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ED ITORA H U CIT EC

PA RA vo e i: LER

--
E RE L ER

Até então o drama , este m étodo de ensino criado em


países anglo-saxões, era pouco ou nada conhecido em
nossas instituições educacio nais e culturais , sendo, pois,
efetivamente introduzido no Brasil por Beatriz Cabral.
Isto vem enriquecendo sobremane ira o campo da
Pedagogia do Teatro em nosso país, não apenas no
material teórico que a autora nos apresenta , que articula
de maneira própria o ensino e a aprendizagem de teatro ,
mas também , e especialmente, nas investigações
artísticas e pedagóg icas que Biange - como
conhecemos esta querida artista e educadora - vem
coordenando em Florianópolis, e que estão aqui
descritas e analisadas de maneira tanto didática quanto
provocativa.

Flávio Desgranges

N.( 'hulII. 372 .66 C l 17d


Autor: abral, Beatriz Ângela Vieira
l'ltulo: Drama como método de ensino .

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14065 125 Ac. 131729
III I I HUCITE(
PERGAMUM
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M A RIA N A N AD A o Drama pelo Brasil 9
Pro dução ed itorial - FLAvI O DE SGRA N GE S
M I LE N A R O CH A
D RA M A : TEOR IA E MÉTODO 11
Delimitação e conceituaç ão 12
Pressupostos metodológicos 22
Interação teór ico-pedagógica 27

DRAMA C O M O E IXO C U R R IC UL A R N O EN SI NO F U NDAM E NTAL 33


A prática como pesquisa 35
O contexto dra mát ico 36
Quadros de referência para o drama como eixo curricular 38

DRAMA: ESTRU T URA S E PRO CE SSO S 43


Cavernas 45
Cavernas II 56
Cabral, Beatri z Conchas e caramujos 61
Dram a como método de ensino/ Beatri z Cabral. - São Paulo:
Ed itora Hucitec: Edições Mandacaru, 2006. (Pedagogia do Teatro)
Plantas de Ilha - A História de Marina 70
ISBN 85-85148-31-4
Imigração açoriana - expectativas e mudanças 80
1. Teatro Estudo e Ensino 2. Tea tro e Educação
Açorianos - os imigrantes 87
Açorianos - confrontos na ilha 101
COO 792.0226
Índice para CaIálogo Sistemá tico
Teatro - Educação 792.0226 Considerações finais: o drama e o teat ro contemporâneo 115
Teatro - Pedagogia 792.0226
Referências bibliográficas . 123
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o DRAMA PELO BRASIL

Assim que concordamos sobre o lançamento da série Pedagogia


do Teatro, pela Hucitec, a primeira autora que pensei em convidar foi
Beatriz Cabral, que,para nossasatisfação, graciosamente aceitou oconvite.
Isto porque o interesse em nosso país pelo drama, e pela abordagem que
Biange- comoconhecemosesta querida artista e educadora- faz desta
práticateatral, cresce a cada dia, e a oportunidade depublicar, e, portanto,
ampliar a circulação do pensamento e dosexperimentosque a autoravem
desen volvendo em Santa Catarina, nãopoderia ser desperdiçada.
A primeira vez que traveicontato com o drama deu-se na Bélgica, em
Bruxelas, quando fazia um estágio para o meu doutorado no Th éãtre La
Montagne Magique, instituição quepropõe o encontro, e estabelececuida-
dosa mediação, entre grupos de teatro e instituições educacionais, tendo
como foco principalde seu trabalho a formação de espectadores teatrais.
Naquela ocasião, IoeWinston, educadoringlês, ministravaalgumas oficinas
de drama para professores belgas, das quais pude participar. Em seguida,
viajei com osintegrantesdo LaMontagneparaParis, ondese deu um semi-
nário com a participação de educadoresbelgas, franceses e ingleses. Várias
oficinas, diferentesmetodologias, debatesporvezes acirrados,foram propos-
tos durante os quatro dias de encontro, em que a relação entre teatro e
educação, trabalhada de maneiraparticularem cada um dos países e por
cada artista, era apresentada e discutida. Entreoutrosaspectos relevantes
que pude observar no evento,fiquei curioso de perceber, ejá havia notado
isto nas oficinas de Winston em Bruxelas, que os educadores franceses e
belgas demonstravam grande interesse e igual desconhecimento acerca do
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drama, e que, como eu, pareciam conhecer ef etivamente muito pouco esta
prática teatral em suas variadaspossibilidades.
Assim que voltei ao Brasil, comprei alguns livrossobreo assunto, efiqu ei
sabendo que mesmo na Inglaterra a prática do drama se desenvolveu e
tornou-se mais amplamente difundida somente durante a segunda metade
do século XX, o que talvez.explique, em parte, o poucoconhecimento efetivo
dela em países como a França e a Bélgica. Foi neste mom ento que conheci DRAMA : TEORIA E MÉTODO
Beatriz Cabral que, a convite de Maria Lúcia Pupo, ofereciaum curso sobre
a prática do drama no Departament o deA rtes C énicasda USP.
Até então o drama, este métodode ensino criadoem paísesanglo-saxões,
era pouco ou nada conhecidoem nossas instituições educacionais e cultu- O Drama , uma forma essencial de comportamento em todas
rais, sendo, pois, efetivamente introduzido no BrasilporBeatriz Cabral. O as cult uras, permite explo rar questõ es e problemas centrais à condição
que vem enriquecendo sobremaneira o campo da Pedagogia do Teatro em hu m ana , e oferece ao indivíduo a o po rtu n ida de de definir e clarificar sua
nos:opaís, não apenas no materialteóricoque a autora 110S apresenta, que própria cultura. É uma atividade criativa em grupo, na qual os partici-
articula de maneira própria o ensino e a aprendizagem de teatro, mas tam- pa ntes se comportam como se esti vessem em outra situ ação ou lugar,
bém, e especialmente, nas investigaçõesartísticas e pedagógicas que Biange sen do eles próprios ou outras pessoas.
vem coordenando em Florianópolis, eque estão aqui descritas e analisadas De acordo com Martin Esslin (1987, pp. 14-5), "Não há dúvida que o
de man eira tanto didática quanto provocativa. dram a tornou-se imensamente importante em nossa época [.. .], um dos
Confesso que o drama mepegou, 110S cursos que venho organizandopara principais veículos de informação, um do s métodos predominantes de
educadores em forma ção, seja nas minhas aulas no departamento deA rtes «pensar» a vida e suas situações [. ..], de prover algu n s do s principais
C énicas da USp, ou mesmo nos cursos propostos para professores da rede modelos de papel através dos quais os indivíduos formam sua identidade
públicaestadual, em projetos de ensino de teatro nas escolas, esta metodolo- e ideais, estabe lecem padrões de comuns de comport amento, valores e
gia tem proporcionado instigantes momentos de apropriação da linguagem aspirações".
cénica e de reflexãoacerca da vida social. Osprofessores das escolaspúblicas Esta visão do drama é intensificada, na esfera do en sino, pela constata-
de São Paulo com quem tenho trabalhado trazem também boas notíciasda ção do impacto da s formas dramáticas no cotidiano da criança - por
recepção dos alunos aos processos desenvolvidos nestas instituições. me io da televis ão , da s propagandas, fotografias, ou da s interações sociais.
E, portanto, com orgulho que abrimos esta série da ColeçãoTeatro com Daí a necessidade de se ente n de r como o drama formula e transmite suas
O Drama como M étodo de En sino, ressaltando a maneira como Beatriz me nsagens, que técnicas utiliza, como envolve o espectador na construção
Cabral compr eende e apresenta esta prática artística e educacional, que, de signi ficados, como consegue impacto.
como seráfacilm ente observado nas próximas páginas, pode tornar-se deli- É com um o uso de convenções e técnicas teatrais no ensin o de primeiro
ciosamente divertida e ricamente investigativa, tanto para os participantes e segundo graus, usualmente como elementos facilitadores da aquisição e
quanto para o coordenador do processo. fixação de conhecimentos. En treta nto, seu u so em si, di stanciado de um
- F L Á V IO D ESGR A N G ES
contexto dramático, não vai além de po ssib ilitar uma estra tég ia dinâmica
de con hecim entos. O potencial estético do teatro na educação, de conhecer
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e sentir (envolvimento emocional) perde-se ao se separar as técnicas tea- m as ou situações que possam abalar a suscetibilidade dos participantes,
trais do contexto dramático. possib ilitando a exp eriência de respostas ou atitudes reais como se estas
fizessem parte do universo imaginário.
Delimitação e conceituação Entretanto, para que o contexto estabelecido para uma determinada
experiência permita este cruzamento do real com o imaginário, e para que
o drama como m étodo de ensino, eixo curricular e/ou tema gerador as crianças consigam interagir como participantes destas duas realidades
constitui-se atualmente numa subárea do fazer teatral e está baseado num sim ultaneam ente (a do contexto real e a do contexto imaginário), é neces -
processo contínuo de exploração de formas e conteúdos relacionados sár io que a situação ou circunstâncias exploradas sejam convincentes,
com um determinado foco de investigação (selecionado pelo professor ou tanto no tratamento do tema/assunto, quanto na ambientação e papéis
negociado entre professor e aluno). Como processo, o drama articula selecionados.
uma série de episódios, os quais são construídos e definidos com base em Contexto e circunstâncias são convincentes, primeiramente pela sua
convenções teatrais criadas para possibilitar seu seqüenciamento e apro- coe rência interna, e esta em grande parte dependerá do acesso a informa-
fundamento. ções e material de pesquisa disponível ao grupo. Falta de coerência decorre
Algumas características básicas são associadas ao drama como ativi- em grande parte da ausência de informações sobre o assunto, o que acar-
dade de ensino: contexto e circunstâncias de ficção, que tenham alguma reta improvisações desencontradas e/ou simplistas, sem objetivo relacio-
ressonância com o contexto real ou com os interesses específicos dos nado com o contexto ou fatos investigados.
participantes; processo em desenvolvimento através de episódios, um Em segundo lugar, a situação dramática pode tornar-se convincente
pré-texto que delimite e potencialize a construção da narrativa teatral em pela interação entre o contexto da ficção, o contexto social e o contexto da
grupo; e a mediação de um professor-personagem, que permite focalizar ambien tação cênica. As possíveis analogias ou aproximações entre estes
a situação sob perspectivas e obstáculos diversos. Entre as estratégias que três contextos serão a medida do engajamento emocional dos participan-
articulam essas características, algumas são fundamentais: as convenções tes com o desenvolvimento do processo dramático.
teatrais que identificam formas distintas de ação dramática, a quantidade O aspecto mais importante do contexto de ficção é o fato de este decor-
e a qualidade do material oferecido aos participantes, a delimitação e rer de uma seleção, a qual focaliza seres humanos, seus relacionamentos e
ambientação cênica. um ambiente possível de existir se aquele contexto fosse de fato real. A
ênfase no contexto da ficção traz à tona questões referentes a histórias de
Ao fazer teatro/drama, entramos em uma situação imaginária - no vida e memórias, ambas usualmente privilegiadas no fazer teatral em
contexto da ficção . A aprendizagem decorrente emerge desta situação e do escolas e comunidades. A razão para a inserção de memórias em proces-
fato de termos de responder a ela, realizar ações e assumir atitudes nem sos e produtos teatrais se relaciona com a dimensão do pessoal, tal como
sempre presentes em nosso cotidiano. Como conseqüência, não ficamos au mento de auto-estima, interação com sujeitos afins, construção da iden-
restritos ao contexto "real" da sala de aula, nem a excursões ocasionais. tida de; e com a dimensão social, como responsabilidade e respeito para
Nós podemos operar em qualquer contexto. com o espaço urbano, engajamento com questões de preservação, ativi-
O contexto da ficção permite focalizar ou desafiar aquilo que é normal- dades sociais e culturais.
mente aceito sem questionamentos, tudo o que devido à rotina é assumi- Sob esta perspectiva, tanto histórias de vida quanto memórias são in-
do sem maiores reflexões. Ao mesmo tempo facilita a abordagem de te- seridas na forma narrada. Embora o termo narrativa seja usado na lin -
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guagem cotidiana para se referir a qualquer texto em prosa, aqui ele se pessoa). A verdade considera a situação um objeto, enquanto a fidelidade
refere a um determinado tipo de prosa (o que contém uma história) e é subjetiva. Mas, por outro lado, pode-se falar na fidelidade do narrador
, a uma particular configuração desta história (a que contém um enredo). para com o contexto em que ocorreu a situação narrada - um vínculo
História, entendida aqui em seu sentido amplo, é a narrativa que combi- intersubjetivo entre o narrador original e o investigador, e entre estes e o
na uma sucessão de incidentes em um único episódio, e enredo é a es- contexto da narrativa. A dificuldade está em manter fidelidade à história
trutura narrativa mediante a qual as pessoas compreendem e descrevem pessoal de um narrador e ao que este narrador foi incapaz de articular
as relações entre os eventos e escolhas de suas vidas. Assim, ao considerar sobre a história e seus significados (o contexto no qual ela ocorre) . Além
o lugar da memória na narrativa teatral, o uso do termo narrativa refe- disso, o que o narrador original contou de sua história está associado aos
re-se especificamente às que estão tematicamente configuradas por um seus objetivos ao contar aquela história. Isso revela que o que ele narrou
enredo . foi também uma reconstrução. Para tornar a situação ainda mais com-
Tanto histórias de vida quanto memórias habitam duas áreas distin- plexa, o professor, tal como o investigador, deve lembrar que ele também
tas do conhecimento: a das ciências sociais e a dos espaços artísticos. Em tem intenções e está reconstruindo a história. A investigação de memórias
ambas, ter coerência interna, e ser convincente, são critérios básicos da fica dessa forma situada entre intenções e reconstruções; é isto que a situa
credibilidade. Deverá a fidelidade ser um critério para narrar ou avaliar a como processo artístico.
narrativa referente a memórias? Deverá haver uma relação direta entre a
narrativa e o fato que a gerou? O pré-texto é o roteiro, história ou texto que fornecerá o ponto de par -
tida para iniciar o processo dramático, e que irá funcionar como pano de
Segundo Donald Blumenfeld-Jones (1995, p. 31), "fidelidade e credi- fundo para orientar a seleção e identificação das atividades e situações
bilidade, em vez de verdade, são os critérios apropriados para julgar tanto exploradas cenicamente. CecilyO'Neill introduziu esta expressão, na área
a arte quanto a investigação narrativa". A fidelidade é caracterizada pelo do drama, para diferenciar o estímulo capaz de promover um crescimen-
autor como intersubjetiva (obrigações entre o narrador e o receptor), e to orgânico do processo, daquele mecânico, onde o foco da ação nem
como ressonância entre a história narrada e seu contexto sociocultural. sempre é coerente com a narrativa em curso. Para O'Neill, "o pré-texto
O contar histórias é assim uma reconstrução proposital de eventos tanto opera em diferentes momentos como uma espécie de «forma-suporte»
pela perspectiva do narrador quanto do investigador ou receptor. Este para os demais significados a serem explorados" (1995, p. 22). Como tal,
fato liga o contar histórias, e em decorrência o coletar memórias, ao fa- ele define a natureza e os limites do conte~to dramático, e sugere papéis
zer artístico. A credibilidade da narrativa está assim associada ao ser aos participantes.
convincente, à possibilidade de que os eventos narrados sejam percebi- A eficácia de um pré-texto em drama, enquanto processo de investiga-
dos (sentidos) pelo receptor da maneira pela qual o narrador os está ção em cena, pode ser identificado pelo acesso a intenções e papéis que ele
afirmando. fornece - um testamento que deverá ser lido, uma tarefa a ser cumprida,
Madeleine Grumet (1988, p. 66), por sua vez, afirma que a fidelidade, uma decisão que precisa ser tomada, um quebra-cabeça que terá de ser
e não a verdade, é a medida das histórias e memórias. Ela considera a resolvido em tempo hábil, uma casa assombrada a ser explorada. O'Neill
verdade como sendo o fato que ocorreu na situação narrada (a verdade (1995) dá exemplos:
do assunto narrado), e a fidelidade como sendo o que aquele fato signifi-
cou para seu narrador (fidelidade para com o quê aconteceu com aquela
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"$100 a ligação entre diferentes eventos, permitindo estabelecer o sentido da
é oferecido a qualquer um história individual e do grupo.
que queira passar uma noite O processo, em drama, pode ser definido como a negociação e a rene-
em DARKWOOD HOUSE" gociação dos elementos da forma dramática, quanto ao contexto e aos
objetivos dos participantes (O' Toole, 1992). Os episódios são fragmentos
ou, e/ou eventos que fazem parte de sua estrutura narrativa (Heathcote, 1980).
A ênfase no processo, tanto pelo professor quanto pelo diretor teatral,
"Eu espero que ninguém os tenha visto chegar. Eu os convoquei por- tem por objetivo lembrar que em qualquer tipo de atividade dramática a
que pensei que vocês deveriam ser informados o quanto antes, uma vez preocupação com a dimensão da aprendizagem, quer do contexto, cir-
que isto afeta a todos nós. Nós todos estamos envolvidos . Eu recebi este cunstâncias ou valores focalizados, quer da linguagem cênica devem estar
bilhete hoje. Ele diz que Frank Miller está voltando à cidade." presentes. Em ambos os casos, se o processo se desenvolve de acordo com
as regras do meio dramático, a experiência poderá ser considerada pela
Como forma-suporte, as introduções acima ativam e dinamizam um perspectiva do teatro e/ou da educação (formação do ator e/ou do indiví-
contexto, facilitando o processo do drama - criam expectativas, estabe - duo). No caso do treinamento do ator, priorizar o processo, em uma
lecem padrões de comportamento, sugerem papéis e tarefas aos partici- montagem, pode significar, por exemplo, aprofundar o conhecimento do
pantes. O importante é que elas despertam a atenção do grupo e desafiam contexto social e histórico das personagens e sua projeção na expressão
sua participação, além de abrirem um leque de perspectivas para o condu- física e verbal; em teatro na escola seu objetivo pode incluir a motivação
tor do processo. O professor, tal como um maestro, apontará problemas dos alunos para a observação de ações e atitudes que levam à discussão
a serem resolvidos e caminhos a serem seguidos . das questões éticas subjacentes ao tema explorado.
O pré-texto é, assim, não apenas um estímulo; sua função é bem mais A constatação fundamental aqui é que as dimensões artística e educa -
ampla. Enquanto o estímulo sugere a idéia ou a ação inicial, o pré-texto cional alimentam uma à outra - o desempenho artístico será tanto me-
indica não apenas o que existe anteriormente ao texto (contexto e circuns- lhor quanto maior for o conhecimento adquirido sobre os conteúdos e as
tâncias anteriores), mas também subsidia a investigação posterior, uma formas subjacentes ao processo dramático; o valor educacional da expe-
vez que introduz elementos para identificar a natureza e os limites do riência na escola será tanto maior quanto melhor for o resultado artístico
contexto dramático e do papel dos participantes. alcançado.
Pode-se avaliar o potencial de um pré-texto pelas intenções e papéis que O drama, enquanto processo, muitas vezes está desvinculado de um
ele sugere. Um velho baú contendo fragmentos de um diário, cartas e texto dramático ou de um script. Entre as razões apontadas pelos profes-
objetos referentes aos antecedentes dos acontecimentos sendo investiga- sor es, estão a dificuldade de encontrar o texto adequado às situações que
dos; mapas e/ou pistas que levem a uma importante descoberta, uma se quer explorar, a necessidade de responder ao interesse imediato do
personagem que sabe mais do que quer dizer, etc. Em qualquer destas grupo, o número de alunos envolvidos, etc. Quando um texto é utilizado,
alternativas é possível desenvolver uma grande variedade de processos, este passa por adaptações, e em muitos casos sua função é apenas a de um
atendendo-se a particularidades e interesses dos participantes. A função estímulo inicia l para a criação coletiva do grupo. É neste contexto que a
do pré-texto, nestas situações, é tornar presente a importância dos fatos palavra drama veio a substituir a palavra teatro, quando nos referimos a
passados, para estabelecer a significação dos acontecimentos presentes ou processos de construção da narrativa dramática em grupo. Drama impli-
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ca, assim, a autoria tanto do texto dramático (escrito ou narrado) quanto para formar uma família de pretendentes à imigração, sua história e pos-
do texto teatral (encenado), e se caracteriza pela incorporação de situações síveis razões para partir.
e temas emergentes, na medida em que cada episódio vai definir ou deli- Episódio 3: As famílias se reúnem na casa paroquial para obter infor-
near o próximo. mações sobre o edital e a imigração. O professor, no papel de um repre-
Para prosseguir com a narrativa ou tecer o texto dramático ou teatral sentante do rei, lê o edital e responde às dúvidas dos interessados em
o desenvolvimento do processo através de episódios permite focaliza; imigrar. Professor-personagem: uma forma de avaliar o conhecimento e o
perspectivas distintas, aprofundar detalhes ou ações complementares, es- envolvimento obtidos até então, e sugerir aspectos a serem desenvolvidos
colher caminhos secundários. A estrutura narrativa dividida em episó- posteriormente.
dios ou segmentos não implica linearidade, podendo incluir uma varie- Episódio 4: Os grupos apresentam uma cena que revela o momento ou
dade de formas, estilos e personagens para engajar o grupo com os even- a razão que os convenceu a partir. Momento marcado:A situação que cada
tos que surgirem a partir da situação explorada. O seqüenciamento ou grupo escolheu para representar o momento que os feztomar a decisão de
composição dos episódios para a eventual realização de um texto final partir - esta convenção leva cada grupo a fazer uma revisão das informa-
ou sua apresentação vai depender da decisão ou negociação dos parti- ções obtidas até então, e selecionar seu aspecto mais significativo.
cipantes. Episódio 5: Alistamento na casa do capitão-moro O professor, como
Sob a perspectiva do planejamento de ensino, o professor definirá cada capitão-mor percorre a fila de candidatos, e os desafia com os pré-re-
episódio a partir das situações e ações que ele poderá fazer emergir e das quisitos necessários para imigrar. Ritual: Em fila, e um por vez, os aço-
possibilidades artísticas e educacionais subjacentes. A lista de episódios, rianos comunicam ao capitão-rnor sua decisão, indicam suas razões para
abaixo, mostra as tarefas centrais propostas em um processo sobre a partir e as de sua família, suas condições gerais de saúde, idade e habi-
imigração açoriana. É possível observar como o objetivo de construir o lidades.
contexto da "imigração", com as crianças, tornou necessário intercalar Episódio 7: No navio, cada pessoa realiza uma tarefa . Surge o capitão
momentos em que os participantes imaginavam e apresentavam relações (novamente o professor) para falar sobre as condições da viagem. Ta-
e tarefas familiares, com outros em que o professor, como personagem, bleaux. No convés da nau, cada qual mantém uma atividade enquanto
introduzia informações e desafiava as posturas e atitudes das crianças. Em ouvem o capitão do navio falar sobre as condições da viagem (uma forma
cada episódio está indicada a convenção teatral utilizada). do professor-personagem construir o contexto da viagem e introduzir
elementos de tensão e reflexão).
Episódio 1: Crianças observam uma cena, em que um casal de açoria-
nos discute as vantagens e desvantagens de partir. Cenateatral: ascontra- Usando drama como método de ensino, o professor assume papéis e/
dições da partida. Os argumentos apresentados pelos dois personagens ou personagens com o objetivo de interagir com os alunos em contextos
indicam o contexto açoriano da época, sugerindo ações e atitude aos par- diversos, utilizando diferentes códigos lingüísticos para desafiar posturas,
ticipantes. O professor conduz a leitura coletiva da cena pelas crianças e o ações e atitudes.
posterior questionamento que fazem aos atores. A expressão "professor-personagem" foi a tradução escolhida para a
Episódio 2: A turma é dividida em grupos - cada grupo é uma família convenção inglesa "teacher-in -role", justificando-se tanto pela impossibi-
açoriana. Formam imagens congeladas: as fotos das famílias. Estas são a lidade de uma tradução literal, quanto pelas características que o uso desta
expressão do resultado alcançado pelos grupos após trabalho em equipe estratégia foi adquirindo no contexto brasileiro.' Ao assumir um perso-
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nagem, o professor de im ediato obtém a atenção da turma m ediante o Os tipos de papel representados pelo professor podem ser classificados
impacto visua l causado (figurino e cen ário podem apoiar os personagens quanto a sua fun ção e a seu status . O papel de men sageiro, por exemplo,
assu m idos pelo profe ssor), e am plia suas possibilidade s de introduzir tem a função de introduzir informação , porém esta também pode ser
de safios e/ou informações nec essárias ao p roc esso coletivo. No contexto introduzida por um andarilho ou uma autoridade no assunto.
do ensino fundamental, a eficácia deste procedimento se adéqua especial - Entre as possíveis funções de um papel estão:
mente ao período de alfabetização, durante as séries iniciais.
Quando o professor assume' um papel ou uma personagem, os alunos • Buscar auxílio ou conselho: um psicólogo com a tarefa de impor a
relacionam-se com o assunto sendo investigado de forma diferente da disciplina em uma instituição para menores infratores, pesquisa os proce-
vivenciada em uma situação normal de aprendizagem. No projeto "Con- dimentos mais "eficazes".
cha s e Caram ujos",por exemplo, as crianças com o cientistas pesqui sando • Buscar informação: um turista ou um geógrafo pesquisando a re-
e classificando co nchas, receberam a visita de um rep resentante da Asso- gião .
ciaçã o para Pr eservação das Pr aias (u m dos professores) que os convidou • Coordenar : um investigador coo rd enando uma equipe de policiais.
a participar d a campanha Conhecer para Apreciar, Apreciar para Preser- • Desafiar: um detetive que não acredita que seu s auxiliares serão capa-
var; numa etapa po sterior, outro professor no papel de repó rter en trevis- zes de interpretar as pistas deixadas por um criminoso.
tou os cientistas sobre as sua s pesquisas e descobertas. No projeto "Ca- • Introduzir informação: um mensageiro, um repórter.
vern as", o professor recebeu e coordenou os alunos - que no papel de
.espeleólogos, participavam de uma "Conferência Nacional de Geólogos"; o status de um determinado papel ou personagem irá determinar o
em um momento posterior, os alunos bolsistas envolvidos neste pro jeto tipo de resposta do aluno e da interação professor-aluno:
assumiram o papel de gu ias na exploração de novos sistemas de caver-
nas. Em " H istória e Histórias dos Açorianos.. .", professores e bol sistas • Status alto: rei, capitão, líder, treinador, diretor de escola, etc.
re presentaram , em deferentes etapas, o capitão da nau portuguesa, o je- • Status intermediário: secretário, representante de alguma autorida-
su íta que acompanhou os imigrantes na viagem para o Brasil , e m em- de, membro da comunidade ou da tripulação, etc.
bros das famílias de imigrantes, estes trabalhando em parceria com as • Status baixo: pedinte, vítima, refugiado, aprendiz, etc.
crianças.
A estratégia p rofe ssor-person agem pode ser usada com a classe como Se o professor assume um papel com um status alto, ele mantém o
um todo ou em trabalho com pequenos grupos. O papel assumido pelo controle da situação, porém poderá impedir que os alunos desenvolvam a
professor pode ser metaforicamente representado como o de um obstá- responsabilidade pelo processo dramático. Isto poderá ocorrer se os par-
culo , o qual os alunos precisam superar por meio do argumento, da ticipantes forem iniciantes ou tímidos; em algumas situações, entretanto,
negociação ou do compromisso. um status alto pode ser a única forma de controlar uma turma inquieta ou
com outros tipos de problemas de comportamento.
O status intermediário pode permitir, ao mesmo tempo, o controle d a
I A tr adu ção par a o contexto do teatro n a ed uca ção , n o Brasil, cent rado nos
situação dramática e a possibilidade de delegar a responsabilidade pelas
jogos teatr ais (Viola Spo lin ) e na presença consta nte do espectador, vai de enco n-
tro à pr áti ca do nosso licen ciado em teatro , qu e em gera l se até m mai s à caracte- atitudes necessárias à manutenção deste controle a uma autoridade au -
rização do que à sua função social. sen te. Nesse sentido o professor em grande pa rte compartilha as respon-
20 21
Pf:RGAMUM
8CHlUfC
sabilidades com o grupo - "se nós' não conseguirmos realizar isto a Segundo Neelands, as convenções teatrais definem e articulam a forma
tempo, perderemos o contato com a nave". dialógica do drama (implicando interações verbais e físicas dos envolvidos),
Com um status baixo, o professor dependerá da boa vontade e da oferecem oportunidades de aprendizagem distintas, e se baseiam em:
iniciativa da classe. Esta estratégia é útil para fins de avaliação, para
constatar o grau de familiaridade da turma com o assunto explorado, o • Ações que criamo contexto: definem a cena, introduzindo informa-
tipo de questionamento sobre o assunto, o rumo dos interesses emer- ções sobre o contexto durante o seu desenvolvimento: mapas, diários,
mensagens, imagens congeladas, etc.
gentes. .
Ao assumir um persopagem é importante que o professor deixe claro • Ações poéticas: enfatizam o potencial poético do drama mediante o
quando está entrando ou saindo do papel - um recurso útil para. os uso seletivo da linguagem e do gesto: rituais, analogias, máscaras, etc.
primeiros encontros com uma classe é negociar uma peça de figunno • Açõesreflexivas: enfatizam o solilóquio ou a reflexão: a verbalização
(chapéu, lenço) ou acessório (maleta, livro, bengala) para marcar o pa- da expressão física ou do subtexto, a narração, os testemunhos, etc.
pel. Assim que a classe estiver familiarizada com a estratégia o desafio de
descobrir as novas personagens e seu status será em si uma motivação As convenções usadas no processo do drama representam meios de
desenvolver a percepção das formas teatrais concomitantemente à com-
para o grupo.
preensão dos conteúdos trabalhados através do teatro - tem assim um
importante papel na aprendizagem em seu sentido mais amplo.
Pressupostos metodológicos

Ao conduzir e articular um processo o professor, como diretor e dra- ~ntretanto, o desenvolvimento do processo - leituras e construções
maturgista, estabelece um contexto de ficção a partir do pré-texto que de Imagens - depende em grande parte da quantidade e a qualidade
definiu previamente. Como professor-personagem ele poderá intervir na do material introduzido ao grupo. Caracterizado também como "um
construção da narrativa dramática como participante do mesmo contex- processo de investigação", o impacto que o drama terá sobre o grupo vai
to de ficção - nesta condição ele fará uso das convenções teatrais que corresponder ao material usado para envolver os participantes com o
facilitem a expressão das ações e atitudes pretendidas, selecionará o mate- processo: o pré-texto, e o material introduzido de forma gradual pelo
rial a ser investigado pelos participantes dentro do contexto da ficção, e professor, tal como pistas, documentos, fotografias, objetos, etc . Tanto
planejará a delimitação do espaço e a ambientação cênica. o pré-texto quanto o material de manutenção do processo permane-
Para seqüenciar e aprofundar os episódios e fragmentos de um proces- cem estreitamente vinculados ao papel do professor, como personagem
so dramático foram criados, no decorrer da história do drama e do teatro ou não.
na educação, uma série de convenções, que subsidiam a construção da
A PAR C ERIA PROFE SSOR-ALU NO
narrativa em grupo.
As convenções teatrais, esclarece Ionothan Neelands (1990), são indi- A parceria entre professor e aluno ou adulto e criança, em um processo
cadores da maneira pela qual tempo, espaço e presença interagem e são dramático, implica equivalência ou troca de status. O professor (ou esta-
moldados para criar difer entes tipos de significados em teatro. Diferentes giário) não está lá para definir a cena e tomar decisões, mas para entrar no
convenções irão, portanto, enfatizar diferentes po ssibilidades teatrais de jogo proposto pelas crianças. O objetivo de sua presença é sutilmente
manter o jogo e o foco, fazendo perguntas, quando necessárias. Sua sim-
tempo, espaço e presença humana.
23
22
ples presença leva o grupo a evitar conversas paralelas e se ater à tarefa 7. Pesquisador- "Eu procuro descobrir as razões ou detalhes de uma
proposta. Outros objetivos incluem facilitar as interações e as manifesta- determinada situação". O aluno é envolvido na análise de do cumentos ou
ções individuais, também por meio de que stionamentos, simplesmente materiais, crianças assumem papéis de detetives ou cienti stas envolvidos
dirigindo a atenção para quem estiver sendo excluído ou com pouco espa- em descobertas.
ço para se posicionar. A presença do parceiro adulto é útil especialmente 8. Crítico- "Eu julgo uma determinada situação, aç ão ou trabalho".
nos encontros iniciais ou atividades de curta duração. Função de determinar o valor de algo.
Estaparceria será mais produtiva se a possibilidadede mudança de status 9. Arti sta - "Eu transformo o evento". O aluno usa a situação/tema
e linguagem for direcionada para possibilitar e ampliar o repertório do alu- como texto básico para sua criação; como estímulo ou ponto de partida;
no e sua apropriação de conceitos e formas de discurso. O pressuposto é deverá "assinar" sua interpretação.
que o aluno/ator se relaciona e se envolve com uma situação de acordo com
o papel e a função que assume. Sua linguagem e atitude vão depender da Cada função pode gerar inúmeros pap éis; o objetivo da categorização
maneira como se enquadra na situação sendo explorada por meio do dra - é facilitar ao professor detectar que funções de raciocínio e linguagem
ma. A partir dessa constatação, Dorothy Heathcote propõe aos professores estão subjacentes ao papel definido. Na concepç ão de Vigotski, é por meio
de teatro nove formas diferentes de enquadramento de uma situação, as de uma apreensão e internalização da linguagem que a criança se desen -
quais irão requerer pap éis e funçõe s distintas. Alternando entre estas for- volve. Segundo ele, é possível identificar três níveis de desenvolvimento: a
mas, professor e alunos exploram posturas, atitudes e linguagem diversas. zona de desenvolvimento real ou efetivo, composta pelo conjunto de in-
formações que a criança tem em seu poder; a zona de desenvolvimento
1. Participante - "Eu participo desta situação aqui e agora", o aluno potencial, o desenvolvimento que a criança pode vir a ter; e entre estas
(sem assumir papel) participa das negociações e decisões referentes à si- duas, a zona de desenvolvimento proximal, que se constitui por funções
tuação explor ada. ainda não maduras, mas em processo de maturação.
2. Guia - "Eu relato ou conto como foi o evento, eu estava lá". Profes- A "zona de desenvolvimento proximal': segundo Vigotski, "define a
sor ou alunos assume(m) papel que lhe(s) permitirá dar informações distância entre o que as crianças podem realizar sozinhas e o que elas são
sobre um evento anterior (imaginário ou não). capazes de fazer sob a orientação ou em colaboração com parceiros mais
3. Agente- "Eu re-apresento o evento para que este possa ser com pre- capa zes': De acordo com este conceito, o desenvolvimento cognitivo e
endido", Difere do anterior pela liberdade de criar algo que seja mais social da criança procede como um desdobramento de potenciais, me-
convincente para que outros possam compreender os fatos. diante uma atuação em parceria com pares mais capazes , o que a leva a
4. Autoridade - "Eu devo prov ar/ evidenciar a verdade do s fatos, seu alcançar níveis de desenvolvimento bem além de seu nível individual de
real significado". A autoridade (professor ou aluno) exige dos demai s desempenho (in: Light, Sheldon & Woodhead, 1991, pp. 42-61).
participante s que atitudes ou pro vidências sejam tomadas. Na perspectiva da parceria professor-aluno, um processo desen volvi-
5. Relator- "Eu relato/clarifico os acontecimentos à medida que ocor- do por meio de episódios cent rados em questionamentos e problemas a
rem , para qu e sejam mais bem compreendidos". Função do narrador. serem resolvidos, a per gunta-chave para deslanchar o processo (ou a
6. Imprensa - "Eu comento os fatos, de acordo com meu ponto de problematização) torna-se uma peça fundamental. Cecily O'Neill & Alan
vista, eu interpreto ações ou atitudes de terceiro s". Função de interpreta- Lambert (1982) lembram que uma vez um dramaturgo respondeu a al-
ção de situações da qual não participou. guém que lhe perguntava sobre a mensagem de sua peça, que se ele quises-
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se en viar mensagens ele o faria por telegrama. Segundo O'Neill & Lam- 5. perguntas que encorajam o pensamento dedutivo: "que evidências te-
bert, "é muito mais fácil pensar sobre peças em termos das perguntas que mos que o andarilho não é perigoso?", "o que os faz imaginar que o
elas nos fazem, do que sobre o que elas nos contam (. . .] Macbeth, por seqüestrador não foi capturado?"
exemplo, nos faz perguntas sob re relação de poder e sexualidade, concor-
d ância em face do m al, e vista grossa pa ra as coisas de que ach amos Interação teórico-pedagógica
me lhor não tomar conhecimento':
O conceito de pergunta-chave é útil para planejar uma montagem e Será que nos perguntamos seriam en te por que a internet consegue
para desenvolver um processo com crianças. Ao perguntar "com o pode- m anter o envolvimento da criança horas consecutivas, com textos de
mos convencer o tirano a nos deix ar pa rtir?'; ou "como poderemos lidar Shakespeare e Dante, ao passo que nós, professores, com as vantagens de
com a provo cação sem usar violência?", o professor esta rá oferecendo interações, materiais e sons, ao vivo, achamos difícil manter sua atenção
m aio res po ssibilidades de desenvolver a narrativa em grupo do qu e o faria durante cinqüenta minutos? Para responder a esta pergunta não pode-
ao perguntar "o que fazer agora?". Se pe rguntar o que fazer, ele ter á de m os deixar de refletir sobre a quantidade e a qualidade das informações
aceitar lida r com um possível "mate-o" ou "fuja", e acabou- se a história . que são oferecidas aos alunos. É possív el introduzir tema, material e estra-
A distinção entre pergu ntas abertas e fech ada s é fundamental para o tégias que engajem organicamente os alunos, sem recursos especiais?
professor qu e vai liderar um processo nar rati vo com um grupo grande de A realid ade virtual tem sido usualmente transformada em bode expia-
alunos. Algu ns autores se referem a este p rofessor com o "p rofes sor-dra- tó rio para todas as "ma zelas" decorrentes do envolvimento da criança
. ma turgista"; en treta n to , é necessário considera r aqui que esta fun ção com o computador e seu desinteresse pela escola. Entretanto, uma narra-
de dramaturgista, no caso d e um processo de drama, adquire caract e- tiva comovente, diz Janet Murray, pode ser experienciada como uma rea-
rísticas próprias, uma vez que o text o sendo criado é de au toria dos alu - lidade virtual porque nossos cérebros estão preparados para sintonizar
no s, e os limites imposto s à criação do p rofessor são maiores. É neste com hi stórias com uma intensidade capaz de apagar o mundo em volta.
sent ido que os tipos de pergunta a serem feitas ao grupo adquirem impor- Este poder da narrativa levou Platão a considerar os poetas como ameaça
tância. à república, contemporâneos de Cervantes a temer a "leitura silenciosa",
Alguns exem plos : escritores do início do século XX a investirem contra o cinema.
Este velho desejo de viver uma fantasia despertada pelo mundo da
1. perguntasqueesclarecema situaçãoou enfatizam asopções tomadas: "é ficção é at ualmente intensificado pelo meio eletrônico, im ersivo e partici-
verdade que...","Vê se eu en tend i bem .. :'. patório, cujos detalhes enciclopédicos e espaços de navegação permitem
2. perguntas que simultaneamente informam e exigem resposta: "sem que viajemos por loca ções que há muito desejamos visitar. A experiên-
arm as, com o no s de fenderem os?'; "o nde pod erem os achar um m apa das cia de ser transportado a um local simulado, com tamanha precisão, é
cavernas?" prazerosa em si, independentemente do conteúdo de sua fan tasia . A esta
3. perguntas quesugerem implicações: "nós realm ente queremos saber experiência chamamos "imersão", uma metáfora derivada da experiência
quem deu esta ordem?': "será q ue isto porá um fim em suas exigências?" física de submergir na água e ficar envolvido po r uma realidade completa-
4. perguntasqueconstroem tensão:"p osso confiar qu e vocês todos ma n- mente diferente (Murray, 1997, pp . 97-9 ).
terão este segred o?","esta ponte ainda é fort e o suficiente para agüentar Quanto mais elaborado o ambiente de imersão, mais ativa é a partici-
nós todos?" pação. Quando aquilo que se faz dentro dele apresenta resultados tangi -
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veis, o participante vivencia a segunda carac teríst ica do prazer nos am - tem associar suas imagens descontínuas a um padrão mais amp lo de
bientes eletrônicos - a sensação de ser agente. Ser agente correspo nde à continuidade. Fazemos isto porque sabemos como ler as convenções des-
satisfação de realizar ações significantes e poder observar os resultados de tes meios.
nossas decisões e escolhas. Dificilmente podemos esperar ser agentes ou O computador apresenta o mosaico espacial da primeira página de um
sermos convidados a participar em um ambiente de narração. Quando jornal, o mosaico temporal do filme, e o mosaico participativo de um
isto acontece em alguma manifestação artística da atualidade (teatro, per- controle remoto. Mas, o mais im portante é que ele nos oferece novas
formances, murais, insta lações), nossa participação está circunscrita formas de dominar esta fragmentação - ferramentas para buscar e rotu-
de forma que lim ite nosso pote ncial como agentes - o diálogo com a lar os fragmentos a fim de relacioná-los e preservar a sua história, de
audiência é mantido por um roteiro que garanta um nível m ínimo maneira que possa reconstituí-los (Murray, pp. 154-7).
de participação e padrões de relacionamento apropriados a respostas de Os princípios de "ser agente" e "transformar" são centrais às lingua-
uma multidão distanciada (inco rporação de cantos, danças e festas po- gens artísticas. Em Teatro Educação o aluno é criador e ator, ele faz e
pulares). apresenta. Mais ainda, ele o faz e/ou transforma através do próprio corpo .
No meio eletrônico, ao contrário, a possib ilidade de escolha é pratica- Esta seria uma condição privilegiada para a imersão.
mente ilimitada , surge a possibilidade de uma participação enciclopédica. O que torna este envolvimento tão excepcional no ensino das artes? Eu
A atual cultura construtivistados jogos participativos eletrôn icosfoi cons- diria que são a quantidade e a qualidade das informações à disposição do
truída por uma comunidade acadêmica que se deliciou com vinte anos de aluno, ou seja, a matéria-prima para nutrir a imaginação da criança. Para
acesso consistente a computadores. Este fato é em si uma previsão das que o fazer seja consistente e significativo, o lere o apreciartambém pre-
tendências futuras de uma ampla camada da população que está inician- cisam ser.
do on-line aos sete anos de idade. Segundo a concepção construtivista dos processos cognitivo, social e
O terce iro prazer dos amb ientes digitais, segundo a autora, é o prazer afetivo, a percepção po de ser estimulada e desenvolvida com a ampliação
da transformação. O computador oferece inúmeras maneiras de alterar a do repertório do indivíduo, contribuindo assim para a construção de no-
forma e sugerir processos, mesmo quando está apenas expondo informa- vos modos de olhar (Carretero, 1997, p. 11).
ção. Essa força transformadora torna-se particularme nte sedutora nos O desafio, para aquele professor com dificuldades de manter o interes-
ambientes narrativos.Pode-se entender esta nova forma narrativa por meio se de suas diversas tur mas (geralmente formadas por crianças com dife-
da metáfora do calidoscópio. Como salientou Marshall McLuhan, os rentes faixas etárias), pode estar em repensar sua prática de modo que
meios de com un icação no século :xx apresentam uma estrut ura mosaica identifique e incorpore material adequado à ampliação do repertório do
em vez de linear. Jornais são compostos por muitas histórias chamando aluno, tan to no que se refere à área temática a ser trabalhada quanto aos
nossa atenção em uma mesma página, filmes são compostos por um mo- elementos da forma artística explorada. Se a quantidade e a qualidade do
saico de tomadas individuais, televisão é um mosaico por meio do contro- material introduzido ao aluno for adequada, o papel do professor poderá
le remoto. Informações com esta forma de mosa ico acabaram por criar ser o de mediador na investigação e interações dos alunos.
padrões de pensamento em forma de mosaico - estamos acostumados Em face deste novo perfil do aluno que alternativas metodológicas tem
a observar um jornal sem nos surpreender com este fato , por que apre n- o professor?
demos a receber informações múltiplas com uma simp les tomada ins- Sabemos não poder competir com o computador; não o que remos e
tantânea. Similarmente, anos como espectadores de cinema nos permi- não seria esta uma solução para compensá-lo das horas sentado na frente
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do teclado. Não podemos, entretan to evitar qu e isso aconteça nem negar seus próprios interesses, apropriam-se das novas infor mações e as inte-
o potencial da aprendizagem adqui rida com os meios eletrô nicos. gram aos seus próprios sistemas de conhecimento e cre nça.
Nu ma das experiências mais gratificantes que tivemos com Drama
Educação recentemente, as crianças (oito a nove anos de idade) represen- Ao sintetizar o que a "teoria" nos diz sobre o " bom ens ino" Caroline
taram o papel de pesquisadores das antigas práticas de cura ndeiras aço- Gipps define quatro po ntos pri ncipais (Gipps, 1992, pp. 19-20):
rianas e do poder curativo e m ístico das plantas locais. Foram envolvidas 1. As crianças são capazes de ma is do que tendemos a dar- lhes crédito,
em cerimo niais de celebração das plantas, percorreram tr ilhas e realiza- desde que ente ndam a tarefa que se requer delas.
ram rituais com danças, lenços coloridos, ramos de plan tas, velas, senhas 2. A interação com outros é de cruc ial importância, tal como a lingua-
de acesso ao local do cerimo nial, e, p rincipalment e, farto material com gem.
antigas receitas sobre o uso e os costumes referentes a um a grande var ie- 3.Por meio da linguagem as crianças pequenas aprendem, entre outras
dade de plantas . Este material estava contido em um "velho baú" com coisas, a pensar.
doc umentos antigos, fotos amareladas pelo tempo, e objetos significati - 4. Mediante a interação com outros, as crian ças podem explorar seu
vos ao contexto da ficção. O cerimonial das plantas foi marcan te para pró prio conhecimento e compreender como o conhecimento que estão
tod os os participantes. Naquele moment o e naquele contexto mostrou ser adquirindo se acomoda ao seu conhecime nto anterior.
uma possibilidade a ser contraposta aos me ios eletrônicos. É necessário
salientar, porém, que segundo a avaliação das crianças, a melhor parte da As características do "bom ensino", mencionadas por Gipps, corres -
atividade foi o velho baú, entreg ue por uma "velha curandeira" , seus pondem em linhas gerais, a uma descrição ou caracterização do que ocor-
pergaminh os, fragmentos de receitas , de um diár io de uma feiticeira do re na prá tica do drama, tanto como atividade curric ular como extracurri-
século passado, receitas e cur iosidades sobre as plantas que puderam cular,onde as mu danças frequentes na inte ração ator-espectador permitem
recon hecer em seu cotidiano. Ou seja, a qualidade e a quantidade do mate- não só que o aluno revele seus interesses e habilidades, mas também os
rial introduzido pelos professor es. novos conhecimentos adquiridos com a experiência.
A construção do conhecimento em grupo, med iante a concomitante
Peter Brookvê o teatro como meio para atingir o que nenhum outro meio aquisição da linguagem, ambos decorrentes das situações criadas e me -
é capaz:"Aqui está a responsabilidade do teatro : o que um livro não pode diadas pelo professor, fica evidente a cad a etapa do processo. Neste, o
transmitir, o que nenhum filósofo pode verdadeiramente explicar,pode ser sucesso ou fracasso do drama como método de ensino ou de aprendiza-
alcançado através do teatro. Traduzir o intraduzível é um de seus pap éis" gem reflete a habi lidade do professor para coordenar as interações dos
Ambientação cênica e teatra lidade referem -se à possibilidade de levar alunos em diferentes níveis a fim de equilibrar fazere apreciare de introdu-
os participantes a participar de um a realidade virtual; de se envolver na zir situações , informações e/ou desafios na hora certa de acordo com os
fantasia despertada pelo contexto da ficção intensificado pela participação diferentes pap éis e a ções,
ativa num evento teatral. A experiência de ser par te de uma realidade Contudo, o conhecimento adq uirido dura nte o envolvimento com o
simulada já é prazerosa em si, independ entemente de seu con teúdo - esta processo do dramavai além da possibilidade de nomear aprendizagens em
experi ência pode ser chamada de "imersão",e está longe de ser passiva; os áreas previamente determinadas- objetivos específicos (relacionados com
participantes constroem as próprias narrativas, imaginam pessoas co- o conhecimento de conceitos , hab ilidades, conteúdos e form as artí sticas)
nhecidas na pele de seus personagens, ajustam a história para satisfazer interagem com objetivo s não específicos (relacionados com o desenvol-
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vimento de atitudes e valores), fazendo que a experiência viva do fazer tea -
tral, do agir e do observar concomitantes, transforme a compreensão ou
o entendimento dos participantes em nível estético e artístico.
A singularidade do drama como processo é que é possível considerá-lo
tanto como métododeensino, permitindo abordar e desenvolver qualquer
tema ou situação dentro ou fora do currículo; quanto como eixo curricu-
lar, podendo ser caracterizado como uma atividade independente das de- DRAMA COMO EIXO CURRICULAR
mais disciplinas, mas capaz de gerar interesse ou pontos de ligação com
qualquer outra das áreas curriculares.
NO ENSINO FUNDAMENTAL
Como método de ensino, o foco da presente análise, tem sido o apare-
cimento de convenções e expressões para facilitar a compreensão do pro- Os primeiros anos do primeiro grau vão definir o engajamen-
fessor quanto ao potencial do drama para ativar objetivos educacionais e to emocional da criança com o processo de aprendizagem, engajamento
expressivos. Torna-se aqui evidente que a eficácia do drama na educação e este que vai repercutir na sua alfabetização e na sua atitude para com a
formação do aluno reside na sua eficácia como forma de arte. escola . A atividade dramática está centrada na interação com contexto e
Como a arte se encontra no limiar entre o individual e o universal, sua circunstâncias diversas, em que os participantes assumem papéis e vivem
forma, métodos e estratégias artísticas são atualizados em função do con- personagens comose fizessem parte daquele contexto naquelas circuns-
texto de sua criação ou recepção. Assim, o referencial metodológico desta - tâncias. Para o participante isto significa "assumir o controle da situa-
cado nas experiências relatadas nesta publicação foi enfatizado, acrescen- ção", ser o responsável pelos fatos ocorridos. Envolvimento emocional e
tado ou transformado de acordo com as necessidades do contexto escolar responsabilidade pelo desenvolvimento da atividade são características
local (escola pública, Florianópolis, 1995-1997), e em decorrência, o foco essenciais do drama - o aluno é o autor da sua criação.
da investigação referente à especificidade da linguagem teatral apresentou O uso do drama, como tema gerador dentro do currículo de primei-
alguns procedimentos comuns ao desenvolvimento das diversas expe- ro grau, refere -se assim a uma investigação ativa das circunstâncias e
riências que subsidiaram esta pesquisa. contexto definidos pelo professor ou professor e alunos, a partir do pro-
grama e/ou assuntos de interesse comum, os quais possam apresentar
pontos de contato com as demais disciplinas.
A particularidade desta investigação ativa por meio da atividade dra-
mática é que ela envolve os alunos com áreas complexas da experiência
humana, a fim de descobrir as questões e assuntos relevantes às suas
necessidades. Trata-se de um processo de investigação cíclico e contínuo
porque a natureza do drama tem a ver com o descobrir e redescobrir
novas dimensões na material sendo investigado.
Como o drama está essencialmente voltado à diversidade da expe-
riência humana, ele tende a provocar novos níveis de questionamento
em vez de promover respostas. Os níveis de questionamento abertos fa-
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rão a ponte com as demais áreas do currículo; o aluno ao investigar as -. Instru mentos de trabalho indispensáveis ao início das atividades
respostas o fará de acordo com suas necessidades e interesse, caracteri- na nova terra.
zand o-se assim como produtor dos conhecimentos adquiridos em vez -. Objetos que permitam manter a identid ade e seu reconhecimento
de mero reprodutor do que lhe é passado pelo pro fessor. pelos novos pares.
A utilização de um tema gerador revela-se como uma tentativa de • Objetos que preservem a memória daqueles que ficaram para trás
integrar uma variedade de áreas de ensino a partir de um mesmo tema . c que tenham algum significado especial na sua história de vida.
Geralmente os pontos de ca ntata entre as diferentes áreas são tênues e
percebidos somente pelo professor, não pelos aluno s. A Prá tica como Pesqui sa
O contexto dramático cria elos de forma significante para o cruza-
mento temático. As atividades das diferentes áreas de aprendizagem po- A prática como pesquisa distingue-se da pesquisa sobre a prática,
dem ser geradas de maneira tal que ganham coerência, porque surgem caracterizando-se como uma investigação centrada no relacionamento
do contexto explorado e dos papéis desemp enhados. professor-aluno na busca do conhecimento formal em teatro. O aspec-
Para tanto, após selecionar os temas, é importante estabelecer os fo- to que melhor a identifica seria então o grau de visibilidade que ela man-
cos dramáticos e suas possíveis analogias com o contexto sociocultural tém do foco de pesquisa , tornando evidente durante o proces so as ques-
em que se vai trabalhar. Dessa forma será garantida a ressonância entre tões sendo investigadas e as distintas formas de resposta. A natureza
o contexto da ficção e as preocupações e interesses locais. essencialmente social dessa atividade na área do teatro acentua sua di-
A busca de analogias implica examinar o subte xto ou as intenções mensão ética, ideológica e política tanto quanto epistemológica. Ética,
por trás das a ções e situações propostas, para detectar o que pode ser ao questionar os valores embutidos na prática sob investigação; ideoló-
comum a outros seres humanos que vivem em contextos similares. No gica, na medida em que a pesquisa realizada de forma coletiva prioriza,
caso dos imigrantes açorianos, por exemplo, o professor pode estabele- em si, a democratização do acesso e do conhecimento; política, em de-
cer uma das questões para subsidiar sua abordagem inicial ao tema: corrência dos princípios de autonomia e cidadania subjacentes a estes
processos.
• Imigrantes são todos aqueles que escolhem o desconh ecido, por Essa forma de pesquisa é particularmente apropriada para o estudo
exemplo, exploradores, pion eiros, pesquisadore s. do teatro no cont exto educacional, uma vez que articula teoria e prática
• Imigrant es são todos aqueles qu e carregam consigo seus bens, por a partir da interação entre alunos e professor. Quando essas articulação
exemplo, tribo s nôm ades, campi stas, sem-teto, vítimas de catástrofes. e interação acontecem dentro dos parâmetros da prática de ensino, isto
• Imigrantes são todo s aqueles que deixaram família e bens para trás, é, durante os estágios, tornam-se um processo de investigação aind a mais
fugindo de perseguição, e não podem retornar. produtivo, ao confrontar as percepções dos aluno s (crianças e/ou ado-
lescentes), com as dos estagiários (professores-alunos), e as do coorde-
A opção por uma destas alternativas iria ajud ar a identificar o foco nador da pesquisa (professor orientador). Compartilhar histórias de pes-
dra mático da prim eira atividade, por exemplo, no caso da tarefa usual- quisa, suas implicações, problemas e possibilidades, é acima de tudo uma
me nte usada para estabelecer o vínculo do aluno com o cont exto da imi- forma de desenvolvimento do campo de trabalho e de rompimento com
gração: "selecionar que objeto(s) levaria consigo", seriam priorizados, res- o isolamento no início da vida profissional, além de um important e veí-
pectivamente: culo para criar uma comunidade de pesquisa.Tornar este processo trans-
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parente no decorrer de seu desenvolvimento é abrir possibilidades para histó ria associada aos ob jetos era suficiente para convencer aos vivos
experimentar, confrontar e registrar alternativas. que o morto iria reiniciar um a nova vida .
Os artefatos contidos no pacote de estímulo (o qual pode ser uma
o Contexto Dramático valise, um envelope grande, uma caixa, uma trouxa, etc.) funcionam como
uma alavanca para iniciar e impulsionar o processo dramático, e vão
o desenvolvimento do professo a partir de, e delimitado por, um con- to rn ando -se menos importantes à medida que a imaginação do grupo
texto dramático torna-se fundamental para abordar o drama como eixo se fortalece. No decorrer do processo dramático poderão funcionar como
curricular. É este contexto que vai permitir que os participantes sintam- um a referência contínua aos fatos que lhe deram origem.
se livres para expor imagens e expectativas pessoais, focalizar emoções Experiências com o drama como eixo curricular, no contexto brasi-
e resolver conflitos. A mediação do professor, na esfera da ficção, des- leiro , revelam o potencial do estímulo composto para articular o con-
caracteriza a situação ensino e adquire conotação de parceria. Isto acon - texto sociocultural com o da ficção. Nos processos sobre imigração aço-
tece principalmente se o professor participar do processo como perso- riana , por exemplo, o pacote de estímulo continha: mapa do Arquipélago
l1agem. dos Açores, fotos de uma das ilhas, réplica de um pequeno objeto ou
Um recurso pedagógico eficaz para envolver os participantes com o peça de figurino, fragmento de texto referente ao anúncio de imigração
contexto dramático e, ao mesmo tempo, estimular investigações parale- (conteúdo his tórico e cultural); bilhete da avó que fora impedida de par-
las e independentes nas demais áreas curriculares, é o pacote de estímulo tir, página de um diário, medalha do santo de devoção, anel acompa-
composto. O estímulo composto reúne um conjunto de artefatos - ob- nhad o de cartão de noivado, fragmento de uma lista de bagagem (con-
jetos, fotografias, cartas e documentos, por exemplo, em uma embala- teúdo de ficção).
gem apropriada. A história que se desenvolve a partir dele ganha signifi - A característica mais importante do pacote de estímulo, entretanto,
cância através do cruzamento de seu conteúdo - o relacionamento entre parece ser o envolvimento emocional do grupo com o tema. Se o cruza-
os artefatos nele contidos - e como os detalhes de cada um sugerem mento dos artefatos, a história da origem do pacote e seu foco dramático
ações e motivações humanas. forem convincentes e esteticamente bem reso lvidos, a atenção ficará con-
A teoria do estímulo composto foi desenvolvida por John Somers centrada nos conflitos subjacentes à trama, e será afastada a possibilidade
(1994), e parte do princípio de que o impacto do drama está baseado na de a ação se transformar em mera ilustração das situações sugeridas.
possibilidade de trabalhar em dois níveis que estão interconectados e afe- O envolvimento emocional com um universo de ficção convincente é
tam um ao outro - o do contexto social dos participantes e o do con- precondição para focalizar o drama como eixo curricular. O maior risco
texto simbólico promovido pela linguagem do drama. Por exemplo, uma a ser enfrentado é a associação do processo dramático com uma ilustra-
ferramenta pode sugerir um tipo de trabalho e o trabalhador que o exe- ção dos fatos investigados nas demais disciplinas. O caminho deve ser o
cuta; uma peça de roupa pode sugerir o indivíduo que a usa e seu com- inverso - o drama permite imaginar e expressar situações imaginárias
portamento; uma carta indica o motivo pelo qual foi escrita e o relacio- sem contornos históricos, geográficos e científicos precisos. É esta im-
namento entre o remetente e o destinatário. Como lembra o autor, as precisão que irá estimular o aluno a investigar suas referências nas de -
pessoas que enterravam seus mortos com os objetos que lhes foram sig- mais áreas. Daí a importância de identificar e mencionar com freqüência
nificativos em vida, esperavam que estes garantissem ao morto a possi- o espaço do palco ou da cena, fazendo uma distinção entre os contextos
bilidade de conduzir uma nova vida e uma nova história. O poder da social e ficcional.
36 37
PERGAMUM
BC'HIUFC
Outro aspecto a ser cons iderado é que na abordagem curricular cen - com/na cena será viabilizad a pelo antes (o qu e provocou aquela ação) e
trada em tópicos ou projetas (já tradicional), a relação entre as diferen- o depois (suas conseqüê ncias).
tes atividades ou disciplinas é t ênue , e em geral visível só para o(s)
professor( es) e não para os alunos. O drama cria diversas pontes, gera- Quadro 1
das de maneira coerente, um a vez que surgem de necessidades que emer- CAVERNAS
gem dos papéis e circunstâncias vivenciadas. Por exemplo , diferentes for-
mas de discurso, provenientes de papéis com status diversos, construção
de mapas, jornais, pinturas, cálculo de peso e medidas, etc., são exigidos
pelo processo dramático e necessidade de vero ssimilhança das cena s.

Quadros de Referên cia para o Drama como Eixo Curricular Criação e narração de
histó rias ;
Diários e t est emunhos ;
Relatórios e apresentaçã o
Os processos dram áticos apresent ados no próximo capítulo investi- de pesqui sa Lfnlua

garam formas particulares de abordar o drama como método de ensi- Cavernas


no e seu potencial como eixo curricular, atendendo às necessidades espe- Rituais primitivos ;
Amble nt aç âo
cíficas do contexto escolar em que ocorreu a pesquisa. A intenção cé nica e
ex ploração do ,----'---- -(
prioritária foi observar meios de intervir no processo dramático a fim movimento

de introduzir informações sem quebrar o envo lvimento do grupo, e ex-


perimentar formas de interação entre professor, estagiários e alunos, em Espeleologia e espe leó -
pequenos grupos, garantindo aos alunos a autoria do texto dramático. lo go s ;
Condições climát icas ;
Estes proce ssos fizeram parte de um projeto intitulado "Leituras e So brevivên cia;
T1pos de cave rna;
Imagens do Meio Amb iente através do Drama", cujo objetivo principal Rocha s e explora ção
subt err ânea
era explorar e observar o potencial da educação estética associada ao
campo das ciências.
Ciência e tecnologia, que investigam as forças do mundo natural, são Focos Dramáticos (altern ativas):
atividades humanas e se desenvolvem nu m contexto social. Valores so- 1. um nov o sistema de cavern as é descoberto e em pr esas de explo ra-
ciais e políticos, além de pressões econ ómicas, afetam o que é investi - ção de calcár io solicitam a região para investimento . Os alu nos , no pa-
gado ou planejado, assim como o que é planejado e descoberto afeta a pel de espeleólogos, têm prazo de dez dias par a reconhecer, documentar
maneira como vivemos. Essa relação nem sempre é evidenciada, e pro- e provar a necessidad e de preservar o local.
fessores têm dificuldades para abordá-la metodologicamente. 2. Fatos estranhos ocorrem em sítios onde cavernas estão localiza-
O drama focaliza ações humanas concretas e expande seus significa - das. Os alu nos, como investigadores, devem descob rir o que o que está
dos para além das ações específicas - uma vez que o que importa são por trás destes fatos .
suas implicações futura s. A atenção do professor não está apenas na
ação dr amática sendo realizada; sua possível int eração e/ou intervençã o
38 39
Quadro 2 Qua dro 3
CONCHAS E CARAMUJOS PLANTAS
Histó rias: curandeira s \IS . Pôster es e cartazes ; Rota das especi arias; Desenho de obse rvação ;
feiti ce iras; Gráficos com nome n- Histórias da Inquisição ; Rituai s e símbolos;
Hamle t ; cla tura e Imagens das His tória das planta s ~ plantas na pintura
Biog rafias e fr agmento s de plantas tnvestiaadas; em dvil1zações em diferent es épocas;
lite ratura sobre o te ma ~s j!n de blusas e diver sas: tndfge nas, Seca gem a co tagem
rec eitas De sisn e orient ais , e tc .
Artes Tecnolo&,a
Nomenclatu ra em latim;
Obse rvação e registro ;
Slo,S'ons e manchet es ; Plantas e tipos de
Grameolots Hãbtte t : so lo;
Loca l1zação geog ráfica; Meio Ambiente e
Prese rvação ; prese rvação;
Estudo das marés e Épocas de plantio e
dos ventos ; condiçõe s climáticas;
Movime nto das Rotas e tcca ttraçôes Co reoa rafi as Vida rural '0'5. vida
conc has; das conchas Inspi radas em urban a
Coreo grafias; plantas ;
Qualida de do r-...L-- --( Geo lr afl a Rituais de
movi mento celebração das
planta s

Nomenclatura e cla ssificação


dos molusco s ; Composição das plantas;
Biologia das conchas e Efe ito s medicinais ;
car amuj os ; Mudas e transp lante s;
Desenvo lvimento dos As árvores e a vida
moluscos; animal;
Estações e clclas; Incubadetr as,
Conchas de oceano , r10 e c lonagem, e tc
te rra

Focos Dramáticos: Focos Dramáticos:


1. Uma rodovia expressa está para ser construída entre duas praia s, 1. Uma adolescente, expulsa de sua com unidade sob acusação de prá-
ocupando parte da área de dunas. Um represe nta nte da Associação de tica de bruxaria, lança um a maldição aos habitantes locais. Estaria esta
Preservação do Meio Ambiente prop õe uma campanha para proteger a maldição em vias de ser concretizada?
área ating ida. Conchas e Caramujos serão os símbolos da campanha. 2. Um cura ndeiro idoso, ama do pela comun idade, é brutalmente as-
2. Os participan tes, no papel de moradores de um a comunidade cos- sassinado em sua casa, no top o do mo rro mais alto da Ilha. O que está
teira, são convidados a investigar fatos estranhos relacionados com con - por trás disto? (fato real).
chas . Estas, não só estão desaparecendo das praias locais, como come-
çaram a aparecer em locais inusitados - árvores, pasto, em peq uenos
potes nos fundos de qu intal.
3. Histórias mitológicas que compõem o capítulo "A Concha", em A
Poética do Espaço, de Bachelard, são usadas como pré-texto para explo-
rar a relação corpo -espaço em processos dramáticos direcio nados a criar
fragmentos de dança-teatro.
41
40
Quadro 4
IMIGRAÇOES EASSENTAMENTOS
o Fontcistico na Ilho d~ se, de Projetes e maquetes
f. ce scaes; de embacações ; od e tegem de
Cre nças e mitos ; Dl!sign de cartazes; emba rcações ;
Cartas e relatos dos Murais e colagem Pinto res (rec epçã o);
nav egadc r es Ce ra mfstas ;
Escultores ;
Fo tog rafi a;
rte sanat o ;

Diciondrio da Ilho, de liso


rqu ttetur a : leitura
de pintu ras sobre
DRAMA: ESTRUTURAS E PROCESSOS
Rodrigues ; navegaçõ es
Gast ronomia (rec e it as ); Ar tes
Depoi mento s e
te stemunho s; Mapa das Hhas ;
Dia na de bordo Unlua Rota s das viagens ;
Utilização de
Imigrantes bússo las , estudos de
pre visão de tempo e
Os roteiros apresentados neste capítulo têm uma estrutura
ve ntos;
Danças de base Loca lizaç ão dos
básica, flexível, que a cada processo dramático é modificada ou ampliada
açoria na; ~~----,
Fc tguedc s;
assentamento s de
açorianos no sul do
para corresponder às necessidades e interesses dos participantes.
Jogos e
brinquedos; ra s1l Geo gr a fi a As estruturas são assim uma seqü ência de at ividades para dar início
Criar masca ras ,
musica e dança ao desenvolvimento de um determinado tópico - incluem tarefas para
pa ra recontar um
mito tndlge:na constru ir o contexto da ficção no qual se vai trabalhar; ações para iden -
tificar as funções dos participantes ou as características das personagens,
Mate:riais usados nas
Calculas de: tempo e:
dist ância ; embarcaçõe:s ; se for este o caso (drama histó rico, por exemp lo ); atividades para foca-
Prese rvaçêc dos
Cálculo do pese das
ba ga ge:ns ; attme ntos ; lizar, exp lorar ou solucionar con flitos e tensões. A cada processo desen-
Inve:stfgação do
Cálculo de: subtração na. co ta
dos al1me:ntos utflizado s conteúdo nutrfc tcna t volvido sob re o mesmo tópico ou texto dramático, o professor poderá
da dieta
dos nave:aadores optar por ampliar o número de trabalhos relacionados com o contexto
(construção de mapas ou amb ientaç ões, murais, imagens congeladas,
fotos animadas, esculturas, reportagens, etc.); com a identificação de fun -
Focos Dramáticos:
ções ou papéis (berlinda, entrevistas, um dia na vida . .., problema ocul -
1. As expectativas criadas com a promessa de terras no sul do Brasil to, máscara s, etc.), ou com o desenvolvimento da narrativa d ramática,
são colocadas em xeque pelos reveses da jornada e o contato com os en frentamento de ten sões e solução de conflitos (jogos de status, fórum,
habitantes locais - os índios.
analogias, rituais, momento da verdade, etc.). Todas essas atividades, pre-
2. Uma jovem, conhecida como cur andeira nos Açores, e tida por al- sentes em metodologias distin tas como os Jogos Teatrais, de Viola Spolin,
guns como bruxa, é uma das imigrantes. No navio prevê perigos e des - e o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, sob a forma de jogos ou impro-
graça s que começam a acontecer.
visações, fazem parte também do Drama. O que as identifica aqui é a fun -
3. A esposa católica de um açori ano cuja famíli a pratica bruxarias, dam ental importância que adquire sua coerência interna com o pré-texto
começa a definhar. Os médicos não cons eguem resolver a situação e uma
- as intenções e motivações que deram origem ao processo do drama,
curandeira amiga afirma que a solução é negoc iar e conviver com a fa-
e a co nstru ção de uma narrativa orquestrada pelo professor dramatur-
mília açoriana .
gista- o qual intervém no processo como professor-personagem.
42
43
A palavra processo quando definida em drama, é posta em oposição
a produto, o qual adquire conotação de algo findo, concluído. Há uma Cavernas
diferença entre ensaio e processo de ensaio? De forma análoga, o que dis-
tingue o drama processo (drama como processo, tradução da forma in- "Da Caverna e seu entorno
glesa process drama) do processo do drama? John O'Toole (1992) chama Nada se tira a não ser fotografias
Nada se deixa a não ser pegadas
atenção para o fato de que um exame da distinção entre estes usos do Nada se mata a não ser o tempo"
termo processo revela como lidamos com a realidade, e reconstruímos o - L EM A ESPELEO LOG ICO I NT ERN AC I O N AL
conhecimento e as idéias em nossa sociedade. A premissa da objetivida-
de do discurso científico, segundo o autor, nos leva ao dualismo entre O drama "Cavernas" possibilitou não só construir histórias sobre seus
processo e produto e a associar produto com produção teatral. antigos ocupantes, como também permitir aos alunos, no papel de geó-
O que há por trás deste dualismo, entretanto, é a desvalorização da logos, desenvolver situações "em laboratório" para análise de amostras
subjetividade em facedo mundo científico, objetivo, que transforma a rea- de pedras e tipos de solo, além do questionamento dos eventuais interes-
lidade em objetos, substantivos. Balineses, o povo mais artístico, não têm ses políticos no resultado das "pesquisas", ou da elaboração de "planos
uma palavra para arte; eles simplesmente a fazem. Mesmo no pensamen- de ação" para preservação dos sítios pré-históricos.
to científico ocidental, Einstein mostrou, há um século, que a substância O tema cavernas foi escolhido, primeiramente, pela atração que ge-
do universo físicosão os relacionamentos e não as coisas. Daí a necessida- ralmente gera na infância, com imagens de mistério, de esconderijo, de
de de definir a palavra processo tal como associada ao drama; as questões tocas de animais selvagens, de minas de pedras preciosas ou tesouros de
levantadas não são apenas retóricas; implicam posturas metodológicas. épocas passadas .
Para O'Toole, o processo, em drama, pode ser definido como "a ne- Em segundo lugar, pela possibilidade de serem abordadas questões
gociação e renegociação dos elementos da forma dramática, quanto ao de preservação do meio ambiente, ecossistema, proteção das inscrições,
contexto e aos objetivos dos participantes': Mas esta definição pode tam- atitudes coletivas ante a devastação tanto pelo turismo predatório, quan-
bém ser aplicada com igual propriedade a um processo que tenha como to pela instalação de usinas para exploração do calcário, etc.
obje tivo uma produção teat ral. Como a improvisação é um componen-
te essencial do processo em drama e em montagens, é importante reco - PRESSUPOSTOS T EORICOS
nhecer seu papel como fonte da criação dramática e observar as formas O drama cria oportunidades para consolidar o conhecimento e co-
pelas quais está inserida em ensaios, e seu significado em drama. municá-lo. Os "geólogos" desta experiência apresentaram o relato de suas
Como será visto nos processos descritos e comentados abaixo, o pro- expedições anteriores em um congresso nacional formado pelo restante
cesso em drama, tal como a improvisação, se desenvolve sem um texto da classe, professores e monitores das demais equipes; realizaram e apre-
dramático, emborainclua episódios que são compostos e ensaiados, mais sentaram às autoridades uma cena (que se convencionou como um ví-
do que improvisados. Para Cecily O'Neill (1995), a principal diferença deo) sobre a exploração de cavernas recém-descobertas. Em ambas as
entre o process drama e a improvisação é que o drama "não está limita- situações aprenderam os procedimentos básicos de apresentar relató-
do a exercícios ou cenas únicas ou breves. Em vez disso, e assim como rios e documentos ao público, enfrentaram os questionamentos da au-
em qualquer evento teatral tradicional, ele é constituído por uma série diência, mostraram a evidência do result ado de suas pesquisas em for-
de episódios ou unidades cénicas" ma de "vídeo", mapas e desenhos do material observado e coletado.
44 45
Não há maior teste para o conhecimento e a compreensão do que a 2. Transformando-se em "geólogos"
necessidade de pô -los em prática, dando forma a pensamentos e infor- O tema "exploração de cavernas" é introduzido: as funções do geólo-
mações dispersas e comunicando-as oralmente. Comunicar pensamen- go e do espeleólogo são comentadas e discutidas (os alunos relembram
tos e informações oralmente, escrever, diagrama r e planejar são necessá- passagens do vídeo visto anteriormente) . O tema "teatro" é introduzi-
rios tanto nas humanidades quanto nas ciências e tecnologia. do : os alunos são convidados a vivenciarem um processo de teatro "com o
se" fossem espeleólogos. A classe é dividida em três grupos de oito a
ESTRUTURA NARRATIVA nove alunos, cada grupo é acrescido com dois alunos de Artes C ênicas e
Esta experiência foi realizada em quatro etapas, com uma hora e meia torna-se especialista num tipo de caverna. Observam e analisam mate-
de duração cada encontro. O processo envolveu leitura e construção de rial relativo à sua especialidade.
imagens em cada etapa -leitura do material apresentado, das histórias Cada aluno recebe um crachá com seu nome.
ouvidas e das apresentações dos colegas; construção de imagens a partir Os grupos de espeleólogos passam a criar a história de sua equipe e
do material observado, das narrações dos monitores, das suas vivências de uma descoberta e exploração de caverna vivenciada antes, a qual os
anteriores. tenha tornado conhecidos/famosos na sua especialidade. Cada grupo cria
Os alunos trabalharam em equipes de oito, com dois monitores cada as "evidências" desta expedição anterior (desenhos, mapas, etc.) e dá nome
equipe e especialidade diferenciada: exploradores de cavernas subterrâ- à expedição e à caverna descoberta (batizando-as).
neas, com estalactite e estalagmites (equipe 1), exploradores de cavernas
com inscrições rupestres (equipe 2), e exploradores de oficinas líticas e 3. Preparando-se para atuar
. inscrições em pedras na região litorânea (equipe 3) . Um jornalista (o professor de teatro) visita cada laboratório e/ou es-
critório, entrevista e fotografa as equipes de espeleólogos para a Revista
Primeiro encontro - introduçãodo tema e do contexto da Ciência.
Um representante da Fatma (um aluno de Artes Cênicas) visita cada
1. Compartilhando o que sabemos equipe para convidá-Ia a participar de importante encontro sobre pre-
O tema "cavernas" é introduzido e os alunos passam a contar o que servação do meio ambiente e apresentar dados sobre o ecossistema das
conhecem sobre o assunto: grutas nas encostas e junto a quedas d'água, cavernas.
tocas de animais de tamanhos variados, construções de buracos de areia
na praia ou atrás de casa, moradias de povos antigos ou os atuais "bu- Segundoencontro - construção daspersonagens
racos de bugre" do oeste catarinense. Dois alunos dizem ter em casa fo-
tos de cavernas com estalactite (trazem na aula seguinte) e uma aluna 1. Edição da história criada no encontro anterior
diz ter visitado cavernas na Espanha (relata brevemente a experiência). Os grupos decidem o que vão apresentar no encontro sobre meio
Os alunos vêem um vídeo sobre exploração de cavernas mineiras e ambiente, definem qual o papel de cada espeleólogo dentro da história
algumas fotos ampliadas sobre outros tipos de caverna. É dado algum criada e na apresentação que virá a seguir, organizam as evidências que
tempo para comentários gerais sobre o assunto. serão apresentadas. Os alunos mais tímidos e/ou com dificuldades para
se apresentar ficam responsáveis pela apresentação das amostras coleta-
das (uma coleção de pedras reais coletadas nas vizinhanças dos diferen-
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tes tipos de cavernas havia sido analisada pelos grupos e ficado à sua 2. A expedição
disposição). Para a expedição, imaginária, cada grupo ocupa uma outra sala, com
as cadeiras afastadas, papel jornal em uma das paredes. Há dois líderes
2. O encontro de espeleólogos (alunos de Artes Cênicas) em cada expedição - um no início da ma
Os grupos chegam ao local do evento (a sala de vídeo da escola), um (oito crianças), narrando o percurso, obstáculos, entradas à direita ou
por vez, e são recebidos. pela "imprensa" (um aluno de Artes Cênicas), esquerda, características do espaço à frente, etc.; outro no meio da ma,
tornando a serem fotografados e questionados. apontando para detalhes e descobertas interessantes da expedição, e es-
Após a abertura dos trabalhos pelo coordenador do evento (o pro- timulando as crianças a fazerem o mesmo, isto é, liberarem a imagina-
fessor de teatro) e sua fala sobre a necessidade de preservação do meio ÇãO. para o "como se" da caverna e dos espeleólogos: neste processo en-
ambiente, os grupos se apresentam. O coordenador de cada grupo (alu- gatinham através de túneis, levantam-se quando o espaço se abre e
no de Artes Cênicas) apresenta sua equipe e caracteriza seu objeto de observam os tetos e paredes, usam cordas para escalar rochas ou subi-
pesquisa (tipo de caverna, data e nome da expedição que a descobriu e das íngremes, pulam riachos, circulam em volta de poços profundos,
estudou). Cada membro da equipe fala então sobre um dos aspectos etc. Os líderes procuram chamar a atenção para os aspectos particulares
daquela expedição: dificuldades da empreitada, material coletado para àquele tipo de caverna, àquilo que a distingue das cavernas exploradas
amostra e análise, belezas naturais observadas, sinais de utilização por pelos demais grupos.
habitantes pré-históricos, caracterização e dimensão da área, etc.
3. Registro e comprovação
3. Convite à pesquisa Ao término da expedição cada aluno desenha e pinta o que mais o
Um representante do Ministério da Ciência e Tecnologia (outro estu- impressionou: registram algum detalhe da expedição ou alguma carac-
dante de Artes Cênicas) fala sobre cavernas recém-descobertas e a neces- terística da caverna.
sidade de se obter mapas e relatórios detalhados dessas cavernas a fim Após o trabalho individual fazem, em grupo, o mapa do espaço ex-
de registrá-las no Patrimônio da União e reivindicar fundos para sua plorado, relen:brando o percurso, as entradas à direita ou à esquerda,
preservação. as partes rebaixadas ou escaladas, etc. Em seguida pintam numa faixa
O coordenador do encontro pede apoio dos cientistas e a tarefa é de papel jornal uma das paredes da caverna, cada qual utilizando um
definida: cada grupo se encarregaria de um dos sistemas de cavernas des- pedaço do mesmo papel, criando assim um painel coletivo.
cobertos e providenciaria o material solicitado pelo governo. A seguir relembram, aqui com maior intervenção dos líderes, os as-
pecto~ de preservação da caverna e do seu ecossistema, os quais foram
Terceiro encontro - a expedição mencionados e/ou observados durante a expedição.
Durante e~ta etapa as crianças com dificuldades de aprendizagem
1. Preparação (duas) assumiram o papel de laboratoristas e passaram, sob orientação
Cada grupo, com orientação e mediação de seu líder, revê as normas do coordenador, a tirar moldes das pedras, sementes e folhas (desenho
de segurança e os procedimentos necessários à exploração de cavernas. de contornos ou colagem), para apresentá-los como amostras coletadas
Para tanto, o vídeo do primeiro encontro foi fundamental. Em seguida durante a expedição.
listam o material que vão levar consigo.
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Quartoencontro - a apresentaçãodas descobertas P O N TO S D E R EFL EX ÃO
Esta experiência é a primeira de uma série, na qual exploramos o dra -
1. Edição do vídeo ma enquanto método de ensino, e seu potencial como eixo curricular na
Os grupos, cada um numa sala, relembram a expedição e selecionam escola de primeiro grau.
os aspectos e passagens que querem mostrar ao público, discutindo e Nesta etapa, o foco para o grupo de professores, estagiários que acom-
ensaiando e melh or form a de comunicá-los. O painel pint ado coletiva- panharam o proce sso, foi a estru tura da atividade, a qual possibilitou às
mente serve de pano de fund ópara o vídeo. crianças alternâ ncia de leituras e con stru ções de imagens com base no
material introduzido pelo professor.
2. Apresentação da pesquisa A leitura das imagens revelou, de um lado, a visão de mundo dos
Ao chegar ao local do evento cada grupo é recebido pelos organiza - participantes, sua noção de meio ambiente e preservação, seu conheci-
dores (o coordenador do proj eto e um aluno de Artes Cênicas) e apre - mento dos sítios geográficos e históricos da comunidade, do estado e do
sentado aos dem ais cientistas . país. Por outro lado, revelou a assimilação das informações, vocabulá-
Os organizadores abrem os trabalhos, falando sobre a tarefa delega- rio e conceito s introduzidos durante a experiência. No que se refere ao
da aos grupos e a importância dos trabalhos. Os grupos então se apre- trabalho em grupos, a leitura de imagens permite ainda observar inter-
sentam, um por vez. pretações diversas para os mesmos fatos, ampliando assim o horizonte
Cada grupo vai à frente , os líderes apresentam cada especialista e sua de expectativas e possibilidades dos participantes .
função na expedição e então estes apresentam os resultados obt idos. Os A construção de imagens permite a organ ização da leitura em uma
líderes mede iam as apresentações, introduzindo cada espeleólogo, refor- forma concreta e articulada com as leitura s do s demais colegas e os
çando ou reformulando trechos de sua fala (dada a inexperiência dos meios fornecidos para sua construção. Por construção de imagen s nos
participantes quanto a este tipo de atividade). referimo s aqu i à produção art ística parcial ou final referente a cada eta-
Ao final de cada apresentação é mostrado o vídeo feito por aquele pa do trabalho - àquilo que os participantes fazem para "mostrar"
grupo - tendo o painel como pan o de fundo cada grupo apresenta aos seus espectadores.
sua cena. São usados corda s, lanternas, varas e capacetes como objetos Em amba s as situações, leitura e construção de imagens, a int erven -
de cena. ção do professor e monitores está centrada naquele espaço que Vigotski
Durante as apre sentaç ões os grupos tentam convencer as "autorida- convencionou chamar "zona do desenvolvimento proximal", caracteri-
des" e "cienti stas" de outras áreas de conhecimento sobre a importância zada pela distância entre a capacidade individual da criança e sua capaci-
de manter e proteger os sítios que pesqu isaram a fim de preservar sua dade de intervir com ajuda ou colaboração de outros mais capazes.
história e seu ecossistema. As cavernas, segundo ouviram falar,estavam Na prática isso significa que o professor não vai definir os papéis ou
em perigo de desaparecer uma vez que uma corp oração multinacional ações dos participantes; sua função será "ler" as atitudes e ações dos
estava se dispondo a comprar toda aquela área para aí instalar uma usi- participantes e fazer perguntas que os leve a pensar adiante. Para tanto,
na para produção de concreto. professor e monitores também assumem papéis diversos, que os possi-
bilita int ervir de forma mais precisa, como participantes do evento, po-
dendo usar argumentos e assumir posturas não condizentes com a figu-
50 51
ra do "professor". Brian Woolland (1993, p. 55) lista e caracteriza dife- Perguntas deste tipo, além de sugerir alternativas para a história sen-
rentes funções para os papéis assumidos pelo professor: buscar ajuda, do construída, introduzem informações sobre o contexto da expedição e
conselho ou informação, coordenar, obstruir ou desafiar, ajudar em ta - as características das cavernas.
refas difíceis, fazer o advogado do diabo, introduzir informação. Sendo esta a primeira experiência com o método dramático tanto para
Como representante da Associação para Preservação do Meio Am- as crianças quanto para os monitores, procurou-se estruturá-Ia de ma-
biente, o professor da experiência aqui relatada assumiu um papel que o neira que permitisse que as situações-chave fossem repetidas, sob for-
levou a criar "tensão" (as cavernas recém-descobertas e pesquisadas pe- mas diversas, a fim de possibilitar o "retomar, refazer e concluir" idéias,
los alunos, no papel de cientistas, corriam o risco de desaparecer); intro- atitudes ou ações que não tivessem correspondido às expectativas dos
duzir processos de tomada de decisão (os grupos teriam um prazo para participantes:
apresentar propostas de ação conjunta); encorajar reflexão (uma análise • a entrevista e fotos com os cientistas (em seu local de trabalho no
detalhada do ecossistema dessas cavernas convenceria o governo a pre- primeiro encontro) repetiu-se no segundo encontro, quando estes che -
servá-Ias); consolidar a aprendizagem (lendo, enfatizando e/ou reformu- garam para o Encontro Nacional de Geólogos.
lando as observações dos alunos); criar um foco dramático (a busca • falar e argumentar em público (à frente da classe e na presença de
dás evidências sobre a importância e o valor das cavernas, que implica- pro fesso res e monitores) aconteceu no segundo e quarto encontros, fi-
riam uma expediç ão de alto risco, seria a melhor forma de convencer as cando evidente o desenvolvimento da capacidade de expressão e argu-
autoridades a preservá-Ias). mentação dos participantes.
Como líderes dos grupos de pesquisadores, os monitores (alunos de • a experiência propriamente dita, a expedição, repetiu-se sob forma
Artes Cênicas) utilizaram formas diversas de questionamento para in- de vídeo, permitindo-lhe a edição (seleção, cortes, ampliação e clarifica-
tervir no processo criativo. Fazer perguntas, segundo Cecily O'Neill (1982, ção das partes essenciais) .
p. 141), pode ser uma estratégia fundamental para estabelecer o contex- Quanto ao conteúdo específico, podemos dizer que as leituras e ima-
to do drama, para envolver os participantes e para aprofundar, focalizar gens do meio ambiente ocorreram em diferentes formas de expressão
e avaliar a experiência. artística:
A pergunta inicial do professor, por exemplo, "com o os geólogos po - • narração em grupo - construção da expedição anterior que os
derão convencer o governo a manter e proteger as cavernas", garantiu tornara conhecidos no me io científico;
um contexto de pesquisa (coleta de evidências e discussão de argumen- • expressão corporal- a expedição atual;
tos) para a experiência. Em grupos, os monitores garantiram, por meio .. montagem de cena teatral- a edição do vídeo;
de perguntas, as informações necessárias para o desenvolvimento da nar- • artes visuais - desenhos e pinturas das cavernas e seus detalhes;
rativa: Quantas lanternas serão necessárias se nos mantivermos sempre • expressão vocal- apresentação em congressos e argumentação às
juntos? Caso alguém se machuque nós vamos retirá-lo de lá e continuar autoridades.
a expedição ou teremos de abandoná-la? Se pretendemos continuá-Ia o A avaliação do processo realizada com os monitores e professores
guia segue conosco ou retorna com o ferido? É possível seguir ou retor- presentes deixou claro que as interações entre professor, alunos e moni-
nar sem um mapa dos túneis e bifurcações? Se o mapa ainda não foi tores, por meio de seguidas mudanças entre ler-fazer-mostrar, permitiu
feito poderemos confiar no guia? A entrada da caverna é visível à distân- aos participantes e observadores perceber a aprendizagem que ocorreu
cia ou teremos de procurá-Ia? em três áreas de aprendizagem distintas:
52 53
· Linguagem teatral - noto u-se uma evolução na comp reensão das pulares (po r exempl o, Boitat á), o qual inclui ria trabalho e pesquisa com
cnanças no que se refere à noção de espaço cênico e à caracterização, sombra - proj eções de folhas de bananeira, mam oeiro, etc., bem como
tan to ao serem fotografados como "cientistas", quanto ao apresenta- construção de novas histór ias.
rem os resultados de suas pesquisas às autoridades. Por exempl o, ao 2. Os sinais de que as cavernas possivelment e foram habitadas em
serem fotografado s pela segunda vez, uma criança sugeriu que posas- outras épocas históricas, levaram as crianças a mencion ar os "bura cos
sem segura ndo as pranch etas, po is assim pareceriam "mais científicos"; de bugre" do oeste catarinense e a possibilidade de habit ar cavernas. A
do mesmo mod o, um menino sugeriu durante a edição do vídeo (mon- cont inuidade pod eria ser tant o "as condições de vida numa caverna ",
tagem da cena) qu e procurassem manter a fila e só pular sobre o bura- qua nto "a presença de um intruso predador", o qu al estaria danifican-
co quand o chegassem ao local em que o líder pulou , para que o especta - do as evidências de épocas anteriores. No segundo caso a dram aticidade
dor pud esse entender o espaço da cavern a. é ma is facilment e introduzida: a necessidade de enfrenta r o intruso e re-
O tema "cavernas" - os desenh os, mapas, histórias, pesquisas apre- cuperar a caverna - seria ele um fora-da-lei, um contrabandi sta ou ape-
sentadas no Encontro Nacio nal de Geólogos e questionament os aos nas um sem-teto? Neste caso, como ajudá-lo a encontrar outro abrigo?
geólogos das demais equipes, mo straram que o grupo passou a diferen - 3. A leitura das imagens rupestres realizadas duran te a pesquisa bi-
~iar os diversos tipo s de cavernas e suas características principais, reteve bliográfica do primeiro encontro, levou algumas crianças a consid erar a
mfor~ações sobre o ecossistema da caverna pesqu isada por sua equipe, hipó tese de as cavernas terem sido usadas como "templo religioso". Isso
adquiriu noções de segurança e precaução necessárias à realização de ex- poderia servir de base para explorar tanto a questão das religiões proi-
pedições para exploração de cavern as. bidas e perseguições históricas (judeus, russos, etc.) quanto os conceitos
Preservação e proteção do meio ambiente - em geral foi possível de limitação, submissão e/ou fanatismo (seitas com rituai s que impli -
observar manifestações espontâneas das idéias de "não tocar", "não ris- quem sacrifícios humanos).
car", "não deixar lixo" (mencionadas pelos monitores durante a leitu ra 4. A idéia de um a caverna usada com o esconderijo fez com que um a
do material visual sobre cavernas no primeiro encontro ); uma equi- criança lembrasse ter visto um filme em que um doente men tal era man -
pe apro fundou a questão da idade das inscrições em cavernas e sua fra- tido dentro de um a caverna . Na seqüência a turma poderia assistir ao
gilidade; out ra equipe focalizou os benefícios sociais e pessoais da pre- filme Kasper Hauser, e explorar a questão do isolamento social. Também
servação, incluindo aqui a geração de emp regos pelo aumento do turi s- aqui pod eria ser usado o texto teatral O Túnel, de Dias Gomes, com o
mo no local. base para explorar as situações emergentes em cativeiro.
Os exemplos acima resultaram das avaliações realizadas após os doi s
P o s s l V EI S DES DOB RAMENTOS primeiros encont ros; quant o mais extenso o processo e maio r o núme-
No decorrer do processo foram anotados alguns aspectos da parti - ro de encontros, mais idéias poderão aflorar.
cipação das crianças os quais pode riam servir de ponto de partida para
outras experiências: TEMA GERADO R PARA OUT RAS DIS C IPLINAS
1. A necessidade de usar lant ern as e a constatação de que é possível Como tema gerador o processo aqui relatado oferece um leque de
perder-se em cavernas escuras trouxe à baila a questão do medo, do s possibilidades, das quais lembramos algum as:
locais pro ibidos, da assombração . Esses elementos poderiam gerar um Português - diário da expedição, circular para geólogos da mesma
processo de levantamento e experiências com as histórias e anedotas po- associação, notas para divulgação na imprensa, entre vistas, descrição do
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material coletado durante a exp edição, tabelas e fich as de observação,
leitur a de relatos de viagens , expedições, etc. Primeiro Encontro: O Pré-Texto e o Jogo Teatral
Matemática - cálcu lo das distâ nc ias e áreas pesquisad as (mes mo qu e
im aginárias), cálculo do peso das mochilas e equipamentos, relação de Um vídeo m ostra espeleólogos pesquisando pela primeira vez a ca-
custos realizados com a expedição, programação dos gastos para ma- vern a de São Mateus, em Minas Gerais. A discussão que se segue enfati-
n utenção e preservação dos sítios pesquisados . za as funções do espeleólogo, os riscos enfren tados ao pe netrar pela pri-
Geografia - mapas (reais e de ficção), localização das cavernas exis- meira vez em um sistema de cavernas recém-descobertas, as características
tentes no estado, diferenciação entre elas, tipos de solo, montan has, ve- das cavernas, a vida vegeta l ou an imal que as habitam .
getação, temperatura, rios subterrâneos, etc . Após a d iscussão d elim ita-se o espaço do jogo teatral - um círculo
História - os povos das cavernas, os contrabandistas, as expedições form ado por u ma corda, no centro da sala. Alguns elementos da lingua-
para oeste, a busca das pedras p reciosas, etc. gem teatral são introdu zidos por me io do jogo: o respeito ao espaço da
Ciências - análise dos m icro organism os presentes em escavações ou ficção; o sentido de representação para um a platéia - mostrar e não nar-
loca is úmidos e escuros (tocas, grutas, escavações feitas pelas crianças) . rar; a interação com objetos cênicos; o congelamento, ao sinal do profes-
Uso do microscópio. Estudo do solo, análise de amostras de aren ito, sor, para concentração no significado da imagem - fixando-a para des -
calcário e granito. Tabela para obse rvação da lua , ma ré, vento em dife- tacá-Ia e para reflexão.
rentes períodos e horários (ini ciação à pesquisa). Dois objetos são usados como foco para o jogo e a interação dos
atores: um bastão e u m metro de tecido. Ambos os materiais são flexí-
Cavernas II veis quanto à ação cênica, permitind o u m a grande variedade de usos e
interpretações. Além d isso , são objetos que se associam à situação "ca-
" [ . .. ] «histórias», dis se o velho líder> vern a", permitindo ana logias e sugerindo funções.
olha n do além da cave rna pa ra as pega- São realizadas algumas rodadas de jogos individuais, seguidas de jogos
das do dragão. «H ist órias são o no sso
muro contra a escurid ão ». Ele narrou o de duplas, e por fim em grupos. Os individuais, voluntários, permitiram
conto: a posse da terra>a primeira mor- avaliar a prontidão dos alunos e observar casos em qu e estímulo e cola-
te, a segun da. Eles escutara m o ru gir do boração eram necessários. Ao comentar cada participação, os parceiros
vento> a voz terrível >o grit o>outro grito.
Além do muro> o dra gão es perava mas ad ultos reforçavam a situação apresentada e estimulavam sugestões de
não podia en tr ar." outras alternativas - a idéia era apontar possibilidades para qu em não
conseguia ide ntificar ou definir o que fazer. Na segunda etapa, os jogos
A opção pe la retomada do tem a decorreu do desafio, posto por al- foram de duplas formadas por duas crianças ou um adulto e uma crian-
guns integran tes do grupo, de intens ificar o co ntexto da ficção, a tensão ça, estabelecendo pa rcer ias. Os adultos entraram em ação desd e os pri-
dramática e a co nstrução d os perso nagens. Obs ervar as implicações d e me iros jogos, para caracterizar a vontade e a disponibilidade para o jogo,
se trabalhar a co nstrução d e pe rsonagens em vez de co nst ru ir a narrati- e evitar qu e a participação fosse percebida como auxílio aos que não con-
va com base em funções o u pa péis sociais colet ivos. segu iam parceiro s ou eram tímidos para entrar em cena. A terceira etap a,
em grupos formados por adultos e crianças, focou "cavernas" - o obje-
tivo foi fazer um levantamento das imagen s relacionadas com o tema.
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mas inscrições. O professor-personagem apareceu no segundo momen-
Segundo Encontro: DoJogo à Narrativa to, como um sem -teto, ocupando a caverna, fazendo fogueira em seu
interior e estragando dessa forma as inscrições. As crianças reagem, e há
A turn~a é dividida de modo que forme três equipes de espeleólogos. uma troca de argumentos com foco na contradição: necessidade de pre-
Cada equipe recebe um pacote de estímulo baseado em um tipo de ca- servação versus condições sociais do sem-teto.
verna distinto: com inscrições rupestres, com estalactite e estalagmite, junto .. Grupo 2: O grupo acampado próximo à caverna litorânea é
de oficinas líticas litorân eas. Os grupos criam a históri a de sua pesquisa afastado da mesma por um fantasma . O professor -personagem surge
e expedições ant eriores, com base no material recebido. Eles se prepa- como um andarilho e explica que há uma maldição contra os explo-
ram ~ara novas expedições, relembrando as precauções e os equip amen- radores que não respeitam a caverna. O fantasma é o guardião desta
tos VIstos no vídeo e no material impresso. caverna.
. Cada grupo recebe um rot eiro ou estru tura básica para explor ar ce- .. Grupo 3: Os espeleólogos percorrem a trilha que os levará a um
mcamente. Estes roteiros foram planejados com base nos dados colhi- recém-descoberto complexo de cavernas. Na jornada encontram tatus e
dos nos jogos em grupo s: em seguida, representantes de multinacionais, professores-personagem,
.. Grupo 1: homens das cavernas + turistas admirando inscrições ru- discutindo , em inglês e francês, a exploração do calcário.
pestres (foram associados aqui dois grupos e resultados de dois jogos) . Os personagens que intervieram nas cenas dos grupos 1 e 2 foram
.. Grupo 2: espeleólogos percorrendo trilha acidentada e encontro re- incorporados às apresentações. O mesmo não ocorreu com os persona-
pentino com tatus (idem ). gens que intervieram na atuação do grupo 3: este os ignorou, e ao serem
,.. ~rupo 3: um grupo de campi stas faz uma fogueira à beira da praia, interrogados, durante a avaliação, sobre o motivo que os levou a isso,
proximo a um a caverna . Revolvem explorar a caverna e são assombra- disseram: "nós não sabíamosque eram personagens;pensamos que ospro-
dos por um fantasma. fessores estavam conversando em outra língua pra gente não entender o
Os grupos fazem improvisações sobre as propostas acima e come- que estavam dizendo':
çam a montar um a cena - preparam a ambientação cênica, figurino e
efeitos sonoros. QuartoEncontro:A Apresentação

Terceiro Encontro: Intervenç ão na Narrativa Os grupos preparam a ambientação cénica, em diferentes espaços
da escola, ensaiam. Não há texto, só roteiro. As apresentaçõe s são im-
. Para provocar a reflexão das crianças sobre as história s que estavam provisadas, mas as situações foram exploradas no decorrer do proces-
cnando, ou para levanta r suas implicações, um recurso foi utilizado du- so, e para cada retomada houve estímulos distintos. Alguns pais e outras
ran te os ensaios: um novo personagem, estranho aos grupos, interferiu classes da escola assistem às apresentações, em seqüência, e participam do
nas narrativas. Um professor-personagem apareceu nas "cavernas", o qu e debate.
requereu atitudes e provocou ações:
.. Gru po 1: Em um prim eiro mom ento, o grup o representava ho- P O NTO S D E R EFLEX ÃO

mens prim itivos caçand o e em seguida fazendo inscrições nas paredes .. O jogo teatral possibilitou coletar imagens despertadas pelo pré-
da caverna . No segundo momen to eram tur istas observando as mes- texto e por experiências anteriores relacionad as ao tema cavernas. Fez
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assim um resgate cultura l sobre o assunto, ao mesmo tem po levando os
participantes a explora r fo rm as diversas de expressão . Conchas e Caramujos
.. A liberdade do jogo e a delim itação do espaço da ficção levar am as
crianças a in iciar a construção da narrativa com ma ior espo ntaneidade. Conchas e Caramujos estão presentes no dia-a-dia das cr ianças parti-
Foi visível a pronti dã o para assum ir papéis tais como hom ens das ca- cipantes deste proj eto . Algumas as encontram no fundo do quintal, ou -
vernas e tat us, com disponibilidade física e naturalidade. tras no caminho que leva à praia. A maioria tem pescadores na família,
.. A estratégia do congelam en to, usada nas im pro visações em gru - que possuem ou trabalham em restaurantes de frut os do mar. A própria
pos , permitiu fixar um determinado momento ou expressão, tanto para escola está situada entre dois desses restaurantes. O cotidiano e a rotina
destacá-lo quanto para provocar a reflexão. O congelamento tem sido tornaram as conchas e caramujos objetos despe rcebidos ou desvaloriza-
usado de duas formas distintas em drama: como po nto de partida dos pelas crianças - um levantamento inicial da quantidade e variedade
ou fechamento do trabalho - neste caso uma imagem fixa que repre - das conc has locais mostrou desconhecimento surpreendente do assunto.
senta a síntese ou o conflito central do tra balho daq uele grupo q ue a Perguntas tais como "podemos encontrar o mesmo tipo de conchas em
está apresentando; ou como forma de, a um sinal do pro fessor, ser in- diferen tes praias da redondeza? ", "existe uma época do ano ou estação em
terrompido e fixado um momento da apresentação para sua observa- que aparecem mais conchas?': "as conchas das praias de mar gro sso são
ção ou aná lise. iguais às conchas de mar calmo?': etc., surpreenderam as crianças e não
.. O obje tivo principal de se usar objetos com o foco da aç ão no jo - obtiveram respostas. A cur iosidade despertada foi partilhada em diferen-
go é estabe lecer o sentido de parceria. A estratégia requer que os partici- tes áreas curriculares e histórias sobre conchas, receitas com moluscos, e
pantes se relacionem com os objetos em vez de exibi- los. Após certa fa- superstições relacionadas com o assunto começaram a emergir.
miliarização do grupo com esse procedimento, é possível solicitar que a Enquanto pesquisa, esta etapa do projeto Leituras e Imag em do M eio
interação entre os participantes se dê a partir do objeto e não o con- A m biente através do Drama, concentrou-se no "professor-perso nagem"
trário.
(teacher-in-role) e na "parceria" criança-adulto (crianças e alunos de
teatro) - ambas as estratégias objetivando atuar sobre a "zona de de-
POSSí VEI S D ESDOBRAM ENT O S
senvolvimento proximal" dos participantes.
A continuidade deste processo seguiria a corrente do imaginário, para A "zona de desenvolvimento proximal", segundo Vigotski, "define a
investigar, explorar e questionar as im agens dos participa ntes sobre o distância entre o que as crianças podem realizar sozinhas e o que elas
tema. A atracão que ele exerce relaciona-se com mis tério, esconderijo, são capazes de fazer sob a orientação ou em colaboração com parceiros
prisão, seres estranhos e fantásticos. Pacotes de estímulo o u fragmentos ma is capazes". De acordo com este conceito o desenvolvimento cogniti-
de textos mitológicos, desenhos ou reproduções sobre esconderijos de vo e social da criança procede como um desdobramento de potenciais
contrabandistas, de fugit ivos dos quilombos, de forag idos políticos, tem através de influ ências recíprocas da criança e do meio ambiente. Da inte-
o potencial de trazer à tona registros históricos, contos e poemas que ração resultante, as crianças, mediante uma atuação em parceria com
poderão alimentar o processo. pares mais capazes, alcançam níveis de desenvolvimento bem além de
seu nível individual de desempenho.
A parceria criança-adulto permitiu tanto preparar os futuros profes-
sores quanto pesquisar o drama como método de ensino por meio de
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uma exper iência de curto prazo com crianças de sete a oito anos de ida- Matr iz 1- CONCHAS E PRAIAS
de, de uma escola púb lica de Florianópolis, Santa Catarina.
PRAIA DIA HOR A MAR É VE N TO LUA C ONC H A

PRESSUPOSTOS TEÓR ICOS Joaquina


1. A observação do "gesto" de e por alunos/atores são elementos fun-
damentais para ampliar e melhorar a compreensão dos participantes so- Armação
bre a situação que está sendo explorada (tanto no contexto atual quan- Barra
to no da ficção).
2. O trabalho em grupos permite a visualização de ações e atitudes dis- Pontal
tintas em um mesmo contexto e em facedas mesmas circunstâncias. Iurerê
3. Se as crianças são incapazes de desenvolver uma tarefa, um parcei-
ro adulto pode assumir tan tas funções estratégicas quantas forem ne- Brava
cessárias para comp letá-la; gradua lmente as crianças passarão a assu-
mir tais funções.
4. O processo de comunicação para uma platéia, como uma ativida- Uma maquete da Ilha de Santa Catarina serviu de apoio à observa-
de social, pode ser a ponte entre aquilo que a criança vivencia com a ção. A cada encontro as crianças utilizaram esta maquete para identifi-
parceria do ad ulto e a sua "apropriação" do processo dramático reali- car e mostrar a localização da praia onde haviam coletado conchas no
zado em grupo. final de semana. Maquetes também foram construídas pelascrianças para
ilustrar aspectos das histórias e notícias pesquisadas durante a apresen-
ESTRUTURA NARRATIVA tação do telejornal no encerramento desta experiência.
Uma campanha "Conhecer para Apreciar, Apreciar para Preservar" Registro em vídeo e documentação fotográfica fizeram parte do pro-
estabeleceu o elo entre os eventos do drama e o contexto de uma comu- cesso dramático. As crianças tomaram decisões a respeito de seu uso,
nidade litorânea unida contra a construção de uma rodovia beira-mar uma vezque esta documentação estava internamente coerente com a idéia
que danificaria suas praias e du nas. A campanha utilizou conchas e ca- de uma campanha de proteção do meio ambiente.
ramujos como foco e símbolo. A campanha "Conhecer para Apreciar, Apreciar para Preservar" foi
Os participantes relacionaram-se com a campanha a par tir de pers- desenvolvida em quatro etapas, cada uma com duas horas de duração,
pectivas diversas - como cientistas, membros da comunidade, artistas e mais dois encontros como "pesquisa de campo": uma visita ao "Labo -
e repórteres - possibilitan do aprofundar o tema e amp liar sua signifi- ratório de Reprodução de Mariscos" da Universidade Federal de Santa
cação social. Catarina, e uma visita à praia do Morro das Pedras, para observação,
Uma matriz para anotar marés, fase da lua, vento, hora e dia, e inci- coleta e classificação das conchas. Ao final do processo, uma sessão de
dência de conchas fez a ponte entre o con texto atua l e o da ficção. O computação no Departamento de Design do Centro de Artes da Univer-
preenchimento gradua l da matriz, no decorrer do período em que du - sidade do Estado de Santa Catarina possibilitou que cada criança digi-
rou a experiência, envolveu crianças e suas famílias na coleta de material tasse o seu texto ou fizesse o seu desenho para a pretendida "Revista da
nos finais de semana . Ciência':
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Com o m o rado res da vila "Tropical", escolheram uma peça de figuri-
Primeiro Encontro: Os Cientistas no para assu m ir um pa pel naquela co m u nida de e cr iar suas h istór ias.
As histórias individuais foram ar tic uladas, com base na notícia de fatos
Na primeira etapa os participantes (cria nças e estudantes de licen cia- supostamente ocorrido na noite anterior. Estes fatos, um para cada equi -
tura em teatro ), no papel de cientistas, co nstruíram seus lab oratórios pe, funcionaram como pré-textos, e fo ram usados pa ra engajar os gru -
para pesquisar a estrutura, biologia e desenvolvimento das conchas. Eles pos na co nstrução de histórias:
classificaram co nchas e caramujos em famílias e espécies, e pesquisaram
a bibliografia especializada para rotulá -los. 1. "foi encontrada uma saco la com estra nhos obj eto s e algu mas co n -
Um repórter (u m professor- personagem) visito u cad a laborató rio e chas e. .." (grupo 1);
entrevistou os "cientistas". A entrevista focalizou o papel do cientista - 2. "um punhado de conchas, d iferentes da s espécies locais aparece-
como a pesquisa científica influ en cia e é influ en ciada pela sociedade. Um ram na p raia da vila. .."(gru po 2);
fotógrafo (outro professor- personagem) acompan hou o repórter; as fo- 3. "um velho desa pa receu de seu casebre; ele de ixou formas estranhas
tos estavam expostas ao iniciar o segundo encontro. feitas com conchas sob re a m esa. . ." (g rupo 3);
Ao final do pr ime iro enco ntro foi rea lizada no va entrevista, desta vez 4. "as co nchas fora m enco ntradas entre os galhos de u m a velha fi-
junto da Lagoa, nos fu ndos d a esco la. O pretex to d e en tre vistar os cien- gue ira. . ." (gru po 4).
tistas no local dito como o do trabalho de campo, permitiu retomar e
refazer a entrevista, e verificar o au mento da autoconfiança e do s con he - Os gru pos 1 e 2 recebe ram os objeto s e conchas an uncia dos pelo pré-
cim entos adquiridos dura nte esta etap a. Outra vantagem foi o isolam ento texto; os grupos 3 e 4 tiveram co m o tarefa selecio nar e posicionar as
de cada equipe para a realização da entrevista - isto facilitou a concen- conchas, de for ma que desse sentido à frase ini cial. As frases util izad as
tração e eliminou o ru ído d os espectado res. como estím ulo for am con sid erad as como p ré-t exto porque não se limi-
Nesta segunda entrevista os participantes procuraram mostrar espé- taram a ser o po nto de partid a; o m istéri o foi m antido por m eio de
cies dos moluscos pesquisados, contaram histórias e receitas locais so- interrogações feitas pelos parceiros adultos, como forma de expl orar ana-
bre sua preparação e seu consu mo, acrescentaram detalh es sobre o an- logias, criar expectativas e trab alh ar o fantástico através das so mbras.
damento da pesquisa e seus projetas futuros. As situações escolhidas perm itiram de svendar os p reco nceitos ou su -
perstições das cr ianças com relação ao tem a. Por exemplo, ficou evidente
Segundo Encontro: Os Moradores da Comunidade Tropical a preocupação com a su perstição, amplame nte difundida na co m u nida-
de, de que "o m ar toma de volta aq uilo que é dele retirado",cujo significa-
A imagem icônica de uma comunidade imaginária é construída no chão do é traduzido na crença de que não se deve coletar nem guardar em casa
da sala. Um tecido grosso , marrom , com cerca de 6 m de comprimento e nenhuma co ncha ou caram ujo, po is isto trará m orte à família .
2 m de largura é estendido no centro do espaço. Os participantes o rodei-
am e observam e em seguida começam a construir a topografia do local, Terceiro Encontro: Os Artistas
colocando jornal amassado por baixo do pano, para criar elevações . Em
seguida usam cartolina, em diferentes formatos, para construir o espaço O foco d a terceira eta pa foram as formas e as co res das conchas .
urbano e arquitetônico de uma vila, a q ual denominaram "Tropical". Como artesãos os participantes usaram co nchas e caramujos para re-
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vestir cerâmica para a campanha: a idéia era de qu e ao conhecer as con - • gru po 3 apresentou a previsão do tempo, incluindo referências ao
chas, as pessoas passariam a apreciá-las, e ao ap reciá-las se engajariam mov ime nto das marés, mapas, tipos de prai as e con chas.
na luta pela preservação das praias. A int enção aqui foi focalizar o papel
social do artista. Enquanto revestiam as cerâmicas os arte sãos foram PON T OS D E R EFL EXÃO
entrevistados por um detetive (pro fessor-personagem), o qu al interro- 1. A campanha estabeleceu a coe rência intern a do processo - jus -
gou-os a respeito de eventos recentes ocorridos na vila "Tropical" - tificou entrevi stas, tarefas, e ligou os episódios entre si. Ela também trou-
isto permitiu visualizar a ligação entre as d iferentes etapas da experiên- xe status maior para os pap éis, permitindo ao mesmo tempo que as si-
cia, além de retomar e aprofundar aspectos das etapas anteriores. tuações criadas ficassem sob controle, através do desafio de tarefas um
Nesta etapa do trabalho as equipes reuniram-se em diferentes espa- tanto quanto além do nível de desempenho usual dos participantes.
ços para que não fossem reciprocamente influenciadas na criação das 2. Dividir a classe em pequ enos grupos po ssibilitou a algumas crian-
cerâmicas e na int eração com o professor-person agem . Cada equipe re- ças atingir resultados que não teriam alcançado de outra forma, por
cebeu um a peça de cerâmica sem forma definida (experimentações da exem plo, a op ção do grupo 1 de pesquisar a estrutura e a biologia dos
disciplina "Cerâmica", do Ceart/Udesc, doadas pelo profe ssor Luiz Car- moluscos (escolha deles).
Ias Canabarro ), a qual seria praticamente recriada, mesmo em sua for - A parceria crianças-estudantes, dentro do s pequenos grupos, gerou
ma , a partir da introdução de conchas e caram ujos. uma competição saudável entre os estudantes adultos - aqueles que
Ao final do trabalho as obras de arte constru ídas foram expostas na trab alharam com crianças mais agitadas tentaram diferentes tarefas para
escola e os artistas entrevistados. Em seguida, foram expostas nos res- engajá-Ias no processo. Por exemplo, a troca da bibliografia especializa -
taurantes locais, como parte da campanha "Conhecer para apreciar, apre - da pelo GuinnessBook e a subseqüente construção de uma maquete com
ciar para preservar': uma pista de corrida de caracóis, foi a notícia principal do telejornal dos
"inquietos" da turma.
Quarto Encontro: Os Repórteres A divisão em grupos permitiu também ao profe ssor-personagem in -
teragi r com um ma ior número de crianças, e responder, através de cada
Na última etapa os participantes transformaram-se em repó rteres e interação, às necessidades específicas de cada grupo.
sua tarefa foi criar um telejornal sobre os eventos anteriores. O telejor- 3. Vídeo e fotos acessíveis às crianças durante o processo revelaram-se
nal incluiu peque nas cenas - as tomadas externas no local do s aconte- uma forma natural de reflexão - não foi preciso chamar à reflexão, elas
cimentos. Aqui as crianças trabalharam tanto como entrevistadores quan - chamaram a si a responsabilidade de aperfeiçoar seu desemp enho, o que
to como entrevistado s. ficou visível na segunda entrevista realizada com as equipes de cientistas -
A estru tura da expe riência, baseada na divisão da turma em peque- gesto e texto foram amp liados e melhorados sem intervenção do professor.
no s grupos, permitiu qu e as criança s focalizassem aquilo que mai s lhes A avaliação, com o objetivo de modificar ações e/o u atitudes, foi atra-
tivesse interessado: vés dos jogos teatrais (experimentar altern ativas dentro do grande cír -
-. gru po 1 aprese ntou uma reportagem sobre a est ru tura e a biologia culo ) - estes são auto-reguladores e estabel ecem os limites para co m-
de dua s espécies de moluscos: bivalves e gastró po des; portamentos e atuações.
-. grupos 2 e 4 criaram uma série de entrevistas, e tomadas externas, 4. As crianças assumiram com m aio r facilidade e en tusiasm o os pa-
sobre eventos relacionados com conchas registr ado s no Guinness Book; péis de cientistas, artesãos e repórteres, do que os de membros da co-
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munidade. Nossa interpretação deste fato foi de que como membros da ou um grupo de cientistas que por lá an dam em busca de um velho e
comunidade o seu texto era basicamente improvisado, ao passo que nas sábio índio .
demais etapas elas receberam grande quantidade de informações e ma- 2. Outro possíveldesdobramento seria investigar, por meio do drama,
terial de pesquisa . Na avaliação do processo, realizada um mês após seu histórias de pescadores locais relacionadas com supers tições e curiosida-
término, as crianças alegaram que representar o papel de pessoas da co- des sobre o tema. Por exemplo, no contexto de uma pequena vila de
munidade e construir histórias a partir de improvisações, já é uma ativi- pescadores, uma criança desaparece com seu barco . Ela poderá estar ape-
dade comum na escola. Ser cientistas, ao contrário, foi algo novo; daí nas acampando ou perdid a em alguma ilha dos arredores. Entretanto,
seu maior interesse. sua família é acusada de manter uma coleção de conchas em casa, o que,
A experiência de questionar uma situação ou evento (no casá, a cam- segundo as crenças locais, trará morte para algum parente.
panha "conhecer para apreciar.. .") através de diferentes papéis, permitiu 3. Sambaquis e tesouros enterrados poderiam constituir ma is um fi-
o engajamento dos participantes com "inúmeras vozes". Segundo Caro l lão de diferentes processos através do drama.
Butler e Maureen Swain, podemos distinguir uma voz (a voz individual)
- relacionada com aquilo que os participantes podem individualmente T EMA GERADOR PARA OUTRAS DISCIPLINAS
perceber por seus próprios olhos, ao examinar suas próprias crenças, Português: Criação de histórias ou poesias sobre o tipo de concha ou
ou seja, a voz da escolha pessoal. Duas Vozes (a voz da parceria) - quan- caramujo selecionado; cartas sobre preservação das praias a serem pu-
do um indivíduo observa através dos olhos de seu parceiro e passa a blicadas nos jornais locais; entrevistas com pescadores e artistas . Coletâ -
entender seu ponto de vista, atitudes, história, pr ioridades. Vozes Cultu- nea de receitas.
rais (a voz do grupo ) - aqu ilo que é negociado e partilhado em grupo; Ciências: Estudo da anatomia e fisiologia das conc has; classificação
o que cada um observa através do colet ívo, reconhecendo como a força dos molu scos; prop riedades nutricionais e medicinais.
de um grupo acaba por determinar como nós enxergamos o que ve- Matemática: Levantamento de preços de moluscos e estudo compa-
mos . A Vozdo Out ro (a voz da outra cultura) - proveniente do contato rativo entre estes e outros alimentos com características nutricionais equi-
com história e histórias de outros autores, de outros lugares e épocas valentes; estatísticas sobre a pesca e custo da manutenção dos instru-
diversas. mentos de trabalho; levantamento do número de pessoas envo lvidas no
setor na localidade em que se realiza a experiência.
POSSÍVEIS DESDOBRAM ENTOS Geografia: Organização de tabelas para observação de conchas e
1. Uma das possibilidades discutidas com a professora da tur ma e a praias; estudo das praias , marés, ventos, características da areia, da água,
or ienta dora da escola foi a pesquisa da m itologia associada às conchas das corre ntes marítimas.
e um processo dramático em que as crianças, no pape l de gregos ou de História: Estudo comparativo de lendas de difere ntes povos; estudos
repórteres atuais (depe ndendo da turma e da sua disponibilidade para da mitologia e simbologia das conchas; pesquisa sobre usos e costumes
entrar no contexto do drama), se envolveriam com os episódios relati- através dos séculos.
vos ao nascimento de Vênus. Alternativamente, se poderia investigar a Artes Visuais: Investigação das formas e cores das conchas e caramu-
lenda canadense segunda a qual a humanidade teve início com as os- jos; leitura de obras de arte contendo tais elementos; sua utilização em
tras; aqui, o contexto da ficção poderia ser o dos índios canadenses e ter construção de cenários, figurinos e objetos de cena.
como foco dramático crianças perdidas na região rochosa do Canadá, Música: construção de instrumentos mus icais.
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Plantas de Ilha - A História de Marina P RE SSU P O ST OS T EÓRICOS
Não apenas em função da pesquisa da linguagem artística, mas tam -
Esta etapa da pesquisa esteve centrada em "Plantas" e teve como foco bém por razões pedagógicas, procurou-se enfatizar a dimensão estética
plantas que servem a fins medicinais e estão ao mesmo tempo presentes da experiência em todas as etapas, isto é, mesmo as funções de pesqui -
nas crenças, simpatias e benzeduras. Durante o planejamento do pro- sar e ensinar estariam embutidas no contexto da ficção, mediante aten -
cesso chegou-se à conclusão que a melhor forma para definir seu foco ção especial à atmosfera e aos personagens. Em termos pedagógicos, o
dramático seria a concentração no uso místico das plantas, uma vez que objetivo foi facilitar interpretações pessoais, e, ao mesmo tempo, prote-
é grande o número de curandeiras e benzedeiras na cultura local. Seria ger a criança das interpretações que os colegas possam fazer de suas con-
possível, assim, investigar costumes e preconceitos, paralelamente à pes- tribuições. Em termos teatrais, o objetivo foi observar e investigar o po-
quisa sobre plantas, a qua l seria aprofundada pela professora da classe tencial do teatro, enquanto forma espetacular, como pedagogia.
posteriormente. Nesse sentido salientaram-se cinco procedimentos a serem reiterados
A busca de um foco dramático levou à história de Marina, atualmen- du rante o processo:
te conhecida e repetida nas comunidades pesqueiras locais. 1. Um baú antigo com pistas sobre velhas trilhas, antigos poderes e
velhas senhoras.
PRÉ -T EXTO :A HISTÓRIA DE MARINA 2. Duas personagens, sob interpretação realista de alunos de teatro,
Diz a lenda (não conseguimos até o momento saber o que há de real as qua is interviriam em diferentes etapas do processo.
nesta história) que Marina, moradora da comunidade da Barra da La- 3. Uma casa antiga (patrimônio histórico) e uma trilha construída
goa, foi uma jovem que no século passado gostava de, e costumava, to- pelos escravos no final do século XIX, ambas usadas como ambientação
mar banho de mar. Apesar da proibição da família e das críticas da co- natural.
munidade, ela manteve este hábito. Sua família, envergonhada e não 4. Grandes lenços de seda (pretos e coloridos) usados por todos os
suportando os comentários e desprezo dos vizinhos, manda Marina para participantes em momentos distintos, como peças de figurino ou obje-
a casa de uma tia em Ribeirão da Ilha, outra comunidade pesqueira, dis- tos de cena.
tante da Barra. Ribeirão, à época, era tido como um dos pontos de con - 5. Rituais - para abrir espaço às vozes individuais dos participantes.
centração de bruxas na Ilha. Em Ribeirão Marina foi iniciada na bruxaria. O papel dos participantes foi o de pesquisadores; as crianças seriam
Retornando à Barra, põe em prática sua nova especialidade. Acaba sendo aquelas com uma missão: a de descobrir e revelar os fatos sugeridos por
expulsa pela comunidade, e ao partir lança uma praga: "Há de chegar o fragmentos de um diário, cartas, receitas de remédios caseiros, mapas,
dia em que nenhum nativo sobrará na Barra, todos serão expulsos". etc., guardados no velho baú que receberam da "velha senhora", a qual
Atualmente, a construção de uma marina no canal da Barra (com a recebera ordens de entregá-lo naquele dia, hora e local. O conteúdo do
concomitante valorização dos terrenos e aumento da migração), trouxe baú ajudou a construir um contexto de antigas trilhas, conhecimentos e
à tona esta história. A coincidência dos nomes, Marina (a personagem) superstições, relacionados ao uso místico das plantas e a uma mistura
e marina (o atracadouro) trouxe aos nativos a lembrança da praga lan - de crenças e desconfortos sobre estas questões. Para informações a res-
çada no século passado. peito de dados particulares deste contexto foram pesquisadas as histó-
rias açorianas relatadas por Franklin Cascaes (1989).
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Destas história s foram selecionados fragmentos relacionados com su- observa os participant es em silêncio (despertando a curiosidade do gru-
per stições ainda pre sen tes na comunidade. Buscou -se então formas de po e algu m tipo de tensão ), entrega às crianças um velho baú, que diz
levar as criança s à compreensão de seus contextos e circunstâncias. Por conter os pertences de uma antepa ssada , amante das plantas. O baú é
exem plo, há um a planta, arruda (Ruta graveolens) , famo sa por afastar colocado no centro do círculo, formado pelos participantes, e seu con-
o ma u-olhado; é ainda usada em casos de convulsões, quando se diz teúdo é retirado, peça por peça, para exam e:
que a pessoa "está tomada pelo dern ônio". Recentes pesquisas mostram - um castiçal antigo
que a essência da arruda é um dos ingredientes dos remédios para cura - um rolo de barbante
da epilepsia. Fatos como este mostram que o contexto da ficção, o con- - algumas raízes tortas
texto real e o da ciência podem ser efetivamente cruzados no currículo. - ervas secas
- fragmentos de um diário em papel envelhecido
ES TRUT UR A N ARRATIVA - receitas sobre ervas, também em papel envelhecido,
- um pergaminho com desenho das segui ntes plantas: arruda, s ál-
Primeiro Encontro: Um Baú via, alfazema, comigo-ninguém-pode, dinheiro-em -penca, trevo-d e-qua -
tro -folhas, jibóia, avenca, espada-de-são-jorge, alecrim, alho, sementes
As crianças são convidadas a participar, em parceria com bolsistas e de romã.
professores, de um drama sobre antigas tr ilhas, antigos poderes e velhas - algumas cartas dirigida a Marina
senhoras . Isto significaria adentrar m istérios e segredos, embora isso tam - - um mapa
bém permita pesquisar o poder das plan tas locais e transform arem -se, . - fotos envel hecidas de alguns locais da Ilha, situados na trilha da
todos, em botânicos especializados. Costa da Lagoa.
Para entrar em contato com este contexto e este material são realiza- 4. Os participantes dividem -se em grupos para analisar o conteúdo
das quatro tarefas dist intas : do baú: cada grupo recebe uma parte do material. Procuram desvendar
1. Os participantes, espalhados pelo espaço, cada qual com um pano alguns indícios contidos nas cartas, nas fotos , no s fragmentos do diário
(l ,OOm x 1,00 aproxim ada me nte), experimentam diverso s tipos de mo- e nas receitas. Várias histórias e person agens come çam a surgir.
vimento e posições. O pano serve como objeto inte rm ed iário, man -
tendo a concentração das crianças na execução dos movimentos, e, indi- Segundo Encontro:A Velha Casa e a Cruz em fr eme à igreja
retamente, sugerindo possíveis situações e cont extos.
2. Em trios, recebem um pedaço de pap el onde está escrita uma si- As crianças chegam, de microônibus, ao morro onde está situada a
tu ação a ser solucionada cenicamente . Todas as situações têm alguma velha igreja. Mariana, a velha senhora, está sentada aos pés de uma grande
relação com o contexto dramático que será posteriormente introduzido. cruz, em frente à igreja. As crianças a rodeiam; ela mantém-se quieta por
3. Uma "velhinha", Mari ana , repre sent ada por um professor-perso- algum tem po, en tão aponta para a velha casa ao lado da igreja, e diz:
nagem, bate à porta e pede informações sobre algumas árvores e plan- "Lá vive D. Milica, a mulher que realmente con hece as plantas".
tas que podem ser encont radas no s arredores da escola. D. Mari ana su - D. Mariana mo stra a intenção de levá-los até a casa, no qu e é imedi a-
gere que estas indi caçõe s têm algo qu e ver com sua visita a este local. tamente auxiliada pelas crianças : estas movem-se em bloco ao redor da
Após alguns m inut os de silêncio, durante o qu al cam inha pelo espaço e velha senhora, vagaros ame nte , mais de doze mãos a amparam em dir e-
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ção à casa . À porta, D. M arian a suss ur ra : "cha mem ela , ela n ão tem cam - cria nças, excitadas com a visão da cave rn a (elas logo en co ntrara m algu -
painha", e enq ua nto um co ro tem iníci o, algu mas cri anças co rre m para mas passagens sob as pedras) é im ediatamente introduzido um ritua l:
esco n der-se atrás dos arbusto s, pois ficam amed ro n ta das co m a apa - eles d evem segurar uma longa corda, formando uma fila, para poderem
rência da velh a casa , cercada de to ch as acesas. segu ir em frente - um enco n tro muito import ante aco ntecerá em um
D. Mi lica ab re a porta, ap en as um pouquinho - o su ficien te para lo cal mais à frente, e para ter acesso é necessário seguir certas regras:
que o grupo veja sua roupa e a ambientação estranha: um avental che io m an ter silên cio, seguir em fila segurando a corda, ter uma senha. D. Ma-
de bolsos com pl antas, folhagens presas ao cabelo , largos prato s de ce- r iana dá a cada um sua senha , a qual diz: "Eu venho em busca do poder
râmica com dúzias de velas acesas. Silêncio total. D. Mariana informa da . . ." (cada senha é completada com o nome de uma planta) . Em se-
que eles estão em busca do conhecimento sobre as plantas. gu id a D. Mariana segura a ponta d a corda e guia a fila at ravés da trilha.
D. Milica ab re a porta e os convida a entrar. Após breve aprese ntaçã o M ais um trecho da tri lha, esta se estreita, e as crianças vêem a portei-
da su a casa, plantas e habilidad es, ela pega uma cesta cheia d e plantas, ra e D. M ilica com su a cesta de plantas. Esta lh es diz que para passarem
cad a qual com uma etiq ue ta com o nome e p ropriedades da res pect iva pela porteira ter ão d e dizer sua sen ha, um por vez, manter a fila, e cem
planta, e pede-lhes para organiza rem uma fila a fim de receberem uma metros adi an te dar ter pulos, em frente a uma velha árvo re, an tes de
am ost ra. co meçar a sub ir pel as pedras que os levariam ao local do encontro. Ao
Após o ritual do recebimento das plantas das m ãos da D. M ilica, os p ronunciar sua senh a, cada pa rticipante recebe de D. Milica, um galho
pa rticipantes dividem-se em pequenos grupos para compartilhar os exem- da planta inscrita em sua senha.
plos e as informações recebidas. A Cerimônia das Plantas - ao escalar as pedras os participantes che-
gam a uma plataforma (algu m as ruínas), rodeadas por rochas esp ar-
Terceiro Encontro: A Trilha sas , espalh ad as pela colina. Para en tra r no "espaço teatral" da ceri-
m ônia, eles precisam vestir um véu e utilizar a corda para ch egar à pla-
D. Milica aparece na escol a e fala com as cri anças: ela encontrou os taforma; um por vez. D. Milica indica o local onde cada um de ve se po-
velhos mapas dos quais algu ns deles m en cionaram ter e nco ntra do ape- sicio nar - uma ped ra para cada um sentar. Ela en tã o coordena a cele -
nas alguns indícios em uma folh a velha e m anch ada, no velho baú de b ração d as pl antas, a qual se divide em dois m omentos.
M arina. Estes m apas realmente indicam uma velha trilha m arg eando a Primeiramente, a "Ho m enagem ao s Ancestrais" - D. Ma ri an a é con-
lago a, ta l como eles haviam im aginado ao observar as fotos do baú. vidada a falar sob re os antigos que cultivaram as plantas e as usaram
D. Milica os convida então par a investigar esta trilha e ten tar identifi- em favor dos necessitados, esp ecialmente Marina, que deixou seus se-
car os locais onde há muito tem po atrás os curandeiros se reuniam para gredos para eles, num baú. Ao fim de sua fala , D. Mariana convida a
compartilhar os seus conhecimentos sobre os poderes das plantas. As todos para formarem um círculo e darem-se as mãos, a fim de realiza-
crianças vão de microônib u s at é o início da trilha . Lá são agrupados rem uma série de movimentos e refl exões para formalizar a celebração
para, em companhia dos parceiros adultos, iniciar a investigação : da s plantas. Tanto os movimentos quanto os m omentos de congela-
A Caverna de Marina - ap ós uns tr ezentos metros d e ca m inhada, o m ento (reflexã o) são real izados com a utilização do s lenços.
grupo enc ontra D. M ariana sentada em uma pedra, n a en trad a de uma A seg und a eta pa da cerimônia re fere-se aos "Testem u nhos" por aqu e-
cave rna coberta por plantas e árvo res. Ela explica ser est e o lu gar onde les q ue adq u irira m algu m conhecimento sobre as plantas. D. M ilica se-
sua m adrinha, Marina, co stumava descansar e m editar. Par a acalm ar as gura o "bastã o da sabedo ria" e, após dar seu testemunho, o passa para
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a pessoa seguinte, a qual diz sua senha e acrescenta algo sobre os possí-
veis efeitos curativos de sua planta. A pessoa que recebe o bastão vem ao Indicativo de texto para o professor-personagem coordenando o ri-
centro do círculo para dar seu testemunho. Ao voltar ao seu lugar, deixa tual:
no espaço central sua planta e seu lenço.
1. Temos uma grande missão: concentrar nossas energias e estudos
Indicativo de texto para D. Mariana (ao ser encontrada na caverna): para recuperar o conhecimento do poder das plantas.
2. Faremos hoje aqui uma cerimônia de reconhecimento das plan-
1. Parei aqui para descansar e pensar na vida, me concentrar nas tas e de homenagem aos nossos antepassados que estudaram as plan-
idéias... tas e nos deixaram receitas e informações.
2. Vim para a Costa da Lagoa porque sei que aqui vivem pessoa s 3. Quem receber o "bastão" da sabedoria tem a palavra (um bastão
que ainda entendem do poder das plantas. com desenho de plantas passa de mão em mão). Quem o receber coloca
3. As plantas podem curar, mas se forem mal usadas podem ma- sua planta numa cesta no centro do espaço cénico, ao mesmo tempo em
tar. que fala sobre os efeitos curativos de sua planta.
4. Eu vou caminhar com vocês e ver se tenho a sorte de encontrar
D. Milica - ela sim, entende de plantas.
Quarto Encontro: As Sombras de Marina

Indicativo de texto para D. Milica (ao receber as senhas na porteira As crianças, que foram escolhidas por Marina para receber o baú e
e entregar as plantas): ter esta experiência são agora convidadas para mostrar, por meio do
teatro de sombras, o qual será registrado em vídeo, seu conhecimento a
1. Eu estudo as plantas e ensino as pessoas a usá-las para a cura, respeito do poder das plantas. O vídeo divulgará este conhecimento para
para recuperar energia, para trazer bons fluidos para o lugar onde a outras crianças, promovendo assim o renascer dos cuidados com as plan -
gente vive. As plantas são seres vivos, têm energia, trazem saúde. tas locais com poderes curativos.
2. Nós precisamos recuperar o conhecimento e a força dos chás, Para realizar esta tarefa os participantes são divididos em pequenos
dos xaropes e tinturas, dos emplastros, assim como nossos antepassa- grupos. Cada grupo recebe uma tela de 1,00 m x 1,20 m e um refletorde
dos. mão . O grupo 1 explora formas de mostrar uma situação cujo foco é
3. Eu vou agora participar de uma cerimônia, junto com outras fazer uma pomada para ser usada como emplastro; o foco do grupo 2 é
pessoas que estudam as plantas, nós vamos falar delas e de seus pode- a preparação de uma tintura e o grupo 3 pesquisa os procedimentos
res. Vocês podem vir comigo... para ampliar os efeitos curativos do chá tranqüilizante. Todos os grupos
D. Milica dá a cada participante uma planta, etiquetada com seu partem do princípio, da cultura popular local, de que a eficácia das po-
nome e seus efeitos curativos. ções de ervas está relacionada com sua coleta em número ímpar (cinco
ou sete espécies de preferência) antes do nascer do sol, ou após o pôr-
do -sol. A introdução desse princípio objetivou permitir que cada grupo
pesquisasse um número maior de ervas.
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Quanto ao segundo aspecto, o engajamento das crianças aumentou
PONTO S D E R EFL EXÃO com a ocasião de individualmente falarem e se expressarem fisicamente
Os participantes adultos ficaram impressionados, prim eiramente, com em público mediante rituais e manuseio de recursos visuais introduzidos.
os efeitos dos recurso s convincentes (isto é, realistas) produzidos por Tamb ém foi observado como a cerimônia possibilitou a simbiose dos
suas diferente s habilidades (atrizes, farmacêutica, engenheiro, etc.) para contextos reais e da ficção - tanto para interpretar o conteúdo do baú
o engajamento das crianças. Este chegou a um ponto no qual se tornou quanto para adquirir conhecimento sobre as plantas.
difícil separa r o cont exto da ficção do contexto real. Por exemplo, as Finalmente, houve um consenso sobre a eficácia das pequenas telas
criança s sabiam que a velha senhora era uma personagem; quando ela para a exploração seletiva de movimentos, símbolos e a ções, através do
saiu da sala, foram questionados sobre sua atuação e, mesmo assim, teatro de sombras.
relacionaram-se com o conteúdo do baú como se este fosse realmente
muito antigo, e tivesse pertencido à Marina . PO SSIVEI S D ESDOBRAM ENTO S
Quando os documentos foram retirados do baú algumas crianças A avaliação deste proc esso trouxe algumas sugestões para continui-
disseram : "você os fez", ao que eu respondi: "uma vez qu e estamos fa- dade da experiência com plantas:
zendo teatro vamos fazer de conta que estes documentos são realmente • Organizar as crianças em grupos de pesquisa, com função de entre-
antigos ". Cinco minutos após, as mesmas crianças tentaram estabelecer vistar pessoas da comunidade sobre uma planta incluída no trabalho.
ligações entre a velha senhora e seus possíveis parentes na vida real ("ah, • Propor uma coletânea de receitas e um espetáculo teatral na qual as
já sei, ela é tia do fulano. . ."). Procuraram também descobrir pistas onde personagens dialogariam sobre os poderes das ervas enquanto preparas-
havíamo s dito não haver nenhuma, insistindo que estávamos errados e sem o chá ou o alimento, que seria em seguida oferecido aos espectadores.
não havíamos percebido alguns detalhe s (foi o caso de "descobrirem"
que um mapa havia sido apagado com o tempo de um velho papel de T EMA GERADOR PAR A OUTRAS DI SCIPLINAS
embrulho em branco). Português: livro de receitas; entrevistas; crônicas cotidianas (no caso
Em segundo lugar, os adultos observaram o im pacto da ambienta- de adolescentes), poesias, etc.
ção (a velha casa, a cruz, a trilha - todo s remanescentes do primeiro Matemática: investigaçãode compra e venda das plantas utilizadasnesta
período da colonização açoriana na ilha) sobr e o interesse das crianças experiência, em feiras, estabelecimentos de plantas ornamentais e lojas de
pelas plantas . A adequação da ambientação ao conteúdo do baú contri- produtos de umbanda e similares; dimensões das áreas de cada assenta-
buiu para que algumas crian ças superassem (ou esquecessem) suas difi- mento incluído na história; distâncias entre eles, terrestre e via Lagoa.
culdades de leitura e se envolvessem com esta atividade. Ciências: investigação dos componentes medicinais e nutricionais das
Os professores tamb ém salientaram o impacto das formas teatrais e planta s; investigação de formas de plantio e cuidados necessários; investi-
dramáticas, em geral, sobre o comportamento e as respostas das criança s: gação do uso destas plantas na alopatia, homeopatia, medicina popular.
Quanto ao primeiro aspecto, o "espetacular" das caracterizações , ri- História: assentamentos açorianos na Lagoa da Concei ção, Barra da
tuais , tochas ao redor da velha casa, velas, lenços coloridos e plantas no Lagoa, Costa da Lagoa e Ribeirão da Ilha;
interior da casa, etc., criaram uma atmosfera que permitiu resolver den - Geografia:
tro do contexto da ficção, problemas de comportamento e limita ções de Dança:
respostas os quais seriam difíceis de contornar no contexto real. Artes Visuais:
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Imigração açoriana - expectativas e mudanças S ESSÃO 2
a) leitura do edital de convocação para imigração; discussão "em fa-
o roteiro abaixo foi criado para um curso oferecido a professores de mília" sobre as vantagens e desvantagens de partir.
teatro, com o objetivo de subsidiar a preparação, em grupos, de estru- Objetivo: contextualizar as condições da viagem e dos grupos fami -
turas dramáticas a serem utilizadas em processos de drama baseados liares.
em questões referentes a imigraç ões, b) Imagem congelada de cada família, revelando o estado de espírito
Por outro lado, o tema da imigração daria prosseguimento ao proje- de cada um em relação à viagem. Leitura das imagens (um grupo lê o
to Leiturase Imagens do Meio Ambiente, pois os açorianos, nossos pri- outro), ao mesmo tempo que são reproduzidas através do desenho.
meiros imigrantes, colocaram em cena questões da posse e fixaç ão à Objetivo: visualização e formalização das "famílias"; identidade do
terra (os guaranis, população indígena local, eram n ômades), histó- grupo e apropriação da história.
rias sobre plantas e bruxas (Açores foi colonizado em grande parte por c) Registro de manifestações individuais sobre a viagem imi nente nas
pessoas condenadas por bruxaria, na época da Inquisição do Reino Por- "malas" de cada um. Leitura delas.
tuguês) . Objetivo: diferenciar as posturas dentro de cada família e entre elas;
visualizar cada personagem.
SESSÃO 1
d) Reunião com o representante do capitão maior das ilhas, a fim de
a) Leitura de texto sobre a condição-imigrante do brasileiro. questionar o edital e condições da viagem.
Ob jetivo : focar a imigração açoriana como uma das muitas imigra- Objetivo: permitir maior reflexão sobre os problemas e implicações da
ções que formaram nossa sociedade; salientar o sentimento comum às mudança; o professor, no papel do representante do capitão , poderá in-
diversas migrações; as esperanças e expectativas do imigrante. troduzir aspectos do contexto e desafiar posturas assumidas pelos alunos.
b) Leitura de uma foto de umas das ilhas açorianas, mostrando uma
cidade portuária. SESSÃO 3
Objetivo: identificar as características fisicas,econ ómicas, sociais, reli- a) aquecimento: exercício de modelagem - aos pares, espalhados pelo
giosas e ecológicas reveladas pela foto. espaço, um é o modelador e o outro é o modelado; tema da modela-
c) Formação de grupos, constituindo-se as famílias dos imigrantes; gem: o que estamos deixando para trás ? (deixar Açores) . Numa segun -
consulta a listas dos nomes das famílias que para cá vieram entre 1748 e da etapa, os pares são invertidos e o tema é: o que pretendemos conse-
1752; levantamento das prováveis razões que os levaram a vir; constru- guir com a mudança.
ção da hist ória familiar de cada grupo. Objetivo: recuperar o clima da imigração, do que havia sido pesqui-
Objetivo: contextualizar e tomar posse da "história" (a nossa jor- sado e apresentado nas aulas anteriores, ao mesmo tempo que o grupo
nada). se concentra e reflete sobre as informações acumuladas, dando forma
d) Formação de duplas: um entusiasmado com a decisão de partir, ao corpo do colega.
outro temeroso, resistindo à idéia. b) no grupo familiar, fazer os planos da mudança, discutindo prová-
Objetivo: levantar as contradições inere ntes à tomada de decisão. veis obstáculos para sua concretização. Fazer uma imagem congelada, a
qual revele o obstáculo que mais preocupa a família.
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Objetivo: refletir sobre as possíveis contradições envolvendo a partida; Obje tivo: aquecim ento e recuperaç ão das estó rias desenvolvida s até
tornar visíveis as vantagens e desvantagens; evitar qu e o processo vire uma então.
festa (a aventura da viagem ) ou uma tragédia (as mazelas do imigrante). b) criar a lista d e ba gagen s, um caixote por família e uma saca de
c) Vários objetos são espalh ados no centro do círculo; os participan- trinta quilos por pessoa, além do s colchões e cob ertas.
tes, em seqüência, escolhem um objeto como o que levariam consigo e Objetivo: criar subsídios para situaçõ es futuras (necessidade de usar
criam a história deste objeto em sua vida. o u ceder parte dos bens) ; criar envolvimento com obje tos e identificação
Objetos: castiçal, pedrá, lenço português, caixa de jóias, relógio de al- com alguns objetos em particular; desenvolver sua imagem e identidade
gibeira, manta, toalha de crivo, porta-retrato, etc. pera nte o grupo.
Objetivo: desenvolver a história de vida do personagem; criar ima- c) vários objetos ao centro, cada pessoa escolhe um obj eto, associan-
gem referencial deste personagem; criar pontos de referência entre os per- do -o a outro participante e lhe oferece o obj eto explicando por quê.
sonagens. Objetivo: aumentar as interações entre as família s e permitir que es-
tas se identifiquem (u ns ao s outros); ampliar a "me mória" do grupo no
SESS ÃO 4 papel de "viajantes" .
a) os participantes caminham pelo espaço enquanto ouvem trechos d) ob servar fotos e descrições d e tipos vari ados de carroças açoria-
da história da imigração açoriana. De tempos em tempos congelam e nas, selecionando vocabulário específico para ser integrado nas estórias
prestam atenção em sua po stura. dos grupos.
Objetivo: introduzir informações históricas e ao mesmo tempo con- Objetivo: ampliar o vocabulário e as referências culturais sobre Açores .
centrar no contexto sendo explorado.
b) cena do alistamento na casa do capitão-maior Manuel da Câm ara S E SSÃO 6
Coutinho Carreiro. Os participantes alternam- se nos papéis do policial a) caminhar pelo espaço , perceber seus pontos de tensão e equilíbrio,
organizador da fila para alistamento e do próprio capitão. Os demais congelar e prestar atenção na sua postura, lembrar as situações vividas
são questionados quanto ao estad o civil, ofício e idade. na sessão anterior.
Objetivo: vivenciar a condição de imigrante, vivenciar papéis diversos Objetivo: aq ueci me n to físico e mental; re-situar o grupo qu anto ao
e exer citar a argumentação em torno do assunto. Até que ponto nossos processo dram áti co .
argu m en tos são claros e convincentes? b) cena no ca is - esperando pelo embarque. Cada usa uma cadeira
c) listar tipos de superstições associadas à colonização açoriana; con- como quiser para compor o espaço cênico (como banco, encosto, baga-
tar causos relacionados com estas superstições. gem, cadeira, cerca, etc.). A esp era no cais é longa, os imigrantes come-
Objetivo: am pliar histórias de vida dos personagens; relaxar após as ce- çam a lembrar fatos passados, a contar estórias, a sonhar com o futuro.
nas anteriores; alternar bons e maus momentos na condição do imigrante. Com o a cena não fluiu, foi sugerido que criassem estórias a respeito do
ob jeto seleciona do na Sessão 3 e as narrassem para os membros da fa-
S ESSÃO 5 mília m ais próxima.
a) caminhar pelo espaço ou vindo tr echos da história açoriana; con- Obj etivo : cri ar o clima da partid a, lembrar o qu e está ficando para trás.
gelar refletir na su a postura e na condição de seu personagem: idade, Obse rvação: faltou material histórico relevante para que o processo
sexo, ocupação. fosse m ais signi ficativo; as estó r ias criadas foram rep etitivas; com m ais
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dad os sobre o COntexto real de Açores no sécu lo XVIII as estórias pode- d) formam -se grupos, cada gru po escolhe um ob jeto ou atividade
riam ser mais bem desenvolvidas. como foco para cr iar uma situação em que este objeto possa ser usado
c) uma fam ília comenta sobre outra, como se estivessem a sós e não para solucionar um problema comum.
pudessem ser ouvidos. A fam ília comen tada deverá assumir po stura e Objetivo: passar do trabalho individual ao grupal, selecio nando o uso
atitude que correspondam ao que está sendo contado. Não fluiu, a nar- do objeto que pareceu mais significante; introduzir um foco e problema
ração se co ncentro u em fatos passad os (inve ntad os no momento) e não que possam conferir à a ção coletiva um significado veross ím il à situação
nas características e postura das personagens . O exercício é refeito, desta da viagem por mar.
vez uma fam ília congela, e a outra lê seus gestos e po stura. e) cada grupo imagina uma situação em que um objeto de um outro
Objetivo: leI1lbrar o papel de cada personagem, visualizar as fam ílias gru po poss a ser requisitado para solucionar um problema coletivo.
(integrando novos participantes) a fim de possibilitar cenas de perda du - Objetivo: de senvolver o contexto coletivo, isto é, do grande grupo,
rante a travessia (pessoas qu e m orrem, ou poderão ser desembarcadas, criando um a situação que po ssa envolver a todos em torno do mesmo
caso os viajantes aceitem, devido a doenças contagiosas). problema.
[) ao cair da tarde, no convés, as pessoas lembram a terra que ficou
S ESSÃO 7 para trá s. As narrativas são intercaladas com cantos.
a) caminhar pelo "convés do navio", concentrar-se no seu papel, ida- Objetivo: finalizar a sessão compartilhando canções açorianas e me -
de, sexo, ocu pação ; congelar, observar sua po stura, indicativos de atitu- mórias.
de; caminhar, COncentrar-se nas condições da viagem, problemas enfren-
tados, expectativas; congelar, visualizar o convés do navio; escolher objeto s S ESSÃO 8
ao redor e, silenciosamente e indi vidualment e, compor o espaço cênico. a) participantes sentados no chão, espalhados pela sala, cabeça entre
Objetivo: criar a atm osfera para vivenciar a situação-viagem, reto- os joelhos, olhos fechados; são guiadas na reconstituição da memória
mar o clima da aula anterior qu anto à situação dos personagens. da última sessão, procuram retomar a posição em que estavam durante
b) mulheres e ho mens agrupado s em espaços diver sos no navio; cada o compartilhar das canções e voltam a cantar a última delas.
qual seleciona uma atividade (o qu e poderiam estar fazend o num na- Objetivo: reconstituir o clima alegre e ao mesm o tempo melancólico
vio ), e m ant ém a atividad e ( tableaux); um participante, no papel de da última sessão.
capitão, percorre o espaço questionando os imigrantes quanto às sua s b) durante a canção entra um participante (de acordo com combina-
ativid ades. ção prévia com o professor), com pintas vermelhas espalhadas pelo cor-
Objetivo: de senvolver a verossim ilhança e autenticidade da ação ao ter po (rosto, mãos e braços); o professor no papel de oficial do navio cha -
de mostrá-la ao capitão e responder ao seu questionamento em público. ma a atenção de todos para os sintomas do "imigrante", sai para consultar
c) cada parti cipante recebe um peda ço de tecido (um m etro m ais ou o capit ão, deixando o grupo a comentar sob re o episódio, e volta sugerin-
menos), e procura realizar uma atividade por m eio do uso dest e tecido; do que o mais certo seria desembarcar o doente para evitar contágios.
di ferentes part icipantes se revezam no papel de capitão, cuja atua ção é Objetivo: criar um a forma de tensão; discutir as possíveis atitudes
d iscutida e planejad a no grande gru po (teatro fórum ). diante de uma situaç ão- lim ite - abandonar um amigo e condená-lo à
Objetivo: ampliar e aumentar as possibilidades do trabalho anterior morte? Ou co rrer o risco de contaminar as crianças já fracas com a ali-
med iante o uso de um objeto con creto. mentação deficiente?
84 85
c) Outras alternativas de situações-limite são colocadas; o capitão avisa
PO N TO S D E R EFL EXÃ O
qu e o atraso durante a viagem (calmarias, etc.) diminuiu drasticamente
as provis ões e que haverá um corte no fornecim ento de alimentos; da A execução e avaliação deste rot eiro , com professores de ensino fun-
mesma maneira as medicações chegaram ao fim e há necessidade que as dam ental, levou a três quest ões para serem priorizadas na pró xima eta-
famílias que trouxeram estoques de ervas e outros medicamentos os ce- pa da pesquisa:
dam para o uso comum. . 1. Realizar este proc esso com crianç as das séries iniciais, como forma
Objetivo: observar, analisar e discutir atitudes em relação aos bens de criar prontidão para as disciplinas de história, geografia e português.
pessoais e solidariedade de grupo; levar os participantes a discutir as al- 2. Enfatizar o contexto dramático - dar continuidade ao proc esso
ternativas de comportamento e propor soluções; observar a autonomia na esfera da ficção.
do grupo em relação ao professor. 3. Planejar a int ervenção do professor através da estratégia professor-
personagem.
S ESSÃ O 9
a) pesquisa em dicionário de expressões açorianas ainda presentes na Açorianos - os imigrantes
linguagem corrente da Ilha de Santa Catarina e em dicionário açoriano
" [. ..) Somos 150 milhões de descendentes de imi-
de termos referentes ao vestuário. gra ntes e de escravos africanos, com álbuns de fa-
Objetivo : ampliar o vocabulário e gerar novas situações; introduzir o m ília muit o pa rec idos . Na história d e cad a uma ,
pitoresco após as cenas dramáticas da sessão anterior. há ~e mp re um navio saindo de um porto dist ante
- África, Gênova, Nápoles, Lisboa , Palermo , Mála-
b) construção de uma imagem icônica do centro de Desterro, em ga, Hamburgo, Turqu ia, Kobe, Gibr altar - comum
1748, usando pano s marrons e verdes, jornais velhos para preenchê-lo s ocea no de in cert ezas a atravessa r. Na baga gem há
(criando as elevações do terreno) e pap elão para construir as fachada s sem entes , reméd ios, docum ent os, ferramentas, um
frasco de conserva, um a raiz exótica, pequenos ob-
das casas. jetos úteis no dia-a-dia, fotos do s parentes e da terra
Objetivo: criação de uma forma visual concreta das imagens do gru- qu erida qu e ficou para t rás. H á m ágoas, mas há,
po referentes às descrições lidas e ouvidas sobre o local de desembarque so b retudo, esp era nça : mesm o ca rrega dos à força
(os negro s), ou expulsos pela miséri a (os imi gran-
dos açorianos; criar o cont exto do desembarque. t es), os qu e chegara m n este p aís ver de, cálido e
c) usando a pesquisa do item a, criar cenas de grupos de recém -che - ensolarado , com vasto s vazios a serem ocupados e
gado s, alojados no hospital de Desterro a fim de serem curados dos "in- um árduo trabalho po r en frent ar, conserv ara m in-
tacta sua capa cida de de son ha r."
c ómodos" da travessia, com foco em algum elemento da bagagem (tor-
nando a questão saúde e luto um fator secundário na cena). As cenas foram Revista Cláudia, dezemb ro de 1994

apresentada s com os atores escondidos atrás da imagem criada (em cima


"Açorianos" repre sentou, e repre senta, a possibilidade de questionar
de uma mesa, coberta até o chão), a audiência apenas ouvindo, sem ver.
os temas subjacentes ao "ser daqui " e "ser de fora': os qua is vêm adqui-
Objetivo: direcionar o tema para as qu estões de ordem prática, apó s
rindo proporções de confronto nas comunidades locais. O "ser daqui" é
a chegada; concentrar os observadores na leitur a do texto e criação ima -
caracterizado como o resultado de muitas migrações e imigrações, asso-
ginária do cenário (uma vez que o cenário real não pod eria cobrir a di-
ciado com os sonhos de melhores condições de vida, solidariedade, pre-
mensão da situação real).
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servação de um meio ambient e que em seus locais de origem já foram 2. O tem a "Teatro" é introduzido e o espaço cênico é delimitado
depredados e descaracterizados. por uma corda no chão, formando um círculo no centro da sala, ao
O fato de os açorianos terem sido nossos primeiros imigrantes colo - redor do qual se po stam os participantes, formando um círculo no exte-
ca também a qu estão indígena e a possibilidade de abordar o problema rior. Jogos teatrais e improvisações acontecem no espaço c énico, com a
da terra a partir de um distanciamento das questões atuais relativas à finalidade de estabelec er uma linguagem e um referencial comum aos
posse, e direito à terra. part icipantes. Adultos e crianças trabalham em parceria nestes jogos
Focalizar a imigração açoriana permite ainda ob servar em que medi- - a participação é espontânea, e se porventura surgir alguma resistên-
da o processo dramático pode aumentar a consciência de, e o respeito cia da parte das crianças, os adultos estão preparados para lhes propor
por, her ança s cultur ais no nível indi vidual e coletivo. A importância do parceria.
drama "Açorianos" reside assim no seu potencial de investigar que stões 3. Os participantes são convidados a assistir, em outra sala, a uma
sociais e na pos sibilidade de: cena teatral. Um casal de atares, com trajes típicos açorianos, confron-
1. Focalizar a diversidade cultural, permitindo ao aluno am pliar sua ta-s e em torno de um a mesa. A situação dramática mos tra marido e
compreensão dos valores compartilhados. mulher discutindo as vant agens e/ou perigos de imigrar par a o Brasil.
2. En corajar uma abordagem alternativa e crítica pa ra os valores in - Pa ra o marido, a promessa de terras, e a superação do perigo das erup-
dividuais não compartilhados ou compreendidos. ções dos vulcões e da fome são motivos suficientes para partir. Para a
3. Reforçar o valor de identidade cultural individual. mulher, abandonar os idosos, deixar o certo pelo duvidoso, enfrentar os
A noção da relação entre o "individual" do aluno e seu "personagem" prováveis monstros ma rinhos, etc., são riscos excessivos.
no processo dramático, permite investigar quais elementos autobiográ- 4. Após a encenação as crianças são convidadas a falar sobre o que
ficos e/ou da cultura local foram incorporados em seu texto teatral. Quan- entenderam da cena: os po ssíveis significados da fala, dos gestos, dos
to ao contexto da ficção construído, será possível observar as hist órias, objetos, do espaço, do figurino, do s silêncios e das expressões faciais. Os
ações e atitudes que tenham resson ância com as práticas e crenças das personagens permanecem em cena, imobilizados. Em um segundo mo-
crianças, ou seja, a interface entre o "personagem" e o "ind ivíduo". mento os atares ficam à disposição das crianças para responder a quais-
qu er perguntas sobre sua atuação.
PrimeiroEncontro: A Decisão de Partir 5. Voltando à sala de aula, os participantes (adultos e crianças) divi-
dem-se em grupos para formar família s de açorianos. Cada família re-
É formado um grande círculo, professores e bolsistas sentam-se em cebe peças de figurino, alguns acessórios e lista dos nomes do s açoria-
meio aos alunos, alternando adulto e criança s. no s qu e para cá vieram entre 1748 e 1752, a fim de escolh er os pr óprios
1. O tema "Açorianos" é introduzido e as opiniões sobre o seu signifi- nomes. Quando caracterizados, e apó s criarem uma rápida história de
cado na comunidade são estim uladas. Todos são convidados a investi- sua família, escolhem objetos (dentre os objetos de origem açoriana ou
gar os eventos e os motivos que acompanharam a vinda dos açorianos portuguesa contidos numa caixa ) para relacioná-lo s com sua históri a
para a nossa ilha. A imigração açoriana é focalizada como uma das muitas de vida.
imigrações que form aram a no ssa sociedade, tendo em comum com as
demais as esperanças e expectativas que acompanharam todos aquel es
que decidem mudar de vida e de lugar.
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da sua Real Fazenda não só por mar, mas também por terra (. ..)
e logo que chegarem a desembarcar no Brasil, a cada mulher que
Segundo Encontro: A Viagem para elle fora das Ilhas, de mais de doze annos, e de .meno~ de
vinte e cinco, cazada ou solteira, se lhes darão 2 400 reis de ajuda
1. Ao entrar na sala de aula os alunos encontraram as fotos das fa- de custo e aos Cazaes que levarem fllhos, se lhes darão sítios que
mílias, ampliadas, e o mapa das Ilhas de Açores, fixados no quadro. hão de habitar, se dará cada cazal huroa espingarda, duas enxa -
Após observarem as fotos, retomam os grupos familiares, figurino e ob- das, hum machado, huma enxó, hum martelo, hum facão, duas
jetos. () círculo ao centro da sala é refeito e o espaço cênico é utilizado tesouras, duas facas, duas cerrumas, hrna serra com a sua lima e
para as famílias mostrarem uma situação que revele sua relação com os travadoura, dois alqueires de sementes, duas vaccas e huma egoa,
objetos que escolheram levar consigo ao partir. Ao final de cada cena a e no primeiro anno se lhes dará a farinha que se entender basta
família posa para nova foto, incluindo o(s) objeto(s) selecionados, uma para o sustento. Os homens que passarem por conta de Sua Ma-
vez qu~ a observação da foto anterior revelou aspectos (descontração, ati- gestade, ficar ão izentos de servir nas tropas pagas . . . onde se dará
tude 0\1 postura inadequadas à situação) que desagradaram a muitos. a cada um quarto de legoa em quadra. . . "
2. As famílias reunidas, discutem as razões que os fizeram tomar a
decisão de partir. Individualmente cada um expressa suas expectativas e 4. As famílias retornam ao trabalho em grupo, e passam a tomar
receios. Fotos antigas das Ilhas de Açores e costumes açorianos são ob- decisões sobre a bagagem e tudo o que deixarão para trás. O limite de
servada, pelos grupos. Cada família constrói sua história passada. Um peso e tamanho para cada volume requer o estabelecimento ~e priori-
mensa~eiro (um bolsista) vem convocar cada grupo para uma reunião dades e cálculos. O limite de idade para cada viajante requer sejam pen-
com o capitão-mor no salão paroquial. sadas as condições em que ficarão os idosos da família . Cada grupo faz
3. O professor-coordenador, no papel de capitão-mor das Ilhas (fi- a sua lista de bagagem, por pessoa, e outra lista coletiva sobre tudo o
gurino cedido pela Divisão de Turismo EducativolDaexlUFSC) lê para que será consumido durante o trajeto. Cada imigrante escolhe um obje-
os açorianos presentes à reunião, o Edital de Convocação, assinado por to (entre os objetos aparentemente de época introduzidos pelo profes -
el-rei D. João V,e explica a seguir as condições de viagem e os pré -requi- sor) para levar consigo como lembrança da terra ou de alguém especial
sitos eJtigidos dos interessados. Para esclarecer possíveis dúvidas refe- que ficou para trás.
rentes ~ travessia, utiliza mapas ilustrando o trajeto, e faz menções a re- 5. As famílias estão prontas para partir. A um sinal do professor-
latórios de viajantes anteriores, introduzindo assim novas informações coordenador, os grupos, um por vez, se dirigem ao cais para embarque.
sobre a~ condições da viagem . Os professores-personagem membros das Uma das salas de aula é ambientada como uma grande nau - panos
diferentes famílias (equipes) medeiam a reflexão de seus grupos quanto pretos cobrem as carteiras e cadeiras, na forma oval de uma embarca-
às informações contidas no edital e iniciam o questionamento ao capi - ção; panos azuis em volta da nau sugerem o mar; faixas de pano caem
tão -moroAs crianças são estimuladas a questionar. diagonalmente do teto representando as velas. No cais, cada família é
recebida pelo capitão do navio (um bolsista com figurino correspon-
EDITAL dente) e recebe instruções, as quais contribuem para a construção do
"EI- Rei D. Ioao V faz mercê aos Cazaes das Ilhas de Açores e contexto e indicação das ações e atitudes correspondentes:
1vIadeira que quiserem hir estabelecer-se no Brasil de lhes facilitar
o transporte e estabelecimento mandando-os transportar, a custa
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"É necessário qu e algumas regras que fiquem claras antes que
vocês ini ciem esta viagem : Terceiro Encontro: Na Ilha
1. Todos deverão trabalhar para pagar o transporte - as con-
dições da viagem dependerão da orga nização e co laboração de O trapiche aos fundos da escola transforma-se no navio para o ter-
to dos. ceiro encontro. As crianças sentam-se ao longo do trapiche, o capitão
2. A d istribuição do espaço para cad a fam ília deverá ser respei- permanece de pé, observando o horizonte com um binóculo até anun-
tada, e duran te o dia homen s e mulheres oc uparão e tra balharão ciar: "Terra à vista':
em espaços dis tintos. Os imigrantes são recebidos por um fre i português (professor-per-
3. Criminosos serão at irados ao mar. sonagem), que lhes dá uma cesta de mantimentos e material para mon-
4. A co m ida deve ser racionada. tarem tendas, na área em frente à matriz, até que superem a fraqueza e
5. Doentes serão isolados no porão." os malefícios da viagem e recebam as terras prometidas. Os mantimen-
tos incluem frutas (reais) que os participantes comem após montarem
6. Uma vez acomodados no nav io, são distribuídas as tarefas diárias, as barracas. Em seguida os açorianos-adultos contam histórias sobre a
representadas através de tableaux (os participan tes definem suas ati- nova terra. Chega a noite e todos dormem em suas barracas.
vidades, e as mantêm coletivam en te), e intercaladas com cenas nas quais Ao amanhecer, os prime iros a deixar suas tendas encontram um arco
os participan tes em co nju nto, interagem com o(s) professor(es)-per- e uma flecha na área cen tral do acampamento. Os "chefes de família"
so nage m (s), tais co mo: im igrantes ouvem ao cap itão e/ou o ques tio- são chamados para u m a reunião de emergência; o frei é convocado e
nam; ao cair da ta rde se reúne m em grupos pa ra contar histórias da esclarece que as intenções do s índios são pacíficas, uma vez que expuse-
terra que de ixara m para tr ás ou so nhar com o que en con trariam pela ram o arco em vez de atacar ou ameaçar. Os açorianos decidem retri-
frente. Na experiência aqui relatad a, as cria nças de sete anos de idade buir ao sinal de aproximação, deixando alguns objetos junto do arco e
(primeira série do p rim eiro gra u) tiveram a merenda d entro da na u, flecha . As fam ílias se reúnem para decidir que objeto, de ntre os bens que
como sendo a última refeição antes da partida. O efeito desta refeição ainda lhes restam, deixarão para os índios.
deu a m ed ida exata do envolvimento das crianças e da fase de seu de - No outro dia, arco e objetos haviam desaparecido. Os índios aceita-
senvolvimento: enquanto algumas economizaram a comida em face ram as oferendas. As famílias reúnem-se para receber as terras: uma ma-
do anunciado racio namento (pretendendo guardar u m pouco para quete da ilha é usada para todos identificarem o lugar onde irão se fixar.
depois), outras repe tiram o prato mais d e uma vez pa ra evitar passar
fome. Quarto Encontro: Histórias e Sombras
7. O segundo encontro termi na com o cape lão d o navio reunido com
os viajantes no convés, refletindo sobre o qu e aco ntecera durante o dia e Duzentos e cinq üenta anos se passaram. Hoje, os descendentes dos
organizando o planejamento dos próximos dias, no que se refere ao ate n- açorianos vão contar as estórias que ouviram dos seus avós, usando
dimento dos doentes, das cr ianças, ao compartilhar de remédios e man - para isso o teatro de sombras.
timentos. A primeira parte do encontro consiste em uma familiarização com as
técnicas de projeção de sombras e exploração de efeitos especiais me-
diante o uso de materiais variados: raízes, folhas, celofane, corda, etc.
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Na segunda parte do encontro, a turma é dividida em grupos para ou- O teatro de sombras representou um recurso seguro para envolver
vir um professor (um por grupo), que conta uma história, usando estra- os participantes com a expressão física de idéias e emoções após um pe-
tégias de "narração de histórias",de crenças e costumes açorianos na Ilha ríodo tão curto de experiências.
de Santa Catarina . Após ouvi-Ias, os grupos dividem seu texto em situa-
ções e pesquisam formas de apresentá-lo através do teatro de sombras. POSSIVEIS DESDOBRAMENTOS
O processo se encerra com as apresentações. A avaliação desta etapa da pesquisa despertou o interesse da equi-
pe em refazer o processo com outro grupo, intensificando as questões
PONTOS DE REFLEXÃO referentes às implicações da opção pela imigração e as dificuldades da
Nesta experiência, foi possível observar o desenvolvimento da pes- viagem.
quisa inserido no contexto dramático - informações, investigações e Outro aspecto a ser planejado com maiores detalhes foi o do poten-
apresentações fizeram parte do contexto da ficção e do engajamento dos cial da experiência como eixo curricular - nesse sentido seriam explora-
participantes com os papéis representados e com as situações dramáti- dos temas e situações que exigissem conhecimentos obtidos em outras
cas criadas. Os momentos de distanciamento ocorreram sem que os par- disciplinas.
ticipantes precisassem abandonar seus personagens; as observações de Finalmente, seriam pesquisadas formas de engajamento emocional
ações e situações, sua análise e avaliação foram feitas a partir dos papéis com o trabalho e exploradas as convenções teatrais que acentuam a tea-
assumidos. Por exemplo, se durante o tableaux realizado no convés do tralidade.
navio, uma criança comportou-se em desacordo com a situação, ela foi
repreendida pelos demais "imigrantes': no seu papel de "imigrante" - TEMA GERADOR PARA OUTRAS DISCIPLINAS
foi o imigrante e não a criança que se comportou mal. Português: trechos de narrativas de navegadores; fragmentos de car-
A partir desta experiência a construção e/ou narração de histórias se tas de imigrantes (de épocas distintas);
baseou em textos literários (dramáticos, contos, poesias) e não mais em Matemática: pesos e medidas de bagagens - malas, sacos e caixotes;
trabalhos de improvisação. Esta decisão resultou da análise do grupo de cálculos de tempo e distância; análise da estrutura e das medidas de uma
pesquisadores sobre a insatisfação das crianças com os textos por elas embarcação.
criados e seu entusiasmo e atenção para com as histórias "dos outros': Ciências: alimentos perecíveise não perecíveis;
Embora com algum subsídio bibliográfico sobre o assunto (Barthes, História: História dos índios que habitavam a lIha de Santa Catarina
1975,1986,1988; Hornbrook, 1989, 1990, 1991), esta opção veio tam- à época da chegada dos açorianos; nomes, origem e locais de assenta-
bém de encontro a um interesse crescente em explorar as estratégias de mento das famílias açorianas na Ilha de Santa Catarina;
narração de histórias (storytelling) para complementar o trabalho do Geografia: mapa do Arquipélago dos Açores; características físicas e
"professor-personagem': econ ómicas das ilhas, com atenção especial às que serão o ponto de par-
Ficou evidente como a narração das histórias e seu uso por meio do tida das famílias que imigraram nesta experiência (as escolhidas pelas
teatro de sombras mobilizaram as crianças a uma sensação de "reco- crianças); mapa da Ilha de Santa Catarina e localização do local de de-
nhecimento" do universo narrado. As crianças mostraram compartilhar sembarque e dos núcleos de assentamento.
a linguagem, o gesto e o contexto dos contos de Cascaes (1989), os quais
fazem parte ou tornaram-se parte de sua cultura.
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neste processo fazem experiências sobre peso e medidas. Por exemplo, o
Açorianos - a travessia peso de um saco com sapatos é o mesmo do que o de um com roupas?
Esta tarefa permite também: criar subsídios para situações futuras (ne -
Esta retomada do tema "açorianos" teve como objetivo intensificar o cessidade de usar ou ceder parte dos bens); criar envolvimento e/ou iden -
envolvimento emocional dos participantes com a situação "deixar a ter- tificação com objetos ou um objeto em particular; desenvolver sua ima-
ra natal" enfrentando o desconhecido. Procurou-se assim planejar ativi- gem e identidade perante o grupo .
dades que envolvessem expectativas, mistérios, medos, a ções ou perso- 3. Cada participante escolhe um objeto, e uma personagem da sua
nagens inesperadas. A experiência foi realizada com 27 crianças de nove ou de outra família, para quem dará este objeto como lembrança da sua
a dez anos de idade, terceira e quarta séries do ensino fundamental, es- terra e dos tempos que ficarão para trás. Eles deverão criar a história
cola pública, que vieram à escola, voluntariamente, fora do horário de deste objeto e a significação que este terá no presente contexto. Caso esta
suas aulas. etapa do trabalho possa acontecer em dois encontros, os participantes
Como entrosamento do grupo e aquecimento físico, foi realizado um podem escolher e trazer um objeto de casa; nesta experiência, devido ao
trabalho de expressão corporal com uso de panos e cordas, ambos ele- fatal' tempo, o professor trouxe um saco com objetos e o colocou no
mentos cênicos que seriam incorporados ao processo dramático. Fo- centro do círculo para que as crianças os manuseassem e selecionassem.
ram feitos exercícios com diferenciação dos níveis espaciais (alto, médio, Exemplo de objetos: castiçal, pedra, lenço português, caixa de jóias, reló-
baixo), com ritmos distintos para um mesmo movimento, e investiga- gios de algibeira, manta, toalha de crivo, porta-retrato, etc.
ção de posturas corporais alternativas.
Segundo Encontro: Dúvidas e Medos
Primeiro Encontro: O Edital
4. Cada família faz um levantamento das dúvidas que poderão ter
1. Sobre a decisão de partir e o edital de convocação: em relação à viagem e sua duração, condições do navio, possíveis pro-
Após ouvir o edital de oferta de terras no Brasil, os participantes são blemas na travessia, condições das terras prometidas, etc., a fim de ques-
divididos em grupos , sendo cada grupo uma família de açorianos. Os tionar o representante do rei na próxima reunião. Esta atividade é ali-
grupos assistem à cena teatral em que o casal de imigrantes se prepara mentada por cartas ou fragmentos de diários de viajantes anteriores, que
para partir (a mesma cena do processo anterior) e passa a discutir "em mencionam monstros marinhos, longos períodos de calmaria, carência
família" as vantagens e desvantagens de partir. Cada grupo cria então uma de suprimentos e ataques indígenas ao chegar. A reunião com o repre-
imagem congelada, a qual deve revelar o estado de espírito de cada partici- sentante do rei acontece na "casa paroquial", e este responde às pergun-
pante em relação à viagem. As imagens, ou "fotos", são projetadas em tas dos pretendentes à imigração usando ironia e exagero na afirmação
papel kraft, fixado na parede, e é feito o seu contorno. Cada família escre- dos pontos positivos. Os adultos que fazem parte dos grupos familiares
ve, dentro de sua imagem, as razões pelas quais decidiu partir. resm1fngamsua incredulidade para aqueles que estão próximos.
2. Cada grupo recebe uma folha com desenhos de várias malas e sa- 5. Os grupos fazem planos para a viagem, e discutem prováveis obs-
cos de viagem. Cada membro do grupo escolhe uma, e nela escreve uma táculos para a sua concretização, com base nas questões levantadas no
frase-mensagem sobre sua expectativa de mudança. Individualmente, fa- encontro anterior. Em seguida fazem uma imagem congelada mostran-
zem então suas listas de bagagem, dentro dos trinta quilos permitidos, e do o obstác ulo que mais preocupa a família.

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6. Os participant es caminham pelo espaço cênico enquanto ou vem dos, caso os responsáveis pelo alistam ent o venham a desconfiar de algo,
trechos de histórias de travessia do Atlânt ico. De tempo s em tempos con- e procura justificar a vident e como tendo passado por uma crise de ner-
gelam e prestam atenção em sua postura. O objetivo é associar um mo- vos que deverá ser contornada e disfarçada. Os participantes passam a
mento de concentração coletiva com uma sínte se de imagens de traves - esconder a "tia" e falar por ela na hora do alistamento.
sia, acentuando e enfatizando suas implicações. Dessa maneira é possível
ampliar o significado daimigraç ão e criar algum impacto para manter o Quarto Encontro: A Travessia
interesse até o pró ximo encontro. Quando usado par a iniciar uma ses-
são, este exercício será útil para introduzir informações históric as e ao 1. O quarto encontro iniciou com um levantam ento de superstições
mesmo tempo favorecer a concentração no contexto sendo explo rado. associadas à cultura açoriana. Para ativar a memória sobre o assunto
foram introduzidas fotos de obje tos e instrumentos domésticos, carro-
Terceiro Encontro: Obstáculose Desafios ças, lavour a e pesca. Para lelamente foi destacado o vocabulário específi-
co destes objetos e tarefas cotidianas. A intenção foi introduzir material
1. Cena do alistamento na casa do cap itão-maior Manuel da Câ ma- que ampliasse as alternativas para o drama.
ra Coutinho Carreiro. Dois participantes adultos fazem os papéi s do po- 2. Juntam-se famílias, duas a dua s, e estas conversam sobre sua si-
liciaI organizador da fila para o alistamento e do próprio capitão . Os tuação em relação à viagem: disposição para partir, interação com ir-
demais são question ado s quanto ao estado civil, ofício e idade. Os pro- mãos , amizades, etc. A atividade os faz relembrar ou criar o papel de
fessores-personagem enfat izam aqui a condição de im igrante, e as tro - cada personagem no grupo, bem como formar imagens e conexões com
cas de pap el subseqüentes permitem vivenciar e explorar os argumentos a outra fam ília, o que poderá ser usado durante a travessia caso aconte-
mais uti lizados em torno do assunto. Até que ponto são claros e con - çam situações de perda, que exijam solidariedade, tais como morte, de-
vincentes? sembarque por doenças, etc. Após qui nze m inutos nesta atividade, os
2. Cena no cais: esperando pelo embarque. Cada um usa uma cadei- participantes são convidados a "cam inhar pelo convés do navio",ouvin-
ra, como quiser, para compor o espaço cênico (como banco, encosto, do a narração do professor sobre este contexto imag inário: concentrar-
bagagem , cadeira, cerca, etc.). A espera no cais é lon ga, os imigrantes se no seu papel, idade, sexo, ocupação; congelar, observar sua postura,
começam a lembrar fatos passados, a con tar histórias, a sonhar com o voltar a cam inhar, concentrar-se nas condições da viagem , nos proble-
futuro. Como alternativa, podem criar histór ias a respeito do objeto se- mas enfrentados, nas expectativas; congelar, visualizar o convés do na-
lecionado anteriormente e narrá-Ias aos membros da família mais pró- vio; escolher objetos ao redor e compor o espaço c ênico, silenciosa e in-
_xima. Esta tarefa possibilita criar o clima da partida, lembrar o que está dividualmente.
ficando par a trás. 3.Mulheres e homens agrupados em espaços diversos no navio; cada
3. Uma professora, no papel de "tia distante", que veio da Ilha de São qu al seleciona uma atividade (o que poderiam estar fazendo num na-
Jorge para fazer a travessia com os parentes da Ilha Terceira, revela-se vio), e mantém a atividade (tableaux); o profe ssor-personagem, no pa-
como "vidente" e começa a prever tempestades, privações e mortes. O pel de capitão, percorre o espaço questionando os imigrantes quanto às
tema bruxaria entra em pauta e as fam ílias se dividem entre os que acre- suas habi lidades para cumprir com as atividades escolhidas. O questio-
ditam e não . Outro participante adulto, de outra família, chama a aten- namento auxilia a desenvolver a verossimilhança e autenticidade da ação
ção do s gru pos qu anto aos problema s que este fato pod erá tra zer a to- ao ter de mostrá-Ia ao capit ão e responder ao seu question am ent o em
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público. Na seqüência, cada participante recebe um pedaço de tecido (um dos "inc ómodos" da travessia. Cada grupo cria uma imagem congelada
metro mais ou menos), e procura realizar uma atividade por meio do que reveleo estado de espírito de cada membro da família ao término da
uso deste tecido (individualmente ou em grupo); diferentes participantes jornada. O foco das cenas pod erá ser algum elemento da bagagem - pos-
se revezam no papel de capitão, cuja atuaç ão é discutida e planejada no sibilidade de rever a lista da bagagem e verificar o que sobrou, pois tudo o
grande grupo (teatro-fórum) . que foi consumido ou cedido durante a travessia foi eliminado.
3. Fim de tarde de um dia tranq üílo de travessia, no início da viagem:
as famílias se reúnem no convés para compartilhar memórias e cantar PONTOS DE REFL EXÃO
canções açorianas. Durante uma canção entra um participante (de acor- Esta versão "Açorianos" procurou explorar o significado e as dificul-
do com combinação prévia com o professor), com pintas vermelhadas dades enfrentadas pelos imigrantes, associando a opção de partir a so-
espalhadas pelo corpo (rosto, mãos e braços); o professor-personagem, nhos com uma vida melhor. Através dos episódios da travessia os parti-
no papel de um membro da tripulação, chama a atenção de todos para cipantes foram envolvidos em questões de solidariedade, respeito mútuo,
os sintomas do "imigrante" e sai para consultar o capitão, deixando o diálogo e justiça - conceitos inclu ídos no tema transversal "Ética", dos
grupo a comentar sobre o episódio . O capitão vem investigar e sugere Parâmetros Curriculares Nacionais.
que o mais certo seria desembarcar o doente em uma ilha deserta a um A avaliação deste processo levou ao desafio de se encontrar um texto
dia de viagem, para evitar contágios. A situação permite criar uma for- que pudesse ser usado como pré -texto para questionar poeticamente o
ma de tensão, discutir as possíveis atitudes diante de uma situação -limi- tema "imigração", ampliando as possibilidades de linguagem e introdu-
te. Abandonar o parente ou amigo e condená-lo à morte? Ou correr o zindo imagens com maior potencial cênico.
risco de contaminar as crianças já fracas com a alimentação deficiente?
4. Um recurso adicional de tensão é introduzido com a anunciada O DESDOBRAMENTO desta experiência foi a apropriação (descons -
tempestade, prevista pela vidente/bruxa. O capitão a anuncia e pede a trução e reconstrução) de um conto de origem açoriana (ver abaixo, item
todos que se mantenham calmos e agarrados em algo seguro. Uma cor- "Açorianos - confrontos na ilha"), e como eixo curricular este proces-
da é passada por todo o convés, onde todos devem se agarrar. Som de so pode gerar atividades semelhantes às indicadas no item anterior ("Aço-
percussão, feito fora da nau e não à vista dos viajantes, aumenta a at- rianos - os imigrantes").
mosfera de perigo, e a movimentação da corda, provocada pelos adul-
tos-imigrantes, adiciona a sensação de desequilíbrio. Açorianos - confrontos na ilha
5. Outra alternativa de situação-limite pode ser introduzida: o capi-
tão avisa que o atraso durante a viagem (calmarias, etc.) diminuiu Este trabalho com o roteiro "açorianos" focalizou a função do ritual
drasticamente as provisões e que haverá um corte no fornecimento de como um recurso para ampliar e estruturar a participação individual e
alimentos. Pelo mesmo motivo, as medicações chegaram ao fim e há ne- coletiva de forma teatral. A área temática escolhida foi ética por ser ela
cessidade que as famílias que trouxeram estoques de ervas e outros me- um dos maiores desafios dos Parâmetros Curriculares Nacionais -
dicamentos os cedam para o uso comum. "como levar crianças a refletir sobre atitudes e moral sem determinar o
6. Em Desterro: chegando à Ilha de Santa Catarina: que está certo ou errado?" - esta parece ser a preocupação central dos
Grupos de recém-chegados (formados à vontade, sem necessário vín- professores com quem tenho trabalhado em oficinas sobre Teatro & Te-
culo familiar) estão alojados no hospital de Desterro para serem curados mas Transversais.
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o processo dramático teve como pré-texto o conto "As Três Bruxas De um lado, o ritual representa o comportamento comum transfor-
qu e se Transformaram em Três Galinhas Brancas",de Franklin Cascaes; mado por condensação, exagero, repetição e ritmo. De outro lado, en-
envolveu vinte e quatro criança s (de nove a dez anos de idad e), dez adul - qu anto ação simbó lica, o ritual é ambivalente, aponta para ações reais, e
tos (cinco professores e cinco estudantes de teatro); e teve a duração de ainda permite qu e os participantes evitem uma confrontação direta com
tr ês horas, as quais fizeram parte de um processo teatral de quinze ho- os eventos. Como tal, o ritual pode ser um espaço privilegiado para abor-
ras/ aula , realizados no decorrer de uma semana. dar questões de ética em atividades de ensino.
O processo relatado e anali sado abaixo se refere ao quinto encontro
de sta etapa do projeto; os qu atro enco ntros anteriores seguiram o mes- É TI CA
mo roteiro do item "Açoriano s - a tr avessia", sobre a tr avessia, com as Mores (mo ral) e ethos (ética) têm a mesm a origem etimológica, cos-
variaçõ es provenientes das características do grupo e circunstâncias de tume. O desenvolvimento hist óri co, entreta nto, diferenciou seus signifi -
suas int erações. cados, e hoj e a filosofia define moral co mo princípios, crenças e regr as,
que juntas dirigem o comportamento do s indivíduos em cada socieda-
RI T UAL
de; e ética como o pensamento reflexivo sobre a moral.
Os rituais podem tomar várias formas, mas são geralmente descritos Os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem ética como tem a trans-
como manifestações coletivas, com movimentos padronizados em se- versal, e acentuam que escolhas individuais não significam uma moral
qü ências que são caracterizadas pelo seu alto teor teatral, usualmente individual, uma vez que os seres humanos tomam decisões em face de
incluindo gestos, canções ou sons, cores ou luzes, e vozes, tudo coorde- outros seres humanos com os quais eles partilham valores no contexto de
nado e orquestrado em torno de um único tema. seus relacionamentos. A liberdade depende da habilidade de fazer escolhas
Tal coordenação é um mecanismo para criar uma experiência de iden- e da possibilidade de fazê-Ias.Se as pessoas não podem escolher entre ob e-
tidade ou identificação grupal. O impacto que os rituais geralmente acar- diência e transgressão, não são responsáveis por suas ações. O cotidiano
ret am está relacionado com sua ressonância com a vida e necessidade s requer que critérios e valores sejam discutidos: É correto roubar um re-
de seus participantes. A hipótese aqui é que, além da orquestração e res- médio se este é o único meio de salvar um a vida? Exemplos não tão extre-
son ância, que podem ampliar e int en sificar oportunidades de aprendi- mo s como este justificam a inclusão de ética no currículo. Esta não po ssui
zagem, a eficácia ped agógica do ritual, para o Teatro Educação, também caráter normativo , poi s ao se fazer um a reflexão ética se está perguntando
está relacionada com o espaço que ele abre para respo stas individuais sobre a consistência e a coerência do s valores subjacentes às ações; tenta-
em trabalhos de grupo, para a expressão de valores antagônicos e dife- se esclarecer e qu estionar os prin cípio s que regeram tais a ções, de maneira
rentes leituras das circunstâncias sendo focalizada s. que alcance seu significado real no contexto no qu al elas ocorreram.
Este potencial do ritual teatral deriva de seus elementos con stitutivos A moral já está presente na pr ática ed ucacio nal - o cot idiano nas es-
(Schechner, 1993, pp . 12-3; Pavis, 1996, pp. 1-21; e Counsell, 1996, pp. colas está invadido de valo res, traduzido s em princípios, regras, orden s,
143-78): e /ou proibiç ões.
• caracteriza-se como uma experiência , Ao privilegiar a ética no currículo pretende-se refletir sobre os princí-
• incorpora um status sim bólico, pios (seus fundamentos), regra s (seus objetivo s), orden s (os int eresses
• refere- se a um processo ou a um grupo de a ções perform áticas, aos quai s elas atendem ), e proibições (a qu e result ado s elas levam ), a
• contém estruturas com qu alidades formais e relações definidas. fim de atingir uma democracia eficaz.
102 103
A associação entre ética e rituais, em processos dramáticos, permite quisa constatamos que não é possível registrar e discutir tudo o que ocorre
destacar e refletir, sobre as respostas individu ais a dilemas morais, uma nos trabalhos em pequenos grupos. Cada professor passou então a fazer
vez que o teatro focaliza conflitos e limitações, engajamento emocional e suas observações e anotações para subsidiar a construção da narrativa.
escolha individual, em trabalhos em grupo .
o CON T EX T O DR AM ÁTI CO
PR ESSUPO STO S T EÓRI COS E M ET ODO LÓ GI CO S
A opção pelo ritual como foco desta investigação decorreu de sua di- "A melhor maneira de ent end er, animar, investi-
gar, entrar em contato com, passar a perna em, lidar
mensão simbólica, performática e educacional. Os rituais foram plane - com , defend er-se de, amar [. . .] outros, outras cul-
jados de forma sincrônica - de acordo com sua estrutura (potencial tur as, o evasivo e íntim o «Eu Você», o outro em nós
dramático e teatral); diacrõnica- de acordo com seu processo e possí- mesmo s, o outro op osto a nós, o temido, o diado,
invejado, diferen te.. . é representar e estuda r as re-
veis bifurcações; ideológica - de acordo com os julgamento s de valor pr esent aç ões e os com portame ntos repre sentativos
qu e possam emergir durante o processo; cultural - de acordo com o em tod os os vários gêneros, contextos, express ôes e
sentido de identidade ou identificação que podem promover. processos histó ricos [. . . 1 A representação teatral é
amo ra l, tão útil aos ti ra nos quanto as pr át icas de
Examinar os rituais de forma sincrônica e diacrônica significa obser- teatro -guerrilha. Esta amoralidade decorre da maté-
vá-los vertical e horizontalmente e ao fazer isto é possível ampliar seu ria da repr esentação teatr al, a tr an sform ação: a ha-
entendimento como instrumento pedagógico. Investigá-los ideológica e bilid ade fantástica dos seres huma nos para criarem
a si próprios, mudarem, tornarem- se - para o pior
culturalmente permite antecipar e articular os dilemas morais embuti- ou melhor - o que eles ordina riamente não são."
i. dos na experiência.
! A abord agem etnográfica foi definida como a mais apropriada por
- R I C H A RD S CHE CH N E R

permitir que professores e estudantes trabalhem como observadores dis- Um conto de tradição açor iana, "As Três Bruxas que se Tran sforma -
tanciados (o conceito antropológico de outsider) e como participantes ram em três Galinhas Brancas", foi a base do Drama. O conto serviu
dos evento s dramáticos (insider). Como outsider cada um foi capaz de como pré-texto para envolver os participantes com o ambiente da nar-
observar a performance dos demais: ações, atitudes , escolhas, habilidade rativa, cujo conflito central , baseado em dilema moral familiar à comu-
para ouvir e aceitar as contribuições das crianças; como insider, cada nidade local, foi estru turado de forma que requeresse uma série de ri-
um foi uma peça do ritual, e, ao mesmo tempo, o único a ter conheci - tuais a fim de ser solucionado. Os recursos utilizados para salientar a
mento das interações e sugestões que aconteceram em seu grupo nos atmosfera teatral e nutrir os rituais incluíram narraçãode histórias, como
momentos em que foram preparados os enfrentamentos. ponto de partida para as improvisações e interpretações; um grupo de
A opção pela etnog rafia implica considerar as vozes de todos os par - personagens, por estudantes de teatro, os quais apareceram através do
ticipantes - crianças, professores/ estudantes de teatro, e professores de processo, introduzindo informaç ões, criando novos fatos ou desafiando
classe (terceiro e quarto anos do ensino fundamental). Em Drama, par - o ponto de vista das crianças; uma ambientação cênica em espaço histó-
ticularmente, também implica a autonomia do aluno para decidir so- rico cujo passado e presente possuem forte significação em relação aos
bre os rumo s do trabalho, isto é, requer uma parceria na construção do eventos sob investigação.
texto teatral. Entretanto, todo s sabemos como é difícil conseguir um
equilíbrio na autoria de textos coletivos. Nas etapas anteriores desta pes-
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rior, foram incorporadas com a mesma função, nome e figurino, acen-
A N ARRA ÇÃO D E HI ST ÓRIA S tuando nas atuais circunstâncias novos aspecto s de seu caráter. Em con-
Histórias ou narrativas, segundo Barthes (1988, p. 79), são metáfo- traste, os atores que repre sentaram os antagonistas, não haviam encon -
ras de nosso modo de vida, qu er sejam criadas por nós, ou externas a trado as crianças anteriormente. Estas representaram, em parceria com
nós. As histórias falam da cultura e da comunidade, explicam e confir- outros aluno s de teatro, o grupo de cidadãos que enfrentaram os anta -
mam nossa identid ade ou identificação. Mesmo dentro dos limites de gonistas, prin cipalmente a partir de rituais.
uma comunidade pode- se observar qu e os contatos e interações reve-
lam backgrounds culturais complexos e múltiplos. Eles não só represen- EST RUTURA NA R RATIVA
tam várias culturas, local e regionalment e, mas também a cultura glo- A professora de teatro está sentada aos pés de um marco histórico
bal que o indivíduo absorve ao passar várias horas por dia na frente (uma cruz sobre um pedestal ), em frente à igreja - o local em volta é
da televisão. Nesse contexto as form as tradicionai s torn am-se embaça- preservado pelo patrimônio histórico , e mant ém as caracterí sticas e at-
das, causando uma desvalori zação do s aspectos cultural, históri co e mosfera da época em que supostamente ocorreram os evento s a serem
ambiental, e conseqüentemente, da dimensão pessoal. Ao introduzir re- encenados. Chega o ônibus escolar e as crianças cercam a professora,
ferên cias culturais, as histórias pod em representar uma maneira de pre - curiosas com o que virá a seguir. Elas são convidadas a sentarem-se em
encher este espaço. Nestas circunstâncias, há um grande potenci al edu- volta, na grama , e ouvir uma história.
cacional e estético para histór ias que focalizam as especificidades e as "A história que eu vou contar não está comp leta, está acontecendo
diferenças culturais. aqui e agora, e sua conclusão depende de vocês. Os im igrantes açorianos
chegaram a este local duzentos e cinqüenta anos atrás; vocês representa-
AMBI ENTA ÇÃO CÉNI CA ram o pap el destes imigrantes nas últimas semanas , e na realidade, vo-
Uma ambientação cênica que tamb ém se caracterize como ambi enta - cês são seus descendentes. Além de serem crianças . Por isso foram cha-
ção histórica pode ampliar sua significação para os participantes. A ve- mados aqui. Somente crianças com sangue açoriano podem nos ajudar.
lha casa que foi o palco desta experiência é parte do patrimônio aço- "Agora escutem: Lá (a professora aponta uma velha casa abandona-
rian o e esteve fechada nos últimos anos, à espera de apoio para sua da) vive um agricultor e sua mu lher. Este agricultor nasceu e viveu aqui,
restauração. As crianças da localidad e costumam dizer que é assombra- com sua mãe e irm ãs até se casar. Sua mãe e irmãs são bem conhecidas
da ou embruxada. O cenário criado, dentro e fora da casa, para este na redondeza, como bruxas. Muitos evento s misterio sos e coisas estra-
evento (tochas, véus, ervas, garrafas com líquidos coloridos, etc.) con- nhas ocorreram naquela casa. Mas. .. o agricultor casou; e ele casou
tribuiu para intensificar a atmosfera de mistério e criar verossimilhança. com um a mulher católica. E, uma vez que ele era o filho mais velho e o
único hom em, ele herdou a casa. Agora ele está com um problema: sua
PR O F ESSOR- P ER SO N AG EM mulh er não admite nenhum tipo de bruxaria, nem sequer que se fale
Professores e alunos de teatro assumiram personagens de forma na- sobre isso em casa. O agricultor precisou pedir à sua mãe e irmãs que
turali sta para liderar, intervir e orquestrar a narr ativa. Este foi o quarto procur assem outro local para mor ar. Desde então sua mulher começou
proc esso dram ático com estas crianças, e elas estavam bem à vontade a enfraquecer e acabou ficand o muito doente. Muito s médicos foram
com o "professor-personagem': Portanto, para incluir algum imp acto chamados e nenhum conseguiu resolver o problema . Finalmente ele cha-
e/ou algo inesperado , duas personagens-chave de uma experiência ante - mou uma cura ndeira, destas que usam ervas locais para cura. Bem, ela é
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um tipo de bruxa também. O diagnóstico foi claro: sua mulher está em- lidera o grupo, caminhando com o apoio de algumas crianças, os de-
bruxada e somente crianças, às quais pertence o futuro e aquelas que mais a seguem.
descendem dos açorianos podem salvá-Ia. Os visitantes chamam o dono da casa em coro, o "agricultor" abre a
"Assim, esta será a tarefa de vocês hoje . A curandeira é uma velha porta, e eles se deparam com uma sala escura, uma mulher com aspecto
amiga de vocês e prometeu aju.dar. Ela está na igreja". A professora pede doente em uma cama ao fundo, velas e ramos de arruda pendurados no
a três rapazes, os mais inquietos, para irem buscá-Ia. Os três correm teto. D. Mariana convida o grupo a rodear a cama e iniciar uma reza de
para a igreja e voltam com a "velha" D. Mariana, ajudando-a cuidado - proteção contra bruxas, em coro, liderados por ela.
samente a se locomover. Em seguida, D. Mariana abre as três grandes janelas da sala (situadas
D. Mariana diz: "Então vocês vieram. Agora sei que poderemos sal- lado a lado, característica açoriana), e os participantes postam-se de costas
var a filha de D. Milica. Vou lhes dar três poderes; se vocês fizerem para as janelas, observando e protegendo a mulher doente contra possí-
bom uso deles, serão capazes de desfazer a bruxaria. Mas, prestem aten- veis males de fora. Continuam com o coro e desenvolvem movimentos
ção: vocês não podem ferir ou destruir ninguém, nem mesmo as bruxas; incluindo as plantas .
vocês precisam convencê-Ias a desfazer a bruxaria. Se vocês as espanta- Subitamente um barulho chama a atenção do grupo, e surgem as
rem, a filha de D. Milica está perdida, pois só quem fez tem o poder de galinhas, uma em cada janela - três atrizes caracterizadas como gali-
desfazer': nhas. Um ritual tem início: as galinhas falam suas palavras de ordem,
D. Mariana abre um saco de linhagem e vai retiran do lenços verme- individualmente e em coro; as crianças respondem e as desafiam da mes-
lhos, roxos e pretos, as cores que representam a magia da bruxas . Ela ma forma. D. Mariana faz a orquestração do ritual.
divide os participantes em três grupos; cada grupo recebe lenços de uma O desafio, através do coro, dura vinte minutos, e inclu i movimentos
cor (para a cabeça ou ombro): "Agora vocês são vinte e sete pessoas, das crianças, segurando as ervas, sons e movimentos típicos de galinhas.
protegidos pelas cores dos lenços, que juntas impedirão que qualquer O ritual termina com o recuo das galinhas. As crianças então colocam
mal vos atinja. Também lhes entrego uma planta protetora: arruda, es- as ervas no chão, ao lado da mulher doente, e esta começa a se recupe-
pada-de-são-jorge e comigo-ninguém -pode, uma espécie para cada grupo. rar. O casal reúne-se com as crianças para decidir o que fazer com as
Elas serão seu segundo poder. O terceiro, os ajudará a convencer as bru- bruxas. O grupo opta por perdoar e compartilhar o espaço no futuro.
xas a mudar de atitude: o Dom da Palavra . A cada grupo eu confiro
uma palavra, que deverá ser usada de formas diversas quando vocês PONTOS DE REFLEXÃO
enfrentarem as bruxas, as quais aparecerão sob a forma de galinhas. A Este conto foi escolhido por focalizar dois aspectos particulares aos
palavra para o grupo com lenços vermelhos é solidariedade; para o gru- padrões de papel social presentes na comunidade e na vida destas crian-
po em preto, respeito mútuo; para o grupo em roxo, diálogo. Juntos, os ças: o do racionalismo da cultura moderna ocidental, representado pela
três grupos reivindicarão justiça". religião oficial, o catolicismo; e o das crenças e práticas que representam
Após receberem seus três poderes, cada grupo (seis crianças e um es- o mundo mítico e mágico dos antigos habitantes da localidade: africa-
tudante) reúne-se para criar suas palavras de ordem, slogans, movimen- nos, indígenas e açorianos. Ambos estão impregnados em nossas for-
tos e gestos correspondentes. D. Mariana e a professora de teatro pas- mas de pensar, caracterizando aquilo que é conhecido como o sincretis-
sam de grupo em grupo com estímulos ou desafios. Após algum tempo mo religioso do brasileiro, e requerem especial atenção dos professores,
de preparação, D. Mariana os convida a irem à casa do agricultor. Ela ao lidar com dilemas morais .
108 109
De um lado, o sincretismo pode ser considerado como uma tentativa A análise deste processo levou em consideração as opiniões dos pro -
de conci liar diferentes escolas de pensamento; de outro, ele representa fessores e alunos de teatro, dos professores da escola das crianças, e das
uma tendência não apenas das classes mais baixas, mas também das ca- crianças. Estas avaliaram a experiência, individualmente, mediante o pre-
madas ilustradas. O importante aqui, não é se isto significa apenas uma enchimento de um caderno com fotos e questões sobre o contexto e os
crença ou folclore, mas sim o fato de que tanto as crianças quanto os eventos encenados. Esta avaliação foi realizada um mês após a experiên-
adultos recebem e respeitam ambas as influências. Duas das crianças desta cia, a fim de podermos identificar que aspectos da atividade foram lem-
experiência têm tias que são curandeiras bem conhecidas na localidade . brados com mais detalhes e causaram maior impacto nos participantes.
Daí o potencial do ritual para a prática do teatro na escola - a pos- Quatro distintos focos de investigação foram considerados:
sibilidade de ouvir as vozes individuais em trabalhos de grupo, que fa- • As interações entre as estruturas teatral e pedagógica (análise sin-
çam emergir questões fundamentais aos hábitos e costumes da comuni- cr ónica). Até que ponto cada uma delas foi realçada e fortalecida pela
dade. "Asociedade moderna carece um sistema compartilhado de crenças. outra? De maneira geral, foi possível constatar que figurino e objetos
Porém, tal dimensão metafís ica ainda pode ser encontrada na arte _ provocaram envolvimento significativo com as situações dramatizadas e
onde nós nos engajamos com padrões os quais nós só podemos reco- foram responsáveis pela decisão final sobre o destino das bruxas. A am-
nhecer quando eles se manifestam como ritmos ou formas . .." (Brook, bientação e objetos de cena sinalizaram, para as crianças, uma possível
1996, p. 153). A problemática referida acima trata não apenas da falta de simpatia, dos professores e monitores, em relação às bruxas. Esta não
uma crença compartilhada, mas principalmente da presença de um sis- era a intenção original; o objetivo de se incluir xales coloridos, plantas,
tema de crenças formal (catolicismo), paralelo a um sistema subliminar, rituais e rezas era ampliar e intensificar a atmosfera teatral, além de faci-
mantido em segredo ou abertamente enquanto folclore (as práticas reli- litar e/ou proteger as crianças quanto às suas opiniões e posturas. O
giosas africanas). Neste contexto, os rituais podem representar uma ex- resultado também revelou que a dimensão teatral teve efeitos pedagógi-
periência única, a qual dá voz às questões silenciosas, às formas não rea- cos quanto ao exercício de habilidadesorais (argumentos para enfrentar
lizadas, às idéias que não estão claras. as bruxas, debates em grupos), à aquisição de conhecimentos sobreo con-
Ao usar este conto em um drama ritualizado e interativo, foi possível teúdo e o contexto (questionamentos e leituras sobre o poder das plan-
desvendar significados atuais e contraditórios, a partir das falas dos parti- tas, a história da casa e a imigração), ao pensamento reflexivo (sobre re-
cipantes (palavras de ordem e slogans criados ou escolhidos pelas crian- ligiões e ética) . Por outro lado, a dimensão educacional, caracterizada
ças) e formas emergentes (gestos). Peter Brook vê no teatro um meio de pela parceria entre adultos e crianças, o uso de um conto tradicional, a
transmitir o que nenhum outro meio é capaz, "Aqui está a responsabilida- incorporação de personagens de experiências anteriores, palavras-chave
de do teatro: o que um livro não pode comunicar, o que um filósofo não e idéias pinçadas dos parâmetros curriculares para a área de ética, etc.,
pode explicar convincentemente, pode ser compreendido através do tea- certamente foram fatores fundamentais para a eficácia teatral, o que fi-
tro. Traduzir o intraduzível é um de seus papéis" (Brook, 1987,p. 164). cou evidente através de: disponibilidade física (para envolvimento nos ri-
Segundo os professores das crianças envolvidas neste trabalho, eles tuais e para enfrentar as bruxas), falas convincentes (textos memoriza-
aprenderam muito sobre seus alunos durante a experiência e logo após, dos por decisão própria),focoe trabalho contextualizado (sem necessidade
por meio de seus comentários sobre os eventos anteriores. As situações de refocar a atenção) .
ritualizadas foram um meio de unir adultos e crianças no ato de com - '. O desenvolvimento do processo (análise diacrônica). Este foi pla-
preender e responder a uma vivência socioculturaI. nejado com atividades incluindo todos os participantes, alternadas com
110 111
outras em pequenos grupos O d
de forma que tornasse todo' s ?r,an. e grupo reuniu-se quer em círculo, mum dos eventos ou não. O ponto principal seria evitar uma aborda-
visrveis por todos e .
central aberto a manifestações ' dividua í mantIvesse o espaço gem normativa, ou seja, a postura de uma "a ção correta". A justiça deve -
procissão Em e m IVI uais, quer em linha, em forma de ria ser decidida pelo grupo todo, por meio do voto se necessário, caso
finiramp~lavr~s~~:~~:~~Pa~~;~~:sarticipan~es t o:naram decisões, de - princípios contraditórios ainda prevalecessem. O pressuposto era de que
quenos grupos funcionaram co an~e as sItuaçoes expostas. O s pe - ao considerar pontos de vista diversos dentro da família do agricultor,
, mo ensaIO para os eve t '"
garantIram as participações indi id . O nos pnnCIpals e as razões e as implicações das posturas dos diversos personagens, as
IYI uars processo d , .
tou assim múltiplas narrativas fi' rarnaticn apresen- crianças teriam oportunidade de desenvolver suas próprias opiniões so-
desenvolvimento abrindo ' que oram sendo cruzadas durante o seu bre o assunto. Os professores, então, poderiam contra-argumentar. Tal
sem dar a última p'a lavra a nesePnahço parda vlozes diversas, e até antagônicas, entendimento é expresso com clareza por Vetlesen, para quem "a habili-
uma e as Em dec ' , c'
o b servar emoções conflitantes A ,: orrencra, 101 possível dade moral é criada, alimentada e exp ressa dentro de ambientes de esca -
. . coerencla da forma d ' ,
CIrcunstâncias foi possível por t id .d ramane, nestas la reduzida, onde haja proximidade de integração social e laços pessoais"
er SI o cna o um pad - de " I
e descoberta" o qual deu fo . rao e exp oração (Aliem, 1997).
, i' rma as resp osta t "
as crianças, divididas em três ~ an agomcas. Por exemplo, '. Investigação do papel da ficção no processo dramático (análise cul-
relacionadas com o conceI'to d g:t~pos, sebl~clOnaram palavras de ordem tural) - A estrutura de ritual desta experiência permitiu aos participantes
. e e ica rece Ido pel
agncultor cada grupo formo ' , o seu grupo; na casa do investigar e representar sim bolicamente os padrões que dão significado à
las, para enfrentar as galinhas,u umaum semIClrculo diant d
dela
das i
. e e uma as Jane- sua vida cotidiana. Janet Murray afirma sobre o virtual: "as experiências
ordem, ditas individualme t s em cada Janela , As palavras de dramaticamente mais satisfatórias são aquelas que encorajam o inter-
, n e ou em coro respond d
galinhas, as quais tambe'm 'C • eram aos esafios das nauta a aplicar raciocínios do mundo real ao mundo vi rtual" (Murray,
se mallliestaram I di id I
A orquestração deste ritual or D ' n .IVI ua mente e em coro, 1997, p. 139). Em síntese, a opinião dos professores e estudantes que
das galinhas, foi o fator pri'~ipal'd~:~a:~, salIentada pe!a performance integraram esta pesquisa foi que os rituais ofereceram um exercício se-
cussões subseqüentes sobre os dil g Ja~ento das cnanças nas dis- guro sobre questões que têm valor prático e comunitário - nesse senti-
. I ernas morais em pauta
.. InvestIgação e questiona d . do, pôde ser compreendido como um "ensaio para a vida real". Sob este
lise ideológica) A discussa mdento, os valores subjacentes ao texto (an ã- ponto de vista , dois aspectos foram d iscutidos: o do teatroparticipativo
. o os sIstemas de I ' 1"
ocorreu previamente à experiência _ d va orol,mp ICltOS no texto e o da autoria, O teatro participativo usualmente toma a forma de uma
conto, das formas de focalizá-lo e rela ~ra~t~ a an álise ~o,~onteúdo do disputa entre oponentes - é a oposição a um determinado contexto,
na comunidade; e posteriormente _ a~lOna- ~ com as id éias correntes circunstância, ou personagem, que une as ações de um grupo heterog ê-
gens e questionamentos onde ' ser cnado o caderno com irna- neo. Nesta experiência a oposição "esposa católica versus família bruxó -
._ as cnanças pudera' .
ruoes sobre os conflitos represen t d A m regrstrar suas 0pI- lica" foi salientada pela sua atualidade no contexto atual dos participan-
de vista coletivo pelos processo a lOS. tentativa de definir um ponto tes, "A oposição", diz Murray, "é um dos mais difundidos e penetrantes
, ' ii res, evou o grupo di
diferentes perspectivas de se a issecar o conto e as princípios organizadores da inteligência e linguagem humana. Assim
cações e estarem preparados;/ersonagens, a fim de ?rever suas impli- como nós automaticamente organizamos o mundo temporal e espacial
alguma postura definitiva ou ra argu~entar sem carr na armadilha de em características opostas (noite/dia, alto!baixo, direito/esquerdo), tam-
dade, diálogo e respeito mút preco~ceIt~osa..Os conceitos de solidarie- bém o fazemos com as coisas que acontecem no mundo: Deus/Diab o,
112 uo, po em ImplIcar um entendimento co-
macho/fêmea, Caim/Abel. . :' (Murray, 1997, p. 145).
113
Se o contexto real intensificou a estru tura dramática do conto "As
Três Bru xas", os rituais ampliaram a lib erdade da s crianças terem "voz"
no processo. Entretanto a autoria do texto, indiretamente, foi does)
professor(es), uma vez que foi a narração da história, os personagens
representados pelos adultos e a estrutura das atividades que em última
instânci a definiram a atmosfera' e o texto teatral. Adaptando uma das
afirmações de Murray sobre a autoria na mídia eIetrônica para a área CONSIDERAÇÕES FINAIS:
do Drama, é possível dizer que "autoria é aqui entendida como procedi-
O DRAMA E O TEATRO CONTEMPORÂNEO
mento. Autoria procedimental sign ifica escrever as regras p elas quais os
textos aparecem tanto quanto escr ever os próprios textos. Sign ifica es-
crever as regras para o envolvimento interativo dos participantes. O au- A evolução do drama reflete os desenvolvimentos ocorridos
to r procedimental cria um mundo de pos sibilidad es narrativas. O inte- no teatro contemporâneo nas últimas d écadas. O teatro experim en tal
rator faz uso deste repertório de possibilidades para improvisar uma dos anos 1960 já vinha enfatizand o as noções de processo e transformação,
situação particular entre muitas outras que o autor pôs à sua disposição baseadas no aqui e agora do confronto de papéis. Práticas pós-modernas
(Murray, 1997, pp. 152-3). Nos rituais descritos acima, os professore s, também estão refletidas no drama: fragmentação e redistribuição de pa-
tal como o autor procedimental do texto eIetrônico, atuaram como co - péis, abordagem não linear e d escontínua, retomada de temas e textos
reógrafos e supriram os ritmos, o contexto, e a série de situações que clássicos, diluição da distinção entre atores e espectadores, mudanças de
foram representadas. Anteriormente a cada evento ou confronto, os pro- perspectiva - investigação do tema de pontos de vista distintos.
fessores no papel de pa rceiros das crianças, através de pista s, questiona- Específico ao drama no contexto escolar, ou em contextos periféricos
mentos, suge stões, introduziram as info rmações com as quais foi pos sí- com não-atares, é a mediação constante do coordenador, que nos pro-
vel desenvolver os rituais. O importante aqui é que quando os rituais cessos analisados nesta publicação, assumiu o papel de dramaturg jun-
aconteceram, a excitação de exercer o poder durante as confronta ções e tamente com um a equipe de professores, alu nos estagiários e bolsistas,
fazer as galinhas reverter a m agia , levou as cri an ças a deIetar a m emória que alt ernaram em várias ocasiõ es a função de professores -personagem.
da ajuda anterior e a se sentir como verdadeiros autores do texto teatral. Esta mediação, através da ação e não apenas verbal, na qual professor(es)
Ética esteve no centro de todo o processo uma vez que os participan - e alunos interagem dentro de um contexto de ficção, apresenta resul-
tes estiveram envo lvid os com reflexão e resposta aos dilemas m orais e tados imediatos. Na carênc ia ou insuficiên cia de resposta, o professor-
padrões que circu nscreveram os contextos da ficção e o atual. O foco . per sonagem estende a situa ção ou muda o estilo até perceber alguma
em ética em vez de moral acentuou o papel das crianças como donos mudança na recepção. Os papéis ou funções adotados pelo professor-
dos critérios que definiram quais as atitudes que seriam corretas sob tal personagem são avaliados em termos de:
contexto e circunstâncias. • Informação passada aos alu nos - sobre o contexto, a situação
dramática e os papéis que o grupo está sendo desafiado a adotar.
.• Atmosfera gerada pelo papel does) professor(es) - m ediante o
uso seIetivo do vocabulário, do registro d e detalh es, da ação, figurino,
relações com obj etos e espaço.
114 115
.• Desafios introduzidos com sua atuação: pistas ou problemas a se- ras conduziu o processo, que incluiu investigação de fatos históricos,
rem interpretados, interações e enfrentamentos. memórias da comunidade e construção de im agens pelas crianças. As
A tarefa posta ao professor se aproxima da do diretor contemporâ- várias edições deste projeto aprofundaram a compreensão, pelos pro-
neo que visa romper os limites do espaço cênico e ampliar a interação fessores, da importância e implicações de associar ficção e realidade, his -
ator-espectador. As estratégias que facilitam a interação de grupos gran- tória e h istórias para se obter verossimilhança e validar a experiência.
des e heterogêneos também apresentam similaridades com as do RPG O po nto de partida para "Plantas da Ilha" foi o encontro de um baú
(denominação generalizada e internacional do "role play game"), quer contendo fragmentos de cartas, documentos e objetos envelhecidos, e o
de mesa, CDs ou internet - neste caso a atuaç ão de quem está mes- desafio para decifrar suas pistas. Essa etapa da pesquisa teve vários aspec-
trando o jogo assemelha-se à do professor-personagem - o contexto e tos em comum com os RPGs de mesa (onde espaços, lugares e acidentes
as regras do jogo equivalem ao pré-texto utilizado pelo professor para geográficos são introduzidos por meio de tabuleiros ou cartões), a narra-
delimitar o processo. tiva está centrada em problemas ou obstáculos, e a ação é determinada
O pré-texto das "Cavern as" foi um vídeo sobre a exploração da ca- por cartas ou pela proposição de quem está mestrando o jogo . Neste pro-
verna de São Mateus, em M inas Gerais, mostrando o grupo de espeleó- cesso o conteúdo do baú funcionou como um quebra-cabeça, persona-
logos preparando a expedição e sua realização. O vídeo forneceu ao pro- gens inesperadas (professores-personagem) surgiram no percurso de uma
fessor parâmetros para introduzir situações de risco e perigo, tensões, trilha, contaram fragmentos de histórias para deslanchar a narrativa, e
mistérios, tarefas relacionadas com a função do espeleólogo. Da mesma rituais foram realizados para solucionar coletivamente os problemas.
forma, indicou o potencial interdisciplinar do tema: constituição e con- O material introduzido no decorrer destes processos dependeu do
dições climáticas dos d iferentes tipos de cavernas, formas de vida, histó- questionamento e interesse do grupo e das tarefas estabelecidas pelo pro-
rias de descobertas e explorações. Como recurso para introduzir con- fessor em função das necessidades cênicas e de aprendizagem. Na segun-
texto e as informações sobre o assunto, o vídeo é usado na forma de da experiência realizada com o tema Cavernas, por exemplo, foram in-
projeções no teatro contemporâneo. troduzidos um bastão e uma peça larga de pano como foco para os
Em "Conchas e Caramujos", a campanha Conhecer para Apreciar; jogos teatrais. O objetivo inicial foi exercitar e enfatizar "as regras" do
Apreciarpara Preservar, introduzida por uma representante da Associa- jogo teatral, a fim de acompanhar a evolução das crianças quanto à aqui-
ção de Preservação do Meio Ambiente, foi o contexto para o papel dos sição da linguagem cênica - a interação através de um objeto, a manu-
cientistas: as crianças receberam vidros contendo diferentes espécies de tenção do espaço c ênico, a postura em relação ao espectador, o foco no
conchas e caramujos para classificar com a ajuda de enciclopédias sobre problema a ser resolvido, etc. Paralelamente, os objetos escolhidos para o
o assunto. O processo intercalou entrevistas com jornalistas e repórteres jogo possibilitaram que situações relacionadas com o tema caverna vies-
(professores-personagem) e construção de narrativas espetaculares em sem à tona - o tecido foi transformado em barraca; o bastão foi utiliza-
grupos. Tecer um intertexto, que inclua ciência, tecnologia e ficção é tam- do por um andarilho que com ele acabou descobrindo um sambaqui.
bém uma abordagem contemporânea. A qualidade do material estimulou a investigação pelos alunos, e pode
Com o projeto "Açorianos': os participantes assist iram a uma cena dar sentido à pesquisa em grupo. Assim, no processo "Conchas e Cara-
teatral montada por dois bolsistas, mostrando um casal nas Ilhas de mujos", a introdução deste material, em vidros rotulados segundo sua
Açores, discutindo as vantagens de desvantagens de partir, cada qual com classificação em espécies e tipos, acarretou um envolvimento imediato
uma postura diferente. O confronto das diferenças e das múltiplas leitu- na atividade. Como conseqüência, familiares se envolveram na coleta de
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livros, discos, quadros) e institucionalizadas (escolaridade e outros cur-
amostras nos finais de semana o que veio alimentar tanto o processo
sos realizados) . É a partir da contribuição dos alunos - recepção e pro-
dramático (com histórias da comunidade) quanto a pesquisa em sala
dução - que a construção da narrativa acontece. O professor propõe
de aula pelo professor da classe e as crianças.
as tarefas que irão definir o próximo episódio do processo dramático com
Como os processos dramáticos tiveram como referência questões pre-
base no material que veio à tona no episódio anterior. Ele pode, e deve,
sentes na comunidade, porém tratadas de forma não usual, eles funcio-
desafiar as posturas assumidas pelo aluno, mas fará isso ao criar pro-
naram como um desafio e garantiram um elo constante de troca de in-
blemas para serem solucionados por meio de diálogos ou ações físicas.
formações escola-comunidade. Esta troca foi também facilitada pelo livre
Se o professor utiliza um texto como pré-texto para delimitar o pro-
acesso aos objetos de estudo, os quais, presentes no ambiente familiar,
cesso, a história não é disponibilizada aos alunos, evitando-se assim que
adquiriram entre as crianças um status tanto "científico como artístico".
eles a reproduzam em vez de se apropriarem dela. Situação e tensão dra-
Essa reflexão levanta a questão: até onde ou quanto pode o professor
mática são introduzidas pelo professor para serem enfrentadas e solu-
participar do processo dramático? Se o professor participa sutilmente,
cionadas pela ação do aluno. Quando o processo narrativo resulta de
quão longe ele poderá ir? Pode o professor participar e ainda assim con-
uma seqüência de episódios, a narrativa decorre da leitura ou interpre-
trolar a turma?
tação que o grupo faz das ações e tarefas em que se basearam os episó-
Para Bourdieu (2001), "As relações de comunicação são, de modo in -
dios. Em vez de uma seqüência de atividades centradas em uma história
separável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no con-
preestabelecida, temos uma seqüência de atividades baseadas em ações.
teúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas
Cada episódio está centrado em uma ação dramática que requer uma
instituições) envolvidos nessas relações". A reflexão sobre alguns conceitos
tarefa para ser efetuada. Esse procedimento está embasado na idéia de
básicos utilizados por Bourdieu em seus escritos sobre o campo da educa-
que a participação do aluno revela o conhecimento, habilidades e atitu-
ção tem nos levado a observar o potencial do drama como método de ensi-
des que correspondem ao seu capital cultural.
no para ajudar o professor a mudar posturas e atitudes tão entranhadas
O conceito de habitus, tal como util izado por Bourdieu, tem auxilia-
nesta área e na do fazer teatral em escolas, que passam despercebidas ou,
do e motivado a análise das experiências com drama como método de
em casos contrários, são aceitas como naturais e inquestionáveis.
ensino. Segundo o autor, habitus é a estrutura internalizada, são os va-
Diz o autor, que "o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível,
lores, as formas de percepção dominantes incorporadas pelo indivíduo,
o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não que-
e por meio das quais ele percebe o mundo social, percepção que, por sua
rem saber que lhe são sujeitos ou mesmo que o exercem" (2001, pp. 7-
vez regula nossa prática social (1996, p. 20) . A percepção da diferença na
8) . Tal exercício, caracterizado pelo autor como "violência simbólica" é
expressão de valores e visões de mundo - por professores e alunos - é ·
assim difícil de ser percebido; na escola pode estar associado à falta de
fundamental tanto para a construção da identidade, quanto para pro-
oportunidades para desenvolver a criatividade e à imposição de conteú-
mover mudanças na esfera artística e comportamental, ou para a tessi-
dos sem interesse e sign ificado para os alunos.
tura de um texto contemporâneo.
O drama, neste sentido, é um método de ensino cujos aspectos estru-
A contemporaneidade no campo educacional inclui uma dimensão
turais e estratégias garantem ao professor o exercício de ouvir o aluno e
interd isciplinar. A complexidade de um projeto com esta perspectiva, no
abrir oportunidades para que ele investigue as situações dramáticas a
Brasil, passa pela questão de espaço e tempo para professores de áreas
partir de seu capita l cultural - segundo Bourdieu, os conhecimentos e
distintas articularem seus conteúdos específicos. Tal articulação requer
experiências incorporadas (viagens, leituras, etc.), objetivadas (posse de
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mais que uma ou duas semanas de planejamento no início do semestre resultado. Pensar que criatividade é prerrogati va das áreas artísticas tam -
- ela exige um processo contínuo de investigação. O drama como eixo bém é equívoco. Ademais, na perspectiva do aluno, é importante que dife-
curricular é posto aqui como um a altern ativa que ao prover um proces- rentes metodologi as, estilo de ensino e atmosfera de trabalho co-existam .
so artístico e uma reflexão estética que trazem à tona questões pertinen - Elas são fundam entais para um ensino que propõe incluir diferenças.
tes às demais áreas cur riculares, não requer planejamento conjunto. Ao O problema "bicicleta" mostra ainda a importância de se estabelecer
contrário, con sidera-se aqui fund amental a autonom ia dos pro fessores a diferença entre ficção e realidade - compr eender que a ação dramáti-
das demais áreas cur riculares para focalizar as que stões que eventual- ca é intencional dentro de um contexto de ficção. A postura e o questi o-
ment e lhes sejam trazidas pelos alunos. Essaautonomia justifica-se pela namento do professor, além de estim ular a busca de respostas originais,
perspectiva tanto do fazer teatral com o no das demais disciplinas . irão sustentar e dar continuidade ao processo dr amático.
No primeiro caso, é importante que o contexto da ficção e os focos Este episódio leva a outra questão, presente no debate sobre contem-
de tens ão dramática sejam preservados durante todo o processo - os poraneidade, com repercussões significativas na área do ensino - o das
episódios pod em incluir atividades de expressão oral, escrita, gráfica, pic- múltipl as leituras e o que estas envolvem: pro cessos de negociação e ava-
tórica, corpo ral, além de investigação científica e histórica. Entretanto essas liação.
atividades não são avaliadas quanto à sua exatid ão e relação com as res- As interpretações individuais variam apesar da delimitação do con-
pectivas áreas de origem, e sim pela sua coerência com o foco dramático texto, circunstâncias e convenções estabelecidas pelo texto e pelos parti-
e como evidência do engajamento emocional do aluno com a situação cipantes. Elas dependam não apen as do conhecimento e domínio que os
sendo explorada. Por exemplo, no drama Açorianos - a Travessia, um a particip antes possuem sobre a forma artística a que se refere o texto (dra-
das crianças , ao listar os itens da bagagem que levaria consigo , incluiu mático e teatral) , mas tamb ém do gosto e experiência pessoais.
um a bicicleta. Um observador, professor-visitan te, sugeriu à estagiária Assim sendo, um proce sso coletivo estará baseado na "negociação de
que participava de seu grupo, que interrompesse a atividade e fizesse um a significados" (Bolton, 1986, p. 248), uma vez qu e para pro sseguir com a
linha do tempo, mostrando às crianças que a travessia acontecera quan- narrativa os atores precisam levar em consideração a pluralidade de lei-
do o bisavô da bisavó (mais ou meno s isso) tinha a idade dela e que a turas do episódio anterior, o que passa a ser precondição da negociação
bicicleta só fora invent ada séculos após. A estagiária me perguntou o dos significados em dois aspectos:
que fazer, e a orientei a responder a essa sit uação como se o personagem 1. para assegurar qu e o texto coletivo considere as opções individuais
da criança possuísse um objeto estranho com rodas parecidas com as - o que é basicamente uma estratégia democrática além de assegurar o
de um carro de bois, porém feitas com material desconhecido e brilhan- desvendamento dos julgamento s de valor dos leitores;
te; um objeto eno rm e que o homem movia com os pés, o qual parecia 2. para evitar a imposição de interp retação tanto do grupo quanto do
coisa do diabo , etc. O objetivo era dar pistas para que as crianças perc e- diretor - ao con siderar diferentes leituras é improvável que seja tomada
bessem o problema, sem sair do contexto dr amático. qualquer decisão final sem serem ouvidos os demais participantes.
A linha do tempo poderia ser trabalhada na aula de históri a, caso as Con siderar a função do "leitor" impl ica assim um a relação dialógica
crianças quisessem levar o problema adiante, e se o professor de história entre diretor e aluno, onde ambos trabalham juntos na bu sca pela me-
considerasse isso oportuno no momento. É importante lembrar que pro- lhor forma de expressão . A avaliação nesse sentido não é uma tarefa
fessores de áreas distint as adotam diferentes abordagens e metodologi as, individual, mas uma oportunidade para o ator tentar ações e atitudes
com que se sentem mais à vontade e, em decorrência, alcançam melhor alternativas. O grupo como um todo figura como co-participant e no
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processo de avaliação e poderá auxiliar a remover os "pontos cegos"
que podem limitar a percepção do processo e do produto.
Nesse sentido é possível dizer que a relação dialógica conduz a um
modelo pedagógico que previne três problemas básicos da construção
da narrativa teatral em grupo, e incidem diretamente sobre o processo
de identificação com o terna, o engajamento com a atividade, e a manei- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ra como o ator vê a si mesmo:
1. previne a separação entre conhecimento e ação - a qual leva a
focalizar comportamentos em vez de conhecimento em artes. Por exem-
plo, valorização de atores superativos e extrovertidos em detrimento dos Allern, Tor-Helge. "Drama and aesthetic knowing in (late)modernity".
que seguem processos mais minuciosos ou sistemáticos de trabalho. Paper. Victoria/CA conference, 1997. . ' .
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coerências na narrativa, favorecendo um relacionamento diretor-aluno ty. Londres: Routledge, 1990. . .
Barthes, R. The Pleasure of the Text (trad. Richard MIller). Nova York:
em que o argumento informa a prática.
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3. previne que contribuições individuais sejam desconsideradas - uma
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identidade grupal pode levar à fixação de posturas e interpretações que _-o The Responsibility of Forms - criticai essays on mUSlC, art and
elimina diferenças. representation. Oxford: Blackwell, 1986. .
Essas considerações deixam evidente que a interpretação não é neutra, Barba, Eugenio. Beyond the Ploating Islands. Nova York: PAJ Publica-
ela reflete os valores operando no campo em que é realizada. Ao focalizar tions, 1986.
o leitor, os argumentos sobre valores antagônicos são abertos a todos os Barba, E. & N . Savarese, N. The Dictionary of Theatte AntiJropology.
participantes no processo. Portanto, considerar a leitura e a interpretação Londres e Nova York: Routledge, 1991.
como processos baseados em valores estéticos e políticos traz conseqüên- Benjamin, Walter. UnderstandingBrecht. Londres: Verso, 1.992.
cias importantes para a natureza da atividade, uma vez que não se pode Bennett, Susan. TheatreAudiences - a theory of pro âuction and recep-
mais alegar uma natureza a-histórica do conhecimento, nem contar mais tion. Londres: Routledge, 1990.
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com um modelo fixo a ser seguido para valorizar algo.
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aponta para o que tem sido considerado como papelprodutivo do leitor. Bolton, Gavin. New Perspectives on Classroom Drama. Hemel Hernp-
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por Tzvetan Todorov, 1980) como uma peculiaridade dos textos de ficção. Bolton, Gavin & Dorothy Heathcote. Drama for Learning. Portsmouth:
Pode-se dizer que em Teatro Educação - na escola e na comunidade Heinemann,1995. .
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Daniela Cristina de Medeiros Andréa Beron
Daniela Gatt i Antô nio Vargas
Gabriela Ferreira Gustavo Cabral Vaz
Gerson Luiz Muller José Henriq ue Nunes Pires
Giselle Ventura Flávio Vidigal
Heloise Baurich Vidor Marcelo Cabral Vaz
Ivan de Toledo Santos (bolsista de
extens ão ) As experiências aqui relatadas acon -
Juliana França teceram na Escola Desdobrada Mu-
Kát ia Kruger nicipal João Francisco Garcez .
Lígia Vargas Marilde [uçara da Fonseca (dlr eto-
Manoela Paula de Sousa ra de 1995 a meados de 1997)
[anu ária Silvestre Querino (diretora
Margareth Klein
MelissaFerreira (bolsista de extensão) do segundo semestre de 1997a 1998)
Muri lo Magalhães
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