária ou subsidiariamente com os que lidam com
pre desses dois requisitos constitucionais: uma lei que o institua antes do o numerário.
exercício financeiro em que vai ser arrecadado e sua inclusão no quadro A apropriação de rendas públicas por funcionário responsável por sua
da receita orçamentária. O gênero tributo abrange as espécies impostos, guarda ou emprego constitui o crime de peculato, defmido no art. 312 do
taxas e contribuições, mas não alcança as tarifas (preços públicos), nem CP. Esse crime tanto pode assumir a modalidade dolosa (quando o funcio-
os preços semiprivados, ainda que pertencentes ao Município - como, por nário se apodera conscientemente do bem público) como a forma culposa
exemplo, o produto da venda de um terreno público ou de veículos inser- (quando o funcionário possibilita o crime por negligência, imprudência ou
víveis da Prefeitura. imperícia na sua guarda ou fiscalização - CP, art. 312, § 2º). Se a apro-
A aplicação da receita compete igualmente ao prefeito, em estrita priação ou desvio de bens ou rendas públicas forem feitos pelo prefeito,
observância do disposto no orçamento. Toda verba pública tem destinação incidirá no crime de responsabilidade, previsto no inciso I do art. 1º do
orçamentária certa, e não poderá ser empregada em qualquer outro paga- Decreto-lei 201, de 1967. É de se esclarecer, ainda, que a existência do
mento sem que seu responsável incorra no crime de desvio de verba. Toda crime e seu julgamento judicial não dependem do julgamento das contas,
vez que o prefeito desejar utilizar verbas específicas em fins diversos dos bastando a mora na restituição dos dinheiros ou valores extraviados, ou
indicados no orçamento terá que obter prévia autorização da Câmara. Isso que essa restituição seja negada ou impossíveI.52
ocorre mui freqüentemente quando há dispensa de funcionários, parali-
sação de obras e serviços no decorrer do exercício financeiro ou simples 52. STF, RDA 26/149.
764 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 765

3.10 Execução de obras e serviços plano como estab~lecidos pela organiz~ção".5~ O comando admi~istrativo
As atribuições do prefeito, como administrador-chefe do Município, realiza-se por melO de regulamentos, lllstruçoes, orde~s de S~~IÇO e de-
concentram-se basicamente nestas três atividades: planejamento, organi- mais determinações administrativas do chefe. No âmbito mUlllclpal todas
essas atribuições se enfeixam nas mãos do prefeito, que exerce o comando
zação e direção de serviços e obras da Municipalidade. Para tanto, dispõe
de poderes correspondentes de comando, de coordenação e de controle de único da Administração local. Evidente é que, embora colocado no ápice
todos os empreendimentos da Prefeitura. 53 da pirâmide administrativa, não pode superintender ~e.ssoalm~n.te todas ~s
obras e serviços públicos do Município, mas os admllllstra e dmge atraves
Vejamos o significado e a extensão dessas atribuições e seus deriva- dos chefes de repartições diretamente subordinados ao seu gabinete.
dos.
Coordenar é interligar os vários serviços, de modo a que as atividades
Planejar significa idealizar realizações, analisando, prevendo e pon- de cada um convirjam para os objetivos assinalados no plano geral. A co-
derando os elementos necessários à sua econômica e eficiente execução, ordenação é o trabalho de harmonização das equipes administrativas. Sem
dentro do esquema geral da Administração. A idéia de planificação en- um chefe que, conhecendo o plano geral, ajuste a atividade individual dos
volve a de integração, de correlação, entre as obras e serviços de uma servidores, ou das equipes de servidores, aos objetivos do plano de traba-
mesma Administração. Nenhum administrador público deve prescindir lho não se pode esperar eficiência e produtividade. O prefeito d~ve não só
de planejamento para suas realizações. A execução de obras e serviços comandar, como também coordenar a atividade de seus subordmados, de
esparsos, dispersos, divorciados de um plano geral de governo, é sempre modo a evitar conflitos e duplicidade de serviços para a consecução de um
inconveniente, pela ausência de ligação com as realizações passadas e pela mesmo empreendimento.
falta de previsão para o futuro. O planejamento, portanto, deve preceder a
toda atividade executiva, iniciando-se pela coleta e interpretação de dados Controlar é assegurar-se da fiel execução das ordens expedidas. O
e informações que orientem o desenvolvimento do plano até sua completa controle é uma função permanente da administração, e importa não só
estmturação, de modo a satisfazer não somente as necessidades presentes, a verificação do cumprimento das determinações superiores, como - e
mas - e sobretudo - as exigências do porvir. Planejar é, em última análise, principalmente - a tomada de contas dos subordinados. O sistema de con-
prever para prover, com o mínimo de dispêndio de recursos e o máximo trole exige uma rede de fiscalização, com base hierárquica, que asse~e a
de aproveitamento para a coletividade administrada. contínua chegada de informações sobre os serviços ao chefe do ExecutIvo
e leve, de retomo, suas instmções aos subalternos.
Organizar é distribuir funções, atividades e responsabilidades a todos
os componentes da entidade administrativa, de modo a que os trabalhos se Para o desempenho dessas árduas e complexas atribuições insistimos
realizem com rapidez, eficiência e economia. Por outras palavras, é definir em que o prefeito dispõe de poderes e autoridade bastantes, com~ agente
as tarefas específicas dos funcionários e servidores administrativos, esta- político que é, incumbido da chefia da Administraç~o .lo~al. DIspõe do
belecer as linhas mestras de suas inter-relações e determinar os limites da poder hierárquico, do poder regulamentar, do poder dIscIpllllar e do poder
autoridade de cada um. de polícia, que lhe asseguram a faculdade de expedir ~rdens ~ ~od.os os
funcionários da Prefeitura; de regulamentar todas as leIS mUlllclpals; de
Dirigir é superintender e orientar. É indicar aos subordinados as for- aplicar penalidades disciplinares aos seus funcionários; e de reprimir todas
mas mais eficientes e econômicas de realização dos trabalhos empreendi- as atividades anti-sociais dos munícipes, que atentem contra a segurança,
dos. A atividade diretiva requer visão, conhecimento exato dos objetivos a a saúde, a moralidade e o bem-estar da coletividade.
atingir e capacidade de superar os óbices naturais e os fatores imprevistos
que constituem o imponderável de toda previsão humana. A atividade de Na chefia do Executivo Municipal a missão do prefeito é realizar, e
direção importa a de comando, coordenação e controle. não apenas planejar. Sua função precípua é converter a vontade abstra-
ta e genérica da lei em atos concretos e particulares de administração. A
Comandar é expedir ordens e determinações que conduzam os su-
propósito, cabe recordar a advertência de Story de que "o governo é uma
bordinados ao objetivo previsto no plano administrativo. No dizer de
coisa prática, instituída para a felicidade do gênero humano e não para
Fayol, "comandar é levar a que se realizem os serviços definidos pelo
54. "The administrative theory in the State", in Papers on the Science ofAdmi-
53. Sobre obras e serviços locais, v. o Capítulo VII. nistration, p. 115.
766 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XIl- PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 767

proporcionar planos irrealizáveis de políticos visionários. A tarefa dos que A execução das obras e serviços públicos quando contratada pelo
são chamados a exercê-lo é dispor, providenciar, decidir, realizar - e não Município com terceiros em regra depende de licitação, sob a modalidade
somente idealizar e debater".55 de concorrência, tomada de preços ou convite, conforme o valor do con-
A execução das obras e serviços públicos municipais está sujeita, trato, segundo os limites estabelecidos pela lei local ou, na sua falta, em
portanto, em toda sua plenitude, à direção do prefeito, sem interferência percentual dos limites fixados pela Lei 8.666, de 1993, alterada pelas Leis
da Câmara, tanto no que se refere às atividades internas das repartições da federais 8.883, de 1994, e 9.648, de 1998. 57 O prefeito que firmar contra-
Prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos) quanto às atividades exter- to sem licitação, nos casos em que é exigida, toma-se responsável pela
nas (obras e serviços públicos) que o Município realiza e põe à disposição ilegalidade cometida, podendo incidir até mesmo no crime previsto no
Decreto-lei 201, de 1967 (art. l Q , XI). E também nos crimes previstos na
da coletividade. 56
Lei de Licitações (arts. 89-90), sem prejuízo das sanções previstas na Lei
As obras e serviços públicos municipais tanto podem ser executados 8.429, de 1992 (atos de improbidade contra a Administração Pública).
diretamente pelos órgãos centralizados da Prefeitura como descentrali-
Para não repetir a matéria, remetemos o leitor ao Capítulo VII, sobre
zadamente por autarquias, fundações criadas pelo Município, empresas
serviços e obras, que abrange também as compras a serem feitas para o
estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista) ou, ainda, por
Município bem como a alienação de seus bens disponíveis. 58
delegados do Poder Público (concessionários, permissionários, autoriza-
tários) e, finalmente, por particulares contratados para sua execução. Em A supervisão do prefeito estende-se não só aos trabalhos afetos à Pre-
qualquer hipótese, porém, a superintendência, fiscalização e controle da feitura, como, ainda, à parte financeira de todas as atividades do Executivo
execução dessas obras e serviços cabem ao prefeito, que para isso dispõe que envolvam receita ou despesa, velando por sua regularidade e conta-
de poderes bastantes para exigir a observância das leis, regulamentos e bilização.
contratos que rejam a matéria, bem assim para rescindir concessões e de- A contabilidade municipal permanece, assim, sob a direção do prefei-
mais ajustes, aplicando penalidades aos infratores dos dispositivos legais to, como qualquer outro serviço ou atividade a cargo do Executivo local.
ou das cláusulas contratuais que disponham acerca da realização da obra Claro é que há de ser feita por contador habilitado, mas a responsabilidade
ou a respeito da prestação do serviço público ou de utilidade pública. por sua eficiência e exatidão recai sobre o prefeito, que dispõe de poderes
para controlar o modo e forma por que está sendo feita. Na sua execu-
Nesse particular, o prefeito não deve perder de vista que o Municí-
ção deverá atender ao prescrito pela Lei Complementar 101, de 4.5.2000
pio é, por excelência, uma entidade prestadora de serviços públicos aos (Lei de Responsabilidade Fiscal- LRF), especialmente o constante do art.
munícipes, e que serviço público ou de utilidade pública é serviço para o 50, cuidando para que: I - a disponibilidade de caixa conste de registro
público, vale dizer, destinado a satisfazer as necessidades da coletividade, próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa
e não interesses privados de funcionários, de particulares ou de grupos pri- obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada·
vilegiados de cidadãos. Os serviços públicos devem ser postos à disposi- 11 - a despesa e a-assunção de compromisso sejam registradas segundo ~
ção de todos os munícipes como criados destes - public servants, no dizer regime de competência, apurando-se, em caráter complementar, o resul-
de Glaeser -, para que os atendam com presteza, eficiência, regularidade, tado dos fluxos financeiros pelo regime de caixa; III - as demonstrações
continuidade e modicidade nos preços. contábeis compreendam, isolada e conjuntamente, as transações e opera-
ções de cada órgão, fundo ou entidade da Administração direta, autárquica
55. Commentaries on the Constitution ofthe United States, 5ª ed., v. I, § 456. e fundacional, inclusive empresa estatal dependente; IV - as receitas e
56. O Plenário do TJSP proclamou a inconstitucionalidade de lei municipal que despesas previdenciárias sejam apresentadas em demonstrativos financei-
não estabelece nonnas genéricas de administração, mas impõe ao Executivo a obriga- ros e orçamentários específicos; V - as operações de crédito, as inscrições
ção concreta de expedir, através de unidades de serviços de saúde, atestados médicos
de atendimento a todo cidadão que justifique interesse. Anotou o v. acórdão que a em Restos a Pagar e as demais formas de financiamento ou assunção de
expedição de atestados médicos relativos ao atendimento de pacientes nas repartições
municipais que prestam serviços de saúde é providência concreta, de caráter adminis- 57. v., no Capítulo VII, item 4.2.10.3, "Licitação".
trativo, a ser adotada no expediente nonnal das mencionadas unidades de atendimento 58. v., do Autor, Licitação e Contrato Administrativo, 14ª ed., São Paulo, Ma-
médico, de confonnidade com os atos de organização e direção, próprios das funções lheiros Editores, 2007, que trata especificamente da matéria, e também Direito Admi-
do chefe do Executivo (ADln 12.636-0, reI. Des. Oliveira Costa,j. 19.6.1991, v.u.). nistrativo ... , 34ª ed., Capítulo V, sobre contratos administrativos e licitação.
768 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 769

compromissos junto a terceiros sejam escrituradas de modo a evidenciar reito ato de desapropriação de imóvel urbano expedido sem o atendimento
o montante e a variação da dívida pública no período, detalhando, pelo do disposto no § 3 Q do art. 182 da CF ou prévio depósito judicial do valor
menos, a natureza e o tipo de credor; VI - a demonstração das variações da indenização.
patrimoniais destaque a origem e o destino dos recursos provenientes da O decreto que declarar a desapropriação por utilidade pública caduca
alienação de ativos. apóS cinco anos de sua publicação (Decreto-lei 3.365, de 1941, art. 10),
As demais normas de contabilidade pública devem ser atendidas, bem e o que o fizer por interesse social perde sua eficácia após dois anos (Lei
como as regras da Lei federal 4.320, de 17.3.1964, que estahlÍ normas ge- 4.132, de 1962, art. 3 Q), só podendo ser renovados, em qualquer hipótese,
rais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e ba- depois de um ano da decadência.
lanços dos Municípios, normas que devem ser adaptadas às significativas A Lei 10.257, de 10.7.2001, denominada Estatuto da Cidade, regu-
alterações da Constituição de 1988 (arts. 163-169) e aos novos preceitos lamentando os arts. 182-183 da CF, estabelece normas de ordem pública
daLRF. e interesse social, bem como diretrizes de política urbana, para ordenar o
Em nossos dias a técnica contábil é indissociável de toda Adminis- uso da propriedade. Dispõe que lei municipal poderá determinar o par-
tração, porque com seus dados o administrador controla o movimento de celamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não
caixa e as disponibilidades financeiras. Nesse sentido, a LRF estabelece edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os
que a Administração Pública manterá sistema de custos que permita a ava- prazos para implementação da referida obrigação (art. 5Q). Não cumpridas
liação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimo- as condições e os prazos, o Município aplicará o IPTU progressivo no
nial (art. 50, § 3 Q ). tempo, mediante a majoração da alíquota (art. 7Q). Decorridos cinco anos
de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido
3.11 Decretação de desapropriações a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá
proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida
Ao prefeito cabe realizar as desapropriações necessárias ao Municí- pública (art. 8Q ).
pio, nos termos da legislação federal que as rege - ou seja, o Decreto-lei
Convém ainda assinalar que o prefeito só poderá decretar desapro-
3.365, de 21.6.1941, complementado pela Lei 4.132, de 10.9.1962, que
priações de bens situados dentro do território municipal. Se houver ne-
dispõe sobre expropriações por interesse social. Excepcionalmente poderá
cessidade de desapropriação de bens em mais de um Município caberá
a Câmara fazer a declaração expropriatória por lei, mas não poderá nunca
ao Estado-membro realizá-la, e se de bens situados em mais de um Esta-
executá-la, porque isto é ato de administração, privativo do Executivo. 59
do-membro passará a competência para a União. As entidades superiores
O decreto expropriatório deverá identificar o bem, indicar seu des- (União e Estados-membros) podem desapropriar bens do Município, mas
tino, apontar o dispositivo legal em que se enquadra a desapropriação este não pode expropriar os daquelas entidades estatais ou de outro Muni-
e nomear o expropriado e o destinatário do bem, que tanto pode ser o cípio. 60 Surgindo tal oportunidade, a solução é o acordo da Comuna com o
próprio Município como suas autarquias, entidades estatais, paraestatais Estado-membro ou com a União, em forma administrativa. 61
ou concessionários de serviços públicos locais. O que não se permite é a
desapropriação para particulares, salvo a transferência de áreas para lo-
calização de indústria em núcleo industrial, com projeto de urbanização 60. O § 2º do art. 2º do Decreto-lei 3.365, de 1941, estabeleceu a possibilida-
de de desapropriação de bens públicos, determinando, entretanto, que se observe a
devidamente aprovado por lei para que se enquadre no permissivo legal hierarquia existente entre as entidades políticas, de modo que só as maiores poderão
federal (Decreto-lei 3.365, de 1941, art. 5Q , "i"). expropriar bens pertencentes às menores. Quanto a um Município expropriar bem de
Declarada a desapropriação, o destinatário poderá promovê-la amigá- outro Município, embora o dispositivo legal nada disponha, a impossibilidade de de-
sapropriação de tal natureza resulta da posição de absoluta igualdade em que se acham
velou judicialmente, pagando a indenização devida. A Lei Complementar
os Municípios na escala hierárquica fixada pela Carta Magna, não importando a loca-
101, de 4.5.2000 (LRF), estabelece em seu art. 46 que é nulo de pleno di- lização territorial do bem (cf. José Carlos de Moraes Salles, A Desapropriação à Luz
da Doutrina e da Jurisprudência, 3ª ed., pp. 122-125).
59. Sobre desapropriações, v. o citado Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capí- 61. Parecer do Ministério da Viação e Obras Públicas, in RDA 40/436, e, no mes-
tulo IX, item 2. mo sentido: Eurico Sodré, A Desapropriação, pp. 116 e ss.
~
..."p,t".
~1·~
,
770 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 771

Não nos alongaremos acerca do assunto por já o termos apreciado Se o prefeito não apresentar suas contas na época própria62 caberá
detidamente ao cuidar das formas de execução dos serviços públicos, para à Câmara constituir comissão de vereadores para tomá-las e promover a
onde remetemos o leitor (Capítulo VII). responsabilização cabível pelas irregularidades encontradas. Mas se apre-
sentadas deficientemente só lhe caberá rejeitá-las, não podendo pedir ou-
tra prestação.
3.12 Prestação de contas e relatório da administração
A prestação de contas dos diversos fundos de participação do Muni-
O prefeito tem o dever de prestar contas de sua gestão financeira e cípio é feita diretamente aos órgãos de que provêm e ao TCU, na forma
orçamentária anual à Câmara, bem como de relatar sua administração ao das resoluções que disciplinam a matéria.
término de cada exercício e ao final de seu mandato. Quanto ao relatório da administração, não está sujeito a aprovação
A prestação de contas evidenciará o desempenho da arrecadação em ou rejeição pela Câmara. Tem ele o caráter de uma exposição de planos
relação à previsão, destacando as providências adotadas no âmbito da fis- de governo e de trabalhos realizados pelo prefeito. É mais um ato político
calização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação que administrativo, destinado a esclarecer os vereadores e os munícipes
de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais a respeito das realizações do exercício passado e das metas para o futu-
medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições (art. 58 ro. O relatório é, assim, peça distinta da prestação de contas, mas deve
da Lei Complementar 101, de 2000 - LRF). O chefe do Poder Executivo, acompanhá-la como elemento informativo e esclarecedor da legitimidade
ao prestar contas, deverá incluir, em separado, as contas do presidente do da arrecadação e dos gastos do Executivo.
Legislativo (art. 56 da LRF). O Município, através do prefeito, deve encaminhar suas contas ao Po-
der Executivo da União (com cópia para o Poder Executivo do respectivo
A Constituição da República impõe o controle externo da gestão fi-
Estado), até 30 de abril de cada ano, para que o mesmo possa promover
nanceira e orçamentária do prefeito pela Câmara, com auxílio do Tribu-
e divulgar, até o dia 30 de junho, a consolidação nacional e por esfera de
nal de Contas do Estado ou órgão equivalente, e o controle interno pelo
governo das contas dos entes da Federação relativas ao exercício anterior,
próprio Executivo, na forma que forem instituídos em lei (art. 31). A atual
nos termos do art. 51 da LRF. O descumprimento desse prazo impedirá,
Constituição veda a criação de tribunais, conselhos ou órgãos de contas
até que a situação seja regularizada, que o Município receba transferências
municipais (art. 31, § 4º), ressalvando os existentes (art. 31, § 1º).
voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao refi-
As contas devem ser apresentadas em forma contábil, com a indica- nanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária (art. 51, § 2º).
ção de todos os documentos comprobatórios que as acompanham. Feita Sob pena de imposição de iguais sanções, o Relatório Resumido da
a remessa ao Tribunal de Contas ou órgão equivalente, elas volverão à Execução Orçamentária, referido no § 3º do art. 165 da CF, deverá ser pu-
Câmara com parecer pela aprovação ou pela rejeição. Esse parecer só blicado pelo Poder Executivo Municipal até 30 dias após o encerramento
poderá ser validamente contrariado pelo voto mínimo de dois terços dos de cada bimestre; abrangendo a Câmara de Vereadores, e será composto
membros da Câmara (art. 31, § 2º), tomando-se, então,julgamento defi- de: I - balanço orçamentário, que especificará, por categoria econômica:
nitivo e incontrastável por qualquer outro órgão ou Poder, salvo quanto a a) as receitas por fonte, informando as realizadas e a realizar, bem como a
crimes em que tenha incidido o prefeito, que são da competência exclusiva previsão atualizada; b) as despesas por grupo de natureza, discriminando
do Judiciário, independentemente de qualquer pronunciamento da Edili- a dotação para o exercício, a despesa liquidada e o saldo; II - demons-
dade (Decreto-lei 201, de 1967, art. 1º). trativos da execução: a) das receitas, por categoria econômica e fonte,
O controle da execução orçamentária compreenderá a legalidade, le- especificando a previsão inicial, a previsão atualizada para o exercício,
gitimidade e economicidade dos atos de arrecadação da receita e de rea- a receita realizada no bimestre, a realizada no exercício e a previsão a
lização da despesa; a aplicação das subvenções e renúncia de receitas; realizar; b) das despesas, por categoria econômica e grupo de natureza da
a fidelidade funcional dos responsáveis por bens e valores públicos; e o despesa, discriminando dotação inicial, dotação para o exercício, despesas
cumprimento do programa de trabalho, expresso em termos monetários empenhada e liquidada, no bimestre e no exercício; c) das despesas, por
e de realização de obras e serviços (art. 70, caput, da CF; Lei 4.320, de
1964, art. 75). 62. STJ, REsp 122.648-GO, DJU 15.9.1997, p. 44.405.
772 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 773

função e subfunção. Os valores referentes ao refinanciamento da dívida quando para isso for convocado. A disposição coaduna-se com nosso sis-
mobiliária deverão constar destacadamente nas receitas de operações de tema constitucional, de lineamentos democráticos e satisfação dos agentes
crédito e nas despesas com amortização da dívida (art. 52 da LRF). O do Executivo aos representantes do povo, nas corporações legislativas.
Relatório deverá, também, vir acompanhado dos demonstrativos e justifi- Não só deverá o prefeito atender à convocação da Edilidade, mas poderá
cativas constantes do art. 53 da mencionada lei. também solicitar seja recebido em plenário quando julgar dever informá-
Ao final de cada quadrimestre, o Relatório de Gestão Fiscal, previsto lo de providências administrativas, projetos de sua autoria e quaisquer atos
no art. 54 do mesmo estatuto legal, deverá ser apresentado e assinado, em de sua administração sobre os quais os vereadores não estejam convenien-
forma padronizada, pelo chefe do Poder Executivo, conjuntamente com temente esclarecidos.
as autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo controle A presença do prefeito na Câmara não se traduz em invasão de atri-
interno, bem como por outras definidas por ato próprio daquele Poder. O buições, nem em ingerência do Executivo no Legislativo local, nem em
Relatório será publicado até 30 dias após o encerramento do período a que subordinação daquele a este. É, antes, manifestação concreta da harmonia
corresponder, com amplo acesso ao público, inclusive por meio eletrôni- e independência que devem reinar entre os órgãos do governo municipal,
co, e deverá conter o comparativo em face dos limites legais quanto aos como, de resto, entre os Poderes de Estado (CF, art. 2º). Além disso, o dever
montantes: a) da despesa total com pessoal, distinguindo a com inativos de prestar contas é indissociável dos agentes da Administração Pública.
e pensionistas; b) das dívidas consolidada e mobiliária; c) da concessão
A convocação do prefeito é de ser feita pela Câmara com prazo ra-
de garantias; d) das operações de crédito, inclusive por antecipação de
zoável e especificação dos assuntos sobre os quais a Edilidade deseja in-
receita; e) das despesas com juros, diante do limite estabelecido na lei de
formações, visto que o chefe do Executivo comparece a plenário não para
diretrizes orçamentárias (LDO). Se ultrapassados quaisquer dos limites o
relatar sua administração em geral, mas para ministrar esclarecimentos so-
Relatório deverá indicar as medidas corretivas adotadas ou a adotar.
bre a matéria que constar da convocação. Se a Câmara não indicar prévia
O Relatório correspondente ao último quadrimestre deverá exibir e claramente os pontos sobre os quais quer informações pessoais entende-
demonstrativos: a) do montante das disponibilidades de caixa em 31 de mos que o prefeito pode se recusar a atender à convocação, sem se tomar
dezembro; b) da inscrição, em Restos a Pagar, das despesas aludidas no passível de qualquer sanção.
inciso 1Il, "b", do art. 55 da LRF; c) da efetiva liquidação das operações de
crédito por antecipação de receita até o dia 10 de dezembro e do cumpri- Se a lei orgânica for omissa a respeito do comparecimento do prefei-
mento da proibição de realizá-las no último ano de mandato do prefeito. A to à Câmara não nos parece que ele fique sujeito a essa obrigação, uma
não-apresentação do Relatório de Gestão Fiscal no prazo da lei implicará vez que, como é sabido, "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
a incidência das mesmas sanções já acima aludidas. Além destas, a Lei alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5º, II). Embora seja dever
10.028, de 19.10.2000, configura a omissão como infração administrativa, genérico de todo administrador prestar contas de sua gestão, o compareci-
punível com multa de 30% dos vencimentos anuais do agente que lhe der mento do prefeito à Câmara é ato que exige lei a respeito.
causa, incumbindo ao Tribunal de Contas o respectivo processo e julga- Comparecendo à Câmara, o prefeito limitar-se-á a informá-la sobre
mento (art. 5º, I, e seus §§ }º e 2º). atos de sua administração, sem intervir nas deliberações do plenário ou
Quanto às despesas da Câmara, constarão de prestação de contas à da Mesa ou nos debates que se estabelecerem entre os vereadores. Pode-
parte, mas deverá ser enviada ao Tribunal de Contas juntamente com a rá, entretanto, debater as questões a respeito das quais foram formuladas
do prefeito, como também as das entidades autônomas do Município (au- indagações, visando sempre a esclarecer seus atos ou a justificar suas pro-
tarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e posições. Não nos parece que caiba ao prefeito opinar sobre proposições
serviços sociais autônomos). da própria Câmara em curso no plenário. Para isso dispõe ele do poder de
veto sobre os projetos que lhe parecerem inconstitucionais, inconvenien-
tes ou contrários ao interesse público.
3.13 Comparecimento e informações à Câmara
Nos Municípios que tiverem secretários municipais sobre estes é que
Algumas leis orgânicas impõem ao prefeito o dever de pessoalmente I deve recair a obrigatoriedade de comparecer à Câmara para esclarecimen-
comparecer perante a Câmara de Vereadores para prestar esclarecimentos, tos sobre assuntos das respectivas Pastas, e não mais sobre o prefeito, pois,

J
774 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 775

sendo os secretários agentes políticos do governo local (e não funcioná- Não será válida a convocação de sessão extraordinária pela imprensa
rios), atuam com responsabilidade própria na área de suas secretarias, e ou por edital, pois, tratando-se de chamamento excepcional, há que ser
por isso devem ser convocados pela Câmara em lugar do chefe do Execu- feito pessoalmente a cada vereador, pelos meios ao alcance do presidente
tivo. Diante dessa realidade, a Lei Orgânica do Município de São Paulo, ou do próprio prefeito. O essencial é que os membros da Câmara sejam
de 4.4.1990, estabeleceu sobre a obrigação dos secretários municipais de cientificados a tempo de comparecer à sessão para a votação da matéria
comparecer à Câmara ou às comissões quando convocados (arts. 14, IX, e indicada na convocação.
32, § 2º, IV), ficando o prefeito, neste caso, dispensado dessa obrigação.
As informações escritas à Câmara, solicitadas e aprovadas regimen- 3.15 Imposição de penalidades administrativas
talmente, devem ser prestadas pessoalmente pelo prefeito, sendo indelegá-
vel tal atribuição a secretário ou funcionário municipal. Essas informações Competindo ao prefeito dar execução às leis, atos e contratos muni-
só são atendíveis quando feitas com clareza e precisão sobre determinados cipais, cabe-lhe, conseqüentemente, aplicar as respectivas sanções admi-
aspectos da administração, e não sobre a conduta geral do prefeito, com nistrativas aos infratores e promover a cobrança das multas que se con-
mero propósito de intimidar o chefe do Executivo e seus auxiliares na verterem em dívida ativa do Município. As sanções administrativas tanto
execução de obras e serviços públicos. podem importar interdições de direitos (fechamento de estabelecimento,
cassação de alvarás etc.) como penas pecuniárias estabelecidas em lei, re-
3.14 Convocação extraordinária da Câmara gulamento ou contrato.
Tais penalidades podem atingir os munícipes como cidadãos (infra-
As leis orgânicas dos Municípios normalmente atribuem competên- ções à lei e regulamentos locais), os contratantes, concessionários, permis-
cia ao prefeito para a convocação extraordinária da Câmara; mas mesmo sionários e autorizatários da execução de obras e serviços públicos ou de
que omitam essa atribuição pode o chefe do Executivo exercê-la para a utilidade pública municipal (infrações negociais) e os servidores públicos
votação de matéria urgente e de interesse público. da Prefeitura (infrações disciplinares).63
Diante da atual sistemática constitucional do processo legislativo, que A imposição dessas penalidades é atribuição do prefeito, que para
permite ao chefe do Executivo enviar projetos de lei com prazo de urgên- isso dispõe de poder discricionário, para a escolha da sanção adequada e
cia para sua aprovação, alguns intérpretes têm entendido que o prefeito só das condições de sua aplicação, dentro dos limites facultados em lei, regu-
poderá convocar extraordinariamente a Câmara durante seu recesso. Não lamento ou contrato, após a verificação da infração em processo adminis-
pensamos assim, pois a convocação pode destinar-se a antecipar sessões trativo regular. Essa função poderá, entretanto, ser cometida a chefes de
ordinárias muito espaçadas - o que é comum nos pequenos Municípios - serviço, ficando o prefeito como instância final, para decisão dos recursos
ou a deliberar sobre atos ou contratos sujeitos a autorização ou aprovação hierárquicos, na forma que a lei municipal estabelecer.
da Câmara, mas não sob a forma de lei. Em tais casos, se a matéria é urgen-
te e de interesse público, cabe ao prefeito convocar sessões extraordinárias A escolha da pena, dentro das alternativas possíveis, e sua graduação,
para sua votação, independentemente das sessões ordinárias regimentais e a nosso ver, são faculdades exclusivas da alçada administrativa, não sendo
de estar ou não a Câmara em funcionamento ou em recesso. permitido ao Judiciário modificá-las sob o argumento de injustiça, bran-
dura ou excesso de rigor administrativo. Mas o prefeito não poderá aplicar
A convocação extraordinária deverá ser dirigida ao presidente da Câ-
penalidade não prevista em instrumento legal ou regulamentar expedido
mara, que se incumbirá de transmiti-la aos vereadores com a antecedência
antes da ocorrência da infração, como também não poderá exceder seus li-
necessária ao comparecimento. Tal cautela é relevante, porque a ausência
mites ou impô-la em condições diversas do estabelecido pelo Município.
a um determinado número de sessões poderá acarretar a extinção do man-
dato, se assim dispuser a lei orgânica local. Mas se o presidente se omitir Não há confundir a multa penal, prevista unicamente nas leis fede-
na comunicação aos edis poderá o prefeito fazê-la diretamente, indicando- rais, porque só a União pode legislar sobre direito penal (CF, art. 22, I),
lhes o dia, local, hora e matéria da sessão. A previsão da punição e da for- com a multa administrativa ou contratual por infração de leis, contratos
ma de convocação a partir da Constituição de 1988 deve ser disciplinada
pelo Município, através de lei. 63. Note-se que os servidores da Câmara devem ser punidos pela Mesa diretora,
que administra seus serviços e seu pessoal.
776 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 777

e atos negociais do Município. Quanto à multa penal só o Judiciário pode ção fiscal, só sendo aplicáveis em tais processos suas disposições gerais, e
impô-la ao infrator, em processo crime; mas quanto à multa administrativa em caráter subsidiário. 66 Esta norma visou a agilizar o processo de execu-
de qualquer natureza - legal ou contratual - cabe sempre ao Executivo ção judicial da dívida ativa e reforçar os poderes do Fisco, mas desigualou
local torná-la efetiva e providenciar sua cobrança. processualmente as partes, raiando pela inconstitucionalidade.
Como as multas administrativas não têm caráter criminal, transmi- Constituem dívida ativa tanto a tributária como a não-tributária, e
tem-se do infrator a seus herdeiros e sucessores, e tanto atingem as pessoas nela se incluem correção monetária, juros, multa de mora e demais encar-
fisicas como as pessoas jurídicas. Tais multas, no consenso da doutri na 64 gos previstos em lei ou contrato. Dentre as inovações de maior relevância
e da jurisprudência,65 correspondem a uma obrigação de natureza civil, para a execução fiscal merecem destaque: a possibilidade de citação do
equivalente ao prejuízo causado à Fazenda Pública pela infração da lei, executado pelo correio, com aviso de recebimento (art. 2 2, § 22); a ces-
do regulamento ou do contrato, e, uma vez impostas e inscritas, passam a sação da responsabilidade do devedor pela correção monetária e juros da
constituir dívida ativa do Município, cobrável amigável ou judicialmente. mora somente com o depósito em dinheiro na Caixa Econômica ou no
Quanto à relevação de tais multas, é atribuição também do prefeito, banco oficial do Estado (art. 92 , § 4 2 ); a avaliação no auto de penhora, feita
no uso regular do poder político de que dispõe para orientar a Adminis- por quem o lavrar (art. 13).
tração, tendo em conta os superiores interesses da coletividade. Mas não A inscrição da dívida deve ser feita após sua apuração administrativa
nos parece ser possível ao prefeito relevar multas já inscritas como dívida regular.
ativa, porque nesse caso seu perdão, em caráter geral de anistia fiscal ou
de relevação individual, dependerá de lei especial, por envolver renúncia Desde a inscrição não poderá o prefeito cancelar a dívida, visto que
de crédito do Município. tal ato é definitivo para a Administração - portanto, insuscetível de revo-
gação. Ademais, a inscrição integra a dívida no patrimônio municipal, e
Embora caiba ao prefeito impor e fazer cobrar as multas dos con-
daí por diante sua invalidação importaria ato de renúncia, o que não é dado
cessionários e permissionários de serviços de utilidade pública locais que
ao prefeito praticar sem prévia autorização da Câmara. Por idêntica razão
desatendam às cláusulas estabelecidas, o que se observa em geral, nos
entendemos que o prefeito não pode autorizar a desistência da ação execu-
Municípios Brasileiros, é o completo descaso pelo modo de execução de
tiva ajuizada sem lei especial que o permita, porque tal desistência importa
tais serviços. Dessa incúria dos prefeitos resulta a generalizada desconsi-
deração para com os usuários, cujos direitos permanecem esquecidos. Tal renúncia de crédito do Município ou, mais propriamente, perdão de dívida
aspecto da Administração Municipal, por sua relevância e interesse públi- ativa. Pode, porém, realizar acordos antes ou depois do ajuizamento da
co, merece do chefe do Executivo melhor e mais assídua atenção. ação, para pagamento da dívida em prestações.
Uma vez inscrita, a dívida ativa só pode ser cancelada com autoriza-
3.16 Execução da dívida ativa ção legislativa ou por decisão judicial. A esse propósito os Tribunais têm
admitido não só o cabimento de ação ordinária anulatória da inscrição
A cobrança da dívida ativa do Município deve ser promovida pelo como, ainda, que, uma vez proposta esta, fica a Fazenda Pública inibida
prefeito, através dos procuradores da Municipalidade, independentemente de ajuizar a ação executiva para cobrança da mesma dívida enquanto não
de autorização especial da Câmara. Essa dívida tanto pode ser recebida for decidida a validade da inscrição.
amigavelmente como cobrada em juízo, por ação executiva, cujo procedi- A prescrição de qualquer dívida ativa tributária ocorre em cinco anos,
mento está regulado pela Lei 6.830, de 22.9.1980, para todas as Fazendas
contados da data de sua constituição definitiva, nos expressos termos do
Públicas e suas autarquias. Esta lei revogou o Decreto-lei 960, de 1938, e
art. 174 do CTN, e só se interrompe na forma e condições estabelecidas
as disposições específicas do Código de Processo Civil relativas à execu-
no parágrafo único desse mesmo artigo. Esse dispositivo substituiu as dis-
64. Girola, "Sanzioni penali e sanzioni amministrative", Rivista di Diritto Pub-
posições pertinentes do antigo Código Civil de 1916, que tanta confusão
blico 21/439, Parte I; Adelmar Ferreira, Natureza da Multa no Sistema Fiscal Brasilei- causaram no passado.
ro, 1949; J. H. Meirelles Teixeira, Estudos de Direito Administrativo, v. I, p. 179.
65. STF, in Direito 30/299; TFR, in Revista de Direito Fiscal 20/343; TJSP, RT 66. Além da Lei 6.830, de 22.9.1980, continuam disciplinando a dívida ativa o
119/243. Código Tributário Nacional e a Lei 4.320, de 17.3.1964.
~.'."

778 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO


'1
XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 779

Embora estejamos cuidando das dívidas ativas, convém se diga que Com o advento da EC 19, de 1998, que deu novo conteúdo ao art. 39,
também as dívidas passivas - ou seja, os débitos do Município para com caput, e alterou a redação do art. 206, V, restou suprimida a obrigatorie-
terceiros - prescrevem em cinco anos, quaisquer que sejam sua origem e dade de um regime jurídico único, permitindo-se que Prefeitura e Câmara
seu valor, consoante dispõem o Decreto 20.910, de 1932, e o Decreto-lei Municipal organizem seus servidores segundo os parâmetros atualmente
4.597, de 1942, extensivos até às autarquias. constantes da Constituição Federal, especialmente nos arts. 37-41. Quanto
A cobrança da dívida ativa municipal é geralmente descuidada pelas aos servidores da Câmara, são dirigidos pela Mesa, mas sujeitos a parida-
Administrações locais, que estimulam, assim, a impontualidade dos con- de com os da Prefeitura. A única diferença é que pertencem a quadros dis-
tribuintes no recolhimento de seus débitos fiscais, debilitando cada vez tintos e incomunicáveis, sujeitos a duas autoridades diferentes: o prefeito
mais a arrecadação da receita, como tem sido assinalado pelos mais autori- e a Mesa diretora.
zados financistas ao reclamarem maior atenção dos prefeitos para questão Ambos os quadros - da Prefeitura e da Câmara - só podem ser cria-
de tal relevância. dos por lei e com as mesmas exigências constitucionais, inclusive a da
Sensível a tais aspectos, a Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (Lei iniciativa de cada um dos chefes desses órgãos municipais.
de Responsabilidade Fiscal - LRF), determinou que, até 30 dias após a Criados os cargos da Prefeitura e fixados os vencimentos por lei, ces-
publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes sa a função do Legislativo. 68 Daí por diante os atos concretos de admi-
orçamentárias (LDO), o Poder Executivo, ao efetuar o desdobramento das nistração dos servidores transferem-se para a competência do Executivo,
receitas previstas, em metas bimestrais de arrecadação, na forma do art. 13 que os administra mediante decretos, portarias, regulamentos, instruções
daquele diploma legal, especificará, em separado, a quantidade e valores e ordens de serviço.
de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa. E por ocasião da presta- Questão da maior relevância é a que se refere à punição de servidores,
ção de contas o prefeito deverá destacar as providências adotadas quanto e por isso a ela dedicaremos algumas considerações. O poder disciplinar
às aludidas ações. integra-se na competência do prefeito, mas há de ser exercido nos justos
limites que a lei lhe confere. A punição deve ser antes de tudo legal, isto é,
3.17 Organização e direção do funcionalismo prevista em lei. O discricionarismo do chefe do Executivo limita-se à gra-
duação da pena dentro dos critérios previamente estabelecidos e à escolha
Ao prefeito, como chefe do Executivo, compete propor à Câmara a da sanção, quando mais de uma for indicada com caráter alternativo, guar-
Olganização do quadro de servidores da Prefeitura, ou seja, a criação e dado sempre o princípio da razoabilidade, também chamado de princípio
extinção de cargos, os vencimentos e vantagens, bem como nomear, pro- da proibição do excesso, abrangendo a proporcionalidade.
mover, movimentar e punir seus integrantes. Na investidura do servidor cumpre ao prefeito examinar se foram sa-
O funcionalismo municipal é organizado com atendimento das nor- tisfeitos todos os. requisitos para o ingresso na carreira e para o exercício
mas e princípios da Constituição da República (arts. 37-39), mas sem su- do cargo, sem o quê não lhe deverá dar posse. 69 O Município não pode dis-
j eição a qualquer lei estadual. 67 pensar o concurso de ingresso, nos termos em que a Constituição Federal
Além do funcionalismo estatutário, são admissíveis na Prefeitura o exige para o funcionalismo em geral (art. 37,11). Trata-se de exigência
servidores em regime especial (para serviços temporários de excepcio- constitucional para a primeira investidura, impositiva para todas as enti-
nal interesse público) e em regime trabalhista (Consolidação das Leis do dades estatais. 70
Trabalho). Todos esses ficam sob a direção do prefeito nas suas relações
68. TJSP, RT 242/323.
funcionais com a Prefeitura.
69. TJDF, RDA 39/14l.
A Constituição de 1988 havia instituído o regime jurídico único para 70. Cf., do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo Vil, item 3. O art.
os servidores públicos - regime, esse, que na grande maioria dos Estados 37, 11, da CF, ao abolir a expressão primeira, constante da Constituição anterior, tomou
e Municípios Brasileiros não chegou a ser adotado. obrigatório o concurso para o ingresso em carreira diversa daquela em que o servidor
se acha e para a qual submeteu-se a concurso. Dentro da carreira o acesso a seus vários
degraus se faz por critérios internos de seleção, constantes do estatuto. Nesse sentido:
67. V. o Capítulo X, sobre servidores municipais. STF, RTJ 144/24.
780 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

o provimento de cargos e a movimentação de servidores dentro dos


quadros administrativos, já instituídos por lei, são atribuições privativas
do chefe do Executivo. A propósito, proclamou o TJSP que "o poder de
r XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES

Sendo a representação um direito constitucional assegurado a quem


781

quer que seja, qualquer indivíduo pode exercê-lo p~ra~ de~unciar .irregula-
ridades e abusos administrativos ou reclamar provIdencIas legaIS de seu
reorganizar os próprios serviços é inerente ao de administrar e somente interesse, em petição endereçada à autoridade competente. Para conhecer
a Administração Pública sabe como, quando e em que forma deve fazê- e despachar tais petições, quando referentes a assuntos administrativos da
10".71 Para tanto o prefeito pode lotar e relotar servidores e removê-los, no alçada do Município, a competência é do prefeito. Despachar não quer
interesse da Administração, para cargos de igual natureza, sem se deter dizer atender à providência pleiteada, mas sim manifestar-se sobre ela em
diante de preferências e suscetibilidades dos servidores. O interesse públi- forma oficial, que permita a interposição dos recursos cabíveis ou a toma-
co está acima dos interesses particulares do servidor. da de providências subseqüentes pelo interessado. A falta de despacho ou
de providências por parte do prefeito poderá acarretar responsabilidades
pessoais e para o Município uma vez que dessa inação do chefe do Execu-
3.18 Despacho do expediente
tivo resultem prejuízos diretos e patrimoniais ao particular.
Ao prefeito compete despachar, com presteza, o expediente que lhe
é enéaminhado, sobre todos os assuntos administrativos do Município. Da 3.19 Publicação dos atos oficiais
sua competência excluem-se, naturalmente, as matérias dependentes de
solução legislativa da Câmara de Vereadores, que tem expediente próprio Incumbe ao prefeito dar publicidade não só às leis municipais, mas a
sujeito a despacho de seu presidente, como também as questões que exijam todos os atos oficiais da Prefeitura de interesse dos munícipes, e tais são os
decisão judiciária, da competência estadual, embora referentes a assuntos decretos, as portarias, as resoluções, os despachos que contenha~ disposi-
locais, uma vez que o Município não dispõe de órgão judiciário próprio. ções de caráter externo, bem como o orçamento, as tabelas de tnb~tos, os
Todos os atos municipais e o andamento dos processos internos da lançamentos de cada exercício e, mensalmente, o balancete da receIta e da
Prefeitura são de responsabilidade do prefeito, embora nem sempre de- despesa e a relação dos pagamentos efetuados.
pendam de seus despachos pessoais, pois que podem estar afetos a seus As normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
subordinados. Mas incumbe ao prefeito velar pela normal tramitação do gestão fiscal, estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF,~2
expediente de suas repartições e promover as decisões administrativas em asseguram a transparência (art. 48) através dos planos, orçamentos e leIS
prazos razoáveis, quando não estiverem fixados por norma legal ou regu- de diretrizes orçamentárias; das prestações de contas e respectivo parecer
lamentar. prévio; do Relatório Resumido da Execução Orçamentária e do Relató-
O rápido andamento dos processos nem sempre é observado nas re- rio de Gestão Fiscal, bem como das versões simplificadas desses do~u­
partições públicas, emperradas, geralmente, por excesso de burocracia e mentos, aos quais deverá ser dada ampla divulgação, inclusive por melOS
de formalidades que dificultam a tramitação dos papéis e a solução dos ca- eletrônicos de acesso público. Nessa linha estão também as audiências
sos administrativos mais simples. A racionalização dos serviços internos, a públicas, realizadas com incentivo à participação popular, durante os pro-
dispensa de formalidades inúteis e a fixação de prazos para a manifestação cessos de elaboração e discussão dos planos, da LDO e dos orçamentos
dos órgãos técnicos são providências ao alcance do prefeito e que pode- (art. 48, parágrafo único).
riam melhorar sobremodo o expediente das Prefeituras. Entre as diretrizes gerais adotadas pelo Estatuto da Cidade (Lei
Quanto à publicidade dos despachos, é de ser feita por notificação 10.257, de 10.7.2001) está a que estipula a audiência da população na
direta a::> interessado, nos casos de maior relevância, por publicação no formulação e execução dos projetos de desenvolvimento urbano. Trata-se,
órgão oficial ou, ainda, por afixação em lugar visível na Prefeitura, nos na expressão da lei, da gestão democrática, forma de participação popular
Municípios em que não haja jornal. O essencial é que o interessado seja e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade ~a
cientificado efetivamente do despacho dado ao caso de seu interesse, sem formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e proJe-
o quê a solução não se toma operante e atendível pelo particular. tos urbanísticos do governo municipal e nos processos de implantação de

71. TJSP, RDA 42/152; STF, RDA 30/66. 72. Lei Complementar 101, de 4.5.2000.
782 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 783

empreendimentos ou atividades, de modo a evitar e corrigir as distorções conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos
do crescimento das cidades e seus efeitos potencialmente negativos sobre concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos
o meio ambiente. Essa participação, para corresponder à intenção da lei e órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de
ao exercício da cidadania, não deve se constituir em simples formalidade julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem
ou debate estéril, sem qualquer peso ou importância na decisão a tomar como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas
pelo governo. aoS órgãos competentes. 74
Tocante às leis e decretos a publicidade é indispensável para assinalar
o início da vigência de tais atos para o público, se bem que já existam 3.20 Gestão documental e expedição de certidões
desde sua assinatura pelo chefe do Executivo local. Quanto aos demais
a providência traduz-se numa prestação de contas da Administração aos A Lei 8.159, de 8.1.1991, considera dever do Poder Público a gestão
administrados, trazendo-os informados sobre os negócios públicos. documental e a de proteção especial a documentos de arquivos, como
Casos há, também, em que do ato do Poder Público cabe recurso do instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento cien-
particular, e em tais casos a publicação toma-se condição indispensável tífico e como elementos de prova e informação. Por gestão de documentos
para a fluência dos prazos concedidos. Tratando-se de medidas de interes- entende a adoção dos procedimentos e das operações técnicas necessários
se direto e individual do particular, é conveniente a notificação direta ao à produção, tramitação, uso e arquivamento de documentos, e a conse-
interessado, como no caso de lançamento de tributos novos ou de majora- qüente avaliação sobre se devem ser eliminados ou guardados permanen-
ção dos já existentes. temente.
Os atos da Câmara de Vereadores devem ser publicados por seu pre- Defme os arquivos públicos como sendo os conjuntos de documentos
sidente, e não pelo prefeito, que se limitará a dar publicidade somente produzidos e recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos públi-
aos praticados pelo Executivo. Assim, as leis vetadas pelo prefeito e pro- cos de âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e municipal em decor-
mulgadas pelo presidente da Câmara devem ser enviadas para publicação rência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias (art. 7º).
diretamente pela Mesa. São também públicos os conjuntos de documentos produzidos e recebidos
A publicação, em regra, faz-se no órgão oficial da imprensa local. por instituições de caráter público e por entidades privadas encarregadas da
Mas, não o havendo no Município, consideram-se publicados os atos mu- gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades (art. 7º, § 1º).
nicipais pela afixação de edital em lugar acessível ao público no edificio A administração da documentação pública ou de caráter público com-
da Prefeitura. pete às instituições arquivísticas federais, estaduais, do Distrito Federal e
A publicação dos atos oficiais deve ser feita após seu registro no livro municipais (art. 17). São Arquivos Municipais o arquivo do Poder Executi-
competente, o que servirá para a expedição de certidões, quando requeri- vo e o arquivo ~o Poder Legislativo (art. 17 § 4º), cuja gestão documental
das por interessado. incumbe, respectivamente, ao prefeito e à Mesa diretora da Câmara.
A publicidade,?3 como princípio de administração pública (CF, art. É nos termos da referida lei que a Administração Pública deverá fran-
37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulga- quear a consulta aos documentos públicos (art. 5º), resguardado o direito
ção oficial de seus atos como também de propiciação de conhecimento da de indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação do
sigilo, sem prejuízo das ações penal, civil e administrativa (art. 6º).
73. A publicidade não abrange a promoção pessoal do prefeito, que, se o fizer, A Constituição da República assegura a todos a obtenção de "certi-
poderá sofrer ação popular, confonne já decidiu o TJSP (reI. Des. Felipe Ferreira, BDM dões requeridas às repartições públicas, para defesa de direitos e esclare-
12/8?2, 1996). E, no mesmo sentido, decidiu o TJSP pela condenação, em ação civil
púbhca, de prefeito que se utilizou de jornais com visível destaque ao seu nome e ima- cimento de situações" (art. 5º, XXXIV, "b").
I
gem, semp~e no primeiro plano da publicidade custeada pelos cofres públicos, tendo i
I
como mamfesta preocupação sua promoção pessoal (JTJ 202111). Nessa linha, pro- publicação infonnativa aos munícipes das realizações da Administração que se findava
clamou inconstitucionalidade de jornal semanário criado pelo Município para promo-
I (JTJ 198/20).
ção pessoal do chefe do Executivo (Ap. cível 253.437-1, São Vicente, j. 10.10.1995). 74. "A publicidade enseja ampla avaliação da atuação administrativa no plano da
Contudo, o TJSP proclamou inexistir propósito de promoção pessoal do prefeito em
I moralidade" (TJSP, Pleno,ADIn 11.281-0, reI. Des. YussefCahali,j. 2.5.1990, v.u.).

J
784 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 785

É uma garantia individual ampla e incondicionada. 75 Qualquer pessoa do Poder Público para verificar sua legitimidade e promover a anulação
poderá obter certidão de qualquer ato ou contrato administrativo, desde quando ilegal, inclusive por ação popular (CF, art. 5º, XXXIV, e Lei 4.717,
que não seja sigiloso. de 1965).
A Lei 8.159, de 1991, estabelece que todos têm direito a receber dos As certidões podem revestir qualquer forma - cópias, fotocópias, xe-
órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse co- rocópias etc. -, desde que autenticadas pela repartição expedidora, e po-
letivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas dem abranger qualquer ato - despacho, parecer, laudo técnico, ata, termo
no prazo legal, sob pena de responsabilidade. etc. - ou contrato de qualquer tipo ou natureza, desde que constantes de
Entretanto, são originariamente sigilosos os documentos cuja divul- livros ou papéis do Município, de suas autarquias, fundações, sociedades
gação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como de economia mista, empresas públicas e serviços sociais autônomos, pois
aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida todos estão abrangidos pela expressão constitucional repartições públicas,
privada, da honra e da imagem das pessoas (arts. 4º e 23, § lº). Conforme que tem sentido amplo e genérico.
o grau de sigilo, os documentos podem ser classificados em ultra-secre- A determinação para a expedição de certidão compete ao prefeito,
tos, secretos, confidenciais e reservados. Nessas categorias de sigilo, que quanto aos órgãos da Prefeitura; aos dirigentes autárquicos, fundacionais e
deverão ser obedecidas pelos órgãos públicos na classificação dos docu- das empresas estatais, quanto às suas entidades; ao presidente da Câmara,
mentos por eles produzidos (art. 23), a reprodução, o acesso e a possibi- quanto aos órgãos da Edilidade; admitindo sempre delegação a autorida-
lidade de consulta aos mesmos foram definidos e regulados pelo Decreto des ou agentes inferiores, mas com responsabilidade pelo descumprimen-
4.553, de 27.12.2002, com as alterações introduzidas pelo Decreto 5.301, to ou atraso no atendimento do preceito constitucional.
de 9.12.2004. 76 Para o cumprimento de suas regras, os órgãos públicos O não-atendimento do pedido ou a procrastinação da entrega das
custodiadores de documentos sigilosos deverão constituir Comissões Per- certidões, no prazo fixado na lei orgânica, além da responsabilização do
manentes de Acesso, que controlarão a possibilidade de consulta. A contar faltoso, ensejam sua obtenção por mandado de segurança, como tem sido
da produção dos documentos sigilosos, a restrição ao seu acesso ocorrerá reconhecido pela Justiça. 77
no prazo máximo de 30 anos, prorrogável uma única vez por igual pe-
Quanto às certidões desejadas pela Câmara, devem ser solicitadas por
ríodo, no caso dos referentes à segurança da sociedade e do Estado, e no
seu presidente ao prefeito referentemente às dos órgãos da Prefeitura, e
prazo máximo de 100 anos no caso dos referentes à honra e à imagem das
pessoas. diretamente aos dirigentes de autarquias, fundações e entidades estatais
quanto às dessas instituições autônomas.
Para obtenção da certidão basta que o requerente se identifique e de-
As certidões requisitadas pelo Judiciário, para instrução de processos,
clare o motivo do pedido (defesa de direitos ou esclarecimento de situações
devem ser atendidas nas condições e prazos fixados pelo juiz.
de interesse pessoal), independentemente do pagamento de taxas (CF, art.
5º,XXXIV).
3.21 Representação a outras autoridades
O direito individual, como é óbvio, há que ser próprio do requerente
ou de seu representado; o negócio administrativo pode ser do requerente As leis orgânicas em geral consignavam em destaque a competência
ou de terceiros, pois todos têm o direito de conhecer a atuação dos agentes do prefeito para dirigir representação escrita às autoridades federais e es-
taduais solicitando providências ou sugerindo medidas de interesse local
75. Lúcio Bittencourt, "Da concessão de certidão administrativa" RDA 11265· mas da competência de órgãos estranhos ao governo do Município. A in-
Alaim de Almeida Carneiro, "Ciência e certidão dos atos administr~tivos", RDA serção de tal atribuição dentre as de competência do chefe do Executivo
10/238, e parecer in RDA 30/403; Gonçalves de Oliveira, "Fornecimento de certidões
pelas repartições públicas", RDA 15/257; Carlos Rodrigues Nogueira, "Certidões para Municipal se nos afigura desnecessária, por já estar contida, implicita-
defesa de direito", RDA 60/27; Hésio Fernandes Pinheiro, "Sigilo administrativo", mente, no poder genérico de representar juridicamente o Município e de o
RDA 64/368; Luiz Manoel Gomes Júnior, "O direito constitucional de obter informa- administrar de modo conveniente aos interesses da coletividade local. No
ções e certidões de órgãos públicos e o crime de responsabilidade de prefeitos", RT
708/288.
77. TFR, RDA 59/228, RDPG 1/252; TJPR, RT 240/506 e 273/658; TJSP, RDA
76. v., também, o Decreto 4.703, de 3.1.2002. 18/150, RT260/275; TASP, RDA 62/184, RT263/564, 265/724 e 294/454.
786 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO T XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 787

poder de administrar entra, necessariamente, o de adotar todas as medidas com as do prefeito, uma vez que são bem diferençadas nas Constituições
de sua competência e de solicitar as de competência de outra autoridade e nas leis da União e do Estado-membro. O prefeito provê somente os
quando úteis ou indispensáveis à saúde, à segurança, ao progresso e ao interesses administrativos locais naquilo que afeta predominantemente o
bem-estar dos munícipes. Município; as autoridades federais e estaduais são incumbidas de prover
Assim, é dever do prefeito comunicar às autoridades federais e es- situações de interesse predominantemente nacional ou estadual, tais como
taduais fato, ato ou conduta irregular de funcionários ou autoridades que as que entendem com a manutenção da ordem pública, com a saúde públi-
estejam embaraçando ou prejudicando a Administração local, ou contra- ca no âmbito regional ou nacional, com o bem-estar social da Nação, com
riando os legítimos interesses municipais, sugerindo e solicitando a pro- a conjuntura política e econômica nacional, com a ordem jurídica, com a
vidência que julgar conveniente. O chefe do Executivo Municipal, como justiça etc.
responsável pelo bom andamento dos negócios locais e pela satisfação Extravasando desse âmbito, para invadir a competência municipal,
das necessidades coletivas da comunidade, em nome da qual administra, pode e deve o prefeito representar contra tais autoridades ou funcionários,
é a autoridade categorizada para pleitear junto às demais do Estado ou da ou mesmo repelir o ato invasor, por via judicial.
União a adoção de medidas e providências que venham ao encontro das
justas aspirações dos munícipes ou que sejam necessárias à complementa- 3.22 Execução de atribuições delegadas
ção de seu plano de governo.
À representação do prefeito pode juntar-se também a da Câmara, e A União e o Estado-membro podem delegar certas atribuições ao pre-
convém sempre que se associem na defesa dos interesses locais, realizan- feito, compatíveis com o cargo e que, embora federais ou estaduais, se
do o ideal constitucional da harmonia e independência dos Poderes, toda desenvolvam no Município. Desde que tais funções não absorvam de tal
vez que se fizer necessária a confluência de esforços em prol do êxito de sorte o prefeito que venham a prejudicar suas naturais atribuições locais,
qualquer empreendimento que vise ao bem público municipal. não vemos inconveniente nessas delegações por serem traspassadas de um
Desfrutando o prefeito de independência política e administrativa em agente executivo a outro. O que desejamos assinalar é que tais atribuições
relação aos Poderes da União ou dos Estados-membros, poderá dirigir-se não pertencem ao Município, nem cabem originariamente ao prefeito,
diretamente a qualquer autoridade federal ou estadual, sem formalismo como chefe do Executivo Municipal. A ele são outorgadas por delega-
hierárquico, uma vez que, no desempenho das atribuições governamentais ção da União ou do Estado-membro, que a todo tempo poderão retirá-las,
do Município, não está subordinado a qualquer representante do Executi- suprimi-las ou transferi-las a outro executor.
vo, do Legislativo ou do Judiciário. Quanto ao Judiciário, o prefeito deve Entretanto, o prefeito, como chefe do Executivo Municipal, não tem
obediência às determinações expedidas pelos juízes em decisões que lhe obrigação constitucional alguma de aceitar tais delegações, podendo rece-
imponham obrigações, como representante do Município ou como sim- bê-las, por espírito de colaboração com as autoridades delegantes federais
ples cidadão. ou estaduais, ou·recusá-Ias antes e durante sua execução, se considerá-las
As autoridades e funcionários estranhos ao Município também não prejudiciais ao exercício de seu cargo ou aos interesses do Município.
têm sujeição hierárquica ao prefeito nem lhe devem obediência pessoal no No desempenho dessas atribuições o prefeito serve às autoridades su-
desempenho de suas atribuições, mas se sujeitam às leis, decretos e demais periores federais e estaduais, expressamente designadas nas respectivas
atos da competência municipal, como cidadãos que são, sempre submissos leis, não dispondo de sua natural autonomia administrativa, visto que as
às normas legais. exerce segundo as instruções do poder delegante. Por igual, não cabe à
Nenhuma autoridade com exercício no Município poderá esquecer Câmara intervir ou legislar a respeito de tais assuntos, por inteiramente
que o chefe do governo local é o prefeito, e a ele é que compete dispor alheios à sua competência.
sobre tudo quanto respeite ao peculiar interesse da comunidade e do ter- Nos atos praticados por delegação o prefeito responderá sempre como
ritório confiado à sua administração. Nesse assunto sua competência é agente federal ou estadual, conforme seja o poder delegante.
plena e afasta a das demais autoridades federais e estaduais que exerçam O foro competente para os procedimentos judiciais resultantes de atos
funções no território municipal. As funções das autoridades federais e es- delegados é o do delegante. Assim sendo, para os atos delegados pelo go-
taduais com sede ou jurisdição no Município não podem entrechocar-se verno federal o prefeito responderá ou acionará perante as Varas da Justiça
788 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Federal, na Capital do Estado ou no Município, onde houver; e para as


delegações estaduais, perante os respectivos juízos privativos.
T XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES

Ilegal se nos afigura a atribuição que certas leis orgânicas dão a auto-
ridades municipais de lavrar auto de prisão em flagrante. Tal matéria é de
789

direito processual, e, portanto, insuscetível de regulamentação por lei es-


3.23 Requisição de força policial tadual ou municipal. Só a União tem competência para legislar a respeito
(CF, art. 22, I), como já legislou exaustivamente, dando-nos o Código de
As ordens e determinações legais do prefeito devem ser cumpridas Processo Penal, que prescreve as formalidades do auto e indica as autori-
por seus subordinados e respeitadas pelos munícipes. Quando resistidas dades competentes para lavrá-lo (autoridades policiais e judiciárias). Não
por particulares admitem o emprego da força pública do Estado para ga- há confundir o ato da prisão em flagrante (da competência de "qualquer
rantir s~a execução. Para esse fim, e dentro da competência do Município, do povo") com o auto da prisão (da competência exclusiva das autoridades
o prefeIto pode requisitar a força policial necessária para assegurar a prá- policiais e judiciárias).
tica dos atos de sua administração.
No caso de desacato à autoridade do prefeito, como no de qualquer
É bem de ver que a polícia não irá praticar o ato administrativo, mas outro crime cometido em sua presença, pode o prefeito efetuar a prisão em
apenas lhe garantir a prática pelos próprios funcionários do Município. A flagrante, fazendo apresentar o infrator, com as testemunhas, à autoridade
missão da polícia será a de manter a ordem e remover a resistência pessoal policial do Município, para a lavratura do respectivo auto.
que for oposta à determinação legal do prefeito, nunca a de executar dire-
tamente a medida administrativa.
4. Responsabilidades do prefeito
O pedido de força deve ser dirigido pelo prefeito à autoridade poli-
cial de n~ais alta categoria no Município incumbida do policiamento, a As responsabilidades do prefeito, como chefe do Executivo Munici-
qual avalIará os recursos necessários à manutenção da ordem, pondo-os à pal e agente político, serão estudadas sob o tríplice aspecto penal,político-
disposição do Executivo local. Para o atendimento da requisição deverá o administrativo e civil, visto que no desempenho de suas funções poderá
prefeito explicar minuciosamente à autoridade policial qual a detennina- incidir em qualquer desses ilícitos, dando ensejo à respectiva sanção, apli-
ção administrativa resistida e de que forma será executada com apoio da cada em processos distintos e independentes. 78
polícia. Inicialmente, convém relembrar que o prefeito não é servidor públi-
A orientação da diligência policial pernlanecerá com o delegado ou co, na acepção do termo;79 é agente político, incumbido da chefia do Poder
com o comandante da unidade que lhe for enviada, com o qual o prefeito Executivo do governo local. Daí não se lhe aplicarem as normas estatutá-
o~ seu representante deverão entender-se para o completo desempenho da rias que regem a conduta e as responsabilidades dos servidores públicos,
missão de segurança cometida à polícia. mas sim disposições outras, pertinentes aos governantes e compatíveis
com a relevância e complexidade de suas funções.
No poder de que dispõe o prefeito de requisitar força para o cum-
primento de suas determinações administrativas legais não se inclui o de Urge distinguir, ainda, as responsabilidades pessoais do prefeito das
ordenar a prisão de qualquer munícipe. A prisão é ato processual que só responsabilidades institucionais do Município. Este, como entidade pú-
se pode realizar em flagrante delito e com as formalidades legais (CPP,
mis. 30 I -3 10) ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos 78. No nosso sistema constitucional e penal a falta exclusivamente política dos
governantes não tem sanção jurídica. Somente quando se conjuga a falta política com
previstos em lei (CF, art. 5Q, LXI).
a irregularidade administrativa é que surge a infração político-administrativa, definida
Havendo motivos para prisão, a polícia certamente a fará; nunca, po- em lei e sancionada com a cassação do mandato. Adentrando a falta do chefe do Exe-
rém, por determinação do prefeito (que não tem competência para ordená- cutivo ao mesmo tempo a órbita política e a administrativa restará tipificada a irifração
político-administrativa, expondo-o à sanção pertinente (cassação do mandato), inde-
l~), mas sim por ter o particular cometido crime ou contravenção que jus-
pendentemente da punição penal e da responsabilização civil, se também estiverem
tIfique sua detenção e subseqüente processo penal. caracterizadas ilicitudes nessas áreas. A prática pelo prefeito de um ato tipicamente ad-
Tratando-se de flagrante delito, qualquer do povo (inclusive o prefei- ministrativo realizado ilegalmente e de modo lesivo a terceiro ou ao próprio Município
to) poderá efetuar a prisão do infrator, apresentando-o incontinenti à auto- sujeitá-Io-á à invalidação do ato e à responsabilização civil, mas não àpunição adminis-
trativa aplicada aos servidores submetidos a normas estatutárias e a regime disciplinar.
ridade policial, para a lavratura do auto respectivo (CPP, arts. 301 e 304).
79. TJSP,JTJl721128.
790 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

blica, responde sempre objetivamente pelas falhas do serviço e pelos da-


nos causados a terceiros por seus servidores (CF, art. 37, § 6º); aquele,
T
I

I
4.1
XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES

Responsabilidade penal
Responsabilidade penal é toda aquela que resulta do cometimento
791

como chefe do Executivo e agente político, só responde pessoalmente por


seus atos funcionais infringentes de normas penais específicas (crimes de
I
I
de crime ou de contravenção. Essa responsabilidade pode advir de delito
relacionado com a função, por isso mesmo denominado crime funcional,
responsabilidade e crimes funcionais comuns) ou de normas de conduta
ou de crime especial, ou de crime comum, ou de contravenção penal. Os
governamental sancionadoras do mandato (infrações político-administra-
tivas), e sob o aspecto civil só é responsabilizado quando atua com dolo
I crimes funcionais podem ser abrangentes de todo agente público, como os
definidos no Código Penal (arts. 312-326, com aplicação do art. 327), ou
ou culpa manifesta. Pode também ser responsabilizado por infração ad-
específicos de determinadas autoridades, como são os chamados crimes
ministrativa contra as leis de finanças públicas (art. 5º a Lei 10.028, de •
de responsabilidade, tipificados em leis especiais.
19.10.2000) e por atos de improbidade administrativa, nas hipóteses da
Lei 8.429, de 2.6.1992. Como é cediço, a responsabilidade penal é subjetiva, não havendo
A responsabilização do prefeito faz-se em processos e juízos dife- espaço para a responsabilidade objetiva, e muito menos para a responsa-
rentes, conforme a natureza da infração: por crime de responsabilidade e bilidade por fato de terceiro. Isto se aplica a qualquer infração penal, não
crime funcional comum responde perante o Tribunal de Justiça (art. 29, X, se distinguindo crime de contravenção, crime comum, crime funcional,
da CF); por infração político-administrativa responde perante a Câmara crime de responsabilidade, definidos no Código Penal ou em leis espe-
de Vereadores, pelo processo especial pertinente; por atos de improbidade ciais. Assim, a responsabilidade penal do prefeito só ocorre se ele praticar
administrativa, de que trata a Lei 8.429, de 2.6.1992,80 por indenização ou concorrer para a ação ou a omissão - ocorrendo esta última, nos delitos
de danos e qualquer outra ação civil decorrente de ato funcional responde funcionais e de responsabilidade, quando ele tenha, por lei, incluída em
perante o juízo cível competente, pelo procedimento adequado; em man- suas atribuições a obrigação de agir ou fazer. 82
dado de segurança contra ato administrativo responde perante a Justiça O prefeito, como autoridade municipal, só poderá incidir nos crimes
Comum com jurisdição no Município; por crimes comuns (não-funcio- de responsabilidade 83 expressamente previstos e tipificados no Decreto-
nais) responde perante o Tribunal de Justiça; por crimes especiais respon- lei 201, de 27.2.1967; mas como agente público poderá também ser res-
de perante a Justiça Especial correspondente, pelo processo indicado em ponsabilizado pelos crimes funcionais definidos no Código Penal que não
lei; em ações cíveis não decorrentes de atos foncionais responde perante estejam absorvidos pelos crimes de responsabilidade equivalentes, ou seja,
o juízo cível comum, pelo procedimento cabível, sem qualquer privilégio pelos crimes foncionais não cogitados pela lei especial. Poderá, ainda, o
ou prerrogativa processual. Por infração administrativa contra as leis de prefeito praticar os crimes de abuso de autoridade definidos na Lei 4.898,
finanças públicas responde perante o Tribunal de Contas a que competir a
fiscalização contábil, financeira e orçamentária do Município (art. 5º e seu Administração e Responsabilidades dos Prefeitos e Vereadores, São Paulo, 1974; Rui
§ 2º da Lei 10.028, de 19.10.2000). Barbosa Corrêa Filho, Dos Crimes contra a Administração Pública e o Decreto-lei
201167, São Paulo, 1974; Clenício da Silva Duarte, "Responsabilidade de prefeitos e
Feitas estas considerações de ordem geral, vejamos, a seguir, desta- vereadores", RT 446/315; Antônio Tito Costa, Responsabilidade de Prefeitos e Verea-
cadamente, as responsabilidades em que pode incidir o prefeito, os res- dores, 2ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1988; Wolgran Junqueira Ferreira, Responsabilidade
pectivos processos e as prerrogativas processuais que aufere no juízo cri- dos Prefeitos e Vereadores, São Paulo, EDIPRO, 1994; Petrônio Braz, Direito Munici-
minal. 81 pal na Constituição, Livraria de Direito, 1994.
82. STJ, 6ª T., AgRg no AI 134.427-PR, j. 1.7.1997, v.u., Boletim da AASP
80. Em 15.9.2005, o STF, por maioria, julgou procedente aADIn 2.797, promo- 2.097/905.
vida pela Associação Nacional dos Membros Ministério Público-CONAMP, nos ter- 83. Cumpre alertar que o Decreto-lei 201, de 1967, denomina crimes de res-
mos do voto do relator, Min. Sepúlveda Pertence, para declarar a inconstitucionalidade ponsabilidade as infrações penais tipificadas no seu art. 1º. Entretanto, o STF tem
da Lei 10.628, de 24.12.2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84, do Código de salientado que são crimes comuns e que a expressão crimes de responsabilidade, em
Processo Penal. Tal diploma havia previsto a propositura da ação de improbidade pe- sentido estrito, na tradição do Direito Brasileiro, corresponde apenas às infrações po-
rante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou au- lítico-administrativas, também chamadas de crimes políticos, elencadas no art. 4º do
toridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública. Decreto-lei 201, de 1967 (pleno, HC 70.671-PI, reI. Min. Carlos Velloso, j. 13.4.94,
81. Sobre responsabilidades do prefeito, consultem-se: Ovídio Bernardi, Respon- DJU 19.5.1995; 2ª T., HC 71.390-RO, reI. Min. Mauricio Corrêa, j. 21.2.1995, DJU
sabilidades dos Prefeitos Municipais, São Paulo, Ed. RT, 1962; Paulo Lúcio Nogueira, 20.4.1995).
792 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 793

de 9.12.1965, e, como qualquer pessoa, cometer crimes especiais, crimes


comuns e contravenções penais, respondendo com ou sem prerrogativas
1 político-administrativa o prefeito será julgado pelo plenário d~ Câmara:
i que poderá cassar-lhe o mandato na forma e nos casos estabelecldos na lel
processuais, como tudo veremos no decorrer desta exposição. I
orgânica municipal - o que também não é impea.chm~nt, p~r .s~ tratar de
I sanção definitiva de perda do cargo, que resultara na meleglbllidade para
4.1.1 Crimes de responsabilidade I qualquer cargo por mais oito anos após o término do mandato.
Os crimes de responsabilidade do prefeito estão consignados no De- Noutros dispositivos o Decreto-lei 201, de 1967, passou a disp.or so-
creto-lei 201, de 1967, cujo projeto é integralmente de nossa autoria e no bre peculiaridades do processo penal do prefeito e d~ seu~ su.bst~tutos,
qual tivemos a preocupação de definir os tipos mais danosos à Administra- que é o mesmo processo criminal comum, com as modlficaçoe~ mdlcadas
ção Municipal e de separar nitidamente as infrações penais das irifrações (arts. 2º-3º), e definiu com exclusividade os crimes que ~.enclOna, regu-
político-administrativas, atribuindo o processo e julgamento daquelas lando em parte o processo penal dos crimes de responsabllidade.
exclusivamente ao Poder Judiciário, e o destas à Câmara de Vereadores. Nos 23 incisos do art. 1º dessa lei especial 85 estão consignados todos
Assim, o Tribunal de Justiça decide sobre os crimes de responsabilidade os crimes de responsabilidade do prefeito e de seus substitutos, "sujeitos
do prefeito, e a Câmara sobre sua conduta governamental, em processos
autônomos e em instâncias independentes (CF, art. 29, X). va em qualquer dos crimes tipificados no art. 12 do Decreto-lei 201, de 196?, não é de
O projeto do Decreto-lei 201, de 1967, foi-nos solicitado pelo então aplicação automática, devendo o julga~or analis~r cada caso ~oncreto e, motlvadame~­
te decidir sobre sua imposição (v. Rm Stocco, In Alberto Silva Franco e outros, LeiS
Ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, para substituir as Leis 211, de P~nais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, item 27.00, p. 1.411).
1948, e 3.528, de 1959, que regulavam a extinção e cassação de manda- 85. Os incisos XVI a XXIII foram introduzidos pela Lei 10.028, de 19.10.2000,
tos de prefeitos e vereadores, definiam os crimes de responsabilidade e passando o art. 12 a vigorar com a seguinte redação: .... .
dispunham sobre o respectivo processo, com aplicação supletiva da Lei "Art. 12 . São crimes de responsabilidade dos prefeitos mu~clpals, sUJel:os ao
1.079, de 1950, que ainda rege o impeachment de autoridades federais e julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunclamento da Camara
estaduais. Aquela inadequada e tumultuária legislação gerou a impunidade de Vereadores:
dos agentes políticos municipais, já porque as Câmaras de Vereadores não "I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio
ou alheio;
2.'..ltorizavam o Judiciário a processá-los criminalmente, já porque os cri-
"lI - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas
mes de responsabilidade e as infrações político-administrativas estavam ou serviços públicos;
mal-definidos e muitas vezes confundidos na conceituação legal. Diante "111- desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
dessa conjuntura, fomos levados a separar claramente a responsabilidade "IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou re~ursos de qualquer natu-
criminal da responsabilidade político-administrativa, reunindo e definindo reza, em desacordo com os planos ou programas a que se destmam;
todos os crimes de responsabilidade do prefeito na relação exaustiva do "V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desa-
ali. 1º, e as irifrações político-administrativas no elenco do art. 4º. Com cordo com as norinas financeiras pertinentes;
essa sistemática ficou abolido o impeachment do prefeito, que era o afas- "VI - deixar de prestar contas anuais da administração finan~eir~ do Município
tamento político e provisório do cargo, pela Câmara, para que pudesse ser à Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado mdlcar, nos prazos
julgado criminalmente pelo Judiciário. e condições estabelecidos; .
"VII- deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da ap~ICa­
Pelo Decreto-lei 201, de 1967, ele é processado e julgado, por qual- ção de recursos, empréstimos, subvenções ou auxílios internos ou externos, recebldos
quer crime de responsabilidade, pelo Judiciário, independentemente de a qualquer título;
autorização da Câmara e de afastamento de suas funções, e a perda do "VIII - contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos
cargo resultará da aplicação desta pena acessória, juntamente com a da de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;
inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo "IX - conceder empréstimo, auxílio ou subvenção sem autorização da Câmara,
de cinco anos, se condenado àpenaprincipal (art. 1º, § 2º).84 Por infração I ou em desacordo com a lei;
"X - alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da
Câmara, ou em desacordo com a lei;
84. Parece-nos que a perda do cargo ou a inabilitação para o exercício de qual-
quer outra função pública pelo prefeito municipal como efeito da condenação definiti-
I "XI - adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de
preços, nos casos exigidos em lei;

J
794 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 795

ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamen_ o Ministério Públic0 87 pode oferecer a denúncia independentemente de re-
to da Câmara de Vereadores", como declara o texto legal. 86 Esses delitos presentação da vítima, como também a autoridade policial pode instaurar
embora funcionais, estão desvinculados dos crimes contra a Administra~ de oficio o inquérito, desde que tenha conhecimento do delito por ciência
ção Pública definidos no Código Penal (arts. 312-326), constituindo figu- própria ou por comunicação de qualquer do povo, com elementos indiciá-
ras autônomas e específicas do prefeito e de seus substitutos, que são seus rios suficientes para o início das investigações.
únicos sujeitos ativos. O sujeito passivo será sempre o Município, atingido
Todos os crimes definidos nessa lei são dolosos, pelo quê só se tomam
nos seus bens e valores administrativos que a lei protege. Por isso mesmo
puníveis quando o prefeito busca intencionalmente o resultado ou assume
todos esses crimes são de ação pública (art. 1Q, § 1º) - o que significa qu~
o risco de produzi-lo. Por isso, além da materialidade do ato, exige-se a in-
"XII - antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem
tenção de praticá-lo contra as normas legais que o regem. O que se dispensa
vantagem para o Erário; é a valoração do resultado para a tipificação do delito. Mas, tratando-se de
"XIII - nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; crime contra a Administração Municipal, é sempre possível e conveniente
"XIV - negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cum- perquirir se o agente atuou em prol do interesse público ou para satisfazer
prir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à interesse pessoal ou de terceiro. Se o procedimento do acusado, embora
autoridade competente; irregular, foi inspirado no interesse público não há crime a punir. 88
"XV - deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do
prazo estabelecido em lei; Os dois crimes mais graves - apropriação ou desvio de bens ou ren-
"XVI -.deixar de ?rdenar a redução do montante da dívida consolidada, nos pra-
das públicas e utilização desses bens ou rendas em proveito próprio ou
zos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação alheio -, definidos nos incisos I e II do art. 1º do Decreto-lei 201, de 1967,
do limite máximo fixado pelo Senado Federal; são punidos com reclusão de 2 a 12 anos; os demais (incisos III-XXIII)
"XVII - ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites o são com detenção de 3 meses a 3 anos (art. 1º, § 1º); vale dizer que
estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de cré- são afiançáveis e com possibilidade de suspensão condicional da pena
dito adicional ou com inobservância de prescrição legal;
(sursis) fixada na sentença, não superior a 2 anos. Toda condenação na
"XVHI - deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento a
pena principal acarreta a aplicação obrigatória das penas acessórias da
2.moliizaçiio ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito
rc,dizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; perda do cargo de prefeito e da inabilitação, pelo prazo de 5 anos, para o
. . "XIX - dei~ar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de exercício de qualquer cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação,
cre?Ito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e de- sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou
mais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; particular (art. 1º, § 2º).89 Apena acessória da perda do cargo tem a mes-
. . "XX - ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de ma natureza de sanção criminal da pena detentiva principal, sem qualquer
credito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da conotação política, pois resulta única e exclusivamente da tipificação do
Administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou posterga-
ção de dívida contraída anteriormente;
87. O prefeito municipal, por força da Constituição da República, tem juízo natu-
"XXI - captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribui-
ção cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; ral (art. 29, X). Perante o Tribunal de Justiça, portanto, deve ser processado e julgado.
No Ministério Público a atribuição de ajuizar ação penal de competência originária dos
"XXII - ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão tribunais foi conferida apenas ao procurador-geral de justiça (art. 29, V, da Lei 8.625,
de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; de 12.2.1993). Assim, ressalvadas as demais hipóteses do art. 5º do CPP, somente o
"XXIII - realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou chefe do Parquet - não os promotores de justiça que atuam em primeira instância -
condição estabelecida em lei." pode requisitar a instauração de inquérito policial contra prefeito, nele oficiar e ofere-
Os incisos XVI-XXIII, por serem nonnas penais, não admitem aplicação retroati- cer denúncia. No caso, entretanto, de ocorrer abertura de inquérito por requisição de
va a fatos ocorridos anteriormente à vigência da Lei 10.028, de 19.10.2000. promotor de justiça a conseqüência não deverá ser o trancamento das investigações,
. 86.? .STJ julgou que a nomeação ou contratação do servidor público pelo pre- mas a remessa dos autos ao procurador-geral de justiça, para as providências que julgar
feito mumclpal, para cargo público isolado ou em carreira, com inobservância do dis- cabíveis.
posto no art. 37, 11, da Lei Maior pode constituir, em tese, o crime de que trata o inciso 88. TACrimSP, RT 445/418,449/377,451/414 e 425,453/402 e 464/365; JTA-
XIII do art. 1º do Decreto-lei 201, de 1967 (REsp 113.3l6-PR, reg. 96.0071549-1, CrimSP 18/18l.
DJU9.6.1997, p. 25.557). 89. V. nota 84 deste capítulo.
.,"'" :õ..''''

XII- PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 797


796 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

crime funcional, e não da conduta governamental do punido, a qual Só Se receber a denúncia o juiz manifestar-se-á, obrigatória e motiva-
poderia ser apurada em outro processo perante a Câmara de Vereadores. 9o damente, sobre a prisão preventiva do acusado nos casos de crimes de-
finidos nos incisos I ou lIdo art. 1º do Decreto-lei.201, d: 196?,.e sobre
A Constituição de 1988 estabelece que o julgamento do prefeito se seu afastamento do exercício do cargo durante a lllstruçao cnmlll~l em
fará perante o Tribunal de Justiça. Daí por que, a nosso ver, o processo dos todos os casos (incisos I-XXIII). São providências cautelares do maIS alto
crimes de responsabilidade do prefeito, enquanto não houver legislação interesse da Justiça, para assegurar a apuração da verdade e a aplicação ~a
específica instituindo seu procedimento, atenderá ao disposto no Código lei penal quando o réu, por su~ ~erso?alidade,. ~?~ s~us ant~cedente~ C:l-
de Processo Penal, com as modificações impostas pelo Decreto-lei 201, minais ou por sua conduta admllllstratlva atrablhana, mfundlr ~ ~onvlcçao
de 1967, para a defesa prévia, o recebimento da denúncia e a prisão pre- de que em liberdade criará embaraços ao processo: e no exer.clc~o do car-
ventiva ou afastamento do cargo do acusado (art. 2º, I-III), bem como ao go dificultará a elucidação dos fatos tidos por dehtu~sos, pnnclpalm~n:e
que a respeito dispuser o regimento interno do mencionado Tribunal. Por quando dependentes de verificações interna~ ~a PrefeItura. Tanto a ?rzs~o
essa razão o procedimento a seguir transcrito deverá sofrer as adaptações preventiva quanto o qfastamento do ~xer~lclO do ,cargo do prefeIto sao
pertinentes. 9 ! medidas judiciais facultativas e exCepClOnaIS, que so de,:,em ser decretadas
Antes de receber a denúncia o juiz ordenará a notificação do acusado quando se revelem convenientes aos interes.se~ ~a Justl?a, sem nenhum~
para apresentar defesa prévia, pessoalmente ou por advogado, no prazo de consideração a solicitações políticas ou partldanas. Por ISSO mesmo, a leI
cinco dias. Nessa oportunidade incumbe ao prefeito rebater as acusações exige que a decretação de qualquer dessas medidas - pri~ãO p~e~en~iva ou
que lhe são feitas" podendo oferecer os documentos que desejar em prol afastamento do cargo - seja necessariamente motivada, IStO e, JustIficada
da sua inocência. E uma defesa vestibular que servirá apenas para orientar e apoiada em elementos objetivos que convençam da sua utilidade para o
o juiz na apreciação da denúncia, para seu recebimento ou rejeição, visto normal andamento do processo e pumçao ' - do cuIpado. 92
que se for instaurada a ação penal o denunciado terá outra oportunidade Do despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva o~ o afa~ta­
para oferecer alegações escritas e rol de testemunhas, no prazo de três mento do cargo caberá recurso em sentido estrito, no prazo de cmco dIas,
dias após seu interrogatório, prosseguindo a instrução na forma comum para o Tribunal competente (Decreto-lei 201, de 1967, art. 2º, lII). O re-
do Código de Processo Penal (arts. 394-405) até o julgamento, com as curso contra o despacho que decretar qualquer dessas medid~s terá s~mpre
formalidades que o antecedem (arts. 498-502). efeito suspensivo. A lei não o diz, mas é óbvio que, mesmo lrrecorndo ou
desprovido o recurso contra o despacho que de.ixou de decretar ~ualquer
90. v., no capítulo anterior, item 3.17, o processo de cassação de mandato do dessas medidas o Ministério Público ou o aSSIstente da acusaçao pode-
prefeito perante a Câmara, no tópico pertinente. rão a qualquer ~empo renovar o pedido, como poderá o próprio jui~, em
Nos tennos do art. 12, II, da Lei federal 8.429, de 2.6.1992, que dispõe sobre as qualquer fase do processo, decretá-las de oficio, se fatos supervementes
sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de emiquecimento ilícito no exer-
cício de mandato, cargo, emprego ou fimção na Administração Pública direta, indireta as justificarem. 93
ou fundacional, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, pre- O Decreto-lei 201, de 1967, concedeu ainda a todos os órgãos inte-
vistas na legislação específica, o responsável pelo ato de improbidade sujeita-se ao ressados na apuração dos crimes nele previstos a faculdade de reque~e~ a
ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo MIOlS-
patrimônio - se concorrer esta circunstância -, perda da função pública, suspensão dos tério Público bem como a de intervir em qualquer fase do processo como
direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o
valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber beneficios ou assistente da 'acusação (art. 2º, § 1º). E reforçou essa faculdade reiterando
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intennédio de que, se as providêJ?cias não forem tomadas pelas a~to~idades es;adua~s,
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. poderão ser requendas ao procurador-geral da Republtca (art. 2-, § 2 ),
91. O STF já decidiu que a CF de 1988, no art. 29, X, atribui ao Tribunal de Justi-
ça competência para o julgamento do prefeito, mas não impõe que o seja pelo Plenário.
92. TJMG,RT407/364; TJPR, RT572/361; TJSP,RT509/366, 543/344, 619/289
Pode, pois, o Tribunal de Justiça inserir em seu regimento interno nonna atributiva de
competência a qualquer de seus órgãos fracionários para o julgamento de prefeitos. e 629/321.
Precedente: STF, 1ª T., HC 72.298-SP, reI. Min. Sydney Sanches, j. 21.5.1996, DJU 93. Sobre prisão de ex-prefeito municipal, o STF decidiu que ~ prisão especial
6.8.1996. No mesmo sentido: RTJ 129/257 e 131/1.189 e HC 73.021, HC 72.033, HC somente beneficia os que estejam no exercício do mandato. V., a respelto, o HC 72.465,
71.381 e HC 71.429. reI. Min. Celso de Mello, RDA 203/229.
798 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBWÇÕESIRESPONSABILIDADES 799

que as determinará nos limites de sua competência funcional, promovendo estava distinguindo onde a lei não distinguia e criando uma disparidade
naturalmente a responsabilização dos agentes omissos ou prevaricadores. de tratamento entre prefeitos no cargo e prefeitos fora do cargo, e entre
São medidas pragmáticas, que visam a dar solução à realidade nacional, estes e seus substitutos, que respondiam pelo mesmo crime no cargo ou
em que o facciosismo partidário chega a influenciar as autoridades es- fora dele. Contra esses estranhos julgados já se insurgiram autorizados co-
taduais, tomando-as coniventes com a improbidade de correligionários mentadores do Decreto-lei 201, de 1967, na expectativa - que também era
locais - o que exige a intervenção de um Poder superior para a punição nossa - de que a Excelsa Corte viesse a reformular sua jurisprudência. 95
criminal dos culpados. As corretas interpretação e aplicação do Decreto-lei 201, de 1967, a
O prefeito e seus substitutos respondem por crime de responsabili- nosso ver, estão com as decisões do extinto TFR e dos Tribur:ais de São
dade no cargo ou fora dele, qualquer que seja o caráter da substituição Paulo (Justiça e extinto Alçada), que admitem o processo por cnme de re~­
(provisória ou definitiva), porque o delito é meramente funcional, e não ponsabilidade mesmo que o prefeito já tenha deixado o cargo, pelo térmI-
político-administrativo, como erroneamente ainda pensam alguns autores no do mandato ou por qualquer outro motivo. 96 Tal processo alcança não
e julgados. Daí o discordarmos, data venia, do entendimento que vinha só o prefeito, como qualquer de seus substitutos eventuais - vice-prefeito,
sendo adotado pelo STF no sentido de que o prefeito só ficaria sujeito a presidente da Câmara, interventor -; desde. que na subs~ituição c?~eta~ o
processo por crime de responsabilidade previsto no Decreto-lei 201, de crime de responsabilidade a ser pumdo, pOIS o que qualIfica o sUjeIto atIvo
1967, enquanto estivesse no exercício do cargo. 94 Com esse entendimento deste delito é seu cometimento na função, e não a permanência no cargo.
criou-se uma extinção de punibilidade não desejada pelo legislador nem Co-autor desses crimes, entretanto, pode ser qualquer pessoa física, servi-
prevista na legislação. Nem se diga que o ex-prefeito poderá ser processa- dor público ou não, que concorra para seu cometimento (CP, art. 25).
do e condenado por crime funcional definido no Código Penal para os fun-
A Suprema Corte, a partir do julgamento do HC 70.671-I-PI, em
cionários em geral. Tal afirmativa é injurídica, porque os crimes fimcionais
13 .4.1994, revisou radicalmente a orientação que vinha adotando, e, con-
do Código Penal não incidem mais sobre o prefeito, desde que definidos
siderando que os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no
como crimes de responsabilidade pela lei especial que é o Decreto-lei 201,
art. l Q do Decreto-lei 201, de 1967, são crimes comuns, passou a procla-
de 1967. Não pode, assim, o prefeito que cometeu crime tipificado na lei
mar que o término do mandato eletivo não põe fim à ação penal já inicia-
especial ser punido por delito da lei comum, ainda que caracterizado como
crime funcional. da, nem inibe sua instauração. 97
A tipificação e as sanções do Decreto-lei 201, de 1967, são bem di- De outra parte, na linha do pensamento do Autor, a Lei feder~l 8.429,
ferentes das do Código Penal, bastando lembrar que todos os crimes pre- de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes púbhcos por
vistos naquele contêm as penas acessórias - e compulsórias - da perda do
cargo e da inabilitação para qualquer outra função pública pelo prazo de 95. Cf. Paulo Lúcio Nogueira, Administração e Responsabilidades ... , pp. 60 e
cinco anos, ao passo que o Código não as impõe nas mesmas condições e ss.; Rui Barbosa Corrêa Filho, Dos Crimes ... , pp. 65 e ss.; Clenício da Silva Duarte,
"Responsabilidade de prefeitos ... ", RT 446/315. . . . .
para os mesmos casos. Portanto, se se aplicar o Código Penal aos ex-pre- Tito Costa em douta monografia, refere-se às duas correntes Junsprudenclals que
feitos, ao invés da lei penal específica para os crimes de responsabilidade, se fonnaram sobre o assunto, mas não toma posição pessoal (cf. Responsabilidade de
que é o Decreto-lei 201, de 1967, ficarão eles com penas diferentes das dos Prefeitos ... , 2ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1988).
que forem punidos no exercício do cargo e, mais que isso, ficarão livres 96. TFR, RTFR 381219; TJSP, RT 442/356,449/347 e 462/334; TACrimSP, RT
da pena acessória de inabilitação para outra função pública. Acresce ainda 449/417,463/370 e 5011287, JTACrimSP 30/366,32/412 e 34/181.
que a equívoca orientação que vinha sendo adotada pelo STF em muitos 97 Pleno HC 70.67l-PI reI. Min. Carlos Velloso,j. 13.4.1994, DJU 19.5.1995,
RDA 20'1I259;'2ª T., HC 71.390-RO, reI. Min. Maurício. Corrêa, j. 21.2.1995, DJU
casos conduzia a uma total impunidade dos prefeitos, que, quando acusa- 20.4.1995; 2ª T., HC 71.296-SC, reI. Min. Carlos Velloso, J. 28.3.1995, DJU2.6.1995;
dos de crime de responsabilidade, pela simples renúncia do cargo ficavam 2ª T. HC 72.858-RS, reI. Min. Marco Aurélio, j. 26.9.1995, DJU 12.4.1996, RT
isentos das sanções do Decreto-lei 201 e jamais poderiam ser condenados 733/493; 2ª T., HC 72.176-R~, reI. Min. Ma~ríc.io Corrêa,j. 21.3.1995,DJU!6~6.1995;
por crimes definidos diversamente ou não definidos no Código Penal. Fi- 1ª T. HC 71.474-BA, reI. Mm. lImar Galvao, J. 8.11.1994, DJU 12.5.1995, 1- T., HC
77.ob-BA, reI. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23.6.1998, DJU 21.8.1998; 2ª T., HC
nalmente, é de se ponderar que essa imprópria orientação jurisprudencial 78.185-SP, reI. Min. Maurício Corrêa, j. 11.12.1998, DJU9.4.1999.

94.RTJ59/629,RDA 119/323 e 120/291,RT475/367.


° STJ tem o mesmo posicionamento (5ª T., REsp 57.671, RT 719/529), assim
como o TlSP (JTJ209/337).
~..
800 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII- PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 801

atos.de improbi~ade adminfstrativa na órbita civil, estabelece que as ações lementar 101, de 2000 (LRF), e são endereçados aos agentes públicos
destmadas a leva-las a efeIto podem ser propostas até cinco anos após
término do exercício do mandato (art. 23, 1).98 o
~esponsáveis pela gestão fiscal, eis que só eles .pode~ ser os au~ores das
condutas típicas incriminadas. Estaríamos, aSSIm, dIante de delItos ~n­
cionais. E, como é óbvio, o prefeito seria passível de cometê-los: TodaVIa,
4.1.2 Crimes funcionais normas penais que são, não retroagem para alcançar fatos ocorrIdos antes
de sua vigência. Além disto, são crimes dolosos, que se configu~a~ a~enas
? pre~eit,o pode co~eter, além dos crimes de responsabilidade que diante de vontade deliberada de descumprir o regramento que dIscIplma as
lhe sao atnbmdos especificamente pelo Decreto-lei 201, de 1967, os cri-
finanças públicas e a gestão fiscal.
mes funr:ionais tipificados genericamente no Código Penal (arts. 312-326)
e na LeI 8.137, de 22.12.1990 (art. 3º), para qualquer agente público (art. O processo dos crimes funcionais é o especial do Código de Processo
327), desde que a conceituação deste não esteja absorvida por aquele. Isto Penal, regido pelos arts. 513-518, iniciando-se com a notificação d? acu-
porque a norma penal especial não contemplou todos os tipos de crime sado para responder ao conteúdo da queixa ou da denúncia, por escnto,. no
ftmcional definidos na lei geral, contentando-se em redefinir umas e criar prazo de 15 dias. Se recebida a queixa ou a denúncia, será o acusad? cIta-
outras figuras delituosas de ocorrência freqüente na Administração Mu- do para o prosseguimento da ação penal. Observa-se que nestes cnmes e
nicipal, permanecendo as demais com sua definição original do Código respectivos processos não têm qualquer aplicação as disposições e sanções
Penal, para serem punidas como crimes fimcionais comuns a todos os do Decreto-lei 201, de 1967, mas tão-somente as do Código Penal e do
agentes públicos. Assim, ficaram separados os crimes de responsabilida- Código de Processo Penal pertinentes. A Constituição Federal estabelece
de específicos do prefeito dos crimes foncionais comuns ao prefeito e a que o julgamento do prefeito se fará perante o Tribunal de. Justiça. Daí ?~r
qualquer funcionário público em acepção penal. que o processo dos crimes funcionais deverá atender ao dISposto no Codl-
go de Processo Penal, bem como ao que a respeito dispuser o regimento
Incidindo em crime de responsabilidade do Decreto-lei 201, de 1967
interno do mencionado Tribunal.
o prefeito responderá por este, e não pelo correspondente crime funcio~
nal do Código Penal. Mas se cometer delito funcional previsto no Código
Penal e não tipificado no Decreto-lei 201, de 1967, sujeitar-se-á à sanção 4.1.3 Crimes por abuso de autoridade
da lei penal geral. Exemplificando: se "apropriar-se de bens ou rendas O prefeito, como chefe do Executivo Municipal, pode incidir tam-
p~blicas, .ou .desviá-Ios em proveito próprio ou alheio", responderá pelo bém nos crimes por abuso de autoridade, definidos genericamente na
cnme do ~nclso I do art. 1º do Decreto-lei 201, de 1967, e não pelo pecu- Lei 4.898, de 9.12.1965, alterada pela Lei 6.657, de 5.6.1979, para todo e
lato d~fillldo no art. 312 do CP em termos assemelhados; mas se "exigir, qualquer agente público que, no exercício de suas funções ou ~ pr.ete~to
para SI ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função de exercê-las, cometa os ilícitos previstos em seus arts. 3º-4º. A mfrm~en­
ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida" responde- cia de qualquer desses dispositivos gera responsabilidade administrativa,
rá pelo crime de concussão definido no art. 316 do CP e não previsto no civil e penal, conforme dispõe a mesma lei, sujeitando o autor aos proce-
Decreto-lei 201, de 1967.
dimentos especiais por ela estabelecidos de modo um tanto confuso para
Os crimes fimcionais tipicos são aqueles em que a qualidade de fun- as respectivas responsabilizações (art. lº). Neste tópico só nos interessa a
c!onário 'público .do agente surge como elementar ou circunstância espe- sanção penal, que poderá consistir em: a) multa;99 b) detenção de 10 dias
CIal do tipo. Por ISSO, entende-se que eles não se encontram somente nos a 6 meses; c) perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer
arts. 312-326, mas em outros dispositivos do Código Penal, tais como nos outra função pública por prazo de até 3 anos - aplicadas de acordo com as
arts. 150, § 2º, e 299, parágrafo único. regras dos arts. 42-56 (atuais arts. 59-76) do CP (art. 6º, § 3º).
A Lei 10.028, de 19.10.2000, introduziu no Código Penal o capítulo O processo, independentemente de inquérito policial ou justificação,
"Dos Crimes contra as Finanças Públicas", abrangendo os arts. 359-A a iniciará por denúncia do Ministério Público, instruída com a representação
359-H, cujos preceitos sancionam infrações aos dispositivos da Lei Com- da vítima do abuso (art. 12), e seguirá a tramitação prevista nos arts. 13-28
da mesma lei, com aplicação supletiva das normas do Código de Processo
98. A Lei 8.429, de 1992, prevê, ainda, outras cominações, independentemente
das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica (art. 12). 99. V. o art. 2 2 da Lei 7.209, de 1984, e os arts. 12 e 49 do CP.
XII - PREFEI11JRA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 803
802 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

Penal bem como das disposições regimentais do Tribunal de Justiça, à vis- infração penal em outra região do território nacional, fora de seu Estado,
ta do disposto no art. 29, X, da CF. A falta de representação do ofendido a competência é do Tribunal de Justiça do Estado a que pertence o Muni-
porém, não obsta à ação pública (Lei 5.249, de 9.12.1967, art. lº). ' cípio do qual é prefeito. 102
Os procedimentos decorrentes dessa lei são autônomos em relação à
responsabilização civil e administrativa do próprio Município referente- 4.1.5 Contravenções penais
mente ao prefeito que lhe causar dano, visto que o legislador deu legitimi- O prefeito, como pessoa humana imputável, pode incidir em contra-
dade às vítimas para chamarem a juízo diretamente seus ofensores, o que
venção penal, isto é, em qualquer daquelas infrações penais de menor gra-
não impede a Administração de agir também diretamente contra o prefeito
vidade, definidas na lei própria (Decreto-lei 3.688, de 3.10.1941), ou em
que a lesar, ou regressivamente nos termos do § 6º do art. 37 da CF, inde-
outras leis que sancionem detenninados atos como ilícito contravencional.
pendentemente de qualquer representação (Lei 4.619, de 28.4.1965).
As contravenções não são infrações funcionais, nem exigem dolo ou culpa
do agente, bastando a voluntariedade da ação ou omissão típica. As penas
4.1.4 Crimes comuns e especiais são, geralmente, prisão simples e multa.
O prefeito responderá, como qualquer pessoa imputável, por crimes O processo das contravenções é o sumário, iniciando-se pelo auto de
comuns e especiais - ou seja, por todas aquelas infrações definidas no prisão em flagrante ou mediante portaria expedida pela autoridade policial
Código Penal e em leis especiais sem indicação de agentes privativos para ou pelo juiz, de oficio ou a requerimento do Ministério Público (CPP, arts.
seu cometimento. 26 e 531-540), sem qualquer prerrogativa de cargo ou função, salvo a pri-
Crimes comuns, portanto, são os que constam da lei penal geral (Có- são especial a que o prefeito tem direito em qualquer procedimento penal,
digo Penal), com possibilidade de serem cometidos por qualquer pessoa antes da condenação definitiva, como veremos a seguir.
física penalmente responsável por seus atos;IOO crimes especiais são os
definidos em leis diversas do Código Penal, com ou sem discriminação de 4.1.6 Prerrogativas processuais
agentes capazes de cometê-los, como, por exemplo, os tipificados na Lei
de Segurança Nacional; na Lei Eleitoral; na Lei Antitóxicos; nas leis que O prefeito, como chefe do Executivo Municipal, só aufere duas prerro-
definem os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as rela- gativas processuais no juízo criminal, e tais são a prisão especial enquanto
ções de consumo; contra o Sistema Financeiro Nacional; contra o meio a sentença condenatória não passar em julgado (CPP, art. 295, lI, com a
ambiente; na lei que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de redação dada pela Lei 3.181, de 11.6.1957) e o direito de ser inquirido,
bens, direitos e valores; e em outras nonnas especiais. como testemunha, em local, dia e hora previamente ajustados com o juiz
O processo dos crimes comuns é o indicado no Código de Processo (CPP, art. 221, com a redação dada pela Lei 3.653, de 4.11.1959). No mais
Penal para o delito correspondente, e o dos crimes especiais o estabelecido iguala-se aos seus concidadãos perante a Justiça Penal, como réu, vítima,
na respectiva lei, geralmente com aplicação supletiva das regras proces- assistente da acusação ou testemunha. E seus bens ficam sujeitos a seqües-
suais penais comuns. Nestes processos o prefeito não aufere prerrogativas tro e perdimento, na fonna da legislação federal pertinente, como veremos
do cargo, salvo a de prisão especial, adiante comentada. O prefeito será adiante, ao cuidar de sua responsabilidade civil. A Constituição Federal de
julgado perante o Tribunal de Justiça também nos crimes comuns, por 1988 prevê o julgamento do prefeito perante o Tribunal de Justiça (art. 29,
força do disposto no art. 29, X, da CF.IOI Mesmo no caso de ter cometido X), e a jurisprudência dominante vem entendendo que essa prerrogativa
se aplica aos processos criminais atinentes aos crimes comuns, funcionais
100. O STJ reconheceu que o prefeito municipal não pode ser sujeito ativo do
e de responsabilidade. Mas a aludida norma constitucional é endereçada
crime de apropriação indébita pelo não-recolhimento de contribuições previdenciá- aos órgãos da Justiça Ordinária, ressalvada, nos termos da Carta Magna, a
rias descontadas dos servidores (atipicidade da conduta) (REsp 90.848-PR, reg. competência da Justiça Especial. Assim, esse foro por prerrogativa de fun-
97.0017753-8, DJU 15.9.1997, p. 44.401; REsp 101.300-PR, reg. 96.0044621-0, DJU ção, em razão da matéria, desloca-se para o TRE se o prefeito é acusado
15.9.1997, p. 44.402; REsp 99.986-PR e 100.141-PR, DJU 17.2.1997, p. 2.187).
101. Nesse sentido, quanto ao julgamento dos crimes comuns, cf. RT 669110,
700/349 e 7101363. Em relação aos crimes especiais, cf. RT701l421 e 712/505. 102. TJSP, JTJ 170/344 e 173/348.
804 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO T XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 805

de ter cometido crime eleitoral. 103 Já, nos delitos praticados contra bens trativas apuradas e julgadas pela corporação legislativa da entidade estatal
serviços ou interesses da União a jurisprudência inclina-se para a compe~ a que pertence o acusado, na forma procedimental e regimental estatuída
tência do TRF - solução de discutível acerto, visto que se trata de órgão para o colegiado julgador.
integrante da Justiça Federal Ordinária e a norma do art. 29, X, é especial
em relação à do art. 109, que estabelece a competência dos juízes fede- O prefeito eleito, como chefe do Executivo Municipal e agente po-
rais. 104 O foro especial diz respeito aos casos de responsabilidade penal. lítico que é, fica sujeito ao controle do Legislativo local não só quanto a
O STF proclamou a inconstitucionalidade da Lei 10.628, de 24.12.2002, determinados atos meramente administrativos (atos dependentes de apro-
que, acrescentando os §§ 1º e 2º ao art. 84, do Código de Processo Penal, vação ou autorização legislativa), como - e principalmente - quanto à sua
estendia o foro especial aos casos de improbidade administrativa previstos conduta governamental (atos de opção política e de relacionamento com
na Lei 8.429, de 2.6.1992. 105 Igualmente, não alcança os decorrentes de a Câmara Municipal), nos casos definidos em lei. Isto porque o prefeito
ações civis públicas, da Lei 7.347, de 24.7.1985. 106 administra e governa. Como administrador pode cometer irregularidades
simplesmente administrativas, que não lhe podem acarretar a punição ad-
4.2 Responsabilidade político-administrativa ministrativa aplicada aos servidores submetidos a normas estatutárias e
a regime disciplinar; como governante pode incidir em infrações políti-
Responsabilidade político-administrativa é a que resulta da violação co-administrativas, que conduzem à sanção punitiva da perda do cargo,
de deveres éticos e funcionais de agentes políticos eleitos, que a lei espe- através da cassação do mandato. Neste tópico cuidaremos das infrações
cial indica e sanciona com a cassação do mandato. Essa responsabilidade político-administrativas e das infrações administrativas contra as leis de
é independente de qualquer outra e deriva de infrações político-adminis- finanças públicas, que veremos a seguir.

103. STF, 2ª T., RE 149.544-MA, reI. Min. Carlos Velloso, j. 31.10.1994, DJU
30.6.1995, p. 20.418; 2ª T., HC 69.503-MG, reI. Min. Néri da Silveira,j. 4.8.1992, 4.2.1 Infrações político-administrativas
DJU 16.4.1993, p. 6.433; Pleno, Inq. 406-5, reI. Min. Celso de Mello,j. 1.7.1993, DJU
3.9.1993, p. 17.741; STJ, RSTJ 17/140 e 19/141; TJSP, JTJ 195/342, RT 649/264. As infrações político-administrativas do prefeito são as definidas na
104. Pela competência do TRF: STF, 1ª T., RE 158.282-1, reI. Min. lImar Gal- lei orgânica local ou em lei especial do Município. Daí por que o prefeito
vão, j. 23.3.1993, DJU 16.4.1993, p. 6.442; 2ª T., RE 149.544, reI. Min. Carlos VelIo- eleito se sujeita ao controle administrativo e político da Câmara em toda
so,j. 31.10.1994, DJU30.6.1995; RE 141.021, reI. Min. lImar Galvão,j. 24.9.1992,
DJU 7.5.1993; 2ª T., RE 149.544-MA, reI. Min. Carlos Velloso, j. 31.10.1994, DJU
a sua plenitude.
30.6.1995, p. 20.418; 2ª T., HC 78.728-RS, reI. Min. Maurício Corrêa, j. 23.2.1999, A EC 25, de 2000, que entrou em vigor em 1.1.2001, já definiu, em
DJU 16.4.1999, p. 8. nível constitucional, nos incisos I-IIl do § 2Q. do art. 29-A, algumas con-
No HC 67.721-SP (lª T., reI. Min. Celso de Mello) o STF assentou que "a nova dutas que considera como crimes de responsabilidade do prefeito, relacio-
ordem constitucional (art. 29, VIII) erigiu o Tribunal de Justiça do Estado-membro
à condição in'edutível de juiz natural dos prefeitos municipais nos processos penais nadas ao valor e ao prazo do envio do repasse das verbas orçamentárias
condenatórios, qualquer que seja a natureza da infração penal a eles imputada" G. para o atendimento das despesas do Legislativo Municipal. Em tais dis-
7.11.1989, DJU7.12.1989, RT6511368). E o STJ salientou que "não há que se fazer positivos não se encontram preceitos penais sancionadores. São, segura-
distinção quanto à espécie de infração penal imputada" (6ª T., HC 1.045-0-RS, reI. mente, infrações político-administrativas, embora denominadas de crimes
Min. Vicente Cemicchiaro,j. 13.4.1992, DJU27.4.1992, p. 5.506). v., sobre a matéria,
Rui Stocco, in Alberto Silva Franco e outros, Leis Penais Especiais ... , item 34.07, p.
de responsabilidade, como muitas vezes ocorre por certa tradição do Di-
1.427). reito Brasileiro. Exatamente para superar essa ambigüidade, já em 1967 o
Consolidando o teor da Súmula 208, o STJ afirmou competir à Justiça Federal Decreto-lei 201 procurou diferenciá-los nitidamente.
"processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas Podem também incidir em infração político-administrativa e ser res-
perante órgão federal" - compreendendo-se nesse conceito as receitas do Fundo de
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), ponsabilizados pela Câmara o vice-prefeito e o presidente da Câmara du-
porque sujeitas tais verbas ao controle do TCU (STJ, 6ª T., HC 13.512-CE, reI. Min. rante a substituição do prefeito. O essencial é que os processados por essas
Vicente Leal, j. 8.8.2000, DJU 28.8.2000, p. 136). infrações estejam no exercício do mandato, porque a sanção única aplicá-
105. ADIn 2.797, em 15.9.2005. V. nota 80, neste capítulo. vel é sua cassação. Portanto, se o mandato já estiver fmdo, ou extinto por
106. TJSP, RT 694/88, JTJ 170/20 e 190/185. qualquer motivo, o processo de sua cassação está perempto.
T'
i
806 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO XII - PREFEITURA E PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 807

o processo e o julgamento das infrações político-administrativas A extinção de mandato de prefeito, portanto, não se confunde com
competem exclusivamente à Câmara de Vereadores, na forma prevista na a cassação de seu mandato, pois esta resulta da deliberação punitiva da
lei municipal pertinente, e os trâmites da acusação e da defesa devem aten- Câmara diante de uma infração político-administrativa, e aquela de ato
der não só aos preceitos das normas pertinentes, como às disposições regi- ou fato desconstitutivo da investidura independente da manifestação do
mentais da corporação, para validade da deliberação do plenário. Trata-se plenário.
de um processo político-administrativo (e não legislativo), de natureza pa-
Para maiores esclarecimentos sobre estes institutos, no que compete à
rajudicial e de caráter punitivo, por isso mesmo sujeito aos rigores formais
Câmara, veja-se o capítulo anterior (itens 2-3).
e à garantia de ampla defesa. É processo autônomo e independente da ação
penal do crime de responsabilidade, mas vinculado (e não discricionário)
às normas municipais correspondentes e ao regimento da Câmara quanto à 4.3 Infrações administrativas contra as leis de finanças públicas
tramitação e aos motivos ensejadores da cassação do mandato do acusado,
pelo quê se toma passível de controle judicial sob esses dois aspectos, ou A Lei 10.028, de 19.10.2000, em seu art. 5Q , definiu como infrações
seja, quanto à regularidade do procedimento e à existência dos motivos. administrativas contra as leis de finanças públicas: "I - deixar de divulgar
O que o Judiciário não pode é valorar os motivos, para considerar justa ou de enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o Relatório de
ou injusta a deliberação do plenário; mas poderá e deverá, sempre que Gestão Fiscal, nos prazos e condições estabelecidos em lei; II - propor lei
solicitado, examinar a regularidade formal do processo e verificar a real de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na for-
existência dos motivos e a exatidão do enquadramento no tipo descrito ma da lei; III - deixar de expedir ato determinando limitação de empenho
pela lei definidora da infração. Assim decidindo a Justiça não estará emi- e movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei;
tindo juízo de valor sobre a conduta político-administrativa do acusado, IV - deixar de ordenar ou de promover, na forma e nos prazos da lei, a exe-
mas juízo de legalidade sobre o processo e sobre a realidade dos motivos cução de medida para a redução do montante da despesa total com pessoal
determinantes da deliberação da Câmara. que houver excedido a repartição por Poder do limite máximo". 107
A cassação do mandato do prefeito por incurso em infração político- Conforme se observa, as condutas descritas situam-se na órbita de
administrativa, embora deliberada por uma corporação legislativa, não é atribuições do prefeito, razão por que pode ele vir a ser responsabilizado
impeachment, dado seu caráter de sanção definitiva e autônoma, sem de- como agente causador de tais infrações muito embora o legislador, para
pendência ou aguardo de julgamento de qualquer outro órgão ou Poder. diferenciá-las das penais, as tenha denominado impropriamente de "ad-
Antes do Decreto-lei 201, de 1967, sim, a decisão da Câmara de Vereado- ministrativas" - mas que não exibem tal natureza, no sentido típico de
res tinha o caráter de impeachment, pois apenas afastava provisoriamente resultarem de desatendimento a regras estatutárias e implicarem sanções
o prefeito do cargo, sem lhe cassar o mandato, para que o Judiciário pudes- derivadas do regime disciplinar, ao qual, como visto, o prefeito não está
se julgá-lo pela infração de que era acusado, e só após a condenação judi-
sujeito. O que ocorre é que o prefeito será responsabilizado perante o Tri-
cial é que se convertia o afastamento provisório do cargo (impeachment)
bunal de Contas a que competir a fiscalização contábil, financeira e orça-
em sanção definitiva de perda do mandato. Com a atual sistemática não há
mentária do Município (art. 5 Q , § 2 Q ) , exatamente no âmbito da competên-
razão para doutrinadores e juízes, apegados ao passado, continuarem a fa-
cia constitucional daquela Corte de aplicar multas por descumprimento,
lar em impeachment do prefeito quando a Câmara, considerando-o incurso
pelo Chefe do Executivo, de comando legal, na esfera de suas atribuições,
em infração político-administrativa, lhe aplica a sanção correspondente,
que estava obrigado a atender. Fica, assim, pessoalmente sujeito à sanção
cassando-lhe definitivamente o mandato. -\ representada pelo pagamento de multa de 30% do montante de seus subsí-
Outra forma de perda de cargo de prefeito é a extinção do mandato, II
dios anuais (art. 5Q, § 1Q).
ou seja, seu perecimento em razão de atos ou fatos extintivos consigna-
dos expressamente na lei orgânica local, mas sem deliberação do plená-
rio. Ocorrendo tais atos ou fatos, limitar-se-á o presidente da Câmara a 107. Sobre a fixação pela Lei Complementar 101, de 2000 (Lei de Responsabi-
lidade Fiscal - LRF), de percentuais de repartição, entre o Executivo e o Legislativo,
reconhecê-los e declará-los oficialmente, fazendo constar de ata para que do limite global máximo de 60% da receita corrente líquida, para a despesa total com
produzam todos os seus efeitos legais, retroagindo à data da ocorrência. pessoal, v., no Capítulo X, "Limites e_cflntrole de despesa com pessoal" (item 1.2.1).
808 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
XII - PREFEITURA É PREFEITO: ATRIBUIÇÕESIRESPONSABILIDADES 809

4.4 Responsabilidade civil admite-se para essas autoridades uma margem razoável de falibilidade nos
A responsabilidade civil do prefeito pode resultar de conduta culposa seus julgamentos.
ou dolosa no desempenho do cargo, desde que cause danos materiais ou O prefeito, portanto, não se equipara aos servidores públicos para fins
morais 108 ao Município ou a terceiros.10 9 Essa é a regra geral, a que se de responsabilidade civil. Embora suas atividades, concretizadas em atos
sujeitam todos os agentes ou prepostos da Administração Pública (CF, art. administrativos, venham a causar prejuízos a terceiros ou ao Município,
37, § 6º). Mas o princípio, se bem que extensível aos agentes políticos, só nem sempre ensejam a ação direta ou a regressiva de indenização prevista
lhes é aplicável com as adaptações exigidas pela natureza das funções que no art. 37, § 6º, da CF para os servidores públicos em geral. Como agente
exercem. político, o chefe do Executivo local só responde civilmente por seus atos
Ao prefeito, como aos demais agentes políticos, impõe-se o dever funcionais se os praticar com dolo, culpa manifesta, abuso ou desvio de
de tomar decisões governamentais de alta complexidade e importância, poder. O só fato de o ato ser lesivo não lhe acarreta a obrigação de inde-
de interpretar as leis e de converter seus mandamentos em atos adminis- nizar. Necessário se toma, ainda, que, além de lesivo e contrário a direito,
trativos das mais variadas espécies. Nessa missão político-administrativa resulte de conduta abusiva do prefeito no desempenho do cargo ou a pre-
é admissível que o governante erre, que se equivoque na interpretação e texto de seu exercício.
aplicação da lei, que se confunda na apreciação da conveniência e opor- Esse entendimento vem do direito público norte-americano, a que
tunidade das medidas executivas sujeitas à sua decisão e determinação. se filia o nosso sistema político-administrativo, e onde se distinguem as
Desde que o chefe do Executivo erre em boa-fé, sem abuso de poder, sem funções ministeriais (puramente administrativas ou profissionais) das fun-
intuito de perseguição ou favoritismo, não fica sujeito a responsabiliza- ções judiciais Uurisdicionais propriamente ditas) e das quase-judiciais
ção civil, ainda que seus atos lesem a Administração ou causem danos (de deliberação político-administrativa). As primeiras são as realizadas
materiais ou morais a terceiros. E assim é porque os agentes políticos, no pelo funcionalismo em geral, desde os técnicos e especialistas até os mais
desempenho de suas atribuições de governo, defrontam-se a todo momen- simples servidores braçais; as últimas (judiciais e quase-judiciais) são
to com situações novas e circunstâncias imprevistas, que exigem pronta as atribuídas aos agentes políticos do governo, isto é, àqueles que têm a
solução, à semelhança do que ocorre na Justiça, em que o juiz é obrigado responsabilidade decisória e orientadora da conduta governamental. Essa
a decidir ainda que na ausência ou na obscuridade da lei. Por isso mesmo, distinção não é feita para dar privilégios aos agentes políticos, mas sim
para que a Administração não fique prejudicada pela omissão de seus go-
vernantes e juízes, temerosos de responsabilização pelos erros que possam
108. A Constituição Federal de 1988 consagrou a tese da reparabilidade dos da-
nos morais, inserindo previsão expressa no texto referente aos direitos e garantias ftm-
vir a cometer nas suas deliberações e decisões. 11 o
damentais das pessoas (art. 5º, Ve X). Na conformidade desses princípios, decidiu o então magistrado pau-
109. Responsabilidade civil é a que impõe a obrigação de reparar o dano material lista Rodrigues de Alckmin, com plena confirmação do TJSP, em ação
ou moral e se exaure com a indenização. Transmite-se aos herdeiros e sucessores do regressiva intentada contra prefeito, que "o ato praticado por uma auto-
autor do dano (art. 943 do CC) e só se extingue com o pagamento integral da indeni-
zação devida (arts. 402 e ss. do CC). Se resulta de ato ilícito solidariza todos os co-
ridade, principalmente em matéria que depende de julgamento, embora
autores pela reparação (art. 942 do CC), sejam pessoas fisicas ou jurídicas. reconhecido ilegítimo pelos tribunais, se não se macula de má-fé, de cor-
A reparação civil deve ser a mais ampla possível, compreendendo não só o dano rupção, de culpa de maior monta, não deve acarretar a responsabilidade
atual como os lucros cessantes, juros e atualização monetária (CC, arts. 402 e ss.). Em- pessoal da autoridade". 111
bora a responsabilidade civil seja independente da criminal, de toda condenação penal
Bem diversa é, pois, a situação dos que deliberam e conduzem os
resulta a obrigação de reparar o dano da vítima (CP, art. 74; CPP, art. 63). Isto porque o
ilícito civil é um minus em relação ao ilícito criminal: sempre que houver responsabili- negócios públicos da dos que simplesmente cumprem e executam tarefas
dade penal haverá responsabilidade civil, mas pode haver esta sem aquela.
A responsabilização civil faz-se pela ação de indenização comum, a que se sujeita 110. J. Goodnow, Droit Administratif des États-Unis, trad. francesa da 2ª ed., pp.
o prefeito, sem qualquer privilégio funcional. 449 e ss.; J. Dinckinson, "Judicial control of oflicial discretion", in Selected Essays on
Não se confunda a responsabilidade civil do prefeito, que é sempre dependente Constitutional Law IV/123.
de culpa, com a responsabilidade civil do Município, que é independente de culpa (cf., 111. Sentença in RT 205/214 e acórdão na mesma Revista, p. 213. No mesmo
do Autor, Direito Administrativo ... , 34ª ed., Capítulo X). sentido, v.: STF, RDA 48/] 71; TJSP, RT ] 43/198, 145/165 e 149/607.
810 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO T
administrativas, sem a responsabilidade decisória. Daqueles se exige cor-
reção e sensibilidade política para orientar suas deliberações ao encon-
tro do interesse público; destes se pede exação administrativa e perfeição
técnica no desempenho de seus atos de ofício. Daí por que os primeiros
só respondem civilmente por conduta funcional abusiva, ao passo que os
segundos respondem sempre pelos atos lesivos resultantes de imperícia,
imprudência ou negligência no desempenho de suas atribuições profissio-
nais. 112 BIBLIOGRAFIA
O prefeito pode também incorrer nas sanções previstas na Lei 8.429,
de 2.6.1992, que define os atos de improbidade administrativa e os classi- ACCORSI, Almir. "O Sistema Tributário Nacional e os Municípios". RDMII.
fica em três espécies: a) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9Q ); ACKEL FILHO, Diomar. "A autonomia municipal na nova Constituição". RT
b) os que causam prejuízo ao Erário (art. 10); e c) os que atentam contra os 635.
princípios da administração pública (art. 11). Para as três espécies, inde- _ _ _ _o Município e Prática Municipal. São Paulo, Ed. RT, 1992.
pendentemente de outras sanções penais, civis e administrativas, previstas AGUIAR, Joaquim Castro. O Servidor Municipal. Rio de Janeiro, 1970.
na legislação específica, a lei sujeita o responsável pelo ato de improbida- _ _ _ _o Processo Legislativo Municipal. Rio de Janeiro, 1973.
de às cominações previstas no art. 12, I (para a primeira espécie), 11 (para _ _ _ _o Regime Jurídico dos Funcionários Públicos. Rio de Janeiro, 1977.
a segunda) e 111 (para a terceira). Conforme o caso, as cominações podem _ _ _ _o Sistema Tributário Municipal. Rio de Janeiro, 1971.
ser: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente; ressarcimento in- AIQUEL, Angelito A. Problemas Jurídicos dos Municípios. Porto Alegre, 1959.
tegral do dano; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; ALBI, Fernando. Derecho Municipal Comparado delMundo Hispánico. Madri,
multa civil; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefí- 1955.
cios ou incentivos fiscais ou creditícios - cabendo ao Judiciário aplicá-las, _ _ _ _o La Crisis deI Municipalismo. Madri, 1966.
levando em conta a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de, e AZEVEDO, Eurico de Andrade. Conces-
agente (art. 12, parágrafo único). A ação terá o rito ordinário e deverá ser são de Serviços Públicos. São Paulo, Malheiros Editores, 1998.
proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada (art. ALMEIDA JÚNIOR, A. "Higiene e ambiente". Jornadas de Educação, 1950.
17), perante o juízo cível comum. ALMIRO, Affonso. Controle Financeiro das Autarquias. Rio de Janeiro, 1953.
O Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001) também prevê a res- ÁLVARES, Walter T. Direito da Energia. v. lII. Belo Horizonte, 1974.
ponsabilização do prefeito por improbidade administrativa nas hipóteses ÁLVARES-GENDIN, Sabino. Derecho Administrativo Espano I. Barcelona,
elencadas no seu art. 52. 1954.
Finalmente, cumpre lembrar que o prefeito pode ser responsabilizado, ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico. São Paulo, EDIPRO, 1998.
por via de ação civil pública, disciplinada pela Lei 7.347, de 24.7.1985, AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Concessão de Serviço Público. São Paulo,
Malheiros Editores, 1996.
por danos ao meio ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético,
_ _ _ _ o Licitação para Concessão de Serviço Público. São Paulo, Malheiros
histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou
Editores, 1995.
coletivo.
AMARAL, Diogo Freitas do. A Utilização do Domínio Público pelos Particula-
res. Lisboa, 1965.
_ _ _ _o Curso de Direito Administrativo. 2ª ed., v. I. Coimbra, 1996.
ANDRADE, Góes de. "Regulamentação dos serviços de utilidade pública".
RDPGI.
ANDRADE, Odilon C. de. Serviços Públicos e de Utilidade Pública. São Paulo,
1937.
112. Nesmes-Desmarets, De la Responsabilité Civile des Fonctionnaires, pp. 171 ANDREOZZI, Manuel. Facultades Implícitas de Investigación Legislativa y Pri-
e ss. vilegios Parlamentarios. Buenos Aires, 1943.
812 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 813

ANHAIA MELLO, Luiz de. Apresentação da Carta dos Andes. São Paulo, 1960. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. "Apontamentos sobre o poder de po-
- - - - - . Elementos para o Planejamento Territorial dos Municípios. São Pau- lícia". RDP 9.
10,1957. _ _ _ _ oApontamentos sobre os Agentes Públicos. 1ª ed., 4ª tiro São Paulo, Ed.
- - - - - . Engenharia e Urbanismo. São Paulo, 1954. RT,1984.
- - - - - . O Estado Federal e suas Novas Perspectivas. São Paulo, 1959. - - - -. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo, Malheiros Edi-
_____ . O Plano Regional de São Paulo. 1954. tores, 2008.
- - - - - . O Problema Econômico dos Serviços de Utilidade Pública. São Pau- _ _ _ _ o Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. São Paulo, Ed. RT,
lo, 1940. 1968.
- - - - - . O Que É um Plano Diretor. São Paulo, 1956. _ _ _ _ o"Personalidade de direito público". RDP 1.
_ _ _ _ oO Urbanismo ... Esse Desconhecido. São Paulo, 1952. _ _ _ _ o Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta. 2ª ed., 2ª
tiro São Paulo, Ed. RT, 1983.
- - - - - . Problemas de Urbanismo. São Paulo, 1929.
_ _ _ _ oDiscricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed., 8ª tiro São Paulo,
ANTUNES, Fernando. Do Município Brasileiro. 1926.
Malheiros Editores, 2007.
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. _ _ _ _ oRegime dos Servidores da Administração Direta e Indireta. 3ª ed. São
São Paulo, 1946.
Paulo, Malheiros Editores, 1995
ATALIBA, Geraldo. A Natureza Jurídica da Contribuição de Melhoria. São Pau- BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. "Do serviço público". RDA 21.
lo, 1964.
_ _ _ _ oPrincípios Gerais de Direito Administrativo. vaI. I, 3ª ed. Malheiros
_ _ _ _ o"Fundação pública". RT 478. Editores, 2007.
- - - - - . Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed., 9ª tiro São Paulo, Malheiros BARAT, Josef. "Municipalismo - Alcances e limites". O Estado de S. Paulo
Editores, 2008. 7.7.1997.
ATHENIENSE, Aristóteles. "Legitimidade e conveniência da repressão judicial à BARBOSA, Rui. Anistia Inversa. Rio de Janeiro, 1896.
poluição sonora". RT 457. _ _ _ _ oAtos Inconstitucionais. Rio de Janeiro, 1897.
AZEVEDO, Eurico de Andrade. "Agências reguladoras". RDA 213. BARDET, Gaston. Le Nouvel Urbanisme. Paris, 1958.
- - - - - . "Institucionalização das Regiões Metropolitanas". RDA 119 e RDP 2. _ _ _ _ oMission de I'Urbanisme. Paris, 1950.
- - - - - , e ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Concessão de Serviços Públi- BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo, Dalética, 2003.
cos. São Paulo, Malheiros Editores, 1998.
_ _ _ _ o "A progressividade nos impostos sobre a propriedade imobiliária".
- - - - - , e DALLARI, Adílson de Abreu. "Fundamentos legais para o combate Revista de Direito Tributário, 78/165.
à poluição ambiental". Boletim do Interior 16-30. São Paulo, Secretaria do
Interior. BARRETO FILHO, Oscar. "A forma jurídica das empresas públicas do Estado e
do Município". Revista da Procuradoria do Estado de São Paulo 2.
- - - - - , e MEIRELLES, Hely Lopes. Assuntos Municipais. Porto Alegre, BARROS, Laan de Oliveira. "Considerações sobre a certidão negativa de tribu-
1965.
tos". Finançás Públicas Municipais (Revista da Prefeitura Municipal de São
AZEVEDO NETTO, Domingos Theodoro de, MOREIRA LIMA E MOREIRA, Paulo) 3. Setembro-outubro de 1974.
Antônio Cláudio, DE AMBROSIS, Clementina, e NOGUEIRA FILHO, Dal- BARROS, Luiz Celso de. Responsabilidade Fiscal e Criminal. São Paulo, EDI-
mo do Valle. O Solo Criado. CEPAM, setembro de 1975. PRO,2001.
BARROS JÚNIOR, Carlos S. de. "A codificação do direito administrativo", RT
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, 1971. 179.
- - - - - . Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., atualizada por Misabel Abreu _ _ _ _ o"A representação política". RT 236.
Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 1999. BARROSO, Manuel de Carvalho. "Notícia acerca da história administrativa da
- - - - - . Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 1951. cidade do Rio de Janeiro", Revista de Direito da Procuradoria-Geral da Pre-
- - - - - . "Normas gerais de direito financeiro". Finanças em Debate l. feitura do (então) Distrito Federal I.
- - - - - . Uma Introdução à Ciência das Finanças. v. I. Rio de Janeiro, 1950, BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho Administrativo. vs. IV e VI. Bue-
1955 e 1972. nos Aires, 1952 e 1956.
BALTAR, Antônio Bezerra. Introdução ao Planejamento Urbano. Recife, 1957. BASCHWITZ, Jacques. L 'Urbanisme et I'Aménagement Foncier. Paris, 1976.
BANDEIRA, Souza. Processo dos Feitos da Fazenda Pública. BASSAND, Michel. Urbanisation et Pouvoir Politique. Genebra, 1974.
814 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

BASSAS, Juan José Perulles. La Empresa Pública y su Normativa. Barcelona,


1970.
BASTOS, Tavares. A Província. 1870.
T
I
BIBLIOGRAFIA

BOUTET, Daniel. Les Problemes ROlltiers allx États Unis. Paris, 19~9. ..
BRANCO, Plínio A. Diretrizes Modernas pa:a. a Concessão de ServIços de Utzlz-
dade Pública. São Paulo, Prefeitura MumcIpal, 1949.
BRAZ, Petrônio. Direito Municipal na Constituição. Livraria de Direito, 1994.
815

BATALHA, Wilson Campos. Loteamentos e Condomínios. v. I. São Paulo, 1953.


BATISTA, Joana Paula. Remuneração dos Serviços Públicos. São Paulo, Malhei- BRUGI, Biagio. Della Proprietà. v. I. Roma, 1918. ..
ros Editores, 2005. BUENO, Vera. Licitação na Modalidade de Pregão. São Paulo, MalheIros EdI-
BAUDRY-LACANTINERIE. Traité Théorique de Droit Civil. v. V. Paris, 1899. tores,2003.
BAUER, John. E.ffective Regulation ofthe Public Utilities. Nova York, 1925. BURDEAU, Georges. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques. Paris,
_ _ _ _o Transforming Public Utility Regulation. Nova York, 1950. 1962.
BECKERT, Carl L. Modern Democracy. Nova York, 1941. BUSSAMARA, Walter Alexandre. Taxas - Limites Constitucionais. São Paulo,
BELTRAN, Juan Ramón. "La locura como fenómeno edilicio", Revista de Dere- Malheiros Editores, 2003.
cho y Administración Municipal 11.
BÉNOIT, F. P. Le Droit AdministratifFrançais. Paris, 1968. CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Lisboa, 1965.
BERÇAITZ, Miguel Angel. Problemas Jurídicos deI Urbanismo. Buenos Aires, CALÓGERAS, Pandiá. Formação Histórica do Brasil. Rio de Janeiro, 1938.
1972. CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. v. I. Rio de Janeiro, 1956.
BERNARDI, Ovídio. Do Município em Juízo. São Paulo, Ed. RT, 1964. CARBÓ, Luís Marqués. El Municipio en el Mundo. v. I. Barcelona, ~9.66.. "
_____ . O Município e a Nova Legislação Federal após a Revolução de 31 de CARNEIRO, Alaim de Almeida. "Ciência e certidão dos atos admimstratlvos ,
Março de 1964. São Paulo, 1965. RDA 10. .
_____ . O Município e o Novo Código de Processo Civil. São Paulo, 1976. CARNEIRO, Athos Gusmão. "Sociedade de economia mista, prestadora de servI-
_____ . Responsabilidades dos Prefeitos Municipais. São Paulo, Ed. RT, 1962 ços públicos. Penhorabilidade de seus bens". RT749. .
e 1964. CARNEIRO, Levi. Organização dos Municípios e do Distrito Federal. Rio de
BERTHÉLEMY. Droit Administratif. 1933. Janeiro, 1953.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil Comentado. vs. I e III. Rio de Janeiro, 1936 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed.
e 1938. São Paulo, Malheiros Editores, 2007.
_____ . Soluções Práticas de Direito. v. IV. 1923. CARVALHO, Orlando de. Política do Município. 1946.
_ _ _ _o Teoria Geral do Direito. 2ª ed. CARVALHO PINTO, Carlos Alberto. Normas Gerais de Direito Financeiro. Pu-
BEZNOS, Clóvis. Poder de Polícia. São Paulo, 1979. blicação da Prefeitura Municipal de São Paulo, 1949.
BIELSA, Rafael ClIestiones de Administración Municipal. Buenos Aires, 1930. CASANY, Enrique Jardí. El Planeamiento Urbanístico. Barcelona, 1976. .
_____ . Derecho Administrativo. v. I. Buenos Aires. CASTILHOS, Júlio de. Exposição de Motivos da Lei Estadual 19, de 12 deJa-
_____ . Principios de Régimen Municipal. Buenos Aires, 1962. neiro de 1897. .
_____ . Restricciones y Servidumbres Administrativas. Buenos Aires, 1923. CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal- Direito Metropolitano. Belo Hon-
BIGHAM e JONES. PrincipIes ofPublic UtiUties. Nova York, 1937. zonte, 1979.
BITTENCOURT, Lúcio. "Da concessão de certidão administrativa". RDA 1. _____ . Direito Municipal Positivo. 4ª ed. Belo Horizonte, 1999. .
BLACK. Handbook ofAmerican Constitutional Law. 1927. CASTRO, Sônia Rabello de. O Estado na Preservação dos Bens Culturais. RIO
BLUMENSTEIN. Sistema di Diritto delle Imposte. 1954. de Janeiro, Renovar, 1991.
BONFANTE. Istituzioni di Diritto Romano. 1921. CAVALCANTI, Amaro. Regime Federativo e a República Brasileira, 1900.
BONNARD, Roger. Précis de Droit Administratif. Paris, 1935 e 1940. CAVALCANTI, Luiz Carlos Mafra. "Mandado de segurança impetrado contra
BORGES, Alice Gonzales. "Reflexões sobre a gestão de recursos hídricos no Es- autoridade municipal". BDMI0. 1996. .
tado da Bahia". RDA 2l3. CAVALCANTI, Themístoc1es. A Constituição Federal Comentada. v. L RIO de
BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2ª ed. São Paulo, Malheiros Janeiro, 1948.
Editores, 1999. _____ . "A empresa pública no Direito Brasileiro". RDA 91. . ..
BORSI. "Le funzioni deI comune italiano". Trattato de Orlando. v. 11, 2ª Parte. _ _ _ _o "Representação 96, sobre a inconstitucionalidade de dISPOSItiVOS da
BOURJOL, Maurice. La Réforme Municipale. Paris, 1975. Constituição do Estado de São Paulo de 1947". RF 125.
816 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
1 BIBLIOGRAFIA 817

CEPAMIFUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA. Política Municipal de Meio


I CRUZ, Flávio da. Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. São Paulo, Atlas.
Ambiente. São Paulo, 1991. CUSTÓDIO, Helita Barreira. Autonomia do Município na Preservação Ambien-
- - - - - . O Município em Perguntas e Respostas. São Paulo, Malheiros Edi- tal. São Paulo, 1976.
tores, 1997.
- - - -. Natureza Jurídica do Plano Diretor (tese de pós-graduação). Roma,
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Siste- 1975.
ma Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1990.
- - - - - . Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. São Paulo, Ed. D'ALESSIO, Francesco. Istituzioni di Diritto Amministrativo. V. I. Turim, 1939.
RT,1992. DALLARI, Adílson de Abreu. "Acumulação de mandatos de deputado e vice-
- Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Saraiva,
_ _ _o prefeito". Tribuna do Direito janeiro de 1997.
São Paulo, 1982. _ _ _ _o "Fundação privada". RDP 98.
COLAÇO, Magalhães. Concessões de Serviços Públicos. Lisboa, 1928. _ _ _ _o "O Município na Constituição de 1988". Boletim de Direito Munici-
COLE, Harry J. "Distritos industriais - Delimitação e localização". O Município pal8. NDJ, agosto de 1989.
e o Direito Urbano. Rio de Janeiro, 1974. _ _ _ _ o "O uso do solo metropolitano", RDP 14/285.
---,---' Programa de Desenvolvimento Metropolitano no Brasil. Rio de Ja- _ _ _ _o Regime Constitucional dos Servidores Públicos. São Paulo, 1976.
neiro, 1967.
_ _ _ _o "Servidões administrativas". RDP 59-60.
COLLADO, Pedro Escribano. La Propiedad Privada Urbana: Encuadramiento y _ _ _ _o "Subsídios para a criação imediata das entidades metropolitanas".
Régimen. Madri, Editorial Monte Corvo, 1979.
RDP 12 e BI 16-30.
COOLEY Constitutional Limitation. Nova York, 1903. _ _ _ _ , e FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade. 2ª ed. São Paulo, Malheiros
CORRÊA FILHO, Rui Barbosa. Dos Crimes contra a Administração Pública e o Editores, 2006.
Decreto-lei 201/67. São Paulo, 1974.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Município Brasileiro. São Paulo, 1961.
CORREIA, Arícia Fernandes, FLAMARION, Eliana Pulcinelli, e VALLE Vanice DAVIS, Kingsley, e outros. Cidades - A Urbanização da Humanidade. Rio de
Regina Lírio do. Despesa de Pessoal: a Chave da Gestão Pública Re~ponsá­ Janeiro, trad. Reznik, 1972.
velo Rio de Janeiro, Forense, 2000.
DE AMBROSIS Clementina MOREIRA LIMA E MOREIRA, Antônio Cláudio,
COSTA, Antônio Tito. Manual do Prefeito. Elaborado pelo IBAM para o SE- NOGUEIRA'FILHO, Dal~o do Valle, e AZEVEDO NETTO, Domingos Theo-
NAM. Ministério do Interior, 1967.
doro de. O Solo Criado. CEPAM, setembro de 1975.
- - - - - . "O Município diante da Emenda Constitucional 1/69". RDP 10. DE GROER, Etienne. "Introdução ao Urbanismo". Leituras de Administração
- - - - - . O Vereador e a Câmara Municipal. São Paulo, 1964 e 1965. Municipal. Rio de Janeiro, mAM, 1957.
- Recursos em Matéria Eleitoral. São Paulo, Ed. RT, 1992.
_ _ _ o
DE VALLES, Arnaldo. In: Trattato, de Orlando. V. VI, Parte I.
- Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores. São Paulo, Ed. RT,
_ _ _ o
DEARING, Charles, e OWEN, Wilfred. Tol! Roads and Problem ofHighway Mo-
1975.
dernization. Nova York, 1951.
- - - - - . Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores. 2ª ed. São Paulo, Ed. DEBEYRE e DUEZ. Traité de Droit Administratif. 1952.
RT,1988.
DEODATO, Alberto. As Funções Extrafiscais do Imposto. 1949.
COS!~, José Ruben~. "So~o ~riado ou a inconstitucionalidade da subtração do
dIreIto de constrUIr do dIreito de propriedade". BDM 1. 1996. - - - -· Manual de Ciência das Finanças. 1954.
DERZI Misabel Abreu Machado. In MARTINS, Ives Gandra da Silva, e NAS-
COSTA, Lopes da. Direito Processual Civil. V. I. Rio de Janeiro, 1941. CIMENTO, Carlos Valder do (orgs.). Comentários à Lei de Responsabilidade
COSTA, Maria de Lourdes Cesarino. O Solo Criado como Instrumento de Eqüi- Fiscal. São Paulo, Saraiva, 2001.
dade. CEPAM, 1976.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas,
COUCERLLE. Traité de la Voirie. 1ª ed. 1990.
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. portuguesa. Porto, 1954. - - - - · Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo, Atlas, 1997.
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Municipal. São Paulo, 1976. - - - -· Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo, Atlas.
- "Regime jurídico das empresas públicas". RDA 106.
_ _ _o

- - - -· Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo, Atlas, 2001.


- - - - - . "Serviços comerciais e industriais do Estado". RDM28. - - - -· Do Direito Privado na Administração Pública. São Paulo, Atlas,
- - - - - . Tratado Geral das Desapropriações. Rio de Janeiro, Forense, 1980. 1989.
CRUZ, Alcides. Direito Administrativo Brasileiro. 1914. _ _ _ _o "Fundações públicas". RDA 11. 1988.
BIBLIOGRAFIA 819
818 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

_____ . Parcerias na Administração Pública. 3ª ed. São Paulo, Atlas, 1999. _ - - - , e DALLARI, Adilson de Abreu. Estatuto da Cidade. 2ª ed. São Paulo,
_____ . Servidão Administrativa. São Paulo, 1978. Malheiros Editores, 2006.
_ - - - , LIMA, Cláudio Vianna de, ROCHA LAGOA, Paulo Francisco da, e
DICKERSON, Reed. A Arte de Redigir Leis. Rio de Janeiro, trad. Forense, 1965. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. In: O Município e o Direito Urbano.
DILLON. Commentaries on the Law of Municipal Corporation. v. L 1890. Rio de Janeiro, 1974.
DINCKINSON, J. "Judicial control of official discretion". Selected Essays on FERREIRA, Adelmar. Natureza da Multa no Sistema Fiscal Brasileiro. 1949.
Constitutional Law IV. FERREIRA, Álvaro Erix. "Configuração dos loteamentos urbanos e rurais". Re-
DROMI, Roberto. Ciudad y Municipio. Buenos Aires, 1997. vista do IRIB 2.
DUARTE, Clenício da Silva. "Responsabilidade de prefeitos e vereadores". RT FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo, Malheiros Editores,
446. 2001.
DUEZ e DEBEYRE. Traité de Droit Administratif. Paris, 1952. FERREIRA, Sérgio de Andréa. "O tombamento e o devido processo legal". RDA
DUGUIT, Léon. Droit Constitutionnel. Paris, 1923. 208.
FERREIRA, Wolgran Junqueira. Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.
_ _ _ _o Las Transformaciones Generales deI Derecho Privado. Madri, Po-
sada, 1931. São Paulo, EDIPRO, 1978 e 1994.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira.
_ _ _ _o Traité de Droit Constitutionnel. v. IV. Paris, 1924.
São Paulo, 1972.
DUMONT, Cícero. Organização Municipal Comparada. Belo Horizonte, 1976. _ _ _ _o Do Processo Legislativo. São Paulo, 1968.
DURÇO, Roberto. "A problemática da poluição". Justitia 100. FIGUEIREDO, Lucia Valle. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.
DUVERGER, Maurice. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel. Paris, São Paulo, 1978.
1962. _ _ _ _o Disciplina Urbanística da Propriedade. 2ª ed. São Paulo, Malheiros
Editores, 2005.
EATON. The Government ofMunicipalities. Nova York, 1890. _ _ _ _ o Extinção dos Contratos Administrativos. 3ª ed. São Paulo, Malheiros
EBERLING, Ernest J. CongressionalInvestigations. Nova York, 1928. Editores, 2002.
FIGUEIREDO, Marcelo. Agências Reguladoras. São Paulo, Malheiros Editores,
2005.
FAIRLIE e KNEIER. County Government andAdministration. Nova York, 1950. FIGUEIREDO FERRAZ, José Carlos de. Perspectivas Urb~nas na América Lati-
FALCÃO, Alcino Pinto. "A cláusula de reversão na concessão de serviço públi- na. Trabalho apresentado na Conferência Latino-Amencana sobre Desenvol-
co". RDP 15. vimento Urbano, em Bogotá. Agosto de 1975. .
_____ . "Poder de polícia e poluição sonora". RDP 16. FLAMARION Eliana Pulcinelli, CORREIA, Arícia Fernandes, e VALLE, Vamce
FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. v. L São Paulo, Regina Lírio do. Despesa de Pessoal: a Chave da Gestão Pública Responsá-
1974. vel. Rio de Janeiro, Forense, 2000.
FAYOL, Henry. "The administrative theory in the State". Papers on the Science of FLEINER, F. Les Principes Généraux du Droit AdministratifAllemand. 1933.
Administration. Nova York, 1937. FLEIUS, Max. História Administrativa do Brasil. 1928.
FERNANDES, Deonízio, e outros. Da Responsabilidade do Prefeito. São Paulo, FONROUGE, Giuliani. Derecho Financiero. v. I. Buenos Aires, 1970.
1967. FONSECA, Tito Prates da. Autarquias Administrativas. São Paulo, 1935 e 1938.
FERNÁNDEZ, Antonio Carceller. Casos Prácticos de Derecho Urbanístico. Ma- FRAGA, Gabino. DerechoAdministrativo. México, 1947 e 1948.
dri, 1970. FRAGOLA, Giuseppe. Urbanistica ed Edilizia. Pádua, 1972.
FERRAR!, Célson. Curso de Planejamento Municipal Integrado - Urbanismo. FRAGOLA, Umberto. DirittoAmministrativo. Roma, 1949.
São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1977. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. "Noção jurídica de autarquia". RT
FERRAR!, Regina Maria Macedo Nery. Elementos de Direito Municipal. São 131.
Paulo, Ed. RT, 1993. _ _ _ _o "Organização administrativa das empresas públicas". RDP 15 ..
FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. "O regime especial das autarquias educacio- FREUND, Ernst. Administrative Powers over Persons and Property. ChIcago,
nais". RDPG 17. 1939.
FERRAZ, Sérgio. "Direito ecológico - Perspectivas e sugestões". RPGRS 2. Por- FURLAN, Valéria C. P. Apontamentos de Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo,
to Alegre, 1972. Malheiros Editores, 2002.
820 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 821

- _ _ _o IPTU 2ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2004. 1 HAURIOU, M. Droit Administratif. Paris, 1925.

GALLOWAY, George B. The Investigative Fonction. Londres, 1927. I HERCULANO, Alexandre. História de Portugal. 1ª ed., v. VII.
HEREDÍA, Horacio. Control Administrativo sobre los Entes Autárquicos. Buenos
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. "A autonomia do Município Brasilei- Aires, 1942.
ro". Revista Jurídica-Instituição Toledo de Ensino.
GARCIA, Maria. "Política urbana e a questão habitacional". Cadernos de Direito
I HODGES, Henry. City Management - Theory and Practice of Municipal Admi-
nistration. Nova York, 1959.
Constitucional e Ciência Politica 22, Ed. RT.
HORTA, Raul Machado. "Posição do Município no direito çonstituciona1 federal
GARREAU, Roger. Le "Local Government" en Grande Bretagne. Paris, 1959. brasileiro". RDP 63.
GEDDES, Patrick. Cities in Evolution. Londres, 1898.
GILLI, J. P. Redéjinir le Droit de Propriété. Paris, 1975. ILBERT, Couternay. Legislative Methods and Forms. Oxford, 1901.
GIRARD. Droit Romain. 1906.
IZAGA, Luís. Elementos de Derecho Político. v. 11. Bilbao, 1922.
GIROLA. "Sanzioni penali e sanzioni amministrative". Rivista di Diritto Pubbli-
co 21.
JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, 1958.
GIROLD, M. Droit de la Protection de la Nature e de I 'Environnement. Paris JACQUIGNON, Louis. Le Droit de I'Urbanisme. Paris, 1956 e 1965.
1973. '
JELLINEK, G. Diritti Pubblici Subbietivi.
GOLDSCHMIDT, James. Derecho Procesal Civil. Madri, 1936.
_ _ _ _o L 'État Moderne et son Droit. v. I. 1931.
GOMES, Arthur Carlos A. Pereira. "Os serviços de transporte e sua tributação"
RDP28. . JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado. 4ª ed. São Paulo, Saraiva, 1994.
GOMES ..JT!NI0R; L~iz ~an?el. "O di~eito constitucional de obter informações
JONES e BIGHAM. PrincipIes ofPublic Utilities. Nova York, 1937.
e certldoes de orgaos publIcos e o cnme de responsabilidade de prefeitos". RT JOUSSELIN. Servitudes d'Utilité Publico v. 11. 1911.
708. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Adminis-
GONNENWEIN, Otto. Derecho Municipal Alemán. Trad. de Saenz-Sagaseta trativos. 5ª e 6ª eds. São Paulo, Dialética, 1998 e 1999.
Madri, 1967. . _ _ _ _o Concessões de Serviços Públicos. São Paulo, Dialética, 1997.
GONZALES, Mario Bernaschina Derecho Municipal Chileno. Santiago, 1952. _ _ _ _o Pregão. São Paulo, Dialética, 2001.
GOODNOW, J. Droit Administratifdes États-Unis. Trad. francesa da 2ª ed.
GORDIL LO, Agustín A. Empresas deI Estado. Buenos Aires, 1966. LAUBADERE, André de. Contrats Administratifs. v. I. Paris, 1956.
GOUNE:t:'JWEIN, Otto. Derecho Municipal Alemán. Trad. de Saenz-Sagaseta. _ _ _ _o Manuel de Droit Administratif. 10ª ed. Paris, 1976.
Madn,1967. _ _ _ _o Traité de DroitAdministratif. Paris, 1957.
GRAU, Eros Roberto. Aspectos Jurídicos do Solo Criado. CEPAM, 1976. _ _ _ _o Traité de Droit Administratif. v. lI. Paris, 1963.
- - - - - . "Concessão de direito real de uso". RDP 5. LAVEDAN, Pierre. Histoire de I'Urbanisme. vs. I e IV. Paris, 1952.
- "Fundações privadas". RDP 98.
_ _ _ o
LAXES, Cortines. Regimento das Câmaras Municipais. Rio de Janeiro, 1885.
- Regiões Metropolitanas. São Paulo, 1974.
_ _ _o
LAZZARINI, Álvaro. "Consumidor de serviços públicos - Dever de indenizá-lo
GRECA, Alcides Derecho y Ciencia de la Administración Municipal. vs. I e II. enquanto cidadão". RT774.
Santa Fé, 1953 e 1943. _ _ _ _o Estudos de Direito Administrativo. São Paulo, 1995.
- "Polícia sanitária". RDA 3.
_ _ _ o

_____ . "Limites do poder de polícia". Justitia 170. 1995.


- Régimen Legal de la Construcción. Buenos Aires, 1956.
_ _ _ o
_____. "Poder de polícia x abuso de poder". RT 721.
GUl~TZEVICH, Mirkine. Les Nouvelles Tendences du Droit Constitutionnel. Pa- LEAL, Víctor Nunes. "Alguns problemas municipais em face da Constituição".
nS,1942.
Estudos sobre a Constituição Brasileira. Rio de Janeiro, 1954.
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Alteração Unilateral do Contrato Adminis- _ _ _ _ o Coronelismo, Enxada e Voto (o Municfpio e o Regime Representativo
trativo. São Paulo, Malheiros Editores, 2003. no Brasil). Rio de Janeiro, 1948.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro _ _ _ _o "Lei e regulamento". RDA 1 e 2.
1957. '
_ _ _ _o "Personalidade judiciária das Câmaras Municipais". Problemas de
Direito Público. Rio de Janeiro, 1960.
HANSON, A. H. Public Enterprise and Economic Development. Londres, 1954. _ _ _ _ o "Problemas de técnica legislativa". RDA 2.
822 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 823

LENTINI, Arturo. Istituzioni di Diritto Amministrativo. Milão, 1939. _ - - - , e NASCIMENTO, Carlos Valder do (orgs.). Comentários à Lei de
LIMA, Cláudio Vianna de, FERRAZ, Sérgio, ROCHA LAGOA, Paulo Francisco Responsabilidade Fiscal. São Paulo, Saraiva, 2001.
da, e MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. In: O Município e o Direito _ - - - , e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). ISS LC 116/2003. Curiti-
Urbano. Rio de Janeiro, 1974. ba, Juruá, 2004.
LIMA, Herotides da Silva. Código de Processo Civil Brasileiro Comentado. v. I, MARTINS, Sergio Pinto. Manual do ISS, 5ª ed. São Paulo, Atlas, 2003.
1940. MARTINS JÚNJOR, Wallace Paiva. "Despoluição das águas". RT 729.
LIMA, Ruy Cime. Princípios de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo, Malhei- MARTORANO, Dante. Direito Municipal. Rio de Janeiro, Forense, 1985.
ros Editores, 2006. MASAGÃO, Mário. Natureza Jurídica da Concessão de Serviço Público. São
LIRA, Ricardo Pereira. "Concessão do direito real de uso". RDA 163. Paulo, 1933.
LOPES, João Batista. Condomínio, 8ª ed. Ed. RT. MASPÉTIOL e LAROQUE. La Tutelle Administrative. Paris, 1936.
LOPES, Levindo Ferreira. Câmaras Municipais. 1884. MASTRANG, McNIGHT e SINCLAIR. Environmental Pollation Controlo Lon-
dres, 1974.
MacDIARMID, John. Government Corporation and Federal Funds. Nova York, MATEO, Ramón Martín. Derecho Ambiental. Madri, 1977.
1938. _ _ _ _o El Municipio y el Estado en el Derecho Alemán. Madri, 1965.
MacGEARY, Nelson. The Development of Congressional Investigative Power. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. "Agências reguladoras e suas característi-
Nova York, 1941. cas". RDA 218.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo, Ma- MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira. V. r. Rio de Ja-
lheiros Editores, 2008. neiro, 1948.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. "Apontamento sobre a repressão legal da po- _ _ _ _ oHermenêutica e Aplicação do Direito. Porto Alegre, 1948.
luição". RT 458. MAYER, Otto. Derecho Administrativo Alemán. vs. II e lII. Buenos Aires, trad.
_ _ _ _ ,. "Controle da poluição e o Decreto-lei 1.413175". RT 525. Depalma, 1950 e 1951.
_ _ _ _ oDireito Ambiental Brasileiro. 16ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, MAYNS, Droit Romain. V. I. Paris, 1870.
2008. MAZZA, Alexandre. Agências Reguladoras. São Paulo, Malheiros Editores,
_ _ _ _ o"O parcelamento do solo, o meio ambiente e a qualidade de vida". O 2005.
Estado de S. Paulo 9.3.1980. McNIGHT, MASTRANG e SINCLAIR. Environmental Pollation ContraI. Lon-
_ _ _ _ o"Poluição por pesticidas". RT 499. dres, 1974.
_ _ _ _ o"Poluição por resíduos sólidos - Implicações jurídicas". RT 485. MEDAUAR, Odete. Controle Administrativo das Autarquias. São Paulo, 1976.
_ _ _ _ o"Urbanismo e poluição -Aspectosjuridicos". RT469. _ _ _ _ oDireito Administrativo Moderno. São Paulo, Ed. RT, 1996.
MACHADO GUIMARÃES, Luiz de Macedo Soares. In RDPG 14. MEDEIROS, Océlio de. O Governo Municipal no Brasil. s/do
MACHADO JÚNIOR, Armando Marcondes. Direito Municipal. São Paulo, _ _ _ _o Reorganização Municipal. 1945.
1984. MEIRELLES, Hely Lopes. A Reurbanização de Santana e Jabaquara. EMURB.
MACHADO JÚNIOR, J. Teixeira, e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comen- _ _ _ _ o.Área Metropolitana e sua Administração. São Paulo, 1966.
tada. 25ª ed. IBAM, 1993. _ _ _ _ ,. "As restrições de loteamento e as leis urbanísticas supervenientes".
MAIA, Carneiro. O Município. 1883 e 1885. RT463 eRDA 120.
MALBERG, Carré de. Teoría General deI Estado. México, 1948. _ _ _ _ ,. "Aspectos legais relacionados com a poluição do ar". Estudos e Pare-
MALHEIROS, Arnaldo. Manual das Eleições Municipais. São Paulo, 1963. ceres de Direito Público. V. I. São Paulo, Ed. RT, 1971 e 1973.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo, 1954. _ _ _ _ o "Desapropriação para urbanização". Estudos e Pareceres de Direito
MARCONI, Plínio. "La pianificazione regional e, intercomunale e comunale". Público. V. lI. São Paulo, Ed. RT, 1977.
Urbanistico, Rivista dell 'Istituto Nazionale di Urbanistica 21. Roma, maio _ _ _ _ o"Desapropriação para urbanização". RDA 116.
de 1957. _ _ _ _ oDireito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo, Malheiros Edi-
MARIENHOFF, Miguel S. Domínio Público. Buenos Aires, 1955. tores, 2008.
MARTINS, Daniel Hugo. EI Municipio Contemporáneo. Montevidéu, 1979. _ _ _ _ oDireito de Construir. 9ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2005.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. "Competência legislativa municipal para apro- _ _ _ _ oEstudos e Pareceres de Direito Público. vS. lI, VIII, IX, X e XI. São
veitamento do solo urbano". BDMI2, 1996. Paulo, Ed. RT, 1977, 1984, 1986 e 1988.
824 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 825

_____ . "Fundamentos legais para o combate à poluição das águas". RDPGRJ MONTEIRO, João. Aplicação do Direito.
14.1965. MONTESQUIEU. De I'Esprit des Lois. Paris, 1748.
_____ . Licitação e Contrato Administrativo. 14ª ed., 2ª tiro São Paulo, Ma-
lheiros Editores, 2007.
°
MONTORO, Eugênio Franco. Município na Constituição Brasileira. São Pau-
lo, 1975 e 1976.
_____ . "Limitações urbanísticas ao uso da propriedade". Revista de Direito MOOJEN, Guilherme. Orçamento Público. Rio de Janeiro, 1959.
da Procuradoria-Geral da Prefeitura do (então) Distrito Federal 8.
MORAES, Antão de. "Autarquia". RDA 59.
_____ . Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Manda-
do de Injunção, "Hábeas Data ", Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 1ª ed. Rio de
Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Pre- Janeiro, 1984.
ceito Fundamental. 31 ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008. _ _ _ _ oDoutrina e Prática das Taxas. São Paulo, Ed. RT, 1976.
_ _ _ _ o "Pedágio - Condições para sua cobrança". RT 430, RDA 104 e RDP _ _ _ _ o Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, São Paulo, Ed. RT,
16. 1975.
_____ . "Poder de polícia, desenvolvimento e segurança nacional". RDA _ _ _ _o Sistema Tributário da Constituição de 1969. V. I do Curso de Direito
125. Tributário. São Paulo, Ed. RT, 1973.
_____ . "Poder de polícia e segurança nacional". RT 445. MORAES, Luíza Rangel de, WALD, Arnoldo, e WALD, Alexandre. O Direito de
_____ . "Poder de polícia no Município". RDPGRJ 4. Parceria e a Nova Lei de Concessões. São Paulo, 1996.
_ _ _ _ o "Polícia sanitária". Estudos e Pareceres de Direito Público. V. L São MORAND-DEVILLER, J. Le Droit de I'Environnement. Paris, 1987,
Paulo, Ed. RT, 1973. MOREIRA LIMA E MOREIRA, Antônio Cláudio, DE AMBROSIS, Clementina,
_____ . "Proteção ambiental e ação civil pública". RT 611. NOGUEIRA FILHO, Dalmo do Valle, e AZEVEDO NETTO, Domingos Theo-
_ _ _ _, e AZEVEDO, Eurico de Andrade Azevedo. Assuntos Municipais. doro de. O Solo Criado. CEPAM, setembro de 1975.
Porto Alegre, 1965. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. "Agências reguladoras - Natureza jurí-
MELO, Diogo Lordelo de. A Moderna Administração Municipal. Rio de Janeiro, dica, competência normativa, limites de atuação". RDA 215.
1960. _ _ _ _ o"Poder concedente para o abastecimento de água". RDA 213.
MELO, Jose Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. _ _ _ _ oIntrodução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. 1ª ed. Rio
5ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2006. de Janeiro, 1975.
_____ . ISS - Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª ed. São Paulo, Dalética, 2004. _ _ _ _ , LIMA, Cláudio Vianna de, FERRAZ, Sérgio, e ROCHA LAGOA,
MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Estudos de Direito Constitucional. Rio de Paulo Francisco da. In: O Município e o Direito Urbano. Rio de Janeiro,
Janeiro, 1957. 1974.
MENDES, Cândido. Código Filipino. 1ª ed. MORGAND, León. La Loi Municipale. Nancy, 1963.
MENDES, Raul Armando. "Plano diretor de desenvolvimento integrado". Bole- MORIN, De I'Alignement. 1ª ed. Paris, 1926.
tim do Interior 10. São Paulo, Secretaria do Interior. MORSELLI, Emanuele, Le Finanze degli Enti Pubblici Non-Territoriali. Pádua,
MENDES JÚNIOR, João. "As idéias de Soberania, Autonomia e Federação". Re- 1943.
1'ista da Faculdade de Direito de São Paulo XX. _ _ _ _ o "Parafiscal idade e seu controle", Publicação n. 3 do Instituto Brasi-
MICHAUD, Léon. Théorie de la Personalité Morale. 3ª ed., vs, I e n. Paris, leiro de Direito Financeiro. 1954.
1960. MOUCHET, Carlos. La Organización y Planificación deI Area Metropolitana.
MrOONE, Luís. Las Ciudades. Buenos Aires, 1940. Buenos Aires, 1969.
_____ . Las Ciudades de los Estados Unidos. Buenos Aires, 1955. MOURÃO, Carvalho. "Os Municípios". Revista do Instituto Histórico e Geográ-
MILARÉ, Edis. "A ação civil pública em defesa do ambiente". Ação Civil Públi- fico Brasileiro. Tomo especial do I Congresso de História Nacional, Parte IH
ca. São Paulo, Ed. RT, 1995. (pp. 305 e ss.).
_ _ _ _ o"Tutela jurídica do meio ambiente". Justitia 132. MOURÃO, Laís de Almeida. "Inconstitucionalidade de lei orgânica do Município
MILHOMENS, JÔnatas. "Da intangibilidade dos bens públicos". RDPG 2. que fixa a maior o percentual mínimo exigido pela CF para o Município desti-
MOHRHOFF, Frederico, Trattato di Diritto e Procedura Parlamentare. Roma, nar à manutenção e desenvolvimento do ensino". BDM6. 1996,
1948. _____ . "Mandato gratuito para vereadores - Inconstitucionalidade". BDM
MONTANO, Salvador Dana. Estudios de Política y Derecho Municipal. Mara- 2.1996.
caibo, 1962. MOUSKHELI. La Théorie Juridique de I 'État Federal. 1931.
826 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 827

MUKAI, Toshio. "Aspectos jurídicos da proteção ambiental no Brasil". RDP 73. _ _ _ _o Receitas Não Tributárias - Taxas e Preços Públicos. 2ª ed. São Paulo,
_____ . Concessões e Permissões de Serviços Públicos. São Paulo, 1996. Malheiros Editores, 2003.
_____ . Direito Administrativo e Empresas do Estado. Rio de Janeiro, Foren- _ _ _ _o Servidores Públicos. 2ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008.
se, 1984. OLIVEIRA, Yves de. Curso de Direito Municipal. Rio de Janeiro, 1958.
_ _ _ _o Direito Ambiental Sistematizado. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense Uni- OWEN, Wilfred, e DEARING, Charles. Tol! Roads and Problem ofHighway Mo-
versitária, 1994. dernization. Nova York, 1951.
_____ . "Distinção entre serviços públicos industriais ou comerciais e ativida-
des econômicas". Revista do Advogado 17. PACELLI, Mario. La Pianijicazione Urbanística. Milão, 1966.
_ _ _ _o "Responsabilidade solidária da Administração por danos causados ao PASSERON, Serge. L 'Autonomie de Géstion des Établissements Publics Natio-
meio ambiente". Justitia 141. naux. Paris, 1968.
PAULO VI. Carta Apostólica "Octogesima Adveniens n.
PAUPÉRIO, Machado. O Município e o seu Regime Jurídico no Brasil. Rio de
NASCIMENTO, Carlos Valder do, e MARTINS, Ives Gandra da Silva (orgs.).
Janeiro, 1959.
Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo, Saraiva, 2001.
_ _ _ _o Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro, 1958.
NASCIMENTO FRANCO, J. "Loteamentos fechados", Tribuna do Direito, ou-
PEIXOTO, Marcelo Magalhães, e MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). ISS
tubro/2005, p. 6. LC 116/2003. Curitiba, Juruá, 2004.
NERY JÚNIOR, Nélson. "Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação PEREIRA, Sílvio. Imóveis a Prestação. São Paulo, 1958.
civil pública". Justitia 126.
PEREIRA FILHO, Jessé Torres. Comentários à Nova Lei de Licitações Públicas.
NESMES-DESMARETS. De la Responsabilité Civile des Fonctionnaires. Paris, Rio de Janeiro, Renovar, 1993.
1943.
PIMENTA, Eurípedes Carvalho. "Autarquias de regime especial- Limites de tu-
NOEL, Georges-Henri. Le Droit de l'Urbanisme. Paris, 1956 e 1957. tela". RDPG 16.
NOGUEIRA, Carlos Rodrigues. "Certidões para defesa de direito". RDA 60. PINHEIRO, Hésio Fernandes. "Sigilo administrativo". RDA 64.
NOGUEIRA, J. C. Ataliba. O Município e os Munícipes na Constituição de 1946. PINTO, Bilac. "O declínio das sociedades de economia mista e o advento das
São Paulo, 1947. modernas empresas públicas". RDA 32.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Administração e Responsabilidade dos Prefeitos e Ve- _ _ _ _o Regulamentação Efetiva dos Serviços de Utilidade Pública. Rio de
readores. São Paulo, 1974. Janeiro, 1941.
NOGUEIRA, Rui Barbosa. "Criação e formalização do crédito fiscal". RT273. PINTO, Luiz Antônio de Toledo. Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo, Sa-
_ _ _ _ o Direito Financeiro. São Paulo, 1969. raiva.
_____ . Teoria do Lançamento Tributário. São Paulo, 1935. PINTO, Roger. "A empresa pública autônoma de caráter econômico, em direito
comparado". RDA 47.
_ _ _ _o Curso de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo, Bushatsky, 1971.
PIVA, Alfredo de Almeida. "As sociedades de economia mista e as empresas pú-
NOGUEIRA FILHO, Dalmo do Valle, MOREIRA LIMA E MOREIRA, Antô- blicas". RDA·60.
nio Cláudio, DE AMBROSIS, Clementina, e AZEVEDO NETTO, Domingos
POMPEU, Cid Tomanik. Autorização Administrativa (tese). São Paulo, Ed. RT,
Theodoro de. O Solo Criado. CEPAM, setembro de 1975.
1979.
NOVELLI, Flávio Bauer. "Apontamentos sobre o conceito jurídico de taxa". RDA _ _ _ _o "Controle da poluição hídrica no Brasil". RDA 130.
189.
_ _ _ _o "Legislação ambiental aplicável às grandes represas". Revista DAE
NUNES, Castro. Do Estado Federado e sua Organização Municipal. Rio de Ja- 116.
neiro, 1920. _ _ _ _o "Natureza jurídica da autorização". RDA 142.
_ _ _ _o "O exercício do poder de polícia pelas empresas públicas". RF 258.
OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual do ISS. Campinas, LZN, 2004. _ _ _ _o "O Município e os recursos hídricos". Informativo Municipal 2. São
OLIVEIRA, Gonçalves de. "Fornecimento de certidões pelas repartições públi- Paulo, 1990.
cas". RDA 15. _ _ _ _o Regime Jurídico da Polícia das Águas Públicas. São Paulo, CETESB,
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. São Paulo, 1976.
Ed. RT, 1985. _ _ _ _o "Saneamento básico e recursos hídricos na legislação metropolitana".
_____ . Responsabilidade Fiscal. São Paulo, Ed. RT. Revista DAE 100.
828 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 829

PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários à Constituição de 1946. ts. I e IlI. _____ . "Contribuição de melhoria na Constituição de 1988". Repertório IOB
Rio de Janeiro, 1947. de Jurisprudência 19. 1993.
_____ . Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. t. _ _ _ _o (Coord.). O ISS ea LC 116. São Paulo, Dialética, 2003.
lI. São Paulo, 1970. ROCHA LAGOA, Paulo Francisco da, FERRAZ, Sérgio, LIMA, Cláudio Vianna
_ _ _ _o Tratado de Direito Predial. t. IlI. Rio de Janeiro, 1959. de, e MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. In: O Município e o Direito
PORCHAT, Reynaldo. "Posição jurídica dos Estados Federados perante o Estado Urbano. Rio de Janeiro, 1974.
Federal". Revista da Faculdade de Direito de São Paulo Xv. RODRIGUES, Carlos Roberto Martins. "A crise e a evolução do conceito de ser-
PORTO, Odyr, e PORTO, Roberto. Apontamentos à Lei Eleitoral. São Paulo, Ma- viço público". RDP 57-58.
lheiros Editores, 1998. RODRIGUES, Eduardo Celestino. "Combate à poluição merece profunda revisão
PORTO NETO, Benedicto. Concessão de Serviço Público no Regime da Lei n. de critérios". O Estado de S. Paulo 31.8.1975.
8.987/95 - Conceitos e Princípios. São Paulo, Malheiros Editores, 1998. RODRIGUES, José Martins. "Autarquia". RDA 33.
PRADO, Lucas Navarro, e RIBEIRO, Mauricio Portugal. Comentários a Lei de RODRIGUES, Priscilla Figueiredo C. Contribuição de Melhoria. São Paulo, Ma-
PPP. São Paulo, Malheiros Editores, 2007. lheiros Editores, 2002.
PRIEUR, Michel. Droit de I'Environnement. 2ª ed. Paris, Dalloz, 1991. ROGERS, Ernesto. "Verifica culturale deIl'azione urbanistica". Revista Urbanis-
tica 23. Roma, março de 1958.
RACINE, Raymond. Au Service des Nationalisations - L 'Enterprise Privée. Pa- RONCHEY, Alberto. Le Autonomie Regionali e la Costituzione. Roma, 1952.
ris, 1935. ROSAS, Roberto. "Perspectiva jurídica da Região Metropolitana". RDP 28.
RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública. São ROSIER, Camile. L'Urbanisme. Paris, 1953.
Paulo, LTr, 2001. RUMPLER, M. Situation du Réseau Routier Français. Paris, 1948.
RAMOS, José Nabantino. "Empresas públicas". RDA 107 e RDP 17.
RANELLETTI. Istituzioni di Diritto Pubblico. 1937. SÁ, A. Nogueira de. Do Controle Administrativo sobre as Autarquias. São Paulo,
REALE, Miguel. "Da recorribilidade dos atos administradores das autarquias". 1952.
RDA 23. _ _ _ _o "Regulamentos de execução". Administração Pública 3.
_____ . Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Forense. SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª
REIS, Heraldo da Costa, e MACHADO JÚNIOR, J. Teixeira. A Lei 4.320 Comen- ed. São Paulo, LTr, 1998.
tada. 25ª ed. IBAM, 1993. SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Ju-
REIS, José Alberto dos. Código de Processo Civil Português. v. L Lisboa, 1944. risprudência. São Paulo, Ed. RT, 1980.
RELATÓRIO DO CONGRESSO NORTE-AMERICANO. Tol! Roads and Free _____ . A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 3ª ed. São
Roads, 1938. Paulo, Ed. RT, 1995.
RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário. 3ª ed. SAMPAIO, Nélson de Sousa. O Processo Legislativo. São Paulo, 1968.
São Paulo, Malheiros Editores, 2008. SAMPAIO DÓRIA. "Autonomia dos Municípios". Revista da Faculdade de Di-
RIBEIRO, Manoel. O Município na Federação. SalvadorlBA, 1959 e 1960. reito de São Paulo XXIV.
RIBEIRO, Mauricio Portugal, e PRADO, Lucas Navarro. Comentários a Lei de _____ . Curso de Direito Constitucional. vs. I e 11. São Paulo, 1946.
PPP. São Paulo, Malheiros Editores, 2007. SEABRA FAGUNDES, M. Da Desapropriação no Direito Brasileiro. Rio de Ja-
RIPERT, Georges. O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno. São Paulo, neiro, Freitas Bastos, 1949.
Saraiva, 1937. SECRETARIA DOS NEGÓCIOS METROPOLITANOS DO ESTADO DE SÃO
RIVALLAND, Jean-Marie. Les Charges d'Urbanisme. Paris, 1969. PAULO. Parcelamento do Solo Urbano - Comentários à Lei 6.766/79. IOE,
RIVERO, Jean. Droit Administratif. Paris, 1962 e 1968. 1980.
_ _ _ _o "O regime das empresas nacionalizadas e a evolução do direito admi- SELIGMAN, Edwin. Essays on Taxation. 1895.
nistrativo". RDA 49. SERPA LOPES, M. M. Tratado dos Registros Públicos. 2ª ed., v. III. Rio de Ja-
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública. São neiro.
Paulo, Malheiros Editores, 2005. SIBS. "Finance for State duty". British Tax Review 1956.
ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Aspectos Relevantes da Lei de Responsabi- SILVA, Antônio Marcello da. Contratações Administrativas. São Paulo, 1971.
lidade Fiscal. São Paulo, Dialética, 2001. SILVA, Carlos Medeiros. "Leis inconstitucionais". RF 196.

,
c4J
830 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 831

_ _ _ _ o"O poder regulamentar e sua extensão". RDA 20. _ _ _ _ oCompêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro, 1954.
SILVA, Christiano Martins da. Direito Público Municipal e Administração dos _ _ _ _ oEstudos de Direito Tributário. São Paulo, 1950 e 1953.
Municípios. Belo Horizonte, 1952. _ - - - o "Limite dos poderes do Fisco quanto à revisão de lançamento". RDA
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12ª ed., V.1. Rio de Janeiro, Forense, 14.
1997. _ _ _ _ o"Normas gerais de direito financeiro". RF 155.
SILVA, Edgard Neves da. Curso de Direito Tributário (Ives Gandra da Silva Mar- _ _ _ _ o"Revisão do conceito de taxa". RDA 26.
tins, coord.). 8ª ed. São Paulo, Saraiva, 2001; 9ª ed.
SOUTY, Pierre. Recueil de Jurisprudence en Matiere Administrative. Paris,
SILVA, Francisco Teodoro da. Do Poder na Órbita Municipal. Belo Horizonte,
1961. 1946.
SPANTlGATI, Federico. Diritto Urbanístico. Milão, 1969.
_____ . Planejamento Urbanístico Municipal. Tese de concurso para a cá-
tedra de Administração Municipal da Escola de Arquitetura da UMG. Belo STANCANELLI, Giuseppe. I Consorci nel Diritto Amministrativo. Milão, 1963.
Horizonte, 1963. STOCCO, Rui, SILVA FRANCO, Alberto, e outros. Leis Penais Especiais e sua
SILVA, José Afonso da. Boletim-Roteiro para Elaboração das Leis Orgânicas Interpretação Jurisprudencial. São Paulo, Ed. RT, 1995.
Municipais. CEPAM. STORY, Joseph. Commentaries on the Constitution ofthe United States. 5ª ed., V.
_ _ _o _ _ oCurso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. São Paulo, Ed. RT. I. Nova York.
_ _ _ _ o Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo, Malhei- STROPPA, Yara Martinez de C. e Silva. "Processo legislativo orçamentário - Re-
ros Editores, 2008. jeição pelo Legislativo" (parecer). BDM5. 1992.
_ _ _ _ o Comentário Contextual à Constituição. 5ª ed. São Paulo, Malheiros SUNDFELD, CarlosAri. "Fundações governamentais". RDP 97.
Editores, 2008. _ _ _ _ oParcerias Público-Privadas. 1ª ed., 2ª tiro São Paulo, Malheiros Edi-
_ _ _ _ oDireito Ambiental Constitucional. 6ª ed. São Paulo, Malheiros Edi- tores, 2007.
tores, 2007. SZKLAROWSKY, Leon Frejda. "Convênios administrativos". RT 669.
_ _ _ _o Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo, Malheiros Editores,
2008. TÁCITO, Caio. "Administração e poder de polícia". RDA 39.
_ _ _ _o "Inovações municipais na Constituição de 1988" (em homenagem _ _ _ _ o"Anulação de leis inconstitucionais". RDA 59.
póstuma a Hely Lopes Meirelles). RT 669. _ _ _ _ o"As empresas públicas no Brasil". RIJA 84.
_ _ _ _ o Manual do Vereador. 5ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2004. _ _ _ _ o"Bens públicos - Cessão de uso". RDA 32.
_ _ _ _ o O Município na Constituição de 1988. São Paulo, Ed. RT, 1989. _ _ _ _ o"Conceito de autarquia". RDP 4.
_ _ _ _ o"O Poder Legislativo dos Municípios". RDP 17 e 19.
- - - - · "Concessão real de uso de terras públicas". RDA 150.
_ _ _ _ o O Prefeito e o Município. CEPAMlSecretaria do Interior do Estado _____ . Ensino Superior Oficial. Parecer dado ao Conselho Federal de Educa-
de São Paulo, 1977. ção em 3.6.1981 e publicado pela UFRJ, Rio de Janeiro, 1981.
_____ . Orçamento-Programa no Brasil. São Paulo, 1972 e 1973.
- - - -· O Ensino do Direito Administrativo no Brasil. 1957.
_ _ _ _ o"Poder de polícia - Atribuição a entidade paraestatal". RDA 132. _ _ _ _ oO Equilíbrio Financeiro na Concessão de Serviço Público (tese). Rio
_____ . Processo Constitucional de Formação das Leis. 2ª ed., 2ª tiro São de Janeiro, 1960.
Paulo, Malheiros Editores, 2007. _ _ _ _ o"O poder de polícia das construções". Direito Administrativo. Rio de
SILVA, Martins. Direito Público Municipal e Administração dos Municípios. Janeiro, 1975.
Belo Horizonte, 1952. _ _ _ _ o"O poder de polícia e seus limites". RDA 27.
SILVEIRA JÚNIOR, Evaristo. "Servidões administrativas". RT 293. _____ . "Poder de iniciativa e poder de emenda". RDA28.
SINCLAIR, McNIGHT e MASTRANG. Environmental Pollation Controlo Lon-
dres, 1974. - - - - -· "Problemas atuais da desapropriação". Conferência pronunciada no
I Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado em Curitiba, em
SISTO, Agostinho. Istituzione di Diritto Pubblico. Roma, 1948. fevereiro de 1975.
SOARES, Antônio Carlos Otoni. A Instituição Municipal no Brasil. São Paulo, _ _ _ _ o"Regime constitucional dos servidores públicos". RDP 26.
Ed. RT, 1986. _ _ _ _ o"Regimejuridico das empresas estatais". RDA 195.
SODRÉ, Eurico. A Desapropriação. São Paulo, 1955. _ _ _ _ o "Saneamento básico - Região Metropolitana - Competência esta-
SOUSA, Rubens Gomes de. "A revisão de lançamento de impostos". RDA 40. dual". RDA 213.
832 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO BIBLIOGRAFIA 833

TEIXEIRA, J. H. MeireIles. A Competência Municipal na Regulamentação dos VITO, Francesco. "Controle da empresa pública". RDA 60.
Serviços Públicos Concedidos. 1948. VITTA, Cino. DirittoAmministrativo. V. L Turim, 1948.
_ _ _ _ oEstudos de Direito Administrativo. v. I. São Paulo, 1947 e 1949. VITTA, Heraldo Garcia. Sanção no Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros
_ _ _ _ oEstudos de Direito Público. v. L São Paulo, 1949. Editores, 2003.
_ _ _ _o O Estatuto dos Funcionários e a Autonomia Municipal. 1947. VV.AA. Ação Civil Pública. São Paulo, Ed. RT, 1995.
_ _ _ _ o"O problema dos ruídos urbanos na Administração loca!". Estudos de - - - -. Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro, Forense,
Direito Administrativo. v. I, 1949. 1986.
TALAMINE, Daniele Coutinho. Revogação do Ato Administrativo. São Paulo,
Malheiros Editores, 2002. WALD, Amoldo. "As áreas metropolitanas". RDPG 26/150.
TELES, Ney Moura. Direito Eleitoral. São Paulo, Atlas, 1998. _ _ _ _ , MORAES, Luíza Rangel de, e WALD, Alexandre. O Direito de Par-
TELLES, Antônio A. Queiroz. Natureza e Regime Jurídico do Tombamento. São ceria e a Nova Lei de Concessões. São Paulo, 1996.
Paulo, Ed. RT, 1992. WALLACE, Leon H. "Structure of local government". Metropolitan Area Pro-
TEMER, Michel. Elementos de Direito constitucional. 22" ed., 2" tiro São Paulo, blems. São Francisco, 1965.
Malheiros Editores, 2008. WALLINE, MareeI. Traité de Droit Administratif. Paris, 1963.
TESORO. Principii di Diritto Tributário. 1938. WEBB, Sidney. The Story ofKing s Highway. Londres, 1922.
TESTA, Virgilio. Manuale di Legislazione Urbanística. Milão, 1956. WILLOUGHBY. The Constitutional Law ofthe United States. V. L 1949.
TOLOSA FILHO, Benedicto de. Comentários à Nova Lei de Responsabilidade
Fiscal - Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Rio de Janeiro, YOUNG, James T. The One-Man Power. Nova York, 1953.
Temas & Idéias, 2000.
TRIPP, Alker. Town Planning and Road Traffic. Londres, 1952. ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. V. L Milão, 1936 e 1959.
TROTABAS, Louis. De I'Utilisation du Domaine Public par les Particulieres.
ZAVALA, Flores. Finanças Públicas Mexicanas. 1955.
Paris, 1924.
_ _ _ _ oManuel de Droit Public et Administratif. Paris, 1975. ZAVALIA, Clodomiro. Derecho Municipal. Buenos Aires, 1941.
TUCKER. The Constitution ofthe United States. v. I. 1889. ZENHA, Edmundo. O Município no Brasil. 1948.
ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória. São
Paulo, Malheiros Editores, 2005.
u.S. PUBLIC ROADS ADMINISTRAnON. Highway Development, Adminis-
tration and Finance, 1948.
ULHÔA CANTO, Gilberto de. Curso de Direito Financeiro. 1958.
_____ . Temas de Direito Tributário. V. L Rio de Janeiro, 1964.

VALENZUELA, Raul Bernardo Garrido. Las Empresas Estatales. Chile, 1966.


VALLE, Vanice Regina Lírio do, CORREIA, Arícia Fernandes, e FLAMARION,
Eliana Pulcinelli. Despesa de Pessoal: a Chave da Gestão Pública Responsá-
vel. Rio de Janeiro, Forense, 2000.
VASSALLI, Filippo. "A missão do jurista na elaboração das leis". RDA 28.
VEDEL, Georges. Droit Administratif. Paris, 1961.
_ _ _ _ oDroitAdministratif. V. 11. Paris, 1959.
VEIGA FILHO. Manual de Ciências das Finanças. Rio de Janeiro, 1923.
VIANA, Arruda. O Município e a sua Lei Orgânica. São Paulo, 1950.
VIDIGAL, Geraldo. Fundamentos do Direito Financeiro. São Paulo, Ed. RT,
1973.
VILA, Machado. O Município no Regime Constitucional Vigente. Porto Alegre,
1952.
VIRGA, Pietro. Le Inchieste Parlamentari. Roma, 1951.
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO
(Os números romanos referem-se aos capítulos;
os arábicos, aos itens dentro dos capítulos)

A Política Nacional de Recursos Hídricos,


VIII/2.3
Ação potável e industrial, VIl/6.2.1
civil pública, 004.4 regime jurídico, VIIl/2.3
de desapropriação, VIl/5.1 remuneração dos serviços, VIl/6.2.1
regressiva contra o servidor municipal, Sistema Nacional de Gerenciamento de
IV/8 Recursos Hídricos, VIIl/2.3
Ação civil pública tarifa, VIl/6.2.1
ajuizada pelo Ministério Público, 004.4 Alienação
contra o prefeito, XIl/3 e 4.4 dação em pagamento, VI/4.3
danos aos bens e direitos de valor estético, de bens imóveis, Vl/4
IX/3.8 de bens móveis, VI/4
para proteção ambiental, 004.4 de bens públicos, VI/4
Ação popular doação, VI/4.2
- ajuizamento contra o Município, VIl/2.5 enfiteuse, VI/4.6
- contra ato do prefeito, XIl/3 investidura, VI/4.5
Administração da documentação pública, permuta, Vl/4.4
XIl/3.20 - venda, VI/4.1
Administração Pública Alinhamento - conceito e frnalidade,
- centralizada, VIl/4.1 VIl/6.1.2, IX/3.3.2
- descentralizada, VIl/4.1 Alíquotas progressivas - ver: Imposto pre-
Administração Pública Municipal- ver: dial e territorial urbano (IPTU)
Município Alvará
Aforamento - ver: Enfiteuse conceito, VIIl/1.7
Agência, VIl/4.2.3 - exercício do poder de polícia, VIIl/2.2
- executiva, VIl/4.2.4 - revogação, VIIl/2.2
- reguladora, VIl/4.2.5 Anexação de Município, Il/2
Agente político - responsabilidade civil, Anistia - ver: Crédito tributário
XIl/4.4 Anúncios e cartazes - competência munici-
Agente público pai, 003.8
- responsabilidade civil, IV/8 Aquisição de bens municipais, Vl/6
- vereadores, Xl/2.1 Ar
Águas controle da poluição, VIII/2.4, IX/4.1
Agência Nacional de Águas, VIIl/2.3 - controle térmico, VIIl/2.4
galeria de águas pluviais, VIl/6.3 - polícia da atmosfera, VIII/2.4
Plano Nacional de Saneamento Básico, Arquivos municipais, XIl/3.20
VII/6.2.1 Arquivos públicos, XIl/3.20
pluviais, VIl/6.3 Arruamento-conceito e finalidade, VII/6.1.1,
polícia das águas, VIIl/2.3 003.3.1
836 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSNO 837

Assessoria técnico-legislativa municipal, cessão de uso, VI/3.2.6 autorização para isenção de tributo, XII plentes, XII2.2.3.3
Xl/2.5 classificação, VI/1.2 3.12 prerrogativas, Xl/l.3
Assistência social conceito, VII!. 1 autorização para perdão de dívida ativa, presidente, XII2.2.2
- competência municipal, VIII6.13 e 6.13.3 - concessão especial de uso, VI/3.2.5 Xl/3.12 principais atribuições do plenário, XII3
- conceito e finalidade, VIII6.13.3 concessão de direito real de uso, VI/3.2A capacidade processual, XIII.3 processo e julgamento das infrações políti-
Atividades urbanas - exercício do poder de concessão de uso, VI/3.2.3 cassação do mandato de prefeito e de verea- co-administrativas, XIII4.2.1
polícia, VIII/2.9 consórcio imobiliário, VI/6, IX/1.4.2.13 dores, XII3.17 processo legislativo, XII3.1.5
Atos dação em pagamento, VII4.3 chefia dos seus serviços, XIl2.2.3.5 projetos com prazo para apreciação, XII
administrativos ilegais ou inconstitucio- de uso comum do povo, VI/1.2.l e 3.1 comissões de inquérito, XIl2A.2.2 3.1.6
nais, XIII3.3 de uso especial, VI/l.2.2 e 3.2 comissões especiais, XII2.4 e 2.4.2 promulgação de \eis e outros atos, XII
"interna corporis", XII1.3 direito de preempção, VI/6, 001.4.2.8 comissões especiais de estudos, XIl2A.2.1 2.2.3.2
legislativos inominados, XII3.IA direito de superfície, VI/3.2.4, IX/I.4.2.7 comissões especiais de representação so- publicidade das sessões, Xl/2.3.2
municipais, XIII3.3 doação, VI/4.2 cial, XIl2.4.2.3 "quorum", Xl/2.3.3 e 3.1.5.3
Autarquia dominiais, VI/I.2.3 comissões legislativas, XIl2.4 recinto legal, Xl/2.3.l
agência, VIII4.2.3 enfiteuse, VIl4.6 comissões permanentes, XII204. I representação, XII2.2.2
agência executiva, VII/4.2A forma de aquisição, VI/6.l competência legislativa, XII3 .1. 7 representação a autoridades, XII3.l4
agência reguladora, VIII4.2.5 impenhorabilidade, VI/S.2
bens e rendas, VIII4.2.1.2 composição, XII2 requisição de força, XII2.2.3.7
imprescritibilidade, VI/5.1 composição das comissões permanentes, requisição de numerário, Xl/2.2.3.6
caracteres, VII/4.2.1.2 investidura, VI/4.5
conceito, VII/4.2.1.1 XII2.4.1.2 secretaria, XIl2.5
legitimação de posse, VIIl.2.3 composição de governo, NI6
contratos, VII/4.2.1.2 serviços auxiliares, XII2.5
não-oneração, VIlS.3
controle autárquico, VII/4.2.IA composição de seu funcionalismo, XIl2.2.1 servidores,XII2.5
permissão de uso, VIl3.2.2
de regime especial, VII/4.2.2 considerações gerais, XIII sessão ordinária, sessão extraordinária e
permissão de uso especial, VIl3.2.2
instituição, VIII4.2.1.2 controle externo da gestão financeira e or- solene, XIl2.3.2
permuta, VII4.4
orçamento, VII/4.2.1.2 çamentária, XII/3.12 sessões, XIl2.3.2
receita obtida com a alienação, VI/4.l,
patrimônio, VII/4.2.1.2 controle externo do Município, V/4.11 tesouraria, XIl2. 5
XII/3.6
pessoal, VIII4.2.1.2 convocação extraordinária pelo prefeito, tomada de contas do prefeito e do presi-
requisitos para aquisição, VI/6.l
privilégios, VIII4.2.1.3 XII/3.14 dente da Mesa, XIl3.7
terras devolutas, VI/1.2.3
remuneração, VII/4.2.1.2 declaração de extinção de mandatos, XIl3.1.2 vereadores, XIl2.1
terrenos de marinha, VI/I.2.3
Auxílios e subvenções - concedidos pela uso, VII3 deliberação sobre licença do prefeito e de votação das leis orçamentárias, XIl3.5
União e pelo Estado, V/3.4.5 vereador, XI/3.16 votação de leis, XII3.1.1
venda de bem público, VII4.l
Auto-executoriedade no poder de polícia, direção de seus serviços, XI/2.2.1 Capacidade jurídica do Município, IV/2
VIIIII.6.2 dualidade de Mesas, XII2.2.5 Cargo público
C
Autonomia municipal elaboração de seu regimento interno, XIl3.2 - criação, transformação e extinção, X/2.1
administrativa, III/3.2 Calçamento - conceito, VIII6A eleição da Mesa, X1/3.3 - de prefeito, XII/2.1
conceito e caracteres, III/2 e 3 Câmara de Vereadores - ver: Câmara Mu- fixação de remuneração do prefeito e dos Carta Própria - ver: Lei orgânica do Mu-
disposições constitucionais, III/3 nicipal vereadores, XI/3.15 nicípio
eletividade do prefeito, do vice-prefeito e Câmara Municipal função administrativa, XII1.2A Cemitérios - serviço funerário, VI1/6.1 O
dos vereadores, III/3.1.2 e 3.1.2.1 assessoria técnico-legislativa, XII2.5 função de assessoramento, XII 1. 2.3 Certidões
financeira, IU/3.3 apreciação de veto, Xl/3.1.6 e 3.4 função de controle e fiscalização, XI/1.2.2 expedição, XII/3.20
legislação local, III/3.1 e 3.1.2.6 aprovação do plano diretor, Xl/3.13 função legislativa, XIlI.2.1 - gestão documental, XIII3.20
política, Il1/3.1 e 3.1.2.6 atos "interna corporis", XII 1. 3 funções, XIII.2 - gratuidade, XlII3.20
Autorização atribuições da Mesa, XI/2.2.1 histórico, XIII Cessão de uso de bem público, VIl3.2.6
de serviço público, VII/4.2.9A atribuições de outros membros da Mesa, interpretação do regimento, XI/2.2.3.1 Cidade
de uso de bem público, VI/3.2.1 XII2.2A mandato de vereador, XII2.1.2 alinhamento,IX/3.3.2
atribuições do plenário, XI/3 Mesa da Câmara, XII2.2 arruamento,IX/3.3.1
B atribuições do presidente, XII2.2.2 e 2.2.3; natureza, XliI.I características, 1II4.3
Xl/2.2.3 natureza e composição da Mesa, XIl2.2.1 circulação, 003.3.4
Bens municipais autorização para abertura de créditos, pareceres das comissões permanentes, colocação de anúncios e cartazes, 003.8
administração, VII2 XI/3.6 XII2A.1.1 controle das construções, IX/3. 7
alienação, VIl4 autorização para alienação de imóveis, participação na organização do funciona- danos aos bens e direitos de valor estético,
aquisição, VI/6 Xl/3.10 lismo, X/2.2 ação civil pública, 003.8
áreas verdes e institucionais, VIl2 autorização para convênios e consórcios, pedido de informação e de comparecimen- Estatuto da Cidade, V/3.1.1 e 3.1.1.3,
autorização da Câmara para alienação de XII3.11 to do prefeito, XIl3.8 VI/3.2.4 e 6, VIIl2.3 e 5.1, 001.4.2 e 2.1 a
imóvel, Xl/3.1O autorização para empréstimos, subvenções, plenário, XIl2.3 e 3 2.3, XlII3.11 e 3.19
autorização de uso, VI/3.2.1 concessões e permissões, Xl/3.9 posse do prefeito, do vice-prefeito e su- estética urbana, 003.8
838 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 839

funcionalidade, 003.3.7 competência comum, IV/4 decadência, V/2.7.4 de serviço público, Vl1/4.1
gestão democrática, 001.4.2.13 competência municipal, IV/4, VII/I. 1 exclusão, V/2.7.7 e 4.8 empresas estatais, VlI/4.2.7
nivelamento, 003.3.3 direito urbanístico, 001.4 exigibilidade, V /2.7.1 entes de cooperação, VlI/4.2.8
ordenamento urbano, IX/3 normas gerais de defesa e proteção da saú- extinção, VI2.7.2 entidades paraestatais, VIl/4.2.8.1
patrimônio histórico, artístico e cultural, de, VII1/2.1 - demais modalidades de extinção, organizações sociais, VlI/4.2.8.3
IX/3.8 normas gerais de direito financeiro e de V/2.7.6 serviços sociais autônomos, VlI/4.2.8.2
proteção paisagística, monumental e histó- direito tributário, V /2.12 - pagamento, V/2.7.3 Desmembramento
rica, 003.8 poderes implícitos, IV/4 - prescrição, V/2.7.5 - conceito, 11/2
regulamentação edilícia, 003.1 poderes reservados, IV/4 - remissão, V/4.8 - plebiscito, 11/3
salubridade, 003.3.5 sistema orçamentário, V/4.1 Criação de Município Despesa com pessoal - limites e controle,
segurança, 003.3.6 Constituição Municipal- ver: Lei orgânica ato político, II/2 X/1.2.1
subdivisão em zonas e bairros, 11/4.3 municipal - autorização legal para alienação de imó- Despesa municipal
ver também: Estatuto da Cidade Construções veis, XIl3.10 conceito, V/4.9
Coercibilidade do poder de polícia, VIII/ autorização para abertura de crédito, XIl3.6 empenho, V/4.9.2
alvará de licença, VII1/2.2
autorização para convênios e consórcios, liquidação, V/4.9.3
1.6.3 clandestinas, Vl11/2.2
Coleta de lixo X1/3.11 orçamento da despesa, V/4.9.1
código de obras, 003.7
autorização para isenção de tributos e per- pagamento, V/4.9.4
- aterro. sanitário, Vl1/6.14 controle, 003.7
dão de dívida ativa, X1/3.12 Direito de construir
- competência municipal, X/6.14 embargo da obra, Vl11/2.2
autorização para empréstimos, subvenções, - outorga onerosa, 001.4.2.11
Comarca - regime juridico, 11/4.4 exercício do poder de polícia, V1I1/2.2
concessões e permissões, XIl3.9 - transferência, 001.4.2.11
Comissões fiscalização, Vl1I/2.2
emancipação de Distrito, 11/2 Direito de preempção, VI/6, 001.4.2.8
composição, XI/2.4.1.2 projeto da obra, VlII/2.2
- fases, 11/2 Direito de superficie, VI/3.2.4, 001.4.2.7
de inquérito, XI/2.4.2.2 regulamento das construções urbanas,
plebiscito, 11/3 Direito financeiro - normas gerais, V12.12
especiais, X1/2.4 e 2.4.2 Vl1I/2.2
procedimento vinculado, 11/2 Direito municipal- origem e evolução, 1/1.1
especiais de estudos, XI/2.4.2.1 revogação do alvará, VIII/2.2 Crime contra as finanças públicas, V /2.11 Direito tributário
especiais de representação social, XIl2.4.2.3 Consulta - documentos públicos, Xl1/3.20 Crime de responsabilidade, XIl/3.8, 3.9, 4, alíquota, V/2.4
legislativas, XI/2.4 Contrato administrativo 4.1.1, 4.1.6, 4.4 anistia, V/2.7.8
- pareceres, XI/2.4.1.1 celebrado pelas fundações, VlI/4.2.6.1
permanentes, XI/2.4.1 celebrado por autarquias, VII/4.2.1.2 atualização de valores imobiliários, V/2.6.3
D base de cálculo, V/2.4
Comodato - conceito, VI/3.2.3 contratação de serviços e obras com tercei-
Competência ros, VII/4.2.10 Dação em pagamento - conceito, VI/4.3 bitributação e "bis in idem", V/2.10
comum, IV/4 de concessão de uso de bem público,·VI/ Dano crédito tributário, V/2.7 e 2.12
- para criação do Município, 11/1 3.2.3 - aspecto civil, administrativo e criminal, IV/8 dívida ativa tributária, V/2.7.9
- para organização do Município, II/l definição do objeto, VlI/4.2.1 0.1 - causado por fato administrativo, IV/8 extrafiscalidade, V /2.11
poderes explícitos, IV/4 licitação, VlI/4.2.1 0.3 reparação amigável por processo adminis- fato gerador, V/2.3
poderes implícitos, IV/4 - recursos financeiros, VII/4.2.1 0.2 trativo, IV/8 imunidade, V/2.8
poderes reservados, IV/4 Contribuição de melhoria - ver: Tributos reparação pelo Município, IV/8 incidência e não-incidência, V/2.9
remanescente, IV/4 Contribuição para o custeio do serviço de Decadência do crédito tributário, V/2.7.4 isenção, V/2.8
repartição constitucional, IV/4 iluminação pública, 3.1.4 Decreto legislativo - natureza, XIl3.1.2, lançamento, V /2.6
Concessão Contribuição parafiscal, V/2.ll1 Xl1/3.3 legislação tributária, V/2.1 e 2.12
autorização da Câmara, XI/3.9 Contribuição para o custeio do serviço de Deficiente físico - acessibilidade, VII/6.1, lei tributária, V/2.1 e 2.11
de direito real de uso, VI/3.2.4 iluminação púbica, V/1.3.3, Vl1/6.5 003.3.7 modalidades de lançamento, V/2.6.1
de serviço público, VlI/4.2.9.1 Controle da poluição, IX/4.1 Democracia - conceito, 111/2 normas gerais, V/2.12
de uso de bem público, VI/3.2.3 Convênio administrativo Desapropriação parafiscalidade, V /2.11
- para o transporte coletivo, Vl1/6.7 autorização da Câmara, X1/3.11 conceito e finalidade, Vl1/5.1 principais conceitos, V/2
Concessão especial de uso, VI/3.2.5 - definição e finalidade, VlI/4.3.1 decretação pelo prefeito, VII/S. 1, XlI/3.ll reclamação administrativa contra lança-
Concessão de uso - especial para fins de mo- - e consórcio, VII/4.3 imóvel não utilizado ou subutilizado, mento, V/2.6.4
radia, 001.4.2.6 Convite - ver: Licitação VII/S. 1, XlI/3.11 recursos contra lançamento, VI2.6.4
Concorrência - ver: Licitação Costumes - pagamento em títulos, IX/l.4.2.4 - revisão de lançamento, V/2.6.2
Concurso - ver: Licitação - conduta pública, VIII/2.7.1 - procedimento, VII/S. 1 Direito urbanístico
Consórcio administrativo - espetáculos públicos, VIII/2.7.3 Descentralização aprovação do plano diretor, XI/3.13
autorização da Câmara, XIl3.11 - jogos e sorteios, VIII/2.7.2 agências, VII/4.2.3 competência estatal, 001.4
- definição e frnalidade, VII/4.3.2 - telecomunicações, VlII/2.7.4 agências executivas, VlI/4.2.4 competência da União, 001.4.1
- e convênio, VIl/4.3 Crédito tributário agências reguladoras, VII/4.2.5 competência do Município, 001.4.4
Consórcio imobiliário, VI/6, 001.4.2.13 anistia, V/2.7.8 e 4.8 autarquias, VlI/4.2.1 e 4.2.2 competência dos Estados e do Distrito Fe-
Constituição da República - cobrança judicial, V/2.7.9 autarquias de regime especial, VII/4.2.2 deral, 001.4.3
840 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 841

conceito e finalidade, IX!I.2 inelegibilidades, IlIl3.1.2.3 Entidade paraestatal Feiras-livres - serviço público, VII/6.9.2
consórcio imobiliário, VI/6, IX!1.4.2.13 inelegibilidades especiais, III/3.1.2.3 conceito e espécies, VIIl4.2.8.1 Finanças municipais
direito de preempção, VIl6, IXII.4.2.8 inelegibilidades gerais, IlIl3.1.2.3 - organizações sociais, VIII4.2.8.3 autonomia financeira, V/1.1
Lei de Desenvolvimento Urbano, IXI1.4.1.2 mandado de segurança, UII3.1.2.4 - serviços sociais autônomos, V1I14.2.8.2 considerações gerais, VII
Discricionariedade no poder de polícia, matéria regulada pelo Código Eleitoral, Esgoto sanitário - finalidade, VIII6.2.2 contribuições, V/1.3.3
VIII/I.6.1 IlIl3.1.2.1 Esporte -lazer e recreação, V1I16.15 controle, V/4.11
Distrito posse dos eleitos, III/3.1.2 Estado-membro crédito tributário, V/2.7
- criação, organização e supressão, H/I e 2 quociente partidário, IlIl3.1.2.1 alteração do quadro territorial, II/4.1 críme contra as finanças públicas, V /2.11
- criação pelo Município, II/2 reabilitação, IlIl3.1.2.3 competência para criação de Município, crime e responsabilidade fiscal, V/4.12
- judiciário, II/4 e 4.4 recursos eleitorais, IlIl3.1.2.4 II/l despesa pública, V/4.9
- e Subdistritos, II/4.2 representação proporcional, HII3.1.2.1 divisão territorial, II/4 direito tributário, V 12
Dívida instituição de aglomerações urbanas, mi- dotação orçamentária, V /4.10
requisitos da eleição de prefeito e vice-
- fundada ou consolidada, HI/4.2, V/2.12 prefeito, HI/3.1.2 e 3.1.2.1 crorregiões e regiões metropolitanas, III5 empréstimos externos e internos, V/3.4.2
emissão e venda de títulos da dívida públi- requisitos para eleição de vereadores, intervenção no Município, IlIl4 extrafiscalidade, V /2.11
ca, V/3.4.3 IIII3.1.2 e 3.1.2.1 interventor estadual, UII4.1 fiscalização financeira e orçamentária,
limite global, V/3.4.2 sufrágio universal, IIII3.1.2 Estatuto da Cidade, V/3.1.1 e 3.1.1.3, VII V/4.11
pública mobiliária, V/3.4.2 3.2.4 e 6, VIl/2.3 e 5.1, IXI1.4.2 e 2.1 a Fundo de Participação dos Municípios,
voto direto, secreto e obrigatório, IU/3.1.2
Restos a Pagar, V/3.4.5, 4.9.4 e 4.12 2.3, XII/3.11 e 3.19 V/3.2.6
Emissão e venda de títulos da dívida públi-
Dívida ativa concessão especial de uso, VII3.2.5 ICMS, V/3.2.4
ca - ver: Receita municipal
- execução, XII/3.16 concessão de uso especial para fms de mo- IPI, V/3.2.5
Empregado público - ver: Servidor muni-
- prescrição, XII/3.16 cipal radia, IXII.4.2.6 IPVA, V/3.2.3
Dívida fundada ou consolidada, IIl/4.2 desapropriação com pagamento em títulos, ISS, V/3.1.3
Empresa estatal ou governamental, VIII
Dívida pública - ver: Receita municipal 4.2.7 IX!I.4.2.4 ITBI, V/3.1.2
Divisão administrativa, II/4 direito de preempção, VI/6, IX!1.4.2.8 ITR, V/3.2.2
administração, VIl/4.2.7.1
Divisão judiciária, II/4 e 4.4 direito de superficie, VII3.2.4, 001.4.2.7 imposto, V/1.3.1
atos de dirigentes, VII/4.2.7.1
Divisão territorial, II/4 estudo de impacto de vizinhança, 001.4.2.12 imposto adicional, V/1.3.1.7
características, VIl/4.2.7.1
Doação de bens municipais, VI/4.2 gestão democrática da cidade, 001.4.2.13 imposto de renda, V/3.2.1
Documentação pública competência para instituição, VII/4.2. 7. I
IPTU progressivo no tempo, V/1.3.1.6, imposto direto, V/1.3.1.1
conceito, VII/4.2.7.1
administração, XII/3.20 3.1.1 e 3.1.1.3, 001.4.2.3 imposto fixo, V/1.3.1.5
consulta, XII/3.20 contratação de obras, serviços e compras,
instrumentos da política urbana, 001.4.2.1 imposto indireto, V/1.3.1.2
VII/4.2.7.1
gestão documental, XII/3.20 operações urbanas consorciadas, 001.4.2.10 imposto pessoal, V/1.3.1.4
violação do sigilo, XII/3.20 - criação, VII/4.2.7.1
outorga onerosa do direito de construir, imposto proporcional, V/1.3.1.6
Domicílio do Município, IV/2 dependente, V/2.12, VII/4.2.7.1 imposto real, V /l.3.1.3
IX!1.4.2.9
Dotação orçamentária empresas públicas, VII/4.2.7.2 impostos partilhados,V/3.2
parcelamento, edificação ou utilização com-
conceito, V/4.10 estatuto jurídico, VIII4.2. 7. I infrações administrativas contra as leis de
pulsórios, IXI1.4.2.2
desvio de verba, V/4.10.3 orçamento, XlI/3.7 finanças públicas, XlII2.6, 4 e 4.3
transferência do direito de construir, IX!
emprego irregular de rendas, V/4.1O.4 patrimônio, VII/4.2. 7. I normas gerais de direito financeiro e de
1.4.2.11
proibição de transposição de recursos, regime de pessoal, VIII4.2.7.1 usucapião especial de imóvel urbano, IX! direito tributário, V/2.12
V/4.1O.2 serviços delegados a particulares, VU/4.2.9 1.4.2.5 operação de crédito, V/3.4.2, XIII3.8
vinculação a despesa, V/4.1O.1 sociedade de economia mista, VII/4.2.7.3 Estética orçamento municipal, V/4
Empresa pública outras receitas, V/3.4
colocação de anúncios e cartazes, IX!3.8
E conceito, VIII4.2.7.2 - nos logradouros públicos, VIlIl2.6.3 parafiscalidade, V /2.11
- patrimônio, V1I14.2.7.2 - urbana,IX!3.8 poder impositivo do Município, V/I. 1
Edificação compulsória, IXII.4.2.2 - pessoal, VII/4.2.7.2 preços, V/1.3 e 1.3.4
Estradas vicinais, VIII6.8
Educação c ensino Empréstimo Estudo de impacto de vizinhança, IX! preços públicos, V/1.3.4.l
- competência municipal, VII/6.12 - autorização legal, XI/3.9 preços semiprivados, V/1.3.4.2
1.4.2.12
- princípios constitucionais, VII/6.12 - receitas municipais, V/3.4.2 princípios orçamentários, V/4.5
Exclusão do crédito tributário - ver: Crédi-
Eleição Enfiteuse to tributário proposta orçamentária, V/4.S
ações cabíveis, HI/3.1.2.4 características, VI/4.6 Execução de obras e serviços públicos, VIIl5 receita, V/4.7
aplicação das disposições constitucionais, comisso, VI/4.6 receita pública, V/1.2
Expropriação - ver: Desapropriação
HI/3.1.2 conceito, VI/4.6 Extrafiscalidade, V 12.11 rendas municipais, V/1.2
argüição de inelegibilidade, HI/3.1.2.3 laudêmio, VIl4.6 renúncia de receita, V/4.8, XIl3.12
crime eleitoral, HI/3.1.2.3 Ensino F taxas, V/1.3.2
de prefeito, IlIl3.1.2 aplicação de parte da renda para manuten- Fato administrativo causador de dano, transparência, V/4.1l
diplomação dos eleitos, IlI/3.1.2.2 ção e desenvolvimento, UII4.4 tributos, VII. 3
IV/8
incompatibilidades, IlIl3.1.2.5 e educação, VII/6.12 Federação - conceito, IlIll tributos comuns, V/3.3
842 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
T' ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 843

Fiscalização financeira e orçamentária, polícia sanitária, VnV2.! definição de estabelecimento, V 13.1.3.2 L


V/4.11
definição de serviços tributáveis, V/3.1.3.!
Foro do Município, IV/2 Lazer
imposto municipal, V/3.1.3
Função pública - criação, transfonnação e incidência, V13.1.3.1 - e recreação, VIV6.!5
extinção, X/2.! ICMS Local do recolhimento do ISS, 3.1.3.2 - polícia de costumes, VII1/2.7
Funcionário público - ver: Servidor muni- compensação pelo Município, V/3.2.4 sujeito passivo, V/3.1.3.5 Legislação local- competência exclusiva,
cipal - conceito e incidência, V/3.2.4 Imposto sobre transmissão "inter vivos" IIV3.1.2.6
Fundação - vinculação pelo Município, V/3.2.4 (lTBI) Legitimação de posse - legislação, VIll.2.3
caracteres, VII/4.2.6.1 Iluminação pública - conceito e finalidade, alíquotas, V/3.1.2.3 Lei
conceito, VIV4.2.6 VIV6.5 base de cálculo, V/3.1.2.2 cumprimento de leis inconstitucionais, XIII
contratos, VIV4.2.6.! - contribuição para o custeio do serviço, VI contribuinte, V/3.1.2.4 3.3
dirigentes, VIV4.2.6.1 1.3.4 incidência, V/3.1.2.l processo legislativo, XV3.1.l e 3.1.5
orçamento, VII/4.2.6.1 Imóveis - autorização legal para alienação, imposto municipal, V/3.1.2 projeto de lei orçamentária, V/4.6.2
Fundo de Participação dos Municípios XV3.10 Imposto territorial rural (ITR) - participa- tributária, VI2.!
(FPM) V/3.2.6 Imóvel urbano - usucapião especial, lX/l.4.2.5 ção do Município, V/3.2.2 Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (LRF)
cálculo e critério de distribuição das quo- Impedimentos - ver: Incompatibilidades Imprescritibilidade de bem público, V1/5.l - ver: Finanças municipais
tas, V/3.2.6.2 Imunidade tributária, V/2.8 Lei 10.257, de 10.7.2001- ver: Estatuto da
Impenhorabilidade de bem público, VV5.2
comprovação da aplicação das quotas, VI Imposto Incompatibilidades Cidade
3.2.6.4 conceito, nV3.1.2.5, XV2.1.2
definição, V/1.3.1 Lei orgânica municipal- conteúdo para
instituição e aplicação, V/3.2.6.! - para o cargo de prefeito, IW3.l.2.5, XII/
- Fundo de Participação dos Municípios, elaboração, IV6
pagamento das quotas, V/3.2.6.3 2.3
V/3.2.6 Leilão - ver: Licitação
Fundos - para o mandato de vereador, IIV3.1.2.5,
ICMS, V/3.2.4 Licença
Fundo de Combate e Erradicação da Po- Xl/2.1.2
breza, V/3.2.7 IPI, V/3.2.5 - de prefeito, Xl/3.l6, XlI/2.5
IPTU, V/3.1.1 Incorporação - de vereador, Xl/2.1.5 e 3.16
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento - conceito, IV2
do Ensino Fundamental e de Valorização IPVA, V/3.2.3 Licitação
- plebiscito, IV3
do Magistério (FUNDEF), V/3.2.8 ISS, V/3.1.3 conceito e caracteres, VW4.2.l0.3
Inelegibilidade
Fundo de Participação dos Municípios, ver: ITBI, V/3.1.2 - conceito, I1I/3.1.2.3 modalidades, VIV4.2.l0.3
Fundo de Participação dos Municípios ITR, V/3.2.2 - geral ou especial, IIV3.1.2.3 para contratação de obras e serviços, XIV
Fundo Municipal da Saúde, V/3.2.9 imposto de renda, V/3.2.1 Infrações administrativas contra as leis de 3.!0
outros fundos, V/3.2.!0 Imposto de renda finanças públicas, XIV2.6, 4 e 4.3 Limitações administrativas
Fusão de Municípios - definição de renda, V 13.2.1 - competência do Tribunal de Contas para - da propriedade, VIV5.5
conceito, IV2 - participação do Município, V/3.2.1 seu processo e julgamento, XW2.6 e 4 - preservação dos recursos naturais, IX/4.2
- plebiscito, IV3 Imposto predial e territorial urbano Instrumentos da política urbana - ver: Es- Limitações urbanísticas - função social, lX/
(lPTU) tatuto da Cidade 1.3
G alíquotas, V/3.1.1.3 Interesse local- conceito, 111/3.1.2.6 Limpeza pública - competência municipal,
base de cálculo, V/3.1.1.4 Intervenção do Estado no Município, I1V4 VW6.!4
Gestão democrática da cidade, IX/1.4.2.13 contribuinte, V/3. 1. 1.5 interventor estadual, I1V4.l Lixo - coleta, VIV6.l4
Gestão fiscal- transparência, V/4.11 - fato gerador, V/3.1.! na falta de aplicação da receita de impostos Locação - conceito, VIl3.2.3
Greve no serviço público, VIV2.4.1 imposto privativo municipal, V/3.1 para o ensino, IIV4.4 Logradouros públicos
incidência, V/3.1.1.2 na falta de pagamento de dívida fundada, conforto e estética, VIIV2.6.3
H IIV4.2
progressividade no tempo, V/1.3.1.6, 3.1.1 exercício do poder de polícia, VIIV2.6
"Habeas corpus" em matéria eleitoral, nv e 3.1.1.3, IX/1.4.2.3 na falta de prestação de contas, IIV4.3 higiene e moral, VIW2.6.2
3.1.2.4 zona urbana, V 13.1.1.1 na inobservância dos princípios constitu- limpeza, VIV6.l4
"Habeas data" em matéria eleitoral, nv Imposto sobre a propriedade de veículos cionais,I1V4.5 publicidade urbana, VIIV2.6.4
automotores (lPVA) no descumprimento de lei, ordem ou deci-
3.1.2.4 segurança, VnV2.6.l
- fato gerador, V/3.2.3 são judicial, IIV4.5
Higiene pública Loteamento urbano
- regime juridico, IIV4.1
- Código de Defesa do Consumidor, VIV - participação do Município, V/3.2.3 aprovação,IX/3.6
Intervenção na propriedade, VIV5
6.13.2 Imposto sobre produtos industrializados cláusulas convencionais, IX/3.6
desapropriação VIV5.l
competência municipal, VIV6.13 e 6.13.2 (IPI) - participação do Município, V/3.2.5 conceito e caracteres, IX/3.6
limitação administrativa, VW5.5
controle sanitário, VIV6.13.2 Imposto sobre serviços de qualquer natu- e desmembramento, IX/3.6
ocupação temporária. VI1/5.4
nos logradouros públicos, VIW2.6.2 reza (ISS) especial,IX/3.6
requisição, VW5.3
polícia das plantas e animais nocivos, alíquotas, V 13.1.3.4 servidão administrativa, VW5.2 legislação, IX/3.6
VIIV2.5 base de cálculo, V/3.1.3.3 restrições, IX/3.6
Investidura - conceito, VIl4.5
844 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 845

M aplicação das rendas municipais, III/3.3.1 controle interno, V/4.11.1 estética urbana, 003.8
Mandado de injunção em matéria eleito- aprovação do plano diretor, XI/3.13 controle político-administrativo do prefei- estradas vicinais, VIl/6.8
ral, III/3.l.2.4 aquisição de bens, VI/6 to, XIII2.6 execução da dívida ativa, XIl/3.16
Mandado de segurança arruamento, alinhamento e nivelamento convênios, VlI/4.3.1 execução de leis pelo prefeito, XIV3.3
contra ato do prefeito, XII/3 VIV6.1 ' crédito especial, XV3.6 execução de obras públicas, VIV3.4
- em matéria eleitoral, III/3.1.2.4 assuntos de interesse local, IV/5 crédito suplementar, XI/3.6 expedição de alvará, VIIIl2.2
- impetração contra o Município, VIV3.5 atribuições do prefeito, XIl/2.1, 3 e 3.1 a crédito tributário, V /2.7 falta de aplicação da receita no desenvolvi-
Mandato 3.23 criação, lI/2 mento do ensino, IIl/4.4
cassação pela Câmara, XI/2.1.6 e 3.17, autarquia, VII/4.2.1 e 4.2.2 criação, transformação e extinção de car- falta de pagamento de dívida fundada,
XIV4.2.1 autonomia administrativa, IIl/3.2 gos, Xl2.1 IIl/4.2
de vereador, XV2.1.2 autonomia financeira, IIl/3.3 criação em territórios federais, lI/2 falta de prestação de contas, IIl/4.3
declaração de extinção, XV2.2.3.4 autonomia municipal, UI/3 crimes de responsabilidade, XlI/3.8, 3.9 e finanças municipais, V/I
extinção, XV2.I.6, XIV4.2.1 autonomia política, III/3.1 e 3.1.2.6 4.1.1 financiamento, V/3.4.4
impedimentos ou incompatibilidades, auxílios e subvenções, V/3.4.5 dação em pagamento, VI/4.3 fiscalização financeira, V/4.11
IIV3.1.2.5, XI/2.1.2 bens de uso comum, VV1.2.1 e 3.1 decretação de tributos, III/3.3.1 formas de execução dos serviços e obras,
perda, XV2.1.6 bens de uso especial, VI/1.2.2 e 3.2 delimitação da zona urbana, 003.5 VIV4
- processo de cassação, XV3.17 bens dominiais, VV1.2.3 desapropriação, VII/5.1 foro, IV/2
Matadouros municipais, VIV6.9.3 bens municipais, Vl/l desmembramento, Il/2 função legislativa, XU1.2.1
Meio ambiente cadastramento dos bens, Vl/2 despesas públicas, V/4.9 fundação, VII/4.2.6
ação civil pública, IXl4.4 Câmara Municipal, IV/6, XI/I dever de atendimento a lei, ordem ou deci- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
competência do Município, 004 capacidade jurídica, IV/2 são judicial, III/4.5 do Ensino Fundamental e de Valorização
controle da poluição, 004.1 cidades, IV4.3 dever de observância dos princípios consti- do Magistério (FUNDEF), V/3.2.8
infrações penais e administrativas (contra circunscrição e seção judiciária, II/4.4 tucionais, UI/4.5 Fundo de Participação dos Municípios, V/
0),004.5 classificação dos serviços públicos, VIV2.1 direitos dos usuários, VIV2.4 3.2.6
preservação dos recursos naturais, 004.2 cobrança da dívida ativa, V/2.7.9 diretrizes orçamentárias, V/4.3 Fundo Municipal da Saúde, V/3.2.9
proteção ambiental, IXl4 código de obras, IXl3.7 dívida ativa tributária, V/2.7.9 fusão, IV2
restauração dos elementos destruídos, comarca, II/4.4 dívida consolidada, V/3.4.2 galeria de águas pluviais, VIl/6.3
IXl4.3 comissões legislativas, XI/2.4 divisão administrativa, lI/4 e 4.3 governo, IV/I
Mercado competência legislativa, XII3.1. 7 divisão em Distritos e Subdistritos, lI/4.2 greve nos serviços essenciais, VIl/2.4.1
- público, VIV6.9.1 competência para criação de Distrito, II/l divisão judiciária, lI/4.4 guarda municipal, VIl/6.11
- supem~ercado ou hipermercado, VII/6.9.1 competência para instituir incompatibilida- divisão territorial, lI/4 e 5 ICMS, V/3.2.4
l\fesa da Câmara des, JIV3.1.2.5 doação de bens, Vl/4.2 iluminação pública, VlI/6.5
atribuições, XI/2.2.1 e 2.2.3 competência para isentar tributos munici- domicílio, IV/2 imposições urbanísticas, 001.3
atribuições de outros membros, XI/2.2.4 pais, XI/3.12 dotação, V/4.1O impostos, V/1.3.1
atribuições do presidente, XV2.2.2 e 2.2.3 competência para serviços e obras públi- dualidade de Mesas na Câmara, XU2.2.5 impostos partilhados, V/3.2 e 3.2.1 a 3.2.8
deliberações, XV2.2.1 cas, VIVI edifícios públicos, VIV3.2 impostos privativos, V/3.1 e 3.1.1 a 3.1.3
dualidade de Mesas, XV2.2.5 competência para sua auto-organização, educação e ensino, VII/6.12 imunidade tributária, V/2.8
eleição, XV3.3 II/I eletividade do prefeito, do vice-prefeito e incorporação, Il/2
natureza e composição, XI/2.2.1 composição da Câmara, Xl/2 de vereadores, IIl/3 .1.2 e 3.1.2.1 inobservância da Constituição Estadual,
outras atribuições do presidente, XI/2.2.3 composição do governo municipal, IV/6 em confronto com outros países, l/II IIV4.5
presidente, XII2.2.2 conceito de serviço público, VIV2.1 em Portugal, l/11.6 instrumentos de descentralização, VII/4.2
- Relatório de Gestão Fiscal, XV2.2.1 e conceituação, IV/l emissão e venda de títulos da dívida públi- interesse local, IIl/3.2, IV/5
2.2.3.5 consórcios, VIl/4.3.2 ca, V/3.4.2 intervenção do Estado, III/4
rotatividade, XI/2.2.1 contratação de serviços e obras com tercei- empreendimento de utilidade pública, isenção de tributos, V/2.8, XV3.12
Município ros, VIV4.2.1O VlI/3.4 legislação local, IIV3.1.2 e 3.1.2.6
abastecimento de água, VIV6.2 contribuição de melhoria, V/1.3.3 e 3.3.2 empresa estatal, VIl/4.2.7.1 legitimação de posse, VI/1.2.3
abertura de créditos, XIV3.8 controle autárquico, VII/4.2.1.4 empresa estatal ou governamental, VIV4.2.7 lei de parcelamento do solo urbano,
ação regressiva, IV/8 controle da execução, V/4.1 1. 1.3 empresa pública, VIl/4.2.7.2 V/3.1.1.1
administração dos bens municipais, Vl/2 controle da fidelidade funcional empréstimos, V/3.4.2 lei do orçamento anual, V/4.4
administração do patrimônio pelo prefeito, V/4.11.1.2 ' enfiteuse, VI/4.6 lei orgânica municipal, IV6
XIV3.6 controle da legalidade, V/4.11.1.1 entidade estatal, IV/3 licitação, VIl/4.2.1 0.3
administração própria, IIV3.2.1 controle da poluição, IXl4.1 entidade paraestatal, VII/4.2.8.1 limpeza de vias e logradouros e coleta de
águas e esgotos sanitários, VIl/6.2 controle das construções, 003.7 equipamento administrativo, VIl/3.2 lixo, VIl/6.14
alienação de bens, VI/4 controle e fiscalização pela Câmara, XV
anexação, II/2 equipamento urbano, VIV3.2 loteamento urbano, 003.6
1.2.2 esporte, lazer e recreação, VIl/6.15 meios de intervenção na propriedade, VIV5
846 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO
1
I ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSNO 847

I serviços autorizados, VII/4.2.9A Obra pública


mercados, feiras e matadouros, VI1/6.9 polícia das águas, VIW2.3
Mesa da Câmara, XIl2.2 polícia das atividades urbanas em geral, serviços auxiliares da Câmara, X1/2.5 atividade jurídica e social, VIIII.3
na Alemanha, 1/ 11.3 VIW2.9 serviços centralizados, VI1/4.1 classificação, VIII3.2
na Antigüidade, 1/1.1 polícia das construções, VII1/2.2 serviços concedidos, VIII4.2.9.1 competência municipal, VII/I
- na Argentina, 1/11.862 polícia das plantas e animais nocivos, VlW serviços delegados a particulares, VII/4.2.9 conceito, VIII3.1
na atualidade, 1/1.2 e 10 2.5 serviços descentralizados, Vl1/4.1 conceito de obra, VIII3.1
na Constituição de 1824,1/3 polícia de costumes, VII1/2.7 serviços desconcentrados, Vl1/4.1 contratação, VIII3.3
na Constituição de 1891,1/4 polícia de pesos e medidas, VII1/2.8 serviços permitidos, VII/4.2.9.3 contratação com terceiros, VII/4.2.1 O
na Constituição de 1934,1/5 polícia dos logradouros públicos, VIW2.6 servidão administrativa, VI1/5.2 execução, VIII3.4
na Constituição de 1937,1/6 polícia sanitária, VII1/2.1 servidores municipais, XII formas de execução, VII/4
na Constituição de 1946,1/7 - posição atual, 1/1.2 e 10 símbolos municipais, NI7 instrumentos de descentralização, VIII4.2
na Constituição de 1967,1/8 posse do prefeito, vice-prefeito e suplentes, sociedade de economia mista, VII/4.2.7.3 licitação, VIII4.2.1 0.3
na Constituição de 1969,1/8 XI/2.2.3.3 subprefeito, XIII2.7 parcerias público-privadas, 4.2.9.2
na Constituição de 1988,1/9 povoado, W4.3 tarifa, V/I.3A.l principais obras e serviços, VII/6
na Espanha, 1/11.7 preços, V/1.3A taxa, V/1.3.2 responsabilidades decorrentes da execução,
na França, 1/1104 prefeito, XII/2 taxas diversas, V/3.3.1 VIII3.5
na Inglaterra, 1/11.2 Prefeitura, IV/6, XII/I termos e distritos judiciários, III4.4 Obrigação tributária, V/2.2
na Itália, 1/11.5 preservação dos recursos naturais, 004.2 terras devolutas, VV1.2.3 Ocupação temporária
na organização política nacional, III/l principais atribuições do prefeito, XII/2, 3 tomada de contas do prefeito e do presi- conceito e finalidade, VIII5A
não-oneração de bens municipais, VV5.3 e 3.1 a 3.23 dente da Mesa da Câmara, XIl3.7 - na rescisão de contrato de obra pública,
no Brasil-ColÔnia, 1/2 principais serviços e obras municipais, tombamento, 003.8 VII/5.3
nos Estados Unidos, 1/11.1 VII/6 traçado urbano, 003.3 Operação de crédito
obras públicas, VII/3 princípios orçamentários, V/4.5 trânsito e tráfego, VW6.6 conceito, V/3A.2
ocupação temporária, VW5A procedimento para criação, II/2 transporte coletivo, VI1/6.7 garantia e contragarantia, IIII4.5, V 12.12 e
orçamento, V/4 processo legislativo, XIl3.1.5 tributos, V 13 3.204
- ordenamento urbano, IXl1.4A e 3 - proposta orçamentária, V/4.6 tributos comuns, V/3.3 por antecipação de receita, V/2.12, 3.204,
organização dos serviços públicos, proteção ambiental, 004 tributos e preços, V 11.3 304.2,404 e 4.5.3, XIII3.8
IIV3.2.1, VII/I publicidade dos atos, XI1/3.19 Urbanismo, 001 Operações urbanas consorciadas,
organização própria, lI/I receita municipal, V/3 - uso de bens públicos, VV3 1X11.4.2.10
organizações sociais, VII/4.2.8.3 receita orçamentária, V14.7 uso e ocupação do solo urbano, 00304 Orçamento municipal
- origem e evolução, 111 receita pública e rendas municipais, V/l.2 venda de bens, VII4.1 abertura de créditos, XIII3. 7
- outras divisões administrativas, 11/4.3 recursos financeiros para contratar com vereadores, X1/2.1 anualidade, V/4.5.1
outras receitas, V/3A terceiros, VII/4.2.1 0.2 vice-prefeito, III/3.1.2, XII/2.7 aplicação da receita, XW3.9
outros fundos, V/3.2.10 regime brasileiro, I/ll vilas, W4.3
arrecadação da receita, XW3.9
Parcerias público-privadas, 4.2.9.2 regiões metropolitanas, 11/5 votação das leis orçamentárias, XI/3.5
considerações gerais, V 14.1
pmiilha da dívida com antigo Município, votação de leis e outras proposições, XIl3.1
regulamentação e controle do serviço pú- controle, V/4.11
II12 zona de expansão urbana, 11/4.3
blico, VI1/2.2 créditos adicionais, XII3.6
zona rural, 11/4.3
patrimônio histórico, artístico e cultunil, regulamentação edilícia, 003.1 da receita, V/4.7
zona urbana, II/4.3, V/3.1.l.1
IXl3.8 remuneração do serviço público, VII/2.3 despesa pública, V/4.9
zonas comerciais, 003.5.5
pavimentação e calçamento, VI1/6.4 rendas municipais, V/l.2 desvio de verba, V/4.10.3
zonas industriais, IXl3.5.6 e 4.1
pedágio, V/1.3A.3 reparação de dano causado a terceiro, IV/8 diretrizes orçamentárias, V/4.3
zonas mistas, 003.5.7
perdão da dívida ativa, X1/3.12 repartição das competências para serviços dotação, V/4.10
zonas residenciais, 1X13.5.4
perímetro urbano, IXl3.5 e obras, VII/LI elaboração e execução pelo prefeito,
zoneamento urbano, 003.5
permuta de bens, VI/4A representação processual, XI1/3.1 XIII3.7
pcssoajurídica de direito público, NI2 responsabilidade civil, NI8 emprego irregular de rendas, V 14.10.4
N
plano diretor, 002 responsabilidade civil do prefeito, XW4A especificação de programas especiais,
plano plurianual, V/4.2 responsabilidades do prefeito, XII/4 Não-oneração de bem público, V1/5.3 V/4.6A
plebiscito, W3 responsabilidade objetiva na prestação de Nivelamento - conceito e finalidade, VI1/6.1 lei anual, V/4.4
plenário da Câmara, X1/2.3 serviços públicos, VIII2.5 e 6.1.3, IXl3.3.3 mensagem, V/4.6.1
poder de auto-organização, III/3.1.1 responsabilidade por dano da obra pública, Norma geral- conceito, VI2.12 não-vinculação, V/4.5.3
poder de polícia, VIIV! VI1/2.5 plano plurianual, V/4.2
poder de propulsão, VIW3 restauração dos elementos destruídos, 004.3 O princípios constitucionais, XIII3. 7
Poder Executivo, XII/2 saúde, higiene e assistência sodal, VW6.13
Objeto do contrato administrativo, VII/ princípios orçamentários, V/4.5
Poder Legislativo, XIlI.1 segurança urbana, VI1/6.11
4.2.10.1 processo legislativo orçamentário, XIII3.7
polícia da atmosfera, VIII/2A serviço funerário, VI1/6.1 00
848 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 849

- proibição de transposição de recursos, VI Patrimônio histórico - tombamento, 003.8 estética urbana, IX/3.8 - administração do patrimônio municipal,
4.10.2 Pavimentação - e calçamento, VII/6.4 exercício das atividades urbanas, VII1I2.9 XIl/3.6
projeto de lei, V/4.6.2 Pedágio - conceito, V 11.3.4.3 extensão e limites, VIIII1.5 agente político, XIl/2
proposta, V/4.6 Perímetro urbano - ver: Zona urbana fiscalização, VIIII I .7 apresentação de projetos de lei, XIl/3.5
proposta anual, XII/3.7 Permissão imposição de taxas, V/1.3.2 arrecadação, guarda e aplicação da receita,
propostas de emendas, XI/3.5 autorização da Câmara, XIl3.9 imposições urbanísticas, 001.3 XIl/3.9
receita, V/4.7, XIV3.9 de serviço público, VII/4.2.9.3 legalidade do ato, VIIl/I.9 atribuições, XIl/2.1, 3 e 3.1 a 3.23
rejeição do projeto de lei orçamentária, de uso de bem público, VI/3.2.2 meios de atuação, VIIl/1.7 atribuições administrativas, XIl/3
XV3.5, XIV3.7 de uso especial de bem público, VI/3.2.2 objeto e finalidade, VIII/I.4 atribuições políticas, XIIl3
renúncia de receita, V/4.8, XIl3.12 - para o transporte coletivo, VII/6.7 origens e evolução, VIIl/I.I casos de inelegibilidades, IIU3.1.2.3, XIIl2.3
tabelas explicativas, V/4.6.3 Permuta de bem público, V1I4.4 polícia da atmosfera, VIIl/2.4 casos de inelegibilidades especiais, IIII3.1.2.3
transparência, V/4.11 Pesos e medidas - exercício do poder de polícia das águas, VIII/2.3 cassação de mandato, XIl3.17, XIl/4.2.1
universalidade, V/4.5.2 polícia, VIIV2.8 polícia das atividades urbanas em geral, chefia do Executivo, XIV2
vinculação a determinado elemento, V/4.l0.I Pessoal ativo e inativo -limites e controle VIII/2.9 comparecimento e informações à Câmara,
votação das leis orçamentárias, XIl3.5 de despesa, X/1.2.1 polícia das construções, VIIl/2.2 XIl3.8, XIIl3.13
Ordenamento urbano Planejamento municipal- ver: Estatuto da polícia das plantas e animais nocivos, contravenção penal, XII/4.l.5
colocação de anúncios e cartazes, 003.8 Cidade VIIl/2.S controle político-administrativo, XIIl2.6
competência municipal, IX/3 Plano diretor polícia de costumes, VIIl/2.7 _ convocação extraordinária da Câmara,
controle das construções, 003.7 aprovação pela Câmara, XI/3.13 polícia de pesos e medidas, VIIl/2.8 XII/3.14
delimitação da zona urbana, IX/3.2 conceito e objetivos, IX/2.1 polícia dos logradouros públicos, VIII/2.6 - crimes comuns e especiais, XII/4.1.4
Estatuto da Cidade, V/3.1.1 e 3.1.1.3, elaboração e aprovação, 002.2 polícia sanitária, VIIl/2.1 - crimes de responsabilidade, XII/3.8, 3.9, 4,
VII3.2.4 e 6, VII/2.3 e 5.1, 001.4.2 e 2.1 a implantação, IX/2.3 principais setores de atuação, VIII/2 4.1.1,4.1.6,4.6
2.3, XIV3.11 e 3.19 Plebiscito proporcionalidade do ato, VIIl/I.9 crimes funcionais, XIl/4.1.2
loteamento, IX/3.6 competência para decidir suas impugna- razão e fundamento, VIII/I.3 crimes por abuso de autoridade, XIV4.1.3
patrimônio histórico, artístico e cultural, ções, IV3 sanções, VIII/I.8 decretação de desapropriação, XIl/3.11
003.8 conceito, 1113 Poder de propulsão - conceito e objetivos, decreto expropriatório, VIIl5.1
proteção estética da cidade, IX/3.8 para criação de Município, II/3 VIIII3.1 deliberação sobre pedido de licença, XI/3.16
proteção paisagística, monumental e histó- Plenário da Câmara Poder Executivo despacho do expediente, XIIl3.18
rica,IX/3.8 atos legislativos inominados, XI/3.1.4 - prefeito, IV/6, XIIl2 direção da contabilidade municipal, XIIl3.1O
regulamentação, IX/3.1 autorização para abertura de créditos, XIl3.6 - veto, XIl3.1.5.5 e 3.4 elaboração e execução do orçamento, XIIl3.7
tombamento,IX/3.8 cassação de mandato de prefeito e de vere- Poder Legislativo eleição, I1l/3.1.2.l
traçado, IX/3.3 adores, X1I3.17 atos legislativos inominados, XI/3.1.4 eletividade, 1III3.1.2
uso e ocupação do solo, IX/3.4 decreto legislativo, XII3.1.2 Câmara Municipal, IV/6 execução da dívida ativa, XIII3.l6
zoneamento, IX/3.5 eleição da Mesa da Câmara, XI/3.3 decreto legislativo, XI/3.1.2, XIl/3.3 execução de atribuições delegadas, XIIl3.22
Organização do Município, IIII maioria absoluta, IX/2.3.3.1 e 3.1.5.3 execução de leis e outras normas, XIl/3.3
lei, XI/3.1.1, XIII3.3
Organização política nacional, III/I maioria qualificada, IX/2.3.3.3 e 3.1.5.3 processo legislativo, XIl3.1.5 execução de obras e serviços, XIl/3.IO
Organização político-administrativa maioria simples, 002.3.3.2 e 3.1.5.3 expedição de certidões, XIIl3.20
resolução, Xl/3.1.3, XII/3.3
art. I Q da CF, IIl/I Política urbana - instrumentos, ver: Estatuto expedição de decretos e outros atos, XIl/
pedidos de informação e de compareci-
autonomia, 111/2 mento do prefeito, XII3.8 3.4
da Cidade
democracia, UI/I extinção do mandato, XIIl4.2.1
principais atribuições, XIl3 Poluição
Federação, 1II/1 fixação da remuneração pela Câmara, Xl/
"quorum", XI/2.3.3 e 3.1.5.3 controle, IX/4.1
regime representativo, III/I 3.15
recinto legal,XII2.3.1 legislação pertinente, 004.1
República, III1I gestão documental, XIl/3.20
sessão, XII2.3.2 problemas com a pré-ocupação, 004.1
sistema presidencial, 111/1 impedimentos e incompatibilidades, XIl/2.3
sessão extraordinária, XI/2.3.2 proteção do meio ambiente, 004
soberania, 11112 imposição de penalidades administrativas,
sessão ordinária, XII2.3.2 zoneamento industrial, 004.1
Outorga onerosa do direito de construir, XIl/3.15
votação de leis e outras proposições, XIl3.1 Pré-ocupação - zoneamento urbano, IX/4.1
IX/I.4.2.11 incompatibilidades, I1l/3.1.2.5
Poder de polícia Preço
alvará, VIIII1.7 conceito, V/1.3.4 e 3.4.1 inelegibilidades, I1l/3.1.2.3, XIl/2.3
P inelegibilidades especiais, I1l/3.1.2.3
atributos, VIII/1.6 - público, V/1.3.4.I
Parafiscalidade, V 12.11 auto-executoriedade, VIIIII.6.2 - receita municipal, V/1.2 infrações administrativas contra as leis de
Parcerias público-privadas, VIII4.2.9.2 coercibilidade, VIIII1.6.3 - semiprivado, V/1.3.4.2 finanças públicas, XIl/2.6, 4 e 4.3
Parcelamento compulsório do solo urbano, conceito, VIII/1.2 - tarifas e pedágios, V 11.3 .4.3 infrações político-administrativas, XIl3.I 7,
001.4.2.2 condições de validade, VIIII1.9 Preempção, VI/6, 001.4.2.8 XIl/4.2.1
Pareceres das comissões permanentes da considerações gerais, VIII/I Prefeito - investidura no cargo, XIIl2.2
Câmara, XI/2.4.1.1 discricionariedade, VIII/I.6.1 - abertura de créditos, XIII3.8 - julgamento, XIl/4 e 4.1.1
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 851
850 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

maioria qualificada, XII2.3.3.3 e 3.1.5.3 art. 37, § 6º, da CF, IV/8


leis de iniciativa exclusiva, XIII3.5 apresentação de projeto pelo prefeito, XIII
maioria simples, XII2.3.3.2 e 3.1.5.3 civil do Município, IV/8
licença e férias, XIII2.5 3.5
civil do prefeito, XII/4.4
operações de crédito por antecipação da artigo, XI/3:1.8.6
R crimes comuns e especiais do prefeito,
receita, XIII3.8 atos legislativos inominados, XI/3.1.4
XIII4.1.4
organização e direção do funcionalismo, codificação, XIl3.1.8.7 Receita municipal crimes funcionais do prefeito, XIII4.1.2
XIII3.17 código, XII3.1.8.7 aplicação, XIII3.9 crimes por abuso de autoridade do prefeito,
- pedidos de informações pela Câmara, XII consolidação, XII3.1.7 arrecadação, guarda e aplicação pelo pre- XIII4.1.3
3.8 decreto legislativo, XII3.1.2 feito, XI1/3.9 decorrente de obra pública, VIII3.5
perda do mandato, XIl3.17, XIII4.2.1 definição, XIl3.1.5 auxílios e subvenções, V/3.4.5 decorrente do serviço público, VIII2.5
poder regulamentar, XIII3.3 discussão, XI/3.1.5.2 classificação, V 14.7.2 do prefeito, XIl/4
posse, XIl2.2.3.3, XII/2.3 emendas, XI/3.1.5.2, XIII3.5 conceito de receita pública, V11.2 e 4.7 fiscal, XIl1.2.2, 2.2.1, 2.2.3.5 e 3.7, XIII3.7
prerrogativas processuais, XIl/4.1.6 ementa, XII3.1.8.1 corrente líquida, V/2.12 e 3.4.2 objetiva,IV/8
prestação de contas e relatório da adminis- espécies normativas, XIl3.1 definição, XI1/3.9 penal do prefeito, XIII4.1 e 4.1.1 a 4.1.6
tração, XII/3.12 - forma da lei, XIl3.1.8 emissão e venda de títulos da dívida públi- político-administrativa do prefeito, XII/4.2
principais atribuições, XIII3 e 3.1 a 3.23 inciso, XII3.1.8.6 ca, V/3.4.4 e 4.2.1
processo de cassação do mandato, XIl3.17 iniciativa, XI/3.1.5.1 empréstimos, V/3.4.2 processo dos crimes de responsabilidade,
projetos de lei em regime de urgência, legalidade da lei, XII3.1.7 financiamentos, V/3A.4 XII/4.1.2
XIl3.1.6 lei, XI/3.1.1 guarda pelo prefeito, XIII3.9 reparação do dano, IV18
publicação dos atos oficiais, XIII3.19 matéria municipal, XII3 .1. 7 orçamento da receita, V14.7.1 Restauração dos elementos destruídos,
Relatório da Execução Orçamentária, parágrafo, XIl3.1.8.5 preços, V/3.4.1 IXI4.3
XIII2.6, 3.6, 3.12 e 3.19 preâmbulo, XII3.1.8.2 - renúncia de receita, V/4.8, XII3.12 Requisição da propriedade, VIII5.3
Relatório de Gestão Fiscal, XIII2.6, 3.12, projetos com prazo para apreciação, XII - ver também: Orçamento municipal
3.19 e 4.3 3.1.6 Recursos
promulgação, XIl3.1.5A, XIII3.2 S
remuneração, XIII2.4 - contra lançamentos tributários, VI2.6.4
representação a outras autoridades, XIII3.21 publicação, XI/3.1.5.4, XIII3.2 - eleitorais, UI/3.1.2.4 Saneamento básico - VIl/6.16
representação do Município, XIII3.1 redação da lei, XII3.1.8 Recursos financeiros Sanção da lei - pelo chefe do Executivo,
requisição de força policial, XII/3.23 resolução, XIl3.1.3 - conceito, VII/4.2.1 0.2 XIl3.1.5.4, XIl/3.2
responsabilidades, XII/4 sanção, XI/3.1.5.4, XIII3.2 - para contratar com terceiro, VIII4.2.10.2 Sanções - no exercício do poder de polícia,
responsabilidade civil, XIl/4.4 técnica legislativa, XIl3 .1.7 Recursos hídricos, VIIII2.3 VIIII 1. 8
responsabilidade penal, XIII4.1 e 4.1.1 a texto, XI/3.1.8.3 Recursos naturais - preservação, IXI4.2 Saúde pública
4.1.6 veto, XI/3.1.5.5, XIII3.2 Regime jurídico - servidor municipal, XII, Código de Defesa do Consumidor, VIII/2.1
responsabilidade político-administrativa, votação, XII3.1.5.3 XIII3.17 competência concorrente, VIIII2.1
XII/4.2 e 4.2.1 Promulgação de lei, XIII3.2 Regimento interno da Câmara, XII3.2 - in- competência municipal, VIl/6.13 e 6.13.1
- sanção, promulgação, publicação e veto de Propriedade - Intervenção, VII/5 terpretação, XII2.2.3.1 higiene pública, VII/6.13 e 6.13.2, VIII/2.1
leis, XII/3.2 Proteção ambiental Regiões metropolitanas Secretaria da Câmara, XII2.5
subsídio, XIl3.I5.2, XII/2A ação civil pública, IXI4.4 e outras unidades regionais, 1115 Segurança urbana
tomada de contas pela Câmara, XII3.7 competência municipal, IX/4 - metrópole, II/5 combate aos animais nocivos, VIII6.11
vacância do cargo, XIII2.3 controle da poluição, IXI4.1 - regime juridico, Ul5 competência municipal, VII/6.11
Prefeitura - órgão executivo, XIIII infrações penais e administrativas contra o Remissão - ver: Crédito tributário guarda municipal, VIII6.11
Prcgão - ver: Licitação meio ambiente, IXI4.5 Remuneração imposições, IXI3.3.6
PI·cscrição dc cl·édito tributário, V/2.7.5 preservação dos recursos naturais, IXl4.2 de serviço público, VIII2.3 nos logradouros públicos, VIIII2.6.1
Prcservação dos recursos naturais restauração dos elementos destruídos, IXI de vereador, XI/2.1.4 prevenção contra incêndios, VIII6.11
água, IXl4.2 4.3 do prefeito, XII/2.4 Serviço funerário - competência municipal,
Código Florestal, IXI4.2 tombamento, IXI3.8 fixação pela Câmara, XIl3.15 VI1/6.10
desapropriação, VIIII4.2 Publicação Rendas municipais Serviços públicos
limitações administrativas de uso, VII1/4.2 da lei, XII/3.2 aplicação, III/3.3.1 atividade jurídica e social, VIIIl.3
Sistema Nacional de Unidades de Conser- - dos atos oficiais, XIII3.19 conceito, V/1.2 atribuição do prefeito, XIII3.1 O
vação da Natureza (SNUC), IXl4.2 - no processo legislativo, XII3.1.5.4 restrição constitucional na aplicação, IIII autarquia, VIII4.2.1 e 4.2.2
Prestação de contas - dever do prefeito, Publicidade nos logradouros públicos, 3.3.1 autorizados, VIl/4.2.9.4
UI/4.3 VIII/2.6.4 Renúncia de receita - ver: Orçamento mu- centralizados, VIl/4.1
Prisão especial de vereadores, XI/2.1.3.3 nicipal competência do Município, IIII3.2.1, VII/I
Processo administrativo - reparação de Q República - conceito, 11111 concedidos, VIl/4.2.9.1
dano a terceiro, IV18 "Quorum" Resolução - deliberação do plenário, XIl3.1.3 conceito e classificação, VIl/2.1
Processo legislativo definição, XIl2.3.3 Responsabilidade contratação com terceiro, VIl/4.2.10
- alínea, XIl3.1.8.7 - maioria absoluta, XIl2.3.3.1 e 3.1.5.3 - ação regressiva do Município, IV/8 - de iluminação pública, 3.1.4
852 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSNO 853

delegados a particulares, VIII4.2.9 nas entidades paraestatais, VIV4.2. 7.1 Tráfego - e trânsito, VII/6.6 pagamento, V/2.7.3
descentralizados, VIV4.1 nonna reguladora do regime jurídico, Transferência do direito de construir, 00 parafiscalidade, V 12.11
desconcentrados, VIV4.1 Xl1.2, XIII3.17 1.4.2.11 perdão da dívida ativa, XV3.12
direitos do usuário, VIII2.4 observância das nonnas constitucionais, Transferências voluntárias prescrição, V/2.7.5
execução direta e indireta, VIV4. 1. 1 Xl2.3 . definição, V/3A.5 receita municipal, V/1.2 e 4.7
fonnas de execução, VIV4 organização do funcionalismo, Xl2, 2.2 e - utilização dos recursos transferidos, V/1.I, recursos contra lançamento, V/2.6.4
fundação, VIII4.2.6 2.3, XIV3.17 2.11 e 304.5 remuneração dos serviços de água e esgo-
greve, VIV2.4.1 organização legal, Xl499 Trânsito to, VIV6.2.1
instrumentos de descentralização, VIV4.2 refonna administrativa, XII e 2 Código Nacional de Trânsito, VIV6.6 revisão de lançamento, V/2.6.2
interesse local, VIVl.2 regime especial, XII. 1.3 , 1.1.4 e 1.2 - conceito e finalidade, VIII6.6 taxas, V/1.3.2
licitação, VIII4.2.1 0.3 regime estatutário, XII. 1.2 e 1.2 - e tráfego, VII/6.6 taxas diversas, V/3.3.1
meios de intervenção na propriedade, VIV5 regime jurídico, XII, 1.1 e 1.2, XIV3.17 Transparência - ver: Orçamento municipal ver também: Imposto
outras classificações, VIII2.1.3 - responsabilidade civil, XII/4.4 Transporte coletivo
parcerias público-privadas, 4.2.9.2 - sistema de previdência social, XlI.2.2 concessão e pennissão, VIII6.7 U
pennitidos, VIII4.2.9.3 Símbolos municipais - regime jurídico, N/7 modalidade de delegação, VII/6.7 União - organização política nacional, IIVI
principais, VIII6 Soberania - conceito, 1II/2 Sistema Nacional de Transportes, VIV6.7 Urbanismo
princípio da eficiência, VIII2.4 Sociedade de economia mista urbano e rural, VII/6.7 competência da União, IXlIA.1
propriamente ditos, VIV2.I.l atos e contratos, VII/4.2. 7.3 Tribunal de Contas competência do Município, 001.4.4
regulamentação e controle, VII/2.2 competência para instituir, VII/4.2.7.3 competência para o processo e julgamento competência dos Estados e do Distrito Fe-
remuneração, VIV2.3 conceito e caracteres, VIII4.2.7.3 de infrações administrativas contra as deral, 001.4.3
repartição de competências, VIVI.I objeto, VII/4.2.7.3 leis de finanças públicas, V /2.10 e 4.12, conceito e objetivos, IXl1.1
requisitos, VIII2.4 - patrimônio, VII/4.2.7.3 XII/2.6 e4 direito urbanístico, IXlI.2
responsabilidades decorrentes, VII/2.5 - pessoal, VII/4.2.7.3 controle externo do Município, XII3.7 diretrizes para o desenvolvimento urbano,
serviços de utilidade pública, VII/2.1.2 Solo urbano fiscalização financeira e orçamentária, VI 001.4.1.1
"uti singuli", VIII2.1.3.3 controle do uso, 003.4 4.11 divisão de competência, 00104
"uti universi", VII/2.1.3.2 parcelamento, edificação ou utilização Tributos Estatuto da Cidade, V/3.1.1 e 3.1.1.3,
Servidão administrativa compulsórios, IXlI.4.2.2 alíquota, V/2.5 VIl3.2.4 e 6, VIV2.3 e 5.1, 001.4.2 e 2.1 a
conceito e finalidade, VII/5.2 - uso e ocupação, 003.4 anistia, V/2.7.8 2.3, XIIl3.11 e 3.19
de aqueduto, VII/5.2 Subdistritos - origem e competência, IT/4.2 atualização de valores imobiliários, V/2.6.3 imposições urbanísticas, 001.3
instituição, VIV5.2 Subprefeito - funções delegadas, XII/2.7 autorização da Câmara para isenção, XII Lei de Desenvolvimento Urbano, 00104.1.2
para exploração de riqueza mineral, VIV5.2 Subvenções 3.12 limitações urbanísticas, IXlI.3
Servidor municipal autorízação da Câmara, XI/3.9 base de cálculo, V/2.4 natureza das imposições urbanísticas, 001.3
abrangência das nonnas constitucionais, concedidas pela União e pelo Estado, bitributação e "bis in idem", V/2.10 nonnas gerais, 001.4.1.2
Xl2.3 V/3.4.5 cobrança judicial, V12.7.9 ordenamento urbano, IXl3
agente político, XII. I. I comuns, V/3.3 tombamento, 003.8
classificação, XI!. I T conceito, V/!.3 Uso
competência para sua organização, Xl2.1 Tarifa contribuição de melhoria, V/3.3.2 confonne,003.5.1
conceito, XlI.1 - conceito, V/3.4.1 contribuições, V/1.3.3 de bens públicos, VIl3
concurso, Xl2.3 - serviço público, V/!.3.4.1 crédito tributário, V/2.7 desconfonne, IXl3.5.2
Conselhos de Política de Administração e Taxa decadência, V/2.7.4 tolerado, 003.5.3
Remuneração de Pessoal, Xl2.2.1 definição, V/1.3.2 decretação pelo Município, IIV3.3.1 Usuário
considerações gerais, XII especificidade e divisibilidade do serviço, exclusão do crédito tributário, V/2.7.7 - Código de Defesa do Consumidor, VIII2A
contratação por tempo indetenninado, XI V/1.3.2 extrafiscalidade, V 12.10 - de serviços públicos, VIII2A
1.1.4 exercício do poder de polícia, V/1.3.2 fato gerador, V/2.3 Usucapião
criação, transfonnação e extinção de cargo, requisitos para criação, V/1.3.2 Fundo de Participação dos Municípios, - especial de imóvel urbano, 001.4.2.5
função ou emprego, Xl2.1 Terras devolutas - conceito, VVI.2.3 V/3.2.6 - fonna de aquisição de bem público, VV6
crime de peculato, XIV3.9 Terrenos de marinha - conceito, VIII.2.3 impostos, V/1.3.1 Utilização compulsória do solo urbano,
da Câmara, XII. 1.1, XI/2.5 Território federal imunidade, V/2.8 IXlI.4.2.2
- direção, XIV3.17 - criação de Municípios, II/2 incidência, V/2.9
empregado público, XlI.I.3 V
- divisão, III2 isenção, V/2.8 e 2.8.1 a 2.804
escolas de governo, Xl2.2.1 Tesouraria - da Câmara, XV2.5 lançamento, V 12.6, 2.6.1 e 2.6.1.1 a 2.6.1.3 Venda de bens municipais, VIl4.1
estatutário, XII. 1.2 Títulos da dívida pública - ver: Receita legislação tributária, XI/3.1.5 Vereador
legislação constitucional, Xl2.1 municipal modalidades de lançamento, V/2.6.1 agente político, XV2.1
limites e controle de despesas com pessoal, Tomada de preços - ver: Licitação municipais, III/3.3.1, V/3 atribuições, XI/2.1.1
Xl1.2.1 Tombamento - conceito, 003.8 não-incidência, V/2.9, XI/3.12 cassação de mandato, XII3.17
854 DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO

e1etividade, I1V3.1.2 Vigilância sanitária - ver: Polícia sanitária


faltas ético-parlamentares, XV3.17 Vilas - características, IV4.3
fixação de remuneração, XV3.15 Voto
impedimentos ou incompatibilidades, maioria absoluta, XV2.3.3.1 e 3.1.5.3
IlV3.1.2.5, XV2.1.2 maioría qualificada, XI/2.3.3.3 e 3.1.5.3
imunidade parlamentar, XV2.1.3.2 maioria simples, XV2.3.3.2 e 3.1.5.3
inelegibilidades, IlV3.1.2.3 votação no processo legislativo, XV3.1.5.3
inviolabilidade, XV2.1.3.2
licença, XV2.1.5 e 3.16 z
mandato, XV2.1.2 e 2.1.6
pedido de licença, XV2.1.5 e 3.16 Zona rural, IV4.3
perda de mandato, XV2.1.6 Zona urbana, IV4.3, V/3.1.1.1
- posse, XV2.1.2 área de expansão urbana, IV4.3, V/3.1.1.1
- prerrogativas, XV2.1.3 e 2.1.3.1 a 2.1.3.3 área urbanizada, V 13.1.1.1
- prisão especial, XV2.1.3.3 área urbanizável, V 13.1.1.1
remuneração, XV2.1.4 delimitação, 003.2
- subsídio, XV3.15.1 perímetro urbano, IV4.3, V/3.1. 1. 1
- suplente, XV2.1.5 política de desenvolvimento urbano, Il/4.3
Veto Zoneamento
apreciação, XV3.4 conceito e finalidade, IX/3.5
- deliberação, XIV3.2 - delimitação da zona urbana, IX/3.2
- pelo prefeito, XIV3.2 imposição e alteração, 003.6
Vias e logradouros públicos perímetro urbano, IV4.3, V/3.1.1.1
- em loteamento urbano, IX/3.4 pré-ocupação, 004.1
- limpeza, VIV6.14 usos conformes, 003.5.1
Vice-prefeito - usos desconformes, IX/3.5.2
características, XIV2.7 usos tolerados, IX/3.5.2
e subprefeito, XIV2.7 zonas comerciais, IX/3.5.5
eletividade, IlV3.1.2 zonas industriais, IX/3.5.6
fixação da remuneração, XV3.15 e 3.15.3 zonas mistas, 003.5.7
posse, XIV2.7 zonas residenciais, 003.5.4

* * *

GRÁFICA PAYM
Tel. (011) 4392-3344
paym@terra.com.br
I

em Direito Municipal, que reúnem o conheci-


mento aprofondado da matéria à prática de
sua atividade profissional. São eles:

MÁRCIO SCHNEIDER REIsfoi Procurador de


Justiça do Estado de São Paulo, Assessor, no
Setor de Direito Público, do Procurador-Geral
de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de
Defesa dos Direitos Constitucionais do Cida-
dão. Foi, também, Professor nas Faculdades
de Direito da PUC/Campinas e da Universida-
de Metodista de Piracicaba/UNLMEP Atual-
mente aposentado, milita na advocacia, em
São Paulo, na área de Direito Público.

EDGARD NEVES DA SILVA é Mestre em Direi-


to pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo e especialista em Direito Tributá-
rio. É Professor dos Cursos de Pós-Graduação
do Centro de Extensão Universitária-SP, da
Universidade Regional de Blumenau-SC, da
Universidade Eurípides Soares da Rocha, de
Marília-Sp, da Universidade de Joinville-SC,
da Universidade Católica de Mato Grosso do
Sul-MS e do Centro Avançado das Faculdades
Metropolitanas Unidas-FMU/SP
Foi Procurador do Instituto de Previdência
do Estado de São Paulo, aposentado; Procura-
dor da Prefeitura Municipal de São Bernardo
do Campo, tendo sido Diretor do seu Departa-
mento Jurídico; Gerente de Tributos e Superin-
tendente de Recursos Humanos da Fundação
Prefeito Faria Lima-Cepam.
É Advogado e Consultor, na área tributária
municipal.

0465
__ MALHEIROS
: ; : EDITORES
I

Você também pode gostar