Você está na página 1de 13

Novas formas de protecionismo: O impacto de certificações privadas no

comércio entre UE e Mercosul

New forms of protectionism: The impact of private certifications to trade


between EU and Mercosul
Luiz Gilberto Monclaro Mury
Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais
PPGEEI - UFRGS
lgmury@gmail.com
01/2012

Resumo

Este artigo procura analisar as razões para a baixa participação de produtos industrializados na
pauta de exportações do Mercosul à União Europeia, pois mesmo com tarifas aduaneiras
reduzidas e o benefício do Sistema Geral de Preferencias (SGP), somente em torno de 15% do
total exportado pode ser classificado como produto industrializado.

Palavras-chave

Barreiras não-tarifárias, Regulamento técnico, Norma técnica. Exportações.

Summary

This article analyzes the reasons for the low participation of manufactures in total exports
from Mercosur to the EU, as even with reduced import duties and the benefit of the
Generalized System of Preferences (GSP), only around 15% of the total exports can be
classified as manufactured product.

Keywords

Non-tariff barriers, technical regulations, technical standards. exports

Problematização

Com a criação do GATT1 logo após a 2ª grande Guerra os países passaram a usufruir
de um ambiente propício ao comércio de mercadorias, o que resultou em um comércio
mundial ampliado em 275 vezes entre 1950 e 20092.

1
GATT: General Agreement on Tariff and Trade: Acordo Geral de Tarifas e Comércio: conjunto de normas e
concessões tarifárias criado para impulsionar a liberalização comercial, combater o protecionismo e regular,
provisoriamente, as relações comerciais internacionais. Vigeu entre 1947 e 1994, sendo que neste período
ocorreram 8 rodadas de negociação multilaterais e uma queda da tarifa aduaneira média de 40 para 5% .
2
Site do MDIC, com dados da OMC.
1
O objetivo do GATT nas primeiras rodadas era facilitar somente o comércio de
produtos industrializados, pois não havia consenso entre os Estados Unidos e a Comunidade
Econômica Europeia sobre o tema comércio e redução de subsídios agrícolas.

Conforme dados do relatório International Trade Statistics da OMC3, o total


exportado no mundo no ano de 2008 foi de 15,33 trilhões de dólares. Em relação a esse total,
1,342 trilhões de dólares em produtos agrícolas (8,5% do total); 3,530 trilhões de dólares em
minérios e combustíveis (22,5%do total) e 10,458 trilhões de dólares em produtos
manufaturados (66,5% do total). Ainda segundo a mesma fonte, à exceção das commodities
agrícolas e minerais, constata-se que a maior parte dos produtos está sujeita à metrologia e à
avaliação da conformidade em uma percentagem total do comércio exterior de cerca de 87%
do volume total, ou 13,32 trilhões de dólares (Cruz et alli, 2011).

Se por um lado as negociações para liberalização dos mercados se pautaram na


eliminação gradativa das barreiras tarifárias, por outro fez surgir barreiras não-tarifárias4, já
que o objetivo de gerar riquezas internamente e proteger seus negócios é inerente à própria
atividade econômica. Diante deste problema já em 1969 foi criado, em preparação para as
negociações da Rodada de Tóquio5, uma Comissão de Comércio de Produtos Industriais para
examinar, entre outros temas:

"the unreasonable application of standards, packaging, labeling and marking requirements"


OMC, paper WT/CTE/W/10G/TBT/W/11

Os estudos revelaram que os problemas na área de rotulagem decorriam muitas vezes


de regulamentos técnicos desnecessários e detalhistas, o que motivou o GATT a elaborar um
“Código Preliminar de Conduta para Prevenção de Barreiras Técnicas ao Comércio”. Durante
a Rodada, apesar de não ter havido consenso para disciplinar barreiras técnicas entre os
países, foi estabelecido o Código de Normas (Standards Code). Este código entrou em vigor
em 1980 estabelecendo princípios que vigoram até hoje, como a necessidade dos Estados
darem grande publicidade a novos regulamentos técnicos e de permitirem que outros Estados
se manifestem a respeito. Para assegurar a efetividade deste princípio os Estados signatários
deveriam criar “enquiry points”6 responsáveis por disseminar informações referentes a novas
regulamentações nacionais, bem como notificar ao Secretariado do GATT a intenção de
adotar regulamentos técnicos que pudessem interferir no comércio com outros países.
Entretanto, pelo próprio sistema de funcionamento do GATT a adesão ao código era
voluntária, e até 1983 apenas três países da América Latina eram signatários: Brasil,
Argentina e Chile.

Com o estabelecimento da Organização Mundial do Comércio durante a Rodada do


Uruguai em 1994 os países negociaram um novo acordo sobre barreiras técnicas, o TBT
Agreement, que incorporou e aprofundou os princípios do Standards Code e, diferentemente
deste, era de adesão obrigatória para pertencer à OMC. Dentre os objetivos do TBT estão a

3
International Trade Statistics – World Trade Organization, 2009 – disponível para acesso em:
http://www.wto.org/english/res_e/statis_e/its2009_e/its2009_e.pdf
4
Barreiras que não se referem ao pagamento de tributos sobre importação e exportação, mas sim de
exigências relativas a requisitos técnicos ou administrativos.
5
Rodada que ocorreu entre 1973 e 1979
6
No Brasil esta tarefa ficou a cargo do INMETRO
2
harmonização das exigências técnicas entre os países-membros, incentivo para a participação
em organizações internacionais de normalização e para o aceite de procedimentos técnicos de
outros países. Além disso, cada país deveria estabelecer centros de informação – pontos focais
para disponibilizar aos demais projetos de novas regulamentações, alcance, concessão de
prazos e críticas de partes interessadas. O TBT considera que um regulamento técnico
adotado por um determinado país será uma barreira técnica se divergir de uma norma técnica
internacional existente, bem como se procedimentos de avaliação forem não-transparentes ou
demasiadamente custosos. No âmbito deste acordo os países são impedidos de regulamentar
Métodos e Processos de Produção não relacionados às características do produto, no entanto
existe uma preocupação quanto à preservação do meio ambiente e, ao mesmo tempo, a
necessidade de adequação de métodos e processos aos padrões dos países mais desenvolvidos
(Alves, 2007). Uma solução para este problema seria a implementação de programas
voluntários de certificação, porém a regulamentação generalizada destes resulta em
impeditivo, e não facilitador do comércio.

Com 15 artigos e diversos anexos que se desdobram, o Acordo TBT, juntamente com
7
o SPS , deveria reduzir em grande parte o problema das barreiras não-tarifárias. Apesar de
avanços, entretanto, é possível observar uma evolução na criação de novas barreiras
principalmente no âmbito privado, o que dificulta o combate das mesmas.

Definição de Barreiras Não-Tarifárias – BNTs

Trata-se de toda e qualquer dificuldade ao livre comércio entre países que não seja
oriunda de pagamentos sobre importação/exportação. Algumas barreiras são visíveis por
estarem explícitas na legislação do país, como cotas de importação ou exigência de bandeira
em transporte naval, por exemplo. Já outras são informais e advêm da estrutura de mercado,
das instituições políticas, sociais e culturais. Os impedimentos ao comércio associados às
barreiras informais podem ser resultado de um esforço consciente do governo em favor dos
interesses domésticos, ou o subproduto de práticas ou políticas enraizadas nas instituições
domésticas. Dentre as BNT mais frequentemente utilizadas estão as barreiras técnicas, que
advém de regulamentos, normas ou avaliações de conformidade. Segundo as regras
estipuladas pela OMC, definem-se como:

“Barreiras comerciais derivadas da utilização de normas ou regulamentos técnicos não transparentes ou que
não se baseiem em normas internacionalmente aceitas ou, ainda, decorrentes da adoção de procedimentos de
avaliação da conformidade não transparentes e/ou demasiadamente dispendiosos, bem como de inspeções
excessivamente rigorosas”. (www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas)

Importante observar que as barreiras técnicas podem ser superadas e que nem todas são
ilegítimas. Dividem-se em:

 Barreiras decorrentes de requisitos oficiais: São os regulamentos técnicos promulgados


pelo poder público e que estabelecem as características de um produto ou dos processos
de produção a eles relacionados, com inclusão das disposições administrativas aplicáveis e
7
Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
3
cuja observância é obrigatória. Também é possível incluir prescrições em matéria de
terminologia, símbolos, embalagem, marcação ou etiquetagem aplicável a um produto,
processo ou método de produção, ou tratar exclusivamente delas (www.inmetro.gov.br).
 Barreiras decorrentes de razões voluntárias: Documento aprovado por uma instituição
reconhecida, que prevê, para um uso comum e repetitivo, normas para os produtos ou
métodos de produção conexos, e cuja observância não é obrigatória
(www.inmetro.gov.br). Neste caso é o mercado que as cria, seja por práticas consagradas
ou por exigência dos clientes.

Um produto que não cumpra as especificações da regulamentação técnica pertinente terá sua
venda proibida; no entanto, o não cumprimento de uma norma poderá diminuir sua
participação no mercado, apesar de não inviabilizar a venda. De qualquer modo, a
multiplicidade de exigências gera custos adicionais, prejudicando a competitividade até o
ponto que inviabilize o acesso. Em que pese os acordos internacionais firmados pelo
Inmetro8, estes têm como escopo o reconhecimento mútuo de regulamentos entre Estados, não
alcançando normas privadas.

A EA - European Accreditation reconheceu o Inmetro a partir de 30 de janeiro de 2001 como


instituição que credencia laboratórios dentro dos padrões internacionais. Tal feito, atingido
ainda por poucos países industrializados, conferiu um "salvo conduto" para as exportações
brasileiras para os países membros da União Europeia (site Inmetro). Entretanto, constata-se
que mesmo amparado por este acordo as exportações brasileiras de manufaturados para a
União Europeia permanecem reduzidas.

Diferentemente dos regulamentos, que são determinados em nível de Estados, a normas


técnicas podem ser estabelecidas em diversos níveis (Manual do SISBATEC9 sobre Barreiras
Técnicas):

 Empresa: Normas Técnicas são estabelecidas para orientar o gerenciamento dos


processos, disciplinar atividades e padronizar exigências dos fornecedores. Exemplo:
Normas adotadas por uma cadeia de Homecenters para aquisição de móveis de exterior.
 Associação: Entidades tecnológicas ou associativas estabelecem padrões para os
associados ou para uso generalizado. Exemplos: ASTM10, UL11.
 Nacionais: Editadas por um Organismo Nacional de Normalização reconhecido como
autoridade para torná-las públicas. Exemplo: AFNOR – Associação Francesa para a
Normalização, IRAN – Instituto Argentino de Normalização e Certificação, ABNT.
 Regionais: Estabelecidas por um Organismo Regional de Normalização para aplicação em
um conjunto de países. Exemplos: AMN – Associação Mercosul de Normalização, CEN –
Comitê Europeu de Normalização.

8
Autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e que tem,
dentre outras funções, fortalecer a participação do País nas atividades internacionais relacionadas com
metrologia e qualidade, além de promover o intercâmbio com entidades e organismos estrangeiros e
internacionais.
9
SISBATEC: Sistema de Informações sobre Barreiras Técnicas
10
American Society for Testing and Materials.
11
Underwriters Laboratories Inc.
4
 Internacionais: Estabelecidas por um Organismo Internacional de Normalização para
aplicação em escala mundial. Exemplos: ISO ou a ITU-T – União Internacional de
Telecomunicações.

A existência de distintas Normas Técnicas nacionais configura-se como barreira técnica, e é a


razão para este processo ter se intensificado nos últimos vinte anos (Manual do SISBATEC).

Como os custos referentes à adaptação e certificação de produtos às normas técnicas


normalmente incidem sobre o produtor, mesmo no caso da certificação ser realizada no
destino e paga pelo importador, o produtor necessitará reduzir sua margem para a manutenção
do preço final ao nível de mercado, o que prejudica a competitividade dos manufaturados
importados. Esta situação foi verificada na prática pela antiga Comunidade Econômica
Europeia, pois já na década de 60 foi criado o CEN – Centro Europeu de Normalização
visando harmonizar os regulamentos intrabloco. O julgamento do Caso “Cassis de Dijon”12
em 1978 foi um passo decisivo para a livre circulação de produtos entre os países-membros,
pois de acordo com o site www.consumer.es:

La Sentencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas (TJCE) de 20 de febrero de 1979,
denominada Cassis de Dijon definió por primera vez «el principio de reconocimiento mutuo», al establecer que
cualquier producto fabricado y comercializado en un Estado miembro, y conforme a las normas de ese Estado,
debe ser admitido, en principio, en cualquier otro Estado miembro.

Para fomentar o intercâmbio de mercadorias dentro da Comunidade Econômica Europeia


decidiu-se introduzir em 1985 uma nova metodologia de regulamentação, conhecida como
Nova Abordagem. Esta limitou a harmonização legislativa à adoção de requisitos essenciais
que os produtos deveriam possuir e, desde então, os fabricantes podem optar livremente por
qualquer solução técnica que assegure o cumprimento dos requisitos essenciais e escolher
entre os diversos processos de avaliação da conformidade previstos (Tanno e Ferracioli,
2002).

A União Europeia e o Mercosul

As negociações entre Mercosul e União Europeia iniciaram de maneira formal em


1996 com o “Acordo-Quadro Inter-regional de Cooperação”. Os objetivos traçados no acordo
eram de aproximação e cooperação em todas as áreas, objetivando reforçar a parceria política,
de atividades de cooperação, criação de zona de livre-comércio observando-se a sensibilidade
de alguns produtos e respeitando-se as regras da OMC (Waquil et alli, 2003). As negociações,
porém, foram paralisadas formalmente em 2004 diante de desentendimentos entre os líderes
dos dois blocos. À época as negociações estavam avançadas, e ofertas concretas para
desgravação tarifária haviam sido apresentadas por ambos os lados. Presume-se que a
ampliação da União Europeia neste mesmo ano, com o ingresso de 10 novos países do Leste,
tenha sido uma forte razão para a paralização das negociações pelo lado europeu. Em 2010 os
comissários da UE aprovaram, apesar da oposição de alguns países do bloco liderados pela

12
Informações sobre o caso em http://eur-lex.europa.eu/smartapi/
cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&lg=en&numdoc=61978J0120
5
França, a retomada das negociações comerciais para a assinatura de um acordo de livre
comércio com o Mercosul.

Importante observar que o comércio exterior, ainda que relevante para países
europeus, está fortemente centrado no intercâmbio de produtos intrabloco. Apesar da
relevância de países como China e Estados Unidos para o comércio mundial, 63,7% do
comércio exterior europeu em 2010 teve como origem e destino países do próprio bloco
econômico.

Fig 1: Comércio Internacional de Países Europeus em 2010


Fonte: Export Helpdesk

Grande número de analistas econômicos apontam para uma crescente commoditização


da pauta exportadora de Brasil e Argentina, principais economias do Mercosul. Esta
afirmação pode ser confirmada na tabela a seguir, na qual as exportações do bloco sul-
americano para a União Europeia foram primeiramente classificadas pelo sistema
harmonizado13 e, posteriormente, correlacionadas com o sistema BEC - Broad Economic
Categories14. Observa-se que cerca de 85% do valor total referem-se a produtos primários e
semielaborados que terão agregação de valor no destino.

13
(HS-Code), que é o padrão mundial para classificação de mercadorias comercializadas internacionalmente.
14
A BEC é uma classificação internacional construída para atender à necessidade de estatísticas comerciais
internacionais analisadas segundo categorias econômicas amplas, servindo, ainda, de orientação para a
elaboração das classificações nacionais. Compreende todos os produtos/mercadorias transportáveis. Classificar
produtos por categorias de uso implica em identificar corretamente o uso desse produto. A dificuldade em se
determinar precisamente o uso final dos produtos (bem de consumo ou bem intermediário, por ex.) levou a
BEC a adotar como critério básico incluir os produtos nas categorias que atendessem ao uso final principal.
Assim, observando-se este critério, pode-se considerar que um dos objetivos importantes da BEC é apresentar
categorias que, na medida do possível, ajustem-se às classes básicas dos Sistemas de Contas Nacionais: bens de
capital, bens intermediários e bens de consumo. Mais informações em http://unstats.un.org.
6
Fig 2 – Exportações totais do Mercosul para a UE conforme classificação BEC.
Fonte: http://www.alicewebmercosul.mdic.gov.br/

Ainda que para a maioria dos produtos industriais o Imposto de Importação europeu seja
reduzido e o Mercosul conte com o benefício do SGP15, exporta-se basicamente insumos. O
caminho inverso – Importações do Mercosul provenientes da União Europeia, apresenta um
nível tarifário para produtos industrializados consideravelmente mais elevado, mas assim
mesmo somente 40% do valor total referem-se a produtos primários ou semielaborados.

Fig 3 – Importações totais do Mercosul provenientes da UE conforme classificação BEC.


Fonte: http://www.alicewebmercosul.mdic.gov.br/

15
O Sistema Geral de Preferencias foi idealizado para que mercadorias de países em desenvolvimento
pudessem ter um acesso privilegiado aos mercados dos países desenvolvidos, em bases não recíprocas,
superando-se, dessa forma, o problema da deterioração dos termos de troca e facilitando o avanço dos países
beneficiados nas etapas no processo de desenvolvimento. Fonte: MDIC

7
O quadro abaixo apresenta o imposto de importação para alguns dos principais produtos
manufaturados no Mercosul que tem como destino a Europa.

Fig 4 – Principais produtos exportados pelo Mercosul à UE em 2010.


Fontes: http://www.alicewebmercosul.mdic.gov.br/ e http://www.macmap.org/

Diante de um panorama aparentemente favorável, onde se reúnem vantagens tarifárias


e reconhecimento do Inmetro pelo EA - European Accreditation, questiona-se as razões para o
baixo valor agregado da pauta exportadora de um país como o Brasil, por exemplo, à União
Europeia16.

Como mencionado anteriormente, a exigência por normas técnicas têm crescido na


Europa. Segundo a empresa alemã TÜV Rheinland, existem pelo menos três razões para
certificar um produto quando a certificação não é compulsória:

 Vantagem competitiva na colocação do produto no mercado;


 É mais viável economicamente certificar o produto por entidade independente do que
manter uma área na empresa para responder às solicitações e exigências de órgãos
controladores;
 A certificação dá a garantia, aceita juridicamente, que o produto não oferece riscos a seus
usuários.

A empresa é um bom exemplo de como ocorrem as demandas por normatização.


Enquanto o programa brasileiro de etiquetagem de produtos do Inmetro iniciou em 1984, a
TÜV17 existe desde 1869 para inspecionar caldeiras a vapor da primeira revolução industrial
alemã. Desde então tem expandido fortemente seu escopo de atuação devido ao alto grau de
reconhecimento por parte dos consumidores - é comum dizer-se na Alemanha que o
automóvel será levado à TÜV para inspeção veicular, por exemplo, apesar de outras empresas
também realizarem este serviço. No site da empresa são apresentados mais de 500 tipos
diferentes de serviços, a maior parte deles ligada à certificação ou inspeção.

No Reino Unido, a empresa certificadora BSI foi fundada em 1903, e hoje detém um
índice de reconhecimento de 82% pelos seus cidadãos (fonte: www.bsigroup.com). Diante de
tamanha popularidade, a ausência de seu selo em um produto estrangeiro representa uma
desvantagem mercadológica.

16
Objetivo é discutir alternativas que não se restrinjam à questão cambial
17
Technischer Überwachungsverein: Associação de Inspeção Técnica
8
Certificações são bons instrumentos de apoio ao marketing. Entretanto, devido a
estratégias de global sourcing18 empregadas por grandes empresas, os produtos de exportação
são normalmente sujeitos a margens reduzidas, e a necessidade de atendimento a normas
técnicas em excesso constitui-se em barreira não tarifária. Este problema já era detectado
dentro da própria UE e, em 1992, um estudo visando quantificar o prejuízo ao comércio
intrabloco decorrente de normatizações foi realizado. Breulmann (1993) comenta que o
Relatório Cecchini baseou-se em entrevista com 11.000 empresas de toda a Europa, tendo
chegado à conclusão que seria economizado um valor de 163 bilhões de marcos (81,5 bilhões
de EUR a valores de 1992) com a eliminação efetiva das normas nacionais restritivas ao
comércio. Desde então avanços foram efetivados, tendo como resultado um grande fluxo de
mercadorias intrabloco; para produtos “overseas”, entretanto, as dificuldades permanecem.

De acordo com a International Standard Organization – ISO existe um grande número


de padrões não governamentais nos países desenvolvidos, e estes têm crescido em número.
Segundo a Organização os “private standards” originam-se primordialmente nos setores de
TI, grandes redes varejistas e ONGs relacionadas a aspectos sociais e ambientais.

Normas técnicas – Casos práticos

Tomando-se como exemplo dois segmentos no mercado alemão: Móveis para exterior
e Produtos para escritório, é possível a identificação de um grande número de normas que,
apesar de não obrigatórias, contam com o prestígio das certificadoras privadas junto ao
consumidor a fim de torná-las uma necessidade.

 Normas associadas a uma empresa: Para a aquisição de outdoor furniture (móveis de


exterior), uma rede de homecenters alemã estabelece os seguintes critérios:

Inspeção: Nível geral Acceptable Quality Level19 - AQL II para amostragem, conforme a
norma ISO 2859 - 1. Defeitos críticos: 0; defeitos maiores: 2,5 e defeitos menores: 4,0. O
procedimento de inspeção em nível II é considerado alto e custoso para este tipo de produto,
pois em um lote de 1.200 bancos de jardim, por exemplo, 125 peças escolhidas aleatoriamente
devem ser inspecionadas, e somente 14 defeitos maiores20 e 21 menores21 são permitidos.

18
Abastecimento global. Empresas utilizam-se de ferramentas de Tecnologia da Informação para buscar
fornecedores e comparar preços em nível mundial.
19
Nível de Qualidade Aceitável
20
Exemplo de defeito maior seria uma variação percentual de umidade acima de 15% e abaixo de 10%. Por se
tratar de madeira, um intervalo tão estreito exige equipamentos de secagem computadorizados. Outro
exemplo de defeito maior é uma marca na face visível do móvel.
21
Exemplo de defeito menor: marcas na madeira em partes não facilmente visíveis do móvel.
9
Meio ambiente: Certificação pela Forest Stewardship Council22 (FSC) para madeira originária
da América do Sul e Central, África e Ásia. Para as demais regiões a certificação FSC não é
exigida.

Embalagem: As caixas externas de papelão devem estar cadastradas na FEFCO-ASSCO-


CODE´s23. Além disso, é necessário que atendam os requisitos de testes de queda e de
içamento por empilhadeira (drop and fork lift tests).

Qualidade / Segurança: Normas exigidas:

DIN EN 581-1 Outdoor furniture - part 1: General safety requirements


DIN EN 581-2 Outdoor furniture - part 2: Mechanical safety requirements and test
methods
DIN 68874-1 Shelves and shelf bearers in cabinet furniture; requirements and testing
when mounted in the cabinet
DIN 68878-1 Chairs for domestic area; requirements, testing
DIN 68885 Tables for domestic area; requirements, testing
DIN 68889 Drawers for furniture; requirements, testing
DIN 68890 Wardrobes for domestic use; functional sizes, requirements, testing
DIN EN 1022 Domestic furniture – Seating – Determination of stability
DIN EN 1727 Domestic furniture – Storage furniture – Safety requirements and test
methods
DIN EN 1728 Domestic furniture – Seating – Test methods determination of strength
and durability of the structure
DIN EN 1730 Domestic furniture – Tables – Test methods determination of strength
and durability of the stability
E DIN EN 12520 Furniture - Seating – Safety requirements
E DIN EN 12521 Furniture – Domestic furniture – Tables – Safety requirements

Reciclagem das embalagens utilizadas: Caixas de papelão, filmes PE, fitas de segurança e
materiais de preenchimento devem ser licenciados junto à Interseroh AG24.

A empresa alemã tem por estratégia mercadológica a troca de produtos ou a devolução


do valor pago sem questionar os clientes. Devido à dificuldade, segundo a mesma, de cobrar
dos fabricantes de fora da Europa por eventuais reposições, possui um grau de exigência com
o produto importado em muito superior ao que emprega com produtos do bloco europeu.
Alternativas como o envio de algumas peças de reposição foram tentadas, porém os
parâmetros de exigência não foram reduzidos.

 Normas privadas de certificação para produtos de escritório: Produtos técnicos para o


consumidor geralmente possuem diversos símbolos na placa de identificação. Estes
símbolos indicam que o produto tanto pode cumprir as exigências legais (marcação CE,
por exemplo) quanto aspectos técnicos como qualidade, economia, etc... O número de

22
O Conselho de Manejo Florestal é uma ONG criada após a ECO-92 para promover o gerenciamento
responsável da cadeia produtiva. A ONG certifica empresas que irão inspecionar e credenciar desde florestas
até o produto final. Informações em www.fsc.org.
23
FEFCO é a Federação Europeia de Fabricantes de embalagem corrugada. Informações no site www.fefco.org
24
Empresa responsável pela reciclagem de embalagens. Informações no site www.interseroh.com
10
marcações pode ser substancial e tem crescido com o tempo. Como exemplo pode-se
observar a placa de identificação a seguir (de um monitor de vídeo atual e em 2004):

Fig 5 - Placas de identificação de monitores


Fonte: www.baua.de

Inicialmente as certificações em produtos para escritório estavam restritas ao computador,


monitor, teclado e impressora. Nos últimos anos, entretanto, foram desenvolvidos programas
de teste para outros produtos, como fones de ouvido, mesas de trabalho reguláveis, cadeiras
giratórias e telefones sem fio.

As marcações feitas pelos certificados de teste de produtos técnicos relacionam-se com a


detecção ou a presunção de conformidade com requisitos relevantes, como qualidade, meio-
ambiente, segurança e ergonomia. Isso se aplica a todos os tipos de produtos, inclusive
serviços.

No que respeito à certificação, acreditação e verificação, estas são aplicáveis de acordo com o
Conselho alemão de Acreditação (Fonte: http://www.dar.bam.de/qm.html), e nas áreas onde
não existam leis da UE ou legislação nacional as atividades são controladas voluntariamente,
em uma base de confiança. Importante observar que Qualidade, por exemplo, não é um
conceito absoluto; assim, os critérios de avaliação de uma empresa certificadora são
determinados por grupos de interesse, e sua importância decorre da aceitação do mercado
(fonte: www.baua.de).

A seguir uma tabela com os principais selos atualmente existentes no mercado alemão para
produtos de escritório:

11
Segurança – VDE-Zeichen,
– ENEC-Zeichen,
– EMV-Zeichen,
– Internationale EMC-Zeichen,
– EMVU-Zeichen.
Segurança do trabalho – BG-PRÜFZERT,
/Ergonomia – TCO-Gütesiegel,
– TÜV Rheinland – Ergonomie geprüft,
– TÜVdotCOM-Zeichen
Meio-ambiente – Blauer Engel,
– ENERGY STAR®,
– EU-Label bzw. Eco-Label (Euroblume),
– GEEA- bzw. GED-Zeichen.
Quality Office – DIN, Deutsches Institut für Normung e.V.,
– VBG, Verwaltungsberufsgenossenschaft,
– BSO Büro, Sitz- und Objektmöbel e.V.,
– BAuA, Bundesanstalt für Arbeitsschutz und Arbeitsmedizin,
– INQA-Büro, Initiativkreis Neue Qualität der Büroarbeit
Outros selos STIFTUNG WARENTEST
Fonte: www.baua.de

Diante desta situação, e considerando que o Inmetro não possui o mesmo grau de
reconhecimento que as certificadoras europeias, o governo brasileiro decidiu recentemente
implantar por lei a necessidade de avaliação de conformidade. A Medida Provisória 541/11 -
de 3 de agosto de 2011 reformulou as atribuições da autarquia, que passou a se chamar
Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Com a iniciativa o governo
pretende melhorar a atuação do órgão no apoio à inovação do setor produtivo e controlar a
entrada de produtos estrangeiros que não atendam aos requisitos técnicos determinados.

Acredita-se que com esta medida, em tese protecionista, inicie-se no âmbito das
negociações Mercosul – União Europeia tratativas para um acordo de reconhecimento mútuo
entre as certificadoras privadas europeias e o novo Inmetro.

Conclusão

Este ensaio procurou mostrar que a preocupação dos países com


regulamentações excessivas é válida e deve ser combatida, como já é feito no âmbito do
acordo TBT. Entretanto, como apresentado neste artigo, as barreiras não-tarifárias europeias
têm migrado para normatizações técnicas amparadas na confiança que os consumidores têm
em empresas certificadoras locais de longa tradição. Por tratar-se de uma questão
mercadológica torna-se de difícil contestação, o que demanda dos países do Mercosul, através
do novo marco regulatório do Inmetro no caso brasileiro, uma maior atuação na certificação
das importações. O objetivo deve ser, através do emprego do princípio da reciprocidade, que
as certificadoras privadas europeias estabeleçam acordos de acreditação recíproca com o
Inmetro, reduzindo-se assim as consequências negativas do emprego de novas normas à
entrada de produtos manufaturados do Mercosul no bloco europeu.

12
Bibliografia

ALICEweb – Análise das Informações de Comércio Exterior. [http://aliceweb.mdic.gov.br/].


Disponibilidade: 07/06/2011.

ALICEweb Mercosul – Análise das Informações de Comércio Exterior.


[http://alicewebmercosul.mdic.gov.br/]. Disponibilidade: 14/10/2011.

ALVES, F. (2007) As Barreiras Técnicas e os PPMs. Disponivel em


www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas. Disponibilidade 20/10/2011.

BAUA – Bundesanstalt für Arbeitschutz und Arbeitsmedizin. Qualitätszeichen für technische


Produkte im Büro. Informationshilfe für die Beschaffung. 1. Auflage. Dortmund: 2008. Link:
http://www.baua.de/de/Publikationen/Fachbeitraege/Gd33.pdf;jsessionid=BFAAD73158E131
9B26847EB5F84AB9C3.2_cid137?__blob=publicationFile&v=4

BOSSCHE, Peter Van den. The Law and Policy of the World Trade Organization: Text, cases
and materials. 2.ed. Cambridge, New York, Melbourne, Madrid, Cape Town, Singapore, São
Paulo, Delhi: Cambridge University Press, 2008.

BREULMANN, G. (1993). Normung und Rechsangleichung in der Europäischen


Wirtschaftsgemeinschaft. Berlin: Duncker und Humboldt.

CAMARA DOS DEPUTADOS. [http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/INDUSTRIA-E-


COMERCIO/204222-INMETRO-PASSA-A-EXERCER-NOVAS-FUNCOES-E-COBRAR-TAXA-
DE-AVALIACAO-DE-CONFORMIDADE.html]. Disponibilidade: 24/10/2011

EXPORT HELPDESK. Estatísticas de Comércio Exterior da União Europeia.


http://exporthelp.europa.eu/thdapp/display.cfm?page=st/st_Introducao.html&docType=main
&languageId=PT. Disponibilidade: 14/10/2011

INMETRO. Barreiras Técnicas à Exportação. Site Institucional. Abril 2009, 3a. edição.
http://www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/ Disponibilidade: 19/10/2011

INTERNATIONAL STANDARD ORGANIZATION. International standards and “private


standards”. http://www.iso.org/iso/private_standards.pdf. Disponibilidade: 20/10/2011

MARKET ACCESS MAP – International Trade Centre [http://www.macmap.org/].


Disponibilidade: 14/10/2011.

MDIC, AEB, CNI. Barreiras Técnicas: Conceitos e Informações sobre como superá-las, 2002.
www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1196785148.pdf. Disponibilidade: 16/10/2011.

TANNO G. e FERRACIOLI P (2002), Barreiras Técnicas: o papel do Inmetro do GATT à


OMC. http://www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/ Disponibilidade: 19/10/2011.

TÜV Rheinland. Site institucional. http://www.tuvbrasil.com.br. Disponibilidade: 22/10/2011.

WAQUIL, Paulo et ali, (2003). União Europeia e Mercosul: o setor agrícola no processo de
integração inter-blocos. [http://www.sober.org.br/palestra/12/03O167.pdf]. Disponibilidade:
06/06/2011.
13

Você também pode gostar